IMAGEM A PARTIR DA EXPERIÊNCIA ARTÍSTICA NO COTIDIANO

July 9, 2017 | Autor: Artur Maciel | Categoria: IMAGEM, Artes
Share Embed


Descrição do Produto

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Pró – Reitoria de Pesquisa XXIII Congresso de Iniciação Científica da UFRN MATIZES-Grupo de Pesquisa em Cultura Visual (Departamento de Artes-UFRN) Base de Pesquisa METODOLOGIAS INTERDISICIPLINARES EM E SOBRE ARTES Orientadora: Profa. Dra. Maria do Mar Vázquez y Manzano Autor: Artur Luiz de Souza Maciel

IMAGEM A PARTIR DA EXPERIÊNCIA ARTÍSTICA NO COTIDIANO

RESUMO O artista é um criador de imagens em constante diálogo com o outro no mundo. Ao criar algo que é retirado de suas experiências com o cotidiano, materializa a invisibilidade de suas percepções no mundo a um plano imagético e intencionalmente artístico. Assim, estabelece uma relação de intersecção de experiências entre o que produz (artista) a partir de imagens (obras) em direção ao outro (interlocutor). Desde diversos campos, um número expressivo de estudiosos, na contemporaneidade, vem se debruçando sobre uma miríade de questões que tratam da imagem. Uma boa parte desses estudiosos sublinha a transição do conceito de imagem a partir do eixo contemplação/experiência pela ruptura de paradigmas históricos. Nesse horizonte, esta pesquisa, norteada pelos pressupostos fenomenológicos de Merleau-Ponty (2006), se propõe a analisar o conceito de sujeito incorporado e a análise do corpo nas obras de alguns artistas. Entre eles: Yves Klein (Anthropometries-fase azul-1960 e Fire Painting Colors-1961), Jackson Pollock (documentação de perfomance-processo, Hans Namuth, 1951), Hélio Oiticica (Parangolés) e Lygia Clark (Objetos Relacionais). O objetivo é estabelecer interconexões entre a teoria fenomenológica merleau-pontyana e a produção artística que se desenvolve a partir da segunda metade do século XX.

PALAVRAS-CHAVE

Imagem; produção artística; sujeito; percepção fenomenológica.

INTRODUÇÃO O artista é um criador de imagens em constante diálogo com o outro no mundo. Ao criar algo, retirando de suas experiências com o cotidiano, materializa a invisibilidade de suas percepções no mundo a um plano imagético e intencionalmente artístico, estabelecendo uma relação de intersecção de experiências entre o que produz (artista) a partir de imagens (obras) em direção a outro (interlocutor). A imagem se constitui como “instrumento de conhecimento porque serve para ver o próprio mundo e interpretá-lo” 1 , assim como apontam para a possibilidade da experiência. Os sujeitos desta experiência se interceptam por sua relação e possibilidade de partilhamento do espaço, da temporalidade e consequentemente da percepção a partir do construído. A arte, sob este ponto de vista, gera conhecimento articulando a experiência e a reflexão, no encontro a uma verdade, uma idéia incontestada gerada a partir da interrogação, dúvida e ruptura com o imediato2. E a partir da percepção em articulação com outro no mundo que Merleau-Ponty afirma que “é dentro do mundo que nos comunicamos, através daquilo que nossa vida tem de articulado. É a partir deste gramado diante de mim que acredito entrever o impacto do verde sobre a visão de outrem” 3 . Essa articulação insere dois sujeitos da experiência artística, artista e interlocutor, em articulação no processo perceptivo de um objeto artístico (obra), com o intuito de estabelecer uma experiência. O artista propõe a imagem como coisa de sua reflexão subjetiva em direção a percepção do outro a partir do espaço de experiência proposto por uma obra.

A ARTE E SEUS PARADIGMAS HISTÓRICOS A experiência estética na arte, no Renascimento, é observada a partir da contemplação do trabalho artístico realizado a partir de uma téchne, relacionando a representação e as convenções de estilo na construção da imagem a uma realidade. O pensamento

cartesiano

se

desenvolve,

neste

período,

como

reflexo

das

transformações sociais que o homem ocidental, em ruptura com o teocentrismo, 1

JOLY, Martine. Introdução à Análise da Imagem. Lisboa: Edições 70, 2008. p. 68. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 396. 3 MERLEAU-PONTY, Maurice. O Visível e o Invisível. São Paulo: Perspectiva, 2009, p. 22. 2

estabelece como método para alcançar a verdade, a partir da razão em direção a construção de uma ciência objetiva, onde o ser do cogito não teria seu pensamento ligado a uma relação de espaço-tempo. O corpo passa a figurar como “ser não confiável e rigoroso na percepção dos dados do ambiente, aparece como parte menos humana do homem e estaria alinhado com a natureza e a animalidade, devendo ser transcendido e banido”4. A produção artística a partir deste período passa a assumir o caráter de pesquisa e o artista passa a produzir uma obra com estilo pessoal não ligada à arquitetura, mas sob a égide da representação realista do homem idealizado. A partir da proporção (pelo estudo do corpo e do caráter humano) e de sua relação com a paisagem a partir da representação da profundidade pela perspectiva geometrizada, abandona o estágio artesanal (de simples executor torna-se autônomo). A representação está filiada a ciência cartesiana matemática, que estabelece vínculos entre a geometria e a observação na criação de imagens. Na modernidade ocorre a ruptura com a representação do corpo, o indivíduo passa a representar sua subjetividade, alinhando-se ao antirrealismo estabelecendo relações com a fenomenalismo, a percepção de si perante o mundo contrasta-se com o progresso que a máquina e toda a metodologia dos processos de produção implementaram socialmente no pós-Revolução Industrial. A especificidade do papel do trabalhador frente à máquina, em fragmentação ao processo de produção gerou, pela racionalidade técnica, um “homem mutilado”, “fragmento do mundo contingente e errante”5. A arte parte a desumanização, em oposição à representação do corpo no Renascimento, com as vanguardas artísticas, no século XX, na incorporação do devir, da esfera subjetiva do artista na apreensão das mudanças internas da sociedade e do individuo em sua experiência no cotidiano industrial, e em seus detalhes na ampliação do zoom sobre o corpo fragmentado. O corpo continua a ser representado imageticamente, mas de forma a inserir sensações, imaginação, representações mentais na construção e desconstrução da imagem corporal em articulação com as teorias científicas que descreviam os fenômenos físicos como o comportamento da cor, da luz e da representação da imagem por múltiplos ângulos. A tecnologia no pós-Revolução Industrial contribuiu para a reprodutibilidade da obra de 4 5

MATESCO, Viviane. Corpo, Imagem e Representação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. p. 30. Ibid. p. 35-36.

arte retirando da obra de arte a sua aura (de coisa divina, realizada por um indivíduo inspirado pelo divino), tornado ausente “o aqui e agora da obra de arte, sua existência única, no lugar em que ela se encontra”6, “substitui a existência única da obra por uma existência serial”7 , inserindo na imagem uma ubiqüidade pela desancoragem no espaço-tempo. A destruição da aura na produção artística rompe com a tradição ritualística e teológica do objeto artístico em consonância com o modelo capitalista de posse do objeto artístico em sua cópia ou uma obra criada para ser reproduzida, ampliando assim a exponibilidade da imagem, porém não destruindo a possibilidade de experiência com a imagem. Zamboni cita que as “inovações e descobertas tecnológicas incorporadas pelo fazer artístico não foram criadas para este fim”8, a fotografia e o vídeo foram criados para o registro de imagens e os meios de reprodução gráficas foram criados para o desenvolvimento da indústria gráfica, mas se constituíram como instrumento para a pesquisa em arte. A tecnologia abre novos campos para a imagem, assim como para a sua significação, na passagem da superfície a interface9. Na contemporaneidade a relação entre arte e corpo, a partir da segunda metade do século XX, desmantelou os princípios que norteavam o que seria uma obra de arte, com a inserção de aspectos como efemeridade, reprodutibilidade, contextualização e a função intelectual na percepção10. A obra de arte tende a desmaterialização em direção ao mundo real. A arte passa a dialogar com a vida indistinguindo-se com a atividade humana ordinária. Performances, instalações, poéticas do efêmero estabelecem uma relação entre arte e vida, em situações no cotidiano. O espectador participa da experiência artística no momento em que ela ocorre, ambos, artista e espectador, em interação, em processo, assim como a vida. O museu é tomado como “espaço de experimentação aberto à presença dos artistas, sem distinguir em seu interior espaço de criação e exposição das obras”11. Segundo 6

BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica. In: BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. p.167. 7 Ibid. p. 168. 8 ZAMBONI, Silvio. A Pesquisa em Arte: um paralelo entre arte e ciência. Campinas: Autores Associados, 2006, p. 59. 9 Ibid. p. 47-49. 10 FREIRE, Cristina. Arte Conceitual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.2006. p. 8-9. 11 Ibid. p. 22.

FREIRE, “o registro em fotografias e filmes torna-se privilegiado para obras transitórias no espaço e no tempo, substituem-se as interrogações acerca do objeto de arte por aquelas de fundo mais epistemológico, sobre o objeto da arte”12. Esses registros são a possibilidade da percepção do movimento de criação de objeto ou situação, tendo em vista seu caráter de vestígio de uma ação não compartilhada. A arte rompe com a representação e aponta para a apresentação do vestígio que se estabelece a partir da relação entre percepções partícipes do processo da obra em experimentação.

A FENOMENOLOGIA E MERLEAU-PONTY Fenomenologia deriva das palavras gregas phainomenon que significa “aquilo que se mostra” e logos que significa “estudo”, etimologicamente “o estudo daquilo que se mostra”13. O movimento é uma das principais correntes filosóficas do século XX, criado por Edmund Husserl que incorporou ao pensamento cartesiano e kantiano a construção do conhecimento e da consciência a partir do sujeito como ser pensante14, buscando a interpretação do mundo através da consciência baseada em suas experiências. Matthews cita que “a fenomenologia é uma maneira de escapar das construções teóricas da ciência e da filosofia, por meio das quais buscamos ter um controle intelectual sobre nossa existência, e retornar a simples descrições de novo envolvimento pré-reflexivo com o mundo”15. Segundo MERLEAU-PONTY: Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido, e se queremos pensar a própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido e seu alcance, precisamos primeiramente despertar essa experiência do mundo da qual ela é expressão segunda. A ciência não tem e não terá jamais o mesmo sentido de ser do mundo percebido, pela simples 16 razão de que ela é uma determinação ou uma explicação dele.

12

Ibid. p. 25. Fenomenologia. In: Fenomenologia. Disponível em . Acesso em 13 out.2011. 14 MATTHEWS, Eric. Compreender Merleau-Ponty. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2011. p.14. 15 Ibid. p. 33. 16 MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. 3ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.3. 13

Merleau-Ponty

emprega

a

palavra

“percepção”

para

indicar

o

conhecimento que advém do envolvimento com a experiência. Eric Matthews diz que “ a própria natureza da percepção implica, no entanto, que um sujeito que percebe, ao contrário de um sujeito pensante, deve estar situado em algum ponto no mundo do tempo e do espaço: perceber é sempre perceber a partir de uma certa perspectiva, de um ponto de vista específico. E é por isso que o mundo é percebido inevitavelmente como um todo estruturado e com sentido: porque não é simplesmente um objeto para nós do pensamento abstrato, 17 mas sim o lugar onde vivemos”.

MATTHEWS ao ler Merleau-Ponty propõe: Ser um sujeito incorporado é ser ativo com necessidades que motivam ações em relação às quais elementos do ambiente ao redor adquirem significado. É ser no mundo que constitui assim, em parte, o mundo próprio: ninguém cria as coisas do mundo, no sentido de trazê-las à existência, mas são as necessidades e pensamentos que se tem sobre o mundo, enraizados na natureza do sujeito enquanto organismo biológico, que dão unidade de sentido a esses objetos, 18 fazendo deles um mundo singular [grifo meu] .

As pesquisas em arte que se desenvolvem a partir da segunda metade do século XX propõem a experiência, o sujeito se torna ativo no processo. O artista se torna propositor trazendo ao objeto artístico a vivência e a incorporação do processo. MERLEAU-PONTY cita que As sensações e as imagens que deveriam iniciar e terminar todo conhecimento aparecem sempre em um horizonte de sentido, e a significação do percebido, longe de resultar de uma associação, está ao contrário pressuposta em todas as associações, quer se trate da sinopse de uma figura presente ou da evocação de experiências antigas. Nosso campo perceptivo é feito de ‘coisas’ e de ‘vazios entre 19 as coisas’.

É somente com a associação dos vestígios de práticas no cotidiano que se pode tencionar a retomada da experiência e as relações de percepção dos atores do processo, recorrendo a experiência do outro (interlocutor) na retomada da experiência do próprio artista. Essas relações estabelecem a mudança do eixo contemplação/experiência. A inserção do corpo do espectador transforma o objeto artístico, que tencionarão o campo elástico historicista categorial na arte até a sua ruptura em expansão, da relação técnica e imagem, apontando para a relação arte e

17

MATTHEWS, Eric. Compreender Merleau-Ponty. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2011. p.49. Ibid. p.76. 19 MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. 3ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.38. 18

vida. “Ser uma experiência é comunicar interiormente com o mundo, com o corpo e com os outros, ser com eles em lugar de estar ao lado deles”20.

IMAGEM-CORPO-SUJEITOS

Figura 1 - Fotos e Frames do vídeo de Hans Namuth sobre a produção artística de Pollock (1951)

Jackson Pollock (1912-1956), entre suas pesquisas, desenvolve uma série de trabalhos partindo de ações sobre telas de grandes proporções dispostas sobre o chão. Com pincéis, bastões, gravetos, dentre outros instrumentos, utiliza materiais viscosos industrializados e agregados (tintas, vernizes, vidro, areia etc.) para a realização da ação de movimentar-se ao redor da tela na dispersão do fluído no ar ou a partir do arremesso violento traçando linhas, criando manchas e respingos que se depositam sobre o suporte. Em 1951, o fotógrafo Hans Namuth (1915-1990), em seu projeto de documentação de artistas emergentes no cenário artístico norte-americano, realiza a documentação do processo de trabalho de Pollock21. Neste filme o artista realiza sua ação para a câmera. O filme tem a narração do próprio artista. Inicialmente é exibida a sua residência em Long Island East End (Nova York, Estados Unidos); uma breve biografia partindo para o relato sobre seu processo de pesquisa. A ação tem seu início com a troca do par de sapatos utilizados, posteriormente inicia o processo de preparação das tintas e relata sobre a utilização de agregados (areia, vidro etc.) na 20

Ibid. p. 142. Jackson Pollock. Direção: Hans Namuth. Produção Hans Namuth e Paul Falkenberg. Música: Morton Feldman. 1951. vídeo (10 minutos), son., cor. Disponível em: . Acesso em 11 set. 2011.

21

redução da viscosidade da tinta. A pintura não é planejada (desenhada), quando inicia seu processo de fatura não tem noção sobre a imagem a ser realizada, ela ocorre como fruto de sua ação do espalhamento de tinta. O artista nega o acidente na obra e tenta destruir a imagem que possivelmente apareça. Algumas obras são exibidas a fim de mostrar ao espectador a característica gráfica de seu trabalho após a execução da ação. Na segunda parte do vídeo, Pollock executa seu gesto sobre um vidro onde a câmera está posicionada abaixo. É possível ver as linhas de tinta e como elas se distribuem sobre a superfície a partir do movimento do pincel carregado de tinta. Ele ainda propõe a modificação da superfície com o acréscimo de pedregulhos, linhas, malha de metal, moedas (dentre outros materiais não identificados) que interferem diretamente sobre o espalhamento da tinta. Segundo Regina Melin “a pintura de ação de Pollock seria uma das referências que estariam sinalizando novos espaços a serem conquistados nas artes visuais, afirmando-a como um intercruzamento de linguagens”22. Com a documentação do processo “a pintura se estabelecia como um evento performático”23.

Figura 2 - Anthropometries (1960), Yves Klein

22 23

MELIN, Regina. Performance nas Artes Visuais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2008. p.11. Ibid. p.11.

Yves Klein (1928-1962) desenvolveu uma série de trabalhos no qual as questões sobre espaço, tempo, corpo e efemeridade nortearam suas pesquisas em arte. Durante seu processo de pesquisa desenvolveu uma série de pigmentos, dentre eles o “International Klein Blue”, que foi utilizado massivamente em sua produção artística cobrindo superfícies na tentativa de anulação da espacialidade apontando para o “vazio real”. As imagens, que decorrem do seu trabalho, apresentam-se como vestígios ou documentações de suas ações no atelier, em espaços públicos e/ou galerias. Klein negava-se a classificar seus trabalhos como “abstratos”, seus trabalhos presentificavam conceitos abstratos a partir de suas ações reais. A ação realizada em março de 1960 na Galerie Internationale d´Art Contemporain em Paris 24 , “Anthropometries”, evento realizado apenas para convidados, apresentou uma síntese de suas pesquisas. Sob a regência do artista houve a execução da “Symphonie Monoton”, sinfonia monotônica executada por uma orquestra de câmara composta em 1947, foi realizada performance em que três modelos nuas besuntavam-se com Azul Klein, imprimiam seus corpos e/ou eram arrastadas sobre lonas brancas dispostas nas paredes e sobre o chão da galeria. Na série “Fire Painting Colors”, o artista utiliza um lança-chamas para “pintar” uma superfície previamente preparada, onde modelos

Figura 3 - Fire Painting Colors (1961), Yves Klein

nuas imprimem seus corpos sobre o papel previamente “entintados” com retardador de chamas ou decorrem da ação do instrumento incorporado à pintura. As imagens ainda eram trabalhadas com sucessivas impressões corporais com tintas Klein. As proposições ao incorporar a equipamentos e performances ao trabalho operavam com a dissolução do objeto de arte em ações e rompiam com a classificação historicista categorial da tradição, introduzindo o espectador no momento da produção das imagens, no cotidiano do atelier.

24

Blue Anthropometries and Fire Painting. video (7 minutos), s/som, cor. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=pJV0n4A_6-M> Acesso em 13 out. 2011.

Figura 4 - Parangolés, Hélio Oiticica

Hélio Oiticica (1937-1980) a partir de sua série Parangolés, obras compostas por camadas de tecidos, papéis, plásticos etc., o espectador é inserido como condição para que a obra aconteça decorrente das discussões sobre a desintegração dos partidos formais da pintura e da escultura em detrimento da incorporação da obra de arte. Em, 1979, Ivan Cardoso (1952 - ) realiza um curta-metragem sobre o trabalho do artista, onde Oiticica fala sobre as questões desenvolvidas em sua criação: “o Parangolé não era uma coisa para ser posta no corpo e para ser exibida. A experiência da pessoa que veste que está fora vendo a outra vestir, ou as que vestem simultaneamente a coisa, são experiências simultâneas, são multi-experiências. Não se trata do corpo como suporte da obra, muito pelo contrário é a total incorporação: é a incorporação da obra no corpo e do corpo na obra, 25 26 é a ‘IN-CORPORAÇÃO’” .

SALOMÃO cita que : 25

H.O. Direção: Ivan Cardoso. Produção: Fernando Carvalho e Ivan E. S. Cardoso. Roteiro: Fotografia: Edson Santos. Montagem: Ricardo Miranda. Texto: Haroldo de Campos. Narração: Décio Pignatari. Depoimento: Hélio Oiticica. 1979. video (14 minutos), son., cor. 26

SALOMÃO, Waly. Hélio Oiticica: qual é o parangolé(?) e outros escritos. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. p.37.

“Tão devorado foi Merleau-Ponty que a frase entre aspas que cito foi retirada da conferência intitulada ‘O Homem e a adversidade’, que vai virar húmus significante da capa PARANGOLÉ, DA ADVERSIDADE VIVEMOS, que rodopia e dispara seu feixe de sinais como envelopeemblema do corpo de um morador de morro. A relação artistapropositor com o participante que veste o PARANGOLÉ não é a relação frontal do espectador e do espetáculo, mas que como uma cumplicidade, uma relação oblíqua e clandestina, de peixes do 27 mesmo cardume.”

Figura 5 - Objetos Relacionais, Lygia Clark

Lygia Clark (1920-1988) inicia seu trabalho a partir da discussão da planaridade na pintura neoconcreta e encontra reverberação no espaço com as séries de escultura “Casulo” (1959) e “Bichos” (1960), onde o espectador poderia interferir na configuração dos trabalhos. É somente em 1976, ao retornar de Paris, que inicia sua 27

SALOMÃO, Waly. Hélio Oiticica: qual é o parangolé(?) e outros escritos. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. p.37.

atuação como “terapeuta” e passa a empregar a série de trabalhos anteriormente realizados em suas sessões: “Nostalgia do Corpo” (1966), “A Casa é o Corpo” (196769), “o “Corpo é a Casa” (1968-70), “Corpo Coletivo” (1972-75). Este trabalho propunha o exercício de experimentação do corpo a partir do toque de materiais simples como sacos plásticos, areia, pedra, estopa, bolas de isopor, dentre outros, e a relação que se estabelecia a partir das qualidades do material (leve/pesado, frio/quente, seco/molhado, etc.) na experiência do contato com o corpo. Amin e Gonçalves destacam que “nos exercícios de percepção propostos por Lygia o cliente é incitado a uma atividade que não o lança apenas à experiência, mas a um exercício de percepção. Nestas atividades o indivíduo percebe-se na sua individualidade e, ao mesmo tempo, na sua generalidade (que é todo humano); é neste sentido micro, (pois particular) e macro (pois é de todos os homens - da ordem deste eu como humano)”28. Os trabalhos de Pollock, da fase expressionista abstrata, são decorrentes da relação corpo em movimento ao redor do suporte e por movimentos ritmados do arremesso de tinta sobre o suporte. As manchas constituem vestígio da ação que delimitam uma espacialidade que é traduzida no plano bidimensional. MERLEAUPONTY ao discutir a espacialidade e a ação propõe que: Na ação que a espacialidade do corpo se realiza, e a análise do movimento próprio deve levar-nos a compreendê-la melhor. Considerando o corpo em movimento, vê-se melhor como ele habita o espaço ( e também o tempo), porque o movimento não se contenta em submeter-se ao espaço e ao tempo, ele os assume ativamente, retomando-os em sua significação original, que se esvai na 29 banalidade das situações adquiridas.

Os corpos que são apresentados em Anthropometries configuram-se como coisa ou como consciência30. Ao propor o corpo como instrumento de pintura ou impressão Klein tipifica como “coisa” que estabelecerá uma trajetória previamente calculada pelo artista (consciência). Os corpos que se apresentam como consciência

28

AMIN, Raquel Carneiro e GONÇALVES, Tatiana Fecchio. Lygia Clark: no presente-agora do ato, um estudo sobre o fazer, a gestalt e a arteterapia. In: II Colóquio de Psicologia da Arte: “a correspondência das artes e a unidade dos sentidos”. Anais... São Paulo: USP, 2007. 29 MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. 3ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.149. 30 MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. 3ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.268.

apresentam-se em níveis: o artista proponente, o artista executor (tradutor de uma peça musical) e o corpo instrumento. O suporte principal do trabalho de Oiticica e Clark não eram seus corpos próprios, mas os corpos de outros31. Os artistas passam a propor uma maior interação com o objeto de arte e desta forma transforma o sujeito passivo (o que contempla) em sujeito ativo da experiência a partir da proposição artística. Ambos propunham em suas ações a superação da arte como representação e a necessidade da investida da ação artística no espaço da vida cotidiana32.

CONSIDERAÇÔES FINAIS A arte contemporânea ao pensar a questão do corpo rompe com paradigmas anteriormente estabelecidos no Renascimento e no Modernismo. No período renascentista o corpo é inserido na obra como “ideal”, reflexo das teorias cartesianas, o corpo é idealizado e representado, pensado como objeto, o artista se insere como sujeito que objetifica a realidade em sua produção. No período moderno o corpo é representado acrescido de sua subjetividade em diálogo com as transformações que a Revolução Industrial e a Primeira Guerra Mundial na discussão sobre o humano e a máquina. O artista na modernidade é um sujeito que tenta a partir da objetificação de sua percepção em relação às coisas produzir algo que para ser contemplado pelo espectador. Na arte contemporânea ao se pensar o corpo como natureza transitória, em devir, insere-se questões como efemeridade, cotidiano, ações ordinárias do corpo, dentre outras. O artista produz uma obra que é um diálogo entre sujeitos incorporados, semelhantes, em um cotidiano de significações e percepções. O artista passa a ser um propositor de experiências de incorporação de processos artísticos para o outro. As imagens que decorrem deste processo são vestígios ou caminhos a serem percorridos pelo espectador para a retomada da experiência

31

BASBAUM, Ricardo. Clark & Oiticica. In. BRAGA, Paula. Fios soltos: a arte de Hélio Oiticica. São Paulo: Perspectiva, 2008.p. 111. 32 SPERLING, David. Corpo + Arte = Arquitetura. In. BRAGA, Paula. Fios soltos: a arte de Hélio Oiticica. São Paulo: Perspectiva, 2008.p. 126.

proposta. Rompendo-se com o didatismo que a representação insere na contemplação a fim de criar um cotidiano de sujeitos participantes. Sob este viés, pensar uma imagem está para além das questões de representação e abstração. Merleau-Ponty, e suas teorias, trazem a tona discussões, na arte, sobre o caráter humano dos sujeitos de um processo que estão sob a mesma relação de espaço-tempo, que estão dispostos a participar e perceber tendo como guia a experiência concreta, no mundo.

REFERÊNCIAS AMIN, Raquel Carneiro; GONÇALVES, Tatiana Fecchio. Lygia Clark: no presente-agora do ato, um estudo sobre o fazer, a gestalt e a arteterapia. In: II Colóquio de Psicologia da Arte: “a correspondência das artes e a unidade dos sentidos”. Anais... São Paulo: USP, 2007. BASBAUM, Ricardo. Clark & Oiticica. In. BRAGA, Paula. Fios soltos: a arte de Hélio Oiticica. São Paulo: Perspectiva, 2008. BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica. In: ______, Walter. Magia e Técnica: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. Blue Anthropometries and Fire Painting. video (7 minutos), s/som, cor. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=pJV0n4A_6-M>. Acesso em 13 out. 2011. Fenomenologia. In: Fenomenologia. Disponível em . Acesso em 13 out.2011. FREIRE, Cristina. Arte Conceitual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2006. H.O. Direção: Ivan Cardoso. Produção: Fernando Carvalho e Ivan E. S. Cardoso. Roteiro: Fotografia: Edson Santos. Montagem: Ricardo Miranda. Texto: Haroldo de Campos. Narração: Décio Pignatari. Depoimento: Hélio Oiticica. 1979. video (14 minutos), son., cor. Disponível em: (parte 1) (parte 2). Acesso em 12 set. 2011. Jackson Pollock. Direção: Hans Namuth. Produção Hans Namuth e Paul Falkenberg. Música: Morton Feldman. 1951. vídeo (10 minutos), son., cor. Disponível em: . Acesso em 11 set. 2011. JOLY, Martine. Introdução à Análise da Imagem. Lisboa: Edições 70, 2008. MATESCO, Viviane. Corpo, Imagem e Representação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

MATTHEWS, Eric. Compreender Merleau-Ponty. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2011. MELIN, Regina. Performance nas Artes Visuais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2008. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 2006. ______. O Visível e o Invisível. São Paulo: Perspectiva, 2009. NECHVATAL, Joseph. Yves Klein: Corps, Couleur, Immateriel. Disponível em: . Acesso em 10 set.2011. SALOMÃO, Waly. Hélio Oiticica: qual é o parangolé(?) e outros escritos. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. SPERLING, David. Corpo + Arte = Arquitetura. In. BRAGA, Paula. Fios soltos: a arte de Hélio Oiticica. São Paulo: Perspectiva, 2008. ZAMBONI, Silvio. A Pesquisa em Arte: um paralelo entre arte e ciência. Campinas: Autores Associados, 2006. LISTA DE IMAGENS Figura 6 - Fotos e Frames do vídeo de Hans Namuth sobre a produção artística de Pollock (1951) Fontes: http://www.nga.gov/feature/pollock/namuth2bluesm.jpg; http://www.npg.si.edu/img2/namuth/pol2.jpg; http://nga.gov.au/Pollock/action.jpg; http://artforum.com/uploads/upload.000/id22595/preview00.jpg; https://s3.amazonaws.com/files.digication.com/M49fef3c3ef454.jpg; http://4.bp.blogspot.com/Jkj7sweVjGg/TefKjGqmMkI/AAAAAAAAApA/g174r0mvUdI/s1600/pollock+51.jpg; https://s3.amazonaws.com/files.digication.com/M2a23d19c4b23c8da552c5a4ff1ef0f77.jpg. Figura 7 - Anthropometries (1960), Yves Klein Fontes: http://artcarifra.files.wordpress.com/2011/05/yves-klein-antropometries-de-lepoque-bleu-5.jpg; http://www.art.collegefaubert.fr/galleries/09.20e/1960-yves-klein-Antropometries-de-l-epoque-bleueGalerie-internationale-d-art-contemporain-Paris-9-mars.jpg; http://www.centrepompidou.fr/education/ressources/ENS-yves_klein/images/xl/3f00039.jpg; http://26.media.tumblr.com/aHyNHMV3lmume1o6JLwZRT8bo1_500.jpg; http://fireplacechats.files.wordpress.com/2010/06/drkzccf_280hhfckvgj_b.jpeg; http://obviousmag.org/archives/uploads/2011/05/29/yves_kleis_20110529_06_bo.jpg. Figura 8 - Fire Painting Colors (1961), Yves Klein Fontes: http://www.flickr.com/photos/hirshhorn/4608597003/; http://4.bp.blogspot.com/_apFpwnMI2hs/TIxs9szbdTI/AAAAAAAADVQ/MtzuYCjgkRE/s1600/Klein_FC1_ 1961.jpg; http://c4gallery.com/artist/database/yves-klein/fire-paintings/klein-fire-painting-action.jpg Figura 9 - Parangolés, Hélio Oiticica Fontes: http://www.samshiraishi.com/wp-content/uploads/2009/10/parangoles-helio-oticica-vai-vai400x290.jpg http://coletivoms.files.wordpress.com/2011/09/helio_oiticica_02.jpg

http://3.bp.blogspot.com/_m8Daswr8oUY/SRg0TVO_nSI/AAAAAAAAAoU/ZYeQfkJWfSU/s400/parangole .jpg http://24.media.tumblr.com/tumblr_lcixyqaBH71qa1utyo1_500.jpg http://farm6.static.flickr.com/5295/5491973497_a74f6392df.jpg http://i.quizlet.net/i/6WaSB2eV1SLFqrliOJbmHQ_m.jpg Figura 10 - Objetos Relacionais, Lygia Clark Fontes: http://www.e-flux.com/show_images/1231442251image_web.jpg; http://www.oca.no/2011/03/15/lars_bang_larsen.jpg; http://www.passeiweb.com/saiba_mais/arte_cultura/galeria/open_art/1485

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.