IDENTIDADE E HETEROGENEIDADE DAS LÍNGUAS E DOS SUJEITOS: INTRODUÇÃO AO BILINGUISMO DE HUSTON E SEBBAR

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IDENTIDADE E HETEROGENEIDADE DAS LÍNGUAS E DOS SUJEITOS: INTRODUÇÃO AO BILINGUISMO DE HUSTON E SEBBAR

Gabriela Oliveira (Unesp/Ibilce) Introdução Este trabalho analisa as implicações subjetivas do contato entre línguas, isto é, os deslocamentos identitários decorrentes do bilinguismo. A partir dos estudos e discussões

de Coracini

(2007), Prasse

(1997), entre

outros,

estudamos

a

heterogeneidade das línguas e suas consequências para a formação identitária do sujeito que busca falar (e é falado por) essas línguas. Assim, objetiva-se refletir sobre a problemática da identidade nos estudos da linguagem, e, mais especificamente, apontar para a relação entre bilinguismo e identidade, além de contribuir com os estudos sobre as questões identitárias vinculadas à problemática da(s) língua(s). Nosso estudo tem como corpus principal os livros Nord Perdu (1999), de Nancy Huston, e Lettres parisiennes: histoires d’exil (1986), composto por cartas trocadas entre as escritoras Huston e Leïla Sebbar. Tanto o livro de ensaios quanto a coletânea epistolar narram os caminhos empreendidos pelo sujeito exilado em busca de uma identificação com a língua e a cultura que o cercam, problematizando a situação fragmentária do sujeito bilíngue. O bilinguismo é aqui entendido não como fenômeno restrito aos que convivem com duas línguas desde a primeira infância, mas como acontecimento que atravessa a subjetividade daqueles que por diversas razões e em diferentes etapas da vida passaram a viver entre-línguas. Em nosso percurso metodológico, a leitura e a análise de textos teóricos e ensaísticos constituem um mesmo movimento, pois além de servir como base teórica para a interpretação de outros escritos, tais textos fazem parte de nossa tarefa de análise. O próprio corpus que consideramos como específico, os livros Nord Perdu e Lettres parisiennes, além de ser um aporte teórico, constitui o motivo principal da análise. Desta forma, almejamos construir um vínculo direto entre duas atividades (leitura e análise) que podem parecer muito distintas, mas que estão intrinsicamente ligadas.

Línguas e sujeitos A problemática das línguas passa pelas questões de identidade na medida em que ambas só ganham sentido dentro de um sistema de significação no qual foram criadas, ou seja, elas são construções sociais e culturais, portanto, instáveis. Além de compartilharem dessa instabilidade fundamental, são constitutivas uma da outra: não há processo de identificação sem a linguagem, a língua na qual somos criados interfere em como vemos e entendemos o mundo, e ao mesmo tempo, a língua é moldada pela cultura e pela subjetividade dos seus falantes. São justamente as características de instável, processual e criável que nos levam a refletir sobre a heterogeneidade das línguas e dos sujeitos, pois admitir tal caracterização urge repensar o paradigma essencialista e nos permite vislumbrar as inúmeras partes que formam o todo que chamamos de identidade. Essa multiplicidade carrega a conclusão de que a identidade é algo indecifrável e o que podemos depreender da suposta noção de identidade são apenas fragmentos: fragmentos de língua, de cultura, de história, de saberes. Para complicar, ao somarmos as línguas chamadas estrangeiras a essa reflexão, nos deparamos com o fato de que esses fragmentos tornam-se ainda mais indecisos quando se trata de lidar com a “estrangeiridade do outro” vindo de outro lugar com uma língua também outra. Jutta Prasse (1997) trabalha a questão das línguas estrangeiras, concluindo que o desejo de aprendê-las não é apenas um desejo de saber, mas sim um desejo pelo gozo do outro. A busca pela língua do Outro se dá pela inquietação “de não poder encontrar seu próprio lugar na sua própria língua materna” (p. 71) e pela “inveja dos bens e da maneira como gozam os outros” (p.71). A interdição que ocorre na/pela língua é necessária para situar esse desejo que poderíamos pensar como um anseio de ser o outro ou, até, de pertencer ao outro, ao outro meio, outro mundo, outra sociedade. Entretanto, nenhuma língua é totalmente outra, pois todas se imbricam, e constatar isso faz como que o desejo nunca se complete. Assim, a busca nunca cessa, o desejo se mantém na medida em que a língua una e possibilitadora do gozo maior se revela uma impossibilidade, uma ilusão. Nesse sentido, da mesma forma que todas as línguas que

habitam o indivíduo perpassam sua subjetividade, com seus próprios interditos e atos falhos, saber mais de uma língua acentua a fragmentação da identidade do sujeito. Ainda, sobre o desejo de aprender uma língua estrangeira, Prasse postula: pode ser um desejo de ter escolha, de poder escolher a lei, as regras e muitas vezes o mestre de nosso gozo. É o desejo de ser livre para escolher uma ordem na qual “se exprimir”, de impor-se uma ordem por um ato voluntário, aprender, enfim, como se deve falar corretamente e gozar com isso. (PRASSE, 1997, p.72)

Esse trecho é esclarecedor em relação ao corpus da pesquisa. Uma das autoras de nosso estudo, Nancy Huston, escreve em francês para se sentir segura. Tenta abandonar a língua da mãe que a abandonou primeiramente, e se apropriar da língua do outro com o intuito de se sentir livre dos recalques da língua da mãe e controladora dos sentidos do texto. Tenta fugir das emoções ligadas a língua materna e se refugiar na possibilidade de correção e revisão da escrita. Mas claro, é uma ilusão, como veremos nas análises, o que permanece é a impossibilidade de controle dos sentidos, o retorno do inglês e o sentimento de desconforto e falta de morada. Também a partir de uma visão psicanalítica, Revuz (1998) mostra que a língua é objeto de conhecimento intelectual e objeto de uma prática. Prática que envolve a dimensão do eu; ou seja, expressar-se em determinada língua exige que o sujeito mobilize formas de afirmação de seu eu e modos de se relacionar com os outros e com o mundo. A língua é constitutiva do sujeito, ela é “o material fundador de nosso psiquismo e de nossa vida relacional” (Revuz, 1998, p. 217), e as outras línguas que aprendemos entram em relação com essa matéria fundadora e a perturbam. Assim, nenhuma língua, para nenhum sujeito falante, é vivenciada somente como um mero instrumento de comunicação, mas sim como um objeto complexo em vários sentidos. Assim, ao considerarmos a subjetividade de cada um como algo único, diferenciado da ideologia geral de uma sociedade, podemos perceber diferentes relações de certezas e incertezas com as línguas, como demonstra Coracini (2007). A autora elabora em seus textos uma reflexão minuciosa acerca das línguas e, dessa forma, das identidades e subjetividades de sujeitos que vivem entre-línguas. Seu trabalho mostra que são várias as formas de se relacionar com a língua, seja materna ou estrangeira, o

que torna fluido os limites entre tais classificações. Portanto, é preciso questionar as definições tradicionais do que é “materno” e do que é “estrangeiro”, do que é “sua” língua e língua do outro. O questionamento se faz necessário para deslocar a ideia ilusória de continuidade e completude da língua veiculada pela escola e pela sociedade, pois tal ilusão traz consequências para a percepção de mundo do sujeito fazendo-o acreditar numa concepção de identidade fixa e estável e desejar a inalcançável completude das línguas. Portanto, podemos atribuir ao discurso ilusório das línguas como totalidades parte da culpa pelo desejo das línguas estrangeiras, e todas as consequências decorrentes desse desejo. Por isso entendemos que o sujeito se constitui pela e na linguagem, pois é ela que o torna desejante, castrado, incompleto, a quem falta algo e que sempre busca preencher essa falta no outro, com o outro, sem jamais conseguir. E, da mesma forma que esse desejo é o que singulariza o sujeito, já que é diferente em cada um, a relação de cada indivíduo com as línguas só pode, então, ser única. Dessa forma, a leitura das obras Nord Perdu (1999) e Lettres parisiennes (1986) permitiu perceber a relação particular de Nancy Huston com “suas” línguas, começando pelo fato de ela escrever em francês, independentemente do gênero, língua aprendida depois de adulta. Huston reflete sobre sua prática e a justifica por meio do fato de se sentir mais confiante em expressar seus conhecimentos na língua de adoção, enquanto que a língua da infância a faz relembrar o passado castrador. A relação de Huston com suas línguas pode ser evidenciada nas seguintes passagens: é em francês que eu me sinto à vontade em uma conversa intelectual, uma entrevista, um colóquio, toda situação linguística que faz apelo aos conceitos aprendidos depois de adulta. (HUSTON, 1999, p. 61)12 a língua francesa (e não apenas suas palavras tabus) era, em relação a minha língua materna, menos carregada de afeto e, portanto, menos perigosa. [...] Ela me era indiferente. (HUSTON, 1999, p. 63-64)3 1

Todas as traduções são nossas, salvo indicação em contrário nas referências. c’est en français que je me sens à l’aise dans une conversations intellectuelle, une interview, un colloque, toute situation linguistique faisant appel aux concepts et aux catégories appris à l’âge adulte. (HUSTON, 1999, p. 61) 3 la langue française (et pas seulement ses mots tabous) était, par rapport à ma langue maternelle, moins chargée d’affect et donc moins dangereuse. [...] Elle m’était égale. (HUSTON, 1999, p. 63-64) 2

Para Huston, a “língua materna” está ligada às fortes emoções, à falta de controle e, por isso, nos momentos de estresse seu sotaque aparece e as palavras francesas lhe faltam. Por outro lado, essa língua chamada “materna” já não é mais a mesma. O contato com outra língua traz mudanças também para a língua da infância. As línguas se misturam e o limite entre “língua materna” e “língua estrangeira” deixa de ser claro e visível, pois as duas fazem parte da identidade desse sujeito, levando à sensação de que “possuir” duas línguas significa não dominar nenhuma. A respeito dos limites entre uma língua e outra, Huston escreve: O problema, veja você, é que as línguas não são apenas línguas; são também world views, ou seja, modos de ver e compreender o mundo. Há o intraduzível aí... E se você tem mais de um world view... você não tem, de um certo modo, nenhum. (HUSTON, 1999, p. 51)4

Essa consciência da impossibilidade de apropriação das línguas traz consigo questionamentos para a identidade desse sujeito entre-línguas. O fato de que língua e cultura estão sempre imbricadas, somado à percepção de que nossas identidades se formam por meio delas, torna evidentes a multiplicidade e a heterogeneidade constitutivas da resposta da pergunta “quem sou eu?”. Nas palavras de Huston: Quem somos nós, então? Se não temos os mesmos pensamentos, fantasmas, atitudes existenciais, até opinião, em uma língua e em outra? (HUSTON, 1999, p.52)5

Dessa forma, esse questionamento está diretamente ligado à multiplicidade constitutiva do sujeito. Somos uma combinação de vários fragmentos. Somos heterogêneos. Entretanto, é comum que o ser humano procure estabilidade e ancoragem, por isso preferimos a ilusão de completude e nos sentimos inquietos quando percebemos a impossibilidade de uma ancoragem estável. A situação de exílio e, por

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Le problème, voyez-vous, c’est que les langues ne sont pas seulement des langues ; ce sont aussi des world views, c’est-à-dire des façons de voir et de comprendre le monde. Il y a de l’intraduisiblie làdedans... Et si vous avez plus d’une world view... vous n’en avez, d’une certaine façon, aucune. (HUSTON, 1999, p. 51) 5 Qui sommes-nous, alors? si nous n’avons pas les mêmes pensées, fantasmes, attitudes existentielles, voire opinion, dans une langue et dans une autre ? (HUSTON, 1999, p.52)

transferência, o bilinguismo colocam em evidência a multiplicidade das identidades e a impossibilidade de apropriação das línguas, construindo um sujeito (quase) consciente da mobilidade constante em que vivemos. Nas cartas parisienses, entramos em contato com a relação de Leïla Sebbar com o francês e a França, ou seja, aprendemos sobre como o exílio é vivido por essa argelina educada em língua francesa. É por meio da escrita que Sebbar (1986) materializa sua condição de sujeito em constante movimento, por meio do uso e da acumulação de diversos tipos de papeis com diversas anotações feitas em momentos de inspiração. Para ela, exílio é movimentação e se associa com desordem: Eu acho que a mobilidade do exílio, eu a encontro também aqui, nesses papeis instáveis, febris, emprestados na desordem dos lugares que me mantêm em uma cidade. (HUSTON; SEBBAR, 1986, p. 8)6

Além de passar bastante tempo em cafés observando e escrevendo sobre o exílio, Sebbar sugere que até mesmo o conteúdo de sua bolsa – papéis, bilhetes de trem, passaporte – representa a pluralidade vivenciada por quem está no país do outro, longe da terra da infância. Para a autora, todos esses pequenos detalhes não podem ser chamados de outra coisa além de exílio, já que com certeza seriam diferentes se ela estivesse em sua terra natal. Tal excesso de pluralidade carrega, sempre, contradições. Uma das características de Sebbar, que poderíamos considerar contraditória, é seu gosto por estar em lugares de grande circulação de viajantes e sua falta de prazer em viajar: Eu não gosto de viajar, mas eu gosto das estações, dos portos, dos aeroportos..., esses lugares de circulação, de passagem, onde eu posso como em um café ficar horas sem fazer nada, sem ter de ir ou vir. Eu observo, escuto ou não, ninguém me perguntará nada e eu também não me perguntarei porque estou lá. Eu me incrusto nesses lugares públicos, anônimos, onde os códigos em vigor não me agoniam como aqueles dos lugares mundanos parisienses nos quais eu me entedio..., a não ser se, por uma inversão perversa, eu me coloco em situação de

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Je crois que la mobilité de l’exil, j ela retrouve aussi là, dans ces papiers instables, fébriles, empruntés dans le désordre aux lieux qui me retiennent dans une ville. (HUSTON; SEBBAR, 1986, p. 8)

passageira, na borda, como em um banco de uma estação. (HUSTON; SEBBAR, 1986, p. 9)7

Os lugares públicos de grande circulação atraem Sebbar. Talvez por ela se identificar com a presença e a andança de múltiplas identidades. Mas ela gosta de estar lá como observadora, não como viajante. Talvez por já ser, sem poder de escolha, uma viajante constante. Se não viaja fisicamente, identitária e psicologicamente está sempre entre-lugares, indo e vindo, relembrando, rememorando o que foi e o que poderia ter sido. Por causa da sua posição de entre-línguas-culturas seus escritos sempre passam pelas questões do árabe, da Argélia, do exílio, e do movimento entre eles e a língua francesa. No que tange a língua francesa, Leïla Sebbar se diferencia da Nancy Huston na medida em que o francês é a língua aprendida desde a infância pelos laços familiares, sendo sua única possibilidade de escrita e comunicação; mas ainda assim vivida como estranha e carregada da cultura e da história do outro. Sebbar não se sente acolhida e acalantada pela língua da mãe, embora não saiba a língua do pai (o árabe). Sua relação com o francês é de língua do outro dominante, colonizador, enquanto ela se sente na posição de colonizada. Mesmo depois de anos na França, ela não se sente capaz de praticar de forma eficaz os códigos culturais do anfitrião, sendo levada ao “mutismo obstinado e estupido”, como escreve no fim da sua primeira carta a Huston: Eu não consegui, depois de tantos anos, adquirir a flexibilidade, a inteligência que me permitiria a prática eficaz de um certo número de códigos sociais, culturais, mundanos que eu conheço e que me levam sempre a um mutismo obstinado e estupido. (HUSTON; SEBBAR, 1986, p. 9)8

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Je n’aime pas voyager, mais j’aime les gares, les ports, les aéroports..., ces lieux de circulation, de passage, où je peux comme dans une brasserie rester des heures sans projet, sans avoir à partir ou à revenir. Je regarde, j’écoute ou non, on ne me demandera rien et je ne me demanderai pas non plus pourquoi je suis là. Je m’incruste dans ces lieux publics, anonymes, où les codes en vigueur ne m’angoissent pas comme ceux des lieux mondains parisiens où je m’ennuie..., sauf si, par un renversement pervers, je me mets en position de passagère, à la lisière, comme sur le banc d’une gare. (HUSTON; SEBBAR, 1986, p. 9) 8 Je n’ai pas, après tant d’années, réussi à acquérir la souplesse, l’intelligence qui me permettraient la pratique efficace d’un certain nombre de codes sociaux, culturels, mondains que je connais et qui me précipitent chaque fois dans un mutisme obstiné et stupide. (HUSTON; SEBBAR, 1986, p. 9)

Dessa forma, Sebbar tenta explicar sua escrita em francês pontuando a impossibilidade, ideológica, de escrever em árabe: Pois o que eu sei, depois de tantos anos de múltiplas práticas da língua materna, o francês, é que se eu tivesse aprendido árabe, a língua de meu pai, a língua do autóctone (indigène), a falá-la, lê-la, a escrevêla..., eu não teria escrito. Disso eu tenho certeza hoje. Se eu tivesse ficado no país de meu pai, meu país natal com o qual eu tenho uma história tão ambígua, eu não teria escrito, porque fazer essa escolha significava fazer uma aliança com uma terra, uma língua, e se fazemos uma aliança ficamos tão perto que não temos mais visão nem audição, e não escrevemos, não estamos em posição de escrever. (HUSTON; SEBBAR, 1986, p. 18)9

Sebbar tem um certo fascínio pela cultura e língua árabe, mas ao mesmo tempo guarda um distanciamento. Distanciamento marcado justamente na escrita. Ela escreve sobre o país, sobre o pai, sobre a língua do pai no país e na língua da mãe. Se as línguas fossem meros instrumentos de comunicação, seria simples para ela aprender e usar a língua objeto de suas reflexões. Mas não são. Casos como esses comprovam o imbricamento da subjetividade na relação dos sujeitos com as línguas. Demonstram os múltiplos fatores que formam as línguas: a cultura e a história atreladas à língua, o estranhamento presente em todas as línguas, sejam chamadas “minhas” ou “do outro”. Na verdade, as língua não são apropriáveis, não são “minha” nem “do outro”, são sempre familiares e estranhas ao mesmo tempo, ou seja, hibridas, compostas, heterogêneas.

Fechamento Apenas encerrando o texto, mas não a discussão de um tema tão amplo, e dando os primeiros passos em nossas investigações, reforçamos que a heterogeneidade é a qualidade daquilo que é composto de partes ou elementos de diferentes naturezas. A 9

Car ce que je sais, après tant d’années de pratiques multiples de la langue maternelle, le français, c’est que si j’avais su l’arabe, la langue de mon père, la langue de l’indigène, la parler, la lire, l’écrire..., je n’aurais pas écrit. De cela je suis sûre aujourd’hui. Si j’étais restées dans le pays de mon père, mon pays natal avec lequel j’ai une histoire si ambiguë, je n’aurais pas écrit, parce que faire ce choix-lá, c’était faire corps avec une terre, une langue, et si on fait de corps, on est si près qu’on n’a plus de regard ni d’oreille et on n’écrit pas, on n’est pas en positions d’écrire. (HUSTON; SEBBAR, 1986, p. 18)

identidade é heterogênea na medida em que o sujeito é composto por vários fragmentos de história, cultura, gênero, língua, etc. E essa característica se acentua quando percebemos que esses fragmentos também são compostos por vários outros, numa multiplicidade sem fim. Voltando nossa atenção para a língua, percebemos que sua heterogeneidade tem papel constitutivo na formação dos sujeitos. Buscamos dominar a língua, possuí-la, mas sua constituição híbrida torna isso impossível, torna a apropriação um desejo irrealizável. O contato com mais de uma língua e, portanto, com mais de uma cultura e história, torna flagrantes essas características. Quanto mais línguas conhecemos ou quanto mais estudamos as línguas, melhor percebemos que sua totalidade é uma ilusão. Assim, a escrita, apesar de ser entendida como uma forma de tentar “prender” a língua, é, na verdade, uma porta para as inúmeras possibilidades da língua; é por meio da escrita que podemos vislumbrar os fragmentos que compõem as línguas e os sujeitos.

Referências CORACINI, M. J. A celebração do outro: arquivo, memória e identidade. Campinas: Mercado de Letras, 2007. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade (1992). Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. HUSTON, N. Nord perdu. Paris: Actes Sud, 1999. HUSTON, N; SEBBAR, L. Lettre parisiennes: histoires d’exil. Paris: Actes Sud, 1986. PRASSE, J. O desejo das línguas estrangeiras. Tradução de Dulce Duque Estrada. Revista Internacional, Rio de Janeiro, ano 1, nº 1, p. 63-73, 1997. REVUZ, C. A língua estrangeira entre o desejo de um outro lugar e o risco do exílio. Tradução de Silvana Serrani-Infante. In: SIGNORINI, Inês. (Org.). Lingua(gem) e Identidade: elementos para uma discussão no campo aplicado. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: Fapesp, 1998, p. 213-230.

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