Hume: um certo conceito de uniformidade da natureza

July 18, 2017 | Autor: Nilo Reis | Categoria: David Hume, History of Philosophy, Filosofia
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Artigo 4

Hume: Um Certo Conceito de Uniformidade da Natureza

Nilo Henrique Neves dos Reis Professor de Filosofia Universidade Estadual Feira de Santana Mestre em Filosofia PUC-SP

Ideacão Especial, ano de 2005, Nilo Henrique Neves dos Reis

Hume: um certo conceito de uniformidade da natureza

RESUMO: O objetivo central deste ensaio é o de refletir sobre um determinado conceito em David Hume, saber, de Uniformidade, e em especial, na Investigação Sobre o Entendimento Humano. Tal tentativa procura esclarecer se é ou não possível discutir sobre uma uniformidade da natureza. PALAVRAS-CHAVE: Uniformidade, natureza, David Hume. ABSTRACT: The main purpose of this essay is to reflect upon a partucular concept in David Hume work, Uniformity, focusing particularly on the An Enquiry Concerning Human Understanding. Such attempt seeks to clarify if it is possible or not to argue about the uniformity of nature. KEY-WORDS: Uniformity, nature, David Hume.

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Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

Nilo Henrique Neves dos Reis

As forças da Natureza são muitas vezes imprevisíveis. Contudo, dadas algumas informações, é possível escapar às suas intempéries e assim navegar sem maiores infelicidades. Em verdade, alguns homens possuem um espírito perseverante de tal modo, que, se sua vida fosse levada para encalhes ou empreendimentos dispendiosos e sem retorno, ainda assim, continuariam com seu caráter náufrago, esperando que um dia, pelo menos, possam ter contribuído para o bem da humanidade, embora tenham uma existência de insucesso. As águas salgadas dos oceanos fazem com que alguns homens se percam na agitação de sua imensa massa, isolando o indivíduo de seu continente e de seus semelhantes em uma pequena e isolada porção de terra. Separado de seus pares, sem relações dialógicas, o sujeito sente, às vezes, a perda de sua humanidade e, por conseguinte, de sua espécie; desencaminhado, continua a existir, porém, suscetível a todo instante de não durar muito em dada situação. Dadas as más condições, deixa de apoderar-se de tudo à sua volta, enfraquece em seu espírito o ato de adquirir conhecimentos necessários à sua sobrevivência. Mas, uma ou outra vez, alguns percebem o embaraço de sua situação e, mesmo sem um interlocutor, conseguem perceber o universo circunvizinho e formar idéias e compreensões que ultrapassam a sabedoria daqueles que teoricamente deveriam entender o aviso da coruja de Minerva. De um modo muito peculiar, um náufrago precisa entender a regularidade dos eventos em sua ilha para esperar resultados motivados de eventos também determinados. Em sua maioria, a espécie humana deixa a penúria de sua localização retirar a soberania do espírito, mas outros resistem 107 e, de forma magistral, deixam uma herança inconteste, ainda que fique frondeada na história. David Hume foi considerado em seu tempo um homem educado nas letras, na história, na diplomacia dos salões e das embaixadas, mas considerado frívolo em matéria de conheciIdeação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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mentos filosóficos. Seu Tratado da Natureza Humana , de 1793, foi burlesco de início e perigoso à moral em seguida. De algum modo, não seria engano afirmar que o pensador foi um náufrago na República Literária da (in) tolerante Inglaterra do século XVIII. As intenções de Hume são várias. Em primeiro lugar, intensificar a tolerância na Respublica Literarum dos filósofos, unir o mundo dos sábios com os bons conversadores, promover um esclarecimento sobre os temas da religião, eliminar o discurso vazio da falsa metafísica, tornar a filosofia útil à sociedade, explicar a origem dos contratos sociais; levar o filósofo para o mundo encantado dos homens não-filósofos e levar os homens não-filósofos a admirar a seriedade, o rigor da filosofia; tornar a leitura filosófica agradável, mostrar o senso estético, a sensibilidade e a capacidade crítica feminina para o mundo dos filósofos e, principalmente, que a primeira e fundamental tarefa do homem é viver1 , mas entende também que um certo ceticismo fora das ações cotidianas estimula o homem para as ciências que é, afinal, o caminho para reformar a humanidade. Hume tenta realizar na filosofia aquilo que Newton fizera na física2 . Por trás de tudo isso, encontra-se o empirismo3 , não porque fosse melhor, mas por ser a única estrada possível para escapar das absurdidades de falsas metafísicas e imposições religiosas, embora o próprio Hume tenha reconhecido que o homem, por mais instruído que seja nas ciências e por mais avançados que sejam os acréscimos tecnológicos da sociedade, nunca conseguiria eliminar uma certa predisposição para o sobrenatural e o mágico. Ora, ao discorrer sobre o homem em seu tempo, através 108 dos textos de Hume, legitimar sua figura e, em especial, sua determinação em publicar suas idéias numa determinada época, na qual a tolerância não perdoava as vozes discordantes. Afinal todos sabiam da autoria do Tratado e os seus desafetos puderam persegui-lo com algumas privações, cabendo inclusive uma certa perseguição, que culminou pelo veto à sua intenção de lecionar Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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em uma universidade 4 . Apesar de ser uma época de contestação em diversos campos, a Igreja ainda monopolizava verdades. O preconceito religioso era forte na Inglaterra e, para Hume, a situação era às vezes incômoda, pois suas idéias são críticas à metafísica tradicional e por algumas autoridades eclesiásticas eram consideradas heréticas. Havia certas objeções nas reflexões religiosas de Hume que diferenciavam as virtudes teologais e, sobretudo, a crença de um criador. Fortes razões levaram o filósofo a imaginar que o capítulo referente aos milagres poderia ser muito perigoso para compor o Tratado : cheguei a pensar em publicar junto com o resto, mas que receio viessem a causar demasiada ofensa, apesar das tendências atualmente predominantes na sociedade (Hume apud Monteiro, 1984, p. 169). Para um estudioso da história do pensamento não deixa de ser curioso esse policiamento em um país que afirma ser tolerante. À luz dessas considerações, é permitido entender que existe alguma liberdade de pensamento e tolerância na Inglaterra, conforme relata Monteiro em seu texto O Filósofo e a Censura . No entanto, sem dúvida, não é ilícito transcrever uma passagem do prólogo de Carlos Mellizo, comentando a tradução do ensaio sobre o suicídio para a língua espanhola, que demonstra como as questões religiosas eram resolvidas, em parte, naquelas searas. Conforme seu texto, que retira do E. C. Mossner, um certo Sr. Peter Annet foi processado por ter escrito uma petição The Free Enquirer e, por conseguinte, foi condenado. Porém, como tinha mais de setenta anos e durante todo o processo demonstrou uma 109 certa instabilidade mental, teve sua pena mitigada a um mês de enclausuramento na prisão de Newgate. Ser exibido publicamente duas vezes com um cartaz preso à sua frente, em que se lesse a palavra Blasfêmia. Um ano de trabalhos forçados em uma penitenciária; uma multa de 6 shillings e oito pennies e o pagamento de uma fiança de 100 libras, e de outras duas Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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de 50, que assegurarão sua boa conduta durante o resto de sua vida 5 . Essa visão, obviamente extrema, deixa vislumbrar o contraste entre a liberdade e tolerância inglesas e seu sistema punitivo; além disso, deixa subentender o infeliz aspecto do personagem Hume: sua vontade para escrever sobre os elementos religiosos e o perigo que essa crença representava para sua integridade física. Vê-se, portanto, que não há como escrever sobre David Hume sem levar em conta o aspecto da paixão, embora o próprio Hume tenha se qualificado (e de fato foi) um homem moderado nas paixões. Com este homem, que nasceu em Edimburgo, a Filosofia terá alguns pontos de vista que mereceriam uma nova consideração. Seu insucesso filosófico, sua falta de diálogo não o levaram ao silêncio daqueles que protegem a carne com a interrupção de correspondência, mas, pelo contrário, em seu acidente de recepção filosófica refaz o prejuízo de sua embarcação e a repara na Investigação sobre o entendimento humano . Dessa vez, o veículo leva instrumentos mais sujeitos à compreensão dos timoneiros em vigília. Nesse sentido, foi um experiente (valha o sentido do termo) náutico capaz de percorrer pelas margens da República Literária e aportar, séculos depois, em um seguro porto para informar que não existe nenhum lugar seguro quando se ultrapassa mais do que aquilo que foi informado pela Senhora Natureza. Diante de tal dificuldade, a razão, por si só, não tem como entender a relação de um processo de causação entre dois eventos que aparentemente se assemelham. Não pode ser um empreendimento racional, mas fruto de algum outro mecanismo. Francis 110 Bacon, que veremos adiante, preocupou-se essencialmente para a construção de um novo método –indutivo– capaz de edificar uma nova ciência e assim descobrir novas verdades. De todo modo, com David Hume convém lembrar que todo o conhecimento humano em questão de “fato e existência”, deve ser “considerado hipotético” 6 . Além disso, é necessário entender o papel da Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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imaginação no próprio conhecimento. Em uma leitura sobre a imaginação em Hume, tudo indica que é o local onde os eventos se tornam próximos ou apresentam uma situação de contigüidade entre os objetos e, ao mesmo tempo, onde se processa a relação causal; sendo assim, a imaginação ocupa uma posição de destaque e, ao mesmo tempo, não definida na filosofia humeana. Nela, as crenças 7 , os sentimentos residem ou encontram locação. A imaginação parece ser capaz de unir ou separar diversas idéias e, assim, construir relatos, fábulas ou criaturas que não encontra impressão correspondente. Pois em Hume, toda idéia de fato que queira ter uma existência real precisa de uma impressão 8 . Diante de tal poder, nada pode impedir a imaginação a edificar uma volição ou de construir relações entre eventos e objetos. As lendas sobre náufragos são diversas. Ora perdidos, ora resolutos em escapar dos seus destinos, todos procuram o regresso ao lar. Por que não dizer do bom selvagem, o famoso náufrago que se perdeu na civilização que constituiu a propriedade privada? De todo modo, cabe de início lembrar Odisseu, o industrioso heleno, que vagou pelo mar de Poseidon, buscando retornar a Ítaca; embora, Odisseu poucas vezes tenha estado sozinho e podido demonstrar sua Arete 9 aos que lhe acompanhava em diversas oportunidades. David Hume não teve as mesmas oportunidades do grego e nem foi contemplado pela proteção de Palas Atena 10 , embora tenha podido desvelar uma industriosa obra filosófica, um espírito temperante e, essencialmente, um “bom humor” que lhe 111 abriram as portas na França. Assim ele autodefinia: Um homem de disposição afável, dono de seu temperamento, de uma aberta, sociável e alegre maneira de ser, capaz de afeiçoar-se com as pessoas; pouco

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suscetível de inimizades e de uma grande moderação em todas as paixões. Sequer meu desejo de fama literária, minha paixão dominante, conseguiu jamais azedar meu caráter (HUME, 1985, p. 22).

Outro ilustre náufrago relata sua insólita experiência: Meu futuro não parecia tão bom... Na verdade prometia ser triste, com poucas esperanças de salvação. Sozinho, abandonado numa ilha deserta (...) Muitas vezes deixei-me levar pelo desânimo. Não foram poucas as lágrimas que salgaram meu rosto. Nessas ocasiões, recriminava e maldizia a Deus. Como podia ele arruinar suas criaturas de modo tão mesquinho, tornando-as miseráveis, deixando-as ao completo abandono? (DEFOE, 1986, p. 29).

De algum modo, o destino reservara algumas semelhanças entre David Hume e o personagem fictício de Defoe, Robinson Crusoé, isolado em uma ilha e impossibilitado de revelar os segredos que descobrira. A dor e o silêncio foram as companheiras de vida e, sobretudo, foi estudando e entendendo os acontecimentos do dia-a-dia que Crusoé descobriu muitos detalhes da sua situação, possibilitando descobrir e dominar os segredos de um novo jeito de viver (DEFOE, 1986, p. 31). Foi também o isolamento que proporcionou 112 a Crusoé se voltar para a natureza humana e sua tendência à mesquinharia, ou melhor, como definia Hume, a tendência humana à velhacaria. De todo modo, Crusoé só pôde tornar a vida um pouco mais confortável, quando entendeu um pouco sobre o uso de ferramentas e, também, da regularidade da natureza; de forma Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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geral, pode-se dizer que, independente das adversidades, o homem sempre observou a natureza e, de algum modo, forjou uma interpretação da regularidade de sua ação. A natureza foi lida pelo sábio, o religioso, o artista e, sobretudo, pelo homem do cotidiano. Afinal, foi atuando sobre seus efeitos que se constituiu suas artes e técnicas. O que cabe assinalar é que essas observações foram engendrando uma leitura sobre as operações da natureza e até um certo conceito, ainda que não totalmente explícito. Em verdade, a história deixou entre suas variedades de heranças, ainda que uma significativa parcela dos homens não tenham se preocupado com o assunto, muitas interpretações sobre o que é natureza. Não foi preciso nenhum grande esforço do animal homem para aceitar a idéia de que alguns eventos específicos sempre são acompanhados de outros acontecimentos peculiares, numa espécie de cotidiana regularidade 11 . Não foi preciso ser sábio, nem mesmo perguntar o que de fato se passava, a própria observação de algumas (aparentes) similitudes, insistentemente repetindo-se na natureza, parecia informar que a própria natureza se reproduz num constante devir habitual. Exposto pelo tempo e observando diversas experiências particulares e, daí transferindo por analogias com outras observações, o espírito concebe por antecipação (sem o recurso da experiência) a regularidade da natureza, embora se fale em instintos no caso dos animais. Os exemplos presentificam o processo em que, após uma série de repetições, os animais esperam efeitos de determinadas ações da natureza, entretanto 113 não sendo revelado o conteúdo ou mesmo a forma que origina esse processo. Em verdade, o costume ou hábito 12 transfere o conhecido para o desconhecido. Reforça-se, então, a idéia de que o processo de inferências indutivas é aceitável. Daí, não é senão natural imaginar que determinadas causas geram determiIdeação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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nados efeitos ou, menos filosófico, eventos similares costumam ser seguidos de outros eventos similares. Mas Hume não verá nada além dessa associação 13 , somente relações14 . A Modernidade edificou o Ideal Matemático como modelo intelectual a ser seguido para estabelecer a verdade e o conhecimento sobre as coisas. Diferentemente dos antigos que antecipavam a leitura sobre a natureza, os modernos procuraram interpretar a natureza, buscando nela a ordem e a medida, conforme o modelo citado. Nesse sentido, um novo conceito será exaustivamente discutido pelos pensadores, qual seja, o de Representação 15 . Embora tal conceito não seja discutido aqui, ele é nodal para uma aproximação do imaginário moderno, na medida em que é legítimo indagar, se a representação cumpre a função de representar os objetos ou não, assim como é possível relacionar os eventos. Se for possível determinar as propriedades internas dos objetos, se a observação e experiência desses eventos se apresentam externamente aos sentidos? De igual maneira, o que quer dizer uniformidade não é algo que, a princípio, envolva uma dificuldade etimológica. Uniformidade quer se referir à qualidade do que é uniforme. Desse modo, significa ausência de multíplices escolhas. O que cabe afirmar que só tem uma forma. Mas, o que se pode pensar sobre natureza? De início, algo que sempre acompanha o ser, embora numa perspectiva não reflexiva, estando próximo ao homem, ainda que não se tenha apercebido dela. A natureza é pressentida e o espírito tem a convicção de que ela está aí, tendo sua existência sem nenhuma oposição ou deliberação da vontade 114 humana. O conceito, para o novo dicionário Aurélio, é o de força ativa que estabeleceu e conserva a ordem natural de tudo quanto existe. O que se pensa nessa inquirição ou deixa-se mostrar é que algo que se institui como princípio e que logo, em seguida, põe a ordenação. Trata-se da essência da ordem. Convém lembrar, de algum modo, que existe um conceito de natureza que atravessa a história da humanidade. Os gregos, por exemIdeação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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plo, entendiam que o Cosmos ordenava o conjunto de todos os seres e coisas. O cosmos, sendo o universo, traz em si a natureza onde tudo ocorre, sendo hierarquizado e geograficamente definido. Aliás, aquilo que acontece, então, é uma sucessão de fatos que independem da vontade humana, cujos efeitos resultam de causas anteriores e previstas. Nesse sentido, os helenos personificaram o destino pelas moiras que cuidavam de cada ser do nascimento à morte. As moiras, como dito, eram entidades que governavam o destino dos homens e nada, absolutamente nada, na esfera humana, podia sair de seus destinos; assim, por exemplo, tal como acontece com os homens, as cidades procuravam trazer essa ordem do cosmos para si. O judaísmo tinha uma opinião completamente diferente sobre o mundo. De início, seu Deus é o criador do universo, pois nada existia anteriormente à sua presença até que a sua vontade foi criando tudo o que existe e, sobretudo, somente Ele continuará existindo após extinção de sua obra. Para o judaísmo, o Ser supremo criou tudo o que existe e por diversas vezes interviu na história humana. Assim procedeu com Adão, Abraão, Isaac, Moisés etc. Dessarte, o judaísmo trouxe a idéia de um ser superior capaz de tirar a natureza do nada, bem como tem o poder de eliminá-la quando quiser, isto é, um Ser que sobressai a essa própria natureza. Afinal, Moisés, ao perguntar ao seu Deus como deve apresentá-lo ao povo, ouve: Aquele que foi, é e será. Enquanto os gregos procuraram entender a origem das coisas a partir do Logos, os hebreus construíram uma interpretação transcendente de seu Deus sobre os frutos de sua criação, de tal modo, que era praticamente impossível vislumbrar sua essência pela inteligência humana, embora fosse possível conhecer alguns dos seus atributos. 115 De algum modo, tal como o legado hebraico, a influência grega fica também latente, uma concepção da natureza, a idéia de não criação da natureza, pois para esses ela seria incriada, faz parte do Cosmos e também ordenadora e exemplo a ser imaginado para o cosmos interior de cada homem e cidade. Segundo Lenoble16 , na ausência de um Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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surgimento, a natureza se torna uma imensa coisa viva e inteligente17 . Diferentemente, em uma leitura bíblica cristã a natureza é criada para o homem, mas este, tendo se pervertido, decai e, por conseguinte, é expulso do paraíso. Nesse instante, a natureza passa a existir em um determinado tempo e com uma função teleológica, a redenção da criatura divina e, portanto, quando ocorrer tal empresa o Senhor fará com que desapareça. O que mais cabe perceber nessa noção é que por natureza se entende um princípio, uma maneira pela qual alguma coisa ou ser surge e se desenvolve. Desse modo, pode-se ligar a um nascimento e continuação. Para Lenoble, no processo histórico houve diversas interpretações do conceito de natureza, porém sempre como natureza pensada e não por si18 : mágica, objetiva e mecânica. Se os antigos tentaram entender a natureza como uma manifestação de vontade divina e, atualmente, procura-se desvelar uma mecanização determinista, confirma-se algum tipo de relação entre o homem e a natureza que atravessa a história. Uma coisa parece certa: o homem matrimoniou, desde as mais remotas eras, com a natureza, embora, nessa união, não se tenha definido nitidamente os papéis até a modernidade. O que mais cabe pensar é a retenção de um conceito atual, mas que perpassa pela história dos homens e, em especial, na filosofia de David Hume. Não se trata aqui de buscar uma explicação profunda do termo, porém considerar as investigações do filósofo e quais as influências que esse vocábulo teve na estrutura do pensamento filosófico de Hume. A intenção, dessa maneira, é entender o mistério inseparável de um conceito fundamental para o alicerce do pensador e sua interpretação sobre esse conceito. Por mais difícil que seja entender um conceito que era 116 muito comum para a época, que se faz presente na reflexão do filósofo, mas que não é explicitado devidamente, destarte, urge estabelecer o significado do termo e como esse se relaciona com os outros conceitos do filósofo. De que outro modo, cabe perguntar ao passado, senão partindo da atualidade? Talvez fosse interessante descobrir por que um pensador Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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que tinha uma preocupação demasiada para explicar cada termo de sua filosofia não se detivesse especificamente no conceito de uniformidade da natureza. A discussão não parece ser simples, pois Hume considerava vergonhoso que a literatura não tivesse alcançado o fundamento do raciocínio e, por conseguinte, dos termos para explicitá-los. Se, de antemão, buscamos cuidadosamente encontrar o significado de uniformidade da natureza que David Hume tem em sua filosofia, embora o negando, cumpre, ao mesmo tempo, colocar a imposição de um conceito cristalizado desde a Antiguidade e que, certamente, ocupa o imaginário da época como uma espécie de lei inquestionável. No entanto, o Renascimento modifica essencialmente o conceito de natureza. A partir de agora, os homens tentam dialogar com a natureza, principalmente com Galileo, segundo o qual a natureza está escrita em linguagem matemática. Basta conhecê-la para operacioná-la. Dessa forma, na modernidade: O dogma da uniformidade da natureza (quer física, quer humana) era o fato central e dominante da história intelectual da Europa durante duzentos anos – do fim do século XVI ao fim do século XVII (A. O. Levejoy, Deism and Classicism, in Essays on the History of Ideas, Baltimore, 1948, p. 81). Hume adota este dogma e o emprega como uma das idéias centrais de sua filosofia 19 .

Conforme indica a citação, o conceito de uniformidade foi um fato presente na Filosofia Moderna e, por conseguinte, um tema direto ou indireto no cerne do imaginário filosófico. É evidente que, sendo um pensador da Modernidade, a 117 reflexão de David Hume sofre a influência dos conceitos de sua época. Por outro lado, sendo a causalidade um problema central em sua pesquisa, é curioso que o mesmo não tenha associado uma possível interpretação sobre a Uniformidade da Natureza. De alguma forma, a idéia de conexão 20 necessária foi entendida Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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como um fato imediatamente evidente e do qual não se exigia uma demonstração. Tratava-se de um axioma para a Respublica literarum. A Modernidade altera a perspectiva de mundo com seus traços característicos. A idéia de época traz o nascimento daquilo que será chamado de consciência histórica. O advento da imprensa e, por conseguinte, a facilidade barateada de cópias afetará, diretamente, a zona de reflexão. A crítica à metafísica tradicional, aos conceitos de Deus, teocentrismo, aristotelismo e a própria reforma não permitem idéias uníssonas e, sobretudo, a idéia de um universo infinito muda conceitualmente a física e a própria idéia de homem sendo um indivíduo não sujeito à submissão da autoridade. A reflexão crítica alterando a reflexão científica moderna altera também a idéia de natureza concebida por deuses e surge a idéia de natureza mecanizada, na qual os eventos se relacionam por leis necessárias e universais. Se a Natureza segue uma rotina constante e possui uma única forma, é natural que de uma observação cuidadosa de algumas exemplaridades significativas, fosse possível conduzir uma pesquisa sobre os eventos, a partir de fatos particulares para outros, até enunciados mais gerais. Acreditava-se, assim, que o uso do método indutivo conseguia aproximar-se um pouco mais dos segredos da natureza, pois deveria existir, independente da vontade humana, uma relação entre causas e efeitos nos eventos, na medida em que a uniformidade mantém a regularidade entre os casos, justificando, assim, uma interpretação racional sobre a causação. Tal assertiva foi aceita por alguns e não questionada por 118 muitos. Segundo Hume, as impressões são dados imediatos dos sentidos. Então, de qual a impressão imediata que corresponde a idéia de uniformidade? Como é possível estabelecer uma associação21 necessária entre dois eventos se na verdade só se percebe uma associação, isto é, uma relação entre eles? Não há impressões de nenhuma uniformidade Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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que foi percebida pelo espírito, pois, caso existisse, não haveria o problema humeano, kantiano etc. No entanto, existe uma idéia de uniformidade da natureza. Hume propõe-se a entender esse processo de conseqüência necessária entre dois eventos. Segundo ele, de início o procedimento indutivo não podia ser justificado em bases lógicas ou experimentais. Nota-se aqui a dimensão filosófica do pensamento humeano, visto que, ainda, não se pensava no problema da indução. Com isso, o filósofo não inventa uma situação, mas lança um olhar sobre a compreensão do conceito da uniformidade da natureza e se seria possível justificar racionalmente algum procedimento para descoberta de novos conhecimentos sobre os objetos de fato e existência. Como se vê, Hume escreve sobre um problema que não existe para sua época, ou melhor, um problema que terá que esperar alguns séculos para ser de fato entendido em sua dimensão. Uma medida estranha, porém, não tão distante, é notar mais uma vez algumas semelhanças entre David Hume e o jovem Robinson Crusoé. Seguindo os conselhos de seus entes queridos, foram impulsionados pelo desejo de seguir a vida de causídico; no entanto, ambos eram consumidos por outras pulsões. Encontraram o caminho do “mar” para proporcionar algumas aventuras. Embora com a promessa de riquezas no Brasil, Crusoé atravessa novamente as águas do Atlântico para realizar projetos comerciais na África; Hume se lança pela filosofia pensando em reformar o entendimento dos homens. Entretanto, um elemento que se revela, se pensamos no que realmente os une, é a falta de correspondência no diálogo. Crusoé, ermo em sua ilha, Hume, em suas descobertas filosóficas em uma Europa que não o entende. Solitários e dedicados aos seus projetos, esses homens não deixam de alimentar a 119 esperança de um dia serem respostados. Podemos, então, pontuar Hume com uma delimitação geo-filosófica: continua dentro do empirismo inglês, porém com algumas variantes. John Locke, no Ensaio Acerca do Entendimento Humano, 1690, critica a possibilidade de uma teoria sobre as idéias inatas, assim Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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como traça a constituição das idéias complexas a partir das idéias simples e, sobretudo, efetua um exame sobre a associação das idéias. George Berkeley, no Tratado dos Princípios do Conhecimento Humano, 1710, realiza uma apreciação sobre a linguagem e, principalmente, uma crítica à idéia abstrata. Para ele, as idéias sem alguém que tenha a percepção não têm sentido, daí que existir é ser “percebido”. Em verdade, a filosofia inglesa tinha uma certa predileção por uma compreensão do mundo com bases no empirismo. Aparecem, na história da filosofia britânica, filósofos como Roger Bacon, Guilherme de Ockham, Francis Bacon, Thomas Hobbes e Isaac Newton. Tudo isso serve como fundamento para ligação dos ingleses com o empirismo, apesar das muitas especificidades de cada autor. David Hume e o empirismo são inseparáveis. Geralmente algumas problemáticas se opõem entre aquilo que alguns filósofos defendem e suas interpretações filosóficas, mas com Hume o empirismo só cede espaço quando a questão envolve o próprio viver; nesse sentido, depois do empenho para viver é possível realizar uma atividade filosófica e aí o empirismo. Em qualquer caso, na ordem das próprias necessidades, Hume visualizou o homem em três dimensões nas quais a sua natureza se manifesta mais adequadamente: racional, ativo e social. Experiências cotidianas e similares resultam em algum constrangimento ao espírito e, talvez, em um princípio que imprime, nesse espírito, uma forte disposição a acreditar que outras experiências similares e cotidianas continuarão idênticas no presente e no futuro. Mas Hume não receava as conseqüências do conceito de uniformidade e sua relação para construção ou implicação com outros, a saber, 120 por exemplo, Necessidade e conexão necessária. Aliás, é justamente da uniformidade que se observa nas operações da natureza, nas quais objetos semelhantes estão constantemente conjugados, e a mente é levada pelo hábito a inferir um deles a partir do aparecimento do outro (HUME, 1999, p. 112). Isto é, dessa constante regularidade é que se formam aqueles conceitos e outros. É a experiência que cria situações para a sobrevivência Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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nesse mundo, fortalecendo um certo sentimento de que as coisas e eventos que se sucederam no passado irão se repetir no futuro. Aqui surge um problema: inferências indutivas ultrapassam as informações sobre certas relações. Ainda que existam propriedades internas nos eventos que não se alterem, para Hume, não se poderia conhecer tais propriedades pelas relações e de observações externas às próprias propriedades. Por conseguinte, as inferências indutivas orientam a conduta dos homens, mas são, por si, injustificáveis. Não há quem não se encante com a luminosidade proveniente da luz solar, ainda que seja pela decrescente intensidade vespertina. Consideremos agora a situação: três pessoas normais já vislumbraram todo o esplendor da hora crepuscular; o primeiro teve a oportunidade de realizar tal satisfação por 6.935 vezes aproximadamente; o segundo 17.885 vezes e, finalmente, o último por 37. 595 vezes. A partir de agora, chamaremos de sujeitos A, B e C respectivamente. Para Hume, o hábito é o nosso guia e o princípio que faz com que pela repetição dos eventos, a experiência seja útil. Seguindo tal orientação, podemos afirmar com bastante segurança que o sujeito C é aquele que reúne o maior número de repetições e, portanto, provavelmente poderá contemplar ainda 9.125 crepúsculos novos. Embora esteja claro, convém lembrar que A tem 19 anos, B 49 e C 103 anos. A suposição leva a uma projeção de mais 25 anos. Levando-se em conta as últimas estatísticas de vida, podemos supor com uma pequena margem de erro que A é o sujeito que possivelmente terá a oportunidade de contemplar outros fins de tarde. No entanto, nada garante tal simulação tornar-se real, pois tudo pode acontecer: novos medicamentos que protelem a vida, uma epidemia ou virose 121 que atinja adolescentes, um acidente ou qualquer outra coisa que seja capaz de alterar tal prognóstico. Todavia, pode acontecer, talvez, um milagre! A constituição humana insistentemente diz: faça da regularidade sua fonte de informação e nunca seja um cético em suas Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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ações cotidianas -mas a Filosofia abstrusa (termo pelo qual Hume apresenta o tipo de estudo que realiza), investigando a origem do conhecimento e, ao mesmo tempo, os limites, procura entender como se conectam os eventos díspares. Afinal, o pão que outrora alimentara alguém pode não lhe prover de energia necessária, hoje. Pode, então, a Senhora experiência prover tal fantasia a constituição humana? Percebe-se prontamente que é impossível realizar tal empreendimento, na medida em que a percepção externa dos objetos não fornece informações sobre suas relações internas. Não obstante, é evidente que a natureza mantém alguma regularidade e que, ao mesmo tempo, a natureza humana possui algum princípio, ainda que não totalmente seguro, de aproveitar as experiências passadas na atualidade. Podemos entender, pelo início do texto, que natureza e uniformidade se relacionam de algum modo. Se fosse possível entender as leis que regem a relação da causa para o efeito, seria possível entrar no domínio da natureza, realizar o sonho de conhecer a causa que gera inevitavelmente um determinado efeito e assim evitar os equívocos do acaso. O saber e transformação da natureza seriam correlatos. Em suma, o homem deixaria de ser um ser da natureza para ser seu senhor. Embora tal domínio não exista, o espírito não navega solitariamente e desinformado totalmente, afinal domina determinadas circunstâncias, pois sua memória foi recheada de objetos e de uma espécie de conjunção costumeira nos quais alguns eventos 122 apresentam aos sentidos alguma relação. Por exemplo, um ourives retira seu conhecimento técnico justamente do encontro constante de sua arte. Nesse sentido, sua cotidianidade lhe assegura um certo domínio sobre os utensílios que labora, bem como do resultado estético de seu trabalho. Se o ouro é um metal, se se funde a uma determinada temperatura e se mantém Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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uma certa solidez, porém maleável, dúctil, com brilho e na cor amarela, então se deve imaginar que tais atributos estejam amanhã na ourivesaria. Questionando tal regularidade, o artífice não teria vigência de sua própria técnica. Embora haja um elemento de fé, é evidente que as circunstâncias fornecem probabilidades de que tudo seja idêntico; entretanto, até mesmo sua loja pode não estar mais lá. Afinal, todos os eventos sobre os objetos de fato e existência são possíveis. O substantivo uniformidade aparece na Investigação notadamente na seção VIII, Da Liberdade e da Necessidade. Para Hume, sem a uniformidade nas operações da natureza (HUME, 1999, p. 112) não seria possível ao espírito formar uma idéia de necessidade. A conjunção constante entre os objetos, isto é, a regularidade de um evento específico ser seguido justamente de um outro determinado evento força o espírito, através do hábito, a imaginar que tais estão juntos e de tal maneira que é impossível depois de se ter vivido por algum tempo conceber um sem o outro no espírito. Mas tal operação, depois de examinada, mostra-se conflitante, pois a única coisa que o individuo constata é que os eventos são próximos, pois não há como descobrir as propriedades intrínsecas que poderiam visualizar a associação; de fato, o que há é uma espécie de experiência semelhante. Evidentemente que existe algum elo entre os eventos ou, como escreve Hume, seria impossível coletar quaisquer observações gerais referentes à humanidade, e nenhuma experiência, por mais adequadamente digerida pela reflexão, poderia servir a qualquer propósito (HUME, 123 1999, p. 115). Nesse sentido, admite-se que há uma regularidade da natureza e, por conseguinte, algum princípio no próprio espírito que capta e processa as informações, possibilitando o encadeamento de idéias sobre os fenômenos. Porém, é conveniente lembrar que todas as questões de fato 22 podem se alterar, Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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deixando de ser sem implicar em contradição. A uniformidade também pode ser usada como um argumento negativo para provar a permanente constância de eventos da natureza. Tal artifício foi utilizado por Hume para questionar testemunhos sobre milagres e, ao mesmo tempo, para garantir aos sentidos sua prova sensível. O próprio milagre sendo uma intervenção no curso regular da natureza, per si, depõe contra a ordenação de um Criador e de suas leis. Segundo Hume foi à própria experiência que ensinou sua regularidade e supor que essa mesma natureza seja violada em suas leis é abandonar o que o senso comum ensinou os homens a acreditar nos sentidos, embora o judaísmo e o cristianismo apresentem uma quantidade de intervenções por parte de seu Deus na história humana. Eventos similares geram eventos similares. Destarte, para que o milagre seja um evento real é preciso que esse mesmo milagre seja um acontecimento uniforme e constante. Mas isso é justamente o inverso: o milagre sendo o cotidiano... Com tal exigência à regularidade, Hume suspeita da elevada coragem de Alexandre e conseqüentemente do relato de Quinto Cúrcio. Ora, é mais comum o exagero dos historiadores do que a força sobrenatural de um homem capaz de atacar sozinho multidões (HUME, 1999, p. 114) de inimigos. Existe em Hume uma disposição para entender a natureza humana também em uma regularidade de ações. Tais ações só poderiam, efetivamente, manter sua constância se os motivos que engendraram tal volição permanecesse de algum modo similares 124 na história. Daí Hume afirmar que há grande uniformidade nas ações dos homens em todas as épocas e nações, e que a natureza humana permanece a mesma em seus princípios e operações (HUME, 1999, p. 112). O espírito, aqui entendido como natureza, para Hume, leva o estudioso a entender as circunstâncias que levam os homens a agirem de tal e tal forma. Evidente que não existe uma regra única Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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e uniforme, mas certas predileções que variam epocalmente e segundo a diversidade dos caracteres, das predisposições e das opiniões (...) tal uniformidade em todos os detalhes não se encontra em parte alguma da natureza. Ao contrário, a observação da diversidade de condutas em diferentes homens capacita-nos a extrair uma maior variedade de máximas, que continuam pressupondo um certo grau de uniformidade e regularidade (HUME, 1999, p. 115); assim, estudando cuidadosamente as pessoas em seus hábitos, se poderia formar uma idéia sobre suas ações. Com efeito, para Hume, estudando criteriosamente esse laboratório 23 que é a história dos homens, talvez, se consiga encontrar os princípios constantes e universais da natureza humana (HUME, 1999, p. 113). Embora se tente apontar um certo conceito de uniformidade na Investigação de David Hume é prudente afirmar que o princípio causal que nasce da observação, costume, experiência e crença não fornece a explicitação de tal conceito. Na perspectiva humeana, a probabilidade substitui a certeza e o mais fervoroso cético admitirá os sentidos como existentes e, sobretudo, que não importará a quantidade de inferências favoráveis para se crer em determinadas ocorrências, não se alcançará a uniformidade da natureza, embora o próprio Hume seja um tipo de cético. Ainda assim, as volições continuam se repetindo e tal como o homem, o animal se guia pelo hábito e pela espera de que tal evento mantenha sua forma constante. Se a natureza não permite incursões nas suas propriedades íntimas e ainda assim existe uma forte determinação nos eventos que imprimem uma relação de causa e efeito nos homens e animais, deve existir, pelo 125 menos, na constituição dessas criaturas algo que permita essa mesma formação e a crença de encadeamentos de fatos. Em verdade, podemos discutir sobre um conceito de Uniformidade da Natureza, na Investigação Sobre o Entendimento Humano , de David Hume? Por que o pensamento não Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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encontra nenhuma problemática sobre a hora do sol para os sujeitos e, ao mesmo tempo, em que se esclarece sobre suas idades biológicas o indivíduo A, que apresenta maiores possibilidades de contemplação sobre os futuros nove mil casos? Se circunstâncias iguais produzem casos similares e a indução se baseia numa continuidade de eventos, então o salto é legítimo? Por outro lado, mostra-se também regular que indivíduos dos tipos B e C vivem até uma certa faixa etária e, por conseguinte, é correto validar a indução de que C tem muito mais probabilidades de não vivenciar a suposta projeção. Tais projeções só podem ser edificadas após os seres terem vivido por algum período e pelo costume que foi observado no passado de realizar tais inferências, mas tudo isso só acontece se o homem mantém uma regular faixa de mortalidade. Feitas tais ressalvas antes de qualquer outra informação humeana e com vista a uma possível aproximação com a problemática que será tratada em outra oportunidade, cabe encontrar a dimensão histórica do método indutivo para, assim, elaborar alguns traços característicos do problema. Parece que Aristóteles foi o primeiro a formular a questão. De forma geral, a visão aristotélica se encaixa no contexto daquela que Lenoble chama natureza objetiva, na qual a ordem é a palavra chave. Ainda que seja importante demarcar a leitura do filósofo, nessa inquirição não chega a ser relevante um estudo específico do autor. Iniciaremos por Francis Bacon, embora se reconheça uma série de estudos que nos intervalos entre Aristóteles e Bacon se 126 edificaram. Na Modernidade, foi o inglês Francis Bacon, no livro Novum Organum , lançado em 1620, que sugeriu o uso do método indutivo. Bacon, após examinar o conhecimento de seu tempo, considerou o engano dos filósofos anteriores, o peso da autoridade, as inverdades e, principalmente, as pré-noções e os Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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equívocos conceitos. Para ele, os ídolos dificultam a aquisição do conhecimento. Como indica o título, tratava-se de uma crítica ao Organum aristotélico e, ao mesmo tempo, uma nova proposta para a construção do conhecimento. Cumpre lembrar que a lógica criticada por Bacon é a lógica formal. Para Bacon, o estudo, até aquela época, tinha se concentrado em um equívoco. Afinal, a lógica tal como é hoje usada mais vale para consolidar e perpetuar erros, fundados em noções vulgares, que para a indagação da verdade, de sorte que é mais danosa que útil (BACON, Aforismo XII, 1973, p. 21). O conhecimento medieval foi estruturado em uma ciência da especulação, sujeita a intervenções religiosas e autoritárias e que ocupa um destaque considerável na modernidade, embora seja alvo das críticas de alguns filósofos. Para Bacon, os autores se copiam e nada desvelam de novo ou útil. Tal influência é entendida negativamente por Bacon, pois o saber mostra-se inadequado para as exigências de sua época, bem como o método dedutivo é desnecessário diante da neofita arte mecânica. Segundo ele, no aforismo XI, tal como as ciências, de que ora dispomos, são inúteis para a invenção de novas obras, do mesmo modo a nossa lógica atual é inútil para o incremento das ciências (BACON, XI, 1973, p. 21). Bacon estava realmente insatisfeito com o saber do seu tempo e, principalmente, com o peso da tradição e da sua recusa em aceitar novas idéias. Em seu primeiro aforismo anuncia: o homem, ministro e intérprete da natureza, faz e entende tanto quanto constata, pela observação dos fatos ou pelo trabalho da mente, sobre a ordem da natureza; não sabe nem pode mais (BACON, I, 1973, p. 19). Desde a antiguidade que os homens não conversam com 127 a natureza, ficam fazendo leituras apressadas, mas não a escutam e, principalmente, não conhecem a única linguagem possível para estabelecer um diálogo. Para Bacon, só existem duas maneiras

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para investigação e para a descoberta da verdade. Uma, que consiste no saltar-se das sensações e das coisas particulares aos axiomas mais gerais e, a seguir, descobriremse os axiomas intermediários a partir desses princípios e de sua inamovível verdade. [...] A outra, que recolhe os axiomas dos dados dos sentidos e particulares, ascendendo contínua e gradualmente até alcançar, em último lugar, os princípios de máxima generalidade (BACON, XIX, 1973, p. 22).

Dessa forma, nenhum argumento é capaz de substituir um exame à natureza. Assim sendo, é necessário abandonar a força da tradição, imposta pela Igreja Católica, conjuntamente com a antecipação da mente, que impediam a sua real leitura. Para Bacon, a partir de agora, deve-se inverter a antecipação pela Interpretação da Natureza. Por conseguinte, uma análise crítica seria necessária para a edificação de um novo e verdadeiro conhecimento. Bacon procurou desqualificar o método e o raciocínio dedutivo de Aristóteles (silogismo dedutivo), na medida em que acreditava que tais procedimentos não favoreciam em nada a busca do conhecimento. Uma nova arquitetura se delineava no projeto de Bacon, mas um saber que ultrapasse os dogmas estabelecidos. O empirismo ganha com Francis Bacon uma argumentação adversa ao racionalismo: as verdades. A observação cuidadosa, a experimentação e, ao mesmo tempo, a idéia de uma relação entre os 128 fenômenos observados por um método capaz de conhecer nas propriedades particulares às gerais, isto é, do observado conhecer o não foi observado, baseando-se em um princípio eficiente, de causa para o efeito é a meta da nova ciência. Um novo conhecimento surgia e com ele um método que revolucionava toda descoberta de novos conhecimentos: o método indutivo. Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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Para isso foi preciso libertar as falsas noções e os ídolos vigentes, a saber, Ídolos da Tribo, Ídolos da Caverna, Ídolos do Foro e Ídolos do Teatro (BACON, XXXIX, 1973, p. 27). Evitando a antecipação e tentando conversar com a natureza o adágio baconiano se cumpriria: saber é poder. Bacon, dessa forma, acreditava que o método indutivo dava conta do novo modelo de ciência que estava surgindo, pois ampliava as possibilidades do conhecimento. Dando prosseguimento às idéias de Bacon, outros filósofos discutiram quais seriam os caminhos (métodos) mais adequados para a busca do conhecimento. Apesar de algumas discordâncias e restrições, a indução se edificou como método racional para a descoberta do desconhecido e todos, que pretendiam descobrir algum tipo de saber, deveriam empregá-lo ou considerá-lo em suas pesquisas. Hume pensa sobre problema que não existe para sua época, isto é, a justificativa racional para o uso do método indutivo é indevida, nem fazendo apelo aos recursos da experiência e da lógica. Nesse sentido, dentro de suas especificidades, David Hume tem um certo conceito de Uniformidade da Natureza em suas obras e, em especial, na Investigação Sobre o Entendimento Humano . De um ponto de vista, hoje é importante realizar uma defesa da Investigação Sobre o Entendimento Humano , apesar de ser quase um consenso entre os epígonos do filósofo que sua obra principal seja o Tratado da natureza humana . Acreditamos que a intensidade da primeira obra não retira o ardor e a intenção do filósofo com seu segundo livro. Convém lembrar que Hume 129 busca a aceitação pública de sua obra, bem como aproximar os homens não-filósofos da República literária e, sobretudo, esses dos primeiros. Ora, o pensador foi categórico em afirmar que uma parte substancial de suas idéias (dito impropriamente este conceito) estava presente na Investigação e que foi precipitado Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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em levar ao prelo, o Tratado . Em verdade, tal artifício foi edificado pela não aceitação de seu livro, mas ainda assim o autor reconhece o valor do novo livro. Destarte, vale a pena examinar a Investigação . Não se pode desconsiderar que Hume edifica sua filosofia sobre a arquitetura do empirismo. Assim, aqui, busca-se demonstrar a gênese de cada conceito que o filósofo utiliza em sua filosofia. Em verdade, a compreensão sobre a obra de Hume só é justa quando seguimos a própria linha de pensamento do filósofo na Investigação , isto é, expondo cada conceito, sua origem e seu significado, senão pode ser recôndita sua argumentação, mas, para ele, era só abstrusa 24 , isto é, diferente da filosofia fácil que era exemplarmente difundida e que tinha preferência sobre a filosofia exata e abstrusa. Mas Hume sabia que essa última era elementar para a outra. Além dessa disposição, foi ainda tentado expor a dimensão histórica do homem em sua contextualidade e, até, sua própria época, com as idéias que vigoravam. Hume é um cético, mas não deixa de reconhecer que existem diversos tipos de ceticismo. Hume, coerentemente com os alicerces do empirismo, questiona o penso, existo cartesiano. A crítica ao pensamento racionalista cartesiano se pauta justamente na impossibilidade de encontrar conhecimentos, por si, evidentes, dado que todo o conhecimento sobre os objetos, de fatos se deve justamente ao hábito e por ter-se algumas experiências que continuam se repetindo, mas esquecem que, depois das críticas humeanas, tudo está sob bases probabilísticas. A procura 130 de conhecimento sem o recurso à experiência é o erro desse tipo de ceticismo. Se as inferências indutivas pecam pelo salto do desconhecido, as intenções cartesianas pecam por confiar demasiadamente na razão; deixar a razão, por si só, descortinar o conhecimento sem o uso da observação é concorrer contra sua própria finalidade: salvaguarda contra o erro e o julgamento precipitado Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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(Hume, 1999, p. 194). Evidente que o ceticismo antecedente 25 é uma recomendação que, defendido pelos cartesianos, pode fornecer alguns mecanismos que terminam sendo úteis aos processos intelectuais. Mas, com certeza, não pode abrir mão da experiência, observação, repetição e influência da imaginação. A própria experiência só informa aquilo que já aconteceu, pois o salto para o depois, já é hipotético. A razão é tão incapaz de fundamentar uma justificativa que nem mesmo é capaz de explicar as preferências entre as paixões. Cabe sempre à imaginação guardar as idéias 26 , e a linha que separa a ficção da forte volição entre dois eventos é tênue. O homem é um ser racional, mas só... No entanto, onde ou como surge uma forte crença de que existe uma uniformidade da natureza, como aponta Hume? Parece que o estudo da causalidade só pode ser edificado na medida em que, pelo menos, a natureza mantenha uma regularidade em suas ações, isto é, caso tenha uma uniformidade. Uma coisa é certa em Hume: a suposta idéia de uniformidade só pode ser engendrada nas contínuas e semelhantes operações da natureza; caso contrário, não existiria uma volição para acreditar que determinado movimento ocorre após aquele outro. Convém lembrar que, segundo Hume, o ceticismo acontece a todo instante e é uma espécie de prevenção metodológica. Mas, por outra, ainda sendo um elemento condicional, o ceticismo deve ser abandonado na vida ordinária. Afinal, se não é possível traçar cadeias de raciocínios, pois tudo seria acaso, a vida se extinguiria. Vive-se então, na duplicidade do pensar. As críticas de Hume ao método indutivo são de tal força 131 que o problema perdura ainda na filosofia da ciência da atualidade. Talvez fosse interessante ao leitor acompanhar a celeuma historicamente 27 . Nessa situação, Hume procurou entender como o espírito realiza o salto e quais os limites do entendimento humano. Daí se percebe o valor da imaginação na construção do Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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conhecimento e que os eventos relacionados aos fatos e a existência persistem em uma regularidade, mas que podem alterar seu curso regular a qualquer instante. Embora Hume reconheça que, na dimensão do ativo e social, o homem não entenda tal problemática, do ponto de vista de um ser dotado de razão, e, por conseguinte, um cético, não existe fundamentação para estabelecer nexos entre eventos que aparentemente se assemelham. Afinal, toda informação provém dos sentidos e, portanto, são exteriores aos objetos. Daí começa uma constatação de uma natureza humana que opera segundo uma ordem em todas as épocas. Nesse sentido, é sugestivo entender a importância que Hume atribui à história. O filósofo entende a natureza humana em uma regularidade capaz de fornecer um método, puramente especulativo, sobre as ações do homem nas sociedades antigas. Talvez, por isso, considere que o conhecimento da história seja crucial para a formação de um sujeito erudito, visto que ensina a entender os eventos ocorridos no presente como similares à vida cotidiana do passado, fornecendo ainda exemplos que permitem o estudo da natureza humana e, por conseguinte, dos processos que originam alguns princípios em virtude de ações comuns. Dessa maneira, o filósofo aborda a qualidade e o papel da história como um laboratório para perceber que eventos iguais geram circunstâncias similares em outras ocasiões. Não que se trate de um devir, mas devido aos caracteres humanos. Tal tese reafirma a condição do empirismo de que a experiência é à base do conhe132 cimento e, ao mesmo tempo, nega a possibilidade de modificação na essência das substâncias, por exemplo, a passagem do ouro. Se se toca em um metal, se tem cor amarela, se tem solidez e se parece com ouro, então é ouro. Significa, conseqüentemente, que a idéia de uniformidade surge da similitude de eventos, ou em linguagem menos filosófica, causas iguais geram efeitos Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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iguais. Como é possível constituir uma idéia de uniformidade da natureza humana? É impossível, para Hume, conhecer os segredos da natureza pela observação e experiência passadas. Convém lembrar que Hume não admitia que o conhecimento de fato não fosse alicerçado na observação e experiência. Tampouco crê que a razão possa alcançar tal fundamento sem recurso às impressões. Nesse sentido, se não é um elemento racional, algum processo, sem que algum conhecimento humano o saiba, conduz a mente a ultrapassar aquilo que a própria experiência não forneceu, pois ela só informa o passado, mas o homem continua a crer que tal ocorrência continuará acontecendo no futuro e seu espírito não consegue conceber outro evento sem muito esforço. No entanto, tudo que é pode deixar de ser. Nesse sentido, a natureza, parece, cria algum princípio que suavemente constrange a mente a esperar resultados em determinados eventos que só se aparentam com outros, visto que a interioridade do objeto não é atingida e o espírito só recebe a informação de que existe alguma relação, mas sempre exterior. Mas se todo conhecimento nasce da experiência, é só perguntar: de qual impressão se retira a idéia de uniformidade da natureza? Nenhuma, no entanto, o espírito a concebe. De algum modo, tal idéia surge da relação de causa e efeito. Mas como é possível estabelecer uma relação entre causa e efeito? Somente depois de consultar o hábito e que, de alguma forma, constata-se que sempre houve uma simultaneidade entre alguns eventos, a imaginação opera segundo algum princípio de asso- 133 ciação, que estimula o nascimento de uma certa crença de que as relações entre aqueles eventos existem de tal e tal forma. Nota-se assim, que a imaginação salta sobre a informação e concebe muito mais do que a experiência forneceu. Destarte, a cada impressão continua a imaginação a estabelecer uma relação Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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entre elas. A repetição, desse modo, não é um princípio, mas um elemento indispensável para a formação do hábito, senão a imaginação soltaria em devaneios e toda inferência seria incerta. Parece um elemento elaborado pela racionalidade humana, mas só parece, visto que os animais procedem de idêntica maneira. Por conseguinte, não é a razão que concebe o encadeamento entre os eventos. Porém, a contínua repetição parece ser preestabelecida e se sugere ao espírito que há uma ordem na regularidade da natureza. Assim sendo, a uniformidade é sugerida pelo hábito que transforma a informação de dois eventos díspares em uma relação e concebe o desconhecido a partir do conhecido, alimentando na crença da regularidade, sem nenhum recurso à razão ou raciocínio do espírito. Pois, ele sempre é constrangido da mesma forma. Dessa maneira, há alguma união entre o curso da natureza e o espírito que consegue na repetição formar o hábito; há um termo médio que não é alcançado pelo espírito. No entanto, toda informação é exterior aos fenômenos e não se conhece a qualidade dos objetos, sequer da relação, por conseguinte, não se pode provar os casos não assistidos a partir do passado. O conhecimento, por conseguinte, é fruto da imaginação, alicerçado na experiência, pois, no estudo da causa e ou do efeito, percebe-se que o espírito é levemente constrangido a depositar uma determinada fé em alguns eventos em relação a outros tantos. Fica evidenciado que é impossível ir além dessa constatação. O resto é floreios da retórica ou vaidade humana. Hume conclui que não existe uniformidade da natureza como a modernidade 134 acreditava e tampouco a chance de conhecer a priori, sem o recurso a experiência. Por outro lado, reconhece o caminho da ciência e o uso do método indutivo, mas sem uma justificativa racional. A busca, então, se volta para a compreensão da constituição da natureza humana, que parece obedecer a uma regularidade, por isso a importância de se conhecer a história e, Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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ao mesmo tempo, vê-la como um laboratório de estudo dessa natureza. Afinal, os homens apresentam as mesmas características em todas as épocas. Há, segundo Hume, uma contínua uniformidade nas características humanas, em todas as épocas e nações, e que a natureza humana permanece a mesma em seus princípios e operações (HUME, 1999, p. 112). Observando a história e o comportamento dos homens, para Hume, seria possível se aproximar das paixões que movimentam o espírito humano. Existe alguma regra que organiza a conduta do animal e que a idéia de uniforme não esteja nos objetos, mas precisamente no espírito, pois a seu recurso se inferem ações a partir de dados insuficientes ao intelecto, mas que são fundamentais para sobrevivência. Talvez aqui fosse interessante desenvolver um estudo sobre a leitura que David Hume tinha dos milagres. Mas o que é isto, milagre? Milagre é tudo aquilo que não encontra uma explicação nas leis que governam a experiência humana cotidiana, sendo ao mesmo tempo um gesto, uma intenção do interventor que Ele alterou propositadamente violou um evento da natureza que em situação regular não deveria acontecer, bem como, demonstrar que os homens não têm tal poder ou recurso sem que sua vontade impere. Assim, sua intromissão nas leis permite a leitura de é seu sinal para as criaturas inferiores. Isto é, a realidade humana percebe que algo transcendente à sua situação finita, mortal e é capaz de mostrar a fragilidade humana e a sua necessidade de não se desligar do seu Senhor. Ora, todas as crenças se valeram das transgressões das leis 135 invioláveis da natureza pelo seu criador para afirmar o poderio de seus deuses. No entanto, caso existam milagres, poderia existir, provavelmente, uma ordenação da natureza, na medida em que interposições, solicitadas por seres superiores, teriam criado uma maneira uniforme do mundo proceder e, somente Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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graças à sua intervenção, fosse alterada. Nesse sentido, o milagre se manifesta sobre uma experiência uniforme, por outro lado só existem testemunhos para conclusão do raciocínio que se basta pelo espantoso. A presença ativa de seres superiores ou mesmo o Deus cristão, na história da humanidade, são latentes. Isso sim é uniforme na leitura de Hume, que o homem tenha um desejo pela ocorrência do extraordinário, por criaturas capazes de atos insólitos de modificar os eventos físicos. Entretanto, cada religião funciona como a negação ou modificação da outra. A exemplo de outra queixa à religião, tem-se a tese da transubstanciação criticada pelo Dr. Tillotson 28 , na qual não pode haver presença real do corpo e do sangue de Cristo durante a celebração religiosa. Mas tudo isso é uma outra questão. O Hábito ensinou a confiar nos sentidos e não a negá-los. Por conseguinte, o vinho que embriagou muitos e o pão que alimentou outros erroneamente continuará embriagando uns e os pães alimentando outros e nunca se transubstanciarão em sangue e corpo de Cristo, embora, se tratando sobre os objetos de fatos tudo que é pode não ser, mas, por enquanto, esse é o costume. De todo modo, com Hume vai se ter uma valorização da experiência e, ao mesmo tempo, uma crítica do inatismo cartesiano. Por conseguinte, todo conhecimento sobre fato e existência fica sob o ponto de vista da probabilidade, já que informações exteriores não podem informar sobre a intimidade dos eventos. Enfim, a idéia de uniformidade da natureza parece ter sua origem 136 na contínua sucessão entre os eventos e, sobretudo, da constante semelhança entre esses mesmos eventos. Tal conceituação difere das leituras da modernidade, principalmente por se tratar de assunto cristalizado e entendido como existente para aqueles autores, conforme o estudo de A. O. Levejoy, Deism and Classicism, in Essays on the History of Ideas 29 . Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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Embora a idéia de uniformidade seja cara ao homem, ela tem sua fonte em algum princípio velado, pois até mesmo os animais, pouco dotados de razão, orientam suas vidas por um princípio idêntico. Tal idéia possibilita um salto para além dos sentidos e, ao mesmo tempo, uma antevisão entre fatos e eventos, possibilitando a construção de encadeamento, aparentemente, lógico. Daí, de alguma forma, pode-se afirmar que o conceito de uniformidade se caracteriza na própria constituição da natureza humana e, por conseguinte, parece-se com um sentimento, uma volição. A Modernidade deixa, em parte, de apresentar a natureza como um produto divino e assim altera toda perspectiva da física, entendendo a própria natureza dentro de uma concepção mecanicista e, sobretudo, que é possível encontrar a causa eficiente (a única que restou das quatro causas aristotélica) e, por conseguinte, a verdade. A Modernidade foi um período de crises e de mudança na zona de reflexão, no entanto, foi ainda um momento de grandes narrativas, bem como de desconstrução/ construção de discursos. A idéia de um Deus criador da natureza foi motivo de atenção para uma significativa parte dos modernos, principalmente diante da mecanização do universo, mas não conseguiram abolir a idéia de Deus. David Hume filosofa sobre a estrutura da zona de reflexão, demonstrando a impossibilidade de edificar tratados, bem como de alcançar verdades irrefutáveis nas questões de fato e existência. Destarte, se Crusoé à espera de Sexta-feira encontrou, parcialmente, o outro para o diálogo, Hume teve que esperar um 137 pouco mais. De todo modo, sabendo que, no mundo das relações de fato e existência, nenhuma negação implica em contradição, tudo que é pode não ser, então, quem se arriscaria em afirmar qual dos três sujeitos tem maiores possibilidades de contemplar 9.125 novos crepúsculos? Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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Embora a cautela seja uma virtude exigida em comentários sobre os trabalhos de Hume, podemos afirmar, com algum receio, que o filósofo entende por uniformidade um certo sentimento particular de que coisas similares geram coisas similares. As repetições, aparentemente idênticas, e, outro sentimento especial, a saber, a crença, atuam sobre o espírito ou a natureza humana, suavemente constrangendo, fazendo acreditar, que aquelas observações, feitas no passado, voltarão a se repetir no futuro, pois a relação de transferência é legitima, mas que não há nenhuma possibilidade de saber ou examinar se a outra natureza tem uma certa uniformidade.

NOTAS 1

Sê um filósofo; mas, em meio a toda tua filosofia, não deixes de ser um homem. Hume, 1999, p. 13. 2 Ver Hume, 1999, p. 20-21. 3 É a posição filosófica que priveligia a experiência como o local de origem e fundamentação do conhecimento. 4 Em 1744, Hume se candidatou como professor de Filosofia da Universidade de Edimburgo, mas foi recusado. 5 Carlos Melizzo In David Hume: sobre el suicidio y otros ensayos, 1995, p. 16 6 Citação de Anoar Aiex na tradução da Investigação acerca do entendimento humano, 1972, p. 182-183. 7 Para Hume, a crença é uma espécie de sentimento que o espírito, suavemente constrangido, vincula entre algumas impressões e as estende para outras antes mesmo de acontecê-las. 8 Para Hume, o termo impressão se refere aos atos da imediata experiência. Segundo ele, todas as nossas percepções mais vívidas, sempre que ouvimos, ou vemos, ou sentimos, ou amamos, ou odiamos, ou desejamos ou exercemos nossa vontade. Hume, 1999, p. 24. 9 A excelência ou a perfeição de um ser ou órgão; aquilo que se manifesta como uma Ideação, Feira de Santana, Especial, p.105-144, jan/dez, 2005

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qualidade inerente em um indivíduo. Em geral, essa excelência vem associada ao cumprimento de uma função. Odisseu, a saber, tinha sua Arete associada a sua industriosidade. Werner Jaeger trabalha a questão exemplarmente na Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes e UnB, 1979. 10 Considerada deusa da sabedoria e da fertilidade na Grécia. 11 Segundo Hume, numa espécie de analogia que nos leva a esperar de uma causa qualquer os mesmos acontecimentos que observamos resultarem de causas semelhantes. Hume, 1999, p. 137. Hume questionará exatamente a idéia de que todo efeito tem uma causa que o produz e se é possível determinar tal princípio de causalidade. 12 O hábito ou costume é o princípio que se origina da observação e da experiência. É a observação e a experiência que informam sobre as diversas conjunções entre os eventos; destarte, o costume, de algum modo, associa um sentimento particular para aguardar no futuro os mesmos eventos que já foram assistidos. O hábito é, assim, o grande guia da vida humana. É só esse princípio que torna nossa experiência útil para nós, e faz-nos esperar, no futuro, uma cadeia de acontecimentos semelhante às que ocorreram no passado. Hume, 1999, p. 67. 13 Hume classifica três princípios de associação: semelhança, contigüidade no tempo ou no espaço, e causa ou efeito. Hume, 1999, p. 32, (grifos do autor). 14 Dentro do empirismo, alguns tentaram entender e diferenciar as idéias. John Locke (que não é objeto de estudo aqui), por exemplo, identificou dois tipos de idéias, a saber, as simples e as complexas. Hume, depois de um criterioso exame sobre as idéias, inverte o palco de suas reflexões, percebendo que todas são simples e aquelas que aparentemente sugerem ser compostas são na verdade idéias simples aglutinadas em outras, mas que não resistem a uma análise. Para ele, a imaginação tem o poder de compor, transpor, associar, aumentar, diminuir todas elas; dessa forma, Hume acredita que a discussão deva ser realizada sobre as relações entre eventos e não mais sobre substâncias e propriedades que não podem ser alcançadas pela experiência. 15 Do latim representatione. De modo lato e para cada filósofo em sua visão, a discussão é se o conhecimento poderia ser representado e se o conteúdo é afetado pelos sentidos ou pela inteligência ou não. 16 Robert Lenoble, História da idéia de Natureza, 1990. 17 Idem, p. 193. 18 O autor procura passar a idéia de que todas as interpretações foram construídas, isto é, não existe uma natureza em si mas uma natureza pensada que se articula com uma

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atitude de consciência. 19 Levejoy apud Anoar Aiex na Investigação acerca do entendimento humano, 1972, p. 170. 20 O termo conexão para Hume significa uma espécie de união, de ligação ou até mesmo de propriedade de relação entre dois elementos. Por outro lado, quando Hume coloca o adjetivo necessário, procura informar que tal relação se põe por si mesma, isto é, é imediata, dado que aquele determinado evento antecedente se deu, não pode ou só pode vir a acontecer aquele outro determinado. Daí que deixa de ser uma combinação para ser de fato uma sociedade inquebrantável. Mas é justamente essa a crítica de Hume aos eventos, visto que não há como saber se aquilo que se deu é indispensável, na medida em que o espírito só percebeu uma analogia entre coisas diferentes. 21 Para Hume, o termo vale como sinônimo de conexão, como ligação, conjunção ou similares. 22 Aquelas que são empiricamente verificadas na experiência e que sua negação não implica nenhuma contradição, por exemplo, neve branca e frio (duas impressões distintas). 23 Um exemplo clássico disto se encontra na política. Para Hume, a idéia de que todo homem deve ser considerado um velhaco é, portanto, uma máxima política acertada; embora ao mesmo tempo pareça um pouco estranho uma máxima que de fato é falsa seja verdadeira em política. Hume, 1980, p. 269 (grifos do original). 24 Para Hume, existem duas espécies de filosofia: a primeira, que ele chama de simples e acessível e a segunda, exata e abstrusa. A primeira procura orientar os homens para a virtude e a evitar os vícios. A outra, procura entender a natureza humana como um objeto de especulação e submetem-na a um exame meticuloso a fim de discernir os princípios que regulam nosso entendimento... Hume, 1999, p. 10. 25 Segundo Hume, o tipo praticado pelos cartesianos. 26 As idéias para Hume são cópias de impressões ou quando se reflete sobre as impressões. Hume esclarece também as relações de idéias das questões de fato, a saber, são proposições que podem ser descobertas pela simples operação do pensamento, independente do que possa existir em qualquer parte do universo. Hume, 1999, p. 43. Isto é, são proposições intuitivas e racionalmente evidentes. 27 Fugiria ao propósito do tema, embora se reconheça a pertinência da questão e a importância correlacional. 28 Ver a seção X, Dos milagres, Hume, 1999. 29 Ver nota 19.

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