Humor nas urnas: o exercício da cidadania através dos memes das eleições presidenciais de 2014

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Humor nas urnas: o exercício da cidadania através dos memes das eleições presidenciais de 20141 Pietro Giuliboni Nemr Coelho2 ESPM - Escola Superior de Propaganda e Marketing

Resumo Neste artigo, refletimos sobre a criação de memes, mensagens de cunho humorístico compartilhadas na internet, dentro do contexto das eleições presidenciais de 2014. A partir de uma coleta de imagens na rede social Twitter, analisamos o processo de seleção dos elementos que compõem as mensagens e como elas são recebidas pelos usuários do ambiente digital. Fazendo uma relação com os conceitos de consumo, identidade, cidadania, comunicação e cultura, apoiados em autores como Garcia Canclini, Jenkins, Martin-Barbero, Sassateli, Slater e Tondato refletimos sobre o exercício da cidadania e a apropriação de elementos culturais no processo de críticas à acontecimentos da agenda pública em um ambiente que propicia a participação, interação e socialização dos usuários. Palavras-­‐chave:  Comunicação; consumo; cidadania; identidade; cultura.

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Trabalho apresentado no GT 3: Comunicação e Culturas e Populares, Simpósio Internacional Comunicação e Cultura: Aproximações com Memória e História Oral, realizado na Universidade Municipal de São Caetano do Sul, São Caetano do Sul – São Paulo, de 27 a 30 de abril de 2015.

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Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo, ESPM-Escola Superior de Propaganda e Marketing, São Paulo – SP, [email protected]

 

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Atualmente, ao falarmos em ambiente digital e internet, é praticamente impossível deixar de falar no termo Web 2.0, que coloca os usuários digitais em um processo de produção e uso de conteúdos digitalizados. Isso faz com que possamos observar cada vez mais o surgimento de sites como blogs, wikis, vlogs e redes sociais, com conteúdos totalmente criados pelos usuários e que permitem o compartilhamento de fotos, vídeos, notícias, entre outros tipos de mensagem. A geração e compartilhamento de conteúdo fazem com que a cadeia comunicacional que conhecemos seja modificada, colocando o usuário no papel de emissor e receptor ao mesmo tempo. A tecnologia digital permite que ele seja impactado por determinadas mensagens ao mesmo tempo em que produz outras, criando um ciclo comunicacional no qual o produtor do meme tem liberdade de criar os mais diversos formatos e abordagens para as mensagens que deseja transmitir, tendo contato direto e em tempo real com as opiniões dos outros usuários do ambiente digital em que se encontra. Um dos mais criativos tipos de mensagem compartilhadas no ambiente digital são os chamados memes3, que são utilizados em ambientes de redes sociais, como o Facebook, Twitter e Instagram para transmitir uma opinião sobre determinado assunto, fazer uma sátira sobre algum acontecimento, ou apenas contar uma história. Os memes podem ser constituídos por elementos digitais diversos, seja uma imagem aliada a um texto, um tweet4, um vídeo, uma fotomontagem, uma hashtag5, e são criados pelos próprios usuários para satirizar e fazer piadas sobre os mais diversos assuntos, como os conteúdos das séries de TV e filmes, ou acontecimentos da agenda pública, como as eleições presidenciais ou os debates entre políticos, por exemplo.

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Conceito que se espalha via internet, normalmente de cunho humorístico, que pode evoluir ao longo do tempo, por comentários, paródias, imitações ou relatos sobre si mesmo. O termo faz referencia ao conceito de memes, teoria ampla de informações culturais criada por Richard Dawkins em 1976 no livro The Selfish Gene. Disponível em: . Último acesso em 11 de novembro de 2014. 4 Mensagem enviada através da rede social Twitter. Disponível em: . Último acesso em 11 de novembro de 2014. 5 Palavras-chave (tags) sobre determinado assunto acompanhadas pelo símbolo cerquilha (#) com o intuito de serem indexáveis por mecanismos de busca e reunirem mensagens de um mesmo assunto. Disponível em . Último acesso em 11 de novembro de 2014.

 

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Neste artigo, o foco da discussão será a elaboração de memes no cenário das eleições presidenciais do Brasil no ano de 2014, que se iniciaram no dia 6 de julho de 2014, com as primeiras propagandas eleitorais, e terminaram no dia 26 de outubro de 2014, com a reeleição de Dilma Rousseff para presidente. Desde o início, muitas mensagens de cunho humorístico surgiram no ambiente das redes sociais, no entanto, são enfatizadas apenas nas mensagens envolvendo os debates de 1o e 2o turno, que contaram com os então candidatos à presidência da república Aécio Neves (PSDB), Dilma Rousseff (PT), Eduardo Jorge (PV), Everaldo Dias Pereira (PSC), Levy Fidelix (PRTB), Luciana Genro (PSOL) e Marina Silva (PSB). Discutimos os memes sob a categoria de mercadoria, levando em consideração a definição de Appadurai (2010, p.22) como sendo “qualquer coisa destinada à troca”, e verificando de que forma a corrida eleitoral e a elaboração dos memes no ambiente digital são uma forma dos usuários expressarem suas posições como cidadãos, ao consumirem elementos culturais para expor suas opiniões sobre os assuntos abordados. Entendemos o consumo como sendo “o conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos” (GARCIA CANCLINI, 1995, p.53), e esses processos sempre são uma manifestação cultural, como defende Slater (2002): (...) todo consumo é cultural porque sempre envolve significado: para “ter uma necessidade” e agir em função dela precisamos ser capazes de interpretar sensações, experiências e situações e de dar sentido a (bem como de transformar) vários objetos, ações, recursos em relação a essas necessidades. (...) os significados envolvidos são necessariamente significados partilhados. As preferencias individuais são, elas mesmas, formadas no interior de culturas. Não é que todos os membros de uma cultura sejam unânimes e uniformes em seu consumo (...). A questão é que quando formulamos significativamente nossas necessidades em relação aos recursos disponíveis, baseamo-nos em línguas, valores, rituais, hábitos, etc., que são de natureza social, mesmo quando os contestamos, rejeitamos ou reinterpretamos no plano individual. (SLATER, 2002, p.131)

No caso dos memes analisados nesse artigo, o conceito abordado por Slater é adequado tanto para discutir a produção quanto a recepção, uma vez que os usuários se

 

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apropriam de elementos da cultura em que estão inseridos, aliados aos acontecimentos das eleições, para produzirem e consumirem as mensagens em questão. Ou seja, a elaboração dos memes pode ser considerada como um ato de consumo, uma vez que é necessário ao usuário consumir e interpretar as informações presentes nos acontecimentos da corrida eleitoral, ao mesmo tempo em que se apropria de outros elementos, dos campos do entretenimento, da cultura, para dar significado àquela mensagem que está produzindo dentro de um ambiente que propicia o compartilhamento e a socialização. Essa produção de memes também pode ser relacionada com a abordagem de Campbell e Barbosa (2006) para com a ressignificação de bens, uma vez que, ao selecionar elementos do entretenimento e da cultura, que serão adaptados para o contexto das eleições, afim de gerar uma mensagem satírica dos acontecimentos em questão, o usuário ocupa tanto o papel de consumidor, através da experiência, quanto de produtor, ao organizar os símbolos que deseja para expor suas opiniões e tomar uma posição dentro daquela situação: Atualmente, o uso, a fruição, a ressignificação de bens e serviços, que sempre corresponderam a experiências culturais percebidas como ontologicamente distintas, foram agrupados sob o rótulo de “consumo” e interpretados por esse ângulo. Assim, ao “customizarmos” uma roupa, ao adotarmos determinado tipo de dieta alimentar, ao ouvirmos determinado tipo de música, podemos estar tanto “consumindo”, no sentido de uma experiência, quanto “construindo”, por meio de produtos, uma determinada identidade, ou ainda nos “autodescobrindo” ou “resistindo” ao avanço do consumismo em nossas vidas, como sugerem os teóricos dos estudos culturais. (CAMPBELL e BARBOSA, 2006, p.23)

Ao construírem paródias, os usuários mostram estar acompanhando os acontecimentos dentro do universo das eleições e passam a participar de um contexto cultural que visa discutir um tema da agenda pública, o que representa uma forma do exercício da cidadania, uma vez que há a participação em um grupo que percebe sua capacidade de expor idéias e opiniões para uma vida em sociedade melhor e o faz de maneira criativa e integrada com elementos culturais. O uso da tecnologia digital auxilia nesse processo, pois propicia novas maneiras de comunicar, produzir e ser impactado

 

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por mensagens, pontos de vista e imagens, inaugurando uma nova maneira de se relacionar e de participar na sociedade moderna: O lugar da cultura na sociedade muda quando a mediação tecnológica (J. Echeverría) da comunicação deixa de ser meramente instrumental para espessar-se, condensar-se e converter-se em estrutural: a tecnologia remete, hoje, não a alguns aparelhos, mas, sim, a novos modos de percepção e de linguagem, a novas sensibilidades e escritas. (MARTIN-BARBERO, 2006, p.54)

Para que os memes sejam entendidos pelos outros usuários, é necessário que estes estejam a par dos acontecimentos que são retratados, caso contrário, a mensagem pode acabar se tornando apenas uma piada, perdendo sua capacidade de ser um espaço de expressão dos usuários dentro do ambiente digital, promovendo a participação e a formação da identidade cidadã, por meio do consumo de elementos culturais na elaboração das mensagens. Nesse aspecto, podemos relacionar com McCracken (2003), que diz que “os bens são, portanto, incapazes de significar uns sem os outros. Quando os bens mostram a distinção entre duas categorias, fazem-no codificando alguma coisa do princípio de acordo com o qual tais categorias são distinguidas” (p.105), uma vez que para que os materiais produzidos tenham o significado desejado, eles devem se apoiar nos acontecimentos daquele universo, que devem ser de conhecimento dos receptores da mensagem. A cultura detém as “lentes” através das quais todos os fenômenos são vistos. Ela determina como esses fenômenos serão apreendidos e assimilados. Em segundo lugar, a cultura é o “plano de ação” da atividade humana. Ela determina as coordenadas da ação social e da atividade produtiva, especificando os comportamentos e os objetos que delas emanam. (McCRACKEN, 2003, p.101)

Sendo assim, ao produzir um meme, seja ele no formato que for, o usuário se apoia em elementos de sua cultura, em conjunto com o assunto que deseja parodiar, no caso as eleições, para comunicar sua mensagem. Fazendo um paralelo com o que diz Miller (2011), é a partir da cultura de nosso país, de nossa cidade, que passamos a exercer nossa cidadania, no caso, tornando a mensagem presente nos memes ainda mais forte dentro daquele contexto. No entanto, para que esta seja decodificada

 

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adequadamente pelos receptores, é necessário que eles possuam o conhecimento sobre o assunto que está sendo representado. Cultura, piadas e paródias Ao acessar o site do Youpix6 e realizar uma busca pelo termo “eleições”, observamos diversas notícias envolvendo humor e memes, reunindo diversos materiais produzidos durante o período que retratam tanto as principais piadas e sátiras quanto o próprio processo das eleições, funcionando como uma linha do tempo da corrida eleitoral. Os materiais encontrados durante essa busca misturam o universo dos debates eleitorais com elementos da cultura como músicas, séries de TV, filmes, entre outros, para transmitir a mensagem, como pode ser visto nos exemplos da Figura 1. Grande parte dos materiais produzidos foram gerados em tempo real, enquanto os usuários assistiam aos debates do 1o e 2o turno, pelo Twitter, no entanto, imagens, textos e vídeos produzidos posteriormente também podem ser observados, embora não estejam disponíveis em uma quantidade tão significativa quanto aos tweets. A possibilidade de elaboração de mensagens em tempo real propicia uma maior discussão entre os usuários, que entram em contato com diferentes pontos de vista ao mesmo tempo em que acompanham o debate, possibilitando que eles possam formar novas opiniões sobre determinado assunto e criar outros materiais que serão divulgados depois. Com o debate em tempo real, o usuário fortalece seu papel de cidadão, expondo suas opiniões dentro de um grupo social e tendo contato com diferentes pontos de vista afim de agregar novas interpretações e idéias para determinado assunto. Ao fazer isso, pode-se dizer que ele mostra uma preocupação com as consequências que o assunto tratado, no caso o resultado das eleições presidenciais, poderá trazer para seu país, e sente a necessidade de se expressar e discutir seus ideais sobre aquele contexto em um

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Plataforma criada em 2006 por Bia Granja e Bob Wolheim para discutir a cultura da internet e como o jovem usa a internet para criar movimentos culturais, sociais e informação. Disponível em . Último acesso em 11 de novembro de 2014.

 

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espaço em que ele se sente pertencente e à vontade para isso.

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Figura 1: exemplos de memes dos debates presidenciais. Fonte: Youpix

Nos

exemplos

acima

podemos

observar

a

utilização

de

elementos

cinematográficos, como o filme “E.T. – O Extraterrestre” (Steven Spielberg, 1982) , e de animações como o desenho “Yu-Gi-Oh”8 para mostrar tanto a rivalidade dos candidatos quanto a posição de cada um dentro da corrida eleitoral. Em casos como os

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Disponível em e . Último acesso em 11 de novembro de 2014. 8 Animação japonesa sobre um jogo de cartas que segue a história de um menino chamado Yugi Muto que, ao remontar um antigo tesouro egípcio, desperta um espiríto dentro de seu corpo que resolve seus conflitos usando vários jogos. Disponível em . Último acesso em 23 de novembro de 2014.

 

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exemplificados acima, pode-se identificar o perfil dos criadores das imagens, seja pela sua idade, uma vez que o filme de Spielberg é bem antigo (1982), tendo um grande valor dentro do público de 30 anos ou mais, mesmo tendo cenas clássicas conhecidas por todas as idades, ou o fato de Yu-Gi-Oh ser voltado para um público mais jovem; pelos seus gostos, em animações orientais ou em filmes de ficção científica. Além disso, a utilização de elementos de humor, como é o caso de um dos exemplos, diverte o público, comunicando a opinião dos criadores sobre o debate em questão ao mesmo tempo entretendo, por meio do uso da sátira. Em outras palavras, por mais que os símbolos utilizados na construção dos memes possam não ter inicialmente um significado relacionado com o universo que estão tratando, eles são moldados e socialmente estruturados pelos autores da mensagem, que os integram ao contexto de interesse. Um programa de TV de cunho humorístico e dirigido a um público infanto-juvenil, por exemplo, adquire um caráter político, ainda que em forma de sátira, possibilitando assim a realização de associações pelos usuários por elas impactados. Um exemplo disso por ser visto na Figura 2, com elementos do programa “Chaves” sendo utilizados e relacionados aos candidatos, mostrando que o público que assistia ao debate pelo canal SBT ironizava os participantes, comparando-os a um programa com uma estética de humor infantil, no qual os protagonistas são pessoas de baixa-renda que vivem em uma vila e se relacionam de forma grosseira, com brigas e discussões; feito apenas para o divertimento e para provocar riso, e que não deve ser levado a sério.

 

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Figura 2: exemplo de meme utilizando elementos do programa “Chaves”. Fonte: Youpix9

Um exercício de cidadania Ao elaborar um meme o usuário comunica-se com a sociedade e expõe suas opiniões sobre determinado fato social, político, econômico, entre outros, se utilizando do humor para muitas vezes criticar algum acontecimento, frase ou pessoa. Podemos citar o termo “propiciadores”, abordado por Cerquier-Manzini (2010), que diz respeito à determinados fatores sociais que despertam nos homens o desejo de agir em prol daquilo que desejam para a sociedade, no caso em questão, o ambiente político propicia aos indivíduos o debate e a busca por melhores condições, o que é realizado de diversas maneiras, sendo uma delas o compartilhamento dos memes. Ao expor suas opiniões, através do meme, o indivíduo passa a exercer seu papel como cidadão, que tem consciência de seus direitos e quer melhores condições para seu país, e ironiza o que vem sendo realizado, mostrando sua insatisfação. Ao compartilhar ideias e debate-las dentro do ambiente online e através do consumo de imagens e símbolos, fica ainda mais claro que a cidadania se constrói a todo instante, nas relações sociais que temos diariamente; como defende Tondato (2010), ”é por meio do caráter simbólico do consumo que o indivíduo-sujeito dialoga com a sociedade do seu tempo, informando seus interlocutores a respeito de sua identidade, seus hábitos, posicionandose no mundo.” (p.2).                                                                                                                         9

Disponível em . Último acesso em 12 de novembro de 2014.

 

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O consumo do qual falo aqui é o consumo que parte da noção de cidadania, entendendo cidadão um “sujeito que tem consciência de que é sujeito de direitos”; que tem “conhecimento de seus direitos”, ou seja, que tenha condições de acesso a esse conhecimento e que lhe sejam “adjudicadas as garantias de que ele exerce ou exercerá seus direitos sempre que lhe convier” (Baccega, 2009). O consumo é inserido nestes direitos, uma vez que “ser cidadão não tem a ver apenas com os direitos reconhecidos pelos aparelhos estatais para os que nasceram em um território, mas também com as práticas sociais e culturais que dão sentido ao pertencimento” (Canclini, 1995:22). (TONDATO, 2009, p.73)

Esse exercício da cidadania também pode ocorrer pelo consumo dos memes, durante a recepção da mensagem, fazendo com que o usuário possa perceber os elementos que o compõem e o que ele deseja transmitir. Ao fazer isso, ele se insere no contexto daquele material e, caso compartilhe a imagem, texto ou vídeo com outros usuários, demonstra sua participação dentro de um grupo social, que partilha dos mesmos valores. (...) é através de formas de consumo culturalmente específicas que produzimos e reproduzimos culturas, relações sociais e, na verdade, a sociedade. Ser um membro de uma cultura ou de um “modo de vida”, em contraposição a simplesmente “manter-se vivo”, implica o conhecimento dos códigos locais de necessidades e coisas. Conhecendo e usando os códigos de consumo de minha cultura, reproduzo e demonstro minha participação numa determinada ordem social. Além disso, represento essa participação. Minha identidade enquanto membro de uma cultura é representada através da estrutura significativa de minhas ações sociais – o fato de que faço coisas deste jeito, e não daquele. Não só minha identidade, mas as próprias relações sociais são reproduzidas através de consumo culturalmente específico (SLATER, 2002, p.131)

Dessa forma, ao selecionar elementos de sua cultura para a elaboração de um meme, o usuário reforça sua identidade dentro de um contexto social, mostrando suas posições sobre o assunto em questão, seus gostos e preferências culturais, e exerce seu papel de cidadão, uma vez que percebe que pode expor suas opiniões dentro do ambiente digital e tem a capacidade de motivar outros usuários a fazerem o mesmo. A participação dos indivíduos dentro desse contexto os coloca em um grupo que busca

 

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defender seus pontos de vista sobre um acontecimento da agenda pública e, uma vez que há a interação e o debate de ideias dentro das redes sociais, ele se sente pertencente à um movimento maior. O sentimento de pertencimento Ao elaborar um meme, o usuário expõe suas opiniões sobre os debates eleitorais e reforça sua identidade como um cidadão que acompanha as eleições e se interessa pelo que ela pode trazer para seu país. Através de uma crítica com tom de humor, que satiriza e ironiza os candidatos, mostrando que tanto eles quanto a própria organização das eleições não devem ser levados a sério, ele mostra sua insatisfação com a situação atual, o que também ocorre quando as mensagens são consumidas por outros usuários, que podem compartilhá-las e reforçar seu caráter de insatisfação. Através do consumo então, atores sociais não apenas contribuem para a fixação de uma série de classificações culturais, não apenas se expressam através de símbolos ou comunicam suas posições sociais, mas também constituem a si mesmos e suas identidades sociais – como mulheres e homens, mães e pais, amantes e profissionais, amigos e inimigos, e, é claro, com o aumento de visibilidade da cultura do consumo, cidadãos e consumidores. Fazendo isso, atores sociais reorganizam o mundo que os cerca enquanto são moldados por ele. (SASSATELI, 2010, p.109)10

Ao consumir os memes produzidos por outros usuários, um indivíduo se torna ciente das opiniões dos respectivos autores, que ficam mais claras ao serem representadas por uma mensagem que se utiliza de elementos da cultura e cotidiano dos usuários, “o consumo usa os bens para tornar firme e visível um conjunto particular de julgamentos nos processos fluidos de classificar pessoas e eventos” (DOUGLAS e ISHERWOOD, 2004, p.115). Sendo assim, ao ser impactado por aquela imagem, texto ou vídeo, a crítica presente na mensagem pode se tornar mais direta e forte, e cria-se um universo em que a paródia e a gozação viram sinônimos de indignação e protesto, “o                                                                                                                         10

Tradução livre do original em inglês: “Through consumption then, social actors not only contribute to the fixing of a series of cultural classifications, not only express themselves through symbols or communicate their social positions, but also constitute themselves and their social identities – as women and men, mothers and fathers, lovers and professional, friends and enemies, and, of course, with the increasing visibility of consumer culture, citizens and consumers. In so doing, social actors reorganize the surrounding world while being shaped by it.” (SASSATELI, 2010, p.109)

 

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objetivo mais geral do consumidor só pode ser construir um universo inteligível com os bens que escolhe” (Idem, p.112), sendo o consumidor nesse caso os usuários de redes sociais, e os bens os elementos dos memes. Sendo assim, por mais que seja uma piada à primeira vista, os memes políticos humorísticos representam, dentro de seu contexto, uma forte crítica às posições e políticas defendidas por cada candidato, bem como à maneira na qual o país, no caso o Brasil, é governado atualmente. Através do humor, a crítica de que os usuários não levam os candidatos a sério e que as eleições poderão não trazer resultados positivos para o país fica mais evidente; uma posição desse tipo poderia ser realizada sem o uso do humor, no entanto, além de perder forças caso isso seja realizado, o uso de sátiras e paródias fortalece a identidade conhecida do brasileiro de fazer piada com tudo, até mesmo nos momentos mais sérios. Considerações Finais Ao compartilhar um meme nas redes sociais como o Twitter ou o Facebook, seja ele em forma de texto, foto ou vídeo, o usuário passa a divulgar, através de uma sátira ou piada, sua posição quanto aos acontecimentos da corrida eleitoral. Fazendo isso, ele expõe suas opiniões sobre os candidatos, suas propostas de governo e, ao mesmo tempo, sobre o atual governo do país para os outros indivíduos que são impactados por suas mensagens, que podem ou não compartilhá-las, propiciando a sociabilização característica do meio digital. O usuário, ao decidir montar seu meme, seleciona elementos culturais que sejam de fácil reconhecimento dos receptores, facilitando o entendimento de sua mensagem e enfatizando o caráter humorístico da mensagem, o que aumenta as chances desta ser compartilhada por outros usuários e ganhar forças dentro daquele ambiente. Ao fazer isso, ele se integra a um contexto e transmite a idéia de que está a par dos acontecimentos e se interessa pelo assunto, realizando críticas e defendendo aquilo que acredita ser o melhor para seu país, mesmo que através do humor. É através da exposição de suas opiniões sobre a disputa política que o usuário exerce seu papel de cidadão, defendendo seus direitos de se expressar e se esforçar para  

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divulgar aquilo que ele acha que é o melhor para a sociedade em que vive. Isso é realizado também ao consumir outras imagens, que partilham da mesma temática e reforçam sua identidade como alguém que se importa com o andamento das eleições e as consequências que os possíveis resultados dela trarão para o país e para a população como um todo. Referências APPADURAI, Arjun. Introdução: mercadorias e a política de valor. In: _______________. A vida social das coisas: a mercadoria sob uma perspectiva cultural. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2010.

CAMPBELL, Colin e BARBOSA, Lívia. O consumo nas ciências sociais. _______________. Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: FGV, 2006.

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CERQUIER-MANZINI, Maria de Lourdes. Cidadania, uma categoria estratégica para uma sociedade melhor. In:_________________. O que é cidadania. 4a edição. São Paulo: Brasiliense, 2010, Coleção Primeiros Passos.

DOUGLAS, Mary e ISHERWOOD, Baron. O uso dos bens. In: _______________. O mundo dos bens – para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004.

GARCIA CANCLINI, Nestor. O consumo serve para pensar. In: _______________. Consumidores e cidadãos - conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995.

MARTIN-BARBERO, Jesús. Tecnicidades, identidades, alteridades: mudanças e opacidades da comunicação no novo século. In: MORAES, Denis de (Org). Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad X, 2006.

McCRACKEN, Grant. Manufatura e movimento de significado no mundo dos bens. In: _______________ Cultura & Consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.

MILLER, Toby. “Cidadania Cultural”. Revista Matrizes, ano 4, n. 2, jan./jul., 2011. São Paulo: ECA-USP.

 

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SASSATELI, Roberta. Taste, identity and practices. In: _______________. Consumer culture – history, theory and politics. London: SAGE, 2010.

SLATER, Don. O significado das coisas. In: _______________. Cultura do consumo & modernidade. São Paulo: Nobel, 2002.

TONDATO, Marcia P.. “Uma perspectiva teórica sobre consumo e cidadania na contemporaneidade”. Conexiones. Revista Iberoamericana de Comunicación. RIEC/Comunicación Social ediciones e publicaciones-ESPM, vol. 2, n. 2, 2010.

TONDATO, Marcia P. “Artista-público-obra de arte no espaço social: contemplação, apropriação ou consumo?”. Revista do Mestrado em Artes Visuais da Faculdade de Santa Marcelina, ano 3, v. 3 (2º sem. 2009), São Paulo: FASM, 2009.

 

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