Imagem: estratégia, discurso e sentido

June 30, 2017 | Autor: PosCom Ufsm | Categoria: Publicidade, IMAGEM, Publicidade E Propaganda, Leitura De Imagens, Discurso, Televisão, Mídia, Televisão, Mídia
Share Embed


Descrição do Produto

ADAIRC.PERUZZOLO FABIANOMAGGIONI MAGNOSC.CASAGRANDE ORGS.

ProgramadePós-graduação emComunicação/UFSM

IMAGEM Estratégia Discurso Sentido

FACOS-UFSM

Adair Caetano Peruzzolo Fabiano Maggioni Magnos Cassiano Casagrande (Organizadores)

Imagem: estratégia, discurso e sentido

FACOS-UFSM Santa Maria 2014

Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas Departamento de Ciências da Comunicação Programa de Pós-Graduação em Comunicação

Reitor: Paulo Afonso Burmann Diretor do CCSH: Mauri Leodir Löbler Chefe do Depto. Ciências da Comunicação: Sandra Rubia da Silva Coord. do Programa de Pós Graduação em Comunicação: Márcia Franz Amaral Capa: Magnos Cassiano Casagrande e Fabiano Maggioni Diagramação: Magnos Cassiano Casagrande Revisão: Magnos Cassiano Casagrande e Fabiano Maggioni Imagens da capa: www.morguefile.com I31

Imagem [recurso eletrônico] : estratégia, discurso e sentido / Adair Caetano Peruzzolo, Fabiano Maggioni, Magnos Cassiano Casagrande (organizadores). – Santa Maria : FACOS-UFSM, 2014. 1 e-book ISBN 978-85-8384-008-4 1. Sociologia da comunicação 2. Comunicação 3. Discurso 4. Imagem I. Peruzzolo, Adair Caetano II. Maggioni, Fabiano III. Casagrande, Magnos Cassiano CDU 316.77

Ficha catalográfica elaborada por Maristela Eckhardt CRB-10/737 Biblioteca Central - UFSM

FACOS-UFSM Av. Roraima nº 1000 - Cidade Universitária Prédio 67 - Bairro Camobi - Santa Maria/RS CEP: 97105-900 - Brasil

Sumário 05 Apresentação Adair Caetano Peruzzolo 07 El falso documental y los límites de la no ficción Norberto Mínguez 25 Discursividade Teleinformativa: o Dispositivo de Enunciação Adair Caetano Peruzzolo 53 Estratégias de criatividade em imagens publicitárias em movimento Juliana Petermann e Gabriela Rech 77 O valor do centro na apresentação do telejornal: uma aproximação das artes e da neurobiologia Fabiano Maggioni 90 Voando com a Vaca: narrativas do traço nas Tiras de Verão de ZH Tammie Caruse Faria Sandri 107 A incursão da TV sobre si própria: Metalinguagem e autorreflexividade na Série No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais, da TV Futura Carla Simone Doyle Torres 117 Imagens midiatizadas: fotografia, comunicação e sentido Angélica Lüersen 128 Tessituras e discursos da mídia: um jogo de significação no anúncio publicitário Juliana Zanini Salbego 143 Discursos em conflito: imagem, mídia esportiva e violência no futebol Magnos Cassiano Casagrande 159 “Tudo é parte de um todo maior e mais complexo”: a busca dos efeitos de tematização em anúncio publicitário do Grupo Promon Fabiane da Silva Verissimo 172 Regramentos e silêncios no processo de interação entre jornais e leitores Viviane Borelli 188 Tensión entre perspectivas gubernamentales y editoriales: um estudio de caso para la ‘construcción de la nacción’. Ximena A. Carreras Doallo

Imagem: estratégia, discurso e sentido

Apresentação Adair Caetano Peruzzolo Este E-book é iniciativa dos participantes do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre imagens Fabiano Maggioni, Mestre e doutorando, e Magnos Cassiano Casagrande, Mestre (ambos, pelo Programa de Pós-Graduação em “Comunicação Midiática” da UFSM). O Grupo de Estudos e Pesquisa sobre imagens surgiu da necessidade que alunos de Publicidade e Propaganda e Jornalismo sentiam em compreender a força da comunicação iconográfica. Iniciado em 1997, junto ao PET Comunicação, passou a integrar, posteriormente, o Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq como – “Teorias e Estratégias Comunicacionais e de Significação”, com três linhas de pesquisa: Estudos da Imagem; Televisão e Produção de Sentido; e Teorias e Estratégias dos Processos Comunicacionais. Este E-book ocupa-se dos estudos sobre a imagem. O E-book é, portanto, fruto de muitas pessoas: os que estudaram, os que pesquisaram, os que nos estimularam e os que o tornaram possível pelos recursos alocados (salas, meios e bolsas – CNPq, FAPERGS e FIPE). Foi uma espécie de contaminação que redundou em trabalhos de estudo, pesquisa, pensamento e reflexão feitos coletiva e solidariamente em companhia e partilha, pois, o pensar com qualidade é um pensar solidário. Pesquisas, Trabalhos de Conclusão de Curso, Dissertações e Tese surgiram desse rizoma teórico-metodológico. Esta publicação faz circular uma dúzia de textos, cujo objeto empírico é a imagem. Dois deles são de pesquisadores que participaram de avaliações e prestigiaram os trabalhos do grupo. São eles: “El falso documental y los limites de la no ficción”, de Norberto Minguez, que aborda aspectos do filme documentário, na Espanha; e “Tensión entre perspectivas gubernamentales y editoriales. un estudio de caso para la construcción de la nación (1946-1955)“, de Ximena A. Carreras Doallo, em que analisa a construção da identidade nacional e a ideia de nação na Argentina. Os outros dez são textos de participantes efetivos do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Imagem, com análises de objetos de suas respectivas áreas de formação: Jornalismo, Tevê e Foto: “O valor do centro na apresentação do telejornal: uma aproximação das artes e da neurobiologia”, de Fabiano Maggioni, em que analisa a significação do espaço na apresentação do telejornal; “Imagens midiatizadas: fotografia, comunicação 5 Imagem: estratégia, discurso e sentido

e sentido”, de Angélica Lüersen, onde aborda as estratégias midiáticas do uso da fotografia; “Voando com a vaca – narrativas do traço nas tiras de Verão de ZH” de Tammie Caruse Faria Sandri, onde reflete a linguagem própria do desenho, suas estratégias e efeitos; ”A Incursão da Tv sobre si própria: metalinguagem e reflexividade na Série No Estranho Planeta dos Seres. Audiovisuais da TV Futura“, de Carla Simone Doyle Torres, em que observa marcas de metalinguagem e autorreflexividade em parte da Tv brasileira dos anos 1980 até a atualidade; “Discursos em conflito: Imagem, mídia esportiva e violência no futebol”, de Magnos Cassiano Casagrande, em que propõe a imagem como a construção de efeitos de verossimilhança, estereótipos e generalizações em matérias jornalísticas, que abordam a violência no futebol; “Regramentos e silêncios no processo de interação entre jornais e leitores”, de Viviane Borelli, em que reflete sobre os contratos de enunciação firmados entre destinadores e destinatários; Por fim, “Discursividade Teleinformativa: o dispositivo de enunciação”, texto meu, em que procuro refletir teórica e metodologicamente a complexidade do conceito de sujeitos de enunciação, quando aplicado à teleinformação. Publicidade e Propaganda: “Estratégias de criatividade em imagens publicitárias em movimento“, de Juliana Petermann e Gabriela Rech, em que analisam a linguagem de anúncios audiovisuais, identificando as estratégias criativas e persuasivas; “Tessituras e Discursos da mídia: um jogo de significação no anúncio publicitário”, de Juliana Zanini Salbego, no qual reflete sobre os valores construídos pela proposição publicitária através de suas estratégias enunciativas; e “Tudo é parte de um todo maior e mais complexo: a busca dos efeitos de tematização em anúncio publicitário do Grupo Promon“, de Fabiane Veríssimo, em que identifica os efeitos de sentido produzidos pela forma de tematizar o anúncio. Como é o lema do grupo “aprender a fazer fazendo e estudando”, fazemos circular descompromissadamente nossas ideias para ensejar trocas de teorias e metodologias que façam avançar a análise e compreensão desta questão nuclear da nossa cultura, que é a imagem e da qual fala Wolton, dizendo que “a imagem continua sendo o território não pensado da televisão”. Santa Maria, 25 de outubro de 2014. Adair C. Peruzzolo Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Imagem

6 Imagem: estratégia, discurso e sentido

El falso documental y los límites de la no ficción Norberto Mínguez RESUMEN

ABSTRACT

El cine documental español ha conocido

Spanish documentary has been enjoying

en las dos últimas décadas un periodo de

unprecedented

expansión sin precedentes, que ha dado lugar

two decades, which has led to greater

a una mayor diversidad temática y retórica

thematic and rhetorical diversity within the

dentro del género documental. Aunque el

documentary genre. Fake documentary is

falso documental sigue siendo un subgénero

less frequently produced than the standard

minoritario es probablemente la forma

historical documentary but it is one of the

cinematográfica que muestra de manera más

cinematic forms that highlights the tensions

radical las tensiones del paradigma ficción/

within the reality/fiction paradigm in the

no ficción, así como las posibilidades

most radical way, as well as the expressive

expresivas de esa fricción. El presente

possibilities of this friction. This article

artículo propone un análisis de dos películas

makes a close reading of two films that

que representan distintas tendencias dentro

represent different trends within the genre

del género del falso documental en España.

of Spanish fake documentary.

Palabras clave

Keywords

No ficción. Falso documental.

Non fiction. Mockumentary. Film genres.

Géneros cinematográficos. Cine español.

Spanish cinema. Audiovisual language.

popularity

in

the

last

Lenguaje audiovisual.

Norberto Mínguez

| Doctor en Ciencias de la Información. Profesor Titular de la Universidad Complutense de Madrid. Madrid, España. [email protected].

7 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Norberto Mínguez Durante mucho tiempo el documental ha disfrutado de una posición privilegiada respecto a la ficción en tanto que portador de verdad y conocimiento sobre el mundo histórico. Sin embargo, desde que el valor indexical de la imagen se ha depreciado con la aparición de un entorno digital, cada vez es más difícil para el documental mantener dicho estatus. Por otro lado, las nuevas hibridaciones de la imagen factual han supuesto un desafío para la estabilidad del discurso audiovisual de no ficción, que necesita reforzar su credibilidad. El género documental ha conocido un cierto auge en España en las últimas dos décadas dando lugar al desarrollo de algunos subgéneros poco transitados, como es el caso del falso documental. Es efectivamente escaso el número de producciones que se pueden adscribir a este subgénero, pero su valor estético y reflexivo las hace merecedoras de atención, pues constituyen una de las formas audiovisuales que de manera más radical evidencia las tensiones existentes dentro del paradigma ficción/no ficción. Entre los pocos autores que en España han cultivado el falso documental cabría destacar los nombres de Agustí Villaronga, Basilio Martín Patino, Félix Viscarret, Isaki Lacuesta, José Luis Guerín, Lola Salvador y Carlos Molinero, Lluís Escartín, Manuel Huerga o Pedro Pinzolas1. Según Josetxo Cerdán (2005: 109), las aproximaciones teóricas al falso documental se mueven entre dos corrientes principales: las que ubican sus raíces dentro del origen mismo del documental y aquellas que lo definen como texto de ficción que se distingue por haberse apropiado de los códigos y convenciones del documental imitando sus diferentes variaciones modélicas. La práctica del fake muestra que entre esas dos posiciones existen múltiples posibilidades, tantas que no es fácil establecer una taxonomía que sirva para cartografiar el territorio, y muchas veces es preciso recurrir no tanto a categorías universales como al análisis casos específicos que se adscriben al género de una manera particular. A pesar de esta dificultad, Roscoe y Hight (2001: 73) establecen tres categorías básicas: aquellos textos de ficción que, utilizando códigos y convenciones del documental, parodian con benevolencia (y al mismo tiempo refuerzan) algún aspecto de la cultura popular; los textos cuya apropiación de la estética documental es ambivalente, en el sentido de que pueden oscilar entre la crítica explícita y la aceptación implícita de los códigos y convenciones del documental; y un tercer grupo de textos que se apropian de la estética documental de manera hostil con el objetivo de subvertir reflexivamente el discurso factual y problematizar la mirada del documental sobre el mundo histórico. Estas tres categorías reciben respectivamente la denominación de parodia, crítica y deconstrucción. 1 Para un análisis detallado del falso documental en España se puede consultar el artículo de Josetxo Cerdán “La voluntad quebrada (o el extraño caso de los falsos documentales que no acaban de serlo)”(2005: 107-132).

8 Imagem: estratégia, discurso e sentido

El falso documental y los límites de la no ficción Parece lógico pensar que, aun siendo un género marginal y minoritario, el avance del falso documental está relacionado con el cambio que se ha producido en el modo en que las audiencias se relacionan con el discurso factual. Dicha transformación no es ajena a la aparición de nuevos géneros y contenidos fundamentalmente televisivos y tampoco al desarrollo tecnológico que ha propiciado entre otras cosas que una parte (pequeña pero nada desdeñable) de dichas audiencias tenga acceso a su vez a medios de producción y difusión audiovisual y esté, por tanto, mucho más familiarizada con las formas y las posibilidades creativas de los lenguajes audiovisuales. Se trata de un fenómeno de una cierta complejidad que es denominado o descrito de maneras diversas en función de la perspectiva adoptada. Así, Jordi SánchezNavarro (2001: 11) lo describe como un movimiento que va desde la crisis de la verdad a la utilización de la realidad como estilo; Fernando de Felipe (2001: 31) habla del ojo resabiado; Josep Lluis Fecé (2001: 59) reflexiona sobre la dificultad de creer en la realidad cuando lo que predomina es la cultura de la sospecha; Antonio Weinrichter (2005: 65) utiliza la denominación de documentiras y alude a una dimensión autorreflexiva, que mira hacia dentro de la propia institución documental, y otra que mira hacia fuera como respuesta al secuestro de la realidad impuesto por los medios de masas; y Josep M. Català (1999: 31) afirma que el falso documental se posiciona en los límites de la crisis que experimenta el documental contemporáneo viniendo el oxímoron a expresar el modo en que el género documenta su mentira, su propia mentira. Este artículo se propone analizar dos películas que representan distintas tendencias dentro del falso documental en España: El Grito del Sur: Casas Viejas (1995) de Basilio Martín Patino y La Niebla en las Palmeras (2006) dirigida por Carlos Molinero y Lola Salvador. Antes de entrar en el análisis pormenorizado de cada texto intentaré establecer una clasificación a partir de cuatro parámetros básicos que nos ayuden a ubicar el territorio en que opera cada una de estas películas: referentes, materiales, retórica y función. El referente de El Grito del Sur es de carácter histórico, pues se trata de un acontecimiento real sobre el que existe abundante documentación, fundamentalmente escrita, pero también gráfica. El referente principal de La Niebla es imaginario, pues se trata de un personaje inventado: Santiago Bergson. En cuanto a los materiales utilizados prácticamente todo el metraje de El Grito del Sur está rodado específicamente para la película: desde los testimonios de los expertos reales hasta los testimonios de los personajes inventados pasando por fragmentos documentales que han sido también inventados para la película. Sin embargo, la mayor parte del metraje de La Niebla existía previamente y es, por tanto, metraje documental encontrado. Esas imágenes son sometidas a un complejo proceso de montaje en el que se incorporan músicas, la voice-over 9 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Norberto Mínguez del personaje protagonista y metraje rodado expresamente para la película con los testimonios inventados de las supuestas hijas de Bergson. Por lo que respecta a los aspectos retóricos El Grito del Sur recurre al testimonio (tanto real como inventado) y a la dramatización, que nos es presentada como documento. Utiliza, como el documental, la retórica de la verdad, aunque lo hace para subvertir dicha retórica, para ponerla en evidencia. La Niebla inventa una historia y un personaje, construyéndolo en buena medida a base de retales documentales. Predomina, por tanto, la retórica de lo verosímil, propia de la ficción, pero dejando sutilmente la manipulación a la vista del espectador. Ambas películas comparten una función, que no es reconstruir lo real, sino establecer un argumento sobre lo real, generar conocimiento a través de una expresión reflexiva. Podríamos asignar estas películas a la categoría de la deconstrucción. Pero veamos con más detalle el procedimiento utilizado en cada caso. 1. El Grito del Sur: Casas Viejas El Grito del Sur: Casas Viejas fue escrito y dirigido por Basilio Martín Patino para Canal Sur Televisión, la televisión pública andaluza, en 1995 (aunque no fue editado en DVD hasta 2004)2. Es parte de la serie Andalucía: Un siglo de fascinación, formada por siete capítulos sobre la identidad, historia y mitos de Andalucía. El Grito del Sur: Casas Viejas, como el resto de la serie, es un falso documental. Cuenta los acontecimientos reales que tuvieron lugar en 1933 en el pueblo de Casas Viejas, en la provincia de Cádiz, a partir del levantamiento de un grupo de campesinos anarquistas. Las fuerzas armadas republicanas reprimieron brutalmente la revuelta provocando veintiún muertos. La película utiliza la retórica de los documentales históricos que combinan metraje de archivo, declaraciones de testigos y análisis de expertos3. La diferencia radica en que tomando como punto de partida un acontecimiento real, el director combina declaraciones y documentos auténticos y falsos. La película se nutre de cuatro fuentes distintas: historiadores; testigos directos y sus descendientes; declaraciones del documentalista británico Joseph Cameron junto con el metraje que rodó durante los acontecimientos; y la película del director soviético Boris Shumiatsky, presentada por Ricardo Muñoz Suay. Es importante señalar que frente a los 9 minutos de metraje concedidos a los historiadores, los segmentos dedicados a Cameron y Shumiatsky ocupan un total de 43 minutos. Como señala Pérez Millán (2002: 305), esto nos da una idea de la credibilidad que Patino otorga a las distintas fuentes. 2 Ana Martín Morán (2001: 508) indica que la serie comenzó a emitirse en horario de prime time a partir de noviembre de 1997. 3 Se puede consultar el guión completo de la película en Rafael Utrera Macías (Ed.)(2006): Andalucía, un siglo de fascinación. Homenaje a Basilio Martín Patino. Sanlúcar de Barrameda: Pedro Romero, 269-289.

10 Imagem: estratégia, discurso e sentido

El falso documental y los límites de la no ficción En el primer segmento de la película aparecen Antonio Miguel Bernal, Antonio Elorza y José Luis García Rúa. Bernal y Elorza son catedráticos de Universidad y representan el conocimiento académico de la historia; García Rúa comparece como miembro de la CNT. Los tres explican cómo en Andalucía la mayor parte del suelo estaba en manos de unos pocos terratenientes; las tasas de desempleo eran muy elevadas y el precio del pan se había incrementado un 40% en dos años. La pobreza y el hambre produjeron un periodo lleno de disturbios y desórdenes sociales. La respuesta del gobierno republicano fue excesiva y los partidos de derecha utilizaron la tragedia para desacreditar al gobierno. Pareció durante un breve periodo que España podría incorporarse al grupo de democracias europeas, pero los acontecimientos de Casas Viejas radicalizaron los movimientos revolucionarios, provocaron un cambio hacia la derecha en la situación política y anticiparon el paisaje que se instalaría en España tres años después. Mientras que Bernal y Elorza son realmente catedráticos de Universidad y Rúa un miembro auténtico de la CNT, el testimonio de Cameron es una invención. Se supone que Cameron es un cineasta formado en la Escuela documental británica junto a figuras como Basil Wright, Paul Rotha o John Grierson. Como reportero fue testigo de la mayoría de conflictos de la época y durante la Guerra Civil fue contratado por Fox Movietone para rodar un documental titulado People in Arms. La productora consideró que la película planteaba una visión excesivamente izquierdista y Cameron fue despedido. A continuación trabajó como reportero independiente y colaboró durante la Guerra Civil con Joris Ivens y Roman Karmen. Pocos años antes había sido enviado por Kino a cubrir la revuelta campesina de Andalucía. Allí fue testigo de la tragedia y no solo pudo rodar los acontecimientos, sino que consiguió incluso permiso para rodar las declaraciones de los testigos ante la comisión enviada por el parlamento para aclarar lo sucedido. Por tanto, Joseph Cameron comparece en la película como testigo y como autor del metraje rodado en Casas Viejas en 1933. No obstante, si miramos con detenimiento los títulos de crédito, descubrimos que el documentalista británico es interpretado por el actor Reginald Shave. Como es lógico, si Joseph Cameron es una invención, el espectador se pregunta por el estatus de las imágenes que se le atribuyen4. Otro testimonio es el de Ricardo Muñoz Suay, identificado de manera chusca como director de la Filmoteca Dadaísta. Muñoz Suay presenta el film soviético Casas Viejas: Andalucía Heroica y hace algunas puntualizaciones sobre su director, Boris Shumiatsky. No 4 Tanto García Martínez (2008: 294-300) como García Jiménez (2008a, 91-100) han señalado las distintas pistas que Patino ofrece al espectador para poder identificar el metraje de Cameron y Shumiatsky como apócrifo (el hecho de que Reginald Shave interprete otros papeles en Andalucía: Un siglo de fascinación o lo que Cameron dice respecto al grupo de Grierson, que en realidad nunca prestó mucha atención a la Guerra Civil española). Isabel Estrada (2009: 211) señala además el hecho de que algunos fragmentos de la película soviética son utilizados por Patino en otras partes de Casas Viejas.

11 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Norberto Mínguez deja de ser irónico que quien fue en vida director de la Filmoteca Valenciana sea presentado aquí como responsable de una filmoteca inexistente. El resto de los testimonios corresponde a los habitantes más ancianos del pueblo que recuerdan los acontecimientos mientras observan fotografías de la época. La autenticidad de estos testimonios es cuestionable tanto como las fotografías mostradas, pues algunas de ellas corresponden a los falsos films de Shumiatsky y Cameron. Casas Viejas está construida con un material audiovisual de enorme variedad: fotografías, recortes de prensa, viñetas, portadas de libros, posters, entrevistas, metraje de archivo y las películas de Cameron y Shumiatsky. Estas últimas relatan los mismos acontecimientos, ambas son presentadas como documentos y se nos dice que llegan al público por primera vez y casi por casualidad5. Son, sin embargo, radicalmente diferentes. La película de Cameron está rodada con cámara en mano y muestra imágenes de acontecimientos aparentemente reales y espontáneos tomadas desde un punto de vista privilegiado y oculto. Se trata de imágenes sepia con bastante grano cuyo visionado es acompañado por el ruido de paso del proyector. La película lleva todas las marcas de autenticidad documental que cabría esperar de una película de no ficción realizada en los años treinta del siglo XX. El estilo transmite sensación de espontaneidad, de ausencia total de una puesta en escena. Sin embargo, Patino juega con el espectador ofreciendo algunas pistas para que la autenticidad de esta película pueda ser cuestionada. El sonido del proyector es innecesario y suena artificioso y, como hemos señalado más arriba, un cineasta inexistente pone su obra en una posición incierta. El film de Boris Shumiatski comparte esta cualidad. Shumiatski, el operador de cámara Arvatov y el guionista Peruchov se encontraban en Andalucía tomando imágenes sobre los movimientos campesinos cuando se enteraron de lo que estaba ocurriendo en Casas Viejas. En 1982 Muñoz Suay recibe unas cajas oxidadas con la película. Habían sido encontradas por un miembro de la División Azul en un pueblo cercano a Moscú. El documento fue rechazado por Moscú porque no representaba el modelo revolucionario que Stalin tenía en mente. Aunque Shumiatsky y Cameron cuentan básicamente la misma historia sus estilos cinematográficos son completamente diferentes. Casas Viejas: Andalucía Heroica no parece un retrato improvisado de acontecimientos espontáneos, sino más bien una reconstrucción dramatizada de los mismos ante la cámara con el objetivo de crear un relato audiovisual fidedigno y bien articulado en lo

5 El manuscrito encontrado es una estrategia típica de la ficción literaria. Aquí para añadir credibilidad al metraje encontrado no sólo se muestran los documentos, que son visionados, sino que son presentados y comentados por el investigador o por el propio autor, en este caso tan falsos como los documentos, pero que ofrecen todo tipo de detalles sobre cómo fueron producidos o descubiertos.

12 Imagem: estratégia, discurso e sentido

El falso documental y los límites de la no ficción narrativo6; todo lo que sucede ante la cámara ha sido perfectamente planificado en el guión. La ubicación de la cámara, la iluminación, el montaje, la música y los actores son elementos al servicio de la narración. El espectador puede identificar el lugar y el tiempo de los acontecimientos representados, pero también es capaz de identificar el estilo visual que se ha pretendido. La película toma el estilo del cine soviético, aunque con la voluntad subyacente de combinar formas hasta cierto punto incompatibles. Por un lado, la pretendida objetividad absoluta del kino-Glaz de Dziga Vertov y, por otro, la épica de algunas películas de Eisenstein en las que los acontecimientos históricos son transfigurados y reconducidos hacia la glorificación de los héroes rusos y la representación del triunfo de la colectividad. Irónicamente, en la Andalucía heroica de Shumiatski no hay ni héroes ni gloria, de manera que no es sorprendente que la película no gustase al camarada Stalin. Además, la película no tiene un referente claro, pues no se atiene al principio del reflejo directo de la realidad, pero es capaz de hacer una reconstrucción dramática muy fidedigna de los acontecimientos históricos relatados. Hay verdad en la película de Shumiatski, porque la verdad siempre es una reconstrucción. De la misma manera que el metraje atribuido a Cameron se aleja mucho de los elaborados documentales de la escuela británica a la que dice pertenecer, el trabajo atribuido a Shumiatski recoge influencias diversas.7 Muñoz Suay califica esta película de documento, pero hay dos aspectos que desacreditan esta rotunda apreciación. El primero es la propia autoridad de quien emite tal consideración, que queda puesta en duda al identificarlo como director de una filmoteca nada menos que dadaísta. Hay ciertamente una doble ironía en esta identificación pues aunque el calificativo no sea aplicable a una institución inexistente, quizás sí lo sea a la película de Patino globalmente considerada, por lo que tiene de provocación y de ruptura de las convenciones establecidas. El segundo aspecto es la obvia planificación y puesta en escena que da como resultado una narración perfectamente articulada en que los tiempos y los ritmos están muy medidos. Esto evidencia que no se trata de la captación de una realidad que se desarrolla espontáneamente sino de una dramatización que se representa expresamente para ser registrada por la cámara8. Al mismo tiempo que Patino construye un diálogo entre pasado y presente9, hay también 6 Adolfo Bellido (1996: 159) ha señalado la pequeña contradicción que existe entre el caos de una revolución que está siendo reprimida y la representación impecablemente estructurada que de ella se hace. 7 Juan Antonio Pérez Millán (2002: 327) encuentra huellas de La Huelga (1924) y La línea general (1927) de S. M. Eisenstein. 8 Hay otro elemento que añade incertidumbre al film de Shumiatsky. Patino concluye ambos films a la vez, de modo que ambos films comparten música y créditos. Aparentemente estamos viendo el final del film soviético, pero si el espectador mira con atención al reparto enseguida se da cuenta de que se trata no solo del film soviético, sino también del de Cameron y del resto del material que compone la película de Patino. En este momento queda ya claro que todo lo que hemos visto en Casas Viejas ha sido escrito y rodado por Basilio Martín Patino. 9 Siguiendo el concepto de semiosfera de Juri Lotman, Pilar García Jiménez (2008b: 49-64) interpreta la película como un diálogo entre pasado y presente en el territorio de la memoria. Especialmente interesante resulta su distinción entre memoria escrita, oral y creativa.

13 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Norberto Mínguez un juego permanente entre ficción y no ficción, verdad y credibilidad. El metraje de Cameron es convincente porque parece más un metraje espontáneo, sin intermediación10, que un metraje creado para ser presentado ante una audiencia. Sin embargo, el metraje de Shumiatsky basa su credibilidad en un estilo dramático que puede ser fácilmente asociado a un tipo concreto de cine. Aunque la historia contada es ciertamente trágica, parte del juego11 consiste en que la audiencia discrimine entre ficción y no ficción, entre dramatizaciones y documentos originales. No obstante, este divertimento no impide que el espectador entre en un juego más serio que consiste en una reflexión profunda sobre la escritura de la historia y la pervivencia de la memoria. 2. La Niebla en las Palmeras La Niebla en las Palmeras (2006) es una película dirigida por Carlos Molinero y Lola Salvador, en torno a la figura de Santiago Bergson y a los acontecimientos, algunos de carácter histórico, que marcaron su vida. Bergson es un fotógrafo y físico nacido en 1905 en un barco que hacía el trayecto entre La Habana y Gijón. La película se estructura en torno a las voces de Bergson y de sus tres hijas en combinación con una gran variedad de imágenes de archivo. Voces e imágenes construyen el relato de la vida de Bergson y sus distintos episodios: siendo niño se pierde en una mina de Asturias y es rescatado por un anarquista; se enamora de Lucrecia, quien más adelante se trasladará a Cuba; en los años 20 estudia física en Alemania y colabora con Weissenberg para después partir hacia La Habana en busca de Lucrecia. Durante la revolución minera de 1934 en Asturias intenta ayudar a aquel anarquista que un día le sacó de la mina, y para ello manipula una fotografía que pueda servir como prueba exculpatoria ante un tribunal; En 1938 viaja a Nueva York donde colabora con Orson Welles en La guerra de los mundos. Más adelante participa en el proyecto Manhattan para la fabricación de la primera bomba atómica. En 1944 muere en Francia mientras lucha con la resistencia. Focalizaremos el análisis de esta película en tres aspectos: - La diversidad de materiales con que está construido el film - El carácter polifónico del discurso - La operación de montaje que determina el significado global de la película y que estructura tres líneas de reflexión sobre la ciencia, la historia y la 10 La espontaneidad y la apariencia de no mediación son según Hight y Roscoe (2006: 177) dos condiciones para la credibilidad y la capacidad de persuasión de la imagen. 11 Este juego ha sido señalado por Antonio Weinrichter (2008: 48) y es fácil imaginar la sonrisa divertida de Basilio Martín Patino al leer algunas de las sesudas interpretaciones que hacemos desde la academia sobre películas como Casas Viejas.

14 Imagem: estratégia, discurso e sentido

El falso documental y los límites de la no ficción identidad. Lo primero que llama la atención respecto a los materiales es su alto grado de heterogeneidad, algo que responde sin duda a la voluntad experimental y poética de La Niebla en las Palmeras. Se combinan imágenes de archivo con imágenes rodadas expresamente para la película; metraje documental con metraje de ficción; imágenes fijas con otras secuenciales; representaciones antiguas con otras que son producto de nuevas tecnologías; cine doméstico con documental histórico; imágenes científicas con imágenes artísticas. Muchas de las imágenes utilizadas están deterioradas, como la memoria y la identidad del protagonista. No se trata simplemente de que haya heterogeneidad entre materiales, sino que la heterogeneidad está inoculada dentro de cada fragmento, superponiendo, por ejemplo, ruido de explosiones nucleares sobre unas imágenes de cine doméstico. Se puede decir que la película lleva a cabo una gran operación de descontextualización de esas imágenes, o sea, un proceso de borrado y reinscripción de significantes. Este desplazamiento y recontextualización ejerce una cierta violencia emocional e intelectual entre imágenes liberando mucha energía. La banda de sonido también está construida con materiales heterogéneos que combinan la voice-over de diferentes narradores con música y con todo un amplio catálogo de ruidos (explosiones lejanas, sirenas que anuncian un bombardeo, un corazón que late, interferencias radiofónicas, gritos o sonidos extraterrestres y el casi permanente ruido del paso de película por el proyector). La música confronta composiciones clásicas de Tchaikowsky o Haendel con piezas contemporáneas, produciendo contrastes violentos y poderosos cambios de ritmo. Es frecuente que el espectador desconozca la fuente del sonido, pues hay una cierta confusión entre sujeto y objeto, entre percepción y memoria, recurso utilizado para reforzar algunas líneas de pensamiento que plantea la película y de las que hablaré después. En lo que se refiere a las voces, la narración nunca se corresponde con el relato sincrónico de un narrador visto en pantalla. De hecho, apenas hay sonido sincrónico en la película, algo impensable en el documental convencional. La base narrativa de La Niebla es la voz de Santiago Bergson y los testimonios de tres mujeres que dicen ser sus hijas y que son entrevistadas en Normandía, Gijón y La Habana. La elección de una voz femenina para encarnar a Bergson ya apunta a una identidad problemática. Es la voz de una conciencia moribunda y perdida; de un personaje contradictorio involucrado en actividades creativas, pero también destructivas, alguien que se dedica al retrato fotográfico, pero también a la falsificación; un sujeto que no sabe cómo murió, ni siquiera si está vivo o muerto. El espectador ignora desde qué lugar nos habla Bergson, pero en su discurso predomina 15 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Norberto Mínguez el tono autobiográfico, pues habla en primera persona, cuenta su propia vida y transmite sus pensamientos y emociones. Sin embargo, esta voz contraviene alguno de los principios básicos del relato autobiográfico: - No hay un orden cronológico claramente establecido, sino que hay una tendencia continua hacia el caos. - Más que construir una identidad lo que se hace es deconstruirla. - Predomina la experimentalidad y una subjetividad exacerbada, hasta provocar casi una ruptura de la referencialidad. - Toda autobiografía supone un proceso de autoconocimiento que viene a resolver algún conflicto identitario o personal o que concluye al menos con una suerte de cierre narrativo. En este caso no se produce ninguna de las dos cosas, pues quedan muchas preguntas sin respuesta y no hay una resolución narrativa propiamente dicha. Como señala Laura Rascaroli (2009: 4), el relato autobiográfico pretende encontrar o crear alguna forma de unidad en una vida que cada vez más se experimenta como algo desconectado, dislocado y disperso. Es evidente que esa aspiración no termina de verse cumplida en esta película. Por otro lado, La voice-over es generalmente un elemento portador de autoridad textual y homogeneizador del discurso cinematográfico evitando su fragmentación. Sin embargo, en La Niebla en las Palmeras, la voz se convierte en una fuente de inestabilidad, pues si por un lado sirve para orientar el sentido de las imágenes, en otras ocasiones las distintas voces entran en contradicción o bien lo que dicen las palabras es desmentido por lo que muestran las imágenes. Las voces de las hijas de Bergson también generan fragmentación e inestabilidad. Aunque las tres aparecen en pantalla ofreciendo su testimonio, éste se ve mediatizado por una voiceover, de modo que el espectador no tiene acceso directo a lo realmente dicho por los personajes. Estos testimonios presentan contradicciones que cierran en falso cuatro de los seis capítulos que forman la película (unos, por ejemplo, ponen fecha a la muerte de Bergson, mientras que otros aseguran que está vivo). Para agravar la improbabilidad no ya de los testimonios, sino de los personajes que los emiten, el propio Bergson niega tener ninguna hija. Todas estas contradicciones y la descorporeización de los testimonios restan autoridad a las voces y ponen demasiado al descubierto el andamiaje discursivo. Como ya se ha dicho, el significado global de la película está determinado no tanto o no solo por el contenido material de las imágenes, sino sobre todo por la compleja operación 16 Imagem: estratégia, discurso e sentido

El falso documental y los límites de la no ficción de montaje que se lleva a cabo con ellas. Mediante esta operación de montaje, que incluye la apropiación y manipulación de imágenes, se construye una suerte de ensayo sobre la inestabilidad de tres discursos esenciales en los que converge y se problematiza la cuestión de la representación y también la del conocimiento: se trata de los discursos de la ciencia, la historia y la identidad. La consideración de la cámara como instrumento de inscripción científica y la de la representación fotográfica como prueba documental y/o científica han ido evolucionando a lo largo del tiempo de manera paralela al desarrollo tecnológico. El debate sobre la capacidad de la imagen para representar científicamente aspectos de la realidad sigue vivo y Brian Winston proponía hace ya dos décadas que necesariamente el documental debería negociar alguna forma de escape del abrazo de la ciencia (1993: 57). En La Niebla en las Palmeras la ciencia tiene una presencia poderosa, no sólo por el perfil profesional del protagonista, sino también por la abundancia de imágenes documentales de carácter científico. Sin embargo, la manipulación y descontextualización a que son sometidas las despoja de su supuesta objetividad y las pone al servicio de un ejercicio crítico que cuestiona la ciencia como discurso de autoridad así como su capacidad para resolver los problemas sociales. Tanto es así, que Santiago Bergson interviene como científico en un proyecto destructivo y utiliza su conocimiento para falsear la realidad, fines ambos muy alejados del ideal retórico del discurso científico. Más allá del semblante seductor de la ciencia asociado a la tecnología, la película nos muestra el horror de la bomba atómica o de los campos de concentración, diluyendo así la confianza ilimitada en el poder de la razón científica y tecnológica. Por otro lado, la película visualiza algo que ya sabemos, o sea, que la frontera entre ficción y no ficción es muy tenue, pero lo hace, y creo que esto es lo novedoso, de una manera un tanto científica. Se puede decir que esta película es experimental, no solo en el sentido estético, sino también desde un punto de vista científico, en la medida en que la operación de montaje que realiza se asemeja mucho al trabajo de quienes combinan en un laboratorio distintas sustancias, ensayando reacciones y experimentando mezclas diversas. De este modo, se despliega toda una retórica científica para cuestionar el discurso de la ciencia, al tiempo que se visualizan ciertos iconos científicos y se ponen en práctica algunos de sus procedimientos. Este cuestionamiento del discurso científico se pone en relación con otro discurso que es igualmente sometido a un proceso de deconstrucción: el discurso histórico. Como señala Philip Rosen (1993: 67), la idea de que la historiografía es capaz de ofrecer un conocimiento científico no deja de ser sorprendente por varias razones: una de ellas es la exigencia de que esa 17 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Norberto Mínguez explicación de la realidad deba constituir una secuencia coherente y otra sería la necesidad de un cierre narrativo que, según Hayden White (1987), es tan potente en términos retóricos como epistemológicamente sospechoso. A eso se añade el hecho incontrovertible de que el pasado es por definición algo ausente y, por tanto, no puede ser sometido a observación directa y mucho menos a manipulación experimental. La Niebla en las Palmeras presenta efectivamente la historia como un discurso problemático. Aunque narra acontecimientos cruciales del siglo XX, lo hace mediante un relato muy alejado del discurso histórico convencional. En primer lugar, el metraje documental que maneja la película es de una heterogeneidad inadmisible en el discurso histórico estándar. Ese metraje está además manipulado por descontextualización o incluso físicamente: hay imágenes antiguas alteradas con recursos electrónicos o imágenes que se deterioran hasta hacerse ilegibles. Pero además, el metraje histórico se combina con metraje doméstico e incluso con pasajes de ficción en un montaje que no enmascara los conflictos del relato, sino que los saca a la luz. El montaje de La Niebla en las Palmeras nos obliga a hacernos muchas preguntas, incrementando el trabajo espectatorial y creando un texto caracterizado por su falta de clausura y su incoherencia, contraviniendo así las pautas del discurso histórico tradicional. Si el discurso histórico se suele presentar como un relato documentado, autorizado, sistematizado y fidedigno, La Niebla en las Palmeras desenmascara estas apariencias y visualiza la producción de sentido poniendo en cuestión los conceptos de documento, de autoridad y la propia veracidad del sistema discursivo histórico, contribuyendo así a representar el declive de los grandes relatos. Paradójicamente la apropiación y manipulación en este caso dan como resultado un texto que ubicado en el límite de la ficción puede estar más cerca de la verdad que el discurso histórico que nos promete un relato objetivo del pasado. Al mismo tiempo La Niebla en las Palmeras es una reflexión experimental sobre la interferencia entre imágenes y relatos, interferencia que puede multiplicar exponencialmente los significados y las lecturas posibles, pero que puede también producir una ruptura de la referencialidad introduciendo el texto en el ámbito de lo que Baudrillard definió como simulacro. Finalmente, el montaje también involucra la cuestión de la identidad. Aunque Santiago Bergson es el protagonista de la película, ésta se resiste a focalizarse sólo en su peripecia. Se parte de lo individual, para reflexionar sobre lo universal, por eso se elige un personaje periférico que es testigo de acontecimientos históricos centrales del siglo XX; Importa menos la vida de Bergson, que la indagación sobre cómo se construye el relato identitario e histórico. En esta línea de pensamiento se produce una correspondencia entre forma y sentido, pues la 18 Imagem: estratégia, discurso e sentido

El falso documental y los límites de la no ficción forma cinematográfica de la película mimetiza la compleja identidad del protagonista, que es fragmentaria, centrífuga, desorientada y no lineal. Podríamos decir que la película tiene una veta frankensteiniana, como el protagonista, un monstruo hecho con retales, carne muerta que alcanza una nueva vida. Las imágenes colapsan la memoria personal y el relato histórico, pero al mismo tiempo conforman nuestra identidad y dependemos de ellas. El montaje al que asistimos no sólo deconstruye las grandes narrativas históricas, sino la propia veracidad de las domésticas. Proyecta sobre los films familiares reciclados sombras que contravienen la base institucional del cine familiar y que en definitiva desestabilizan al propio sujeto. Más allá de enfatizar el carácter construido de la imagen y de la identidad, la película apunta a la inestabilidad no sólo de los significados, sino de los propios significantes: hay referentes (el propio Bergson, por ejemplo) evocados por imágenes que corresponden a objetos distintos, escenas familiares entrañables habitadas por el horror de la historia del siglo XX, fechas que se transforman creando incertidumbre y un deslizamiento general que impide cualquier posibilidad de clausura. La Niebla en las Palmeras representa con imágenes viejas y lenguaje nuevo el fracaso del proyecto de la Modernidad. Pero sus imágenes también transpiran la ausencia esencial que constituye todo signo, la idea de que algo se ha perdido. Hay en ellas una nostalgia y un deseo permanente de lo real que, sin embargo no frustra el deseo de conocimiento. Conclusión Es preciso señalar algunas similitudes y diferencias entre estas dos películas, ya que esto nos permitirá trazar con precisión el perfil y algunas de las funciones del falso documental. Ambas películas comparten un alto componente emocional. Como señala Manuel Cruz, es necesario pensar las emociones y los sentimientos como un estado que, lejos de añadirse desde fuera a la conciencia para enturbiarla o confundirla, constituye la tonalidad necesaria de cualquier forma de orientarse en el conocimiento y por esa razón deberíamos otorgarles dignidad ontológica (Cruz 2005: 137). Estas películas no intentan ocultar este hecho, sino que, más bien al contrario, lo visualizan: La Niebla, precisamente porque es una narración cargada de subjetividad, no puede evitar la emoción, que contrasta notablemente con la presencia de la ciencia como uno de los ejes temáticos centrales de la película. Basilio Martín Patino, por su parte utiliza el estilo visual y el montaje para que el espectador empatice con las víctimas de 19 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Norberto Mínguez Casas Viejas. Esto es evidente en la dramatización de la película de Shumiatsky, pero también en las imágenes documentales de Cameron y en cómo el personaje se relaciona con ellas. Ambas películas comparten también una dimensión transnacional12. Casas Viejas relata acontecimientos que tienen un carácter local. Para construir su narración Patino recurre a fuentes tanto españolas como extranjeras. Las fuentes reales y autorizadas, es decir, los historiadores, son españolas, mientras que los documentos falsos, es decir el metraje de Cameron y Shumiatsky, provienen de fuentes británicas y soviéticas. Dada la distribución de fuentes a lo largo de la película y los tiempos asignados, está claro que el director opta por conceder distinto valor a unas y otras fuentes. Las fuentes falsas, de carácter periodístico o artístico, adquieren una mayor importancia en el discurso pues su duración total en la película es cinco veces mayor que las fuentes reales, de carácter académico. Probablemente Patino esté apuntando al hecho de que los españoles no hemos sido capaces de elaborar un relato del pasado razonable y aceptable para todos, de modo que nos vemos obligados a acudir a relatos construidos por otros, pues incluso aunque esos otros sean falsos, sus historias son más aceptables que nuestras eternamente conflictivas representaciones. La dimensión transnacional de La Niebla en las Palmeras es de otro tipo. Su protagonista no tiene un lugar de nacimiento preciso (nace en un barco que surca el Océano Atlántico), aunque vive en España, Cuba, Francia, Alemania y Estados Unidos.13 Algunos de los acontecimientos representados en el film tienen un carácter local (la revolución minera en Asturias o el rodaje de una película en La Habana), pero otros, como la Segunda Guerra Mundial, poseen una dimensión global y hacen que el contexto del film sea accesible para una amplia audiencia. La multiplicidad de referentes geopolíticos está sin duda relacionada con la subjetividad descentrada del protagonista, un personaje periférico ubicado en acontecimientos históricos centrales. Respecto a las diferencias entre ambas películas una primera distinción formal es el hecho de que Casas Viejas sea parte de una serie televisiva mientras que La Niebla es una producción cinematográfica. Esta adscripción inicial a distintos medios podría llevarnos a asociar La Niebla con la idea de alta cultura y Casas Viejas con la idea de un producto cultural destinado a grandes audiencias. Sin embargo, una y otra se resisten a ser fácilmente etiquetadas debido en parte a su carácter híbrido. Aunque La Niebla es normalmente clasificada como documental14, está lejos 12 En ambas películas se utilizan distintas lenguas bien sea de manera hablada o escrita. 13 Los títulos de crédito muestran el enorme esfuerzo realizado en la búsqueda de metraje y documentación en todos estos países. Para la producción de la película se han consultado numerosas filmotecas y archivos fotográficos, incluido el archivo personal de Santiago Bergson. Es interesante señalar que en el listado de agradecimientos aparece el nombre de Basilio Martín Patino. 14 Este es el género al que le adscribe la base de datos sobre cine español del Ministerio de Cultura y así es etiquetada también por la propia compañía productora

20 Imagem: estratégia, discurso e sentido

El falso documental y los límites de la no ficción del cine de compilación clásico. Como se ha dicho anteriormente, La Niebla es una película experimental que podría haber tomado la forma de una instalación multimedia o ser mostrada en un museo o una galería de arte. Aunque Casas Viejas es un producto televisivo, es obvio que su contenido no está destinado a un público masivo. Se exhibe en un medio masivo y en horario de máxima audiencia, pero es un contenido claramente distinguido por la firma de su autor. También se trata de un texto híbrido que excede las expectativas normalmente asociadas al medio para el que fue concebido. Podemos leerlo como un documental sobre un acontecimiento histórico15, pero si entendemos la película como falso documental, también puede ser leído como un ensayo audiovisual sobre la imagen, la memoria y la escritura de la historia. Aquí radica precisamente el aspecto diferenciador al que me quiero referir para terminar, es decir, el modo en que cada una de estas películas se relaciona con la historia. Casas Viejas dramatiza acontecimientos históricos aplicando dos modos de representación: la reconstrucción realista de Shumiatsky muy próxima al relato de ficción frente al documental observacional de Joseph Cameron 16. Al confrontar estas dos formas cinematográficas sometiéndolas a un proceso de falsificación Patino muestra al espectador las estrategias retóricas de ambas modalidades y al mismo tiempo cuestiona el documental histórico convencional basado en el testimonio de testigos y expertos. Si Casas Viejas reconstruye y dramatiza acontecimientos históricos, La Niebla inventa un pasado que nunca existió combinando ficción, fragmentos de cine doméstico y metraje documental de grandes acontecimientos históricos. Ambas películas desafían el concepto de autenticidad y el propio estatus de la no ficción. Ponen del revés los principios de la investigación histórica académica: en lugar de construir una narración basada en la interpretación de fuentes fidedignas, su relato incorpora documentos que han sido inventados o recontextualizados. Siguiendo a Ana Martín Morán (2001: 498), cabe decir que lo importante en estas dos películas no es tanto el referente que pertenece al mundo histórico como las distintas estrategias discursivas que se ponen en juego para convertirlo en un relato audiovisual.17 De manera que lo esencial no es qué se representa, sino cómo se representa. En este sentido ambas películas mimetizan las herramientas y la retórica del discurso histórico, pero al mismo tiempo lo desacreditan socavando su credibilidad institucional. Utilizan la dicotomía ficción/no ficción Brothers and Sisters. De hecho, en la base de datos del Ministerio no hay ninguna película clasificada como falso documental. Quizás esto responde a que una de las diferencias esenciales entre un documental y un falso documental sea que este último se declara, en algún momento y de manera más o menos explícita, falso. 15 De hecho, algunas páginas de internet sobre Casas Viejas ilustran los acontecimientos indistintamente con imágenes documentales de la época o con fotogramas de la película de Patino. 16 Como señala acertadamente Alberto N. García Martínez (2008: 315), “Patino pone de manifiesto las diferentes formas de contar la historia: el dirigismo ideologizado del montaje soviético frente a la supuesta asepsia presencial del modelo británico”. 17 Ana Martín Morán (2001: 498) se refiere a Casas Viejas, pero la idea puede ser aplicada a ambas películas.

21 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Norberto Mínguez para subvertir la propia jerarquía que implica esa oposición y al mismo tiempo cuestionan las convenciones de la escritura histórica y establecen una reflexión sobre la memoria, la identidad y la retórica científica. Cabe aquí recurrir a la idea expresada por Roger Odin sobre la existencia de un modo de lectura documentalizante (2008: 201), es decir, al hecho de que un texto no es un documento porque dice la verdad, sino porque le interrogamos sobre la verdad. Respecto a Casas Viejas y La Niebla en las Palmeras no interrogamos ni nos interesa tanto la pureza procedimental como la verdad última que estas imágenes manipuladas intentan transmitir. En el empeño por alcanzar esa verdad ambas películas utilizan estructuras documentales con el fin de traspasar los límites de la no ficción.

Obras citadas

BELLIDO LÓPEZ, Adolfo (1996): Basilio Martín Patino. Un soplo de libertad. Valencia: Filmoteca de la Generalitat Valenciana. DE FELIPE, Fernando (2001): “El ojo resabiado (de documentales falsos y otros escepticismos escópicos)”, en SÁNCHEZ-NAVARRO, Jordi e HISPANO, Andrés (Eds.): Imágenes para la sospecha: falsos documentales y otras piruetas de la no-ficción. Barcelona: Glénat, 31-58. CATALÀ, Josep M. (1999): “La crisis de la realidad en el documental español contemporáneo” en: Josep M. CATALÀ, Josetxo CERDÁN y Casimiro TORREIRO (Eds.): Imagen, memoria y fascinación: notas sobre el documental en España. Madrid: Ocho y Medio y Festival de Cine Español de Málaga, 27-44. CERDÁN LOS ARCOS, Josetxo (2005): “La voluntad quebrada (o el extraño caso de los falsos documentales que no acaban de serlo)” en ORTEGA, María Luisa (Ed.): Nada es lo que parece: falsos documentales, hibridaciones y mestizajes del documental en España. Madrid: Ocho y Medio y Ayuntamiento de Madrid, 107-132. CRUZ, Manuel (2005): Las malas pasadas del pasado: identidad, responsabilidad, historia. Barcelona: Anagrama. ESTRADA, Isabel (2009): “Memoria, televisión y documental: Casas Viejas el grito del sur de Basilio Martín Patino” en LÓPEZ, Francisca, CUETO, Elena y GEORGE, David 22 Imagem: estratégia, discurso e sentido

El falso documental y los límites de la no ficción R. (eds.), Historias de la pequeña pantalla: Representaciones históricas en la televisión de la España democrática. Madrid: Vervuert Iberoamericana, 197-216. FECÉ, Josep Lluis (2001): “El documental y la cultura de la sospecha”, en SÁNCHEZNAVARRO, Jordi e HISPANO, Andrés (Eds.): Imágenes para la sospecha: falsos documentales y otras piruetas de la no-ficción. Barcelona: Glénat, 59-78. GARCÍA JIMÉNEZ, Pilar (2008a): “Juegos, diálogos e invenciones en El grito del sur: Casas Viejas” en MARTÍN, Carlos (ed.), En Esto Consistían los Paraísos. Aproximaciones a Basilio Martín Patino. Granada: Centro José Guerrero, 91-100. GARCÍA JIMÉNEZ, Pilar (2008b): “Lenguajes de la memoria en El grito del sur: Casas Viejas de Basilio Martín Patino” en FEENSTRA, Pietsie y HERMANS, Hub (eds.), Miradas sobre pasado y presente en el cine español (1990-2005). Amsterdam: Rodopi, 49-64. GARCÍA MARTÍNEZ, Alberto Nahum (2008): El cine de no-ficción en Martín Patino. Madrid: Ediciones Internacionales Universitarias. HIGHT, Craig y ROSCOE, Jane (2006): “Forgotten Silver: A New Zealand Television Hoax and Its Audience” en JUHASZ, Alexandra y LERNER, Jesse (eds.), F is for Phony: Fake Documentary and Truth´s Undoing. Minneapolis: University of Minnesota Press, 171-186. MARTÍN MORÁN, Ana (2001): “La reescritura del pasado en El Grito del Sur: Casas Viejas de Basilio Martín Patino”, Cuadernos de la Academia 9, 493-509. ODIN, Roger (2008): “El film familiar como documento. Enfoque semiopragmático.” En: CATALÁ, Josep María y CERDÁN, Josetxo (eds). Después de lo real. Archivos de la Filmoteca 57-58 Vol. II, 197-217. PÉREZ MILLÁN, Juan Antonio (2002): La memoria de los sentimientos. Basilio Martín Patino y su obra audiovisual. Valladolid: 47 Semana Internacional de Cine de Valladolid. ROSCOE, Jane y HIGHT, Craig (2001): Faking it: mock-documentary and the subversion of factuality. Manchester: Manchester University Press. RASCAROLI, Laura (2009): The Personal Camera: Subjective Cinema and the Essay Film. London: Wallflower Press. 23 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Norberto Mínguez ROSEN, Philip (1993): “Document and Documentary: On the Persistence of Historical Concepts” en: RENOV, Michael (ed.): Theorizing Documentary. New York: Routledge, 58-89. SÁNCHEZ-NAVARRO, Jordi (2001): “El mockumentary: de la crisis de la verdad a la realidad como estilo,” en SÁNCHEZ-NAVARRO, Jordi e HISPANO, Andrés (Eds.): Imágenes para la sospecha: falsos documentales y otras piruetas de la no-ficción. Barcelona: Glénat, 11-30. UTRERA MACÍAS, Rafael (Ed.) (2006): Andalucía, un siglo de fascinación. Homenaje a Basilio Martín Patino. Sanlúcar de Barrameda: Pedro Romero. WEINRICHTER, Antonio (2005): Desvíos de lo real: el cine de no ficción. Madrid: T & B. WEINRICHTER, Antonio (2008): “La seducción de la moviola. El síndrome del montaje en el cine de Patino”, en: MARTÍN, Carlos (ed.), En Esto Consistían los Paraísos. Aproximaciones a Basilio Martín Patino. Granada: Centro José Guerrero. WHITE, Hayden (1987): The Content of the Form: Narrative Discourse and Historical Representation. Baltimore: Johns Hopkins University Press. WINSTON, Brian (1993): “The Documentary Film as Scientific Inscription” en: RENOV, Michael (ed.): Theorizing Documentary. New York: Routledge, 37-57.

El presente texto se ha escrito en el ámbito de un proyecto de investigación titulado Nuevas tendencias del paradigma ficción/no ficción en el discurso audiovisual español (2000-2010) (Ref. CSO 2009-07089) y financiado por el Ministerio de Ciencia e Innovación dentro del Plan Nacional de I+D+i. Este artículo fue publicado previamente en 2013 en el libro Ficción y no ficción en los discursos creativos de la cultura española. Norberto Mínguez (Ed.), Madrid/Frankfurt: Iberoamericana Vervuert. El autor agradece a la editorial la autorización para reproducir el artículo en el presente libro.

24 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursividade Teleinformativa: o Dispositivo de Enunciação Adair Caetano Peruzzolo RESUMO

ABSTRACT

Neste texto, procura-se primordialmente

In this paper, we seek to reflect the complexity

refletir a complexidade do conceito de

of the concept of subject of enunciation,

sujeitos de enunciação, quando aplicado

when applied to Teleinformation. Within

à teleinformação. Dentro desse manuseio

this conceptual handling, it seeks also

conceitual procura-se ainda analisar como

analyze how to set up the information on

se configura a informação em televisão,

television, when conceived as discursive

quando pensada na forma de recursos

resources. Examines the reach of the

discursivos. Examina-se o alcance da

category of television device, and then draw

categoria de dispositivo televisivo e, a

up the scope of the field of discursivity

seguir, desenha-se o âmbito do campo

teleinformativa

da discursividade teleinformativa como

Enunciation’, in an attempt to develop the

‘Dispositivo Televisivo de Enunciação’,

relationship enunciative under the figure

buscando-se

relação

of an axis of look, comprising two axes

enunciativa sob a figura de um eixo do

involved and minors: the show and the view.

desenvolver

a

as

‘Television

Device

olhar, constituído de dois eixos implicados e menores: o do mostrar e o do ver.

Palavras-chave

Keywords

Informação televisual. Discurso. Dispositivo.

Televisual information. Teleinformativa

Discursividade teleinformativa.

discursivity. Visual semiotics; Discourse.

Semiótica audiovisual.

Device.

Adair Caetano Peruzzolo | Doutor e Mestre pela Escola de Comunicação da UFRJ; e

pós-doutor com estágio na Universidade Autônoma de Barcelona, ES. Foi Professor Titular no Departamento de Ciências de Comunicação da UFSM, para os Cursos de Jornalismo, Relações Públicas e Publicidade e Propaganda, na Graduação; é Prof. no Programa de Pós-Graduação em ‘Comunicação Midiática’ da UFSM. [email protected] 25 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Adair Caetano Peruzzolo Inicialmente, para circunstanciar o título, quero dizer que o uso da noção de dispositivo tem o intuito de afirmar que a lógica televisiva se encontra exatamente inserida numa dinâmica de meios postos em ação em vista de um fim. O termo ‘dispositivo’ tem naturalmente intuitos de eficácia. Fica facilmente soldado ao conceito de estratégia. Devo lembrar também que, seguindo a linhagem de Bakhtin, a fala discursiva, nessa proposição analítica, sempre e suficientemente, significa relações dialógicas entre sujeitos necessariamente implicados num ato social; razão por que discurso, aqui, refere um estado de relação em que os falantes são colocados (para que aí possa existir uma fala), em vez de designar simplesmente o texto ou o ato de enunciar (algo possível), mas que não é o caso desta análise. Assim que a categoria discurso quer designar, no ambiente destas análises, as necessárias relações intersubjetivas, que precisam ocorrer entre os falantes para que haja uma fala. Daí, a questão central reflexiva que me coloco: quem enuncia no dispositivo televisivo? Olhada na dinâmica de seu funcionamento, esta inquirição junta um conceito de caráter técnico - o dispositivo - ao de enunciar, compondo uma categoria mais complexa, a de ‘Dispositivo de Enunciação’ televisiva. Por isso, as questões de fundo são dispositivo, enunciação, dispositivo televisivo enunciador, dispositivo televisivo enunciatário e suas conexões com o fazer informativo da televisão1. Escolhemos o âmbito das teorias de enunciação, porque esse modo de consideração dos textos permite olhar mais a intencionalidade humana jogada neles que a Semiologia Geral que se ocupa do manifesto deles. De certo modo, um objeto complexo exige instrumentos de análise de mesma ordem, também complexo. Explica Charaudeau (1992, p. 49) que a operação de fala age inerentemente com classificações: uma, formal, que consiste em nomear o objeto ou o fenômeno; outra, semântica, que processa significações de relação entre as nomeações e os fenômenos analisados e conhecidos2. 1. O Dispositivo Televisivo Lembra Nel (1999, p. 132) que os conceitos e categorias conceituais, que os pensadores mobilizam, relevam de “construções teóricas particulares que podem emergir, se impor mais

1 Este é o texto analítico básico, que procura firmar o conceito de ‘Dispositivo de Enunciação televisiva’, como base de vários outros, já projetados e em andamento. A razão prende-se ao desenvolvimento de pesquisa apoiada pelo CNPq, com bolsa PQ, denominada “Tv – A Sedução do Olhar”. 2 Dizendo isso, afirmamos que este texto, de acordo com o que se diz na nota 2, tem o intuito de empostar a orientação processual e teórica da análise da teleinformação a que nos propusemos com o projeto de pesquisa denominado “Tv – A Sedução do Olhar”.

26 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursividade Teleinformativa: o Dispositivo de Enunciação ou menos por largo tempo, no quadro de sistemas e modelos precisos”. Este de ‘Dispositivo’3, embora em uso há mais de meio século, tem o intuito de ajudar a pensar um objeto teórico dentro dos processos comunicacionais, que se apresenta sob formas complexas de agenciamento entre os elementos que o compõem. Verón (1983), num texto hoje considerado clássico4, faz uso desta categoria conceitual para referir-se ao ‘aparelho enunciativo’, que comporta os lugares das imagens de quem fala e daqueles para quem a fala é endereçada, e o vínculo comunicacional entre o enunciador e o destinatário, o enunciado. Buscando pensar a enunciação teleinformativa como um mecanismo destinado a uma função especial, algumas interrogações se fazem presentes: Que imagem ocupa o lugar daquele que fala? Que imagem é a daqueles a quem se fala? Que dimensões discursivas – dialógicas – têm o enunciado que se interpõe a tais sujeitos? De forma aproximada, Deleuze e Guattari (1995, p. 23) usam as categorias de “máquina abstrata” e “máquina semiótica”, para enfatizar o caráter de funcionamento dos agenciamentos coletivos de enunciação, que operam a conexão de uma fala com os conteúdos semânticos e pragmáticos do enunciado. Os autores utilizam a categoria de “máquina” para especificar o poder e o trabalho de produção significante desses aparelhos comunicacionais e, assim, chamar a atenção para o ‘funcionar’ dos sistemas de linguagem. É porque os equipamentos coletivos de informação e comunicação operam no âmbito da subjetividade humana, movendo suas sensibilidades, seus afetos e seus fantasmas inconscientes (Guattari, 1993, p. 14), que importa diminuir a distância que por vezes se põe entre técnica e discurso. Evidentemente, a prática sociocultural televisiva, que é muito complexa, aqui se vê reduzida a um objeto de reflexão e análise, mas o intuito é lidar com a mistificação do sujeito televisivo tomado. Nos termos de Bourdieu (1989, p. 75), o aparelho televisivo é feito “para funcionar como Deus ex machina, ‘asilo de ignorância’, causa capaz de justificar tudo, e com menor custo, sem nada explicar”. É em razão dessas “grandes figuras alegóricas da dominação” (Estado, Burguesia, Igreja, Família, Justiça, Escola, etc. – hoje, especialmente, Mídias), que o autor constitui os conceitos de ‘campos’ e ‘habitus’, pois, elas não apenas semiotizam situações e acontecimentos como criam também intensos processos de subjetivização. Entender, portanto, a complexidade é fundamental, mas é também socialmente fundamental não aliviar a 3 O Dicionário da Encyclopaedia Britannica do Brasil (1986) registra certa amplitude de usos do termo ‘dispositivo’ para a língua portuguesa: “próprio para dispor; que contém ordem, prescrição, disposição; regra, preceito; artigo de lei; qualquer peça ou mecanismo de uma máquina destinados a uma função especial”. O Petit Larousse o explicita como sendo “conjunto de peças que constroem um mecanismo, um aparelho qualquer”. Comentando tal compreensão Meunier (1999, p. 83) diz que esta acepção, com forte implicação técnica, torna o termo ‘dispositivo’ quase um sinônimo de agenciamento de elementos. 4 Trata-se de “Quand lire c’est faire”, originalmente publicado pelo IREP, Paris, Sémiotique II. Encontra-se traduzido em Verón (2005), cfe bibliografia citada ao final do texto.

27 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Adair Caetano Peruzzolo responsabilidade dos que a têm – os homens que vêem, sabem, pensam e fazem Tv – atribuindo a produção, cultivo, resultados e forças a um demiurgo mistificado5. As determinações fisiológicas e psicológicas do enunciador e do espectador, as determinações sociais em que se encontram, não são suficientes para explicar as relações de leitura e produção de uma imagem. Estas - leitura e produção - ficam sujeitas a ações materiais e organizacionais de meios e técnicas de produção, circulação, reprodução, lugares e suportes. Isto que “regula a relação entre o espectador e suas imagens, enunciador e seus enunciados em determinados contextos simbólicos” é o que se chama dispositivo (Aumont, 1995, p. 192). Portanto, não só com relação ao espectador e, sim, também com relação à produção. Aliás, todo texto ao ser produzido e visitado, contrai relações intertextuais e intertextuais, por força da inserção dos enunciadores na linguagem. O conceito de dispositivo usado por Mouillaud (1997, p. 30), de lugares materiais, ou mesmo imateriais, nos quais se inscrevem necessariamente os textos, servindo-lhes de matriz dos sentidos, embora mais restrito e parcial que o de Verón, ressalta o caráter de regramento, que ele impõe às formas textuais (enunciados) e ao papel dos interlocutores. Em Mouillaud, que aplica o conceito ao jornalismo, os textos são regrados pelo dispositivo. Na concepção de Verón, não havendo dispositivo sem enunciado, a presença deste é condição constituinte do dispositivo. Pelo que, sob o aspecto da enunciação, o dispositivo teleinformativo é um conjunto dinâmico de produção de sentido. Peças (partes; chamarei de eixos) se agenciam numa certa disposição e num certo regramento, para a função especial de constituir um “aparelho formal de enunciação” (referência a Benveniste, 1992). Atrás da ideia de dispositivo está a de subjetividades que se expressam, manifestando o modo como as relações de poder se compreendem nas relações sociais. Além disso, essa formulação categórica pretende afirmar a força de linguagem do meio, que não está no autor, que não depende dele. Tal categoria corresponde às concepções populares de que o jornal/a tevê – o meio - fala e pesa no dizer. Os dispositivos, então, não são apenas técnicas ou meros suportes. São, por sua natureza sociocultural, regidos pelo sistema da linguagem, cuja função discursiva fundamental “é a fala para outrem” (Ducrot, 1977, p. 9), o que significa dizer que agem com as forças da estruturação, que pertencem a esse sistema, no enquadramento dos sentidos nos seus usos, pois, precisam fornecer um lugar de encontro para os indivíduos. “A organização de uma máquina, diz Guattari 5 Tomo a ação do analista como a incumbência de fazer aflorar os sentidos, não de enclausurá-los numa definição qualquer. Assim que o papel do analista é a ativação dos sentidos.

28 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursividade Teleinformativa: o Dispositivo de Enunciação (1993, p. 51), não tem, pois, nada a ver com a sua materialidade, porquanto ela se caracteriza como o conjunto das inter-relações de seus componentes, independentemente de seus próprios componentes”. É assim que eles são matrizes dos sentidos, e não meros suportes. Eles podem ser tomados como redes de elementos, que se conjugam num processo de ação que, como veremos, podem ser linear, reticular ou cartográfico, mas sempre aparelhos numa função especial. A categoria ‘dispositivo’ tem uma longa e complicada trajetória teórica. Embora valesse a pena reconhecê-la, para os intuitos desta proposição esboço apenas uma síntese com o intuito de contextualizar a concepção assumida. A categoria conceptual ‘dispositivo’ colhe da área técnica essa feição significativa de ser uma arrumação funcional para fazer acontecer uma ação. Na concepção de Foucault, é a rede que pode estabelecer-se entre os elementos, quando se os dispõe para uma produção. “Falar de dispositivo permite, pois, fazer coexistir entidades tradicionalmente consideradas como inconciliáveis, no seio da argumentação” (Peeters e Charlier, 1999, p. 16). Os usos sociológicos e filosóficos têm sido feitos para dar conta das relações entre pessoas e objetos, principalmente os técnicos, e para poder considerar conceitualmente os modos interdependentes da relação entre o humano e o não humano. Lembramos a observação de Fabbri (2000) quando propõe uma “Semiótica das técnicas”, que cuidaria da análise dos casos de ‘próteses recíprocas’ entre objetos e sujeitos: “(...) hoje já não existem sujeitos humanos, no sentido tradicional da palavra, pois, todos estamos de alguma maneira vinculados a um instrumento” (um relógio, um marca-passo, um telefone celular, televisão, etc.). Nel distingue três modos de uso conceitual da categoria ‘dispositivo’, segundo os três modos de ver a organização social. Primeiro, o dispositivo, tomado como “conjunto de meios utilizados para concretizar um modo de agir com intuitos estratégicos e segundo um quadro institucional” (NEL, 1999, p. 131, tradução nossa), pode ser concebida como uma árvore. Organismo, corpo, máquina são seus equivalentes; a árvore é um corpo arborescente. A árvore representa um sistema centrado e controlado de poder, um sistema hierárquico de comando. “Árvore, corpo, dispositivo e estratégia, podem facilmente se conjugar no interior de um modelo centrado de arranjos ligados ao poder”. Foucault tem mostrado como as multiplicidades imbricadas de conteúdo e expressão são governadas por uma instância de poder que, com seus agenciamentos coletivos, fazem os agrupamentos humanos funcionar como aparelhos. O pensamento clássico assemelha os organismos a máquinas. De modo que, necessariamente, o “media televisão, conclui Nel (1999, p. 132), é pensado, nos anos oitenta, como um sistema coerente e coercitivo de poder simbólico, ele próprio ‘enfeudado’ no poder político em ação”. 29 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Adair Caetano Peruzzolo O dispositivo, de outra forma, é um rizoma. “Como um sistema ‘fasciculado’, diz Nel (1999, p. 133), o rizoma deixa germinar estratos ou tipos de organização formal (sistema semiótico de expressão) e modos de desenvolvimento substancial (sistemas pragmáticos de conteúdo)”, que são trabalhados por processos de singularização e linhas de fuga, segundo movimentos de amplificação, entrecruzamentos e sobrecodificação. O dispositivo visto como rizoma, neste caso, é uma diversidade de nódulos funcionantes, proliferação de multiplicidades, que operam, por um aspecto, rupturas relativas no sistema e, por outro, coesões nele. Neste caso, não pode ser pensado em termos de estrutura, mas de linhas, melhor ainda, de tessituras. É uma cartografia de desejos e um tecido de interesses, mas os desejos e os interesses são máquinas, no sentido deleuzeano, (não estruturas), agenciamentos que funcionam sem parar (rizomas). Já antecipo que é este o aspecto que nos interessa na análise que fazemos da enunciação televisiva, pois que proprietários, diretores, editores, repórteres, âncoras, cinegrafistas, jornalistas, cada um dos agentes no dispositivo, apresentam seu nódulo de interesses, desejos, valores, etc., que buscam resguardar (consumando-os) na ação de realizar os intuitos dos superiores, mandatários ou instituição. Portanto, há uma composição em que as diferentes subjetividades se agenciam para uma atividade conjunta. Não um confronto, mas uma conjunção de intencionalidades, “uma dupla captura” (DELEUZE & PARNET, 1977), para a realização das singularidades de cada um. Por fim, o dispositivo pode ser pensado como uma rede, um entrelaçamento. É um modo de pensar que fica entre o sistema fechado (a árvore) e o modo aberto (germinativo), o rizoma. A rede pode ter duas lógicas: uma em direção ao corpo-árvore (rede linearizada) e, a outra, na direção do corpo-rizoma (uma malha). “As redes linearizadas tornam-se estruturação progressiva da complexidade”, (NEL, 1999, P. 134). As redes reticuladas são relativamente centradas e abertas, ao mesmo tempo. O detalhe é que o dispositivo concebido como rede privilegia a lógica; serve às explicações racionais (redes sociais de comunicação, redes cognitivas de saber, sociedades em rede, etc.). A concepção de dispositivo como rizoma privilegia as casualidades (a cartografia, uma geografia). A concepção arbórica serve melhor à concepção de dispositivo enquanto tirania, centro de poder, mando centralizado. Ao olhar o molde televisivo brasileiro, tem-se a impressão que ele se parece mais um formato reticular (um modelo intermediário ao rizoma e à árvore). Conjuga momentos de controle com liberdades personais. É uma máquina institucional de múltiplas facetas, que começa a preocupar-se com sua visibilidade e que, cada vez mais, mediatiza as informações e os valores sociais. 30 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursividade Teleinformativa: o Dispositivo de Enunciação Sintetizando, ‘dispositivo’ é uma categoria conceptual que basicamente quer designar a disposição e o regramento de peças, que se conjugam como meios utilizados de forma estratégica, para concretizar um objetivo. Para este texto, ‘dispositivo’, enquanto categoria conceitual, quer nomear um conjunto de peças técnicas e operacionais que, funcionando sincronicamente, constituem um aparelho de ação e prática em vista de um fim. Portanto, um mecanismo olhado em seu ângulo estratégico Entretanto tem usos diferentes segundo os modos de concepção dos fenômenos sociais e da comunicação, o que permite que ele tenha deslocamentos de ordem ideológica. Quer dizer, não é um conceito pacífico; sua concepção precisa ser estipulada para dizer o lugar donde se o usa e com que intuitos. Com a categoria de ‘dispositivo de enunciação’ queremos sublinhar esse lugar assumido de fala e leitura, pelo qual a mídia teleinformativa se coloca como instância complexa de constituição de discursos e agenciamentos coletivos de sentidos, que acolhe intuitos aparalelos e singulares da rede de sujeitos – nódulos, rizomas – que atuam como agentes de devir no seu interior. 2. O Dispositivo Televisivo de Enunciação Dizer que a televisão é um dispositivo de enunciação, é aplicar-lhe um enquadramento categorial com o intuito de explicar ou entender a complexa mecânica do seu funcionamento discursivo. Ao nomeá-la como ‘dispositivo de enunciação’, quer-se fazer funcionar a idéia de um conjunto de imagens de sujeitos implicados no processo da comunicação televisiva, de modo que sejam definidos como lugares criados e manifestos no interior de uma organização social, que visa a constituir sentidos de certa ordem, ditos discursivos. E nesse intuito comunicativo, a força da técnica comparece como elemento constituinte de sua montagem. Dissemos já que um dispositivo de enunciação6 contém, segundo Verón (2005, p. 217), “a imagem de quem fala”, “a imagem daquele a quem o discurso é endereçado” e a relação entre ambos, constituída em algo proposto, o enunciado. Agora, porém, esses lugares recebem o reforço de instrumentais tecnológicos e de numerosos sujeitos humanos. A imagem daquele(s) que fala(m) é denominada ‘enunciador’; em termos de televisão, esse lugar é o ‘dispositivo televisivo enunciador’. É essa imagem, nesse lugar, que se relaciona ao que é dito. A imagem daquele a quem se dirige o enunciado denomina-se ‘destinatário’ – em termos de teleinformação, 6 O caráter lógico, dado por Verón para o dispositivo do discurso, provém do fato de o ato de comunicação ser um dispositivo (dispositivo-mor) dentro do qual se encontram os sujeitos falantes: o locutor, que fala ou escreve; o interlocutor ou leitor, que é o parceiro do dizer; e, por fim, o que entre eles se diz, isto é, um certo conteúdo.

31 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Adair Caetano Peruzzolo ‘dispositivo televisivo enunciatário’. Ambos, bem entendido, são entidades discursivas, apesar do modo singular de disposição dos sujeitos: mediados por aparatos tecnológicos. “A pessoa do Autor, diz Vilches (1984, p. 201), que na imprensa escrita se desdobra numa dupla: o fotógrafo e o redator (em televisão, o mecanismo é mais complexo visto que a parte visual está composta de vários câmeras, diretor de câmera, redatores e chefes de redação dos informativos, realizador, diretor, etc.). Em todo caso, este Autor é um Enunciador coletivo e pertence a uma instituição de comunicação”. Analisar, buscar pensar esse sujeito enunciador é apreender os pontos de sua inserção no discurso, os modos de funcionamento e suas dependências (FOUCAULT, 1969, p. 42). Na enunciação audiovisual, destinador e destinatário são os ‘participantes interativos’ da fruição de uma imagem, segundo papéis diferentes, mas paralelos e cúmplices. São eles que marcam os lugares da relação de comunicação, que o texto procura. Para Foucault, o ‘dispositivo’ afirmava a ação de procedimentos e tecnologias na constituição de uma sociedade. Mas não só funcionamento, também desempenhos. Tais desempenhos são circunscritos pelas potencialidades que essa composição consegue agregar. Por isso, todo dispositivo predispõe os elementos para um dado sentido. Mouillaud (1997, p. 30) diz que “o dispositivo prepara para o sentido”. Falar, pois, de dispositivo televisivo de enunciação da informação é cuidar de afirmar, que o sistema organizado e suas composições técnicas e tecnológicas não são estranhas aos significados e sentidos, que se produzem, mas que são elementos constituintes de sua produção. As máquinas, enquanto máquinas, não explicam nada. “É preciso, diz Deleuze (1996, p. 216), analisar os agenciamentos coletivos dos quais elas são apenas uma parte”. Elas são agentes dos sentidos na medida em que são próteses culturais, isto é, na medida em que são um agenciamento homem-máquina, em funcionamento e com desempenhos. Técnicas, pessoas, ações e objetos se agenciam para a gestão coletiva dos jogos de linguagem, de modo que, lembram Deleuze e Guattari (1995, p. 118), “jamais uma máquina é simplesmente técnica”. Uma máquina é um artefato cultural gerado no exercício do devir humano, de modo que ela supõe um agenciamento sociocultural: é condição de trabalho, é intencionalidade, conhecimento, sala de escritório, roteiro, patrocínio, símbolos, topografia, regras, espaço e tempo... “O mecânico é apenas parte da máquina”, a outra parte é sua inteligência operacional e intencional (o agente humano) e a organização com seus prédios e outras tantas máquinas. Uma máquina de escrever só existe em um escritório, o escritório só existe com

32 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursividade Teleinformativa: o Dispositivo de Enunciação secretárias, subchefes e patrões, com uma distribuição administrativa, política e social, mas erótica também, sem a qual não haveria e jamais teria havido ‘técnica’, dizem Deleuze e Guattari (1977, p. 119).

Assim que o processo de telenoticiação implica, além de uma organização sociocultural, a forma de articulação de diversas operações de significação de caráter icônico, verbal e cinematográfico, pela qual se organizam a mostração e a audiência. O processo de telenoticiação é um agenciamento coletivo de enunciação, em dois núcleos de iniciativas: supõe a comunicação entre duas instâncias situadas em núcleos de subjetivização de diferentes posições e anseios a que nomeamos eixos do mostrar e do ver, com seus aspectos mecânicos e orgânicos. Entre eles, unindo-os, está um relato, produzido por um e destinado a outro, a telenotícia. De modo que “o que se tem, aqui cabem as palavras de Guattari (1981, p. 178), é um agenciamento coletivo que é, ao mesmo tempo, sujeito, objeto e expressão. O indivíduo não mais é aquele que responde universalmente pelas significações dominantes”. O que há é o agenciamento maquínico do desejo, agenciamento coletivo de enunciação, dispositivo televisivo de enunciação. Falar de ‘dispositivo televisivo de enunciação’ é também atender para o fato de que todo ato de tomar a palavra, tal como explica Ducrot (1977, p. 16), não é nem um ato livre nem um ato gratuito: não é livre no sentido em que certas condições devem ser satisfeitas para que se tenha direito de falar, e de falar desta ou daquela maneira. Não é gratuito, no sentido em que toda fala deve apresentar-se como motivada, como respondendo a certas necessidades ou visando a certos fins.

Para Requena (1999, p. 45), o discurso televisivo, dada sua grande complexidade, deve ser entendido como um macrodiscurso, constituído por múltiplos discursos de grau inferior e de características muito variadas (...) Por isso, o estudo dos mecanismos de enunciação característicos dos discursos televisivos deverá ser abordado em dois níveis: 1) mecanismos de enunciação característicos de cada um dos gêneros televisivos (...); 2) mecanismos de enunciação globais do conjunto da programação como macrodiscurso.

Ora, isso permite apelar para um contrato comunicativo que contemple a extensão dessa complexidade televisual de enunciador da informação, porque há o global televisivo e o especificamente informativo. De modo que o sistema televisivo, como um todo, também 33 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Adair Caetano Peruzzolo enuncia. Carlón (2004, p. 75) diz que Traversa, palestrando sobre os deslocamentos da enunciação impessoal dos Meios, propôs o conceito de ‘hiperdispositivo’ para refletir sobre as articulações de dispositivos, tipo televisão e rádio, quando não se tem a ação direta de um diretor: aquilo que, de muitas formas, se vê nas transmissões televisivas, que se valem de várias câmeras ao mesmo tempo, onde a transmissão depende de vários realizadores. Como lembra Landowski (1992, p. 111) a respeito das encenações discursivas política e empresarial, “um actante coletivo declina sua identidade diante de outro actante coletivo: o público”. Com a noção de dispositivo, dizem Peeters e Charlier (1999, p. 18), o analista se encontra exatamente inserida numa lógica de meios postos em ação em vista de um fim. O uso da categoria ‘dispositivo’ tem seguramente intuitos de eficácia, entretanto, os articuladores estabelecidos são sujeitos humanos em busca de suas vivências. Essa conexão com a concepção de estratégia e instrumentalidade é adequada ao fazer e ao falar televisuais na medida em que a enunciação informativa televisiva, que se devota à novidade, precisa entregar-se ao ainda não dito, à criatividade contínua, a buscar modelos de participação e inclusão dos enunciatários para garantir suas sintonias. Esse é, em verdade, o sentido central do uso dessa categoria no analisar a informação televisiva enquanto um circuito discursivo. “Só um grupo sujeito, afirma Guattari (1981, p. 179), pode trabalhar os fluxos semióticos, quebrar as significações, abrir a linguagem para outros desejos e forjar outras realidades”. É por isso que queremos afirmar que o paradigma da comunicação cultural televisiva é um dispositivo: há mecanismos políticos, semióticos e socioculturais conjugados na produção de formas humanas de agir. Dizem Peeters e Charlier (1999, p. 21) que “o dispositivo aparece como o conceito por excelência do entre-dois”, isto é, a constituição de um espaço de mediação irredutível ao domínio de um dos dois pólos. Tal concepção é fundamental para os intuitos da comunicação como encontro humano, e responsável, tal como propusemos em outro lugar (2006, p.106 e ss): uma comunicação, que se pretenda humanizante e humanizada, não pode anular a diferença das identidades nem seus diferentes desejos... Bem entendido, o dispositivo não é ele mesmo um entre-dois nem simplesmente uma ambiência, mas ele aí se FAZ disponível para esse clima de ação. O dispositivo televisual de enunciação, sendo exercitado sobre dois eixos mestres de

34 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursividade Teleinformativa: o Dispositivo de Enunciação relações discursivas, é (para mim, na esteira de Bakhtin, Benveniste, Maingueneau e outros7) sempre dialógico, isto é, estipula relações de fala: locutor - locutário; e relações do mostrar/ver: mostrador - mostratário. A categoria de enunciação refere-se ao fenômeno comunicativo, que ocorre em condições espaço-temporais precisas, da aparição de um enunciado8 (Ducrot, 1987, p. 168). Claro, esse é um conceito enxuto; há outras caracterizações importantes para esta categoria, mas esse aspecto é suficiente para permitir dimensionar o dispositivo televisivo de enunciação, como se mostra no esquema a seguir, em seus dois planos: discursivo e do relato. Discursivo, enquanto se caracteriza pela presença de um locutor e um ouvinte; plano do relato, enquanto lugar da história, dos fatos apresentados.

Figura 1- Dispositivo Televisivo de Enunciação9 A enunciação televisual se estrutura sobre o eixo10 do olhar, que conjuga duas dimensões 7 Não é bem o caso de que isso (por exemplo, ‘a comunicação é uma relação) e aquilo ‘a cultura é o fazer humano’) sejam exatamente assim, mas de outra forma é assim que isso e aquilo fazem sentido. 8 Interessa sumamente, aqui, o dizer de Ducrot porque, para ele, o indivíduo que fala não é necessariamente aquele que enuncia. De modo que ele isenta o enunciado da ligação com o falante, que é o que ocorre costumeiramente com a enunciação televisiva. 9 Este esquema se constitui no roteiro das análises que busco efetuar numa dezena de textos, para plenificar o projeto “TV – A sedução do Olhar” (CNPq). Este primeiro já originou três outros: “Teleinformação: o eixo do Olhar”; “Agenciamentos do Olhar: a tela”; e “Eixo do Olhar: as dimensões do enunciado televisivo”. 10O esquema orgânico revela não só a amplitude como também a complexidade desse dispositivo de enunciação. De mesma ordem é o dispositivo cinematográfico.

35 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Adair Caetano Peruzzolo enunciativas singulares: o mostrar e o ver. O eixo do olhar é, pois, uma seqüência com dois núcleos de desempenhos, cujas ações são geridas por decisões locais: o eixo do mostrar e, o outro, o eixo do ver. Assim que o eixo do olhar recolhe as ações e visões assimétricas dos outros dois rizomas axiais nas relações de enunciação. Por exemplo, no eixo do mostrar, um olhar dirigido para a câmera funciona como marca da primeira pessoa, o ‘eu’, como se o destinador se encarnasse no protagonista do enunciado. No eixo do ver, o olhar dirigido para a câmera interpela vigorosamente o telespectador, de modo que o olhar é o eixo principal ao redor do que funcionam as marcas de pessoa em termos de imagem. Representa a complexa relação que ocorre entre produção e reconhecimento, para cuja relação não há linearidade causal de sentidos. De outro modo, o eixo do olhar fica também determinado pelo lugar da não pessoa, o ele, o objeto visto, a imagem, a tela. O enunciado é sincreticamente a tela. É dela que se ocupam os telespectadores; e é ela que rege os cuidados dos produtores da programação televisiva. O eixo do olhar televisual é gerido pelo espaço visual com suas duas dimensões planas: verticalidade e horizontalidade; e uma dimensão ilusória, a profundidade. Nesse espaço visual distribui-se o visível sob a forma primária de manchas gráfico-luminosas. Todas as formas de informação destinadas à vista codificam elementos conformados sobre aquelas dimensões, onde o jogo de traços se inscreve num sistema de diferenças. Há duas situações compreendidas nesse eixo: os olhares discursivos e os olhares relatados. O olhar discursivo pertence aos sujeitos da enunciação, enquanto que o olhar relatado diz respeito ao movimento do olhar do enunciado. Os primeiros são vistos dentro do dispositivo de enunciação. Os segundos, no seu devido lugar de inserção, no plano do enunciado. No momento em que o programa abre, o telespectador é colocado no campo do olhar (enunciado/câmera) constrangido a entrar no jogo a acontecer. O lugar do espectador é, ali, um lugar designado, privilegiado, mas obrigatório por força do contrato de veridicção11. 2.1. Dispositivo Televisivo Enunciador: Eixo do mostrar (Nós/Tv) A concepção de dispositivo televisivo enunciador implica o pensamento de certa articulação das várias operações de organização das modalidades de significação de uma telenotícia: seleção de pauta, seleção de fatos, gravação e edição de imagens, redação de textos 11 Em síntese, a categoria conceptual ‘contrato de veridicção’ quer afirmar que a efetivação de um discurso depende do exercício de papéis assumidos por diferentes sujeitos: destinador e destinatário.

36 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursividade Teleinformativa: o Dispositivo de Enunciação orais, enfoque de certas ações, intercalação de objetos, enquadramento de perspectivas, modo de conexão dos diferentes textos, construção de chamadas, produção de arte (abertura, vinhetas, efeitos visuais, sonoplastia), coordenação de emissão, análise de conteúdo, locução, coordenação de comunicação, etc. , de modo que a notícia se pareça um relato unitário e regrado. Assim que o dispositivo televisivo enunciador nomeia uma função, que é a da enunciação coletiva dessa instituição social, denominada ‘mídia’, sendo, pois, a imagem da organização institucional considerada como ‘Band’, como ‘Globo’, sujeitos constituídos de uma multiplicidade de outros sujeitos afinados com seus devires personais e, freqüentemente, com os da instituição. Não há aqui a menor possibilidade de se falar de um sujeito ao qual o enunciado remeta, tanto um sujeito-causa (a fonte) quanto um sujeito-função (o telespectador), pois, o conceito de sujeito enunciador não alude a um indivíduo particular nem nomeia uma entidade psicológica ou sociológica, cujos caracteres se manifestam no enunciado (FILINICH, 1998, p. 37). O enunciado da telenotícia não pode ser reportado a um sujeito, senão a uma multiplicidade maquínica de sujeitos, que nomeamos como dispositivo televisivo enunciador dispositivo televisivo enunciatário. Ducrot (1987, p. 192) sugere essa perspectiva quando diz: chamo ‘enunciadores’ esses seres que são considerados como se expressando através da enunciação, sem que para tanto se lhe atribuam palavras precisas; se eles ‘falam’ é somente no sentido em que a enunciação vista, sua posição, sua atitude, mas não, no sentido material do termo, suas palavras.

De modo que o enunciador é uma figura, mas uma figura moldada pelas coordenadas do enunciado. Entretanto, como lembra Fiorin (2005, p. 31), sendo praticamente impossível estudar o ato concreto da enunciação, procura-se “identificar e descrever os traços do ato no produto”. Olhando os enunciados teleinformativos, tem-se implicado neles a complexidade da instância enunciativa da qual eles levam traços e marcas. Por isso diz ele (2005, p. 32) que “as marcas de enunciação presentes no enunciado permitem reconstruir o ato enunciativo” (seleção de pauta, análise de conteúdo direção de imagem, sonoplastia, trilhas sonoras, redação de textos, etc.). O fazer enunciativo teleinformativo exige competências, não só de domínio linguístico (da fala) e discursivo (da tematização, da figurativização, dos mecanismos organizativos, da narrativa), mas também da competência textual (semiótica) e técnica específicas da criação de imagens, da intertextualidade e interdisciplinaridade existentes entre fatos sociopsicológicos, fatos repertoriais ou linguísticos, no sentido de referir-se a qualquer linguagem (cinema, 37 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Adair Caetano Peruzzolo fotografia, texto, literatura...) e domínio situacional, que diz respeito aos processos de parceria comunicativa atinentes ao dispositivo televisivo12. O Dispositivo Televisivo Enunciador, que se organiza como eixo do mostrar, desempenha as responsabilidades desse mostrar. São dele as ocupações com as estratégias semiológicas do fazer ver no mostrar. São ‘estratégias semiológicas’, o conjunto de decisões sobre modos de dizer e fazer ver um dado valor, com o intuito de persuadir um destinatário a tomá-lo como algo que vale. As razões de ser dos cuidados de produção de uma imagem estão em ordem à criação e manutenção de disposições afetivo-emotivas, que estimulem à aceitação e adoção do que é proposto no movimento textual dessas imagens. Verón (2005, p. 219) fala em termos de um ‘contrato de leitura’ que se institui como vínculo entre os que propõem e os que dispõem de um texto impresso. E Jost (2007, p. 91) propõe que se pense a interação televisual em termos de “promessa de uma relação com o mundo”. Todo e qualquer texto é intensamente a busca de um fruidor. Assim que o ‘Nós/Tv’ desdobra-se num conjunto complexo de atividades, cujo intuito fundamental é o mostrar. O ‘eu’ (uma multiplicidade maquínica), que mostra, embora veja algo, tem o mostrar como querer, como desejo. Mostrar pertence ao dispositivo enunciador; é seu gesto primordial de linguagem, se bem que haja o falar, grudado às imagens. A televisão é um meio de comunicação, que trabalha com linguagens múltiplas, mobilizando diversos códigos para constituir suas mensagens. A rigor, não faz sentido falar de especificidade da linguagem televisiva e, sim, de uma conjugação de linguagens, uma ‘linguagem multimodal’ para usar a categoria de Kress e Leeuwen (1996). Pelo que ela é uma complexa rede de relações intertextuais, configurando o espaço audiovisual, onde o icônico, o sonoro e o corporal se encontram tecidos como uma unidade. É nesse sentido que “numa perspectiva semiótica, no dizer de Requena (1999, p. 44), os sujeitos do processo de comunicação televisiva deverão ser definidos como figuras discursivas, mostradas no interior do próprio tecido do discurso e análise, em termos de estratégias textuais, de cuja atualização dependerá a sorte do processo comunicativo”. A operação enunciativa teleinformativa é, via de regra, entregue a vários narradores que se ocupam da discursivização do texto-notícia por que, de acordo com Peeters e Charlier (1999, p. 17), os discursos não podem tornar-se operantes sem a colocação em ação de objetos dispostos segundo um arranjo eficaz. Seguramente, outros cuidados necessitam ser tomados 12 Diz Fiorin (2005, p. 56) que “não existe conhecimento que não esteja materializado numa linguagem, uma vez que o pensamento conceitual é linguístico (Bakhtin; Schaff; Vigotsky)”.

38 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursividade Teleinformativa: o Dispositivo de Enunciação (analisaremos isso em outro texto13), por ora buscamos entender a composição dessa ‘figura alegórica de dominação’ que é o sujeito televisivo. Por isso, assume-se aqui, que a tele-enunciação, por seu caráter híbrido e pela complexidade decorrente, no eixo do dizer/mostrar, é desempenhada por um dispositivo, que é um aparelho protético ‘homem-máquina’, que tem o poder simbólico de constituir discursos, fazendo ver e fazendo crer, confirmando ou remanejando as concepções de valores individuais e sociais, mediante operações de enunciação. Landowski (1992, p. 112) lembra que a relação dessas duas coletividades não possui seguramente o mesmo estatuto: De um lado, o emissor é um verdadeiro Sujeito (sic) que se trata: a empresa tem sua marca, o partido, sua denominação e, embora tanto um como outro sejam compostos de uma pluralidade de indivíduos – acionistas e assalariados, militantes e dirigentes, etc. – é uma só instituição, simbolizada aqui (...) pela marca comercial, que os representa e fala em seu nome. De outro lado, inversamente, nada que se assemelhe a uma instituição está ainda constituído. (...) o público não é mais que uma coleção de sujeitos, uma adição de vontades singulares (...), enquanto coletividade, só pode se definir como um não-sujeito.

Na linhagem de Pêcheux (1980), o sujeito é um “efeito de sentido ideológico elementar”. Os sujeitos são conjuntos entitários socioculturais com formações discursivas singulares. É enquanto sujeito que qualquer pessoa é interpelada a ocupar um determinado espaço no sistema de trocas simbólicas. Como instaurador de um discurso, além de caber-lhe o papel de construção do espectador (mostratário), cabe-lhe constituir o texto televisual que se dá a ver. O instaurador da enunciação televisiva é um nós em múltiplos níveis. Enquanto enunciador é um delegado do autor, mas ele não representa só as autorias, mas a junção de todas as subjetividades que constroem o discurso. Isto significa que “o enunciador do texto não é anterior a ele (ao texto), se constrói a partir da conjunção de procedimentos de sua expressão no próprio texto” (FABBRI, 2000, p. 136). Portanto, o tele-enunciador é resultante do texto; “se é seu pressuposto, é um pressuposto em construção” (Ib.). Assim que a enunciação televisiva é, literalmente, uma autoria, pois, atrás do texto, estão múltiplas subjetividades de obreiros, falantes e construtores, que nomeamos pelo rizoma ‘Eixo do Mostrar’. O eixo do mostrar é plural, composto de proprietários, patrocinadores, empresas, 13 Por condições de prática editorial, que impõe certos limites à extensão dos textos, esses aspectos eforam trabalhados em outro lugar: ‘Teleinformação, dispositivo de enunciação’.

39 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Adair Caetano Peruzzolo diretores de programação, editores, câmeras e demais componentes humanos da organização e outros sujeitos socioculturais interessados e/ou ligados intencionalmente àquele dizer. Este nós é marca do poder de enunciar televisual. Em segundo lugar, o Nós/Tv pode ser a nomeação parcial do Eixo do mostrar, que congrega os participantes do operar televisivo: âncoras, jornalistas, repórteres, etc. Verón (s/d) os nomeia “apresentadores-enunciadores”, entretanto, pergunta-se, não são eles, via de regra, um ponto de passagem do discurso informativo do primeiro Nós/TV que, de certo modo, fala por suas bocas ? Terceiro, o Nós/Tv representa o intuito de produção do efeito de sentido da inserção do tele-enunciatário, Eixo do Mostrar plural com o Eixo do ver (também plural), a saber, participantes do fazer mais o Eixo do ver: vocês – telespectadores. É uma entidade discursiva subjetiva constituída pelo tele-enunciador e pelo tele-enunciatário. Os semiólogos dos discursos sociais o denominam “nós inclusivo”, em que se busca estrategicamente somar o tu ao eu como cooptação corresponsável, formando, então, o complexo ‘eixo do olhar’. Verón (1983) vê neste ‘nós inclusivo’ - no plano da fala - a marca de um dispositivo muito mais amplo, que torna possível a identificação do telespectador com a figura do apresentador. Entretanto, em que condições opera o nós inclusivo? Fala-se bastante de confiança, principalmente de confiança que se põe no repórter; e nada da confiança no cameraman, porque este não é visível senão no seu trabalho; não tem rosto, nem corpo. Em quarto lugar, o nós, enunciado pelos apresentadores, pode dizer parte do eixo do mostrar (âncoras) mais vocês telespectadores (do eixo do ver). Este efeito de sentido aparece quando os apresentadores fazem manifestações informais nas que aparecem mais livremente os intuitos de devir pessoal dos assalariados do ‘Nós/Tv’. Por fim, poderíamos pensar num ‘nós’ do mundo conectado à informação e vocês, os que precisam saber das coisas que acontecem. Quer-se dizer que os muitos interessados, uma proliferação de multiplicidades implicadas nesse jogo cultural, compõem um quadro sociocultural não possível de ser abarcado pelos intuitos da AD. Essa multiplicidade de sujeitos, que se congregam na instituição social Tv, é que constitui o ‘dispositivo televisivo de enunciação’, uma entidade complexa, portanto, um megaenunciador de difícil discriminação. O eixo do mostrar tem não só seus intuitos e quereres, tem também sua cosmovisão e sua ideologia, que procura preservar e afirmar; razão por que oferece ‘produtos’ (no caso, a informação em todas as suas formas) do modo mais completo e controlado possível. Procura dar conta desses intuitos através de falas e imagens eloqüentes e de modos persuasivos. É nesse 40 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursividade Teleinformativa: o Dispositivo de Enunciação sentido que os diferentes sujeitos sociais - inclusive a própria Tv nas suas autoreferenciações - buscam fazer sua fala ‘com’ os Meios, somando autorias ao seu dizer, o que significa dar-lhe matiz de aceitação, de opinião pública, de concordância geral e irrestrita14. O ‘Dispositivo Televisivo Enunciador’ da informação é muito mais que diretores, editores (de texto e de imagem), pauteiros, jornalistas, cinegrafistas e repórteres. É um complexo arranjo - rizomático - de pessoas e coisas, ações e desempenhos, funcionamentos e orientações, desejos, mandos e competências, pensamentos, tecnologias e máquinas, que se agenciam num intuito, se simbiotizam num modo de vida e colocam, no universo sociocultural, um produto característico dessa organização social. De modo que há papéis, há desempenhos, há qualificações, mas quem é o autor, o operador de quê, ou de quem é o discurso dentro dessa engrenagem? Na esteira do que anotamos do dizer de Requena, nas primeiras páginas, há uma série de discursos inferiores montando o macrodiscurso teleinformativo (mesmo que do telejornal de um único dia). Portanto, a autoria não é a questão mais importante nesse mecanismo; é, sim, a feição, a face, o rosto do que se põe como produto discursivo dele. Nesse sentido, é sintomática a nomeação social que se faz quando se diz: “deu na Tv que...”; “a Tv elegeu...”; “a Tv faz...”; meu vizinho sintomaticamente diz “a televisão marcou chuva para amanhã!”, exibindo a força do macrodiscurso desse dispositivo de enunciação... Essa nomeação sincrética apelida um dispositivo enunciador complexo, e também potente, de difícil esmiuçamento. Em termos televisivos, um discurso jamais é resultado de um ato particular isolado. Para Charaudeau (2006, p. 241), o dispositivo midiático é um “conjunto de engrenagens e de atores”. Os desempenhos profissionais são talhados por movimentos de territorialização e desterritorialização que não só preservam, mas, sobretudo, realizam o desejo de cada agente. Os rizomas, isto é, as acomodações pessoais dentro de um sistema de regramento e controle, não precisa romper com os princípios de funcionamento desse dispositivo. Podem endossálos mesmo que de modo relativo. As ‘peças’ agentes criam tocas no sistema, que permitem cuidar de si, enquanto trabalha para outros ou, simplesmente, considera esse outro lugar. Gaudreault e Jost (1995, p. 64) recorrem à categoria de meganarrador, para poder dar conta das complexas modalidades de enunciação cinematográfica, seguramente não unitária, onde a principal figura parece ser um “grande imaginador”, que ordena o conjunto das atividades de enunciação. “O narrador, fundamental responsável pela comunicação de um relato fílmico, poderia assemelhar-se a uma instância que, manipulando as diversas matérias da expressão 14 Por que o morador que vê a água jorrando do solo em frente à sua casa, em vez de ligar para a companhia de água, telefona para o programa de rádio? Uma das razões é seguramente a força que sua voz adquire com a enunciação do Meio.

41 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Adair Caetano Peruzzolo fílmica, as ordenaria, organizaria sua distribuição e regularia seu jogo, para transmitir ao espectador as diversas informações narrativas” (GAUDREAULT e JOST, 1995, p. 63). Pinto (1997, p.13) diz que nos discursos televisivos aplica-se, quase sem adaptação, a categoria usada por Gaudreault, a saber, “na produção de um jornal ou revista, o Grande Editor (para guardar a denominação de Albert Leffay), no seu papel de mostrador, manipula as imagens que são mostradas (...)”. Há, pois, anterioridade do dar-se a ver do texto, muito antes do ser visto/ouvido (Casetti, 1996, p. 13). Pelo fato mesmo de aparecer em tela, pressupõe alguém a quem se dirigir. Ao apresentar-se, constitui um interlocutor “a quem pede (na expressão de Casetti, falando da enunciação cinematográfica) colaboração e disponibilidade” para vê-lo. É aqui, nos cuidados de cultivo dos valores dos participantes deste núcleo social do campo, que residem os ingredientes de seleção dos operadores, dos produtores e seus auxiliares. Aparecer, ocupar um lugar e exercer funções significa obedecer às regras que o dispositivo televisivo lhes determina no conjunto da enunciação. Pelo que ‘esse’ repórter, ‘esse’ apresentador, ‘esse’ entrevistado, etc. são apostos estratégicos do fazer o discurso andar. São suportes do discurso informativo, que está fundado sobre o que é dito e o que é mostrado, mas estes - dizer e mostrar - pertencem ao Dispositivo Televisual Enunciador. Os apresentadores - Boechat, Joelmir e Mariana Ferrão - com seus comentários e desenvolturas, sorrisos e posturas, fazem não só a tessitura interlocutiva do eixo do mostrar com o eixo do ver, mas seus corpos significantes arrumam importantes efeitos discursivos na medida em que modalizam o dizer e o mostrar com suas gestualidades15. Claro que, em outra dimensão, são também (parcialmente) representantes de uma cosmovisão e de uma teoria do social. Poder-se-ia, aqui, pensar como Casetti (1996, p. 78), quando analisa a enunciação fílmica: o ‘eu’ enunciador - o dispositivo televisivo - se introduz no enunciado, compondo o seu conjunto, para interpelar diretamente ao tu, enunciatário telespectador (na verdade, uma coletividade heterogênea e anônima16), mediante a ilusão da presença desses corpos na tela). Diríamos, na base da sustentação ideológica do discurso informativo de Band estão figuras sociais conformadas com as regras do campo e dos intuitos de sucesso e concorrência empresariais. Não fosse isso, seriam suportes praticamente neutros como se pareceriam também Wiliam Bonner e Fátima Bernardes, no discurso tele-informativo da Globo (antes de 2009). Verón (1983) se refere ao apresentador como sendo um meta-enunciador, “que está 15 A construção dessa gestualidade tem, segundo Verón (1983), duas linhas: modalizam o que é verbalmente dito (‘não se sabe muito’, ‘cremos’, ‘se parece’, se diz que’, etc.) e constroem o liame com o telespectador, por onde vem a crença no dizer e no ver. 16 Foucault (1969, p. 52) explica que “o autor deve ser apagado em benefício das formas próprias do discurso”.

42 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursividade Teleinformativa: o Dispositivo de Enunciação somente na tela e com o olhar voltado para mim, (que) me apresenta os aspectos fundamentais de um acontecimento”. Entretanto, “sua posição enunciativa não é resultado do seu próprio discurso senão da repercussão, que sobre sua enunciação, têm os atos enunciativos de outros enunciadores”. A questão é: que outros? De modo que todas as figuras que tomam a palavra em nome da instituição emissora (REQUENA, 1999, p. 47) aí se apresentam como formas explícitas do enunciador do discurso televisivo, mas, como já propusemos, esse sujeito enunciador é múltiplo e complexo. O efeito geral desse modo de proceder é a impressão de neutralidade, da qual, diz Requena, a figura enunciadora “nos quer partícipes”. Desse modo, ela aparece como uma instância legítima e neutra “acima das ideologias e das classes”. A questão crítica, pois, que está inscrita no dispositivo de enunciação televisiva, é esse mascaramento do sujeito enunciador, que é meio máquina meio pessoa, parte organização e parte entidade semiótica social, que se manifesta como intencionalidade e/ou cultura. Neste caso, a relação dialógica dos sujeitos se vê perpassada por uma mecânica que difere e dissimula o homem na relação de comunicação, onde o dispositivo enunciador é potencialmente maior que os sujeitos destinatários. 2.2. Dispositivo Televisivo Espectador: Eixo do ver (Vocês/telespectadores) O agenciamento espectador-texto - a imagem é um texto icônico - define o polo do eixo ver/ouvir do dispositivo da enunciação. Ver é o gesto discursivo que pertence ao lugar da imagem do telespectador, o tu dessa relação dialógica, o lugar que lhe é reservado nesse contrato de veridicção verbovisual. Evidentemente, o público é sumamente uma coleção de sujeitos, uma adição de vontades singulares, cuja causa constitutiva é exatamente a intenção enunciativa do sujeito do eixo do mostrar. De forma resumida, Charaudeau (2012, p. 44) diz que o destinatário é “um sujeito que constrói uma interpretação em função do ponto de vista que tem sobre as circunstâncias do discurso”, que instaura uma apreciação das intenções de um eu. Por isso, apesar das questões de manipulação que por vezes se põem, o eixo do ver implica um conjunto de decisões e operações pessoais desses sujeitos anônimos, dispersos e socialmente desorganizados. O público televisivo não é algo dado de antemão, por isso, uma forma razoável de considerá-lo numa análise de enunciação é tomá-lo coletivamente como a imagem construída daqueles a quem o eixo do mostrar quer exibir seu texto audiovisual. Sinteticamente aqui nomeado como eixo do ver. Afirma Casetti (1996, p. 31) que “a leitura e a visão são o lugar de uma completa 43 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Adair Caetano Peruzzolo atividade; mais que uma simples adaptação ao já dito, ao já escrito, ao já mostrado”. Tal pensar afirma o cuidado que o enunciador deve ter ao considerar a construção do seu dizer, pois, o espectador também tem seus intuitos, desejos e estratégias. Ele também tem seu querer ver e seu querer saber. De modo que o querer dizer deve reger-se por um querer fazer-se entender. Metz (1996, p. 10) concebe esse espaço discursivo como uma cena onde o sujeito enunciatário desempenha sua função de espectador: olha a realidade de frente, mas tal e qual como ela se mostra na tela. Entretanto, não age como uma máquina automática que processa repertórios fechados de signos, tal como a câmera. Sua mente reestrutura, recria e matiza a situação comunicativa que encontra. Isso significa dizer que a construção dos significados e sentidos, no eixo do ver, tem de passar pelos níveis de competência desse sujeito da linguagem. De modo que, entre os diferentes destinatários, os significados e sentidos se articulam em várias dimensões simultaneamente; dimensões essas regidas pelas culturas e circunstâncias sociais de cada fruidor. Assim, no dizer de Verón (2005, p. 236), o discurso “é um espaço habitado, cheio de atores, de cenários, de objetos”, onde o ler/ver é um movimentar-se nesse universo de acordo com as impulsões de espectador. Esse lugar subjetivo, do ‘teleenunciatário’, tem duas dimensões: a de decodificação, efetuada pela ação de leitura e compreensão do telespectador, e a de interlocução, desempenhada pela ação de usufruto e gozo do telespectador-interlocutor. Assim, as dimensões subjetivas do telespectador olham o real televisual, reconhecendo-o dentro do seu mundo vivencial e sabido, e o remanejam e organizam de acordo com seus gostos e necessidades. Examinando a dimensão de decodificador, vê-se que, de uma maneira, o mostratário soma-se à tela, lugar de encenação do discurso, onde se reconhece como espectador e reage em consonância com as circunstâncias pessoais e institucionais do dispositivo televisual. O olhar do espectador, evidentemente, não se move sozinho; “se modela sobre o que atravessa e anima as imagens e os sons” (Casetti, 1996, p.13). Aqui, o alerta de Barthes (1973, p. 30) é operacionalmente fundamental: “o texto tem dar provas de que deseja seu leitor”! A tela ligada é a denúncia de alguém que quer ver. Por outro lado, algo presente nela, é a denúncia da busca de alguém que quer ser visto e ouvido. De modo que a tela é a arquitetura do eixo do olhar. Ela realiza - simbolizando - o encontro dos sujeitos da enunciação televisiva, regidos por um pacto social no exercício de dois papéis subjetivizantes: mostrar e ver; se quisermos, tensionado pela dinâmica do olhar. Pelo que o enunciatário, diz Requena (1999, p. 48), está perfilado à estratégia proposta pela figura enunciadora, que “o interpela, no contexto de um convite à identificação: o 44 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursividade Teleinformativa: o Dispositivo de Enunciação testemunho”... que o torna um espectador exemplar, quando aceita entrar nessa conexão de escuta e olhar permanentes. De modo que o discurso televisivo não aliena a seu teleenunciatário, conclui Requena (1999, p. 48), senão que o conquista, mediante uma aparente solicitude. As noções de texto e interlocução põem, segundo Casetti (196, p. 30), duas importantes questões. A primeira é a questão da subjetividade na linguagem: “o texto demonstra que não somente está denunciando alguém (que o faz), senão também que necessita da pessoa à qual se dirige”. Isso nos dá a ver um sujeito múltiplo no eixo de ver: aquele interlocutor que é um parceiro dentro dos limites do texto e aquele outro sujeito, cujo perfil o texto esboça dentro de suas margens, no quadro ou na tela. “Portanto, como se vê, conclui Casetti (1996, p. 30), por um lado, alguém feito de carne e osso; por outro, uma realidade fundamentalmente simbólica”. Precisa-se, portanto, ver ao interlocutor construído que centra sua atenção em si mesmo, que faz juízos, que afirma fruições, que estabelece adesão, que assume atitudes; e ver também a imagem de um telespectador que o texto implica e desenvolve, que o texto reclama, que o olha mostrado, que escuta o já dito, o já escrito, que reconhece a obra...; mais do que uma simples adaptação a um dito, a um mostrado... A leitura e a visão são lugares de uma intensa atividade. Então, um é o interlocutor, o parceiro comunicativo da relação dialógica, cuja ação consuma o existir do enunciador; outro, o decodificador, aquele que deve e sabe decifrar as imagens e os sons. Enfatizando, enunciador e enunciatário são papéis (discursivos), que se interconstituem, de maneira recíproca portanto, no interior de um discurso. Benveniste fala da figura de um alocutário, aquele que está situado dentro da instância da linguagem e da cultura, não da presença indiciada, mas um sujeito situável que está fora da enunciação. Mas é essa entidade concreta que concebe, dentro do seu âmbito de valores, verdades e desejos (o que não significa dizer individualistamente) uma fala, uma imagem para si... Há, então, um destinatário empírico na extensão da figura do enunciatário, que será (é) o receptor real. É essa imagem do destinatário que o enunciador conforma no seu enunciado. Evidentemente, o eixo do ver é um lugar de múltiplos sujeitos, não só no sentido de que o sujeito espectador é ali, nessa fruição, uma entidade de múltiplas facetas, mas também pelo fato de que o eixo é designativo de diversos usos e fruições. Um desses modos é aquele que se pode ver quando o sujeito telespectador “monta a própria notícia” com os dados que são colhidos na tela, à base do que conhece, do que já leu e/ou sabe de outras fontes, aquilo que lhe diz respeito, aquilo que lhe conviria que fosse, etc. É no interior da linguagem, escreve Casetti (1996, p. 32, nota 42), que se funda a categoria da subjetividade, se bem que seja o recurso ao extralinguístico que faz praticável a 45 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Adair Caetano Peruzzolo categoria da subjetividade. Daí que a instância da enunciação sinaliza seres em carne e osso, mas marcam os instantes singulares dessa subjetivização no mostrar e no ver. De outra maneira, ao acionar o play, o enunciatário constrói um interlocutor ao qual solicita que fale e mostre, exiba e esteja à sua disposição. Portanto, o espaço que se abre, no dizer de Casetti (1996, p.13), não é nem um ponto de partida nem um âmbito privilegiado; antes, a montagem de um jogo a desenvolver-se... “É o lugar em que se busca um parceiro prefigurando-o como cúmplice (...); é, enfim, o lugar no qual quem entra se reconhece como espectador e cuja reação é uma consequência”. Supõe-se, portanto, uma cerimônia privada em que o ingressante toma conta do seu desejo. Como escreve Bakhtin (1997, p. 37), “depois de vermos a nós mesmos pelos olhos de outro, sempre regressamos a nós mesmos”. Vejamos. Pego o controle remoto, aciono o play, seleciono o canal, incido sobre o programa ‘Jornal da Band`... Aí se veicula o acidente aéreo do avião da Gol... Evidentemente este espaço informativo tem uma força que o estrutura e rege: o eixo do olhar, uma espécie de pedra sagrada, onde desfilam, e se consagram, idéias, argumentos, exemplos, mitos e realidades que se desenvolvem e habitam as sociedades. Aos sujeitos do eixo do ver cabe inserirem-se ou não nas propostas do interlocutor que eles convidam para o jogo, pelo fato de aí permaneceram conectados. Há, por parte do narrador, a demonstração de confiança, mesmo que não consciente, na capacidade de compreensão do telespectador, quer dizer, há um gesto de confiança na capacidade comum de manejo da linguagem, pelo qual o jogo dos significados é capaz de se processar inteligentemente entre os sujeitos interlocutores. Se a tela - representante formal do dispositivo enunciador televisivo - é responsável pelos recursos persuasivos ou fios mentais emotivos e racionais - de captura do espectador, este precisa realizar um papel que permita/faça o primeiro funcionar. É o espectador, diz Casetti (1996, p. 19), (falando do cinema, mas que aqui plagiamos para a televisão), que atribui à imagem os caracteres de realidade, características que ela não possui e que, no entanto, deve fingir possuir. Esse é, portanto, seu trabalho: é ele que faz a passagem da fruição para o consumo... Esse espaço, esse jogo se desenrola, na verdade, entre um corpo e uma virtualidade. Essa é, aliás, a grande questão da nova verdade da cultura midiática, o verdadeiro caráter comunicativo passional da midiatização: a cerimônia privada em que o espectador toma conta do seu desejo, estando em frente a outro.

46 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursividade Teleinformativa: o Dispositivo de Enunciação 2. 3. O Enunciado e suas dimensões No jogo da produção do sentido, a existência de uma materialidade, de uma superfície física é um imperativo, pois, é nele que os sentidos são, como num palco, encenados e dispostos aos agenciamentos dos sujeitos interlocutores. Tal como afirma Charaudeau (2006, p. 41), “o sentido só é perceptível através de formas”, porque é com elas que um primeiro sujeito efetua um ‘enunciado’ no qual procura envolver um outro sujeito, que ele busca17. Por isso importa, com Ducrot (1987), distinguir o ‘dito’ e as ‘modalidades de dizer’. Aquele, que afirma um certo conteúdo, e estas, que ancoram intuitos e modos de relação. O lugar da construção do enunciado é aquele em que o discurso assume uma materialidade através da “organização semiodiscursiva feita da combinação de formas, umas pertencentes ao sistema verbal, outras a diferentes sistemas semiológicos, icônicos, gráfico, gestual” (CHARAUDEAU, 2006, p. 27). O texto teleinformativo é, de muitos modos, efeito do dispositivo televisivo. É uma construção telejornalística, não pessoal; um efeito de sentido do discurso, portanto, não o discurso mesmo. Há, entretanto, o fato da impossibilidade radical de que o discurso venha à luz simplesmente por suas próprias forças. Ele é sempre originado e, por isso, está sempre fundamentado numa memória textual que é anterior ao sujeito e à sua vontade de dizer. De modo que o discurso tem sempre algo que fala antes, como uma rede de saberes discursivos e de sentidos, que suporta não só sua manifestação, mas que é condição de sua produção. “Os sentidos que podem ser lidos em um texto, então, não estão necessariamente ali, nele. O(s) sentido(s) de um texto passa(m) pela relação dele com outros textos” (ORLANDI, 1993, p. 11). Assim que o falar de ‘efeitos de sentido’ remete a uma proposição, às suas estratégias de formulação e aos interdiscursos. Em verdade, isso significa que o processo de leitura é algo bem mais complexo que o reconhecimento do que se encontra traçado no enunciado. Por isso, o dizer de Ducrot que o enunciado não é o texto, mas o ‘dito’, isto é, o que o constitui significativamente. O enunciado informativo televisual é uma multiplicidade textual estruturada pela força de dois núcleos axiais de ação: dizer/mostrar e ver/ouvir. É um contrato de veridicção entre sujeitos com diferentes papéis e desempenhos: o eixo enunciador do dispositivo da enunciação televisiva e o eixo destinatário do mesmo. O texto televisual necessariamente tem essas dimensões intersubjetivas, sem as quais não se poderia falar em discurso. 17 Trata-se evidentemente da criação de uma entidade semiótica pertinente à natureza dialógica do texto.

47 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Adair Caetano Peruzzolo Tal como já dissemos, o enunciado televisivo é produto de agenciamentos18. Os agenciamentos se fazem sempre entre: entre subjetividades e entre estas e oportunidades, entre pessoas, coisas e circunstâncias. Cada um buscando seu vir-a-ser. A unidade mínima do real é o agenciamento, segundo Deleuze, (1977, p. 65). O ‘dito/mostrado’ não é um objeto solto no espaço, sempre está preso a um fazer, a um agenciamento, que implica os sujeitos dessas ações específicas. E esse fazer é sempre instrumentalizado por um projeto/pensamento e uma tecnologia de operação, como condições de surgimento material, de constituição perceptiva de uso e domínio. Por isso, para Landowski (1992, p. 222), o enunciado é “o objeto cujo sentido faz ser o sujeito”, quer dizer, é pelo enunciado que o sujeito se gera, se institui. De modo que o enunciado denuncia o ato criador, mas é também o espaço cênico, onde o fato pessoal ou social pode emergir como realidade perante os outros fatos e perante os múltiplos agentes sociais (“Vi você no noticiário”; “Você não me viu na Tv?” ...). Daí que se pode dizer que o enunciado está sempre envolvido em algum dispositivo, que não é simples entidade técnica, mas regramento semiótico e regramento sociocultural de uso - como diz Mouillaud (1997, p. 30): “matriz do sentido” - que lhe dá consistência, deixando nela, como componente essencial, as marcas de sua força e natureza. Assim que o enunciado é o dito – não a matéria e, sim, a informação - mas que contém, manifesto, o modo de dizer. É desse modo que o eixo do mostrar - Nós/Tv - se insinua no eixo do ver -Vocês/ Telespectadores - organizando as relações de fala como relações de conduta do ser humano. As notícias são marcas de regras de relações das intersubjetividades socioculturais. ‘Nós/TV’ dizemos/mostramos a ‘vocês/telespectadores’ o que aí acontece de mais importante, e como acontece, para que vocês considerem... e analisem... e façam alguma coisa... ou se acostumem a esse modo de ser e acontecer... Conclusão Em televisão, o enunciador - menos ainda o âncora - não é UMA pessoa, UM sujeito, mas uma multiplicidade de sujeitos, conjugados numa instituição social, com hierarquias e papéis funcionais. Diz Meunier (1999, p. 87) que o dispositivo televisual, antes de interpor-se simplesmente entre as pessoas, cria entre elas uma forma particular de contato interpessoal, muito fusível, muito cúmplice, muito intenso num sentido. 18 O termo ‘agenciamento’ diz respeito tanto às negociações comunicacionais e significantes entre os sujeitos interlocutores quanto referencia os investimentos de valores e interesses implicados naquelas negociações.

48 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursividade Teleinformativa: o Dispositivo de Enunciação Por outro lado, o enunciatário - uma multiplicidade anônima, heterogênea, desorganizada e dispersa - se tem as feições de um interesse parecido - sintonizar e ocupar-se de um mesmo objeto - também tem um rosto impreciso e indefinível: intencionalidades singulares com devires singulares. Na instância da enunciação, não se reúnem apenas fazedores, há suportes humanos, técnicos e tecnológicos e há intuitos, desejos e valores a preservar e/ou a afirmar, o que remete para formas estratégicas de dizer: apresentador, repórteres, entrevistados, sons, imagens diversas, falas e suas alternâncias, etc., tudo discursivamente arranjado para produzir efeitos de sentido pretendidos. O apresentador não é aí ele mesmo, a pessoa singular, mas um conjunto de investimentos valorativos - bem falante, preparado, bonito, competente, etc. - isto é, uma estratégia discursiva, que tem os intuitos de fazer acontecer a persuasão em determinados sentidos. O uso da noção de dispositivo tem o intuito, circunstancial, de afirmar que a lógica televisiva se encontra exatamente inserida numa dinâmica de meios postos em ação, em vista de um fim. O dispositivo tem naturalmente intuitos de eficácia, está grudado ao conceito de estratégia. Assim que o dispositivo televisual de enunciação é uma forma de contato, de relacionamento comunicacional humano, tal como o diálogo é funcionalmente o dispositivo singular de fala. Os homens constroem dispositivos comunicacionais para suas relações interpessoais, através das quais estruturam e organizam seus ambientes sociais. De certo modo, esta reflexão em que se procura dar a ver a teleinformação, é suficiente para os intuitos de análise crítica do lugar da informação na dinâmica da sociocultura contemporânea. Entretanto, em outro lugar, será importante analisar os valores de feição humana de tudo quanto se dá a ver e, assim, reconhecer, sob as manipulações técnicas, a dimensão das diferentes experiências sóciorrelacionais veiculadas. Mas há também que serem estabelecidas outras práticas, outras atitudes, “já que falar a alguém, diz Ducrot (1977, p. 17), é reclamar-lhe a atenção; não se pode falar legitimamente a outrem senão daquilo que se considera possa interessar-lhe”. Em outras palavras, não é quem fala que decide o que o outro deve ouvir (embora possa limitar-lhe as escolhas, oferecendo somente uma mesma coisa), mas seguramente cabe ao outro decidir se assiste ou não à tevê, se a liga ou não. Apelar para a categoria e o conceito de ‘eixo do olhar’, aplicado ao dispositivo televisivo de enunciação, é um recurso com intuitos de criar representações da complexidade e da dinâmica específica, inerentes ao fazer comunicacional da teleinformação. Tenta-se montar 49 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Adair Caetano Peruzzolo o enquadramento teórico-metodológico que manifeste como a circulação das teleinformações é uma operação sociocultural cheia de meandros, e uma dinâmica de difícil compleição (quando os analistas não mais acreditam nos automatismos da comunicação). Claramente, há certo paradoxo presente na mecânica do dispositivo televisual enunciador, marcado pela figura do apresentador. O dispositivo expressa o liame de interdependência entre a ação humana e a técnica, mas aquele que aí se mostra é sinteticamente o que enuncia e o que se enuncia. Sintetizando as operações de enunciação: o que se quer dizer e o que se quer mostrar vêm sempre embalados numa materialidade, proposta e ordenada por um modo de fazer, que já é uma predisposição de seus sentidos, um enquadramento deles. De modo que é o dispositivo televisivo que regula a relação entre o telespectador e suas imagens. Assim que para Mouillaud (1997, p. 30), é o dispositivo que prepara para o sentido.

Bibliografia citada

AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP: Papirus, 1995. BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BARTHES, Roland. Le Plaisir du Texte. Paris: Du Seuil, 1973. BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral I. Campinas, SP: Pontes, 1992. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa: DIFEL, 1989. CARLÓN, Mario. Sobre lo Televisivo. Buenos Aires: La Crujía, 2004. CASETTI, Francesco. El Film y su Espectador. Madrid: Catedra, 1996. CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e Discurso: modos de organização. São Paulo: Contexto, 2012. _______. Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto, 2006. _______. Grammaire du Sens et de l’Expression. Paris: Hachette, 1992. DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1996. _______. Mil Platôs, Capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.

50 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursividade Teleinformativa: o Dispositivo de Enunciação _______. Kafka, por uma literatura menor. Rio de Janeiro: Imago, 1977. _______ & PARNET, Claire. Dialogues. Paris: Flamarion, 1977. DUCROT, Oswald. O Dizer e o Dito. Campinas, SP: Pontes, 1987. _______. Princípios de Semântica Linguística, Dizer e não Dizer. São Paulo: Cultrix, 1978. FABBRI, Paolo. El Giro Semiótico. Barcelona, ES: Paidós, 2000. FOUCAULT, Michel. Qué es un autor? México: Universidad Autónoma de Tlaxcala, 1969. GAUDREAULT, André e JOST, François. El Relato Cinematográfico. Barcelona, ES: Paidós, 1995. GUATTARI, Félix. Caosmose, um novo paradigma estético. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993. _______. Revolução Molecular, pulsões políticas do desejo. . Rio de Janeiro: Brasiliense, 1981. FILINICH. María Isabel. Enunciación. Buenos Aires: Eudeba, 1998. FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2005. JOST, François. Para além da imagem, o gênero televisual: proposições para uma análise das emissões de televisão. In: DUARTE, elizabeth B. e CASTRO, Maria Lília D. (Org.s). Televisão, entre o Mercado e a Academia II. Porto Alegre, RS: Sulina, 2007. KRESS, Gunter & LEEUWEN, Theo van. Reading Images: the grammer of visual design. London: Routldge, 1996. LANDOWSKI, Eric. A Sociedade Refletida. São Paulo: EDUC/Pontes, 1992. METZ, Christian. Prefácio. In: CASETTI, Francesco. El Film y su Espectador. Madrid: Catedra, 1996. MEUNIER, Jean-Pierre. Dispositif et Théories de la Communication: deux concepts en rapport de codétermination. Paris, HERMÈS, 25 - Cognition, Communication, Politique - 1999. MORIN, Edgar. Méthode. Tomo I. Paris: Du Seuil, 1977. MOUILLAUD, Maurice. Da Forma ao Sentido. In: _______ e PORTO, Sérgio D (Org.s). O Jornal, da Forma ao Sentido. Brasília: Paralelo 15, 1997.

51 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Adair Caetano Peruzzolo NEL, Noël. Des Dispositifs aux agencements télévisuels. Paris, HERMÈS, 25 - Cognition, Communication, Politique - 1999. ORLANDI, Eni P. Discurso e Leitura. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: EUEC, 1993. PEETERS, Hugues et CHARLIER, Phillipe. Contributions à une Théorie du Dispositif. Paris, HERMÈS, 25 - Cognition, Communication, Politique - p. 15-23, 1999. PINTO, Milton José. Enunciação e Imagem. Cadernos de Comunicação, FACOS/UFSM, Santa Maria, RS, n. 2, p.7-17, 1997. REQUENA, Jesús Gonzales. El Discurso Televisivo: espectáculo de la posmodernidad. Madrid: Catedra, 1999. VERÓN, Eliseo. Fragmentos de um Tecido. São Leopoldo, RS: UNISINOS, 2005. _______ . Il est lá, je le vois, il me parle. Communications, n. 38, Paris, Du Seuil, 1983. pp. 98-120. VILCHES, Lorenzo. La Lectura de la Imagen. Barcelona, ES: Paidós, 1984.

52 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Estratégias de criatividade em imagens publicitárias em movimento Juliana Petermann e Gabriela Rech RESUMO

ABSTRACT

Neste texto nosso objetivo principal trata de analisar anúncios audiovisuais premiados no Estado do Rio Grande do Sul, entre os anos de 2011 e 2014. Ocorre-nos que esta seja uma importante representação da linguagem publicitária e que mereça nosso olhar aprofundado pelo desejo de identificar ali as estratégias criativas e persuasivas, que acabaram garantindo o destaque de tais audiovisuais entre outros, também publicitários, nestes ambientes de premiação. E, também, percebemos a oportunidade de realizar uma experimentação, utilizando uma metodologia proposta para análise de imagens estáticas na análise daquelas em movimento, organizando os necessários ajustes e tensionamentos. Tratase da proposição metodológica de Kress e van Leeuwen (1996), que consiste em um sistema de análise de imagens, definido a partir de três metafunções da linguagem (ideacional, interpessoal e textual).

Our main goal, in this paper, is to analyse audiovisual advertisements which have been awarded prizes in the state of Rio Grande do Sul (Brazil) between 2011 and 2014. They seem to be important representations of advertising language, thus deserving that our gaze be deepened by the desire to identify the creative and persuasive strategies therein, which, in their turn, led these audiovisual pieces to stand out amongst other advertisements in such award environments. We also grasped the opportunity to experiment, by using a methodology initially proposed for the analysis of static images for analysing moving ones, having first organised all tensioning and adjustments necessary. Namely, we used the methodological proposition of Kress and Van Leeuwen (1996), which consists of an image analysis system defined by the three metafunctions of language (ideational, interpersonal, and textual).

Palavras-chave

Keywords

Anúncios audiovisuais. Metafunções da

Audiovisual advertisements. Metafunctions of

linguagem. Metodologia de análise.

language. Analysis methodology.

Juliana Petermann | Professora Adjunta do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, e-mail: [email protected]

Gabriela Rech

| Bolsista do Programa Jovens Talentos para a Ciência, da CAPES. Acadêmica do 4º semestre do Curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da UFSM, email: [email protected] 53 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Petermann e Gabriela Rech Introdução Em passos anteriores de nossa pesquisa, identificamos, como um dos principais platôs constituintes do que intitulamos como subcampo da criação publicitária, os anúncios audiovisuais premiados1. Da imensa lista de eventos de premiação que acontecem em todos os anos e que destacam a produção publicitária, resulta uma lista ainda maior de anúncios premiados. Esses anúncios adquirem visibilidade, promovem a agência e o publicitário e acabam definindo tendências, tanto em linguagem publicitária, quanto em linguagem audiovisual. E acabam ainda, por manifestar e também por constituir o habitus dos profissionais criativos da publicidade. Na investigação que aqui apresentamos nos propusemos a analisar os anúncios audiovisuais, pelos motivos já justificados em nossa fala introdutória, premiados entre os anos de 2011e 2014 no Salão ARP da Comunicação e no CRIARP2, e produzidos para serem veiculados na televisão. Abaixo, sintetizamos, em um quadro, os anúncios que constituem o nosso corpus de pesquisa. A análise destes será feita posteriormente. Título

Evento

Ano

Agência

Cliente

Link

Corte Rápido - Assinatura

Salão da ARP

2011

Classificação Ouro

Duração 15”

DCS

Tramontina

h t t p s : / / w w w. youtube.com/ w a t c h ? v =5Zor_4i8ft4

A História De Sofia

CRIARP

2013

Ouro

4’ 4”

Mínima

Panvel

https://www. youtube.com/ watch?v=7vQwoywtjTk

Encontro

CRIARP

2014

Ouro

45”

Paim Comunicação

Renner

https://www. youtube.com/ watch?v=DO4kYPvPi-Y&list=UUflhsClBZ0CxEdNrsgVoq2Q

Quadro 1 – Os anúncios premiados selecionados para a análise. Fonte: A própria autora 1 Esta discussão está presente em: PETERMANN, Juliana. Do sobrevôo ao reconhecimento atento: a institucionalização da criação publicitária, pela perspectiva do habitus e dos capitais social, cultural e econômico. 2011. 408f. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação). Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2011. 2 O Prêmio CRIARP de Propaganda é realizado pela Associação Riograndense de Propaganda e possui como objetivo principal reconhecer as melhores peças publicitárias. O CRIARP substituiu o Salão da Propaganda, que anteriormente acontecia durante a Semana ARP da Comunicação. 

54 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Estratégias de criatividade em imagens publicitárias em movimento Optamos por restringir nosso olhar aos anúncios produzidos para a televisão porque entendemos esse como um espaço em que a criação publicitária expõe seus produtos, em um movimento de institucionalização3. Isso porque a publicidade audiovisual, como a esfera que confere mais visibilidade às práticas publicitárias, conduz todos os olhares vigilantes para si: os anúncios de televisão ainda são a vitrine dos próprios criadores, que se expõem aos colegas, assim como também estão à mercê do julgamento da grande audiência da televisão. Entram em jogo também os condicionamentos de linguagem do meio: o discurso já delimitado por questões éticas e morais, formata-se à linguagem audiovisual de televisão, em tempos reduzidos quinze ou trinta segundos, na maioria das vezes. A publicidade, em todos os seus formatos, apresenta recorrências de linguagens e modos de organização dos seus textos. No entanto, quando se fala em publicidade audiovisual temos nesse formato uma excelente maneira de visualização e materialização do que é a publicidade. Assim, para os leigos, publicidade tornou-se sinônimo de anúncio audiovisual inserido no intervalo comercial. Neste texto, apresentamos como objetivo principal analisar anúncios audiovisuais premiados no Estado do Rio Grande do Sul, entre os anos de 2011 e 2014. Ocorre-nos que esta seja uma importante representação da linguagem publicitária e que mereça nosso olhar aprofundado pelo desejo de identificar ali as estratégias criativas e persuasivas, que acabaram garantindo o destaque de tais audiovisuais entre outros também publicitários nestes ambientes de premiação. Ocorre-nos também que, muitas vezes, as análises da linguagem publicitária se dão a partir de anúncios impressos. Assim, percebemos na complexidade das imagens em movimento uma oportunidade de perceber as estratégias criativas ali manifestas. E, com isso, percebemos também a possibilidade de propor uma experimentação, utilizando uma metodologia proposta para análise de imagens estáticas na análise daquelas em movimento, realizando os necessários ajustes e tensionamentos. Trata-se da proposição metodológica de Kress e van Leeuwen (1996), que consiste em um sistema de análise de imagens, definido a partir de três metafunções da linguagem (ideacional, interpessoal e textual), elaborado com base na gramática sistêmicofuncional (Halliday, 1994).

3 BERGER, P. & LUCKMANN, T. A construção social da realidade. São Paulo: Vozes, 2008.

55 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Petermann e Gabriela Rech 1. Direcionamentos metodológicos Nossa intenção aqui é a de experimentação. Trata-se da primeira utilização que faremos da proposta de Kress e van Leeuwen (1996) para a análise de imagens em movimento. Assim, não pretendemos aqui realizar uma análise pontual, frame por frame, mas de construir uma visão analítica geral das significações propostas nestes anúncios, que foram considerados, pelos próprios publicitários, como as produções audiovisuais mais criativas no Estado do Rio Grande do Sul em três diferentes anos (2011, 2013 e 2014). O que há de criativo e inovador nestes anúncios? Como estes se tornaram tão persuasivos, a ponto de se destacarem frente a um público tão crítico e tão experiente em se tratando da linguagem publicitária? Que estruturas de linguagem visual são recorrentes entre estes anúncios e em que pontos estes se diferenciam, garantindo seus critérios de inovação? Estas são algumas perguntas que guiam o nosso olhar por estas matérias tão representativas do universo da publicidade. Nosso percurso analítico será conduzido pela tabela a seguir e pelas três metafunções da linguagem, pensadas a partir dos aspectos imagéticos (Kress e van Leeuwen, 1996). Logo após a apresentação da tabela, que esquematiza os elementos da análise, passaremos a elucidar cada uma das metafunções e as estruturas que as definem. Metafunção Metafunção ideacional: Representação das

Subdivisões Estrutura narrativa (Ação transacional, Ação nãotransacional, Reação transacional, Reação não-transacional,

experiências de mundo por

Processo mental, Processo verbal);

meio da linguagem

Estrutura conceitual (Processo classificacional, Processo analítico, Processo simbólico);

Metafunção interpessoal:

Contato (Pedido – Interpelação ou Oferta)

Estratégias de

Distância Social (social, pessoal, íntimo)

aproximação/afastamento

Atitude (objetividade ou subjetividade)

para com o leitor Metafunção textual:

Modalidade (valor de verdade); Valor de Informação (Ideal – Real, Dado – Novo)

Modos de organização do

Saliência (elementos mais salientes que definem o caminho de leitura)

texto.

Moldura (o modo como os elementos estão conectados na imagem).

Quadro 2: Proposta teórico-metodológica a partir de Kress e van Leeuwen (1996) Fonte: Adaptação de Kress e van Leeuwen (1996) 56 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Estratégias de criatividade em imagens publicitárias em movimento A gramática do design visual proposta por Kress e van Leeuwen (1996) possibilita verificar como as diferentes experiências externas ou internas de mundo são representadas em um texto não-verbal, por meio dos processos de transitividade. Além disso, permite que analisemos as diferentes formas de contato entre produtor e receptor, que se estabelecem por meio da imagem. E, por último, indica-nos sobre os modos de organização do texto imagético. Quando falamos dos processos de transitividade, estamos fazendo referência a metafunção ideacional. Sobre esta, Kress e van Leeuwen (1996, p.43) descrevem duas estruturas de representações básicas, que relacionam seus elementos diferentemente uma da outra: uma representação narrativa e outra conceitual. A primeira delas descreve os participantes em uma ação, em um processo de transformação; a segunda é estática e descreve os participantes como eles são, em termos de classe, estrutura ou significado. A representação narrativa é caracterizada principalmente pela presença de um vetor. Os vetores são os elementos que colocam em relação o ator (do qual o vetor emana) e sua meta (elemento para o qual o vetor aponta), processo semelhante ao realizado pelos verbos transitivos, nas formas verbais, e são representados visualmente por traços, linhas ou elementos geralmente dispostos em diagonal entre ator e meta. Aquilo que na língua se expressa por meio de palavras da categoria “verbos de ação”, em imagens é expresso por elementos definidos como vetores; aquilo que na língua é expresso por preposições locativas, nas imagens pode ser realizado por meio dos contrastes, criados entre o primeiro e o segundo plano (Kress e van Leeuwen, 1996, p. 44). No entanto, os autores enfatizam que nem todas as significações expressas pela língua podem ser realizadas da mesma forma pela imagem e vice-versa, pois os diferentes códigos semióticos possuem diferentes potencialidades, definidas histórica e socialmente em contextos determinados. Kress e van Leeuwen (1996, p.46) também apresentam os conceitos participantes interativos (PI) e participantes representados (PR). Os PIs são aqueles que produzem e consomem a mensagem. No caso específico da publicidade, anunciante e consumidor. São os que entram em uma relação de comunicação por meio do texto e apresentam diferentes graus de envolvimento, definidos pelas estratégias de aproximação ou distanciamento, como, por exemplo, a modalização. A interação entre os PIs acontece por meio dos PRs, ou seja, aqueles que podem ser chamados de personagens ou sujeitos: são pessoas, lugares e coisas dos quais se fala. Os processos de ação, sobre os quais vínhamos tratando, para Kress e van Leeuwen 57 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Petermann e Gabriela Rech (1996, p. 61), compreendem a estrutura transacional, que representa a relação estabelecida entre um ator e sua meta por meio de um vetor, que os conecta, e na estrutura não-transacional, que só apresenta o ator e não apresenta meta, nos limites da imagem. Na linguagem verbal, essas estruturas corresponderiam, respectivamente, a um verbo transitivo direto, com seus complementos, e um intransitivo, que dispensa complementos. Além dos processos de ação, Kress e van Leeuwen (1996, p. 64) analisam, na gramática do design visual, os processos reacionais, que são constituídos por vetores formados por uma linha que parte do olho dos participantes. Aqui, ao invés de ator, há um reator (aquele que olha) e, ao invés de uma meta, existe um fenômeno (aquele que é olhado). Outros dois processos são destacados por Kress e van Leeuwen (1996, p.67) e são, frequentemente, utilizados nas imagens publicitárias: o processo mental e o processo verbal. O processo mental é caracterizado por uma representação de “balão de pensamento”, que conecta dois participantes, aquele que sente ou o experienciador (do qual o vetor emana) e o fenômeno (verbal ou não-verbal, que se localiza no interior do balão). Já o processo verbal é caracterizado por uma representação de “balão de diálogo”, do modo como é utilizado, por exemplo, nas histórias em quadrinhos: esse processo conecta também dois participantes (um falante e uma elocução, localizada no interior do balão). Tais processos, mentais e verbais, na linguagem verbal são expressos, respectivamente, pelo uso de verbos relacionados a processos de perceptivos, cognitivos e emotivos, como, por exemplo, pensar, gostar, sentir; e por verbos que designam os processos de fala, como, por exemplo, falar, gritar, discutir, informar e perguntar. Os processos narrativos descritos na gramática do design visual são relevantes a este trabalho, já que são recorrentes nos anúncios publicitários. Os processos constroem sua significação por meio do código visual em confluência com o código verbal, mesmo que cada um dos códigos comunique por meio de diferentes processos. Nos anúncios publicitários, a multimodalidade permite que um código acresça sentidos ao outro, criando efeitos de persuasão que circulam por todo o texto. Ao contrário das representações narrativas que descrevem processos de mudanças e ações do homem no mundo, as representações conceituais descrevem quem é o participante representado, em termos de classe, estrutura ou significação (Kress e van Leeuwen, 1996, p.79). As representações conceituais podem descritas por meio de processos classificacionais, analíticos ou simbólicos. Os processos classificacionais relatam participantes que se apresentam em um grupo, 58 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Estratégias de criatividade em imagens publicitárias em movimento definido por características comuns a todos os sujeitos classificados. Os processos conceituais analíticos relatam os participantes em uma estrutura de parte-todo (Kress e van Leeuwen, 1996, p. 89). Nesse processo, são identificados dois participantes: um portador (representado como o todo) e seus atributos possessivos (representados como as partes). E, por último, os processos conceituais simbólicos relatam o que um participante significa ou é. Até aqui tratamos sobre os processos pensados a partir da metafunção ideacional. No entanto, quando se trata de analisar as estratégias de persuasão produzidas pelo produtoranunciante no intuito de seduzir o leitor-consumidor, devem ser considerados os aspectos que dizem respeito também à metafunção interpessoal da linguagem4. Na obra de Kress e van Leeuwen (1996) esta metafunção compreende quatro categorias: Contato, Distância Social, Atitude, Modalidade. O contato que se estabelece por meio da imagem é definido pela linha de olho que conecta o PR ao PI. Neste caso temos duas possibilidades: uma situação de pedido ou interpelação (quando o vetor que parte do olho do PR encontra o olho do PI) e outra de oferta (quando o vetor que parte do olho do PR não se conecta ao olho do PI). Na primeira situação ainda temos que observar, a partir dos autores, que podemos identificar diferentes relações de poder entre PR e PI. Quando o PR está representado como se estivesse olhando para cima, relega o posto de maior poder ao PI; já quanto o PR possui seus olhos voltados para baixo, oferece ao PR um lugar de inferioridade em relação a ele. A distância social define-se a partir de três níveis: social, pessoal ou íntimo. Uma distância de nível social caracteriza-se por um plano aberto, quando se mostra, além do PR, aspectos da paisagem. Uma distância de nível pessoal caracteriza-se por um primeiro plano ou um plano americano, quando se definem, prioritariamente, aspectos do rosto e do colo do PR. Por último, uma distância de nível íntimo caracteriza-se por um close no rosto do PR, apresentando algum detalhe deste. Em relação à atitude manifesta na imagem, pode-se perceber objetividade ou subjetividade. Imagens objetivas são aquelas normalmente constituídas por ilustração e que apresentam diversos ângulos, não comuns aos olhos humanos. Podem representar uma “visão de Deus”, como se fosse uma paisagem vista de cima e com detalhes do seu interior (este recurso é bastante comum em infográficos). Ou podem, ainda, representar uma espécie de visão de raio-x (este recurso é bastante utilizado em demonstrações da eficácia de cremes dentais ou 4 Este foi o foco de nossa discussão em: PETERMANN, J. Imagens na publicidade: significações e persuasão. UNIrevista, v. 1, n. 3, 2006. Disponível em: < http://www.iar.unicamp.br/lab/luz/ld/Linguagem%20Visual/imagens_na_publicidade_siginificacoes_e_persUasao.pdf >. Acesso em: 7 jul. 2014

59 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Petermann e Gabriela Rech da capacidade de absorção de fraldas e absorventes íntimos femininos). A última categoria desta metafunção é a modalidade, caraterizada pelo valor de verdade das imagens. Neste caso, as imagens podem variar do mais real ao menos real, quando comparadas às coisas do mundo que visualizamos com nossos próprios olhos, sem nenhuma mediação. Os aspectos relacionados à modalidade são: saturação de cor (total saturação até o preto e branco); diferenciação de cor (máxima diversidade de cores até a monocromia); modulação de cor (utilização máxima de tons de uma determinada cor até a utilização da cor pura); contextualização (ausência de cenário até o cenário mais detalhado); representação (máxima abstração até o máximo de detalhes); profundidade (ausência de profundidade até máxima profundidade); iluminação (ausência de iluminação até excesso de iluminação); e brilho (nível máximo de brilho até os tons de cinza). A última metafunção, a textual, diz respeito aos modos de organização do texto. Se relacionada a um texto verbal versaria sobre os quesitos de coesão e de coerência. Em se tratando de textos visuais, Kress e van Leeuwen (1996) consideram primeiramente sobre o valor de informação. Nesse caso, os autores dividem as imagens entre aquelas de estrutura vertical de retrato (que seriam divididas entre uma parte superior “ideal” e uma parte inferior “real”) e aquelas de estrutura horizontal de paisagem (que seriam divididas entre um lado esquerdo, que oferece uma informação “dada” ou velha; e um lado direito, que oferece uma informação “nova”). Em segundo lugar, os autores consideram sobre os elementos mais salientes da imagem, como aqueles que definem o caminho de leitura, ou ainda, o modo pelo qual nossos olhos percorrem o texto visual. Ainda, sobre este mesmo movimento de leitura, os autores consideram sobre a moldura, como um aspecto que conecta diferentes elementos pertencentes a um mesmo texto visual. É com o início e com o final da moldura que identificamos também quando a imagem se começa e quando se acaba. Depois de revisarmos as estruturas propostas por Kress e van Leeuwen (1996), daremos início ao processo analítico, adaptando tais esquemas, pensados para as imagens estáticas, às imagens em movimento, considerando também a complementaridade de códigos em função do acréscimo de sentidos que temos pela utilização da linguagem sonora. 2. Observando os anúncios premiados a partir das metafunções Enfatizamos novamente que não temos a intenção aqui de realizar uma análise frame 60 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Estratégias de criatividade em imagens publicitárias em movimento por frame. Como se trata de uma primeira experimentação, optamos por fazer uma análise menos pontual, verificando a predominância de processos em cada anúncio, observando como, a partir de modos diferentes de dizer, estes se tornaram persuasivos e criativos na opinião do júri constituído nos eventos da propaganda gaúcha. Vamos, inicialmente, realizar uma análise de cada um dos anúncios para que, depois, possamos traçar um paralelo entre estes, percebendo suas recorrências e diferenças. 2.1 Anúncio Corte Rápido (Tramontina) O anúncio, basicamente, consiste em apresentar uma situação do cotidiano, na qual três sujeitos (dois homens e uma mulher) aguardam o sinal fechar para atravessar a rua. Um terceiro PR surge, em plano mais afastado, e aborda a personagem feminina, oferecendo-lhe uma coleta de assinaturas contra algo que não fica explícito, já que sua fala é interrompida por um sonoro “Não quero”, da personagem feminina. O vídeo conclui-se com o texto “Corte Rápido. Faca é Tramontina”. Em relação à metafunção ideacional identificamos o predomínio de processos narrativos, em detrimento dos conceituais. Isto porque os PRs interagem com objetos (celular, jornal, café, relógio), manuseando-os em processos de ação transacional, ou apenas olhando para estes, em processos de reação transacional (Figura 01). Além disso, os PRs interagem entre si (na forma da interpelação do personagem que interpela a moça que está esperando para atravessar a rua). Os processos conceituais estão restritos ao final do anúncio, quando as facas são apresentadas sobre fundo preto, em forma de uma classificação: todas elas são apresentadas sob o jugo da marca Tramontina, juntamente com o slogan “Brasileira como você”.

Figura 01 – Processos narrativos de ação e reação transacional

61 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Petermann e Gabriela Rech

Figura 02 – Processo conceitual classificacional. Em relação à metafunção interpessoal, destacamos que, em relação ao contato, temos uma situação de oferta, já que em nenhum momento os PRs olham para o PI. Temos ali a representação de uma cena do cotidiano e, por isso, não há uma abordagem direta ao espectador do anúncio. Os PRs interagem entre si e com os objetos que portam, mas não interpelam aquele que está fora da narrativa. Além disso, os PRs são representados em plano médio, o que configura uma distância de nível social: os personagens não são íntimos dos espectadores, porém não são totalmente desconhecidos. Assim, estes representam pessoas pelas quais poderíamos cruzar pelas ruas da nossa cidade. Do início ao final do anúncio temos a constituição de imagens de cunho subjetivo, que fornecem ao espectador um único ponto de vista. Como o potencial do produto (adjetivado por cortar rapidamente) é representado por situações metafóricas, com o uso conotativo do termo “cortar” como “dispensar alguém”, não são necessárias ilustrações ou imagens gráficas que o qualifiquem. Em relação à modalidade, percebemos que as cores da fotografia do anúncio são bastante naturais e se assemelham àquelas que estamos acostumados durante o dia, como podemos ver na Figura 01 acima. A representação parece ser a de um dia chuvoso em uma cidade que se assemelha à Porto Alegre. Além disso, encontramos níveis médios de saturação e uma paleta de cores amarronzada, que condiz com a caracterização de um dia de chuvoso em uma grande cidade. E, por último, em relação à metafunção textual, identificamos dois modos de organização da imagem que dizem respeito ao valor da informação: o dos processos narrativos, com uma organização horizontal; e do processo conceitual com uma organização vertical. No primeiro deles, temos a divisão dado x novo – no lado esquerdo temos a informação velha ou dada, e, vemos ali, homens de terno, um que lê o jornal enquanto o outro toma café, até que o sinal abra; no lado direito da tela, a informação nova, que nos apresenta a interação entre PRs e a situação 62 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Estratégias de criatividade em imagens publicitárias em movimento do “corte rápido”. No processo conceitual, que identificamos ao final do anúncio e que apresenta uma organização vertical, encontramos, em sua parte superior ou ideal, as facas, produto a ser divulgado; e, em sua parte inferior e real, a marca Tramontina e o slogan “Brasileira como você”. Em relação à saliência, destacamos, como elementos mais evidentes e que acabam por concentrar a atenção do espectador, o PR masculino que se desloca até o primeiro plano, interpelando a personagem feminina e as facas que se movimentam no momento da assinatura do anúncio. E, por último, consideramos que a moldura do anúncio é definida pelos padrões da veiculação em televisão. Mas, no entanto, os tons amarronzados e o cenário acabam servindo também como fatores de conexão entre todos os elementos da imagem. Além destes, ao final do anúncio, o fundo preto conecta facas, marca e slogan. 2.2 Anúncio “A História de Sofia”, Panvel Este anúncio, de formato não padrão e que atinge o tempo de veiculação de 4 minutos, das farmácias Panvel, conta a história de Sofia, uma cachorrinha vira-lata que chega a uma casa para fazer companhia à outra cachorrinha, também de raça indefinita e de nome Brigite. Depois de passar um tempo feliz neste novo lar, Sofia passa a ser preterida em relação ao bebê, que está chegando. A narração simula a voz do tutor das cachorrinhas e pai do bebê. É este personagem que conta como Sofia ficou abatida e porque Brigite, que já havia sofrido muito antes de chegar àquela casa, não percebe o momento de desamor. Depois de relembrar de uma leitura da sua infância, que tratava sobre o coração de vidro dos animais, o tutor de Sofia passa a dedicar mais tempo e mais carinho à Sofia. O anúncio conclui-se com uma cena em que a cachorrinha é acarinhada por seu tutor e acrescenta-se a esta caracteres com os textos: “Por uma amizade verdadeira sempre, por uma amizade felpuda sempre”. Logo após isso, temos a inserção de um fundo azul, com a apresentação do slogan “Você sempre bem” e da marca “Panvel”, que surgem de baixo para cima na tela e nesta ordem. Trata-se de um pequeno filme e, portanto, temos o predomínio dos processos narrativos, quando consideramos a metafunção ideacional. Entre todos estes, destacamos os principais momentos do vídeo, mas, no entanto, transcritos em aqui em linguagem verbal: Sofia toma água (como se a câmera estivesse dentro da piscina); Sofia passeia de bicicleta com sua tutora; 63 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Petermann e Gabriela Rech Sofia brinca com Brigite; Sofia recebe carinho; Sofia se esconde atrás da porta; os pais cuidam do bebê; Brigite recebe carinho do seu tutor; a criança lê um livro com uma lanterna (imagens que representam um feedback); o bebê brinca com Sofia; Sofia recebe carinho do seu tutor. Além destes processos narrativos de ação transacional, que conotam situações do cotidiano dos cães com seus tutores em casa, destacamos os processos de reação transacional, utilizados como recurso de ênfase emocional, pois destacam os olhares trocados entre os PRs durante o filme publicitário. Entre estes estão: Sofia olha através das grades do berço; o tutor de Sofia olha para ela e sua filha brincando no chão; o tutor de Sofia olha para ela (que não está definida na moldura da imagem). Ainda, a carga de dramaticidade do vídeo é também reforçada pelos processos de reação não-transacional: como nestes casos, o objeto olhado não é definido na moldura da imagem, este recurso serve para propor a ideia de que Sofia olha para o PI, de baixo para cima, como se pedisse algo (retomaremos este aspecto quando tratarmos da metafunção interpessoal). Assim, o carinho que falta para Sofia, naquele momento, torna-se também de responsabilidade do espectador, que facilmente pode relacionar esta situação com alguma outra já vivida ou com seu próprio animal de estimação ou algum outro de rua. Também destacamos os processos narrativos verbais e mentais. Considerando os primeiros, destacamos a voz do narrador, como fio condutor do anúncio e com características de depoimento: a locução se inicia com “Se você se chama Sofia ou tem alguém conhecido com esse nome...” e conclui-se com “não era um olhar ressentido, muito menos desafiador, era apenas um olhar de saudade”. Este processo narrativo verbal soma-se ao olhar pidão de Sofia, que, inúmeras vezes, foi explorado no anúncio. Sobre este, comentamos acima e trataremos a seguir, de forma mais aprofundada. Considerando os processos narrativos mentais, destacamos os momentos de feedback, quando o narrador relembra a chegada de Sofia à casa, ainda muito pequena, e, ainda, quando este recorda sua infância, dizendo “Lembrei de um livro que li quando criança...”. Nestes casos, pela complexidade da narrativa, foi imprescindível na análise a consideração dos elementos de linguagem sonora que também a constituem. Em relação aos processos conceituais, destacamos apenas dois tipos: processo classificacional e processo simbólico. No primeiro deles, a cena em que Sofia e Brigite são apresentadas ao espectador como pertencentes àquela família. Abaixo podemos visualizar este trecho do vídeo (Sofia à esquerda e Brigite à direita).

64 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Estratégias de criatividade em imagens publicitárias em movimento

Figura 03 – Processo conceitual classificacional Já o processo conceitual simbólico está caracterizado em um dos momentos do feedback, quando a imaginação do PR, o narrador, é representada por um teatro de sombras, ao realizar uma leitura na infância. No trecho do livro, Coração de Vidro de José Mauro de Vasconcelos, o narrador comenta sobre uma dúvida que ficara daquela leitura: o coração de vidro estaria representando o frágil coração dos animais (representado na imagem abaixo) ou o coração dos humanos incapaz de um amor de fato resistente? Neste caso, a representação de teatro de sombras e mesmo a apresentação simbólica do “coração de vidro” acaba por alterar o sentido da história: temos ali o momento da inversão da narrativa, pois o narrador se dá conta de que o que falta para Sofia é o seu carinho. Sofia não possui o coração de vidro da história, mas o próprio narrador havia se tornado insensível a ela com a chegada do seu filho. Além deste, identificamos um processo conceitual simbólico ao final do anúncio com a apresentação da marca e do slogan “Você sempre bem”.

Figura 04 – Processo conceitual simbólico Quando consideramos sobre a metafunção interpessoal, primeiramente em relação ao contato, podemos dizer que há poucos casos de interpelação, já que, na maioria das vezes, a representação de cenas do cotidiano e de interação entre PRs, parece não cobrar um contato 65 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Petermann e Gabriela Rech direto com o espectador. No entanto, a necessária criação de uma carga dramática em torno da PR Sofia parece exigir que ela seja apresentada como se pedisse algo ao espectador. Assim, em alguns momentos do anúncio, Sofia parece olhar para o PI de baixo para cima, colocando-se em uma situação de submissão em relação a este. Abaixo apresentamos os dois casos: momentos de oferta e de pedido.

Figura 05 – Contato por oferta

Figura 06 – Contato por pedido ou interpelação Em relação à Distância Social, identificamos uma grande variação de planos. Acreditamos que isto se deve ao formato do anúncio: um pequeno filme de narrativa complexa e com variações cronológicas importantes (com momentos de feedback que retornam à infância, por exemplo), porém um longo anúncio publicitário, com o tempo de duração de 4 minutos e 7 segundos. Com isso, percebemos uma grande variação de distâncias que se estabelecem entre PRs e PI e que passam pelos níveis social, pessoal e íntimo. Neste último, que caracteriza uma distância social mínima, encontramos apenas duas cenas que apresentam close – na apresentação da personagem principal Sofia, logo nos primeiros segundos do anúncio; e quando o menino que representa o narrador em um feedback chora, emocionado pelo livro que estava lendo. A seguir, alguns trechos que comprovam a constante variação de planos durante o 66 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Estratégias de criatividade em imagens publicitárias em movimento anúncio: close em Sofia (19”), plano aberto em Sofia (22”), plano americano em Sofia e sua tutora (24”), primeiro plano para apresentar detalhes sobre Sofia (33”), plano aberto para os momentos dos primeiros encontros entre Sofia e Brigite (35” ao 54”), primeiro plano para apresentar Sofia e Brigite (56”), planos abertos para mostrar a relação de Sofia e Brigite (1’4”), planos abertos para mostrar Sofia sendo preterida em relação ao bebê (1’48”), primeiro plano em Sofia, pelas grades do berço (1’50”), close no PR, que representa o narrador, quando criança, no momento do feedback (3’), entre outros.

Figura 07 – Close para a apresentação da personagem principal - Sofia Assim como no anúncio da Tramontina, temos aqui a utilização de imagens de cunho subjetivo, que fornecem ao espectador um único ponto de vista. No caso da Panvel, percebemos que não há nenhuma intenção de fornecer ao espectador informações sobre o produto, mas sim construir uma imagem de marca positiva, cercada de afetividades. A ênfase sentimental é tanta que pode até criar alguma dificuldade para o estabelecimento de uma relação entre a narrativa e a marca. Intenta-se realizar esta ligação pelo texto verbal inserido, ao final do anúncio, em forma de caracteres: “Por uma amizade verdadeira sempre, por uma amizade felpuda sempre”, “Você sempre bem”, “Panvel”. Aqui são oferecidos valores e sentimentos nostálgicos ao espectador, que deve, ao final do anúncio, converter sua emoção em simpatia pela marca, que lhe proporcionou aqueles momentos. O último ponto da metafunção interpessoal, diz respeito à modalidade. Neste anúncio, assim como no anterior, identificamos um caráter bastante real, sendo que todos os cenários, cores, sombras e saturações são semelhantes àquelas que consideramos como naturais (Figura 05 e 06). A representação parece ser a de um dia ensolarado de primavera. Não há definição da cidade ou local do anúncio e, por isso, tais cenas poderiam acontecer em qualquer lugar. Neste contexto, destacamos como exceção apenas dois momentos de baixa modalização: quando a narrativa afasta-se daquilo que consideramos como verossímil. Ambos no feedback 67 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Petermann e Gabriela Rech da infância do narrador. O primeiro deles se dá no momento em que este relembra a história de um livro como se fosse um teatro de sombras (Figura 04). O segundo, no encerramento deste momento de lembranças – quando o rosto do menino, emocionado pela história do livro, tornase o do adulto, que observa sua filha brincando com sua cachorrinha Sofia. Esta passagem é feita com um recurso que se assemelha a uma virada de página e a imagem do passado torna-se cinza sendo substituída pela imagem do presente em cores, como podemos ver na Figura 08 abaixo.

Figura 08 – Exceção: baixos níveis de modalização. E, por último, em relação à metafunção textual, identificamos dois modos de organização da imagem que dizem respeito ao valor da informação. Assim como no anúncio da Tramontina, temos o predomínio dos processos narrativos, com uma organização horizontal; e do processo conceitual de apresentação de marca, ao final, com uma organização vertical. No primeiro deles, a divisão dado x novo – no lado esquerdo, a informação velha ou dada, e, no lado direito, a informação nova, como, por exemplo, podemos ver na Figura 08. Neste caso, temos o momento da infância como informação dada ou velha e o momento presente da narrativa, quando o PR, então adulto, vê sua filha brincando com Sofia. Este momento configura-se inclusive como o clímax da narrativa, portanto, como informação nova. No processo conceitual, que identificamos ao final do anúncio e que apresenta uma organização vertical, encontramos, em sua parte superior ou ideal a marca Panvel; e, em sua parte inferior e real, o slogan “Você sempre bem”. Esta organização enfatiza o que vínhamos considerando acima: a conexão entre espectador e marca se dá pelos sentimentos que esta oferta. Assim, é como se dissesse “para você estar sempre bem (real), você deve estar com a Panvel (ideal)”. Em relação à saliência, destacamos como elementos mais evidentes, e que acabam por concentrar a atenção do espectador, os PRs Sofia e o narrador. A narrativa concentra-se na 68 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Estratégias de criatividade em imagens publicitárias em movimento relação entre eles, ainda que tenhamos como PRs também a esposa do narrador, a cachorrinha Brigite e a filha do casal. E, por último, aqui também precisamos considerar que a moldura do anúncio é definida pelos padrões da veiculação em televisão, assim como o anúncio de Tramontina. Mas, no entanto, temos aqui um filme publicitário pouco convencional para o padrão em relação ao tempo. Neste caso, temos um anúncio 8 vezes maior do que normalmente encontramos. Assim, para concentrar a atenção do espectador, identificamos recursos estéticos (a bela fotografia, por exemplo), narrativos (o modo como se delineia o clímax, por exemplo) e persuasivos (o tom emocional, por exemplo). 2.3 Anúncio “Encontro”, Renner Este anúncio de 45” descreve visualmente desde os momentos que precedem o parto até a realização deste. A locução feminina in off fala sobre os passos tradicionais de quem se prepara para um encontro: “Você não estava com o seu melhor vestido e nem usando salto. Não ficou horas arrumando o cabelo e, muito menos, escolhendo o perfume. Logo você, que não vive sem maquiagem, não pensou no batom, nem nos brincos, nem nas pulseiras, nem nada. E mesmo assim, você estava linda para o encontro mais importante da sua vida. Feliz Dia das Mães Renner”. No anúncio, que tem predomínio de closes, identificamos forte relação entre a locução e as cenas. Por exemplo, o trecho da locução “nem usando salto” é ilustrado por close nos pés descalços da futura mamãe. Em relação à metafunção ideacional, predominam os processos narrativos. Dentre estes destacamos como processos de ação e de reação transacional os seguintes: ela veste o avental (4”), ela segura a mão do marido (24”), ele segura a cabeça dela (26”), a enfermeira entrega o bebê (40”), ela segura o bebê no colo (41”), ela olha para o marido (38”) (Ver Figura 09). No entanto, como temos um predomínio de closes neste anúncio, percebemos um número considerável de processos narrativos de ação (quando identificamos a presença de vetores que representam uma determinada ação) ou de reação (neste caso, os vetores são formados por linhas de olho) não-transacionais, aqueles que não possuem o objeto, que sofre a ação, definido na moldura da imagem. Lembramos que estes processos seriam equivalentes aos processos que os verbos intransitivos designam na linguagem verbal. Citamos alguns presentes no anúncio: ela sua (9”), ela respira (ofegantemente) (11”), ela olha (17”), ela grita (25”), ela sorri (30”) (Ver Figura 10). 69 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Petermann e Gabriela Rech

Figura 09 – Vetor no processo narrativo de ação transacional.

Figura 10 – Vetor no processo narrativo de reação não-transacional. Nos processos conceituais, podemos incluir os segundos finais do anúncio que acabam apresentando a família completa, atuando como um processo classificacional: mãe, pai e o bebê que acaba de nascer. Todos pertencentes à mesma família, que, além de consumidores Renner, representam valores que a marca procura construir como: certo espírito de juventude, mas também de renovação e, por outro lado, de tradição. Esta conclusão encaminha-nos também à identificação de um processo conceitual simbólico de transferência de sentidos da marca para a situação encenada e vice-versa. Como podemos verificar no frame abaixo:

Figura 11 – Processo conceitual simbólico 70 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Estratégias de criatividade em imagens publicitárias em movimento Na Figura 11, vemos a cena da identificação da mãe com o filho ao lado da assinatura do anúncio, com a marca das Lojas Renner. Neste momento, o ângulo fecha e o pai fica fora da moldura da imagem, definindo aquele como um momento apenas de mãe e de filho, acompanhados apenas da marca da loja. Em relação à metafunção interpessoal, identificamos o close como o principal recurso persuasivo deste anúncio. O corpo da mulher, que está prestes a dar à luz, em detalhes, proporciona o reconhecimento por parte de todas as mulheres que já estiveram naquela situação ou que desejam passar por esta. Assim, em relação ao contato estabelecido com o PI podemos dizer que é uma situação de oferta: os PRs não interpelam o espectador. É como se aqueles estivessem ali em uma situação muito especial das suas vidas, enquanto o espectador apenas observa como se ninguém percebesse a sua presença. Em relação à distância social, a predominância do close, que já mencionamos anteriormente, cria um efeito de muita proximidade entre PRs e PI, como se fossem íntimos. Trata-se também de um momento para ser dividido entre mulheres e, assim, temos a criação tanto de identificação entre as mulheres espectadoras e a mulher que atua como PR, quanto de uma relação de cumplicidade que se estabelece entre estas duas mulheres, como se fossem confidentes. Os closes só são interrompidos quando um elemento novo era mostrado (o marido, num primeiro momento, e depois o bebê recém-nascido). Assim como nos dois anúncios anteriores, temos imagens subjetivas em relação à atitude do PI. Notadamente, não haveria motivos para a inserção de imagens objetivas aqui, como ilustrações ou gráficos, por exemplo, tendo em vista que a proposta do anúncio é a legitimação da marca frente ao seu público e até mesmo a tentativa de garantir a veiculação da mais emocionante mensagem de dia das mães5. A última consideração em relação à metafunção interpessoal, diz respeito à modalidade, ou os valores de verdade manifestos no anúncio. Em relação aos níveis de modalidade do anúncio da Renner, em comparação aos demais vídeos analisados, consideramos que exista uma diminuição no quesito verossimilhança. Dizemos isto apenas em função do uso demasiado dos closes, o que acaba constituindo um modo de visão com o qual não estamos devidamente acostumados. Em relação às cores, iluminação e saturação temos as condições que consideramos como ideais para o contexto: uma sala de obstetrícia em algum hospital qualquer, sendo que é possível a identificação tanto da luz do sol, que entra pela janela, quanto a luz específica de ambientes adequados para cirurgias. 5 Já há alguns anos, as Lojas Renner são reconhecidas pelos seus anúncios desta data, muitos deles foram também premiados, assim como este em questão.

71 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Petermann e Gabriela Rech Sobre a metafunção textual, destacamos, considerando sobre o valor de informação, que, neste vídeo, identificamos apenas organizações horizontais. De modo geral, o anúncio apresenta uma centralidade, mas, quando há certo deslocamento para algum dos lados, a predominância é pela presença dos detalhes do corpo da mulher do lado esquerdo da tela, como informação nova. Ao lado direito, encontramos informações dadas ou velhas, já que se trata de um cenário familiar. Além deste aspecto, destacamos que a organização, ao final do anúncio, segue a mesma direção horizontal. A assinatura da marca aparece, ao fim do vídeo, no lado direito da tela, sendo apresentada como uma informação dada ou velha (Ver Figura 11). A novidade fica então restrita ao nascimento do bebê e à legitimação da nova mamãe. Além disso, ao final do anúncio, a revelação que se insinuava desde o começo: a de que o encontro sobre o qual se falava não se tratava de um encontro afetivo entre um casal, mas sim entre mãe e filho – o “encontro mais importante de sua vida”, conforme a locução. Por último, em relação à saliência e a moldura, apontamos os detalhes do corpo da PR como os mais relevantes na narrativa e que acabam conduzindo o olhar do espectador, criando ainda unidade entre os demais elementos presentes nas cenas, conectando-os. Considerações Finais A partir de Kress e van Leeuwen (1996), consideramos os anúncios televisuais como o lugar no qual se encontram aquele que diz e aquele que ouve. Para que esse momento de encontro seja o mais frutífero possível, considerando as intencionalidades postas nessa relação, o texto audiovisual, apesar da exigência da criatividade e da inovação, é construído dentro de algumas convenções determinadas. Tais convenções são compartilhadas pelo receptor e pelo produtor e organizam a produção e a recepção como momentos de fruição. Na busca pela atenção do outro, são articulados elementos de linguagem persuasiva e recursos criativos, que procuram romper com o fluxo de atenção desconcentrada, que o intervalo comercial proporciona normalmente. Na televisão, a conduta, tanto do produtor como do receptor, é guiada pelo fluxo que ordena a programação. Os receptores sabem que a cada intervalo entre os blocos dos programas são exibidos anúncios. Sabem que esse é o momento da publicidade e que todas as mensagens dispostas durante aquele espaço ou tempo terão como intuito atrair sua atenção e, nesse período, despertar seu interesse pelo produto ou ideia anunciada. Já os produtores, sabem das possibilidades que se apresentam no audiovisual, nas produções midiáticas, no discurso e na estética publicitária, bem como conhecem as restrições que se apresentam em cada um desses 72 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Estratégias de criatividade em imagens publicitárias em movimento aspectos. A publicidade audiovisual apresenta como recorrências evidentes: o espaço de veiculação, entre os blocos da programação; os tempos-padrão, geralmente de 15, 30, 45 ou 60 segundos6; a utilização de recursos sonoros e visuais, organizados como mensagem publicitária; a linguagem disposta na forma de divulgação de produto ou ideia a um público consumidor, muitas vezes, heterogêneo e/ou não definido claramente; entre muitas outras, como, por exemplo, a construção da narrativa com um início, um meio e um fim em sua duração. De modo geral, percebemos a partir da análise que, no que diz respeito a metafunção ideacional, predominam os processos narrativos em detrimento dos conceituais, que, na maioria das vezes, funcionam apenas como assinatura ao final do anúncio. Os processos narrativos servem a uma linguagem publicitária que se baseia e se inspira no cotidiano como recurso criativo. Vemos, cada vez mais, anúncios que descrevem personagens, contam histórias e que oferecem ao espectador o transcorrer de um tempo de vida, em função de uma determinada marca. Com isso, os anúncios deixam os estúdios e tomam as ruas e as casas de cenário. Muito mais do que apresentar atributos do produto e a marca em si, possuem ênfase na vida de “pessoas comuns”. No entanto, esta já é vista como a única grande transformação ocorrida na linguagem publicitária no decorrer dos anos. Então, até aqui, nenhuma grande novidade. No entanto, se contar histórias não é exatamente algo novo na publicidade, percebemos certa desconexão ou aparente falta de relação direta entre as histórias contadas e a assinatura ao final do anúncio. Qual a relação de Sofia com a Panvel? O que uma situação de interpelação na correria das ruas em uma grande cidade diz sobre o uso de facas? E, menos enfático mas também considerável, o que o momento do parto, quando são deixadas de lado todas as preocupações com a vaidade, possui em comum com uma loja de roupas, acessórios e maquiagem? De certa forma, aparentemente, as estratégias persuasivas concentram-se justamente no exercício oferecido ao espectador: deixar-se envolver pelas histórias (e esse objetivo é atingido também em função dos recursos técnicos e da excelente estética dos anúncios) e, ao final, descobrir quem lhe contava aquele causo e porque lhe contava. E relação à metafunção interpessoal, podemos dizer que a contação de causos publicitários torna-se também perceptível pelo uso recorrente do contato com o PI em modo de oferta. Não há interpelação. Designa-se ao espectador um lugar semelhante ao que ele ocupa em uma cadeira de cinema. A conversa, aparentemente, não é com ele: a conversa é entre um homem que interpela uma mulher na rua, entre Sofia e seu tutor, entre a mãe e o pai de um bebê 6 Utilização bastante diferente desta percebemos no anúncio de Panvel, com 4 minutos de duração.

73 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Petermann e Gabriela Rech que acaba de nascer. Só ao final, o anúncio diz efetivamente a que veio, quando, de fato, já se tem um espectador absorto por aquela linha narrativa. O olhar pidão de Sofia é uma exceção nestes casos, mas nem por isso foge à nossa conclusão: Sofia até pode interpelar o espectador, mas este é um recurso dramático e que garante a permanência da atenção deste, sem trazê-lo de volta a realidade, como faria um garoto propaganda que, por exemplo, falasse diretamente ao público. São, pois, modos diferentes de interpelação. Em relação à distância social, podemos dizer que há uma variação muito grande de ângulos e planos: desde o predomínio de um plano mais aberto, configurando uma distância social em Tramontina, passando por variações constantes de planos em Panvel, até a criação de um clima de intimidade, com os closes de Renner. De certa forma, tal variação contribui com a elevação dos níveis de modalidade dos anúncios: ao observarmos o mundo a nossa volta, também realizamos movimentos que vão desde olhares mais atentos e investigativos, concentrados nos detalhes, até olhares mais amplos, abrangentes, que procuram contemplar a paisagem, o todo. À exceção disto, identificamos o excesso de closes em Renner, diminuindo sua propriedade de verossimilhança. Ainda em termos de níveis de modalidade, podemos dizer que este é um dos grandes recursos persuasivos dos anúncios em questão. Exceto pequenas ressalvas, poderíamos dizer que os três anúncios priorizam a representação “real” de saturação, diferenciação e modulação de cor; de contextualização; de representação; de profundidade; de iluminação; e de brilho. A partir disto, o espetador pode ver as imagens do vídeo do mesmo modo como percebe as situações que ocorrem no seu próprio cotidiano. Pelos motivos óbvios, temos apenas a utilização de imagens subjetivas, já que os comerciais possuem foco primeiro na história, para, a partir dela, fortalecer a imagem de marca, como em Panvel e Renner, e/ou divulgar características do produto, como em Tramontina. Mas há um longo caminho até lá e, portanto, no meio de narrativas tão envolventes não caberiam gráficos ou ilustrações sobre as funcionalidades ou usos dos produtos. Por último, em relação à metafunção textual, percebemos a predominância de organizações horizontais, quando consideramos sobre o valor de informação. Isso se deve em função do caráter narrativo dos anúncios. Temos ali a representação de cenas do cotidiano que, até mesmo pelo formato da tela da televisão, são construídas horizontalmente. As únicas organizações centralizadas, e que nos remetem a processos verticais, estão concentradas nos processos conceituais de apresentação de produto, marca e slogan, no caso de Tramontina, e de marca e slogan, no caso da Panvel. 74 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Estratégias de criatividade em imagens publicitárias em movimento Podemos ainda indicar que, sobre a saliência e a moldura, no anúncio de Tramontina temos o caminho de leitura definido a partir do PR que realiza a interpelação, pois diante de uma cena tão estática, nossos olhos são atraídos pelo movimento que este realiza, em direção ao primeiro plano, tornando-se o elemento mais saliente. No anúncio de Panvel, Sofia e o personagem-narrador concentram nossa atenção, já que carregam grande carga dramática. Da mesma forma, os closes em Renner procedem de maneira semelhante: geram identificação, curiosidade e dramaticidade à narrativa. De forma estratégica, os três anúncios utilizam-se dos corpos humanos buscando o reconhecimento do espectador. Temos aí importante recurso persuasivo. Aparentemente, o foco não é no produto (nem mesmo no anúncio de Tramontina, o de linguagem mais tangível em relação aos atributos do produto), nem mesmo na marca. De forma estratégica, o foco parece ser no ser humano e em suas relações, com desconhecidos, com os animais de estimação ou com os membros da sua família. Depois disto, conduz-se a atenção para enfatizar a relação do público com a marca e com o produto, por consequência. Certamente, este recurso persuasivo pode afrouxar as defesas do espectador, já exausto de mensagens publicitárias. E, por último, consideramos que a moldura do anúncio é definida pelos padrões da veiculação em televisão, que acaba também definindo um formato mais horizontalizado. Mas, no entanto, a fotografia e os recursos estéticos recorrentes acabam sendo também responsáveis pela unicidade entre os elementos representados. Assim, as tonalidades das cores, as intensidades das luzes e os tipos de ângulos, planos e cortes utilizados amarram as cenas, construindo bons exemplos de filmes publicitários. Temos aqui um primeiro conjunto de observações que poderia se continuar facilmente. Percebemos a análise como bastante frutífera e fomentadora de questões, mesmo sem o aprofundamento do olhar frame a frame. Consideramos que, talvez, este último, seja o modo mais adequado de realização deste percurso metodológico, mas enfatizamos que, mesmo a partir de um olhar mais abrangente, o resultado nos foi bastante satisfatório. Pudemos aqui perceber tanto a riqueza do nosso processo teórico-metodológico quanto do corpus selecionado, que nos promoveu interessantes momentos de reflexão sobre a linguagem da publicidade e seus recursos criativos e persuasivos. Encerramos aqui, mas ainda teríamos muito a dizer.

75 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Petermann e Gabriela Rech

Referência Bibliográficas

HALLIDAY, M.A.K. 1994. An introduction to functional grammar. 2ª ed., Great Britain, Arnold. KRESS, G. e VAN LEEUWEN, T. 1996. Reading images: the grammar of the design visual. London, Routledge. PETERMANN, J. Imagens na publicidade: significações e persuasão. UNIrevista, v. 1, n. 3, 2006. Disponível em: . Acesso em: 7 jul. 2014 _______________. Do sobrevôo ao reconhecimento atento: a institucionalização da criação publicitária, pela perspectiva do habitus e dos capitais social, cultural e econômico. 2011. 408f. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação). Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2011.

76 Imagem: estratégia, discurso e sentido

O valor do centro na apresentação do telejornal: uma aproximação das artes e da neurobiologia Fabiano Maggioni RESUMO

ABSTRACT

Este artigo se propõe a analisar um aspec-

This article aims to analyze a particular as-

to particular da significação nos espaços de

pect of meaning in the spaces of presentation

apresentação do telejornal, a centralidade.

of Tv news, the centrality. Among the visual

Dentre os elementos visuais, a centralidade

elements, the centrality is in truth value to

constitui-se em valor de verdade a ser al-

be reached on the Tv news, since, through

cançada no telejornal, uma vez que, através

it, the senses of credibility, invariance, com-

dela, os sentidos de credibilidade, invariabi-

mand, strategic position, omnipresence, ap-

lidade, comando, posição estratégica, oni-

pear. To show this nuance plastic presenta-

presença, entre outros, surgem. Para mos-

tions of some TV news, theories about the

trar esta nuance plástica nas apresentações

visual composition of Rudolf Arnheim, as

de alguns telejornais, as teorias acerca da

well as contributions from Image Theory

composição visual de Rudolf Arnheim, bem

and neurobiology are used. Therefore we

como aportes da Teoria da Imagem e da neu-

wish to show how this dimension of the Tv

robiologia são usados. Pretendemos assim,

news enunciation assists in mounting the

mostrar como esta dimensão do enunciado

sense present in the televisual discourse.

telejornalístico colabora na montagem do sentido presente nos discursos do televisual.

Palavras-chave

Keywords

Centralidade. Imagem. Telejornal. Plasticidade.

Centralization. Image. Tv news. Plasticity.

Neurobiologia.

Neurobiology.

Fabiano Maggioni

| Mestre em Comunicação Midiática e doutorando do Programa de Pós-graduação em Comunicação Midiática da Universidade Federal de Santa Maria, RS, Brasil. [email protected] 77 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Fabiano Maggioni A materialidade dos discursos televisuais dá-se essencialmente pela imagem, daí aspecto que se sobrepõe entre as linguagens envolvidas na enunciação e que, por vezes, ainda carece de análise que mostre e aprofunde os sentidos produzidos pelo visual, ou seja, pela plasticidade. Aqui pretendemos mostrar essa dimensão de significado em um dos gêneros televisuais mais conhecidos e antigos, o telejornal. Porém, não em toda a estrutura de sua narrativa midiática, mas sim, em um recorte específico e que centraliza encadeamentos fundamentais da sua construção textual, a performance de apresentação. Nela estão as vozes dos enunciadores/locutores, majoritários e explícitos no enunciado, mas que na verdade, escondem uma complexa estrutura de enunciadores envolvidos com a produção do telejornal. Lembrando Hans-Georg Gadamer, quando fala do sentido ontológico da imagem, ela, a imagem, está lá para operar uma lembrança e constituir uma realidade, essa operação é essencialmente plástica, fundamentada em uma objetividade material. Nesta sua natureza existencial, a imagem desvincula-se da simples estética que nela está contida e exerce sua autonomia de expressão, para manifestar o que se propôs representar. É interessante deixar claro que a representação, que é a imagem, traz para ela a presença de algo. A imagem tem condições de buscar um original-real, e emanar suas características, pois “é somente a partir da imagem que o representado ganha plasticidade” (GADAMER, 1997, p. 202). Assim sendo, o que nos move é a vontade de encontrar marcos que delimitem os fenômenos comunicacionais, ancorados na imagem, em sua essência plástica. Busco mostrar de que forma a plasticidade organiza a linguagem e ajuda o discurso televisual a se colocar na atmosfera dialógica da enunciação. Considerando sempre que trabalho com uma massa significante, que é o televisual, e que dela brotam vertentes de significados, formando cadeias discursivas repletas de valores culturais. Esta composição de valores e circulação de discursos que acontece no telejornal é fenômeno comum às narrativas imagéticas, como o caso da fotografia. Nela, existe um processo de transposição de realidades, onde segundo Kossoy (2002, p. 37), parte-se de um assunto visual, selecionado de um determinado contexto da vida, para uma realidade de representação, dada na mente de cada receptor da fotografia através de uma fundamentação estética, e qualificada segundo suas capacidades e competências simbólicas pré-existentes no indivíduo. Movimentos nomeados pelo autor de primeira realidade e segunda realidade e que neste trabalho serão definidos pelas realidades construídas no plano plástico (material) e no plano semântico

78 Imagem: estratégia, discurso e sentido

O valor do centro na apresentação do telejornal: uma aproximação das artes e da neurobiologia (discursivo/cultural). Esse percurso de significado é semelhante para todas as imagens usadas nas mídias e, no caso do televisual, torna-se mais complexo devido à integração de linguagens que o compõe. Portanto, na imagem televisual há uma dimensão icônica, que congrega plasticidade e semântica, que por sua vez ancora uma linguagem verbal, noutra dimensão. Cada uma destas é rica em nuances e elementos lexicais, porém, sempre de ações interativas. 1. A imagem como gestora neurobiológica Interessante é procurar saber de onde vem esse consumo e uso de imagens. Numa sociedade iconográfica, como já expressado por Villafañe e Mínguez (2002), tal condição é fruto de uma busca pelas linguagens. Esta busca parte do desejo do homem de perceber o mundo e ele mesmo, retratados. Por ser linguagem, o visual serve de ponte para o ser buscar o outro, verificar seus valores e, se houver reciprocidade, colocar-se em situação comum com os demais, comunicar-se. Neste viés, comunicar é a materialização de um elã vital do ser, que nasce de um aperfeiçoamento de sua cadeia genética que, diferente dos animais, busca desenvolver o subjetivo. Deste subjetivo, arquitetado das experiências com outros seres e do contato com o mundo, nascem as culturas humanas. O comunicar dado pela linguagem é a concretização no homem, de uma dimensão que o permitiu evoluir como espécie. Sua mente analisou e processou as informações do ambiente e pôs o homem em interação com os demais. Essa ação fez surgir no homem a consciência, testemunha do mundo, que organiza os padrões neurais de forma que possamos acessar o conhecimento (DAMÁSIO, 2011, p. 27). Esses processos que se dão na interação relacional com indivíduos da mesma espécie são entendidos pelas marcações simbólicas feitas pelo cérebro, e que permitem atribuir significado às coisas, aos eventos e ao outro, pois como afirma Meyer (2002, p. 78), na percepção, os objetos são reconhecidos pelo cérebro e, em seguida, reconstruídos, devido à capacidade de análise, síntese e hierarquização desse órgão: “Não é o olho, mas sim o cérebro que vê” (MEYER, 2002, p. 78). O mundo é percebido e compreendido sob tais condições fisiológicas, porém esse percurso, parte essencial no processo de comunicação pela imagem, ainda gera discussões e não encontrou consenso científico: A aptidão do cérebro humano para categorizar sensações e para receber bilhões de estímulos caóticos, diferentes de pessoa para pessoa e muitas vezes não identificáveis, garante 79 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Fabiano Maggioni a criação de um mundo perceptual e semântico próprio de cada indivíduo, de onde emergem o pensamento e linguagem. Esse esquema é pouco discutido pelos cientistas (MEYER, 2002, p. 17). O homem produz imagens no mundo (materiais) e em sua mente (mapas mentais), sendo elas objeto de linguagem essencial para sua compreensão do mundo e de sua existência nele. Damásio (2011, p. 87) explica, pelos pilares da neurociência, que o cérebro gere a vida através de mapas mentais, ou seja, ele colhe dados de fora, das nossas interações com pessoas ou objetos, e informa a si mesmo para definir as ações que o organismo tomará a partir de então. Tais mapas são formados, arquivados e retomados incessantemente pelo cérebro. Esse processo neural faz transitar imagens mentais que transportam informações de valor à consciência, para que o homem aja, tome decisões. A alimentação externa desses mapas se dá pela entrada da retina, que codifica as imagens percebidas do ambiente sob determinados aspectos emocionais daquele momento, e os envia ao cérebro. Padrões mapeados de estímulos visuais ou sonoros, por exemplo, constituem sensações de cheiro, gosto, prazer, dor, entre tantos outros, mas tudo isso em forma de imagens mentais, ou seja, o cérebro além de copiar a realidade externa e as ações dadas nela, as recompõe da mesma forma como captura, por imagens. “As imagens em nossa mente são os mapas momentâneos que o cérebro cria de todas as coisas dentro ou fora do nosso corpo...” (DAMÁSIO, 2011, p. 95). Neste universo instigante da imagem, a percepção humana é excitada de tal modo que o homem vê-se seduzido por uma conjunção estratégica de vários elementos visuais. Tais elementos constroem discursos que são produzidos e consumidos de tal forma que as culturas acabam por alargar a margem dispensada à imagem na composição de suas representações. Fenômeno das novas tecnologias de produção e circulação de imagens fixas e sequenciais, e que vem indagar os pensadores do icônico sobre como a imagem, está se consolidado como linguagem, de uma gramática ainda por ser organizada e conhecida. A notícia apresentada, posta em cena, demanda uma série de estratégias visuais, técnicas, estéticas, gráficas, sonoras, teatrais, entre outras. Ela vem embalada em um casulo imagético formidável. Estudar a imagem cinética requer tanto empenho quanto requer o estudo da imagem fixa. Não que o movimento destitua o valor da composição plástica da imagem fixa, mas sim, ele potencializa os significados da imagem por, além da alta iconicidade no caso da TV, aproximála mimeticamente da realidade. Nas palavras de Martin (2005, p. 46), “o enquadramento pode ser móvel, sem por isso perder o seu valor de composição plástica”. 80 Imagem: estratégia, discurso e sentido

O valor do centro na apresentação do telejornal: uma aproximação das artes e da neurobiologia Acreditamos ser de suma importância o mapeamento semiótico da imagem, esteja ela em qualquer dispositivo midiático, uma vez que acaba sendo linguagem de destaque entre as demais. A imagem aplicada no telejornalismo tem sido objeto de estudo de alguns pesquisadores no que diz respeito a sua aplicação na condução da reconstrução dos fatos, porém, os pontos de vista escolhidos em tais pesquisas não têm dado conta das capacidades de significação de suas linguagens plástica bidimensional, e sequencial. Analisar sentidos e tentar estabelecer um método para isso é um desafio. Eles são específicos ao contexto e não podem ser contados estatisticamente. A mensuração dos valores que os firmam é improvável, segundo Bauer e Gaskell (2008, p. 358). Porém, os mesmos autores indicam que para pesquisar imagens em movimento é necessário construir regras para a translação das informações visuais/verbais. Seguimos justamente esse aspecto neste trabalho, agrupando sentidos em suas características morfológicas de formação (discurso icônico), e sua indexação a valores culturais por meio de uma linguagem (semântica). Para chegar a tanto, é preciso percorrer a sintaxe de tais linguagens verificando suas nuances e capacidades de significação. Nesse contexto, a imagem demonstra poderosas ferramentas de constituição de significado, e em muitos casos, indo além da ancoragem do texto verbal, o superando. É justamente neste nível estratégico que trabalha a plasticidade da linguagem televisual, ao qual nos detemos neste trabalho, e cuja importância de significação, os autores Villafañe e Mínguez chamam a atenção ao definirem o significado plástico como o suprassumo da linguagem visual. A plasticidade da imagem prepara e convoca sentidos, uma vez que nela germinam os significados da estrutura básica da imagem, ou seja, sua estrutura icônica. É intrínseco a cada agente plástico, certo valor de significação em si mesmo, contrário do que acontece em outras linguagens que adquirem significado no conjunto de suas unidades, lembram os autores. Em outras palavras, a plasticidade de um telejornal é a prova de fogo de toda e qualquer intenção estética que vise estimular representações. Pois, como afirma Villafañe (2000, p. 166), qualquer qualificação de ordem visual, intentada sobre uma imagem, produz significação plástica, uma vez que o indivíduo tomou aquele objeto icônico como materialidade portadora de uma lembrança de realidade, e encontrou identidade em sua narrativa tornando-se assim, sujeito enunciatário de tal discurso visual. Ora, se aquele objeto é capaz de operar uma lembrança de realidade, ele está significando por sua essência de objeto (natureza plástica) e merece ser analisado sob tal natureza. Por isso, ressaltamos duas grandes correntes de significação: a semântica discursiva 81 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Fabiano Maggioni icônica, composta pelos elementos de materialidade plástica que são formadores da estrutura icônica; e a semântica discursiva verbal, analisada a partir das referências de realidade que produz no texto verbal e sua ancoragem ao visual, sendo que nos ateremos aqui à segunda semântica. Para conseguir extrair o potencial de significação icônica audiovisual da apresentação do telejornal é necessário recorrer, primeiramente, à teoria da imagem. Com ela, a condição existencial da imagem representada é dada pela presença material, em qualquer imagem fixa ou sequencial, de uma morfologia que considere o ponto, a linha, a textura, a forma, a cor e o plano. Estes são elementos de primeira ordem, que compõem a plasticidade da imagem. Da relação destes elementos, como o da linha com o plano que mostrarei adiante, surgem esquemas icônicos que elaboram uma composição visual. Da relação entre estes, é definido o espaço e o tempo da imagem. Sendo os elementos de características temporais, a tensão e o ritmo, e os de características espaciais, a dimensão, o formato, a escala e a proporção. Nas imagens sequenciais, sua constituição primeira se dará sob forte influência destes elementos. Porém, o elemento dinâmico “movimento”, ampliará as relações de espaço e tempo na imagem sequencial, através da ilusão cinética. O movimento na imagem é fator chave para trabalharmos a linguagem televisual. Entender o elemento icônico movimento, é saber que nas imagens fixas ele se constrói pela tensão e o ritmo, advindos da relação dos elementos morfológicos da mesma. Na imagem produzida em movimento, o sentido de movimento é criado pela cadência icônica, que elabora uma sequência. E, por sua vez, a sequência é formada da integração e relação de sucessivas unidades espaço/temporais (os fotogramas ou frames). 2. Definição do esquema icônico Primeiramente é necessário lembrar que na iconicidade da imagem existem relações espaço/temporais que constituem sua composição, e esta última possibilitará a significação plástica. Tais relações são dadas pelo ordenamento dos 13 elementos compositivos da imagem, a saber elementos morfológicos, dinâmicos e escalares, esse ordenamento compõe a primeira sintaxe da imagem. Em seguida, um segundo ordenamento, uma segunda sintaxe, constitui suas estruturas, que são as relações de espaço/tempo. Por último ocorre a significação plástica, no 82 Imagem: estratégia, discurso e sentido

O valor do centro na apresentação do telejornal: uma aproximação das artes e da neurobiologia contexto da composição da imagem icônica, quando a estrutura já agrupa elementos figurativos ou normativos que remetem o enunciatário a um contexto de referente real. Bem, à imagem televisual, podemos nomeá-la como uma imagem altamente icônica pela proximidade que tem com o real, uma vez que tenta a todo tempo construir valores de verdade. Sendo que ela compõe-se de natureza: MÓVEL - BIDIMENSIONAL PROJETIVA - SEQUENCIAL - DINÂMICA Há claramente uma hierarquização nos elementos plásticos da imagem televisual/ telejornalística que se dá em sua centralidade, no uso de cores do cenário e de elementos gráficos artificiais, na horizontalidade que a narrativa segue, entre outros. De início, posso afirmar numa observação empírica, que a imagem da apresentação do telejornal em questão, hierarquiza seu esquema icônico no uso que faz das cores, e sua estética de cenário, artes e figurino, como também, na harmonia e simplicidade dos elementos dinâmicos e escalares. Procurando sempre o senso de centralidade nos enquadramentos e de ritmo horizontal em suas sequências de imagens, evitando sempre que a ação fuja do campo cênico. Partimos então da imagem pronta e contemplamos primeiramente sua composição, o total de significado conquistado. Recordando Villafañe (2000, p. 177), na imagem os elementos visuais se ordenam, criam estruturas e produzem significações plásticas em um todo compositivo. A composição ativa e relaciona os elementos na imagem. Nossa percepção segue uma regra básica ao fruir uma imagem, a da simplicidade. Mesma regra que inteligentemente é observada por enunciadores visuais no momento da elaboração de imagens. A simplicidade é conquistada com o uso do elemento icônico mais adequado para determinada natureza de imagem e estabelece uma economia icônica agradável, no plano de representação plástica. Além das personagens e do cenário, elementos gráficos ajudam no equilíbrio central da imagem. É o caso na figura 1, do recurso gráfico das letras “JA” que partem das laterais do quadro até o centro, na abertura do jornal, para em seguida saírem pela mesma trajetória horizontal.

83 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Fabiano Maggioni

Figura 1 – Exemplo de aplicação da metodologia proposta Somado ao vetor de deslocamento da marca do jornal, a linha oblíqua que compõe tais letras, dá maior dinamicidade aos elementos da imagem (KANDINSKY, 2005, p. 115), conferindo fluidez pelo plano ocupado. A cor dourada espalha energia (efeito sinestésico) pelo plano plástico, também representando movimento na imagem. O conjunto de movimentação dos apresentadores e da câmera do telejornal “JÁ” (descrito na legenda da figura 1) alia-se ao sentido dinâmico e fluído que as notícias terão. Ou seja, as estratégias plásticas localizam o enunciatário e lhes dão coordenadas sobre como os sentidos das demais linguagens envolvidas (verbal, sonora, gestual) irão montar os discursos. 3. Centro geométrico e plástico Muito embora se trate de uma sequência de cenas que induzem ao movimento, a apresentação do telejornal compõe-se ininterruptamente em uma determinada cena real, que precisa ser pensada primeiramente em sua espacialidade. Neste sentido, por mais que a câmera mude seus movimentos e crie ângulos, o enquadramento sempre buscará a centralidade de seus personagens, objetos gráficos, composição de cenário, etc. Tais centralidades denotam condutas de objetividade, retidão, foco, etc. Estas estratégias de enquadramento ajudam o enunciatário a se deslocar e se colocar na enunciação televisual, normatizando seu ponto de vista e ditando posições dramáticas dos sujeitos-locutores através de sua colocação e deslocamento dentro do campo. Arnheim (1988, p. 18) explica pela psicologia a tendência do indivíduo à centricidade quando este, desde a infância, enxerga-se no mundo como o centro dele. Este se aproxima ou distancia-se das coisas, e sua visão autocêntrica acaba determinando suas ações e atitudes. Aos poucos, na relação que mantém em sociedade, começa a reconhecer que seu próprio centro é apenas mais um entre tantos outros, com os quais convive e que para isso, adota uma visão

84 Imagem: estratégia, discurso e sentido

O valor do centro na apresentação do telejornal: uma aproximação das artes e da neurobiologia mais excêntrica. Este pensamento dá base para o início das pesquisas de Arnheim sobre as forças cêntricas e excêntricas nas artes visuais. O centro vem a ser algo fecundado no íntimo do humano. A centricidade está tão contida na dimensão humana que, no fato biológico, as células nervosas que formam o sistema nervoso, crescem independentes. Somente depois terão prolongamentos (axônios) que permitirão estabelecer ligamentos com outras células próximas. Estas conclusões de Arnheim (1988, p. 23) encontram eco nas teorias de Damásio (2011, p. 53) para quem o organismo humano, multicelular, apresenta setores de células que se organizam e cooperam numa similitude que faz lembrar sociedades humanas, nas relações que mantém entre si. Tais células estão organizadas em redes neuronais que distribuem comandos para todo o corpo, e que partem de um centro. Se por um lado temos a necessidade de organizar a imagem em uma composição, por outro, é preciso entender que o que enxergamos nas composições visuais não são coisas ou simplesmente formas, mas, como cita Arnheim (1988, p. 21), vetores. Nesse ponto, é importante saber que a essência de um vetor é o seu deslocamento e a direção que assume. Nesse caso, no plano da plasticidade de composição da cena, os vetores podem convergir, gerando as composições cêntricas, ou podem tomar rumos diversos, distribuindo energia no plano de representação e constituindo uma composição excêntrica. Nas composições cêntricas, a energia do plano plástico está direcionada a um único ponto, é onde nosso olhar é “jogado”, no exercício da percepção. Quando há mais elementos na composição, essa energia divide o espaço plástico, caso da cena de apresentação do telejornal com dois âncoras. Ao mesmo tempo em que centralizam, dividem o espaço. Pode-se observar isso na Figura 2.

Figura 2 – Peso visual concentrado na bancada1 1 Imagens retiradas do telejornal disponível em http://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/ (2013).

85 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Fabiano Maggioni Vejamos que as telas atrás dos apresentadores são colocadas na forma horizontal e em suave perspectiva, como que formando um círculo que rodeia o set. este elemento compõe um quadro de fluidez horizontal na composição, harmonizando e unindo os demais elementos e dando movimento à cena, pelas linhas curvas que desenha. A linha produz tensões entre os elementos do plano por atuar sobre eles, já que, além de desenhar seu formato, dita a direção e a intensidade da energia no plano plástico2. Apesar de a bancada fixar os apresentadores no plano, pelo peso visual que exerce, ela também contém vetores em seu interior que convergem verticalmente para baixo, criando um centro de atração para o “pé” da bancada. Nesse arranjo, e segundo Arnheim (1988, p. 41), quanto maior o peso visual de um objeto, maior a atração que ele exerce sobre os demais. O peso aqui acaba fixando os âncoras na bancada. Discursivamente, está aí construído um sentido referencial de solidez, ou seja, os enunciadores falam de cima de uma base sólida e confiável. O enunciatário recebe elementos visuais que o ajudam a aceitar o conteúdo apresentado no programa. Estratégias que reforçam a persuasão. Na Figura 3 o telejornal é apresentado com os dois âncoras em pé. O chão ali está os localizando e fixando na cena. Neste cenário, como em boa parte dos cenários de telejornal, há elementos horizontais que percorrem o quadro. Na verdade são linhas horizontais postas em um plano prontas para receberem a grafia dos corpos. Detalhe é que, mesmo com as câmeras em movimento (travelling ou grua), e apresentadores entrando no quadro quando um convoca o outro, a centralidade e o equilíbrio visual são mantidos.

Figura 3 – Apresentação mais descontraída3 2 “A composição nada mais é, pois, que uma organização precisa e lógica das forças vivas contidas nos elementos sob forma de tensões” (KANDINSKY, 1997, p. 81). 3 Imagens retiradas do telejornal disponível em http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/jornal-do-almoco/ (2013).

86 Imagem: estratégia, discurso e sentido

O valor do centro na apresentação do telejornal: uma aproximação das artes e da neurobiologia Arnheim (1988, p. 30) esboça a mesma análise sobre um mosaico bizantino do século VI, Figura 4, onde denota o predomínio do sistema excêntrico nas figuras em pé como vetores verticais, e que estão presas ao solo, equilibrando forças tensivas na cena.

Figura 4 – Mosaico bizantino do Século VI4 Assim como Arnheim, outros teóricos da imagem debruçam-se sobre imagens fixas construídas durantes os séculos e tomando-as como objeto empírico, o que nos leva a concluir que, determinados esquemas icônicos usados pelos artistas na composição dos mosaicos do século VI, permanecem iguais na composição da cena televisual do século XI. Pensando assim, as pessoas percebem tais imagens sob os mesmos preceitos de plasticidade. Voltando à Figura 3, a cena deste telejornal é cheia de tensões, com linhas oblíquas, posições dos enunciadores em leve perspectiva (a mulher mais afastada que o homem), estes se movimentam, também ocorrem movimentos de câmera pelo set, entre outros. Porém, por mais que se tente “quebrar” o senso de composição estética deste gênero televisivo, o equilíbrio da centralidade é mantido. Parece que este é um valor que não se pode abrir mão e que o texto visual deve esforçar-se para obtê-lo incessantemente. É interessante analisar os centros de energia das imagens e sua relação com a composição. Tais centros irradiam energia pelo campo plástico, através dos vetores que movimentam linhas, em suas determinadas posições. Na Figura 5, o apresentador concentra a energia plástica da cena no centro da mesma. A atenção é focada ali, mas também dali emanam movimentos em diversas direções. Veja que, com seu deslocamento, saindo pela direita, ele divide o espaço plástico com o vídeo onde está a repórter.

4 Imagem disponível em http://bizantinistica.files.wordpress.com/2012/06/mosaico-teodora-sao-vital.jpg (2013).

87 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Fabiano Maggioni

Figura 5 – Deslocamento equilibrado pelo set5 O apresentador não está mais no centro geométrico da cena, mas sim, equilibrando as forças excêntricas com outra personagem. Nota-se também que aqui, apesar de todo movimento pelo set, o enquadramento permanece estável. Muito além de um padrão estético da emissora, estas estratégias reivindicam sentidos, e estes, vão constituir discursos, pois, o apresentador “desloca” o estúdio para ir ao encontro da repórter, ou, ir até a comunidade. São valores muito cultivados hoje em dia no telejornalismo para reforçar a identidade e proximidade com o público. Mas porque essa persistência em enquadrar a cena de modo equilibrado e centralizado? Que referência de real é buscada com isso? Talvez Damásio (2011, p. 97), possa explicar. Ele afirma que dentre as várias imagens que o cérebro coleta do mundo externo, existe uma escolha permanente, feita pela mente consciente, tal como a edição de imagens de um filme. O processo de percepção e rememoração dessas imagens atribui maior ou menor valor a determinadas imagens mentais dependendo do valor que elas têm para o indivíduo. O valor em questão é atrelado ao conjunto de predisposições que orienta a regulação da vida (DAMÁSIO, 2011, p. 97). Diante disso, o enquadramento televisivo que busca um equilíbrio central, é desejado justamente porque representa valor à vida dos indivíduos. O equilíbrio, a centralidade pode assim constituir-se como forma de negação da tensão, que composições desarmoniosas poderiam gerar na fruição das imagens. Tudo está no processo de regulação da vida. O homem constrói discursos, sejam visuais, verbais, sonoros, entre outros, como elementos de referência do real. Os enunciatários se deixarão persuadir por esses elementos por que identificam neles suas realidades e, nesta “conhecida” podem confiar. A indiferença, negação ou rejeição a determinados elementos de valor em discursos é reflexo da negação que o ser exerce à situações que comprometam sua sobrevivência. A centralidade televisual feita pela câmera parece ser familiar à ação inconsciente e permanente 5 Imagens retiradas do telejornal disponível em http://g1.globo.com/videos/distrito-federal/dftv-1edicao/ (2013).

88 Imagem: estratégia, discurso e sentido

O valor do centro na apresentação do telejornal: uma aproximação das artes e da neurobiologia do ser, feita pelo mecanismo do olho, que enxerga, enquadra e organiza a realidade. BIBLIOGRAFIA ARNHEIM, R. O poder do centro: um estudo das composições nas artes visuais. Lisboa: 70, 1988. BAUER, M. W.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petropolis: Vozes, 2008. DAMÁSIO, A. R. E o cérebro criou o homem. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. GADAMER, H.G. Verdade e Método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. KANDINSKY, W. Ponto e linha sobre o plano. São Paulo: Martins Fontes, 2005. KOSSOY, B. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002. MARTIN, M. A linguagem cinematográfica. Lisboa: Dinalivro, 2005. MEYER, P. O olho e o cérebro: biofilosofia da percepção visual. São Paulo: Editora UNESP, 2002. VILLAFAÑE, J. G. Introducción a la teoria de la imagen. Madrid: Pirámide, 2000. ______; MÍNGUEZ, N. Principios de teoria general de la imagen. Madrid: Pirámide, 2002.

Estudo realizado com o apoio das agências Capes/Fapergs, como parte de pesquisas desenvolvidas desde 2012 no curso de doutorado em comunicação na UFSM. 89 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Voando com a Vaca: narrativas do traço nas Tiras de Verão de ZH Tammie Caruse Faria Sandri RESUMO

ABSTRACT

Uma linguagem própria do desenho, com sua gramática, estratégias e efeitos. Esse artigo objetiva analisar as particularidades da narrativa da imagem em série, tomando os elementos que a compõem e conferem certa unidade às histórias em quadrinhos. Como objeto de estudo, as tiras da Vaca Voadora, personagem principal da série Carnaval, do cartunista brasileiro Wagner Passos. A série nasceu na Internet, no blog Baú do Pirata, do autor, e depois ganhou as páginas do jornal Zero Hora, em tiras inéditas, em fevereiro de 2011, como uma das vencedoras da promoção Tiras de Verão. A partir da Hermenêutica de Profundidade, de Thompson (2009), a análise aplica a proposta de Villafañe (2000) para o estudo da imagem, valendo-se também de outros autores na área, como Peruzzolo (2004, 2006). Integrando a análise, a narrativa do autor e do público, no blog, sobre a personagem.

A language of design, with its grammar, strategies and effects. This article aims to analyze the peculiarities of the visual narrative of comics, taking the elements that compose it and give some unity to its. The study object is the comics of Flying Cow, main character of Carnival series, by brazilian cartoonist Wagner Passos. The Carnival series appears on the Internet, at “Baú do Pirata” blog, by Passos, and goes to the Zero Hora newspaper, at february 2011, as one of the winners of the promotion of Summer Comics. The analysis uses the Hermeneutics by Thompson (2009) and applies the assumptions proposed by Villafañe (2000) to study the image, also taking other authors in the area, like Peruzzolo (2004, 2006). To complete the analysis, the nararative if the author and of the public about the Flying Cown, on the blog.

Palavras-chave Teoria da Imagem. Quadrinhos. Narrativa visual. Realismo fantástico.

Keywords Image Theory. Comics. Visual narrative. Fantastic.

Tammie Caruse Faria Sandri

| Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria-UFSM. Jornalista do quadro técnico-administrativo em educação da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Rio Grande-RS-Brasil. [email protected]. 90 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tammie Caruse Faria Sandri Introdução As tiras da Vaca Voadora, personagem principal da série Carnaval, de Wagner Passos, servem de objeto de estudo para analisar a narrativa da imagem em série. A fim de atingir esse objetivo, o estudo segue a metodologia da Hermenêutica de Profundidade, abordando as categorias formas simbólicas (imagens), narrativa (e a subcategoria história em quadrinhos) e significação (e as subcategorias realismo fantástico e elementos compositivos). A análise dos elementos compositivos é feita a partir da proposta de Villafañe (2000) para o estudo da imagem, levando em consideração, de forma complementar, outros autores como Peruzzolo (2004, 2006), Dondis (2007), Kandinsky (1997), Joly (2009) e Ostrower (2004). A opção pela Hermenêutica de Profundidade se faz pelo estudo contemplar o enfoque tríplice de Thompson (2009), atentando para a produção e difusão das formas simbólicas (imagens de histórias em quadrinhos), para a construção da mensagem e para a recepção e apropriação da mensagem, ao analisar a narrativa das tiras, os elementos que a compõem e as narrativas do público, pelo espaço de comentários do blog, e do autor, nas postagens e comentários do blog. Vergueiro e Santos (2007), em retrospectiva histórica sobre o estudo das narrativas sequenciais gráficas, apontam a existência de espaço para ampliação de pesquisas voltadas aos aspectos técnicos e estéticos da linguagem gráfica sequencial, e, em seu modelo estrutural para o estudo dos quadrinhos, acreditam que devam ser considerados quatro aspectos delineadores: o enfoque, o foco, o método e a técnica. Assim, o enfoque no produto cultural (forma simbólica) tiras da Vaca Voadora, da série Carnaval, leva ao foco relacionado ao estudo do conteúdo visual e/ou verbal da mensagem, que leva a elucidar a produção de sentido a partir da semiologia, tendo como técnica de pesquisa a análise semiótica. Na perspectiva de Joly (2009, p.29), “abordar ou estudar certos fenômenos em seu aspecto semiótico é considerar seu modo de produção de sentido, ou seja, a maneira como provocam significações, isto é, interpretações”. Assim, o estudo se preocupa com a produção de sentido e o processo de significação da narrativa em série presente nas tiras da Vaca Voadora. A partir da série Carnaval apresentada no blog, o corpus é formado pelas 20 tiras da Vaca Voadora e as demais tiras de As Sardinhas, publicadas no jornal Zero Hora (ZH), pela promoção Tiras de Verão, em fevereiro de 2011. A título de exemplificação da análise, são apresentadas três das tiras da Vaca Voadora: a primeira em que a personagem aparece, a primeira em que a Vaca Voadora começa a dividir o cenário com o personagem Bem-te-vi e a última 91 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Voando com a Vaca: narrativas do Traço nas Tiras de Verão de ZH da série. O que contempla os critérios definidos por Bauer e Aarts (2008) para a escolha do corpus: a relevância (a partir da problemática da narrativa em série e a temática do fantástico); a homogeneidade (uma vez que considera apenas as tiras da série Carnaval); e a sincronicidade (com a apresentação dos exemplos dentro de um nicho determinado de tempo - início, meio e fim - visando à totalidade da análise). Também para exemplificação, é apresentada uma das tiras de As Sardinhas. 1. A Vaca Voadora Vacas não voam. Só no realismo fantástico das tiras de histórias em quadrinhos da série Carnaval, de Wagner Passos, desenhista, animador e ilustrador nascido em Rio GrandeRS. A Vaca Voadora, personagem principal da série, surgiu no segundo semestre de 2010 e foi divulgada primeiramente no blog do autor, O Baú do Pirata (http://wagnerpassosblog.blogspot. com.br). Ao final do mesmo ano, a série concorreu, com a tira “Topless”, à promoção Tiras de Verão do jornal Zero Hora, que escolheria dois artistas para ilustrar, durante os meses de janeiro e fevereiro de 2011, a sessão de quadrinhos da página 7 do Segundo Caderno, junto a obras de Mauricio de Sousa, Iotti e Fernando Gonsales, entre outros. Carnaval foi uma das vencedoras, junto com a série “Filé de Gato”, de Carla Pilla1, e teve tiras inéditas publicadas no jornal durante todo o mês de fevereiro, de segunda a sábado. Essas tiras, depois de publicadas no jornal, foram postadas pelo autor no blog, de onde o corpus foi coletado. Como imagens, as tiras se inserem na categoria formas simbólicas, descrita por Thompson (2009) como ações e falas, imagens e textos produzidos e reconhecidos como construtos significativos, ou seja, passíveis de interpretação. Quanto ao reconhecimento e a interpretação, para Debray (1992, p.38), tudo vem do invisível e retorna ao invisível, “representar é tornar presente o ausente”. Também Wolff (2003, p.23) explica que fazer e compreender imagens equivale, na realidade externa, ao poder interno do homem de “tornar presente [...] a aparência visível das coisas que não estão presentes”. Nesse sentido, Villafañe (2000, p.30-31, tradução minha) considera que toda imagem “possui um referente na realidade independente de qual seja seu grau de iconicidade, sua natureza ou meio que a produz”, constituindo-se, assim, num modelo de realidade. O processo de significação está diretamente ligado a essa modelização. Como explica 1 Ambos vencedores integram a Grafar - Grafistas Associados do Rio Grande do Sul.

92 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tammie Caruse Faria Sandri Peruzzolo (2004, p.95), a leitura de um texto linguístico ou icônico “é sempre um percurso que segue a remissiva de signos para signos”. Ou seja, há sempre uma recomposição entre o que se vê representado na mensagem e seu referente na realidade. Essa recomposição se faz a partir de sentidos pré-elaborados na ação constante de colher e interpretar informações do meio, pelos mecanismos de percepção e representação, para o nosso devir (PERUZZOLO, 2004, 2006). Quanto ao processo de significação, Villafañe (2000) considera que uma imagem supõe sempre uma seleção da realidade, um repertório de elementos factuais e uma sintaxe. De forma semelhante à sintaxe reivindicada por Villafañe para as imagens, Tomachevski (1976, p.169), ao falar sobre narrativa literária, considera que “as frases particulares combinam-se entre si segundo seu sentido e realizam uma certa construção na qual se unem através de uma ideia ou tema comum”. Embora o termo narrativa tenha surgido pelo viés verbal, da retórica de Aristóteles, também os estudos sobre imagem ocupam-se do encadeamento entre as diferentes partes, da representação da realidade e dos efeitos de sentido produzidos. Algo do que se busca com esse artigo a partir de tiras de histórias em quadrinhos. Essa subcategoria de análise é definida por Fonseca (1999, p.27) como “meio de expressão gráfica que se caracteriza pela forma de narrativa feita pela seqüência de figuras desenhadas”, tendo como elemento básico o painel. O painel, por sua vez, é definido como “desenho simples, encerrado em uma moldura geralmente retangular ou quadrada, que fica ao mesmo tempo isolado e em relação íntima com os outros painéis da sequência”. A Vaca Voadora surgiu como personagem de quadrinhos antes da criação da série Carnaval, porém, já com o intuito de protagonizar uma narrativa em série. A sequência de ações necessária para a construção de uma narrativa, bem como para a narração em série, traz consigo a problemática sobre a continuidade, algo que estava presente desde o nascimento da personagem e foi partilhado por Passos (online, 2010) no blog: Não sei se todo desenhista que se propõe a fazer tiras passa pelo drama da continuidade. Esse drama sempre foi minha tormenta, as vezes vinham cinco, seis, dez ideias que eu gostava, mas pensava: e depois? Depois o espírito era outro, aquilo que parecia ter graça antes não tinha mais e aí surge o drama. Entre tantos personagens voadores um dia me veio na mente “A Vaca Voadora”. Sim, vacas não voam, mas a minha voa... mas ela não pode passar uma vida inteira voando, ela precisa comer, ordenhar, deitar na grama, é inadimissível (sic) fazer 100 tiras com uma vaca voando, nem eu tenho saco pra isto. Então no meio de vários e vários personagens que nascem no meio da noite, caminhando na rua, dirigindo por ai, pensei: Por que não uma série de tiras sem personagem fixo desses devaneios? E como vou chamá-las? De repente, assim como

93 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Voando com a Vaca: narrativas do Traço nas Tiras de Verão de ZH os personagens, veio o nome, algo meio loco (sic) e bagunçado ao mesmo tempo, nada melhor que Carnaval. Então tá... quem estrela hoje é A Vaca Voadora, amanhã não sei.

A preocupação com a continuidade da narrativa em série, pela possível falta de novas ideias, impossibilitando a longevidade da personagem, parece ter encontrado solução na associação da personagem principal a outros personagens, na miscelânea de tiras intitulada Carnaval. A iminência do fim, porém, se manteve discretamente na expressão, embora de tendência agregadora, “amanhã não sei”. Ainda, o fantástico integra o drama da continuidade. Presente desde a concepção da personagem, o fantástico pode ser percebido na expressão “vacas não voam, mas a minha voa...” e se problematiza diante da dificuldade do desenhista em vislumbrar o futuro da narrativa, ao afirmar que a personagem “não pode passar uma vida inteira voando, ela precisa comer, ordenhar, deitar na grama”. Mas se a vaca voa, se é essa a condição de existência da personagem, por que querer introduzir em sua história elementos da realidade? Quando Todorov (2004) teoriza que o fantástico se forma ao quebrar as leis aceitas como naturais, reforça que ele tematiza a obra e se constitui numa maneira de lê-la, tendo como base a ambiguidade, a incerteza. Se o fantástico possibilita o hesitar entre o natural e o sobrenatural, um hesitar partilhado pelo leitor e personagem, na decisão se o que percebem depende ou não da realidade (TODOROV, 2004), a hesitação parece aqui ser comum também ao desenhista, que igualmente precisa decidir se o efeito de sentido que pretende produzir depende ou não da realidade e se dependerá ao longo da narrativa. Por que não voar a vida inteira? Também da literatura vem a teorização sobre o que pode ser constante e o que pode ser variável em personagens do realismo fantástico. Ao analisar contos fantásticos, Propp (1976, p.246) observa que “as funções dos personagens representam constantes, mas todo o resto pode variar”. Pela lógica da narrativa fantástica, a Vaca pode voar a vida inteira. O drama de continuidade não se limita ao número de tiras, à extensão da série, ou ao tema da personagem, mas ao tema da narrativa e aos temas de suas partes, enfim, ao até quando o fantástico conseguirá sustentar a narrativa sem precisar recorrer à realidade. Mais uma vez a teoria da literatura auxilia, lembrando, por Propp (1976, p.252), que o conto fantástico “é relativamente pobre em elementos pertencentes à vida real” e que o problema da conexão entre esse tipo de conto e a vida diária (no caso da Vaca Voadora, o “comer, ordenhar, deitar na grama”) pode ser resolvido somente com “a condição de não esquecermos a diferença

94 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tammie Caruse Faria Sandri entre realismo artístico e a existência de elementos provenientes da vida real”, sendo um erro procurar na vida real correspondência com essa narrativa. Ou seja, na narrativa fantástica, assim como nas imagens ou toda forma de narrativa ficcional, têm-se elementos referentes de real, modelizados de real, mas não o real verdadeiro. Essa distinção pode ser compreendida a partir da abordagem sobre verdade e verossimilhança, de Aristóteles. Conforme Leite (1985), a verdade nem sempre convence o leitor, pois pode desrespeitar convenções necessárias ao conjunto da obra, e a verossimilhança parece ser verdadeiro pela coerência da representação-apresentação. Retornando à Todorov (2004, p.48) e à incerteza, o fantástico existe justamente entre dois gêneros vizinhos e é o leitor quem decide o peso das leis da realidade no efeito de sentido, que penderá mais a um dos gêneros. “Se permanecem intactas e permitem explicar os fenômenos descritos, dizemos que a obra se liga a um outro gênero: o estranho. Se, ao contrário, decide que se devem admitir novas leis da natureza, pelas quais o fenômeno pode ser explicado, entramos no gênero do maravilhoso”. Quanto mais real, mais pende ao estranho. Pelas leis da realidade, não há explicação racional para o voo da Vaca e exatamente por isso não soa estranho. A função da personagem na narrativa pende para o gênero maravilhoso, em que o leitor aceita, sem surpresa, uma nova lei. A Vaca pode enfim, voar. 2. Elementos da narrativa em série Se a Vaca da série Carnaval pode voar, o processo de significação da narrativa precisa produzir efeitos de sentido capazes de transmitir a parecença de verdade, o que, numa imagem, é construído pelos elementos que a compõem. Villafañe (2000) divide os elementos de uma imagem em morfológicos, dinâmicos e escalares, que se articulam para produzir significação. Os elementos morfológicos são os únicos com presença material e tangível na imagem. Os demais elementos, imateriais, surgem a partir das representações plásticas e dizem respeito aos efeitos de sentido por elas provocados. Os morfológicos são de natureza espacial e dividem-se em seis: ponto e linha (unidimensionais), plano, forma, cor e textura (superficiais, pois implicam em duas ou três dimensões). São capazes de assimilar outros elementos, ou seja, se relacionam e constituem outros, tais como as frases na narrativa verbal. Os elementos dinâmicos dividem-se em movimento, tensão e ritmo, não estão representados fisicamente na imagem, mas conferem a ela a natureza dinâmica da realidade, associada à estrutura de temporalidade. Os elementos escalares são divididos em dimensão, formato, escala e proporção e dizem respeito à estrutura de

95 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Voando com a Vaca: narrativas do Traço nas Tiras de Verão de ZH relação de uma imagem. Possuem, portanto, uma natureza relacional e influenciam o resultado visual da imagem, sendo responsáveis pela harmonia. A seguir, a primeira tira da série e a estreia da Vaca Voadora nas páginas do jornal Zero Hora.

Fig.1: A primeira tira na Zero Hora Fonte: Baú do Pirata, blog do autor Logo na primeira aparição para o público do jornal, a Vaca Voadora divide a cena com um passarinho, que parece pegar carona com ela, reforçando o caráter de verossimilhança entre o voar dos dois personagens. Na narrativa verbal, a frase “Você já ajudou alguém hoje?” desperta a reflexão e destaca a ambiguidade entre a ação da Vaca Voadora para com o passarinho, na narrativa fantástica da tira, e uma possível ação do leitor, na realidade. Mais uma vez se faz presente o efeito de sentido de verossimilhança, a partir da dúvida existencial comum à personagem e ao leitor. Na narrativa visual, o cenário é composto de maneira simples: apenas chão, céu e personagens são necessários para contar a história, seja no exemplo acima, seja na maioria das tiras. Ponto, linha, cor e textura se integram, criando superfícies, para produzir efeitos de sentido como a leveza do céu e a tatilidade do gramado. A tatilidade, conforme Joly (2009, p.102), é característica capaz de “aquecer”, de tornar “mais sensual” uma tela, aproximando o espectador. As diferentes superfícies e o efeito de sentido de profundidade, criado a partir das linhas, contribuem para a representação plástica do elemento plano, cuja principal força, segundo Villafañe (2000), é a representação das dimensões existentes no mundo real, superando o ponto de vista único da representação espacial. Também os tons, que “reforçam a aparência de realidade através da sensação de luz refletida e sombras projetadas” (DONDIS, 2007, p.63), contribuem para o sentido de profundidade. Assim, os personagens, em cores mais claras e uniformes, e o chão, em tom aberto de verde, parecem mais próximos do leitor, funcionando o céu, em cores mais difusas, como fundo. 96 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tammie Caruse Faria Sandri A cor do céu, não puramente azul, transita pela gama azul-verde, associada ao céu, gelo e frio (Ostrower, 2004) e indicativo de distância (Dondis, 2007). Como resultado, a Vaca parece estar distante do gramado, no céu. Vários pontos marrom-claro são justapostos sobre o fundo da gama azul-verde, criando a ilusão de tom mais fechado, musgo, puxando para o verde. Pela propriedade da cor auxiliar, de maneira modesta, a preservar a identidade visual de um objeto da realidade (VILLAFAÑE, 2000), é como se o céu da Vaca Voadora quisesse incorporar o verde do gramado, como se a função fantástica de voar da personagem se assemelhasse à função real de pastar de uma vaca. Esse efeito de sentido é provocado em 15 tiras. A intensidade do verde varia, pela menor justaposição, em apenas três dessas tiras, mais próximas do final da série, para um tom um pouco mais aberto, próximo do azul celeste. Nas demais cinco, o tom do céu varia, conforme a temática abordada na tira, entre o vermelho-alaranjado, o preto, o cinza e o azul petróleo claro, nesse último caso, também em duas tiras mais próximas do final da série. Em todas, com exceção do céu em preto, representando a noite, estão presentes os vários pontos marrom-claro justapostos sobre a cor de fundo do céu. Além da cor, também a forma é capaz de preservar a identidade visual de um objeto e está relacionada às suas características imutáveis. A forma é descrita por Villafañe (2000) como a “forma estrutural”, que corresponde à estrutura visual do conteúdo, às características permanentes dos objetos que garantem o seu reconhecimento, estando diretamente ligada à simplicidade. Isso porque o reconhecimento se faz a partir da tendência à simplificação no processo de percepção (VILLAFAÑE, 2000). Devido a essa tendência, a imagem, que modeliza o real, é percebida como semelhante ao real, mesmo não contendo todos os detalhes do referente. Em outras palavras, a forma vista na imagem é reconhecida a partir de uma simplificação perceptiva em relação à forma real. A forma da mancha marrom no lombo da Vaca Voadora remete às manchas da raça holandesa. Folhas de grama são pontiagudas na realidade e na tira são representadas por pequenas linhas finas e verticais. Também as formas arredondadas de vacas na realidade são representadas na tira pela linha arredondada do lombo e pelos círculos do úbere e do focinho. A partir da abordagem de Villafañe (2000) sobre simplicidade estrutural, uma imagem será mais facilmente reconhecida e lembrada quanto mais simples. Como resultado da aplicação de métodos de análise da simplicidade estrutural propostos pelo autor, a imagem isolada é mais simples e mais suscetível à retenção na memória do que a imagem sequencial, exceto se tiver mais e complexos elementos do que a segunda. Entre as imagens fixas, é sempre mais simples a com menor número de elementos em cena. Para as sequenciais, o grau de simplicidade é maior 97 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Voando com a Vaca: narrativas do Traço nas Tiras de Verão de ZH se forem menores o número de elementos em cena, o número de quadros e o número de quadros por linha (SANDRI, 2011a, 2011b). Com isso, o reconhecimento da Vaca Voadora perante seu referente na realidade, a interpretação como narrativa verossímil e a retenção da personagem na memória do leitor, são facilitados pelas tiras apresentarem apenas um painel, como imagem isolada, poucos elementos em cena e, dentre esses, poucos elementos de estrutura complexa. Os efeitos de sentido do painel isolado são abordados também a partir dos elementos dinâmicos, introduzidos com a análise da Fig.2:

Fig.2: Nasce mais um personagem: o filósofo Bem-te-vi Fonte: Baú do Pirata, blog do autor Na apresentação do novo personagem Bem-Te-Vi, a narrativa verbal apresenta o primeiro sinal de surpresa diante do fantástico: “Ei, vacas não voam.” A interjeição do novo personagem cumpre o papel de chamar a atenção para o aviso realista de que a ação de voar da personagem principal não é pertinente (como se fosse pertinente com a realidade pássaro e vaca conversarem...). Na continuidade da fala, a sutil advertência “O que você pensa que está fazendo?!”, em que os pontos de interrogação e exclamação representam a incerteza e o espanto diante de uma Vaca Voadora. Em resposta, o “Pensando...” indica, por meio dos três pontos e do uso do mesmo verbo presente na pergunta, certa ironia na fala da personagem principal, bem como, pelo uso do gerúndio, o efeito de sentido de continuidade da ação de pensar. As narrativas gráficas (imagens fixas) não comportam a significação para o elemento dinâmico movimento, próprio de narrativas audiovisuais (imagens móveis). É desse elemento, porém, que se extrai a noção de temporalidade da ação, como “a estrutura de representação de tempo real através da imagem” (VILLAFAÑE, 2000, p.138, tradução minha). No tempo da imagem, a modelização do tempo real é construída no esquema temporal passado-presentefuturo, que, além das narrativas audiovisuais, encontra representação nas narrativas gráficas sequenciais, por meio da ordenação sintática. Com a representação do esquema temporal passado-presente-futuro, a natureza das imagens sequenciais é a narrativa (VILLAFAÑE, 2000, p.140-142), ao passo que as imagens isoladas são mais descritivas, embora possam comportar 98 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tammie Caruse Faria Sandri elementos de narrativa. A temporalidade nas imagens isoladas das tiras da Vaca Voadora é a do tempo da ação, representada no presente. Pela disposição dos elementos morfológicos na Fig.2, o efeito de sentido é de que primeiro o Bem-Te-Vi fala para depois a Vaca Voadora responder, ações que se completam num único painel. A função que o movimento cumpre nas imagens móveis é exercida nas imagens fixas pela tensão, “a variável dinâmica das imagens fixas” (VILLAFAÑE, 2000, p.146, tradução minha). A tensão se expressa no equilíbrio instável obtido pela compensação das tensões particulares dos elementos compositivos da imagem, como pontos e linhas, que criam vetores de direção. Nas tiras da Vaca Voadora, linhas extensas, com ondulações, acompanhadas de círculos em formato de pequenos pontos, se intercalam, atravessando quase a totalidade do painel. Os vetores de direção funcionam, como destaca Ostrower (2004, p. 54), “como setas, dirigindo nossa atenção”. Produzem o efeito de sentido de ação, de dinamicidade da imagem. Direcionando o olhar, essas linhas onduladas são responsáveis por uma leve tensão visual, produzem a sensação de deslocamento do ar (por exemplo, o vento), de que algo se mexe, conferindo verossimilhança à personagem voadora. As linhas curvas duplas em torno das patas da Vaca e do bico do passarinho reforçam o sentido de suspensão, pela tensão visual, como “aspas” no ar. Essas linhas duplas em torno dos personagens são recorrentes na maioria das tiras, como indicativos do voo, do estar pairando, flutuando, distante do chão. Tanto as linhas extensas onduladas como as linhas duplas compõem também o ritmo da imagem, elemento que, como a tensão, é fruto da abstração do observador (VILLAFAÑE, 2000). Elas marcam os dois componentes do ritmo: a periodicidade (constância de elementos/ grupos idênticos) e a estruturação (variável, livre, na disposição dos elementos que se mantêm recorrentes). O pairar, o flutuar no ar, provocado pelas linhas curvas, aliado à leveza provocada pelas linhas extensas onduladas, bem como o painel único, sem passagem de tempo no esquema passado-presente-futuro, marcam o ritmo lento da narrativa, apropriado ao caráter filosóficoambiental das temáticas abordadas em cada tira. No processo de significação, os diferentes elementos se integram para produzir sentido, seus efeitos se interligam, perpassam diferentes aspectos da narrativa visual, ficando difícil estabelecer os limites do que é atribuído a cada um, enfim, fixar distinções estanques entre as responsabilidades. Como a Vaca, também os elementos flutuam entre as significações. Na discussão dos elementos escalares, a partir da Fig. 3, essas intersecções, cruzamentos, são evidenciados.

99 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Voando com a Vaca: narrativas do Traço nas Tiras de Verão de ZH

Fig.3: Mais uma história feliz... Fonte: Baú do Pirata, blog do autor A noção de temporalidade, abordada na análise sobre a dinamicidade, pode ser aprofundada na seleção espaço-temporal do elemento escalar formato. Para Villafañe (2000), esse elemento define o enquadramento e condiciona o resultado visual da composição. É o espaço de representação, (o plano original de Kandinsky, 1997), que pressupõe uma relação (ratio) entre seus lados vertical e horizontal. Formatos de ratio curto (ou altos) são descritivos. Formatos longos de ratio (ou baixos) são mais apropriados à narração, ao possibilitarem, por exemplo, criar direções e ritmos. Por isso, mesmo não apresentando quadros sequências, as imagens isoladas das tiras da Vaca Voadora se prestam à narrativa. Conforme Kandinsky (1997) quanto mais alto o formato, mais tenso e instável o efeito de sentido, que, por sua vez, será de menos tensão no formato longo. No caso das imagens analisadas, o efeito de sentido de tensão é leve, fraco. Esse tipo de formato, longo, evoca ainda a estabilidade da referência horizontal-vertical, “referência primária do homem, em termos de bem-estar e maneabilidade” (DONDIS, 2007, p.60). A estabilidade também é um efeito de sentido provocado pela disposição horizontal das linhas extensas onduladas presentes nas tiras. Na Fig.3, as linhas extensas onduladas aparecem em menor número, em relação às demais tiras do corpus, e a estabilidade é reforçada pelas linhas horizontais dos fios de luz. Vaca Voadora e Bem-Te-Vi não apresentam as linhas curvas representativas do pairar, flutuar no ar. Ambos repousam sobre os fios de luz. É a vez dos filhotes flutuarem, renovando o aspecto fantástico da narrativa. A representação dos filhotes é feita através da escala, elemento que possibilita modificar o tamanho de um objeto sem afetar seus traços estruturais. As características dessa fantástica espécie animal são representadas nas manchas e formas arredondadas da Vaca Voadora e nas cores amarela do peito e cinza, com listra branca, da cabeça do Bem-Te-Vi. Embora filhotes, são representados em dimensão (tamanho) semelhante ao da Vaca e do Bem-Te-Vi, numa escala intermediária. É também a partir do uso da escala, que a Vaca apresenta dimensão semelhante 100 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tammie Caruse Faria Sandri a de um passarinho, podendo pousar, sem pesar, nos fios de luz. A dimensão, nessa tira, exerce as funções plásticas de hierarquia, profundidade e impacto visual. Como personagem principal, é pela dimensão que a Vaca Voadora se destaca diante do Bem-Te-Vi. A perspectiva criada pelas linhas diagonais da madeira posicionada no alto dos postes produz um efeito de sentido de profundidade, que se repete na disposição dos fios de luz. Assim, é possível identificar claramente o poste à direita em primeiro plano, o poste à esquerda em segundo plano, e a disposição dos personagens conforme as linhas retas que representam os fios de luz: um dos filhotes mais à frente em relação ao Bem-Te-Vi, o Bem-Te-Vi mais à frente em relação à Vaca Voadora, a Vaca Voadora mais à frente do segundo filhote, e este mais à frente do terceiro filhote, ao fundo. O efeito de sentido de profundidade é também provocado pela disposição dos personagens no espaço de representação. A disposição resulta em áreas mais leves e mais pesadas nesse espaço, relacionadas, de acordo com Lima (1989, p.41), com o tipo de tensão gerada: “1. alto, tensão em direção ao céu; 2. esquerda, tensão em direção ao distante; 3. direita, tensão em direção a casa (1º plano); 4. baixo, tensão em direção à terra”. O posicionamento na Fig.3 e a relação com as tensões, de Lima (1989), aproximam-se da regra dos três terços, para a composição de imagem fotográfica e remetem à seção áurea e ao elemento proporção. Para Villafañe (2004, p.281), ainda não se encontrou uma “proporção ideal”, mas a mais apropriada ou adequada, conforme o princípio básico da percepção, será a mais simples. Nas tiras do corpus, não foi observada desproporção na relação quantitativa entre objetos e personagens e as partes que o constituem, porém, a noção de proporção foi explorada graficamente na disposição dos elementos compositivos dentro do espaço de representação. Considerando a secção áurea, os personagens e objetos estão posicionados em áreas nobres da imagem, onde há equilíbrio perfeito de relações quantitativas (LIMA, 1989). Na Fig.3, o posicionamento à direita e a dimensão dos filhotes e do ninho de passarinho remetem a uma proximidade. Já no posicionamento da Vaca, do Bem-Te-Vi e do outro poste à esquerda, o efeito é de distanciamento, reforçando a profundidade, o estar mais atrás. Todos os personagens estão posicionados no alto, gerando tensão em direção ao céu. O posicionamento dos personagens no alto também é característico de todas as tiras, reforçando o sentido de voar. Na família, onde o gado torna-se tão passarinho, o céu é mais azul. Não é mais pasto, abandonando a gama azul-verde. A Vaca – e seus filhotes - realmente voam.

101 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Voando com a Vaca: narrativas do Traço nas Tiras de Verão de ZH 3. O encontro das narrativas As tiras da personagem Vaca Voadora apresentam uma narrativa em série própria dentro da série Carnaval, composta também por tiras das personagens As Sardinhas. A identidade das tiras que compõem o corpus é construída pela reiteração dos elementos morfológicos, dinâmicos e escalares, a cada novo painel. Cores, linhas, formas, tensões, entre outros elementos, conferem unidade às partes (tiras) da narrativa. Funcionam ainda como potencializadores do efeito de sentido de continuidade, drama cuja solução perpassa, para além da extensão da série, dos temas abordados ou da manutenção do fantástico frente ao real, os próprios elementos compositivos visuais. São eles que firmam o encadeamento entre as tiras, conformando a narrativa em série, como é possível observar a partir da Fig.4.

Fig. 4: Ali, onde a fralda bóia Fonte: Baú do Pirata, blog do autor Como elemento comum, os vários pontos marrom-claro justapostos sobre a cor de fundo do painel estão presentes tanto nas tiras da Vaca Voadora como nas de As Sardinhas. A cor de fundo das tiras de As Sardinhas, representando o oceano, é o verde-mar, muito próximo do tom da gama azul-verde utilizada para representar o céu na maioria das tiras da Vaca Voadora. Nisto reside um dos elementos de unidade visual das tiras. O formato horizontal dos paineis e a simplicidade estrutural dos personagens/objetos representados também contribuem para o sentido de unidade na série Carnaval. Esse tipo de representação é comentado no blog pelo leitor/autor Paquiderme2 (apelido de Anderson Mendonça) como um estilo de desenho de Passos, em 21 de setembro de 2010, quando a série ainda não havia sido publicada no Jornal Zero Hora. A frase “Gostei do estilo tri simples!” demonstra que as estratégias do autor na composição dos desenhos, cumprem o propósito de tendência à simplicidade na percepção do leitor. 2 Esses leitores são também desenhistas, embora não se identifiquem como tal, nem deixem pistas nos comentários, por palavras que remetam a essa identificação. São conhecidos pela pesquisadora como integrantes do Grupo de Estudos em Animação da Universidade Federal do Rio Grande (GEA/FURG), no qual Wagner Passos desenhou e dirigiu alguns trabalhos.

102 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tammie Caruse Faria Sandri Essa tendência também é percebida pelo leitor/autor Alisson Affonso3 e evidenciada no comentário “Leves e agradáveis...vai dar um bom álbum!” postado no blog em 24 de setembro de 2010. A opinião expressa nas palavras “Leves e agradáveis” remete às formas arredondadas das linhas, estruturalmente mais simples do que formas angulosas. A opinião “vai dar um bom álbum!” remete à importância, para a continuidade da narrativa, da lei básica da percepção abordada por Villafañe (2000), de que são mais facilmente percebidas, lembradas e retidas na memória as imagens mais simples, ao passo que quanto mais complexas as imagens, mais difícil se tornam a percepção, a lembrança e a memória. O drama da continuidade dividido com os leitores do blog, na postagem sobre o surgimento da personagem Vaca Voadora, não é exclusividade do autor dessas tiras. O dilema é partilhado no comentário de Verônica S. de Souza Saiki (Very), que dá pistas de ser autora ao utilizar a terceira pessoa do plural, na postagem de 24 de setembro de 2010: “Ah esses devaneios passam mesmo o tempo todo na cbça de desenhistas! Mas só perdemos por não desenhá-los”. Um drama que encontra em si a própria solução. Começar, dar vazão a “cinco, seis, dez ideias” (PASSOS, online, 2011), sem perder essas histórias, sem perder, como autor, por não desenhá-las. Permitir que as histórias se associem livremente a outros novos personagens que voam na mente, construindo outras novas histórias dentro de uma mesma ou novas histórias independentes e trabalhando a unidade e a continuidade a partir de elementos comuns. Eis a essência da narrativa em série – e de uma série livre, como a pretendida pelo autor. Diferente das tiras de As Sardinhas, cujas histórias se resolvem no próprio painel, as histórias da Vaca Voadora pareciam seguir esse mesmo caminho até o surgimento do personagem Bem-Te-Vi. Sobre o Bem-Te-Vi, o autor afirma, no dia 09 de fevereiro, em resposta a comentário no blog: “A partir da semana que vem surge outro personagem... e entramos numa linha meio filosófica” (PASSOS, online, 2011). A importância desse personagem para a continuidade da narrativa é evidenciada em outro comentário do autor no blog, no dia 16 de fevereiro: “A partir desta semana a participação do Bem-te-vi é crucial para uma evolução nas tiras. Surgiu do nada e agora é dar sequência.” (PASSOS, online, 2011). A participação do Bem-Te-Vi na narrativa se faz em todos os próximos paineis. Desde o surgimento do novo personagem, Vaca Voadora e o Bem-Te-Vi dividem a cena, as pequenas histórias, de forma continuada até o último painel. Nesse último painel, se resolve a história maior, o romance entre os dois personagens que foi se desenvolvendo ao longo da série. Da amizade e devaneios partilhados ao longo das tiras, nasce a cumplicidade que forma o casal, numa história tão verossímil quanto a de famílias humanas da vida real, famílias que, 103 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Voando com a Vaca: narrativas do Traço nas Tiras de Verão de ZH apesar das diferenças, surgem pelo companheirismo e pela partilha de gostos em comum entre os membros principais. No caso da Vaca e do Bem-Te-Vi, a atividade de voar e pensar sobre a vida. Um casal que resulta na construção de uma família híbrida, misto de pássaro e vaca voadores. Sim, na história contada por Wagner Passos, a Vaca pode voar e voa. E os frutos dessa narrativa também. Considerações provisórias A análise é uma tentativa de demonstrar a potência do conteúdo visual para o processo de significação nas imagens, especialmente na narrativa em série das tiras de quadrinhos, reforçando que a imagem comporta uma sintaxe e, portanto, seus elementos são capazes de produzir significação. Os elementos como linha, cor, ritmo e formato surgem como fundamentais para a composição dos personagens e para a construção de uma identidade visual das tiras da Vaca Voadora, produzindo o efeito de sentido de unidade, que atravessa toda a narrativa e, portanto, a constitui como série. Os resultados reforçam a proposta de Peruzzolo (2004, p.95) de que ler é um processo remissivo de signo para signo, de colher os sinais, os traços, “de tal modo que se possa ver neles o que eles pretendem estimular em termos de significação”. Reforçam também a proposta de Villafañe (2000), de que a análise da imagem deve ser realizada em função do ordenamento dos aspectos plásticos (materiais e imateriais) e semânticos (sentido), sem, contanto, reduzir os primeiros em relação aos segundos. Ao contrário, extraindo dos primeiros os segundos, ou seja, observando o quanto, a partir dos aspectos plásticos, se revelam os aspectos semânticos de uma imagem. Enfim, conferindo a devida importância ao traço. Referências BAUER, M. W.; AARTS, B. A construção do corpus: um princípio para a coleta de dados qualitativos. In: BAUER, M. W. e GASKELL, G. (Org.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Tradução Pedrinho A. Guareschi. 7.ed. Petrópolis: Vozes, 2008. DEBRAY, R. Vida e morte da imagem: uma história do olhar no Ocidente. Petrópolis: Vozes, 1992. DONDIS, D. A. Sintaxe da Linguagem Visual. Tradução Jefferson Luiz Camargo. 3.ed. São 104 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tammie Caruse Faria Sandri Paulo: Martins Fontes, 2007. FONSECA, J. da. Caricatura: a imagem gráfica do humor. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999. JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Tradução Marina Appenzeller. 13.ed. Campinas, SP: Papirus, 2009. KANDINSKY, W. Ponto e linha sobre plano. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1997. LIMA, I. A fotografia é a sua linguagem. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1989. OSTROWER, F. Universos da arte. 24.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. PASSOS, W. Baú do Pirata. Blog do autor. Disponível em Acesso em 1º dez 2012. PERUZZOLO, A. C. Elementos de semiótica da comunicação: quando aprender é fazer. Bauru, SP: Edusc, 2004. PERUZZOLO, A. C. A comunicação como encontro. Bauru, SP: Edusc, 2006. PROPP, V. As transformações dos contos fantásticos. In: EIKHENBAUM, B., et alii. Teoria da literatura - formalistas russos. 3.ed. Porto Alegre: Globo, 1976. SANDRI, T. C. F. A simplicidade estrutural na imprensa caricata. XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. São Paulo: Intercom, 2011. Disponível em . ____, T. C. F. Manifestações caricaturais em jornais: estratégias do discurso visual na imprensa rio-grandina do século XIX. 2011. 147p. Dissertação (Mestrado em Comunicação) — Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, 2011b. TODOROV, T. Introdução à literatura fantástica. Tradução Maria Clara C. de CASTELLO, 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. TOMACHEVSKI, B. Temática. In: EIKHENBAUM, B., et alii. Teoria da literatura formalistas russos. 3.ed. Porto Alegre: Globo, 1976. VERGUEIRO, W. de C. S.; SANTOS, R. E. dos. Para uma metodologia da pesquisa em

105 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Voando com a Vaca: narrativas do Traço nas Tiras de Verão de ZH Histórias em Quadrinhos. In: LAGO, C. e BENETTI, M. (Org.) Metodologia de pesquisa em jornalismo. São Paulo: Paulus, 2007. VILLAFAÑE, J. Introducción a la teoria de la imagen. Madri: Pirámide, 2000. WOLFF, F. Por trás do espetáculo: o poder das imagens. In: NOVAES, A. (org). Muito além do espetáculo. São Paulo: Senac, 2003.

106 Imagem: estratégia, discurso e sentido

A INCURSÃO DA TV SOBRE SI PRÓPRIA: Metalinguagem e autorreflexividade na Série No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais, da TV Futura Carla Simone Doyle Torres RESUMO

ABSTRACT

Este estudo integra a pesquisa vinculada ao

This study integrates research linked to

PPGCOM-UFRGS,

PPGCOM-UFRGS,

onde

curso

doutorado

where

I’m

studying

atualmente. Neste artigo observo marcas da

nowadays. In this article, I observed marks of

metalinguagem/autorreflexividade em parte da

self-reflexivity and meta in part of Brazilian

TV brasileira dos anos 1980 até a atualidade.

TV since 1980s to the present. Here there is

Aqui há um olhar sobre a série No Estranho

a look at the series No Estranho Planeta dos

Planeta dos Seres Audiovisuais, veiculada

Seres Audiovisuais, presented by TV Futura

ineditamente pela TV Futura entre 25 de

from September 25, 2008 and June 20, 2009.

setembro de 2008 e 20 de junho de 2009. Em

In product that thinks/problematizes itself,

um produto que pensa/problematiza a si mesmo,

we use the concepts of NeoTV (ECO, 1984),

parte-se do conceito de Neotevê (ECO, 1986),

metalanguage (SERELLE, 2009) and self-

passando pela metalinguagem (SERELLE,

reflexivity (DUARTE, 2004; NICHOLS, 2005),

2009) e autorreflexividade (DUARTE, 2004;

valuing the elements of a plastic, morphological

NICHOLS, 2005), valorizando os elementos de

and sound. Through the episodes, many archival

ordem plástica, morfológica e sonora. Ao longo

and backstage images. Parodies mix information

dos episódios, há muitas imagens de arquivo e

and entertainment and respondents appear at

de bastidores. Paródias mesclam informação e

angles that are beyond the conventions. In

entretenimento e entrevistados aparecem em

the audible text, there are audio effects and

ângulos que fogem às convenções. No texto

naturalized voices.

sonoro, efeitos de áudio e vozes naturalizadas.

Palavras-chave

Keywords

Neotevê. Auto-problematização. Brasil.

NeoTV. Self-questioning. Brazil.

Carla Simone Doyle Torres

| Jornalista e Mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professora do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é bolsista Capes. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]. 107 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Carla Simone Doyle Torres 1. Neotevê: conceituação e contexto A Neotevê caracteriza ruptura estética importante no meio televisivo. Ele passa a falar menos do que documenta e mais do processo de documentar, e por vezes desconstrói a si mesmo. No Brasil, parcerias entre emissoras de TV e produtoras independentes – como TVDO e Olhar Eletrônico – rumo a produções mais críticas e autocríticas começaram nos anos 1980. A transparência perdida de que fala Eco (1984) tem a ver com uma nova postura em que “não está mais em questão a verdade do enunciado [...] mas a verdade da enunciação que diz respeito à cota de realidade daquilo que aconteceu no vídeo (e não daquilo que foi dito através do vídeo)” (ECO, 1984, p. 188, grifos do autor). Conforme ele, estamos agora diante de programas em que informação e ficção se trançam de modo indissolúvel e não é relevante quanto o público possa distinguir entre notícias ‘verdadeiras’ e invenções fictícias [...] tais programas encenam o próprio ato da enunciação, através de simulacros da enunciação, como quando se mostram as telecâmaras que captam aquilo que acontece. Uma complexa estratégia de ficções põe-se a serviço de um efeito de verdade (ECO, 1984, p. 191, grifos do autor).

Também ao teorizarem sobre a Paleo e a Neotevê, Casetti e Odin (2012) destacam na Paleotevê a relação hierárquica entre produtores e usuários, espaço de formação, temporalidade própria e programa estruturado. Além disso, ela dirigia-se ao coletivo e era regida por um contrato entre a instância emissora e a receptora. Na Neotevê temos relação de proximidade e intercâmbio desierarquizado, espaço de evento, tempo de programação estendido para as 24 horas do dia, além de programas sem forma vetorizada, que buscam diversos modos de interação. Por fim, a Neotevê dirige-se a grupos e prioriza o contato, em vez do contrato. 2. Para além do falar de si: metalinguagem e autoreflexividade Ao recuperar a passagem da Paleo à Neotevê, a partir de Umberto Eco, Márcio Serelle (2009, p. 168) defende que “a televisão sempre reconheceu sua mediação mais explicitamente que outras mídias”, o que parece ter colaborado para que sua linguagem não seja “apenas fenômeno mediador, mas experiência autêntica a ser vivenciada e desejada” (SERELLE, 2009, p. 170). Aponta que a TV, “na última década [...] como ocorreu com as mídias de um modo geral, passou gradualmente a constituir uma segunda natureza, cuja tecnologia não precisa mais ser disfarçada, posto que suas formas de mediação já estão integradas à cotidianidade”. 108 Imagem: estratégia, discurso e sentido

A incursão da Tv sobre si própria: Metalinguagem e autorreflexividade na Série No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais, da TV Futura Em meio às marcas de um produto que pensa/problematiza-se, a metalinguagem e a reflexividade configuram-se como chaves do processo, apontando as estratégias dessa exposição. 2.1 Metalinguagem Conforme Greimas e Courtés (2008), o conceito de metalinguagem foi lançado por lógicos da Escola de Viena e da Escola polonesa, para diferenciar a língua falada daquela de que se fala. Para os autores, “basta observar o funcionamento das línguas naturais para se perceber que elas têm a particularidade de poder falar não somente das ‘coisas’, mas também delas mesmas” (GREIMAS e COURTÉS, 2008, p. 307). Essa definição é complementada por Charaudeau e Maingueneau (2008, p. 326), quando afirmam que “o locutor pode [...] comentar sua própria enunciação no interior mesmo dessa enunciação [...] ao mesmo tempo em que se realiza, a enunciação avalia a si mesma, comenta-se”. Como a metalinguagem age semioticamente, ela funciona como “uma hierarquia não de palavras ou de frases, mas de definições, capaz de tomar a forma quer do sistema, quer do processo semiótico” (GREIMAS e COURTÉS, 2008, p. 308). Assim, é possível observar o funcionamento desse mecanismo na linguagem audiovisual. Conforme Serelle (2009, p. 171), o princípio da metatevê, como o das linguagens reflexivas e opacas de modo geral, é a orientação para o código, direcionamento este que deve ser compreendido em espectro amplo, que abrange desde o foco nos processos produtivos (operações de ordem técnica, rotinas profissionais, lógicas de transmissão etc.) ao desnudamento de modos e estratégias do narrar televisivo, sem que essa consciência da enunciação desconsidere os enunciados propagados naquele ambiente.

Ele aponta o media criticism como uma manifestação da dimensão metatelevisiva, e como exemplo disso o programa Observatório da Imprensa (TVE). Além disso, relaciona aos estudos metatelevisivos a pesquisa de Arlindo Machado sobre media arts, que se apropriam, “no interior da cultura midiática, dos códigos dos aparatos para explicitar as formas simbólicas ali incutidas [para] propor, em virada irônica, a crítica ao funcionamento desses modelos mundialmente homogêneos” (idem, ibidem). É o que, mais adiante, ele aponta como “um ataque por dentro [...] uma contaminação interna, que faz com que essas estruturas deixem momentaneamente de funcionar como habitualmente se espera, para que as possamos enxergar por um outro

109 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Carla Simone Doyle Torres viés” (MACHADO apud SERELLE, 2009, p. 171). Ao recuperar estudos de Hjelmslév, Elizabeth Duarte (2004, p. 90), considera o metadiscurso um processo de referenciação baseado na recursividade, ou seja, “relações intertextuais baseadas na precedência”. Esta maneira de a TV voltar-se a si mesma pode ser considerada crítica, visto que não age apenas no âmbito formal ou estilístico, mas também problematizante. 2.2 Autoreflexividade Conforme Duarte (2004, p. 91), a autorreflexividade é um “procedimento de autorreferenciação da ordem da incidência. Implica a presença de um sujeito que faça de si próprio objeto do discurso por ele mesmo produzido”. E como exemplo de produto televisivo a autora cita a série de quatro episódios Cena Aberta, produzida pelo núcleo de Guel Arraes e exibida pela Rede Globo como um quadro do programa semanal Fantástico em 2003. Nessa produção “não há distinção entre o que acontece por trás e frente às câmeras, entre dramaturgia e documentário” (idem, ibidem). Aliás, a propósito do gênero documental, este é historicamente palco para a autorreflexividade. Como a TV traz influências estéticas do cinema, é interessante entender como a questão reflexiva vem se manifestando desde esse meio. De acordo com Nichols (2005, p. 166), o documentário reflexivo pode ser considerado como o “mais consciente de si mesmo e aquele que mais se questiona”. O mais importante é que isto deve ficar muito claro a quem assiste à obra. 3. Marcas de No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais A série No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais foi criada por Cao Hamburger, dirigida e roteirizada por Paulinho Caruso e Teo Poppovic, e veiculada pela TV Futura entre 25 de setembro de 2008 e 20 de junho de 2009. Ela ainda está na grade de programação da Futura em horários esparsos. Além de Programa Piloto, que inicia a série, temos os episódios Verdade, Realidade, Ficção, Artificiais, Experimentais, Subterrâneos, Instantâneos, Populares, Violentos, Pornográficos, Montagem, Sonoros, Reciclados, Interativos e Conclusão – O futuro do audiovisual. Em busca de uma matriz metodológica para análise deste tipo de produto audiovisual, deparamo-nos com a problemática imposição de um modelo de análise cinematográfico para os estudos de televisão. Para Jost (2007), aspectos como o lugar dos programas na grade de 110 Imagem: estratégia, discurso e sentido

A incursão da Tv sobre si própria: Metalinguagem e autorreflexividade na Série No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais, da TV Futura veiculação, assim como o contexto da emissão são fundamentais para a teoria televisiva. E em termos estruturais, a efemeridade dos produtos televisionados constitui-se como obstáculo ao aprofundamento desses estudos. Afinada com essa linha de pensamento, Duarte (2004) aponta uma estrutura narrativa e enunciativa em meio aos programas de TV. Ela leva em conta a ideia de fragmentação em blocos, além da continuidade requerida no caso de se tratar de uma série. Aparece aqui também a típica ideia da repetição. Sua proposta teórico-metodológica considera características de ordem plástica, morfológica e sonora. Entre os elementos plásticos, incluem-se estilos de cenário, vestuário, maquiagem, iluminação e modos de interpretação. Entre os elementos morfológicos, enquadramentos, cortes em cenas, planos, montagens, edição, justaposição de cenas em movimento, anulações e sucessões. E entre os elementos sonoros, temos o verbal e o musical. Assim, destaca-se a configuração destes pontos em meio à observância das grandes categorias da metalinguagem e da autorreflexividade. De modo geral, em termos de metalinguagem, observa-se a menção ao sistema broadcast da TV, dos bastidores à economia. Chama atenção o uso de imagens de arquivo ao longo de toda a série, abrindo espaço para outra característica: a discussão sobre as experimentações e clichês, como as características do gênero telejornalístico, frequentemente parodiado e misturado à ficção, como vemos nas figuras 1, 2, 3 e 4 a seguir.

Figura 1: Imagem de arquivo/ Programa 1: Piloto (1’55”)

Figura 3: Clichês do telejornalismo Programa 4: Ficção (9’15”)

Figura 2: Imagem de arquivo/ Programa 3: Realidade (1’29”)

Figura 4: Telejornal – a vida imita a arte. Programa 4: Ficção (9’37”)

111 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Carla Simone Doyle Torres Também há entrevistados mostrados em vários ângulos: a linguagem fala dela mesma, a pretexto de tratar de um terceiro (figuras 5 e 6). Na mesma linha, abordam-se problemas de continuidade por meio de exemplos elaborados especialmente para o programa (figuras 7, 8 e 9). Discutem-se ainda aspectos de montagem, animação e som. E num exercício de tensionamento das fronteiras da metalinguagem, temos o programa “Internéticos”, em que a TV que fala da Internet, que fala da TV, numa remissiva que lembra um jogo de espelhos.

Figura 5: Entrevista “multiângulo” Programa 5 – Artificiais (21’55”)

Figura 6: Entrevista “multiângulo” 2 Programa 5 – Artificiais (21’55”)

Figura 7: Problemas de continuidade Programa12 - Montagem (12’13”)

Figura 8: Problemas de continuidade 2 Programa12 - Montagem (12’15”)

Figura 9: Problemas de continuidade 3 Programa12 - Montagem (12’18”) Em termos de autorreflexividade, destaque para as recorrentes menções a Cao Hamburger. Também, a cada edição pode haver uma remissiva ao programa anterior ou a alguns progra112 Imagem: estratégia, discurso e sentido

A incursão da Tv sobre si própria: Metalinguagem e autorreflexividade na Série No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais, da TV Futura mas anteriores (relação intratextual). Além disso, característica que chama atenção no aspecto autorreflexivo é a recorrência de traços de making-off (figuras 10 e 11).

Figura 10: Makin-off Programa10 - Violentos (19’19”)

Figura 11: Making-off 2 Programa10 - Violentos (19’25”)

Em meio aos elementos de ordem plástica, temos que entre os estilos de cenário, o que era bastidor passa à frente das câmeras. Já em relação ao vestuário, o que permanece como parte da apresentação tende a parecer contemporâneo e o mais naturalizado possível. Para a maquiagem permanece a mesma proposta do vestuário. No entanto, quando há representações de situações específicas, encenações/paródias, pode haver um trabalho especial sobre a caracterização, a exemplo do programa “Violentos”, com a invasão zumbi (figura 12). Chama atenção também a iluminação, pois ela parece primar pelo inusitado, pela situação de bastidor que veio para a frente da câmera sem muitos retoques, dando impressão de “cozinha” da produção.

Figura 12: Caracterização zumbi Programa10 - Violentos (18’19”) Em torno dos elementos morfológicos, os enquadramentos comumente fogem às regras. Quanto aos cortes em cenas, eles podem ser abruptos. São intensamente usados para dar sequência e para causar rompimento ou choque. Entre os planos, há revezamento frequente desde

113 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Carla Simone Doyle Torres o super close até o plano geral aberto. Múltiplos ângulos de uma mesma cena são reunidos – por meio de monitores – em um mesmo enquadramento: é o fora de campo trazido para o campo (figura 13).

Figura 13: Vários ângulos em um enquadramento Programa 15 – Interativos (12’57”) No âmbito da edição, observa-se frequente divisão pedagogizante entre o verbal e o visual, com uma intensa reunião de imagens de arquivo. Nas entrevistas, justaposição de planos (diferentes ângulos dos entrevistados, com a possibilidade de diferentes estéticas visuais em cada um, seja com câmera em tripé ou na mão, uso ou não de filtros). Em certo momento, um questionamento sobre os finais felizes e proféticos manipula as falas e enfatiza o papel da montagem. Junto aos elementos de ordem sonora, no âmbito verbal, a apresentação é com voz naturalizada, sem impostações, à exceção dos momentos em que haja encenações/paródias. Em termos musicais, há efeitos de áudio, como o da película rodando como pano de fundo das falas. Interessantes e repetitivos. Em vários momentos, sons que parecem ser de bastidor vêm para um “primeiro plano”. Considerações Finais O programa analisado é rico nas características propostas pelo modelo de análise. Verificam-se pilares que fogem à tradição da análise fílmica e fortificam a discussão sobre estética e poética televisivas. A temática geral do programa contribui especialmente para a problematização e a desconstrução da estrutura de um programa televisivo e conta com a recorrência característica da série para fixar determinados traços. Ao longo das análises, é possível observar que a autorreflexividade trabalha 114 Imagem: estratégia, discurso e sentido

A incursão da Tv sobre si própria: Metalinguagem e autorreflexividade na Série No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais, da TV Futura estrategicamente como um braço da metalinguagem. Em meio a uma série de modos de falar de si, como pretende a sistemática da metatevê, a autorreflexividade particulariza o falar de si não apenas como produção, mas como sujeito enunciador, aquele que produz o conteúdo e sem o qual nada seria possível. No estranho planeta dos seres audiovisuais é fruto de um momento em que a antigamente desejável transparência televisiva1 – herdeira de um modelo radiofônico e conservador e pretensa janela para o mundo – já não comporta mais tais máximas e resolve romper a quarta parede2. O destino é a opacidade necessária e produtiva, resultante de uma época em que o meio conhece-se (e dá-se a conhecer) melhor, sabe de suas potencialidades e lança-se novos desafios, rumo a uma integração cada vez maior com outros meios de linguagem audiovisual. Referências ARONCHI DE SOUZA, J. C. Gêneros e formatos na televisão brasileira. São Paulo: Summus, 2004. CASETTI, Francesco; ODIN, Roger. Da paleo à neotelevisão: abordagem semiopragmática. Tradução de reichelt, henrique r. In: Ciberlegenda: os novos caminhos da produção, espectatorialidade e do consumo televisivo na contemporaneidade. Rio de janeiro: Universidade Federal Fluminense (UFF), n. 27, 2012. DUARTE, Elizabeth Bastos. Televisão: Ensaios metodológicos. Porto Alegre: Sulina, 2004. ECO, Umberto. Tevê: a transparência perdida. In: Viagem na irrealidade cotidiana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira 1984. FAHLE, Oliver. Estética da televisão: passos rumo a uma teoria da imagem em televisão. In: GUIMARÃES, César; LEAL, Bruno Souza; MENDONÇA, Carlos Camargos (orgs.). Comunicação e experiência estética. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de Semiótica. São Paulo: Contexto, 2008. JOST, François. Compreender a televisão. Porto Alegre: Sulina, 2007. 1 A noção transparência/opacidade vem dos estudos de cinema. XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 2008. 2 Essa terminologia caracteriza a estrutura de produções teatrais, referindo-se à parede imaginária localizada em frente ao palco, entre os atores e o público. Isso é o que condiciona a assistência passiva por parte da plateia, uma característica ainda muito presente e até desejada por diferentes linhas de concepção em trabalhos de arte dramática.

115 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Carla Simone Doyle Torres ______. Seis lições sobre televisão. Porto Alegre: Sulina, 2004. MACHADO, Arlindo (org.). Made in Brasil: Três décadas do vídeo brasileiro. São Paulo: Iluminuras: Itaú cultural, 2007. MAINGUENEAU, Dominique; CHARAUDEAU, Patrick. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2008. NICHOLS, B. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2005. No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais. Rio de Janeiro: Canal Futura, 2009. Programa de TV. SERELLE, Márcio. (2009). METATEVÊ: a mediação como realidade apreensível. In: MATRIZES / Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo. Vol. 2, nº 2, (1º semestre de 2009). São Paulo: ECA/USP.

Trabalho apresentado ao GT 2 - “Teorias e análises de audiovisual interfaceado”, da XI Semana da Imagem na Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). São Leopoldo-RS, 2013. A presente versão é ampliada a partir das discussões no evento. 116 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Imagens midiatizadas: fotografia, comunicação e sentido Angélica Lüersen RESUMO

ABSTRACT

Neste artigo discutiremos as estratégias sob

In this article we discuss the strategies under

as quais o uso da fotografia se faz na mídia.

which the use of photography is used in

Toda a produção fotográfica apresenta um

the media. All the photography production

determinado fim e, no caso do jornalismo,

presents determined aims and, the case of

a tônica na informação relaciona os

journalism, the emphasis in the information

discursos visuais aos textos. Os textos,

engage with the visual discourses with the

por sua vez, cooperam na interpretação

texts. In turn, the texts cooperate in the

dos fatos, enquanto que as imagens

interpretation of the facts, while the images

sublinham e reforçam os valores em que o

underline and improve the values which

jornalismo se firma. Inspirados nas teorias

journalism is based. By the Peruzzolo’s

de Peruzzolo compreendemos a fotografia

theories we comprehend the photography

como linguagem em razão da percepção e da

as a language in account of the perception

representação necessários à comunicação.

and the representation necessaries to the communication.

Palavras-chave

Keywords

Fotografia. Comunicação. Jornalismo. Sentido.

Photography. Journalism. Communication.

Mídia.

Sense. Media.

Angélica Lüersen | Mestre em Comunicação Midiática pela UFSM, docente na Univer-

sidade Comunitária da Região de Chapecó, Chapecó, Santa Catarina, Brasil. Email: angelica. [email protected]

117 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Angélica Lüersen Introdução As fotografias são estratégicas na produção de sentidos e valores nos processos de comunicação midiática da atualidade. Elas já não são mais assumidas como simples ilustração dos fatos, mas são componentes de narrativas informacionais, carregadas de valores, entre os quais, de verdade. Contudo, se projetarmos a quantidade de imagens que são disponibilizadas na mídia a cada dia fica evidente a incapacidade de acessamos completamente os ditos. Ora, para isso, é importante discutirmos porque algumas imagens que percebemos informam mais do que outras e, ainda, quais estratégias fazem parte dos processos de comunicação. É neste sentido que discutiremos o conceito de percepção e representação, sustentado das teorias de Peruzzolo. Toda a fotografia traz consigo o referente e, em geral, temos maior facilidade em perceber o fato representado do que as estratégias de construção narrativa da imagem. O olhar toma a realidade como se não houvesse mediação, pois as imagens têm a intencionalidade de representar o real. Isto é, quase sempre ignoramos o plano fotográfico e seu discurso ao buscar a compreensão dos fatos mediante observação das fotografias. Neste sentido, a reflexão teórica que se faz neste artigo tem a intencionalidade de discutir – sem esgotar, evidentemente – alguns dos pontos relacionados à fotografia no jornalismo. 1. A fotografia e as estratégias1 do fotojornalismo Desde seu surgimento na imprensa até a Primeira Guerra Mundial, a fotografia servia apenas para ilustrar os periódicos impressos. O uso e o desenvolvimento dos processos – sobretudo de transferência das imagens - se deu de forma lenta e gradual no jornalismo. Foi no cenário político e econômico da Primeira Guerra Mundial que o fotojornalismo2 se firmou como um modo de informar no jornalismo (GIACOMELLI, 2008, p. 24). A expansão do fotojornalismo pelo mundo, iniciado na Alemanha, seguiu para a França, Inglaterra e, logo, para os Estados Unidos, local onde a mais importante revista ilustrada com fotojornalismo de todos os tempos foi lançada em 1936 – a Revista Life. No Brasil, a Revista da Semana foi a pioneira 1 Toda estratégia é a concepção de uma ação organizada que se volta para certos efeitos, onde sempre estão implicados o eu e o outro. São formulações teóricas que concebem determinadas táticas postas em movimento pelas ações que são voltadas para certos efeitos – previstos minimamente. Minimamente porque, por mais que os efeitos sejam planejados e estrategicamente idealizados, sempre há um desvio possível, pois os efeitos sofrem interferências do observador. 2 Há diversas obras que versam sobre a história do fotojornalismo. Este texto se propõe apenas a fazer alguns apontamentos considerados relevantes para contextualizar a discussão, não tendo, portanto, preocupação em discorrer longamente sobre a história do fotojornalismo. Lê-se mais sobre o tema em: COSTA; SILVA (1995) e SOUSA (2000).

118 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Imagens midiatizadas: fotografia, comunicação e sentido (passou a ser impressa em 1900) no uso da fotografia para referir fatos. Entretanto, hoje, a tônica que demarca o espaço da fotografia já não está mais na ilustração dos fatos simplesmente. Não há na fotografia somente informação (pensando aqui em termos jornalísticos), mas compõem sua natureza constitutiva os valores (de vida, estéticos, plásticos, dinâmicos, éticos, etc.) que se imbricam, movimentam os sentidos e afirmam verdades, nesse caso, verdades sobre as quais o jornalismo (e caberia nesse mesmo lugar a empresa jornalística) quer se firmar. De fato, o que ocorre é que na fotografia encontra-se a garantia de que algo aconteceu, pelo seu apelo à evidência e por ser naturalmente uma linguagem universal. Sendo assim, o fato de uma fotografia representar certo efeito de verdade torna-a estratégica na construção dos valores que sustentam todo o fazer jornalístico. Naturalizamos a ideia de que a fotografia permite certa aproximação dos fatos, de tal forma que nem percebemos sua presença (em um suporte), mas ‘acolhemos’ a informação quase como se não houvesse uma mediação. Neste sentido, o valor comunicativo das fotografias na imprensa en mayor grado que el texto escrito aparece con una tremenda fuerza de objetividad. Si una información escrita puede omitir o deformar la verdad de un hecho, la foto aparece como el testimonio fidedigno y transparente del acontecimiento o del gesto de un personaje publico” (VILCHES, 1997, p.19).

Além do mais, vemos o referente, dizemos que há movimento, identificamos no plano fotográfico (inanimado) a informação mas já na relação que estabelecemos com o real. O referente fotográfico possui um aspecto de relação com o real que age diferente das outras formas de representação (como a pintura ou o cinema, por exemplo). E no caso da fotografia o referente sempre está ali, colado à imagem; é “aquele ou aquela que é fotografado, é o alvo, o referente”, assim como “o Operator é o Fotógrafo. [e] O Spectator somos todos nós, que compulsamos, nos jornais, nos livros, nos álbuns, nos arquivos, coleções de fotos” (BARTHES, 2003, p. 20). O referente toma conta da fotografia de um modo tal que de imediato percebemos apenas e, sobretudo, ele – o objeto ou personagem retratado. Nesse sentido, “seja o que for o que ela dê a ver e qualquer que seja a maneira, uma fotografia é sempre invisível: não é ela que vemos. Em suma, o referente adere. E essa aderência singular faz com que haja uma enorme dificuldade para acomodar a vista à fotografia” (BARTHES, 2003, p. 16). Além do mais, a fotografia de imprensa é determinada pelo contexto no qual se

119 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Angélica Lüersen inscreve e isso implica dizer que o espaço de publicação irá contribuir na sua interpretação. A fotografia, portanto, é um discurso visual e o seu valor de composição está no plano fotográfico como narrativa. É também resultante de um processo criativo e informacional determinado pelo equipamento fotográfico (sem o qual não temos fotografia), pelas capacidades técnicas e de percepção do fotógrafo e, ainda, pela ação editorial dos veículos de comunicação, cujo direcionamento irá determinar as imagens que circulam no espaço midiático. O jornal francês Libération3 publicou em 14 de novembro de 2013 uma edição do Jornal sem quaisquer fotografias, apenas espaços vazios, marcando a ausência das imagens, o ‘silêncio visual’ e, mais do que isso, reforçando a importância e o valor da fotografia4. No entanto, junto aos espaços vazios, os créditos reforçaram o fato de que as imagens foram escolhidas, passaram pelos critérios de seleção e apenas não foram disponibilizadas juntos aos textos na edição especial por uma opção editorial.

A relação entre fotografia e texto no jornalismo torna-se indissociável na medida em que os textos ancoram os sentidos e auxiliam na interpretação das imagens. Além disso, trazem informações que a linguagem fotográfica não dá conta. Há também o fato de que a fotografia sempre é um exercício de síntese, mas que comumente não consegue dar conta de uma totalidade do fato representado. E o fotógrafo, evidentemente, faz escolhas, seleciona ao enquadrar e disponibilizar no retângulo fotográfico uma cena e não outra. Dizemos que há diferentes formas de exprimir o mesmo fato, já que as estratégias de dizer não são uma totalidade. Os espaços vazios ou em branco na página de um jornal não são indiferentes ao sentido. 3 Journal Liberation, 14.11.2013. Disponível em: http://journal.liberation.fr/publication/liberation/1395/#!/0_0 4 LAURENT, 2013.

120 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Imagens midiatizadas: fotografia, comunicação e sentido Isto é, a linguagem, os espaços, parágrafos, enquadramentos, etc., são elementos que, uma vez mobilizados, pertencem à ordem do dito. Assim, uma fotografia é entendida como tal, porque os elementos ali aparentes fazem dela especificamente uma fotografia e ela, por seu uso em dispositivos jornalísticos está envolta em novas arrumações (que não dispensam os elementos anteriores, mas acoplam a esses novos significados e sentidos). Do mesmo modo, “o discurso do jornal não está solto no espaço; está envolvido no que chamamos de ‘dispositivo’ que, por sua vez, não é uma simples entidade técnica, estranha ao sentido” (MOUILLAUD, 2002, p. 29). Há uma relação dinâmica entre texto e dispositivo, visto que ambos estão implicados na geração um do outro, eles se precedem, se determinam e são indissociáveis. Os textos são de toda a forma, ou seja, de linguagem sonora, gestual, fotográfica, etc., e se inscrevem em dispositivos, lugares materiais ou imateriais, que se acoplam uns aos outros, isto é, o jornal pertence à rede de informações que começou a tecer-se em torno de nosso globo no século passado e que o envolve em um fluxo imaterial que está em perpétua modificação [...] Uma rede que não impõe ao mundo apenas uma interpretação hegemônica dos acontecimentos, mas a própria forma do acontecimento (MOUILLAUD, 2002, p. 32).

É neste sentido que a publicação francesa reafirma a força da fotografia ao publicar a edição sem imagens. Há uma organização discursiva que demarca lugares e sentidos, entre os quais, a fotografia contribui para a significação e interpretação dos fatos. As marcas da ausência, neste caso, dizem tanto quanto a presença, mas dizem outras coisas. Isso porque o texto visual fotográfico não está ali, não há os elementos plásticos que informam. Os efeitos de sentido são elaborações presentes nos textos cujo intuito é nos induzir ao reconhecimento do valor afirmado. Os sentidos são, então, agenciados pelos enunciadores e pelos enunciatários de um texto e, de certa forma, também pelo meio. Na verdade, os sentidos estão instaurados em contextos relacionais, porque só o lugar que os profere não é suficiente para efetivá-los, assim como não o é se for apenas uma meta do enunciador sem a resposta ou aceitação do enunciatário. É possível dizer que na fotografia os efeitos de sentidos são produzidos pelos elementos básicos de composição, ou seja, por sua linguagem. O mesmo ocorre com os textos, atravessados por uma série de estratégias que objetivam um determinado efeito de sentido (de verdade, realidade, afastamento e proximidade, por exemplo). Se pensarmos no contexto de inserção da fotografia na imprensa – que data do início do século XX – saberemos que aí já se configura um

121 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Angélica Lüersen efeito de sentido: o de verdade . 5

2. Premissas acerca dos processos de comunicação: percepção e representação Comunicação é o processo de interação que institui a vida social (PERUZZOLO, 2006). O fenômeno da comunicação é entendido aqui como uma rede relacional na qual nos inserimos e pela qual projetamos nossa natureza social, a trama das nossas vidas. É aí que as relações sociais se constituem, as culturas se estruturam e as sociedades são moldadas. É, portanto, fundamental para a vida dos seres sociais, cujas relações vão se diferenciando mais pela capacidade simbólica do que pelo código genético. O conceito de comunicação que aqui aparece está amparado no pensamento6 de que comunicamos em algo, portanto, preocupamonos com a comunicação como qualidade e não por sua mecânica7. Baseando-nos na proposição de que a comunicação é um processo vital de relação com o outro, dizemos que esse modelo formulado a partir da rede relacional faz com que o homem, por sua natureza social, se projete para os demais para que possa formar sua própria trama de vida. A comunicação “é a força que produz o social, que tem sua força na impulsão de ser de todo ser vivo. [Ela é] é anterior ao ‘pensamento’ da organização social” (PERUZZOLO, 2006, p.29). A representação no mundo humano é cultural, ligada ao pensamento simbólico, mas antecedida pela percepção. A percepção “é um processo biofisiológico de captação, elaboração e registro dos estímulos que sensibilizam os órgãos sensoriais” (PERUZZOLO, 2006, p. 33). Daí que os limites não estão no percebido, mas na percepção em si, pois só aquilo que percebemos é que nos estimula. Veja-se o caso das cores na fotografia8. Elas nos estimulam e criam certos efeitos de sentidos, mas isso acontece apenas com aqueles que as percebem. Um daltônico, por exemplo, não pode ter a mesma percepção de cores que outra pessoa qualquer e, por isso, fará uma representação díspar. Portanto, há variações como respostas dadas por cada espécie, pois a percepção é a apreensão sensorial, resposta imediata do organismo às energias que excitam os órgãos sensoriais. É uma pulsão da natureza, que se organiza de acordo 5 Enquanto os textos podem inventar ou omitir, a fotografia veio como prova testemunhal dos fatos. Evidentemente, sabemos da possibilidade de manipular os discursos visuais não somente com programas de edição, mas já na captação fotográfica ou mesmo na seleção da cena. Ainda assim, há certos elementos que só podem estar no plano fotográfico porque existem, portanto, não deixam de ser marcas testemunhais. 6 Cf. PERUZOLLO (2006). 7 O modo de pensar a comunicação como mecânica, concentrada na eficiência do processo (pensando em termos de assimilação da mensagem) está embasado em uma teoria técnica que ignora as relações sociais e a construção dos sujeitos. Por isso já não responde nossas necessidades teóricas e pessoais. 8 GUIMARÃES, 2003.

122 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Imagens midiatizadas: fotografia, comunicação e sentido com as estruturas prévias das possibilidades biológicas e cerebrais de cada espécie, as quais são as mais uniformes dentro dela. [...] É nessa homogeneidade potencial das percepções dos parceiros que se fundamenta a atuação comunicativa numa sociedade animal (PERUZZOLO, 2006, p. 33).



As representações, originadas a partir das percepções, são construções

valorativas dadas aos estímulos que passam a significar algo para o organismo. Ou seja, elas são um investimento qualitativo sobre o dado percebido, sobre um objeto ou coisa que, por tais investimentos de valor, passam a ter um sentido. “Por inferência ou associação” a representação “irá orientar a conduta e a ação do organismo que percebe” (PERUZZOLO, 2006, p. 37). Há, portanto, dois modos de representar, ou seja, a representação animal – que atende aos programas, pois as formas de leitura do ambiente significam de acordo com o código genético; e a representação humana – quando a leitura vai além do código genético, regida pela capacidade simbólica. Assim, a representação no nível humano está nos limiares do simbólico, que é uma representação no nível cultural e dominada pelo mesmo. Mesmo assim há uma base biológica, dita infra-cultural, presente quando se elabora uma representação no nível humano. Na representação não está presente apenas a questão do que se percebe, mas principalmente o que na captura do ver se plenifica como sentido. Assim, na faculdade da representação a coisa percebida já não é mais pura. Vem enriquecida com significações, o que, com frequência, afeta o próprio ato de perceber, que opera segundo interesses do organismo, que, agindo como uma totalidade, pode afetar o modo de perceber (PERUZZOLO, 2006, p. 37). Ora, convém dizer que “o que determina se uma relação é de comunicação é a operação de representar a matéria constituída entre os comunicantes, que através da ação dão valor significante ao estímulo percebido e arrumam a reação do organismo” (PERUZZOLO, 2006, p. 38). Isto é, para que haja comunicação é preciso interpretar o significado da mensagem para construir a valor das relações de comunicação – que são definidas no momento da representação. Daí que falar em relação de comunicação supõe um meio de representar – porque é aí que a comunicação se efetiva – marcado pela presença de uma linguagem. A matéria pela qual a comunicação humana é estabelecida denominamos ‘mensagem’, e esta deve ser interpretada, portanto, representada, pois “o que faz com que uma relação seja relação de comunicação é a representação como meio de comunicar” (PERUZZOLO, 2006, p. 45). Isso implica dizer que entrar em comunicação diz respeito ao ato de comunicar-se em algo e não de comunicar algo, assim que a relação ocorre entre os comunicantes e não nos comunicantes. 123 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Angélica Lüersen Em sua gênese, a comunicação é um jogo de valores que ocorre entre os comunicantes. É, portanto, uma categoria fundamental de todos os seres que buscam dar respostas às suas próprias necessidades. Daí que nasce a força da comunicação como uma relação. As relações de comunicação vão se diferenciando pela capacidade simbólica (esfera de realizações, pensamentos, etc.) mais do que pelo código genético. A dimensão simbólica da qual os humanos são dotados é fundamental na distinção destes em relação aos animais (não humanos). A imagem, neste sentido, é uma base de comunicação entre os homens. Nós a reconhecemos como uma comunicação visual materializada num fragmento do universo visual perceptivo. Nesses termos, a imagem não diria nada em si, pois não estaria nela o dito, mas no ato de captar e interpretar, traduz aquilo que a imagem – como matéria significante –oferece em sentidos. Assim, sem a capacidade de olhar não há mensagem visual. É no olhar que a imagem se torna o que é. 3. Considerações sobre os processos de comunicação e o fotojornalismo Há na fotografia certa materialidade que estimula interpretações carregadas de informações – originadas do plano fotográfico. Contudo, é um tanto difícil ler criticamente imagens. O texto verbal possui uma imediaticidade de entendimento maior que a imagem. Entretanto, noutro nível, os textos visuais parecem mais acessíveis que os textos verbais. Isso porque para acessar as informações dos textos verbais, necessariamente, precisamos conhecer os códigos linguísticos. A comunicação sempre se dá, portanto, naqueles sujeitos que se colocam numa relação de comunicação, mediante conhecimento da língua. Não raro nos deparamos com casos como a publicação abaixo. O jornal indiano de circulação nacional não é acessível, salvo para aqueles que conhecem e compreendem este código linguístico em específico.

124 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Imagens midiatizadas: fotografia, comunicação e sentido No entanto, no próximo exemplo, a interpretação continua limitada – ainda que agora tenhamos outros elementos - na medida em que a informação originada da fotografia não oferece todos os dados que preciso para compreender a notícia.

Essa relação é que pretendemos assinalar como importante no jornalismo. Evidentemente reconhecemos a fotografia por seu valor comunicacional. Quando se trata de imagens que tem a função precípua de informar, como no caso do fotojornalismo, as narrativas visuais já são produzidas e pensadas mediante tal finalidade. E essa finalidade deve orientar a interpretação do leitor de imagens. Por isso que observar as fotografias em um álbum de família ou na capa de uma revista requer um olhar interpretativo diferenciado. A ação do fotojornalista não se caracteriza apenas por um registro fotográfico, mas da construção de valores de importância social e, neste sentido, corroboram com os dispositivos jornalísticos que aparecem implicados nos discursos noticiosos. A utilização cotidiana de imagens pela mídia e o acesso facilitado aos equipamentos fotográficos tornou o público mais próximo e também mais participativo em relação aos processos que envolvem o fazer fotográfico. Não apenas a mídia impressa, mas também a televisão e sobretudo a internet aproximam o público ao contingente imagético diário expandindo a quantidade de imagens veiculadas, tornando-o enunciador de textos fotográficos. Esse fato, contudo, parece não ter aperfeiçoado o olhar analítico ou crítico dirigido às imagens, menos ainda despertou a capacidade de leitura imagética pela maioria da população que recebe cotidianamente uma quantidade grande de imagens. Esse foi o insight do Libération que ao publicar a edição especial sem imagens chamou a atenção para a importância da fotografia e também do fotojornalista. No entanto, através do conhecimento da linguagem da fotografia e do entendimento 125 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Angélica Lüersen de sua capacidade de criação de sentidos é que se pode sair do senso comum e compreender as estratégias envoltas no fazer imagético. É possível construir um conhecimento original no que se diz sobre as fotografias já que os sentidos se completam apenas naquele que vê as imagens. Não se trata de julgar as imagens como verdades absolutas naquilo que dizem ou na sua produção de sentidos, mas sim de entendê-las pelas circunstâncias nas quais elas se inscrevem e são produzidas. De fato, o que ocorre é que na fotografia encontra-se a garantia de que algo aconteceu, pelo seu apelo à evidência. No entanto, não há uma universalidade de sua interpretação, uma vez que a interpretação daquilo que vemos, é distinta em cada observador, pois “a experiência de cada um compõe-se daquilo em que lhe é conveniente prestar atenção e que interessa a sua sobrevivência, fazendo portanto parte de seu campo básico de percepção e ação” (PERUZZOLO, 1998, p. 46). Captamos a informação a partir de estímulos, e aí se origina a percepção visual humana. Faz parte das estratégias que a mídia utiliza para nos persuadir a ‘ler’ as informações na fotografia o efeito de verdade que ela, por sua natureza, possui. Isso torna-a estratégica na construção dos valores que sustentam todo o fazer jornalístico. Referências BARTHES, Roland. A Câmara Clara: nota sobre a fotografia. Trad. Júlio Castañon Guimarães. 8ª impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003. COSTA, Helouise; SILVA, Renato Rodrigues. A fotografia moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ - FUNARTE, 1995. FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. GIACOMELLI, Ivan Luiz. Critérios de noticiabilidade e o fotojornalismo. Revista Discursos Fotográficos, Londrina, v.4, n.5, p.14-36, 2008. GUIMARÃES, Luciano. As cores da Mídia: a organização da cor-informação no jornalismo. São Paulo: Anna Blume, 2003. LAURENT, Olivier. British Journal of Photography. French newspaper removes all images in support of photographers, 15 Nov. 2013.Disponível em: http://www.bjp-online.com/2013/11/ french-newspaper-removes-all-images-in-support-of-photographers/. Acesso em: 10 Julho de 126 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Imagens midiatizadas: fotografia, comunicação e sentido 2014. Journal Liberation, 14.11.2013. Disponível em: http://journal.liberation.fr/publication/ liberation/1395/#!/0_0 Acesso em: 05 Junho de 2014. MOUILLAUD, Maurice. Da forma ao sentido. In: PORTO, Sérgio Dayrell (org.). O Jornal: da forma ao sentido. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. PERUZZOLO, Adair C. A Circulação do Corpo na Mídia. Santa Maria: Imprensa Universitária, 1998. _____. A Comunicação como Encontro. Bauru, SP: Edusc, 2006. SOUSA, Jorge Pedro. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2000. VILCHES, Lorenzo. Teoría de la Imagen periodística. Barcelona: Paidós, 1997.

127 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tessituras e discursos da mídia: um jogo de significação no anúncio publicitário Juliana Zanini Salbego RESUMO

ABSTRACT

Os valores construídos pelos discursos

The values constructed by discourses

publicitários são articulados através de

advertisers are articulated through strategies

estratégias enunciativas e fazem parte

and form part of the culture of contemporary

da cultura do homem contemporâneo,

man, influencing behavior and social

influenciando comportamentos e aspirações

aspirations. In this sense, using the theory of

sociais. Neste sentido, utilizando a teoria

semiology of the speeches and the theories

da semiologia dos discursos e as teorias

of enunciation, this work examines a

de enunciação, o presente trabalho analisa

advertisement of magazine and observes the

um anúncio publicitário de revista e

discursive strategies used mainly in iconic

observa as estratégias discursivas utilizadas

text in the production of their meanings. It

principalmente no texto icônico e na

was observed that the meanings and values

produção de suas significações. Observou-

produced by a listed depend on the strategies

se que os sentidos e valores produzidos por

of say selected by the enunciator to capture

um enunciado dependem das estratégias

your enunciator and the grammar used in

de dizer selecionadas pelo enunciador na

advertising field translates in developer

captura de seu enunciatário e que a gramática

mode to our society.

utilizada no campo publicitário traduz de modo revelador a nossa sociedade. Palavras-chave

Keywords

Significação. Estratégias de dizer. Publicidade.

Meaning. Strategies to say. Advertising

Juliana Zanini Salbego | Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação (UFSM); Mestre em Comunicação Midiática (UFSM\2008) e graduada em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda (UFSM -2004). Professora Assistente do Curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) Campus São Borja. E-mail: [email protected]. 128 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Zanini Salbego Definindo as regras do jogo: mídia, publicidade e valores A esfera midiática constitui-se como parte fundamental da cultura do homem contemporâneo. O processo de midiatização, que segundo SODRÉ (2002) ocorre hoje naturalmente na vida dos sujeitos sociais passou a configurar uma outra face da vida humana, uma nova bios. À luz da teoria aristotélica, na qual a vida humana seria composta das vidas contemplativa, política e prazerosa, o autor propõe uma quarta dimensão: a bios da midiatização, da comunicação através dos meios, uma espécie de quarto âmbito existencial, qualificada pela tecnocultura e dimensionada pela cultura da imagem. Neste panorama podemos destacar os processos que envolvem as produções publicitárias como fatalmente relevantes na constituição das formas de pensar e até de agir dos sujeitos. De acordo com Rocha (1994), a publicidade não controla a atitude dos grupos, no entanto, serve como passaporte, uma espécie de ‘visto de entrada’ no mundo do consumo, no mundo dos valores e das trocas simbólicas. Neste sentido, o estudo da publicidade e, sobretudo, da imagem como sua ‘mola propulsora’ (PÉNINOU, 1974) se torna importante uma vez que os valores construídos pelos discursos midiáticos são articulados através de estratégias enunciativas, fazendo parte da cultura do homem contemporâneo e influenciando, de alguma forma, os comportamentos, aspirações e desejos da sociedade. Nesse sentido, se “a propaganda constrói um universo imaginário em que o leitor consegue materializar os desejos insatisfeitos de sua vida diária” (VESTERGAARD e SCHOREDER, 1994, p.130), constitui-se, ela mesma, como um espaço de projeção e por vezes de subversão que merece ser profundamente estudado. As publicidades, assim como outros dispositivos midiáticos, possuem a característica da pluridiscursividade, qual seja, um produto é sempre o mesmo em sua origem, no entanto pode ser tratado discursivamente de diversas maneiras dependendo do objetivo pretendido. Destarte, o presente artigo pretende trazer algumas reflexões do campo da publicidade e observar a organização de suas estratégias enunciativas para a construção de sentidos e valores presentes nestas tessituras. A questão com a qual nos envolvemos é a da produção dos efeitos de sentido acarretados pelo tratamento discursivo que é dado a determinado produto em busca construção da ‘verdade do texto’. Dito de outra forma, significa buscar entender a partir de quais estratégias enunciativas o enunciatário é ‘capturado’ pelo texto, e passa a crer naquilo que lhe é proposto. Na análise das estratégias enunciativas de um anúncio publicitário de Lingerie da marca Lupo publicado em revista1, descobriremos diferentes formas de articulação dos processos enunciativos nos textos verbais e icônicos. Inversamente a um pensamento do senso comum de 1 O anúncio analisado foi publicado na Revista Lola, da Editora Abril, Edição 08, maio de 2011.

129 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tessituras e discursos da mídia: um jogo de significação no anúncio publicitário que as imagens não exigem muita atenção e\ou empenho por parte de seu espectador em virtude da naturalidade com a qual ‘se comunicam’, as linguagens da imagem transmitem uma quantidade quase que imensurável de informação, não só a partir do conteúdo que veiculam mas da sua expressão, ou seja, das maneiras pelas quais estão constituídas a partir de cores, formas, planos, enquadramentos, texturas e um enorme número de condicionantes que as tornam complexas. Em virtude deste grau de complexidade, a maneira natural com que as ‘consumimos’ cria a ilusão de que não há nada ali escondido, quando, na verdade, são eminentemente dotadas de uma vastidão de sentidos. “(...) A expressão visual é o produto de uma inteligência extremamente complexa, da qual temos, infelizmente, um conhecimento muito reduzido. O que vemos é uma parte fundamental do que sabemos (grifo do autor), e o alfabetismo visual pode nos ajudar a ver o que vemos e a saber o que sabemos” (DONDIS, 2007, p.27). De acordo com Peruzzolo (2010), ver uma imagem significa muito mais do que apenas percebê-la, mas representá-la e revesti-la de sentidos e valores. Assim, valendo-nos da teoria da semiologia dos discursos e das teorias de enunciação, buscaremos aqui analisar a seguinte publicidade de revista (figura01) e observar as estratégias discursivas utilizadas principalmente no texto, icônico na produção de suas significações.

FIGURA 01 – anúncio da Lupo: renda homens apaixonados O anúncio dividido em duas páginas possui a seguinte descrição: trata-se de uma fotografia. À esquerda, em plano aproximado, vemos o corpo de uma mulher magra, de pele branca, na posição frontal e rosto levemente inclinado para o lado, vestindo uma lingerie 130 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Zanini Salbego vermelha. O enquadramento escolhido para a imagem permite que observemos a modelo em parte: da metade do rosto para baixo; da metade das coxas para cima e omitindo parte da mão esquerda. Como plano de fundo não muito afastado podemos perceber a presença dos detalhes arquitetônicos de uma porta ou parede na cor branca que fica em maior evidência no lado direito do anúncio. Compondo a atmosfera do anúncio, temos pétalas de rosas vermelhas que parecem estar ‘caindo’ no exato momento da captura da imagem. A iluminação desenvolvida na fotografia\edição cria um enfoque para o corpo da modelo e um escurecimento de seu entorno. Um pouco abaixo do centro horizontal da imagem, encontramos a mensagem textual, em fonte cursiva branca: ‘Renda homens apaixonados. Nova Coleção Lupo Lingerie rendada Barcelona’. Na parte direita inferior encontramos a assinatura do anúncio dentro de uma forma retangular na cor rosa, com a seguinte inscrição: ‘Lupo Lingerie – é confortável apaixonar assim’. 1. Dando as cartas: o discurso e suas estratégias Para que possamos dar início a nossas análises, faz-se necessário esclarecer alguns aspectos fundamentais. Analisar um discurso significa observar a relação dialógica dos sujeitos na fala, visto que estes criam formas de dizer e produzir determinados valores através das modalidades de fazer o seu discurso (PERUZZOLO, 2004). Nesta perspectiva, observamos os enunciados como marcas afetivas de sujeitos humanos, que se buscam e se realizam um no outro, na efetivação de um processo de comunicação. Isso quer dizer, que no momento de observar, o enxergaremos enquanto discurso, enquanto um enunciado produzido por um sujeito para outros sujeitos, numa teia de estratégias e relações que compõem as significações. “Há quem fala, quem produz um acontecimento comunicativo e há quem ouve/lê, que acolhe o texto, mas que sobretudo o reproduz. Assim, os protagonistas do intercâmbio comunicativo são dois sujeitos humanos” (PERUZZOLO, 2004, p.133). Este tipo de semiologia não se fixa nas relações internas dos elementos, mas nas relações fundamentais que a sustentam, no processo interativo entre os dois sujeitos, nas suas dimensões ‘transfrásicas’ (PERUZZOLO, 2004). Outrossim, o texto é sempre um ‘ENTRE’ os comunicantes, uma matéria que permite a situação de comunicação (PERUZZOLO, 2004). Assim o texto é a matéria significante que permite um falar, um dizer. De acordo com Charaudeau, “ele (o texto) se caracteriza pelas propriedades gerais de a tudo fazer falar” (2006, p.44). Isso quer dizer que é o texto, construído através de estratégias discursivas, escolhidas pelo enunciador, que faz falar o produto, que traz o produto, construído através de valores, para o mundo das trocas simbólicas, e assim pode 131 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tessituras e discursos da mídia: um jogo de significação no anúncio publicitário ser consumido. O nosso ENTRE é a mensagem produzida através do anúncio de revista, pois somente através das relações tecidas nesse discurso, é que os sujeitos interessados (o produtor do anúncio que representa a marca e os consumidores) poderão entrar em relação. O discurso depende da interação dos sujeitos no processamento de um enunciado. Para que um produto se torne manipulável ele deve passar pelo tratamento de um sujeito para outro sujeito. No anúncio em análise, o enunciador tece uma série de estratégias como, por exemplo, a utilização de uma mulher branca, magra e bonita dentro dos padrões midiáticos aceitos como tal, representando o público consumidor da Lupo, para persuadir o enunciatário, criando, assim, uma situação relacional. Isto para reafirmar que o discurso se forma, em primeira instância, na relação entre os sujeitos daquele processo de enunciação. De acordo com Charaudeau “todo ato de comunicação é um objeto de troca entre duas instâncias, uma de enunciação e outra de recepção, onde o sentido depende da relação de intencionalidade que se instaura entre elas” (2006, p.37). É importante frisar que o texto depois de escrito e modelado ‘toma vida própria’ e independente das intenções de quem o lapidou, passa a produzir efeitos de sentido de acordo com os elementos e estratégias utilizadas e de acordo com as capacidades dos sujeitos enunciatários. Por isso não é objetivo deste trabalho analisar ou tentar descobrir as intenções de produção e sim olhar para o que há para o que está posto e produzindo valores e efeitos de sentido no movimento do discurso. Nesse contexto, é fundamental compreendermos a diferença do par enunciado/ enunciação. O primeiro tem a ver com o dito, com o conteúdo, enquanto o segundo diz respeito às formas, às modalidades, as estratégias de dizer (PERUZZOLO, 2004). Assim, a enunciação, cuida das modalidades de dizer que estão ligadas ao enunciador, porque é ele que as escolhe. O enunciado é o produto concreto resultante das escolhas, das modalidades de dizer do enunciador em função do enunciatário. Assim temos o anúncio enquanto mensagem: o enunciado; e a enunciação o processo de escolha e construção das estratégias como a utilização de um plano próximo, por exemplo, como recurso de valorização do corpo da mulher e como criação de um efeito de subjetividade, conforme veremos a diante. Este mecanismo diz respeito ao dispositivo de enunciação, componente fundamental de todo processo comunicacional. Os dispositivos são mecanismos que possuem linguagem, limites e regras de dizer próprias. De acordo com Verón (2005), o dispositivo de enunciação é composto basicamente pelo enunciador; pelo enunciatário; e pela relação entre ambos, proposta no e pelo discurso. O enunciador é o sujeito que faz as escolhas, que arranja o discurso. Através da articulação 132 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Zanini Salbego das estratégias discursivas, o sujeito de enunciação busca tecer valores de vida e ofertá-los ao seu enunciatário. Para isso, os discursos são tecidos através de significados e sentidos. Assim, o enunciatário é construído pelo enunciador nos termos que ele constrói o seu processo enunciativo. Verón (2005) também fala de condições de produção para o destinador e condições de reconhecimento para o destinatário. As condições de produção dizem respeito aos instrumentos necessários para construir as frases, seu repertório, sua competência, as condições sóciohistóricas na qual está inserido, o conhecimento sobre o outro sujeito, entre outros. Assim, as condições de produção do enunciador da Lupo dizem respeito tanto ao seu conhecimento do dispositivo publicidade, inserido num outro dispositivo que é a revista. Dentro disso, ainda existem os conhecimentos e habilidades sobre o tratamento discursivo em textos verbais e icônicos, além dos saberes sobre o perfil do público, dentre outras coisas. Já as condições de reconhecimento são as possibilidades que o enunciatário possui de refazer o discurso conforme a sua cosmovisão, seu repertório, conhecimento do outro, etc. As condições de reconhecimento do enunciatário da Lupo dizem respeito a sua capacidade de decodificar os códigos verbais e icônicos, suas experiências, etc. As condições de produção e reconhecimento estão também atreladas ao que Carlón (1999), trazendo ideias de Jean-Marie Schaeffer, nos fala a respeito das imagens produzidas em dispositivos como a fotografia, o cinema ou a televisão. Ele afirma que essas imagens são interpretadas pelos espectadores ou destinatários de acordo com duas variáveis fundamentais: sua arché e seu conhecimento de mundo. Por arché entendemos o conhecimento que o destinatário tem sobre o dispositivo da qual aquela imagem foi gerada - qual seja, a capacidade que ele tem de distinguir que determinada imagem é uma fotografia - e seu conhecimento sobre os processos de produção e características específicas sobre o dispositivo. Já o conhecimento de mundo é aquele que permite ao destinatário inferir determinadas coisas sobre uma imagem através dos saberes que possui pela sua vivência, não necessariamente que tenha a ver com o dispositivo. Isso para dizer que as leituras semiológicas dependem destes dois tipos de conhecimento e fazem toda a diferença no momento da composição e da análise. A partir da arché e do conhecimento de mundo de ambos os sujeitos da enunciação é que se constroem as estratégias discursivas. Assim, “dizer enunciar quer dizer mais do que falar uma frase. Quer dizer que o destinador dela caminha um percurso de ações, no interior da língua, que faz dele um sujeito” (PERUZZOLO, 2004, p.134). Um discurso é aquele que põe em movimento as intersubjetividades e é sempre um dialogismo. De acordo com Pessoa 133 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tessituras e discursos da mídia: um jogo de significação no anúncio publicitário de Barros, “o dialogismo decorre da interação verbal que se estabelece entre o enunciador e o enunciatário, no espaço do texto” (1994, p.02). Ele é a relação natural da linguagem, o que quer dizer que cada palavra que é dita pertence a uma comunidade falante, e que jamais um significado poderia ser de uma só pessoa, o que implica sempre a presença de um outro na linguagem. “Nenhuma palavra é minha, mas é sempre nossa, traz em si a perspectiva de outra voz” (BARROS, 1994, p.03). O discurso tem algumas propriedades fundamentais, pois além de ser eminentemente dialógico, é arrumado sobre uma propriedade que chamamos de heterogeneidade constitutiva. Isso quer dizer que qualquer discurso produzido está enraizado em uma série de outros já existentes, não sendo nunca um ‘discurso-fonte’ (PERUZZOLO, 2004). Ao olharmos para o anúncio da marca LUPO podemos observar que ele está apoiado em uma série de outros discursos anteriores, como por exemplo, não é a imagem apresentada neste anúncio que trouxe originalmente a ideia de que uma mulher de lingerie fica sexy, ou que a textura das pétalas de rosas criam um sentido de suavidade, de estar flutuando; ou ainda, que a cor vermelha é a cor da paixão, pois este valores foram anteriormente constituídos em outros momentos e produtos da cultura e apenas são por este texto retomados. Enfim, sem a heterogeneidade constitutiva, a imagem talvez não significasse nada ou muito pouco, porque ela teria que se autoexplicar totalmente. Assim esta propriedade fundamental nos diz que a heterogeneidade são os diferentes discursos culturais que suportam determinado discurso. De acordo com Peruzzolo (2004), podemos concluir que nenhum texto é absolutamente original, pois nasce baseado em ideias cujo pronunciamento é permitido pela própria formação discursiva do enunciador. Isso se chama natureza constitutiva do discurso. Outra propriedade importante do discurso é a polifonia. A polifonia é a propriedade que diz respeito às marcas de outros na fala (PERUZZOLO, 2004). Como um dispositivo de enunciação sempre possui uma grande pluralidade de vozes (e esta é uma propriedade da linguagem, não há começo, não há um discurso original), o conceito de polifonia já está inserido no processo enunciativo. O conceito de monofonia trazido por autores como Barros (1994) aparece para mostrar determinados textos que tentam ‘esconder’ a presença das múltiplas vozes, deixando aparecer apenas uma. Assim, a monofonia é apenas um efeito de sentido que o enunciador de um texto pode tentar criar. As polifonias são facilmente identificáveis nos processo de tematização e figurativização das imagens, da qual falaremos adiante. Outro aspecto a ser abordado na construção do processo enunciativo é a diferenciação entre significados e sentidos. Através do processo de enunciação, o enunciador faz uma série 134 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Zanini Salbego de escolhas na construção de seu discurso, produzindo significados e sentidos. O significado constitui a referencialidade cultural do termo. É uma unidade cultural que circula na comunidade comunicativa e que está ligado ao enunciado, estando sempre amarrado ao texto, ligado ao grupo cultural. Já os sentidos se produzem para além dos textos, pois se ligam aos desejos e aspirações de quem fala. São eles que significam valores de conduta, formas de vida. Os sentidos não estão nas mensagens, mas nas relações entre os sujeitos e nas condições de seu fazer. As modalidades de dizer são aquelas que interferem nos efeitos de sentido. Desta forma, estes estão mais referidos aos contextos sociais, ao universo que suporta aquele dizer, qual seja, a situação de enunciação. De acordo com Peruzzolo, os efeitos de sentido são significados com uma potencialidade de sentimento e emoção, que se ligam sempre à vida de alguém, a um sujeito, que interferem no âmago dos significados. Os efeitos de sentido pertencem a estratégias de ler e produzir. São diferentemente trabalhados pelos sujeitos de enunciação. Estão sempre ligados ao valor, que é aquilo que funda o tipo de ação humana. A produção dos efeitos de sentido acontece diferentemente para cada sujeito de enunciação. Nenhum texto é automático, ou seja, os efeitos de sentido não são sempre os mesmos, mas também não podem ser qualquer um. De acordo com Véron, “um dado dispositivo de enunciação jamais produz um único efeito, mas sempre vários, conforme os receptores” (2005, p. 238). No processo enunciativo, o enunciador tem o mundo a sua disposição para compor a sua obra. De acordo com seus objetivos e tendo sempre em vista uma intencionalidade de acordo com o enunciatário, faz escolhas, deixa marcas e compõe um texto que faça sentido para si próprio na busca do outro. De acordo com Vilches (apud PERUZZOLO, 2004, p.09) o processo de composição consiste em transformar “um mundo a significar em um mundo significado”, uma vez que o enunciador tem um mundo de possibilidades no momento de tecer a sua obra, e quando a tece transforma as possibilidades em significados concretos. 2. Estratégias e táticas: (con)vencendo o adversário De acordo com Peruzzolo (2004), na construção das relações discursivas, a produção dos efeitos de sentido pode ser olhada através de diferentes tipos de estratégias: a produção dos efeitos de sentido de enunciação; os processos de tematização e figurativização e a construção dos efeitos de realidade. Os efeitos de sentido de enunciação compreendem a produção dos efeitos de subjetividade e objetividade num texto, ou seja, as relações do sujeito com a sua própria fala, observando

135 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tessituras e discursos da mídia: um jogo de significação no anúncio publicitário se o enunciador aproxima-se ou afasta-se do texto. No anúncio em análise, o enunciador se coloca próximo do enunciatário, criando um texto bastante subjetivo. Podemos afirmar isso ao observar, por exemplo, no texto a forma do verbo no imperativo: “Renda”. Aqui, o enunciador aparece aconselhando o enunciatário sobre como agir. Além disso, o estilo de tipografia utilizada aponta para a criação de um efeito de proximidade, uma vez que a tipologia cursiva remete à escrita à mão, pessoalizada. Além do texto verbal, a presença do enunciador é perceptível no enquadramento da imagem. Muito embora captada de um plano frontal e da altura normal do olhar (em oposição ao que poderia aparecer como plongé e contra-plongé – câmera alta e câmera baixa), a presença do enunciador é marcada pela escolha do recorte da imagem que não abarca o corpo todo, mas enfoca o tronco da modelo, local em que se posiciona a lingerie. Os efeitos de tematização e figurativização trabalham com os modos pela qual determinado tema é valorizado e como se formam as redes de associações deste tema dentro do texto. A organização do discurso é feita através de um processo argumentativo, na qual o enunciador constrói as suas estratégias enunciativas e para isso se vale de temas e figuras. Dentro do mecanismo de tematização e figurativização aparece outro mecanismo interessante, citado anteriormente, denominado polifonia. A polifonia é, segundo Peruzzolo, “a estratégia discursiva de fazer ressoar o sentido que circula em outros campos, com o intuito (sempre) de construir o efeito de verdade do que se diz” (2004, p.182). Através do percurso temático podemos observar as polifonias incidentes no discurso: nesta publicidade de lingerie ecoa como voz de outro campo a presença do termo verbal ‘Barcelona’ que evoca um sentido de status a partir de uma localidade europeia. Além disso, a polissemia engendrada a partir da palavra ‘renda’ ecoa a universos diferentes: a renda do tecido que compõe as lingeries em questão e ao mesmo tempo a ação de render, dominar homens apaixonados, ou seja, faz alusão ao universo da paixão, do desejo e do sexo. Como sabemos, o enunciado tem a finalidade de estabelecer valores de conduta para o outro sujeito através de estratégias de dizer e de organizar os textos. Esses valores se constroem através de percursos temáticos que por sua vez recebem investimentos figurativos. Os temas são assuntos, ou seja, uma ideia ou núcleo de ideias que sustentam determinado modo de ser, de pensar ou um valor. Afirma Peruzzolo (2004) que um tema é a proposição de uma ideiamotivo com a qual se desenvolve uma composição significante. A disseminação dos temas ocorre em forma de uma semiose que organiza a tessitura argumentativa do discurso. Ainda de acordo com Peruzzolo, “o percurso temático é o processo gerativo da argumentação” (2004, p.193), e o processo de “figurativizar é fazer uma imagem para referenciar as representações 136 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Zanini Salbego vividas” (2004, p.198), ou seja, revestir os termos com traços de lembranças sensoriais, na qual a narrativa parece desenvolver-se por ações experimentadas pelo enunciatário. Há aqui uma ideia interessante que Peruzzolo observa em Muray, a diferenciação entre narrativa e argumento. A narrativa é apenas um fato, mas o argumento é o que põe em ênfase uma causa. Por exemplo: ‘a mulher é sensual’ é um fato, mas ‘a mulher é sensual porque está de lingerie vermelha’ é um argumento, e assim podemos falar de argumentos visuais. O anúncio possui uma narrativa icônica argumentativa também quando olhamos a questão da sensação tátil que ela nos provoca, ou seja, a imagem como um todo nos provoca a sensação leveza em função da textura das pétalas de rosa a ‘deslizar’ pelo ambiente. O desenvolvimento temático - figurativo do anúncio em análise se constrói a partir de dois temas centrais: a mulher e sua relação com a sedução. Inicialmente temos o corpo da mulher, formado por curvas bem acentuadas (da cintura, os seios fartos, os lábios bem desenhados, etc), medidas e proporções que compõem um ideal atual e midiático de beleza. A tematização continua na utilização da lingerie. Por si só, a apresentação de uma mulher usando esta peça de roupa já constitui um índice de relação à sedução e ao sexo. Neste caso, a situação é intensificada pelo material que compõe a peça – uma vez que a renda imita certa textura natural que provoca a tatilidade. Além disso, a cor vermelha confere um fechamento de sentido a este universo. Ou seja, qualquer dúvida é eliminada acerca da intenção do sentido de sedução a partir do uso da cor vermelha na lingerie, na cor do batom, não esmalte das unhas e sobretudo, nas pétalas das rosas. O vermelho é a cor do sangue, e na sua oposição à violência, abarca os sentidos de paixão, sexo e sedução. Por fim, o núcleo temático é concluído com a presença das pétalas de rosas que levitam no anúncio. As rosas vermelhas, além de reforçarem o sentido da paixão\sedução, conferem à peça certa característica sinestésica: é quase possível sentir seu aroma envolvendo o corpo da modelo e todo a atmosfera ali criada. Por fim, a construção dos efeitos de realidade e os valores de verdade do texto, dizem respeito às estratégias utilizadas pelo enunciador para ancorar o enunciatário na sua própria realidade, fazendo com que ele aceite aquela mensagem como verdade para si. A principal função do discurso publicitário é construir tessituras que referenciem as experiências do telespectador, tornando-as compreensíveis e aparentemente reais. Para isso, faz uso de ações e acontecimentos de forma seqüencial e organizada unindo elementos, personagens e lugares reconhecíveis como reais e humanos. Estes são os princípios básicos para a criação dos efeitos de realidade. A instituição do valor de verdade de um texto só pode se fazer presente devido à 137 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tessituras e discursos da mídia: um jogo de significação no anúncio publicitário produção dos efeitos de realidade. Os feitos de realidade são indiciados, fixados através das referencialidades, que aparecem nos textos da forma mais concreta possível através de uma série de elementos (PERUZZOLO, 2004). Dizemos valor de verdade, porque dizem respeito a discursos, sujeitos e situações específicas, não tendo a pretensão da formação de verdades absolutas, mas de verdades relativas de uma mensagem a um sujeito específico. A formação deste valor de verdade é o recurso persuasivo que fará o destinador a aceitar os valores oferecidos pela mensagem. Trata-se da construção da verossimilhança, do que é símile e imita o real (CITELLI, 2002). O valor de verdade se constitui nos efeitos de realidade produzidos pelo texto. Os efeitos de realidade são aqueles que permitem afirmar as verdades do texto, que constroem certa ilusão de que aquilo que está sendo dito é de fato possível. Por isso, este tipo de efeito é de extrema importância para os dispositivos publicitários, que têm como objetivo a construção de enunciados que soem como possíveis e verdadeiros aos seus públicos. Os efeitos de realidade são possíveis através daquilo que Peruzzolo (2004) chama de efeitos de referente. Os efeitos de referente ou referencialidade são aqueles que, através de ideias situações, objetos, relações, do conhecimento do enunciador permitem a ele fazer uma ponte, um canal de suas experiências de vida com aquilo que está sendo dito ou mostrado, por isso se chamam referentes. Os efeitos de referente, por sua vez só são possíveis através de uma série de ‘concretudes’ nos textos ou nas imagens, aquilo que de fato mostra, revela, conta mais concretamente nas formas icônicas ou verbais, as situações ou objetos que referenciam o discurso. Este recurso persuasivo é em grande parte dos casos formado por aqui que Peruzzolo denomina ancoragem. Este processo cuida de colocar no texto espaços geográficos conhecidos, datas comuns, fatos históricos marcantes e outros elementos que o receptor tenha a condição de reconhecer como ‘reais’, vividos. “É um esforço codificante que visa tornar o sentido concreto, denotativo, de certo modo localizável, sensível, ‘iconizando-os’, como se fossem transcrições/ cópias da realidade” (Peruzzolo, 2004, p.166). Este efeito visa embasar a narrativa em sentidos já vividos pelo enunciatário, que já estejam alocados em sua experiência, para que se crie um sentido de ‘acontecimento acontecido’ (Peruzzolo, 2004). O sentido de referencialidade se constrói de diversas formas. Uma delas é dar voz aos interlocutores do texto, seja de forma direta (efeito de testemunhalidade) ou indireta. Assim, as estratégias que estruturam os efeitos de realidade do texto se configuram em edificar a ilusão de realidade sobre datas, nomes, fatos histórico-geográficos, circunstâncias vividas, entre outros. De acordo com Peruzzolo “o sentido de referente, é então, construído por um jogo de remissivas 138 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Zanini Salbego de uns elementos para outros, constituídos numa cadeia semântica que circunscreve os diversos temas do texto” (2004, p.169). Na imagem, além dos recursos já citados, existe uma série de estratégias mais específicas que possibilitam a construção dos efeitos de realidade. Como as imagens são formadas de linguagens específicas que englobam outros elementos que vão muito além da linguagem da palavra, algumas estratégias como o posicionamento das linhas de orientação da imagem, os ângulos de câmera utilizados e os pontos de vista, assim como a seqüencialidade dos fatos e a semelhanças entre as narrativas real e diegética, entre outras, são estratégias que auxiliam na produção destes efeitos de realidade. As publicidades são discursos que sempre tem o propósito de anunciar algo que é real para alguém e se valem de todo o tipo de estratégia enunciativa para produzir a sua própria verdade. Por vezes os discursos em publicidades são baseadas em elementos da fantasia, da mitologia ou da magia, por vezes utiliza-se de recursos que mostrem mais claramente os aspectos da realidade, ou ainda unem-se ambos os aspectos em uma mistura de fantasia-real. 3. Fim de jogo: observações sobre os discursos publicitários A semiologia dos discursos e as teorias da enunciação são importantes na medida em que nos facultam entender os meandros da vasta produção de sentidos do mundo da publicidade. Cabe a nós compreendermos, que a partir das mais eloquentes estratégias de enunciação, a publicidade vem paralelamente sendo construída e construindo os valores e relações sociais que permeiam nossa cultura. Conforme aponta Landowski, “a razão de ser da iconografia publicitária não é unicamente fazer comprar este ou aquele produto. Antes disso, ela deve criar a manter uma disposição afetiva mais difusa, que condiciona o sujeito à possibilidade do ato. (...) Onipresente, estimula um desejo em estado puro, imediatamente não dirigido a um objeto particular (...) Todas as marcas podem tirar proveito deste ‘espectro’ de imagens que se forma”. (LANDOWSKI, 2006, p.22)

Neste sentido, o dispositivo publicitário trabalha na construção de um universo partilhado, de emoções e sensações em que o valor da sedução aparece como primordial. No caso do anúncio da marca Lupo, a observação das estratégias de enunciação, dos percursos temáticos e figurativos confirmaram esta premissa. Um estado de desejo criado na grande maioria das vezes no sentido da captura do outro, conforme preconiza Landowski: 139 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tessituras e discursos da mídia: um jogo de significação no anúncio publicitário “Fazendo a abstração das potencialidades estésicas ligadas à própria matéria ou conformação dos produtos (...) a publicidade costuma valorizar os itens oferecidos de maneira indireta, substituindo todas as formas de prazer sensorial que os objetos apresentados poderiam dar por um único tipo de prazer, o prazer sexual (ou, eufemicamente, o amoroso), que, mais ou menos arbitrariamente, pode ser associado ao consumo” (LANDOWSKI, 2006, P.20).

Esta maneira de realização das escolhas no processo de enunciação revela aquilo que a sociedade tem elencado como primordial. “A gramática desse jogo traduz, em definitivo, de modo revelador, o ethos de uma sociedade na qual, aparentemente, o prazer narcísico de fazer de si o objeto do desejo do outro deve ser privilegiado antes de qualquer outro tipo de relação” (Idem, p.30). Se ao enunciatário cabe interpretar, ao enunciador cabe reger as estratégias discursivas instituindo entonações, falas, gestos, movimentos e criando as leituras. No caso do anúncio, cabe a este enunciador fazer tanto as escolhas verbais quanto icônicas e seu devido entrelaçamento. A questão é ter cautela a cerca dos valores de mundo produzidos e veiculados a través das formas discursivas. Conforme aponta Peruzzolo, “A responsabilidade da publicidade não está nela como dispositivo, mas na proposição pessoal do comunicador que a promove. Se ele toma as decisões não pode mais funcionar meramente como um técnico. Seu agir tem de ser responsável, pois, ética e responsabilidade não são valores devidos nem à ciência nem à publicidade. Os valores se referem particularmente às ações humanas (...)” (2010, p.168).

Cabe, assim, aos profissionais da publicidade entenderem sua carga de responsabilidade e atentarem para escolhas que sejam eficazes, e ao mesmo tempo, eticamente aceitáveis e benéficas à sociedade.

Referências

BARROS, Diana Pessoa de. & FIORIN, José Luiz (orgs). Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade: em torno de Bakhtin Mikhail. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994. CARLÓN, Mario. El lugar del dispositivo en los estúdios sobre televisión. 1999.

140 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Juliana Zanini Salbego CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto, 2006. CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. SP: Ática, 2002. DONDIS, Donis. Sintaxe da linguagem visual. SP: Martins Fontes, 2007. FAUSTO NETO, Antônio (org). Os mundos da mídia: Leituras sobre a produção de sentidos midiáticos. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 2006. FLAUSINO, Márcia Coelho. Fragmentos de um discurso sobre aborto. Artigo. LANDOWSKI, Eric. O triângulo emocional do discurso publicitário. In: Revista Comunicação Midiática. Programa de Pós-graduação em Comunicação - UNESP. Nº 06. Ano 03. Dez, 2006. MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. São Paulo: Pontes, 1993. METZ, C., PÉNINOU, G. et al. A análise das imagens. Petrópolis: Vozes, 1973. PERUZZOLO, Adair C. Elementos da semiótica da Comunicação. São Paulo: Edusc, 2004. ______________________. A Comunicação como Encontro. SC: Edusc, 2006. ____________________. Entender Persuasão. Curitiba: Honoris Causa, 2010. PIETROFORTE, Antonio V. Semiótica visual: os percursos do olhar. São Paulo: Contexto, 2004. REQUENA, Jesús Gonzáles. El discurso televisivo: espetáculo de la posmodernidad. ROCHA, Everardo P. Guimarães. Magia e Capitalismo. Um estudo antropológico da publicidade. São Paulo: Brasiliense, 1995. SABORIT, Jose. La imagen publicitária em television. Madrid: Cátedra, 1994. SODRÉ, Muniz. Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. VERÓN, Eliseo. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2005.

141 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tessituras e discursos da mídia: um jogo de significação no anúncio publicitário VESTERGAARD, T. & SCOREDER, K. A linguagem da propaganda. SP: Martins Fontes, 1994. ___________________ Que se vê do mundo? Imagens no Discurso da informação. Título original: Que voit-on du monde? Images dans le discours de 1ª information. La recherche Fotografique, paris, n 7, p.41-43, 1989, editions Hazane. Tradução de Adair Caetano Peruzzolo para estudo específico do Grupo Imagem. Universidade Federal de Santa Maria.

142 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursos em conflito: imagem, mídia esportiva e violência no futebol Magnos Cassiano Casagrande RESUMO

ABSTRACT

A imagem, além de funcionar como um

Image, in addition to functioning as an analogue

análogo do real, é uma construção subjetiva

of the real, is a subjective construction that

que carrega e corresponde a sentidos, valores

loads and correspond to senses, values ​​ and

e intencionalidades dos sujeitos humanos.

intentions of human subjects. The semiotic

O esforço analítico do estudo sustenta-se

contribution, the discourse conceptualized as a

através de um aporte semiótico e do discurso

space for interaction between subjects, and the

conceituado como um espaço de interação

inclusion of sociological and historical aspects

entre os sujeitos, além da inserção de aspectos

about football and the phenomenon of violence

sociológicos e históricos a respeito do futebol

in football sustains the analytical effort of the

e do fenômeno da violência no futebol. Desse

study. Therefore, one may question through two

modo, questionam-se através de duas ilustrações

illustrations and a journalistic cartoon, building

e uma charge jornalística, a construção de efeitos

effects of verisimilitude in imagistic discourse,

de verossimilhança no discurso imagético, os

stereotypes and generalizations supported by

estereótipos e generalizações sustentados pela

the sports media in relation to the fans and one

mídia esportiva em relação aos torcedores e

thinks about representation of the disinterest of

reflete-se sobre a representação do desinteresse

the authorities regarding seek solutions to the

das autoridades no que tange buscar soluções

problem.

para o problema. Palavras-chave

Keywords

Efeito de verossimilhança. Imagem. Discurso.

Effect of verisimilitude. Image. Speech.

Estereótipo. Violência no futebol.

Stereotype. Football violence.

Magnos Cassiano Casagrande | Mestre em Comunicação Midiática pela Universi-

dade Federal de Santa Maria. Bacharel em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria - Rio Grande do Sul - Brasil. [email protected]. 143 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Magnos Cassiano Casagrande Introdução O discurso imagético sustentado pela lógica jornalística é, assim como o discurso verbal, um espaço de encontro e de interação entre os sujeitos. Um espaço propenso à circulação de intencionalidades e estratégias em que se produzem efeitos e movimentam-se valores. Os sentidos possíveis de serem auferidos em um discurso resultam também de aspectos socioculturais que constituem os sujeitos da enunciação. Junto a um valor de verossimilhança que as imagens jornalísticas carregam, surgem outros valores, valores humanos, sociais e culturais, que compõem a construção discursiva dos enunciadores a respeito dos torcedores que praticam atos de violência nas praças esportivas brasileiras e dos demais agentes envolvidos com o fenômeno, entre eles, autoridades que comandam o futebol brasileiro. Sustenta-se que uma imagem, seja fotografia, ilustração, desenho é, como afirma Peruzzolo (no prelo), “uma obra de algum ou de alguns seres humanos”. De acordo com Joly (2007, p.67), “a imagem pode servir de instrumento de intercessão entre o homem e o próprio mundo”, consequentemente, ela é considerada “como produção humana destinada a estabelecer uma relação com o mundo”. Desse modo, surge carregada de efeitos de sentido e valores e está apta a despertar os mais variados sentidos no sujeito que a lê, que a interpreta. O presente estudo propõe discutir questões relacionadas ao fenômeno da violência no futebol através das imagens selecionadas, aspectos ligados a constituição de um efeito de verossimilhança e a sustentação, pelas instâncias enunciativas, de um estereótipo de vândalo e de bárbaro sobre os torcedores organizados. Dois desenhos que representam torcedores individualmente, publicados pelo Jornal Zero Hora, e uma charge que expõe um viés opinativo a respeito do fenômeno da violência no futebol, publicada pelo jornal Sul21 formam o conjunto de imagens sobre o qual se debruça o presente esforço analítico e reflexivo. O esforço analítico sustenta-se por um aporte semiótico e por um aporte discursivo. O primeiro investiga a imagem como um efeito de verossimilhança, como uma constituição heterogênea, conforme Joly (2007), composta por signos icônicos, plásticos e linguísticos, e também, como um objeto construído e consequência da vivência e da cultura dos sujeitos humanos, os quais buscam propagar sentidos e valores e estabelecer o agenciamento com o outro. O segundo, pensa o discurso como um espaço de interação entre sujeitos, intencionalidades e significações. Já o viés reflexivo debruça-se, especialmente, sobre o conteúdo difundido pelas imagens selecionadas acerca de aspectos sociológicos, culturais e históricos que envolvem o fenômeno da violência no futebol e sobre o tratamento dados a este pelo jornalismo esportivo. 144 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursos em conflito: imagem, mídia esportiva e violência no futebol 1. Futebol e violência: algumas nuances O futebol, como assevera Wisnik (2008, p.14), “comporta múltiplos registros, sintaxes diversas, estilos diferentes e opostos e gêneros narrativos, a ponto de parecer conter vários jogos dentro de um único jogo”. Caracterizado pela simplicidade, praticidade, acessibilidade e diversidade, o futebol desenvolveu-se como um espaço propenso a manifestação de múltiplas culturas e capaz de atrair imensa popularidade. Com efeito, o esporte supracitado é pensado pelo autor como “o nó cego em que a cultura e a sociedade se expõem no seu ponto ao mesmo tempo mais visível e invisível”. Conforme Wisnik (2008, p.398-399), o futebol destaca-se entre os esportes coletivos, pois “teve a originalidade de instaurar uma narrativa fluida, menos quantificável, mais interpretável, mais receptiva à expressão das diferenças culturais, e, nesse sentido, mais ‘multicultural’ que a dos outros esportes modernos”. Sua prática simples e acessível fez com que atravessasse e interligasse culturas e grupos sociais variados. Com efeito, tem a capacidade de fazer interagir “múltiplas lógicas de maneira polêmica, polissêmica e internamente articuladas”. No entendimento de Murad (2012, p.99-101), o futebol é comumente tratado como um ritual de “violência simbólica”, uma violência indireta, sendo integrante de um processo civilizacional que “evita e esvazia a violência direta”. Por apresentar como essência a coletividade e ser muito popular, funciona, frequentemente, como um fenômeno voltado à não violência, dimensão que é muito maior que a dimensão oposta, a da violência. No entanto, real e simbólico são faces de uma mesma moeda, e estão separados, ao menos no fenômeno da violência no futebol, por um “frágil limite” que, segundo o autor, ajuda a explicá-lo: “Potencialmente, a violência estaria sempre pronta a emergir e a ultrapassar as fronteiras da ordem, da lei, das regras, do controle social (...) é sempre uma possibilidade humana, além de uma possibilidade social”. Maffesoli (1987) assevera que a violência é um fenômeno inerente a todas as civilizações que precisa de constante negociação. Murad (2012) assinala que a violência encontra explicações mais sólidas através da influência exercida pela sociedade. São as circunstâncias sociais que a tornam uma manifestação real. Sendo um índice interno do processo social, como lembra Wisnik (2008), o qual enfrenta variadas situações de violência, o futebol é atingido pela violência existente na sociedade como um todo, conforme nos diz Elias (1992). Helal (2007, p.39) também pensa que a violência entre torcedores está mais ligada a um contexto geral de violência que permeia, principalmente, as grandes cidades, do que algo “típico do universo futebolístico”. Com efeito, para o autor, o 145 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Magnos Cassiano Casagrande futebol pode ser considerado uma vítima, pois, em virtude de sua popularidade, da capacidade de atrair multidões, não consegue se desvincular dos problemas que acompanham a sociedade. O jogo e a competição são manifestações de uma sociedade, com efeito, as situações que neles se desenvolvem, de algum modo, estão em consonância com aspectos dessa sociedade; aparecem, conforme Dunning (1992, p.302), “entrelaçados (...) com a estrutura da sociedade em geral e com a maneira como esse tecido é entrelaçado no âmbito da estrutura das interdependências sociais”. Desse modo, no entendimento de Elias (1992, p.216), um provável nível de civilização relacionado às atividades esportivas, sobretudo as competitivas como o futebol, “mantém-se incompreensível se não for relacionado, pelo menos, com o nível geral de violência socialmente permitida, com o nível de organização do controlo da violência e com a correspondente formação da consciência em causa”. Devemos considerar que a frequente violência envolvendo torcedores pode demonstrar, no entendimento do autor, “um sintoma de algum defeito na sociedade em geral”1. Aprofundando a questão, pode-se dizer que a violência no futebol resulta da falta de organização, da incompetência e negligência, tanto de autoridades governamentais, como daquelas responsáveis por organizar o futebol brasileiro, da segurança insuficiente e inadequada, do transporte público insuficiente, da impunidade, do desrespeito ao torcedor tanto no estádio, como para chegar ao palco do jogo, dos jogos em horários tardios, em virtude do interesse de determinado conglomerado midiático, além de três condições apontadas por Teixeira (2000, p.6) que ajudam a compreender o fenômeno: “a juventude, cada vez mais esvaziada de consciência social e coletiva; o modelo de sociedade de consumo instaurado no Brasil que valoriza a individualidade, o banal e o vazio; e o prazer e a excitação gerados pela violência ou pelos confrontos agressivos”. Na violência entre torcidas organizadas, entre torcedores do mesmo clube e inclusive entre integrantes de uma mesma torcida, diz Wisnik (2008, p.53), que “Desaparecem as mediações simbólicas em que se entretecem os opostos, prevalece a descarga imaginária e real na base do tudo ou nada”. O jogo perde seu caráter “lúdico-simbólico” e a figura do rival é transformada na figura de inimigo, na figura de um sujeito inferior que deve ser mantido como tal. Quem vê o outro (o rival) como inimigo parece ter medo que seu espaço seja invadido, que sua imagem, que já é frágil, seja deturpada, ou seja, busca, segundo Sodré (2002, p.98), a “conservação imaginária de si mesmo”. O ataque ao outro, retomando Wisnik (2008), “é um atentado à própria precariedade da auto-imagem”. Um ataque à frágil capacidade de estabelecer 1 ELIAS (1992, p.88).

146 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursos em conflito: imagem, mídia esportiva e violência no futebol uma convivência pacífica com o adversário. Um discurso de culto a honra, a disposição para a luta, a masculinidade e ao perigo, conforme Teixeira (2000), é visto como obrigatório para os integrantes desses pequenos agrupamentos que prezam pela violência. Helal (2007, p.39) coloca o conflito e a rivalidade como intrínsecos ao jogo e ressalta a necessária preservação e existência do outro oponente para que a competição exista: “os times de futebol existem para serem rivais, cientes de que a rivalização é inerente ao esporte e que, por isso mesmo, eles não devem nunca levá-la às últimas consequências, eliminando um oponente, pois isto representaria o fim do drama esportivo”.

2. Imagem: considerações básicas A imagem, de acordo com Aumont (2001), representa o mundo. Tal representação

resulta em um conjunto simbólico, o qual está ligado e é influenciado por aspectos socioculturais variados, dependentes da situação representada. Conforme o autor, o efeito de real, através da imagem, diz respeito a uma possibilidade de existência, ou possibilidade de ter existido aquilo que está sendo visto pelo enunciatário/destinatário. As imagens, segundo Verón (2004), são marcas não linguísticas que funcionam como operadores de sentido, ou seja, configuram-se como estratégias discursivas que criam um efeito de verossimilhança e servem para apresentar os intuitos do sujeito enunciador. Na tentativa de representar o real através da imagem, Dalmonte (2008, p.42) afirma que “Dentre as formas de representação, a que mais parece se aproximar do real é o ícone, pois estabelece uma relação com seu objeto, pautada pela semelhança, ainda que não seja uma reprodução ponto por ponto”. Villafañe (2006, p. 50) afirma que toda imagem tem sua origem calcada em uma realidade. O autor compreende que qualquer manifestação icônica “posee un referente en el mundo de las apariencias sensibles, pero como una imagen en ningún caso significa una traducción mecânica de su referente, el resultado no es outro que una cualificación de la realidad manifestada a través de la imagen”. A imagem, desse modo, pode ser tomada como algo verossímil em relação a determinado referente. A fotografia, por exemplo, além de funcionar como cópia do real, atestando, no entendimento de Navarro (2010, p.86), “a característica lacunar dos discursos” e, ancorar o que é dito pelo enunciador, revela a existência de uma ação praticada e produzida por sujeitos. De acordo com Barthes (2009, p.14), a fotografia jornalística funciona como um análogo do real, no entanto, não é apenas isso, é também “um objeto trabalhado, escolhido, composto, construído,

147 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Magnos Cassiano Casagrande tratado segundo normas profissionais, estéticas ou ideológicas” e, ao mesmo tempo, é “lida (grifo do autor), vinculada, mais ou menos conscientemente, pelo público que a consome, a uma reserva tradicional de signos”. Segundo Mauad (1996, p.75), a fotografia ultrapassa a ideia de análogo do real, assim, ela é “o resultado de um ato de investimento de sentido, ou ainda uma leitura do real realizada mediante o recurso a uma série de regras que envolvem, inclusive, o controle de um determinado saber de ordem técnica”. Ou seja, faz parte da experiência vivida, é um ato da vivência humana e o resultado de um dado, ou situação percebida que recebe uma carga valorativa. Sobre a leitura da fotografia, Barthes (2009, p. 21-23) afirma que ela depende da cultura, do “conhecimento do mundo” e que joga com “o suposto saber de seus leitores”. No entendimento de Joly (2007, p.43), em virtude de funcionar como semelhança, a imagem é inserida na “categoria das representações”. Explica a autora: “Se ela se assemelha é porque ela não é a própria coisa; a sua função é pois a de evocar, a de significar outra coisa que não ela própria utilizando o processo da semelhança. Se a imagem é entendida como representação, tal significa que a imagem é entendida como signo”. À imagem, desse modo, pode-se atribuir um caráter de verossimilhança, o qual não revela uma “conformidade entre um discurso (...) e a realidade”, mas, como sublinha a autora, revela uma “conformidade entre um discurso (ou uma narrativa) e a expectativa, ou discurso segundo e coletivo, da opinião pública”. Ou seja, trata-se de uma relação não com o real, “(como sucede com o verdadeiro), mas com aquilo que a maioria das pessoas acredita ser o real e que se manifesta no discurso anônimo e não pessoal da opinião pública”. Através do pensamento bakhtiniano, pode-se dizer que ambos os sujeitos da enunciação, o enunciador e o enunciatário, o produtor e o receptor da imagem (fotografia, desenho, ilustração) são igualmente responsáveis e ativos na elaboração do sentido da mesma. O sentido começa a se formar na instância de enunciação e só se completa no sujeito que a vê ou que a lê. Na imagem representam-se aspectos sociais, históricos e culturais dos sujeitos ou dos acontecimentos. Com efeito, representam-se os intuitos do sujeito enunciador, ou seja, as representações que ele tem dele mesmo e as representações que ele elabora a partir do outro. Cada uma dessas representações, segundo Charaudeau e Maingueneau (2012), está na construção discursiva realizada. 3. Imagem, violência e representação midiática Maggioni (2011, p.42) assinala que “O homem que vê uma imagem, vê a partir de

148 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursos em conflito: imagem, mídia esportiva e violência no futebol valores que já formou e que tem como verdadeiros”. Já o homem responsável por produzir uma imagem, a faz “a partir de valores seus, procurando objetivar nela valores caros ao outro”. Vejase que este aspecto está claramente explícito em ilustrações como a intitulada “Desordeiro”.

Figura 1: Desordeiro Fonte: Zero Hora, 21 mar. 2013 O enunciador vale-se de sua posição para apresentar os valores que, para ele, estão associados aos torcedores violentos: o vandalismo, a própria violência, a associação com a bebida alcoólica quando coloca-o segurando uma garrafa marrom com as letras “XXX” que representa qualquer marca de cerveja e, até a truculência, representada pelo porte de um pedaço de madeira em uma das mãos. Pensa-se que a utilização dessa imagem pela instância jornalística serve para incitar o outro sujeito da enunciação a elaborar seus sentidos ou compartilhar aqueles que o enunciador está propondo. A representação do pedaço de madeira, além de despertar o sentido de truculência e covardia, apresenta um instrumento seguidamente utilizado em confrontos entre torcedores, não apenas nos estádios, mas, principalmente, em seus arredores. Além disso, é capaz de ativar na memória de quem vê a imagem, a lembrança do fatídico confronto entre torcedores de Palmeiras e São Paulo, no ano de 1995, em que um integrante de uma torcida organizada morreu em virtude de ser atacado por instrumento semelhante. O enunciador, desse modo, além de criar um efeito de verossimilhança, aciona no discurso a memória de situações passadas, aspectos sociohistóricos e valorativos referentes ao fenômeno da violência. Já a garrafa de bebida alcoólica sugere que o álcool possui presença certa entre os torcedores, pode encorajá-los e inflamar o conflito. A cara fechada sugere um sujeito malhumorado e inflexível. Já a camisa esfarrapada sugere que os torcedores violentos são de origem humilde. A sustentação do estereótipo de pobreza dos torcedores, especialmente os violentos, conforme afirma Murad (2012; 2007), constitui uma inverdade. Segundo o autor, a presença de pobres e desempregados é grande entre as torcidas organizadas, no entanto, existem muitos

149 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Magnos Cassiano Casagrande indivíduos de classe média-alta, inclusive nas lideranças. Destaca-se que o enunciador propaga um estereótipo comumente utilizado pela mídia esportiva brasileira, ao longo dos anos, para referir-se a torcedores integrantes de torcidas organizadas: vândalos, arruaceiros, violentos e pobres. Especificamente em relação aos violentos, a baixa renda e o baixo nível social são os aspectos predominantes. A respeito da noção de estereótipo, Pozobon (2009, p.108), baseada em Walter Lippmann, escreve que o termo pode ser definido “como uma forma de impor um sentido de organização à sociedade, impedindo a flexibilização do pensamento na avaliação ou comunicação de uma realidade ou alteridade em prol da manutenção e da reprodução das relações de poder”, ou seja, os estereótipos são “construções simbólicas resistentes à mudança social”. De acordo com Pozobon (2009, p.111), “a atividade comunicativa, ao mobilizar representações estereotipadas, busca aproximar os receptores e criar reconhecimentos”. O reconhecimento a que se refere a autora, desenvolve-se, como mencionou-se acima, através de valores e sentidos que são compartilhados através dos discursos. A sustentação e disseminação desses estereótipos, tanto no discurso imagético, como no discurso verbal2, impede, consideravelmente, nas instâncias midiáticas e, por vezes, na opinião pública, a instauração de um debate mais adequado e profundo sobre o fenômeno sociocultural da violência no futebol. Observa-se através das leituras de Reis (2006) e Murad (2012, 2007) que, para parte considerável da mídia esportiva não interessa propor um debate sobre a individualidade, a função do sujeito em uma coletividade, a relação de sociabilidade que acompanha o futebol, as transformações do modo de torcer em virtude das transformações movidas pelo mercado financeiro pelas quais o futebol passa. Há a preferência pela disseminação de um discurso carregado de estereótipos e generalizações. Além disso, entende-se que a violência transformouse no único critério de noticiabilidade das torcidas organizadas, violência que é causada por uma minoria pouco representativa dentro dessas organizações, entre 5 e 7%, segundo estudos de Murad (2012; 2007). De acordo com Toro (2004), a violência no futebol não é uma invenção midiática. No entanto, atualmente, é através da violência, principalmente, que os torcedores organizados transformam-se em notícia. Esse enfoque acaba por deixar de lado, nas coberturas midiáticas, aspectos que influenciam consideravelmente a violência no futebol, como aqueles apresentados na seção “Futebol e violência: algumas nuances” do presente texto. Na opinião dos autores, as instâncias midiáticas devem evitar mostrar em demasia a 2 Sobre a constituição do discurso verbal a respeito da violência no futebol, uma discussão mais aprofundada pode ser encontrada em “Encenação jornalística da violência no futebol: estudo de estratégias discursivas, efeitos de sentido e valores” (CASAGRANDE, 2014).

150 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursos em conflito: imagem, mídia esportiva e violência no futebol atuação desses torcedores, pois, aparecer na televisão e estampar páginas de jornais é considerado um estímulo, um combustível para novas ações e para que outros indivíduos violentos associemse a setores perigosos das torcidas organizadas. Aufere-se que o jornalismo esportivo deixar de cumprir sua função ou a cumpre de forma equivocada. A pequena porcentagem de torcedores violentos faz das brigas em estádios e cercanias uma prática social ritualizada e a utilizam como um ícone de sua identidade. Sabe-se que grande parte da violência concentra-se em setores internos das torcidas organizadas, mas incutir na opinião pública que todos os torcedores são violentos é promover um reducionismo no pensamento a respeito de um problema social recorrente e atual. Ao mesmo tempo, esse tipo de cobertura deslegitima os torcedores a reivindicarem melhorias, condições mais dignas para assistir e chegar ao palco do jogo de futebol e cobrarem os clubes e federações. Conforme Pozobon (2009, p.111), “a estereotipia pode ser entendida como um saber prévio socialmente partilhado, um saber que não é construído durante o processo enunciativo, é anterior a ele”. Pensa-se que o saber é afirmado e sustentado ao longo do processo enunciativo, ou seja, é um saber que está no início do discurso, do relato de qualquer acontecimento violento. Com efeito, é possível que o discurso sobre os acontecimentos violentos já nasça influenciado por um saber carregado de estereótipos. A ilustração abaixo serve como um exemplo, no entendimento do enunciador, de como deveria ser castigado o torcedor que cometesse atos de violência em praças esportivas: o torcedor, praticamente imobilizado, sendo humilhado e colocado a receber seu castigo, no caso, alguns alimentos jogados em sua direção. Sustentado por Vladímir Propp, Maggioni (p.16-17) diz que “A representação das caricaturas e dos bonecos desenhados dentro da charge ridiculariza a imagem do homem”. Nota-se que a ilustração apresenta o estereótipo, ao menos no aspecto estético, de um torcedor muito conhecido nas décadas de 1980 e 1990, o Hooligan: que recebe atributos como brutamonte, indivíduo forte, mal-humorado, taxado como irracional, com a presença de cicatrizes – marcas das brigas já enfrentadas. Ressalta-se que a ilustração é uma tentativa de causar aquilo que Eliseo Verón chama de efeito de reconhecimento, pois busca fazer com que o enunciatário atrele a imagem do torcedor representado na ilustração aquele que o enunciador intenta representar via texto verbal, que, na publicação, está a seu lado e apresenta um sujeito que não vê soluções para os recorrentes casos de violência. Com efeito, incita o enunciatário a pensar num torcedor violento contemporâneo semelhante aquele do período referido.

151 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Magnos Cassiano Casagrande

Figura 2: Castigo Fonte: Zero Hora, 08 nov. 2012, p.49. Como assinala Peruzzolo (2014), “o relato iconovisual não é só uma realidade ficcional; é primeiramente um evento real que constrói uma história do homem na busca de sentidos (valores), representando agenciamentos, contratos e conflitos que marcam os relacionamentos humanos”. A ilustração, dessa forma, funciona, além de apresentar um torcedor estereotipado, como um elemento polifônico que traz para o discurso vozes constituídas em outras épocas e que sustentam a proposição do enunciador. Numa tentativa de combater os torcedores violentos, invoca-se um real histórico, em que indivíduos malfeitores seguidamente eram castigados em praças públicas. Assim, a ilustração funciona como uma estratégia que aproxima uma realidade passada dos intuitos do sujeito da enunciação. Tem-se aqui a tentativa de representação de uma situação hipotética, baseando-se em uma realidade histórica. Lembra-se que a representação, no entendimento de Rossini (1999), possibilita uma aproximação do real. Charaudeau (2006, p.47) afirma que as representações constroem “uma organização do real através de imagens mentais transpostas em discurso ou em outras manifestações comportamentais dos indivíduos que vivem em sociedade”. Assim, para o autor, “as representações apontam para um desejo social, produzem normas e revelam sistemas de valores”. A ilustração do hooligan aponta para diversos sentidos e para uma realidade passada carregada de valores negativos como a violência, o castigo físico e a humilhação do indivíduo humano frente a seus semelhantes. O enunciador imagina uma situação e a sustenta através do uso de uma ilustração, a qual atua, portanto, na construção de um efeito de verossimilhança, mesmo remetendo a uma situação hipotética. A ilustração do desordeiro e do torcedor sendo castigado constituem, dessa forma, estratégias para produção de um efeito de verossimilhança. Com a leitura icônica, segundo 152 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursos em conflito: imagem, mídia esportiva e violência no futebol Maggioni (2011), significados oriundos do campo semântico, no caso, violento, desordeiro, animal, truculento, mal-humorado, vândalo, brigão são convocados e funcionam para instaurar discursos a respeito dos sujeitos que praticam atos de violência em praças esportivas, os quais realçam aspectos sociohistóricos e culturais de tais sujeitos. Consequentemente, aufere-se que as referidas representações, seguidas de suas respectivas qualificações atuam na constituição do imaginário do leitor a respeito desse grupo de sujeitos. Agrega-se agora ao texto a charge de Latuff, intitulada “Violência nos estádios”, publicada pelo jornal Sul21 e que aborda aspectos como a negligência e a postura das autoridades frente ao fenômeno supracitado. Como fora feito com as duas imagens anteriores, realizar-se-á também uma leitura analítica e reflexiva sobre a representação da violência no futebol proposta pela instância enunciativa.

Figura 3 – Violência nos estádios Fonte: http://www.sul21.com.br/jornal/latuff-e-violencia-nos-estadios/. 10 dez. 2013

Enquanto a pancadaria entre torcedores de Vasco e Atlético Paranaense, em Joinville

– Santa Catarina – na última rodada do campeonato brasileiro, em meados de dezembro de 2013 toma conta da transmissão televisiva, a autoridade máxima da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e responsável por comandar e organizar as competições de futebol no Brasil, segundo o enunciador, “fecha os olhos para o problema” e sonha com a Copa do Mundo, mais especificamente, com o dinheiro que a competição pode gerar para a confederação. A ideia básica desenvolvida pelo enunciador nos remete a situações complexas em torno do fenômeno da violência. Primeiramente, detém-se à representação do acontecimento violento realizada pelo enunciador. O enunciador redesenha através de um retângulo com contornos cinza e uma imagem 153 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Magnos Cassiano Casagrande de fundo em azul, que remete a uma televisão, uma das cenas mais chocantes daquele fatídico jogo: um torcedor, deitado e desacordado apanha brutalmente de um grupo de torcedores; um daqueles que bate utiliza-se, o que pelo formato do desenho, de um taco de beisebol ou um pedaço de madeira (sabe-se que era um pedaço de ferro arrancado das grades de proteção). Enquanto isso, na mesma imagem, demais torcedores das duas equipes também digladiam-se com socos e pontapés. Como acontece na Figura 1, com o pedaço de madeira, aqui o desenho que remete a um pedaço de ferro, também aparece iconizado como uma arma. Já as armas dos demais são seus próprios braços e pernas. Pode-se concluir que é mais uma imagem, como as dezenas que correram os veículos de comunicação pelo mundo, que mostra torcedores violentos agindo. Isso gera mídia para esses indivíduos, como explica Reis (2006), e funciona como algo que motiva novos atos. Em segundo lugar, nos detemos aquilo que está na metade direita da charge jornalística: o presidente da CBF, José Maria Marin, dormindo em frente à televisão e a representação de seu sonho. O tom sereno, parecendo estar num sonho feliz, mostra o descaso com uma situação recorrente e preocupante. O enunciador, nesse momento, realiza uma crítica, não só ao presidente, mas à toda instituição e também às demais autoridades que comandam o futebol. Tais autoridades, representadas pelo presidente dormindo em seu sofá, são negligentes em relação ao fenômeno da violência nos estádios. Negligência que redunda em impunidade e dá liberdade para ações desses pequenos grupos de torcedores. Além da negligência, o “dormir” enquanto o acontecimento é apresentado “AO VIVO”, mostra conivência e desinteresse com a causa, e se transforma num signo de cumplicidade da mesma. O ápice da imagem está na representação do sonho do presidente: o possível lucro para a CBF que a Copa do Mundo de Futebol de 2014 trará. Copa do Mundo de 2014 que aparece através de sua marca, a taça redesenhada nas cores verde e amarelo. Já o sentido de lucro surge através da representação de um saco de dinheiro em formato redondo que lembra uma bola, que é agarrado pelas mãos que formam a taça. Nesse saco constam o símbolo do dinheiro, o cifrão $, e o ano de realização da Copa, 2014. Os traços ao redor do saco de dinheiro remetem ao brilho, a um pote de ouro que será a competição. Com efeito, é possível dizer que o enunciador cria um personagem com uma postura de relaxamento, de desinteresse, de desleixo ou de descaso para o problema sociocultural da violência no futebol. O que faz o personagem dormir e sonhar de forma serena não é a paz nos estádios, o respeito ao torcedor, ingressos com preços justos, condições dignas para assistir a um jogo, para chegar e sair dos estádios e o futebol bem organizado, mas o dinheiro gerado pela 154 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursos em conflito: imagem, mídia esportiva e violência no futebol Copa do Mundo ou por qualquer outra competição que a entidade des(organiza). Considerações finais

Buscou-se ao longo do texto mostrar a construção de um efeito de verossimilhança

através de imagens que abordam a temática da violência no futebol. Através das mesmas imagens, propôs-se um breve viés analítico e reflexivo sobre a constituição do estereótipo dos torcedores violentos, da visibilidade excessiva que a violência recebe das instâncias midiáticas, da generalização midiática que dissemina a ideia de que grande parte dos torcedores organizados são violentos e da negligência e desinteresse das autoridades responsáveis por comandar o futebol em buscar soluções ou alternativas para o fenômeno. Em relação ao primeiro aspecto, verificou-se através das imagens analisadas (dois desenhos e uma charge), que os enunciadores realizam um processo de transição entre aquilo que é abstrato, o valor de realidade, de verdade, e aquilo que pertence ao mundo natural, os elementos concretos, os fatos, os acontecimentos. Como resultado, tem-se discursivamente a constituição de um efeito de verossimilhança. Através das ilustrações, os enunciadores desenvolvem um conjunto de características em relação aos torcedores envolvidos em atos de violência nas praças esportivas. Com efeito, projetam-se nos discursos sujeitos brigões, truculentos, vândalos, mal-humorados, violentos e irracionais. Os estereótipos descritos, por vezes, são aplicados a todos os torcedores integrantes de uma torcida organizada, o que produz generalizações que são pontualmente criticadas, como mostrou-se ao longo do texto. Pensa-se que a mídia, mais especificamente, a esportiva, não é um dos principais motivadores dos atos dissidentes, mas cabe a ela uma atitude mais racional, pois possui um grande poder para ajudar nas soluções e na tentativa de diminuição da violência; certamente não será com a divulgação de ilustrações como as das figuras 1 e 2, que estão carregadas de estereótipos generalizantes.

Encerrando, afirma-se que o fenômeno da violência é recorrente, atual e precisa ser

encarado com seriedade pelas autoridades responsáveis e por todos os envolvidos com o futebol. Apesar de recorrente, concorda-se com Gastaldo e Helal (2013, p.120) quando dizem que a violência entre os torcedores mostra-se “como um evento de exceção, não como regra. No cotidiano, o bom humor é normalmente mantido, e uma réplica afiada é o melhor remédio contra uma provocação do adversário/amigo”. O que predomina e precisa ser ressaltado é o espírito do universo futebolístico, movido pela coletividade, pela interação, pela brincadeira, o

155 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Magnos Cassiano Casagrande qual pode ser usado, conforme os autores, como fonte de aprendizado tanto na vitória quanto na derrota, e pode servir de afago contra a lógica de mercado que parece desarticular e desvirtuar seus valores positivos.

Bibliografia

AUMONT. J. [1990]. A imagem. Tradução de Estela dos Santos Abreu e Cláudio C. Santoro. 6ª ed. Campinas: Papirus, 2001. BARTHES, Roland. O Óbvio e o obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2006. CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2012. DALMONTE, Edson Fernando. Efeito de real e jornalismo: técnicas e processos de significação. Famecos. Porto Alegre, n.20, p.41-47, 2008. DUNNING, Eric. A dinâmica do desporto moderno: notas sobre a luta pelos resultados e o significado social do desporto. In: ELIAS, Norbert. A busca da excitação. Lisboa. Difel. 1992. ELIAS, Norbert. A busca da excitação. Lisboa. Difel. 1992. GASTALDO, Édison; HELAL, Ronaldo. Homo Ludens e o futebol-espetáculo. Revista Colombiana de Sociologia. vol. 36, n.1. p.111-122, Bogotá-Colômbia, 2013. HELAL, Ronaldo. O futebol como sistema de comunicação: arena de conflito e integração. Leituras Compartilhadas, v. 6, p. 38-40, 2007. JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Lisboa, Ed70, 2007. MAFFESOLI, Michel. Dinâmica da violência. São Paulo. Revista do Tribunais, Edições Vértice, 1987. MAGGIONI, Fabiano. A charge jornalística: estratégias de imagem em enunciações de humor icônico. 2011. 129p. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Comunicação). Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria. 2011.

156 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Discursos em conflito: imagem, mídia esportiva e violência no futebol

MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e história interfaces. Tempo. Rio de Janeiro, vol.1, n.2, p.73-98, 1996. MURAD, Mauricio. A violência e o futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. MURAD, Maurício. A violência e o futebol. São Paulo: Benvirá: 2012. NAVARRO, Pedro. Uma definição da ordem discursiva midiática. In: GASPAR, Nádea Regina; MILANEZ Nilton (Orgs.) A (des)ordem do discurso. São Paulo: Contexto, 2010. PERUZZOLO, Adair Caetano. Elementos de semiótica da comunicação: quando aprender é fazer. 3. ed. rev. e amp. 2014 (no prelo). POZOBON. Rejane de Oliveira. Maradona ou Biro Biro? Estereotipias e dinamizações das identidades argentinas na mídia. Líbero. São Paulo. v. 12, n. 23, p. 107-115, 2009. REIS, Heloisa H. B. dos. Futebol e violência. Autores Associados, 2006. ROSSINI, Miriam de Souza. As marcas do passado: o filme histórico como efeito de real. Porto Alegre: UFGRS/Programa de Pós-Graduação em História, Tese de Doutorado, 1999. SODRÉ, Muniz. Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Vozes, 2002. TEIXEIRA. Rosana da Câmara. Futebol, emoção e sociabilidade: narrativas de fundadores e lideranças dos movimentos populares de torcedores no Rio de Janeiro. Esporte e Sociedade. v.1, ano 8. Campinas-SP, 2013. TORO, Camilo Aguilera. O espectador como espetáculo: notícias das Torcidas Organizadas na Folha de São Paulo (1970-2004). 2004. 145p. Dissertação (Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas). Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São Paulo, 2004. VERÓN, Eliseo. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Unisinos, 2004. VILLAFÃNE, Justo G. Introducción a la teoria de la imagen. Madrid-Spanã: Ediciones Pirámide, 2000.

157 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Magnos Cassiano Casagrande WISNIK. José Miguel. Veneno Remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras. 2008.

158 Imagem: estratégia, discurso e sentido

“Tudo é parte de um todo maior e mais complexo”: a busca dos efeitos de tematização em anúncio publicitário do Grupo Promon Fabiane da Silva Verissimo RESUMO

ABSTRACT

Neste artigo apresentam-se os efeitos de

In this article the effects of sustentation are

sentido de tematização em um anúncio de

showed in an advertisement of a magazine

revista cujo apelo é a sustentabilidade am-

whose appeal is the environmental susten-

biental. Para tanto, foi construído um marco

tability. It is concluded that syncronized

conceitual que embasou o estudo analítico.

solidarity was the value through which the

Concluiu-se que a solidariedade sincrônica

enunciation was organized in a very cohe-

foi o valor pelo qual o enunciado foi orga-

rent way using a theme based on the desire

nizado em um percurso temático muito coe-

of a more sustentable society.

rente com os anseios de uma sociedade mais sustentável.

Palavras-chave

Keywords

Publicidade. Sustentabilidade. Efeitos de

Publicity. Sustentability. Effects of the

sentido de tematização.

using of a theme.

Fabiane da Silva Verissimo

| Mestre em Comunicação Midiática pela UFSM. Pesquisadora do CNPq no grupo de pesquisa Processos e Práticas nas Atividades Criativas e Culturais - GPAC, da Universidade Federal do Pampa/Rio Grande do Sul/Brasil. E-mail: fabi@ comnet.com.br

159 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Fabiane da Silva Verissimo Introdução É uma das funções da publicidade social chamar a atenção para os problemas que afetam a sociedade. E, também: contribuir para a preservação e respeito ao meio ambiente; orientar para o consumo mais consciente; estimular práticas voltadas à reciclagem de resíduos sólidos; incentivar a produção e o consumo de alimentos orgânicos; criar atitudes individuais e empresariais de controle no consumo de água, terra e ar; incitar o uso de fontes de energia limpas e renováveis; estimular o respeito a novas gerações, enfim, sugerir novos hábitos, atitudes, comportamentos mais coerentes com as atuais demandas de uma sociedade mais sustentável, igualitária, solidária, justa e ética são desafios para a publicidade contemporânea. Certamente (trans)formar hábitos e atitudes não é tarefa fácil, pois exige que sejam empreendidos esforços quanto a mudanças efetivas nos valores e hábitos de uma sociedade inteira. Compete às empresas implementarem práticas sustentáveis e à publicidade apresentálas em argumentos persuasivos no intuito de orientar, educar, sensibilizar a sociedade de que os valores propostos são importantes e devem ser acolhidos. Nesse sentido, a persuasão tem um papel fundamental, porque precisa levar o sujeito a crer em novos modos de ser, agir e pensar. Concorda-se com Volli (2003, p. 16) quando diz que a função da publicidade é fazerfazer, persuadir a fazer, ou seja, fazer com que as coisas adquiram valor e esse valor seja aceito e acolhido. Nesse processo estão imbricadas estratégias - ações planejadas com o intuito de obter êxito e resultados positivos para os que estão envolvidos com os valores oferecidos; e a persuasão - recursos mais apropriados para despertar e manter a atenção, desencadear a aceitação e a adesão e levar à decisão e adoção de determinado valor. Os valores de vida ofertados pela publicidade contribuem para a formação e a configuração das relações que se estabelecem entre os sujeitos sociais. Com efeito, anúncios publicitários são espaços importantes de agenciamento persuasivo e articulação de sentidos, pois, diz Peruzzolo (2010), as narrativas publicitárias traçam a cultura do viver. A publicidade que menciona a sustentabilidade precisa apresentar um conteúdo e organizar estratégias persuasivas para dizer o que diz, buscando dar sentido (valores) à vida social e se posicionar “entre” o enunciador e o enunciatário para mobilizar suas subjetividades. Assim, ao afirmar valores, o enunciador faz escolhas que buscam alcançar a teia de valores do seu enunciatário. Entretanto, para que os valores propostos façam sentido e sejam acolhidos é preciso organizar o discurso em modalidades do dizer, as quais variam conforme suas intencionalidades. 160 Imagem: estratégia, discurso e sentido

“Tudo é parte de um todo maior e mais complexo”: a busca dos efeitos de tematização em anúncio publicitário do Grupo Promon Os valores concebem uma importância essencial na adesão ou interpretação de mensagens persuasivas. A publicidade não vende somente produtos e serviços, mas, sobretudo, prazer, satisfação, estilo de vida, modos de ser, agir e pensar. “Valor é aquilo que funda o fazer humano; e como tal é ele que determina a consciência do homem em relação às suas condutas no mundo” (PERUZZOLO, 2010, p. 123). Para levar os sujeitos a aceitar os valores propostos, o discurso da publicidade vale-se de uma diversidade de recursos, artimanhas e estratégias persuasivas, que podem ser manifestadas de diferentes modos. Geralmente, um anúncio publicitário é de natureza sincrética, ou seja, é constituído por duas linguagens básicas - a verbal e a icônica. A linguagem verbal diz respeito às palavras, frases e textos, e a linguagem icônica se refere à imagem: fotografia, pintura, desenho, gravura e suas particularidades. Neste estudo observou-se como uma empresa brasileira que atua nas áreas de engenharia, tecnologia e telecomunicações apresenta valores socioculturais acerca da sustentabilidade. É importante ressaltar que não se utilizará teoria da imagem, mas da leitura sociocultural da imagem, porque se entende que a mensagem verbal e não verbal se completam na constituição do sentido. Isso permite que se fale da relação de complementaridade que se estabelece no anúncio publicitário entre o texto e a imagem, em que um não pode abstrair-se do outro, pois, isoladamente, podem tornar-se ineficazes para alcançar seus intentos persuasivos. Para Joly “a complementaridade das imagens e das palavras também reside no fato de que se alimentam umas das outras” (1996, p. 121). Na publicidade, a imagem pode completar, reforçar, ancorar o argumento do texto e vice versa, e isso se deve ao fato de o texto publicitário constituir-se de um ‘todo’ de sentido. Nas palavras de Maingueneau, “um texto publicitário, em particular, é fundamentalmente imagem e palavra; nele até o verbal se faz imagem” (2008, p. 12). Assim, neste estudo busca-se entender de que modo o texto publicitário do grupo Promon efetua os investimentos temáticos para afirmar valores acerca da sustentabilidade. 1. A construção dos efeitos de tematização Os efeitos de tematização provêm dos modos como estão organizadas as ideias, pensamentos e valores no discurso. Dizem respeito à maneira com que o enunciador aborda um assunto que perpassa fluxos temáticos (motivos, cadeias de ideias) e os fluxos figurativos (formas peculiares de tematizar). Para desvendar os efeitos de tematização é necessário, antes

161 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Fabiane da Silva Verissimo de tudo, entender o significado das categorias ‘tema’ e ‘figura’. O tema é o assunto de que trata um texto, a ideia que se quer desenvolver, falar, argumentar; o assunto é a ideia que sustenta um pensamento sobre os modos de ser, fazer, crer, sentir e pensar de um sujeito. Nas relações intersubjetivas, o tema sempre vem amarrado a valores. “O tema1 é aquele valor de que um texto fala, não remetendo ao mundo natural, mas aos valores de vida do homem”. Um tema é organizado a partir de uma ‘ideia-motivo’ e essa, por sua vez, é composta de outras ideias, ou seja, um tema é sempre constituído de outros temas. Um texto é produzido com uma trama de temas que constituem uma unidade semântica que comporta outros temas específicos (valores operantes), que contribuem para a unidade semântica do tema geral (valor fundante). Fiorin defende que os temas são conceitos “que organizam, categorizam, ordenam os elementos do mundo natural” (2005, p. 91). Para Peruzzolo2 a categoria conceitual ‘figura’ afirma uma ideia ligada a alguma coisa conhecida, vivida, experimentada ou por conhecer, viver e experimentar. Para Fiorin (2005, p. 91), a figura se refere a algo que é perceptível no mundo natural, por exemplo, flor, casa, chuva, frio, dor, correr, voar, ... Para os autores, os temas e as figuras são dois níveis de concretização do sentido. O tema é um investimento semântico que não remete ao mundo natural, pertencendo ao nível do abstrato, e a figura é um termo que diz respeito a algo existente no mundo natural, concernindo ao nível concreto. Aqui, os termos concreto e abstrato não são polos que se opõem de modo absoluto, mas constituem um percurso gradual que pode ir do mais abstrato ao mais concreto. Dessa forma, os fluxos figurativos que fundam os discursos desempenham a função descritiva e representativa, e os fluxos temáticos têm a função predicativa ou interpretativa. “Aqueles são feitos para simular o mundo e estes, para explicá-lo” (FIORIN, 2005, p. 91). É importante frisar que a tematização sempre é anterior à figurativização. Primeiro, o texto é constituído de temas que, a seguir, pode ganhar as figuras. Assim, a figura é um modo de desenvolver um tema; ela pode estar presente em uma narrativa em forma de imagem ou de metáforas que representem experiências vividas. A tematização se desenvolve em uma espécie de jogo significante, estruturado em forma de texto, mediante palavras, frases. É por meio da forma e da organização dos elementos que constituem um texto que o enunciador propõe valores àqueles com os quais visa estabelecer uma relação de comunicação. Os valores que o enunciador quer afirmar são constituídos de 1 Anotações do Grupo de Pesquisa sobre Estudos de Imagem, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática, e coordenado pelo Prof. Dr. Adair Caetano Peruzzolo, 2012. (PERUZZOLO, 2012). 2 Idem.

162 Imagem: estratégia, discurso e sentido

“Tudo é parte de um todo maior e mais complexo”: a busca dos efeitos de tematização em anúncio publicitário do Grupo Promon traços significantes, como um percurso a ser vencido. Nesse processo é possível perceber como a cadeia significante se liga ou se desliga, confunde ou esclarece, estabelecendo coesões e difusões no decorrer do enunciado. Os efeitos de tematização e figurativização passam a existir quando, primeiro, se acompanha e se encontra o traçado das principais ideias e suas especificidades e, depois, se consideram e se reconhecem os investimentos figurativos pelos quais os valores são afirmados no texto proposto. Tematizar um texto é construir valores e organizá-los em percursos. Esses percursos são constituídos de traços semânticos que se disseminam no enunciado e recebem revestimentos figurativos que contribuem para a produção de efeitos de sentido. Todo o discurso busca construir um sentido de verdade e, para tanto, se apoia em ideias e outros discursos. Esse recurso de apoio em algo dito em outro lugar é denominado polifonia ou, também, heterogeneidade discursiva, dependendo dos autores. A polifonia é uma estratégia discursiva que se caracteriza por um tipo de texto que se deixa escrever por muitas vozes. “Falar de vozes presentes no texto significa afirmar a natureza social dos significados e sentidos, que se formam e se organizam sempre entre relações sociais” (PERUZZOLO, 2004, p. 182). A noção de polifonia auxilia a entender as estratégias persuasivas da enunciação, por exemplo, os valores e conceitos que estão em jogo, as estratégias de negação presentes, os modos de argumentação utilizados, o emprego de discursos diretos e indiretos, as citações, ou seja, as muitas vozes que se fazem ressoar no texto. Esses recursos polifônicos buscam sempre construir o efeito de sentido de verdade do que se diz. A necessidade de existir um texto dentro de outro texto, ou de um discurso dando suporte à produção de outro discurso é um fenômeno básico de produção de linguagem. Maingueneau (1989) fala em heterogeneidade do discurso para descrever o funcionamento, que representa a relação radical entre o interior e o exterior de uma formação discursiva. Para o autor, existem dois tipos de heterogeneidade: a mostrada ― que evidencia as vozes com manifestações explícitas; e a constitutiva – que faz referência à necessária pré-existência de textos que venham a possibilitar o aparecimento de uma fala. Isso quer dizer que nenhum discurso é original, sempre vem enraizado em uma série de outros discursos já existentes. De acordo com Peruzzolo (2004, p. 183), nenhum texto é definitivamente original, pois sempre surge a partir do encadeamento de ideias de quem o gerou. Assim, os textos são constituídos por uma infinidade de saberes anteriores que contribuem para a formação de um novo texto. Em anúncios publicitários, os textos são criados levando em consideração as necessidades e os desejos do público-alvo, as referências do produto, a visão, missão e valores da empresa que 163 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Fabiane da Silva Verissimo anuncia. Logo, são textos constituídos de muitas vozes. Todo texto publicitário está sempre amarrado a valores que o fundamentam e permitem sua existência. Para tanto é constituído de vozes implícitas e explícitas, a partir de recursos argumentativos racionais e emocionais que visam persuadir o seu público leitor/consumidor. Segundo Peruzzolo (2004, p. 197), “a argumentação é responsável pelo encadeamento das frases, de modo que formem um texto com sentido”. O argumento busca interferir nas representações ou convicções dos seus interlocutores, no discurso. Os encadeamentos discursivos podem ser configurados por duas grandes classes: os conectivos e os operadores argumentativos. Os primeiros servem para unir dois ou mais enunciados, dedicando a cada enunciado uma função particular dentro de uma estratégia argumentativa única; e os segundos aplicam-se a um enunciado único, ao qual atribuem um potencial argumentativo específico (MAINGUENEAU, 1989, p. 162). Dessa forma, para analisar um discurso sob seu aspecto temático é preciso desenrolá-lo, desconstruí-lo para extrair dali convicções, lições, sentidos, valores. Por exemplo, no texto do anúncio do Grupo Promon a sustentabilidade é tematizada na sua complexidade que envolve o “todo” e a “parte”, utilizando recursos oriundos da poesia e da crença. 2. Apresentação do objeto de análise A fim de situar o leitor, inicialmente apresenta-se o anúncio, depois uma breve descrição e a transcrição da linguagem verbal e, logo a seguir, as análises em termos de efeitos de tematização. A transcrição é apresentada para facilitar a leitura do texto, pois ao ser digitalizado perdeu a nitidez.

164 Imagem: estratégia, discurso e sentido

“Tudo é parte de um todo maior e mais complexo”: a busca dos efeitos de tematização em anúncio publicitário do Grupo Promon

Figura 01: Anúncio publicitário do Grupo Promon Fonte: GUIA EXAME, nov. 2011. O anúncio do Grupo Promon veiculou no GUIA EXAME, em novembro de 2011, no tamanho A4, colorido. É constituído de linguagem verbal - título, subtítulo, textos, slogan - e linguagem icônica - gravuras e logomarcas. Todas as informações estão alinhadas à esquerda, em fonte sem serifa. Os textos estão na parte inferior da página e a imagem ocupa metade do espaço do anúncio e fica na parte superior. A gravura é representada por folhas, galhos e árvores 165 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Fabiane da Silva Verissimo envolvidas em uma espécie de espiral e tem uma função muito importante, pois complementa a linguagem verbal. O verde, em suas tonalidades, preenche o título, a caixa que envolve o texto em forma de poema e as logomarcas. No anúncio há um texto em forma de discurso direto entre aspas, seguido de sua autoria e século de vida. O anúncio contém um símbolo que remete ao projeto da revista Guia Exame de Sustentabilidade que premia as empresas com responsabilidade ambiental. Os argumentos o qualificam como uma propaganda na sua dimensão institucional, à medida que procura apresentar a crença do grupo no que se refere à sustentabilidade. Segue a transcrição da linguagem verbal e o layout do anúncio. - Título: O Todo e a Parte - Subtítulo: Tudo é parte de um todo maior e mais complexo. - Texto: A compreensão da relação entre as partes e o todo é condição indispensável ao alinhamento de ideias e soluções de engenharia e tecnologia com o eixo da sustentabilidade. Essa é uma das crenças da Promon, que a exercita em tudo o que faz. - Texto auxiliar: “O todo sem a parte não é todo, A parte sem o todo não é parte, Mas se a parte o faz todo, sendo parte, Não se diga, que é parte, sendo todo.” Gregório de Matos, século XVII - Demais informações: Logomarca da empresa e do Projeto Guia Exame Sustentabilidade 2011 3. Ensaio analítico Barthes, ao analisar um conto de Edgar Poe, dizia que estava “tentando levantar e classificar sem rigor não todos os sentidos do texto... mas as formas, os códigos segundo os quais os sentidos são possíveis” (1977, p. 37). Também se partilha dessa perspectiva, ou seja, não se quer encontrar o sentido, nem um sentido do texto e sim contribuir para imaginar o plural no texto, analisando-se as escolhas e formas assumidas, enfim, os valores socioculturais que circulam em anúncios, cujo enfoque é a sustentabilidade ambiental. Ao procurar os efeitos de sentido de tematização em um anúncio, inicialmente é preciso verificar os traços ideativos disseminados no enunciado e, posteriormente, os revestimentos figurativos. No anúncio analisado há uma trama de temas ou subtemas (valores operantes) que contribuem para a unidade semântica do tema central (valor fundante). Assim, em um primeiro momento, buscou-se identificar o âmbito de solidariedade em que se alicerçam os argumentos do

166 Imagem: estratégia, discurso e sentido

“Tudo é parte de um todo maior e mais complexo”: a busca dos efeitos de tematização em anúncio publicitário do Grupo Promon anúncio, que pode ser de solidariedade diacrônica cujos traços remetem a preocupação e respeito às futuras gerações e ou solidariedade sincrônica cujos elementos indicam uma preocupação com as gerações do presente. Feito isso, observaram-se os valores fundantes e operantes dos anúncios sem a preocupação excessiva se, durante o levantamento, foram esquecidos alguns sentidos, pois, nas palavras de Barthes, “o esquecimento de sentidos faz parte da leitura, de certo modo: o que nos importa é mostrar as partidas de sentido, não as chegadas” (1977, p. 39). Segundo Caporal e Costabeber (2000), a sustentabilidade, em sua dimensão ecossocial, reivindica mudanças estruturais intensas na sociedade, a partir de novo pacto de solidariedade que solicita a construção de novos projetos e novos rumos para um desenvolvimento mais sustentável. No anúncio da empresa Promon encontram-se traços que sugerem um comprometimento com as pessoas, nos dias de hoje, com o aqui e o agora, enfim, com a solidariedade sincrônica. Seguem elementos que, de modo implícito, remetem a essa dimensão solidária. “O todo e a parte”; “Essa é uma das crenças da Promon, que a exercita em tudo o que faz” “A folha, o galho e a árvore envolvidos na espiral”. No próximo passo da análise, buscou-se compreender de que modo os valores fundantes e operantes se apresentam no anúncio. Optou-se por fazer um esquema que facilitasse a compreensão de como o tema é organizado no discurso. Assim, primeiro apresenta-se um breve panorama do percurso temático; depois, um esquema que elucida tal movimento e, por último, reflete-se sobre os efeitos de tematização. O tema central do anúncio da Promon é “harmonia” que está apoiada em dois subtemas - o todo e a parte -, tendo como argumentos ideias e soluções de engenharia e tecnologia, cujos argumentos são ajustados à sustentabilidade ― prioridade para a empresa. O esquema abaixo ilustra o percurso temático do anúncio da Promon.

Figura 02: Percurso temático do anúncio do Grupo Promon 167 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Fabiane da Silva Verissimo No anúncio, o valor fundante ‘harmonia’ é justificado pelo alinhamento entre ‘o todo e a parte’ que, por sua vez, ancora-se em ideias e soluções de engenharia e tecnologia com base na sustentabilidade. O equilíbrio entre o valor operante ‘o todo’ que se refere às ideias instituídas pela empresa e o valor operante ‘a parte’ que diz respeito às soluções e práticas desenvolvidas por ela, é respaldado por outros valores operantes que a consideram ‘reflexiva’- quando apresenta o texto ‘tudo é parte de um todo maior e mais complexo’, ‘consciente’ - quando se mostra compreensiva diante da complexidade da relação imprescindível entre o todo e a parte - e ‘crente’ - quando afirma que a sustentabilidade é uma crença da empresa que busca o equilíbrio em tudo o que faz. Vários elementos que constituem o anúncio são determinados de modo reflexivo, principalmente a poesia que constitui um dos argumentos do enunciado. O valor fundante ‘harmonia’ é figurativizado em sua complexidade, tendo como referência o ‘todo’ e a ‘parte’ apresentados metaforicamente, sugerindo uma visão de sustentabilidade pautada na relação equilibrada entre as partes e o todo. Mas, afinal, quem é o todo? Quem faz parte desse todo? O mundo, as pessoas, as empresas, as regiões, as gerações do presente e do futuro, enfim, a biodiversidade? E quem é a parte? Seria o Grupo Promon e seus colaboradores? Os homens e a natureza? Deus e os homens? Tomando o contexto ao qual o poema pertence, pode-se dizer que o conflito vivido no período Barroco, materializado pelo poema de Gregório de Mattos, conhecido como o “Boca do Inferno”, entre o homem e Deus é retomado para confirmar que sempre houve conflitos, sempre houve problemas, mas que o Grupo Promon pode repensar essa questão. O enunciado sugere que é possível haver equilíbrio, contanto que haja alinhamento, sendo possível produzir e preservar. O percurso argumentativo é desenvolvido de modo poético-religioso-crítico, sugerindo que o valor de sustentabilidade é complexo, mas possível de ser compreendido, na medida em que, cada um faz a sua parte para manter o todo. Na frase A compreensão da relação entre as partes e o todo é condição indispensável ao alinhamento de ideias... o enunciado sugere que o grupo compreende, entende, reflete sobre a necessidade de uma relação harmônica entre todos os envolvidos no processo, mas não apresenta indícios que tornem o argumento mais crível. O valor fundante ‘harmonia’, e seus valores operantes ‘o todo’ - ‘a parte’ estão figurativizados tanto na imagem verbal quanto na icônica. No subtítulo “Tudo é parte de um todo maior e mais complexo.”; no fragmento do texto “A compreensão da relação entre as partes e o todo é condição”; na poesia de Gregório de Mattos “O todo sem a parte não é 168 Imagem: estratégia, discurso e sentido

“Tudo é parte de um todo maior e mais complexo”: a busca dos efeitos de tematização em anúncio publicitário do Grupo Promon todo...”; na imagem sociocultural da ‘energia em movimento’, projeta proteção à natureza no passado, presente e futuro. As figuras que constituem a imagem (folhas, galho, árvores e espiral) e o modo como estão apresentadas no anúncio remetem a um processo que está em percurso, em movimento, em circulação, em rotação, cujo objetivo é reforçar os valores operantes “o todo e a parte”. A figura discursiva é a imagem de uma espiral envolvida por folhas, galhos e árvores, que enfatiza e expande o conceito de harmonia entre o todo e a parte. A espiral é um símbolo universal que representa o processo evolutivo do universo. Segundo as antigas civilizações do Egito, a espiral denota as formas cósmicas em movimento, ou a relação entre a unidade e a multiplicidade, entre o centro e o círculo. Para os celtas, as espirais representam “o equilíbrio do universo dentro de nós, ou seja, o equilíbrio espiritual interior e a consciência exterior” (ESPIRAL CELTA, 2012). A forma de uma espiral, geralmente, começa pelo centro e se desloca para fora ou para dentro, segundo a sua configuração. O movimento pode ser no sentido horário ou anti-horário. A espiral que se movimenta no sentido horário é associada ao Sol e à harmonia com a Terra ou representa a expansão e a atração em relação ao centro. Por outro lado, a espiral com movimento no sentido anti-horário está associada “à manipulação de elementos da natureza e aos encantamentos que visam à interiorização e à transmutação de energias, assim como a proteção” (ESPIRAL CELTA, 2012). A figura que ilustra o anúncio do Grupo Promon sugere um movimento anti-horário, cuja intenção é expandir o sentido de harmonia entre o todo e a parte que o texto propõe. Todo o movimento sugerido na imagem configura uma preocupação com o ciclo de vida, com a espiritualidade, a evolução, a conservação, preservação, crença, enfim, com a sustentabilidade ambiental. O movimento começa na ‘unidade’, representada pela ‘folha’, que se refere à ‘parte’, e termina na ‘multiplicidade’, configurada pela ‘árvore’ que alude ao ‘todo’. No enunciado analisado há manifestações de polifonia, ou seja, há vozes que são responsáveis por perspectivas diferentes ou usadas como apoio ao que se propõe. Segundo Koch, todo o texto é polifônico e por isso “é perpassado por vozes de diferentes enunciadores, ora concordantes, ora dissonantes, o que faz com que se caracterize o fenômeno da linguagem humana, como bem mostrou Bahktin (1929), como essencialmente dialógico e, portanto, polifônico.” (KOCH, 2008, p.73). No enunciado do Grupo Promon há a voz de um sujeito religioso-satírico, pois o poema que endossa o discurso é constituído, em sua íntegra, de palavras que remetem à fé (Sacramento, Jesus e Deus). Na frase que finaliza o texto ‘Essa é uma das ‘crenças’ da Promon, 169 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Fabiane da Silva Verissimo que a exercita em tudo o que faz’, o termo ‘crenças’ se baseia nas significações construídas pelo cunho contemplativo e religioso do enunciado. Outra voz que endossa o discurso é a do Guia EXAME que está representada pela logomarca do projeto que certifica as empresas-modelo em sustentabilidade. Essa voz apresenta o Grupo Promon como uma das empresas premiadas, considerando-se que o enunciado não explora tal premiação. Essa estratégia polifônica sugere outro gesto de leitura que se refere à autorreferencialidade, ou seja, o Guia EXAME tem a oportunidade de se autopromover. Considerações Finais Os valores que são postos em circulação no discurso publicitário do grupo Promon são desencadeados pelas marcas de enunciação que são indicativos de alguém que está falando para alguém, buscando persuadi-lo sobre a força do valor do qual está tratando, pois o discurso é tematizado de modo estratégico e persuasivo. A solidariedade sincrônica é o valor pelo qual o enunciado é organizado em um percurso temático muito coerente com os anseios de uma sociedade mais sustentável e que respeita as gerações do presente. Qualidade de vida, preservação ambiental, justiça social são questões defendidas pela corrente da solidariedade sincrônica e o valor “harmonia” fundamentou todo o percurso temático do anúncio. A preocupação com a sustentabilidade foi organizada de modo místico, poético e, sobretudo, reflexivo, porque é preciso mobilizar códigos culturais (religiosos, espirituais, poéticos) para compreender a mensagem proposta pelo enunciado. A linguagem icônica tem um forte papel no anúncio, pois contextualiza o enunciado, conferindo-lhe mais sentido. A compreensão da relação harmônica entre o todo e a parte é uma das crenças da Promon que a exercita em tudo o que faz. Conforme o enunciado, é possível atuar com o eixo na sustentabilidade, à medida que se considera o todo e a parte. Referências Bibliográficas BARTHES, R. Análise textual de um conto de Edgar Poe. In:__. CHABROL, C. Semiótica narrativa e textual. São Paulo: Cultrix, 1977. CAPORAL, F. R., COSTABEBER, J. A. Agroecologia e desenvolvimento Rural Sustentável: perspectivas para uma nova Extensão Rural. Emater/RS Revista Extensão 170 Imagem: estratégia, discurso e sentido

“Tudo é parte de um todo maior e mais complexo”: a busca dos efeitos de tematização em anúncio publicitário do Grupo Promon Rural, v. 1, n. 1, jan./mar.2000. ESPIRAL CELTA. Disponível em: Acesso em: 09 set. 2012. FIORIN, J. L. Elementos da análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2005. GUIA EXAME 2011. Sustentabilidade. Novembro 2011. JOLY, M. Introdução à análise da imagem. São Paulo: Papirus, 1996. KOCH, I. G. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 2008. MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. São Paulo: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1989. ______. Análise de textos de comunicação. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2008. PERUZZOLO, A. C. Elementos de Semiótica da Comunicação. Bauru: São Paulo: EDUSC, 2004. ______. A comunicação como encontro. São Paulo: EDUSC, 2006. ______. Publicitar, isto é, fazer desejar. In:___. SILVEIRA, A. C. Caminhos da Publicidade e Propaganda. Marcas, Identidade e discurso. Santa Maria: FACOS-UFSM, 2009. ______. Entender persuasão. Curitiba: Honoris Causa, 2010. ______. Problemas, percursos e tendências da Análise do Discurso no contexto da midiatização. In:___. SILVEIRA, A. C. Estratégias Midiáticas. Santa Maria: FACOSUFSM, c2012. PROMON. Disponível em: Acesso em: 12 maio 2012. VOLLI, U. Semiótica da Publicidade. Lisboa: Edições 70, 2003.

171 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Regramentos e silêncios no processo de interação entre jornais e leitores Viviane Borelli RESUMO

ABSTRACT

O artigo descreve os contratos firmados por

The article describes the contracts signed

seis jornais do interior gaúcho com seus lei-

for six newspapers gaucho inside with your

tores na busca de vínculo e de ampliação

readers in search of connection and expansion

do contato para além da materialidade do

of contact beyond the materiality of paper.

jornal. Para isso, foi observado por meio de

For it was observed through which digital

que dispositivos digitais o jornal contata seu

devices that the newspaper contact your

leitor, de que forma, sob que regramentos e

reader, how, under what specific regulations

as estratégias desenvolvidas para responder

and the strategies developed to address

a essa interação. O jornal regula as relações

this interaction. The newspaper regulates

com seus leitores, instituindo regras e pro-

relations with their readers, establishing

cedimentos possíveis para contatá-lo. Mes-

rules and possible procedures to contact

mo que enuncie que essa participação deve

him. Even it enunciates that participation

ocorrer, ele silencia em vários momentos,

should occur, it is silent on several occasions

fazendo com que essa interação seja simé-

causing this interaction is symmetrical.

trica.

Palavras-chave

Keywords

Jornal. Interação. Leitor. Dispositivo.

Newspaper. Interaction. Reader. Device. Media

Midiatização.

coverage.

Viviane Borelli

| Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Rio Grande do Sul, Brasil. Doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos. E-mail: [email protected] 172 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Viviane Borelli Introdução O artigo mostra como os jornais e seus leitores interagem via processos discursivos e sintetiza os resultados da pesquisa “A dinâmica das interações entre produção e recepção nos jornais do Rio Grande do Sul”1, que estuda os jornais: Diário de Santa Maria e A Razão (Santa Maria, RS), Pioneiro (Caxias do Sul, RS), Gazeta do Sul (Santa Cruz do Sul, RS), O Nacional (Passo Fundo, RS) e A Plateia (Sant’Ana do Livramento). A investigação buscou dar conta de dois âmbitos: por um lado compreender como e de que forma os leitores contatam o seu jornal, seja por meio das redes sociais (Facebook) ou através dos dispositivos digitais oficiais da publicação (portal ou site); de outro analisouse como o jornal interage com seus leitores, sob que protocolos e através de que estratégias. Para esse artigo específico, foram analisadas postagens dos jornais nas suas páginas oficiais e no Facebook, no período de 2 a 7 de setembro de 2013. Porém, a observação de como ocorre a interação entre os periódicos e os leitores foi realizada durante três anos, quando também foram feitas entrevistas com editores, repórteres e gerentes dos periódicos para compreender as estratégias utilizadas para interagir com seus públicos. O leitor do jornal impresso e o internauta das mídias digitais é aquele a que o discurso jornalístico é dirigido. Dessa forma, utiliza-se também o termo público, pensado como aquele para quem a comunicação é endereçada. Como o objetivo é analisar como se estabelecem conversas entre os jornais e seus leitores no ambiente digital, busca-se compreender a questão como uma problemática de circulação de sentidos, em que estão em jogo as condições de produção, circulação e de reconhecimento (VERÓN, 1980). Para o autor, “uma gramática de produção define um campo de efeitos de sentido possíveis” (VERÓN, 1980, p. 194), mas para saber a qual gramática de reconhecimento aplica-se determinado texto, deve-se ir além das regras de produção e levar em conta a história dos textos. Nesse sentido, a problemática de circulação de sentidos está ligada à ideia de que o jornalismo passa por transformações em suas práticas discursivas em função da emergência de uma sociedade em processo de midiatização. A análise não contempla o funcionamento das ferramentas utilizadas pelos jornais nos seus portais e Facebook no que tange ao sentido restrito de técnica, pois o foco do estudo é compreender como jornal e leitor constroem suas relações na e pela linguagem. A comunicação é compreendida a partir de uma concepção interacional, em que todos têm um papel ativo; e não funcional, portanto diferente do que algumas teorias 1 Com apoio financeiro do Governo do Estado do Rio Grande do Sul por meio da Fapergs (PqG 2011/2013).

173 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Regramentos e silêncios no processo de interação entre jornais e leitores pressupunham que o receptor era passivo e que desempenhava um papel pré-concebido de estar à espera de algo. Para interpretação dos dados utiliza-se análise semiológica proposta por Eliseo Verón (2004) e Milton José Pinto (2002). Para eles, é relevante observar o contexto em que esses discursos são ofertados, pois neles é possível encontrar marcas dos processos de produção de sentidos. Para isso, foram analisados os modos de organização da oferta discursiva por parte do jornal no que tange à busca pela interação com seus leitores, levando-se em conta o contexto que perpassa essa transformação do jornalismo. Inicialmente são discutidos os conceitos centrais do estudo, como de midiatização, dispositivo, interação e conversação para que depois se possa realizar a análise dos dados e ponderar sobre os modos através dos quais jornais e leitores se relacionam. 1. Midiatização e prática jornalística A pesquisa desenvolve-se no contexto de uma sociedade em processo de midiatização em que há um novo redimensionamento das práticas sociais em função dos processos midiáticos. Vivenciamos agora essa passagem, nos termos de Antonio Fausto Neto (2008), de uma ‘sociedade dos meios’ para uma ‘sociedade midiatizada’. As mídias não cumprem mais o papel de mediadora entre os campos sociais, convertendo-se numa realidade mais complexa, numa nova ambiência, através da qual ocorrem “interações sociais atravessadas por novas modalidades do 2” (FAUSTO NETO, 2008, p. 92). O processo de midiatização da sociedade tem afetado práticas de vários campos, como o político, o religioso e da saúde3. Salienta-se que essas transformações não ocorrem de forma homogênea, pois operam “distintas alterações segundo os atores particulares dessas práticas” (MATA, 1999, p.87). A dimensão constitutiva de cada campo, suas práticas e as relações que as funções que os sujeitos exercem nesse campo são aspectos que incidem sobre a heregoneidade desse processo. O processo de midiatização é compreendido como uma mediação específica que está calcada, nos termos de Muniz Sodré (2002), num tipo particular de interação, que o autor nomeia de “tecnointeração”. Esse modo singular de interação caracteriza-se por uma prótese 2 Grifo do autor. 3 VERÓN, E. FAUSTO, NETO, A. e RUBIM, A. C. Lula presidente: televisão e política na campanha eleitoral. São Paulo: Hacker; São Leopoldo,RS: Unisinos, 2003. BORELLI, Viviane. Mídia e religião. Entre o mundo da fé e o do fiel. Rio de Janeiro: Editora E-Papers, 2010. CHAGAS, Arnaldo Toni Sousa das. Estratégias de midiatização das drogas: Estudo de uma campanha de prevenção às drogas promovida pela CTDIA. Tese (Doutorado) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos, 2009.

174 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Viviane Borelli tecnológica e mercadológica, que o autor nomeia de médium (SODRÉ, 2002, p. 21). Para o autor, essas transformações representam uma nova forma de presença do sujeito no mundo, um bios específico, o midiático (SODRÉ, 2002, p. 24). José Luiz Braga também problematiza o conceito de midiatização, compreendendo que esse processo acelera e diversifica os modos através dos quais a sociedade interage. Para o autor, são os processos crescentes de midiatização que definem as “mediações comunicativas da sociedade” (BRAGA, 2012, p.17), mesmo que as interações presenciais continuem a definir padrões de comunicação. O processo de midiatização gera ações diversas daquelas que se constituíam de forma presencial, pois há o trabalho de dispositivos de natureza sócio-técnica, como define Fausto Neto (2006), que complexificam essas relações, produzindo outros sentidos. É por meio da ação desses novos dispositivos que as interações sociais passam a constituir-se. O pesquisador atribui aos dispositivos midiáticos um caráter singular na geração de sentidos hoje. Da mesma forma, Eliseo Verón (2012) destaca a centralidade dos dispositivos midiáticos para compreendermos o processo histórico e evolutivo da midiatização da sociedade. O autor coloca na essência da problemática do processo de midiatização da sociedade o papel dos dispositivos, sobre o qual pressupõe a construção de uma história. Para ele, o papel dos meios é central para compreender “como afeta, como se constrói, essa configuração de espaços mentais do ponto de vista de uma história dos meios” (VERÓN, 2012, p. 20). O autor problematiza a produção de signos e o processo de midiatização, chamando atenção para o fato de que os homens seguem “praticando alguma semiosis não midiatizada”4 (VERÓN, 2012, p. 18). Ele compreende a midiatização como a exteriorização de processos cognitivos, tendo iniciado com a indústria da pedra e se consolidado na revolução neolítica. Esse movimento exógeno implica na materialização de processos cognitivos por meio de suportes materiais: a pedra, a escrita, a imprensa e a digitalização. Entretanto, para Verón (2012, p.18) mesmo sendo um processo muito longo, a midiatização tem agora “algumas características especiais” e configura-se por meio de dispositivos técnicos. O conceito de dispositivo deve ser discutido para além da materialidade e do suporte pelo qual circulam discursos. Como problematiza Jairo Ferreira (2003), o conceito de dispositivo é geralmente reduzido a uma dessas instâncias: produção, tecnologia, discurso e recepção. Entretanto, o autor considera que no dispositivo ocorrem “microinterações que inexistem fora de um campo de significação e conhecimento, que o perpassam e o constituem em sua 4 Grifo do autor.

175 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Regramentos e silêncios no processo de interação entre jornais e leitores particularidade social” (FERREIRA, 2003, p. 109). A partir da compreensão de que o dispositivo agrega dimensões discursivas, culturais, antropológicas, técnicas e tecnológicas, utiliza-se o termo tecno-simbólico para, ao mesmo tempo, sintetizar e designar a complexidade constitutiva do dispositivo. Considera-se que site, portal, blog, Facebook e Twitter, assim como as mídias tradicionais - jornal, televisão, rádio são dispositivos tanto de natureza técnica quanto simbólica. Já a Internet é entendida como um grande ambiente que abrange e abarca esses múltiplos dispositivos digitais. Maurice Mouillaud (2002) reflete sobre a especificidade do jornal impresso, dizendo que ele está envolto num dispositivo que é material e imaterial e que, por meio de organização singular, prepara e pré-dispõe o sentido. O dispositivo é uma matriz que orienta e codetermina os vínculos, comandando a ordem dos enunciados e a postura do próprio leitor. Para ele, “o dispositivo não é o suporte inerte do enunciado, mas um local onde o enunciado toma forma” (MOUILLAUD, 2002, p. 85). É o dispositivo que organiza o contato que os leitores estabelecem com a oferta discursiva do jornal. Os dispositivos estão conectados uns aos outros, construindo uma cadeia de sentidos. Como conceitua Mouillaud (1997, p.32): “Os dispositivos são encaixados uns nos outros. O jornal pertence a rede de informação que começou a tecer-se entorno do nosso globo no século passado e que o envolve em um fluxo imaterial que está em perpétua modificação”. Nesse sentido, compreende-se que tanto o modo de disposição dos elementos no jornal quanto a organização da arquitetura dos dispositivos digitais pode codeterminar os modos através dos quais deve-se e pode-se interpretar a oferta discursiva. Para Mouillaud (2002), o limite material é evidente, mas o simbólico é uma questão em aberto e essa simbiose faz com que a forma seja inseparável do texto. Nota-se uma transformação na oferta discursiva dos jornais que antes ficava restrita à materialidade do papel e que agora desloca-se também para dispositivos digitais. No caso específico do campo jornalístico, por exemplo, algumas práticas tradicionais, como o contato direto com o leitor, na rua, por meio de carta ou e-mail, são reorganizadas para dar conta de novas demandas geradas pelos leitores5. É na nova ambiência proporcionada pela emergência de uma sociedade em vias de midiatização que novos processos de interação são travados entre os jornais e seus leitores, havendo tensões que transformam a prática jornalística e o seu funcionamento discursivo 5 BORELLI, V. e MORTARI, E. Emergência de Novos Dispositivos de Contato Altera a Lógica Relacional entre Jornal e Leitor. Anais do XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Fortaleza, CE – 3 a 7/9/2012. Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2012/resumos/R7-1039-1. pdf . Consulta em 5 set 2013.

176 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Viviane Borelli (FAUSTO NETO, 2006 e 2011). Há, portanto, novas práticas discursivas que desafiam a pesquisa em jornalismo a compreender os modos através dos quais se faz jornalismo hoje e como jornais, jornalistas e leitores permanecem em relação. Em seus estudos, o autor tem chamado atenção para a protagonização do jornalista, a atorização do acontecimento e autorreferencialidade como estratégias desenvolvidas pelas mídias para chamar atenção para suas práticas e mostrar como são construídas versões sobre a realidade que é construída todos os dias. Para compreender como se organiza essa lógica do contato, discute-se o conceito de linguagem como interação. 2. Interação na e pela linguagem Os jornais têm passado por transformações em sua prática discursiva para dar conta da concorrência com outras mídias e também para criar novos modos de consumo da notícia, para que o leitor permaneça fiel a ele. Uma dessas estratégias é a enunciação de que a participação, o comentário e a sugestão de leitores devem ser feitas como forma de manutenção do vínculo entre eles para além da materialidade do papel. Em função dessa nova oferta discursiva por parte do jornal, o aporte teórico utilizado para dar conta de compreender esses processos interacionais entre jornal e leitor sustenta-se nos conceitos de midiatização, circulação e discurso. Parte-se do pressuposto de que a interação se efetua na e pela linguagem por meio de estratégias singulares construídas pelos sujeitos com intenções diversas. O universo do sentido é complexo e a discussão em torno dele está registrada em obras produzidas por várias gerações de linguistas, semiólogos e comunicólogos. Como afirma Verón (2004, p. 216), todo discurso desenha “um campo de efeitos de sentido e não um e único efeito”. Para ele, não há nada de causalidade no universo do sentido, pois as relações entre produção e reconhecimento são complexas. Nesse contexto, para a semiologia de terceira geração o funcionamento da enunciação é central e remete aos modos de dizer. É preciso destacar que a conversa realiza-se por meio de processos de produção e de reprodução de sociabilidades, podendo se estabelecer como encontro (PERUZZOLO, 2006), o que remete a renúncias no momento em que são feitas determinadas escolhas. Para Pinto (2002, p. 66-67), a interação interpela e estabelece “relações de poder com o receptor, na tentativa de cooptá-lo e de agir sobre ele ou sobre o mundo por seu intermédio”. A partir do pensamento do autor, a interação busca estabelecer relações de poder e influências

177 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Regramentos e silêncios no processo de interação entre jornais e leitores sobre o outro, em que o enunciador possui intenções claras e interesses sobre o destinatário. O autor define que ao nos comunicarmos, a linguagem é utilizada com três funções: de mostração, em que se constrói o “referente ou universo de discurso ou mundo do qual seu texto fala”; de interação, com objetivo de estabelecer “vínculos socioculturais necessários para dirigir-se ao seu interlocutor”; e de sedução, com intuito de “distribuir os afetos positivos e negativos cuja hegemonia reconhece e/ou quer ver reconhecida” (PINTO, 2002, p. 65). No caso específico aqui abordado, cabe observar em que medida o jornal assume um posicionamento de fala e constrói seus referentes. Nesse sentido, busca-se identificar por meio de que estratégias o jornal contata seu leitor, como estabelece vínculos e com que intenções. Adriano Duarte Rodrigues (2001) debruça-se sobre o conceito de conversa, compreendendo-a de uma forma mais ampla e que abrange todas as práticas interativas do discurso. O autor a define como “a maneira mais habitual e espontânea de estabelecer, manter e restabelecer vínculos com nossos semelhantes, de fundar relações sociais” (RODRIGUES, 2001 p. 175). Para ele, a conversa seria um meio de se constituir vínculos sociais e de produção da sociabilidade. Por esses motivos a análise conversacional deve ter um lugar importante na abordagem da prática discursiva. O autor cita Marcel Mauss que observou a prática do potlatch entre índios da costa oeste dos EUA e que consiste no fato de que quem recebe um presente deve aceitá-lo e fica obrigado a retribuir noutra ocasião. Essa prática denota: o “duplo estatuto de destinador e de destinatário de que cada um dos parceiros da troca é detentor” (RODRIGUES, 2001, p. 177), em que há uma transitividade gerada pela circulação dos bens e interação entre os que participam da troca. Fazem-se presentes na prática discursiva os princípios da troca: dar, receber e contribuir, além da lógica ambivalente entre a obrigação e a liberdade de calar. Rodrigues (2001, p.178) considera que a conversa representa circulação entre pares que devem “encadear enunciados que vão num determinado sentido mutuamente aceite de maneira implícita pelos interlocutores”. Dessa maneira, não é socialmente aceita a fala solitária, pois há uma obrigação da troca da palavra. O conceito de quadro da interação conversacional é interessante para se pensar nos momentos de trocas entre jornal e leitor, pois esses quadros “não são compartimentos estanques: imbricam-se ou encaixam-se uns nos outros, num processo indefinidamente aberto” (RODRIGUES, 2001, p. 192). Os quadros estão delimitados por fronteiras que podem fechar o espaço interlocutivo e, ao mesmo tempo, podem abrir outros espaços. Essa ideia é interessante para analisar o funcionamento dos dispositivos digitais 178 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Viviane Borelli ofertados pelos jornais para criar vínculos com seus leitores. Os portais disponibilizam links para o Facebook e Twitter, encaixando-se em outros e gerando outros quadros de sentido. A partir do momento em que uma página do Facebook é ‘curtida’, o leitor torna-se um seguidor e estabelece laços com seu jornal, possibilitando também que seus amigos façam o mesmo movimento. O quadro de uma interação conversacional também abrange aspectos físicos do lugar e do tempo em que a conversa ocorre, havendo delimitações por parte de “fronteiras institucionais que definem a identidade e as funções relativas dos interlocutores” (RODRIGUES, 2001, p. 194). No caso aqui abordado, há estatutos distintos: o espaço institucional do jornal e aquele ocupado pelo leitor, em que ambos podem intervir e determinar o sentido da conversa. Nesse contexto, a situação de interação impõe certos regramentos e possui várias circunstâncias. O status da relação entre jornal e leitor pode alterar-se na medida em que cada um pode assumir posições de falas cambiantes e que podem variar de acordo com a situação da interação, o tema reportado, o contexto sócio-histórico entre outros aspectos. A dialogia é a essência e a base das formulações de Mikhail Bakhtin que considera o diálogo a forma mais importante da interação verbal. Para ele, toda palavra possui duas faces. “Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro” (Bakhtin, 2006, p. 115). Dessa forma, por meio da palavra é que nos definimos em relação ao outro e o autor a compara a uma ponte alçada entre eu e o outro. Dessa forma, a interação entre jornal e leitor se concretiza por meio do que é dito. Por fim, não há como falar em interação sem mencionar os estudos da Escola de Palo Alto e sua máxima da impossibilidade da comunicação. WATZLAWICK, BEAVIN e JACKSON (1967, p.45) afirmam que todo comportamento interacional possui valor de comunicação e “por muito que o indivíduo se esforce, é-lhe impossível não comunicar. Atividade ou inatividade, palavras ou silêncio, tudo possui um valor de mensagem”. Em relação aos estudos realizados por Gregory Bateson acerca da interação e a teoria do duplo vínculo, os autores destacam que no paradigma simetria – complementaridade as posições dos indivíduos variam a partir de uma infinidade de valores que se manifestam “unicamente em relação de reciprocidade” (p.65). A ideia de reciprocidade e da impossibilidade de não comunicar ajudam a pensar como os jornais constroem seus vínculos com os leitores. Na sequência, descrevem-se esses processos a partir da observação preliminar de que ao mesmo tempo em que jornais enunciam que acolhem 179 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Regramentos e silêncios no processo de interação entre jornais e leitores as opiniões e precisam da participação dos leitores, essa relação ocorre sob determinados regramentos. 3. As estratégias dos jornais A opção por pesquisar jornais do interior deve-se ao fato de que busca-se verificar como eles enfrentam o processo de convergência, a segmentação editorial e em que medida desenvolvem estratégias próprias ou se seguem a tendência de grandes jornais. A seleção dos jornais Diário de Santa Maria, Gazeta do Sul, A Plateia, O Nacional e A Razão, Pioneiro devese às diferentes épocas em que foram criados, aos modos através dos quais cada um deles busca contatar o seu leitor, pela circulação que tem nas regiões que abrangem e pelo acesso aos dados. Os três últimos foram criados antes dos anos 40 do século passado e são quase centenários6. Para observação dos modos através dos quais jornal e leitor conversam, analisa-se, de certa forma, o contrato de leitura, pois é ele que “cria o vínculo entre o suporte e seu leitor” (VERÓN, 2004, p. 219). O modo como o jornal busca a interação com o leitor se concretiza por meio de contratos. A semiologia dos discursos sociais (PINTO, 2002 e VERÓN, 2004) dá as bases para se observar o contexto e os modos de interação, compreendendo que eles se realizam por meio de enunciações e que tomam forma pela ação dos dispositivos midiáticos. A partir de análise das postagens dos jornais no portal e Facebook no período de 2 a 7 de setembro de 20137, pode-se descrever como cada jornal regula o contato e interage com seu leitor. Analisa-se como o jornal regula o contato com leitor, que estratégias desenvolve para interagir e como se ‘comporta’ nesse quadro de interação que é proposto e construído junto aos leitores. 4. A regulação do contato e a busca pela interação O Nacional não permite que os leitores comentem as matérias publicas no portal8, mas 6 As informações foram coletadas em Diário de Santa Maria. Disponível em: http://www.diariosm.com.br. Acesso em 21 de junho de 2012. Gazeta do Sul. Disponível em: http://www.gaz.com.br/gazetadosul/conteudo/99-institucional.html. Acesso em 21 de junho de 2012. A Platéia. Disponível em: http://www. jornalaplateia.com. Acesso em 16 de junho de 2012. O Nacional. Disponível em: http://www.onacional.com.br/empresa/ler/2. Acesso em 16 de junho de 2012. A Razão. Disponível em: http://www.arazao.com.br/sobre/. Acesso em 16 de junho de 2012. Para a coleta de dados, contou-se com a participação dos alunos de Iniciação Científica do curso de Comunicação Social – Jornalismo da UFSM: Laura Moura de Quadros, Luan Moraes Romero e Cibele Cristine Zardo e da aluna de Mestrado em Comunicação da UFSM, Francieli Jordão Fantoni. 7 A coleta foi feita a partir da lógica de que os jornais consideram que uma semana corresponde a seis dias,por possuírem edições conjuntas de final de semana. Essa lógica ainda é reproduzida no ambiente digital desses pequenos jornais. Mesmo que vinha-se observando os jornais há três anos, para fins de análise elegeu-se um curso espaço de tempo por constatar que as estratégias se reproduzem com o passar dos tempos. 8 www.onacional.com.br

180 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Viviane Borelli no Facebook, é possível comentar todas as publicações da página, inclusive no mural, além de postar fotos. Na fanpage não são publicadas todas as matérias que estão no portal, mas tudo o que é ali postado possui links que direcionam o leitor ao portal, onde todas as matérias podem ser curtidas ou compartilhadas na linha do tempo. No meio da página inicial e também ao final das matérias há banners que dizem “Curta O Nacional no Facebook” e “#siga no Twitter redação_on”. Durante a semana analisada, o jornal publicou mais matérias no portal que na fanpage: 226 postagens contra 50. Poucas pessoas interagem com o jornal através de comentários no Facebook. As postagens mais comentadas foram de matéria sobre apreensão de carnes e devido ao desfile de 7 de setembro. Pode-se perceber, também, que um número significativo de pessoas acessa o portal do jornal e “curte” as matérias diretamente ali. No entanto, ainda que a página seja “curtida” por mais de 8400 pessoas, muito poucas “curtem” as postagens do jornal, e menos pessoas ainda as comentam. Nenhum comentário foi respondido pelo jornal. O portal de A Plateia permite comentários ao final de todas as matérias, mas somente para leitores cadastrados. Para fazer o cadastro, há as seguintes regras: “Os comentários são moderados. Para serem aceitos o cadastro do usuário deve estar completo. Não serão publicados textos ofensivos. A empresa jornalística não se responsabiliza pelas manifestações dos internautas”9. Ao final de cada matéria, há uma lista de links em que o leitor pode escolher como compartilhar a notícia: Facebook, Twitter, Orkut, LinkedIn, enviar via Gmail ou E-mail program ou imprimir. Na página do jornal A Plateia, as “curtidas” e comentários são frequentes. Quase todas as postagens são comentadas, desde um simples “bom dia” pela manhã a pequenos desentendimentos entre os leitores que comentam alguma matéria polêmica. As pessoas que acompanham a página do jornal aparentemente se sentem confortáveis ao interagir nas matérias, ao revelar opiniões constantemente. No Facebook, o jornal delimita a quem constrói seu contrato no Facebook10: “Fan Page para os assinantes, leitores e simpatizantes do Jornal A Plateia”. Também é possível comentar todas as postagens, inclusive no mural, bem como postar fotos. Todas as matérias contêm links que direcionam o leitor ao site do jornal. Na semana foram 47 postagens no facebook e a matéria mais comentada tematiza que profissionais do Mais Médicos já estão em atuação na cidade, com 15 comentários. Nenhum comentário foi respondido pelo jornal. Na página inicial do Portal da Gazeta do Sul aparece o enunciado: “Bem-vindo visitante” 9 www.jornalaplateia.com 10 www.facebook.com/japlateia

181 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Regramentos e silêncios no processo de interação entre jornais e leitores e as opções “login” ou “cadastre-se”. Também o leitor é convidado a assinar o jornal ao clicar em “clique aqui e assine a Gazeta do Sul”. Ao final da página, aparece o link: “acesso restrito”, em que, ao clicar, aparece o local de preenchimento com o nome do usuário e a senha. A forma de cadastramento ocorre por meio da realização do “passaporte gaz”, através do qual o leitor pode acessar de forma gratuita a conteúdos e serviços exclusivos do jornal. É preciso preencher vários espaços como: email, senha, CEP, endereço, grau de instrução, renda mensal, profissão e ainda responder se deseja receber as novidades do portal gaz no próprio email. Existe ainda, uma política de “privacidade do jornal” e o “aviso legal”, ambos incluídos na barra de itens no início da página11. O jornal deixa claro com um aviso de que só serão aceitos os comentários que contribuírem com alguma informação para a notícia. Isso ocorre em todas as editorias. O portal da Gazeta12 convida o leitor a seguir o jornal também no Facebook e no Twitter. Foram 15 postagens na semana analisada, mas não teve postagens comentadas. No Facebook da Gazeta13, os leitores podem interagir com o jornal ao final das matérias com comentários, porém, desde que respeitem a regra de comentários que afirma: “Informamos aos usuários desta página que, eventualmente, os comentários efetuados nas postagens poderão ser reproduzidos na versão impressa da Gazeta do Sul. Desta forma, ao publicar sua opinião sobre determinado assunto, você automaticamente autoriza a empresa a usar seu depoimento, caso necessário.”. Na semana analisada, foram 10 postagens e a mais comentada foi matéria do dia 7 de setembro sobre o estado da rodovia RSC – 287. No portal do jornal A Razão14, antes de uma possível interação, há o seguinte aviso: “Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal A Razão; a responsabilidade é do autor da mensagem”.Após o preenchimento de dados como nome, email e website, recebe-se um segundo aviso: “seu comentário aguarda moderação”. As possibilidades de interação através do Twitter e Facebook se encontram no início e no fim da matéria. Já o espaço para comentário se encontra logo abaixo da matéria. Para comentar, é preciso preencher o nome, email e, se quiser, um website. Após registrar os dados, pode-se fazer o comentário e enviar. Então, recebese um aviso comunicando que o comentário seguirá para a moderação aprovar ou não. O portal teve 52 postagens na semana analisada, mas nenhuma teve comentários. Já na fanpage15, os comentários nas postagens e as publicações na página estão abertos, 11 www.gaz.com.br 12 www.gaz.com.br 13 www.facebook.com/gazetadosul 14 www.arazao.com.br 15 www.facebook.com/arazao

182 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Viviane Borelli sem que haja a necessidade de seguir nenhum protocolo. Houve 32 postagens na semana analisada e a matéria mais comentada foi sobre um atropelamento numa das principais avenidas da cidade que deixou uma mulher ferida, com cinco comentários. A intenção no jornal é que os leitores leiam as matérias no portal e não na fanpage. Não há matérias inteiras na fanpage. Para ler todo o conteúdo, o leitor deve acessar o link compartilhado no perfil e, então, é direcionado ao portal do jornal. Para comentar as matérias postadas no portal do Diário de Santa Maria, é necessário realizar um cadastro e após é disparado um e-mail de ativação para o usuário, com um link que, ao clicar, o usuário é informado que o “cadastro ativado com sucesso”. Para se cadastrar é necessário concordar com um termo de uso do grupo RBS, em que são colocadas regras e procedimentos para a publicação, bem como responsabilização do usuário, direito intelectual, autorização para uso dos conteúdos ali postados pelo leitor, edição e mesmo exclusão de algum conteúdo. No termo, está explícito que: “Ao transmitir Conteúdos ao Portal, Você expressamente concorda, sem reservas ou ressalvas, com todas as disposições contidas neste Termo, bem como com eventuais condições regulatórias especificamente dispostas em seções próprias deste Portal”16. Existe um outro protocolo de conduta intitulado “Termos e condições para publicação de comentários de leitores”, em que são explicados os tipos de comentários expressamente vetados, que as opiniões ali colocadas não representam a da RBS, que o grupo não se responsabiliza “por qualquer dano advindo dos comentários publicados” e que a RBS reserva-se o direito de “despublicar os comentários que não atendam aos padrões sociais, culturais e éticos que regem a matéria”17. Todas matérias estão abertas para comentários e o portal tem direcionamento para o Twitter, Facebook e Foursquare. Nenhum comentário é respondido pelo jornal e, na semana analisada, houve 465 postagens, sendo que no dia 5 de Setembro teve 74 postagens.  No Facebook18, todas as matérias postadas estão abertas para comentários. Na semana analisada, houve 62 postagens e 20 comentários sobre o trânsito na volta às aulas na UFSM. O DSM busca direcionar o leitor para o portal. A capa da versão impressa é colocada na Fan Page com enunciados do tipo: “Já leu seu Diário de Santa Maria hoje?” (2/9/13); “Bom dia! Terça amanhece chuvosa em Santa Maria” (3/9/13); “Bom dia. Boa quarta-feira (4/9/13). Nota-se que o DSM não responde diretamente aos leitores, mas há uma interação entre os leitores, por meio da opção resposta nos comentários. Em uma matéria sobre uma desocupação 16 www.diariosm.com.br 17 Idem. 18 https://www.facebook.com/diariodesantamaria

183 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Regramentos e silêncios no processo de interação entre jornais e leitores de área, por exemplo, houve interações entre os leitores. Como o tema gerou vários comentários entre leitores, o jornal buscou direcioná-los para uma enquete no portal. Nesse caso, o DSM procura redirecionar seu leitor para dentro do locus institucional na tentativa de capturá-lo e de retirá-lo da rede social. Também percebe-se que o jornal faz uso do que vêm dos leitores para ampliar a interação. Da mesma forma que o DSM, Pioneiro19 exige um cadastro no portal para acesso. No preenchimento aparece o enunciado: “indique a um amigo”, e o jornal convida o leitor a conhecer o Pioneiro, apresentando links como: colunistas, cadernos, informações importantes e benefícios. Aparece o aviso de que todos os campos são de preenchimento obrigatório: nome, sobrenome, país, email, estado, cidade e o espaço da mensagem. Abaixo aparecem dois termos de protocolos que devem ser clicados para serem confirmados: “Eu aceito os termos e condições de Zero Hora” e “Quero receber confirmação quando meu comentário estiver no ar”. Também há como participar de enquetes e postar mensagens no mural. Para isso, o leitor clica em mural e em enviar mensagem. Pode-se ainda seguir o jornal através do Facebook e também no Twitter. Já para efetuar os comentários nas matérias das editorias, é obrigatório o cadastramento que exige o preenchimento de espaços como: nome, senha, usuário, email e os termos “Quero ser informado sobre promoções e ofertas do Grupo RBS”; “Quero ser informado sobre promoções e ofertas de parceiros Grupo RBS”; “Aceito os termos e condições do Grupo RBS” que devem ser assinalados. A interação permitida pelo jornal acontece do portal para as demais mídias digitais, as redes sociais em que ele também se faz presente e o local onde há maior interação do leitor com o jornal, a exemplo do Facebook e do Twitter. No final da página do portal, o jornal convida o leitor a segui-lo no Twitter. Quanto ao conteúdo, ele está, em partes, vinculado ao material disponibilizado nas redes sociais, porém, nem sempre coincidem as mesmas notícias postadas no portal e no Facebook. No canto superior direito da página do Portal, o Jornal convida o leitor a ler a edição impressa, com a frase “leia na edição impressa colunas mirante e intervalos”. Ao clicar nela aparece a frase: “Aqui você tem acesso livre ao conteúdo das edições impressas do Pioneiro organizado em um índice página a página” e abaixo aparecem todas as editorias e cadernos que o leitor pode visitar. No Facebook, os leitores podem participar da página através de comentários, clicando em “comentar” ao final de cada matéria postada. Eles podem ainda publicar comentários e fotos 19 http://pioneiro.clicrbs.com.br/rs

184 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Viviane Borelli sobre o jornal e outros assuntos na página do facebook. Em todas as matérias há a possibilidade de se fazer comentários. No Facebook são postadas matérias mais polêmicas e de maior destaque do dia, com o claro propósito de gerar mais comentários, curtidas e seguidores. As matérias postadas remetem, a exemplo do Diário, ao portal do jornal. Na semana, foram postagens 37 notícias e a mais comentada teve 77 comentários e se referia à morte de uma criança na cidade. Considerações finais Ao mesmo tempo em que o jornal enuncia que a participação dos leitores é fundamental, ele regula esse contato a partir de distintos modos: moderação, cadastro obrigatório, termo e condições para publicação de opiniões, possibilidade de edição de texto e que o publicado não representa a opinião do jornal. Os modos de dizer dos jornais remetem à promessa de que a participação é importante para o fazer jornalístico. Nesse sentido, as estratégias discursivas desenvolvidas pelos jornais apontam para o pedido de interação sob certos regramentos. Por outro lado, os jornais não respondem comentários de seus leitores, ou seja, a interação parece ser um jogo simétrico, de mão única. O jornal incentiva a participação, mas não segue a conversação com seu leitor no momento em que ele o contata. Ou seja, a interação ocorre na e pela linguagem e se expressa também por silenciamentos. O quadro de interação conversacional remete a trocas, espaços que são abertos para que ocorram relações. No caso dos jornais, são criados espaços para que a interação ocorra, mas os leitores estabelecem entre si amplas conversações, à deriva da orquestração do dispositivo midiático. O locus institucional e referencial do jornal serve de ambiente para a concretização das opiniões e pontos de vista dos leitores. O jornal carrega uma simbólica que possui importância na vida das pessoas, mas ele fica à margem de conversações que se desenrolam para além da enunciação jornalística. Observam-se movimentos distintos: ao mesmo tempo em que os jornais migram para o Facebook, acompanhando seus leitores e a tendência de convergência no contexto da midiatização; eles buscam incentivar o leitor a ler a matéria no portal institucional, o forçando a ter como referência o locus institucional. Porém, alguns jornais desabilitaram nos últimos meses as opções para comentários em seu site, deixando aberto apenas o espaço do Facebook. Ou seja, ao mesmo tempo que enunciam haver uma certa escuta dos leitores, isso ocorre por meio de regramentos preestabelecidos. Como não há câmbios entre jornal e leitor, o quadro de interação proposto pelos

185 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Regramentos e silêncios no processo de interação entre jornais e leitores periódicos acaba proporcionando trocas entre os leitores, que estabelecem entre si práticas discursivas não previstas pelos jornais. Isso denota que a instância tradicional da produção projeta o quadro interacional através da percepção de um fluxo de comunicação linear, o que não ocorre, pois a interação segue rumos não previstos. Referências Bibliográficas BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006. BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais. In: MATTOS, Maria Angela; JANOTTI JUNIOR, Janetti e JACKS, Nilda (orgs.). Mediações e midiatização, Compós, 2012. FAUSTO NETO, Antonio. Mutações nos discursos jornalísticos: ‘da construção da realidade’ a ‘realidade da construção’. Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom, 2006a. Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/R1804-1. pdf . Acesso em 25 de julho de 2009. _________. Fragmentos de uma “analítica” da midiatização. Revista Matrizes. São Paulo: ECA/USP, Volume 1, nº 2, 2008, pp. 89-105. Disponível em: http://www.usp.br/matrizes/ img/02/Dossie5_fau.pdf. Acesso em: 11/06/2013. ________. Transformações nos discursos jornalísticos: a atorização dos acontecimentos. In: SBPjor. Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo, 2011. Disponível em: http:// sbpjor.kamotini.kinghost.net/sbpjor/admjor/arquivos/9encontro/CC_01.pdf . Acesso em 5 set 2013. FERREIRA, Jairo . O conceito de dispositivo: explorando dimensões de análise. Ecos Revista, Pelotas, v. 7, n.2, p. 89-112, 2003. MATA, María Cristina. De la cultura masiva a la cultura mediática. In: Diálogos de la comunicación. Lima: FELAFACS, p. 80-91, 1999. MOUILLAUD, Maurice, PORTO, Sérgio Dayrell (org.). O Jornal: da forma ao sentido. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1997. RODRIGUES, Adriano Duarte. A partitura invisível: para uma abordagem interactiva da linguagem. Lisboa: Edições Colibri, 2001.

186 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Viviane Borelli SODRÉ, Muniz. Antropológica do Espelho: Uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002. PERUZZOLO, Adair Caetano. A comunicação como encontro. Bauru, SP: EDUSC, 2006. PINTO, Milton José. Comunicação e discurso: introdução à análise de discursos. São Paulo: Hacker Editores, 2002. VERÓN, Eliseo. A Produção do Sentido, Cultrix, São Paulo, 1980. _______. Midiatização, novos regimes de significação, novas práticas analíticas? In: Mídia, Discurso e Sentido. FERREIRA, M. F.; SAMPAIO, A. O.; FAUSTO NETO, A.(orgs). Salvador: EDUFBA, 2012. _______. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Unisinos, 2004. WATZLAWICK, Paul; BEAVIN, Janet Helmick e JACKSON, Don D.. Pragmática da comunicação humana. São Paulo: Cultrix. Original by W. W. Norton & Company, Inc, 1967.

187 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tensión entre perspectivas gubernamentales y editoriales: um estudio de caso para la ‘construcción de la nacción’ Ximena A. Carreras Doallo RESUMEN

RESUMO

En la gestión del gobierno peronista (19461955), se dio especial atención a la cadena de sentidos para la construcción de la identidad nacional y la idea de Nación. Para ello se tuvo en cuenta el rol desempeñado por la naturaleza en un país como la Argentina, con un perfil agroexportadora gracias a su extensión territorial. La Chacra es una revista mensual que hace foco en el agro, de tirada nacional. Se trata de una publicación comercial de divulgación. Dirigida por Constancio Vigil, este mensuario, realizado por Editorial Atlántida, mantuvo una posición vinculada al libre mercado y la nación como sumatoria de provincias y territorios, a diferencia del discurso del peronismo. Después de la denominada “Vuelta al campo” y con la política de mayor control sobre los medios de comunicación, La Chacra ocupó sus páginas difundiendo la acción gubernamental. En el presente trabajo se observará el modo en que la Revista La Chacra presenta su discurso y articula la red de significados en el periodo, teniendo en cuenta el papel de los medios de comunicación en la construcción del concepto de Nación.

Na gestão do governo peronista (1946-1955), deu-se atenção especial à cadeia de sentidos voltada para a construção da identidade nacional e a ideia de nação. Isso levou em conta o papel desempenhado pela natureza em um país como a Argentina, com perfil agroexportador graças a sua extensão territorial. La Chacra é uma revista mensal que tem como foco a agricultura, de circulação nacional. Trata-se se uma publicação comercial de divulgação. Dirigida por Constantino Vigil, esta revista mensal, produzida pelo Editorial Atlántida, detinha uma posição voltada ao livre mercado e a nação como uma soma de provinciais e territórios, ao contrário do discurso do peronismo. Após a chamada “Volta ao campo” e com a política de maior controle sobre os meios de comunicação, ocupou suas páginas difundindo a ação governamental. No presente trabalho, será observado o modo que a Revista La Chacra apresenta seu discurso e articulada a rede de significados no período, levando em consideração o papel dos meios de comunicação na construção do conceito de nação.

Palabras claves Naturaleza. Nación. Medio de comunicación. Peronismo. Argentina.

Palavras chave Natureza. Nação. Mídia. Peronismo. Argentina.

Ximena A. Carreras Doallo

| Es Licenciada en Comunicación social; Especialista, magíster y doctora en Ciencias Sociales y Humanidades –Universidad Nacional de Quilmes-. Se desempeña como docente en la UNQ, es becaria posdoctoral CONICET, pertenece al CEAR. Trabaja cuestiones relacionadas al discurso, el peronismo y la historia ambiental. Correo electrónico: [email protected] 188 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Ximena A. Carreras Doallo 1. Nombrar la nación: el peronismo y los medios de comunicación. Las normas y los nuevos ordenamientos mediáticos en la Nueva Argentina. El peronismo histórico comprende los dos primeros gobiernos justicialistas, periodo que se inicia en febrero de 1946 y termina en septiembre de 1955, por la irrupción de un golpe de Estado. Juan Domingo Perón obtiene sus mandatos en elecciones libres. En esos nueve años, de un gobierno presidencialista, electoralista, populista y benefactor, que facilitó la participación política y la inclusión desde lo social y lo económico de más sectores sociales que hasta ese momento no se habían sentido representados, y a través de las instituciones del Estado y de los tres poderes se avanzó en el otorgamiento y reconocimiento de derechos y se dictaron medidas –leyes, políticas, decretos, etc.-vinculadas a las premisas del Estado de bienestar. El Estado peronista interviene desde lo real y lo simbólico en la red de signos y representaciones sociales que contextualizan la gestión de gobierno que va desde 1946 a 1955. Pero no es el único: los medios de comunicación también interpretan, muestran y construyen desde su lugar, el concepto de Nación. Los medios de comunicación juegan un rol claro y presentan tres funciones prioritarias: suministrar y construir de modo selectivo conocimiento social; reflejar y reflejarse en la pluralidad; organizar, exponer y unir lo que se ha representado y clasificarlo. Intervienen en la realidad y la modifican de manera parcial dado que construyen un discurso que atiende los intereses de sectores sociales, genera identidades, relaciones sociales y sistemas de creencias y conocimientos1. Sobre este punto es importante detenerse, ya que la identidad estaba encarada desde el Estado peronista, desde Juan Domingo Perón, desde ese líder que nombra, desde las leyes que se sancionan para beneficiar con más derechos, desde las nuevas acciones y políticas de inclusión de sectores que no tenían participación activa en lo político, convocándolos a realizarse en lo político, lo social, lo cultural y en lo económico. Aquí colisionan dos actores políticos poderosos: los medios de comunicación y el Estado, ya que entra en la discusión quién es el que representa, el que construye de manera plena la idea de nación, el modo y lugar desde donde mirar el mundo. Los medios en la Argentina irrumpen en una economía basada en la producción primaria 1 Fairclough, N. (1998), “Discurso y Cambio social”, Cap. 3 Una teoría social del discurso, UBA. Fairclough, N. y Wodak, R. (1997), “Análisis crítico del discurso”, en Van Dijk, T. –edit.-, “El Discurso como Interacción Social”, Vol. 2, Pág.: 367-404. Barcelona. Gedisa.

189 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tensión entre perspectivas gubernamentales y editoriales. Um estudio de caso para la ‘construcción de la nacción’ y manejan, registran e instalan los conceptos y las problemáticas de la naturaleza y los recursos naturales, en relación al hombre y la sociedad, para nombrar ese entorno que los enmarca. Es destacable que se da una amplia circulación de diarios y revistas en un país con índices de educación, alfabetismo y posibilidad de ascenso social muy buenos en relación con lo registrado en América en ese periodo (1946-1955), y convierte en lectores ávidos a sectores sociales que hasta ese momento no se sentían interpelados. Este proceso se reforzó a principios del siglo XX por la extensión de los procesos alfabetizadores mediante políticas de gobierno que facilitaron el desarrollo de la prensa escrita nacional así como por el ascenso de la clase media, compradora de material impreso, que incrementó la venta de diarios y revistas2. El rol desempeñado por los medios gráficos en el sistema político tiene en cuenta su masividad, y emergen como un actor social en interacción con otros3. Estos medios asisten a la construcción de espacios de socialización y de subjetividades, nuevos4. Los medios masivos difunden ideas desde un punto determinado a muchos5, se convierte en un verdadero actor político “y como tal poseedor de una línea política que no sólo lo expresa sino que también lo identifica y lo diferencia de otros actores”6. En particular las revistas se adaptan más rápido al gusto del público que el periódico7, además captan y logran reflejar los lenguajes de la cotidianeidad, las interpretaciones y las imágenes de la realidad, las voces de los especialistas, los debates de intelectuales y políticos contemporáneos así como los valores, las pautas de conducta y los modelos culturales que con otros sectores comparten8. A lo largo de la historia y en particular en nuestro país, se generaron diversas relaciones entre el gobierno, los ciudadanos, los medios de comunicación y la construcción de la realidad (y con ella de la propia identidad). Este denominado `cuarto poder´, se instala en la arena política y discute, acota, comenta e informa sobre los hechos que suceden. En algunos casos, el Estado, desde el Poder Ejecutivo, Legislativo y Judicial delimita las prácticas de los medios en función de los proyectos y objetivos que se propone. Así, durante el peronismo se establece un 2 Ulanovsky, C. (1997) “Paren las rotativas. Historia de los grandes medios, diarios, revistas y periodistas argentinos”, Bs. As. Espasa Calpe. Pág.: 35. 3 Borrat, H. (1989) “El periódico, actor político”, Barcelona, Gustavo Gilli, Pág.: 9. 4 Anderson, B. (1993) “Comunidades imaginadas. Reflexiones sobre el origen y la difusión del nacionalismo”, México, FCE. 5 Gellner focaliza en que esos muchos receptores, son los que engendran por sí mismos la idea central del nacionalismo, sin tener en cuenta lo que se diga concretamente en los específicos mensajes transmitidos. Gellner, E. (2001) Ibídem. Pág.: 163. 6 Panella, C. (1999) “La Prensa, actor político”, en La Prensa y el peronismo. Crítica, conflicto y expropiación, Ediciones de Periodismo y Comunicación Nº 15, UNLP. Pág.: 16. 7 Eujanian, A. (1999). “Historia de las revistas argentinas 1900/1950. La conquista del público”. Buenos Aires, AAER. 8 Girbal Blacha, N. (2006) Ibídem.

190 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Ximena A. Carreras Doallo vínculo peculiar entre los medios gráficos y el movimiento peronista, dada sus características, su llegada al poder, los cambios que ejecuta, el contexto mundial y local pero en particular por la realidad que posibilita y visualiza el gobierno desde esta Nueva Argentina. Los medios, como intermediarios entre la sociedad y lo que pasa, pueden acompañar la cadena de significados que se propone desde el Estado o recurrir a otra, que crean que se corresponde con `la realidad´. En el caso que los medios se identifiquen con el Estado, las representaciones se consolidan y se amplía la circulación, porque corre por otros carriles pero mantiene el sentido. En el caso que los medios planten otras alternativas, se podrán percibir una sociedad más compleja y con más matices, aunque con una tensión en la base. El Estado intervencionista peronista conforma un poder simbólico que conserva un fuerte control en la economía, en lo social y en la circulación de las representaciones, mientras muchos medios confrontan esta visión del mundo. Vale remarcar que antes de 1946, se suceden una serie de medidas que afectan el funcionamiento de los medios hasta ese momento: aparece la Subsecretaría de Información9, se regula la actividad periodística10 y se dicta un decreto por medio del cual el Estado podría intervenir para evitar el acaparamiento de papel y el alza de su precio, la denominada ley de represión del agio al papel prensa11. Ya en marzo de 1946, se dicta otro decreto que dispone la expropiación de existencias en poder de algunos medios con el objeto de distribuir entre aquellos que carecieran de papel o no pudieran adquirirlo por sí mismos, y sería la Subsecretaría de Informaciones se encargaría del prorrateo. El peronismo sabía que estaba en la coyuntura histórica de un mundo convulsionado por las guerras mundiales, reconocía el poderoso accionar de los medios masivos así como su potencia y alcance y su líder, Perón, estaba convencido que el planteo de esta Nueva Argentina sólo se podría consolidar si sus propuestas eran visibilizadas en todo el país. Las representaciones 9 Comienza como Subsecretaría de Informaciones y Prensa el 21 de octubre de 1943. Sirven puntualiza que esta Subsecretaría se inspiró en la Subsecretaria de Prensa y Propaganda fascista. Después de sacar a Perón de los tres cargos gubernamentales, en 1945, Ábalos disuelve la Dirección General de Propaganda dependiente de la Subsecretaría de Informaciones (Sirven, P., 1984, “Perón y los medios de comunicación, 1943-1955”, Centro editor de América Latina, Biblioteca Política Argentina, Buenos Aires). 10 Fundamentalmente mediante el decreto el decreto 18407 de diciembre de 1943: el medio debía entregar al gobierno copia de la memoria y balance al término de cada periodo. Además en el artículo 6to se responsabilizaba a periodistas, directores y propietarios de lo que se publicara en cada diario y debían explicitarse los responsables de la publicación. Pero en marzo de 1944, fue derogada y reemplazada por el “Estatuto del Periodista profesional”, promulgado en diciembre de 1946 (Ibídem. Op. Cit. Pág.: 23-25, 37, 92). 11 El 31 de octubre de 1946, el abogado Eugenio Moraggio denunció en la Aduana que los grandes diarios no pagaban derechos de importación por el papel que utilizaban, ergo, “defraudaban al fisco”. Sin embargo, ningún diario hacía este pago por una ley impuesta en 1917. Para 1950 los diputados Visca y Decker habían eliminado al Diario La Prensa del Registro Nacional de Importadores. Para 1951, la ley de agio del `46 fue interpretada por los empleados de la Aduana con distinción entre como noticias y publicidad, siendo esta última factible de gravarse con impuestos similares a los aplicados a la importación de papel cuando se utilizaba para imprimir folletos comerciales. Ibídem. Op. Cit. Pág.: 98.

191 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tensión entre perspectivas gubernamentales y editoriales. Um estudio de caso para la ‘construcción de la nacción’ que se erigían desde el Estado peronista tenían que ser reconocidas por los argentinos para conquistar y homogeneizar esta nueva identidad nacional. En el peronismo, la Subsecretaría estuvo a cargo casi con exclusividad de Raúl Alejandro Apold12. La labor de Prensa y Difusión era la de centralizar y coordinar la información oficial y de carácter general así como organizar la propaganda estatal, entre sus tareas se destaca la lectura atenta de diarios y revistas. Así por ejemplo en 1950, se declaró el Año del Libertador General San Martín y todos los diarios debían encabezar los escritos con esta leyenda. Los que no la tenía, fueron cerrados: 70 diarios en varias provincias13. Pero con el paso de los meses se clausuraron medios y hasta se expropiaron algunos importantes, lo que dio como resultado una red de diarios, revistas y radios bajo la orbita estatal con Haynes y Alea. La clausura de los medios de prensa alcanzó a los periódicos de las fuerzas políticas14 y afectaron a los independientes o de carácter comercial15. Los diarios, al cambiar de dueño, entraban en vínculo con Alea16, inaugurada en 1951. Carlos V. Aloé, presidente de directorio propuso entonces la edición de revistas. A su cargo estaban Mundo Deportivo y Mundo Agrario; Renato Ciruzzi era el responsable de Mundo Infantil y Mundo Atómico; Viglione hacía Mundo 12 León Bouché lo reemplazó en septiembre de 1955 y se encargó de la modificación del Estatuto del Periodista Profesional para que los hombres de prensa jubilados pudiesen cobrar nuevas remuneraciones sin renunciar a la pensión estatal. Ibídem. Op. Cit. Pág.: 139. También Cft. Marcela Gené, (2005) Ibídem. 13 Entre ellos, El Intransigente de Michel Torino, en Salta, el 23 de diciembre de 1949, que se había empezado a imprimir en 1920. Pero el director empieza a editar desde Jujuy un Boletín, razón por la cual es apresado y durante su estadía en prisión, fue expropiado su diario; La Hora del Partido Comunista y el semanario Orientación de comité central de este partido porque `engañaba a los trabajadores´, también cerrados por la Comisión. Pasaron a las arcas del Estado por acción de la Comisión Parlamentaria, por el accionar policial o por incumplimiento de leyes en vigencia: La Mañana de Mar del Plata, dirigida por Julio A. López Pájaro, Tribuna de Tandil, La Libertad de Mendoza, Atlántico de Bahía Blanca, El Plata, El Argentino y El Día de La Plata; La Nueva Provincia de Bahía Blanca empezó a recibir menos papel, se le suprimió el crédito en el banco oficial y fue clausurada el 4 de enero de 1950; La Capital de Rosario, dirigida por Nora Lagos. (Sirven, P., 1984, Ibídem. Pág.: 85-86; Sidicaro, R., 1993, Ibídem. Pág.: 209-210). 14 El Seminario La Vanguardia fue fundado por Juan B. Justo en 1894 y el partido socialista hacia la parte administrativa. En el peronismo estaba bajo la dirección de Américo Ghioldi. Fue cerrado por ruidos molestos, por tanto se decidió editar clandestinamente otros periódicos. Así vieron la luz: El Socialista, La Lucha, después “La Vanguardia Cerrada y La Lucha abierta”, Nuevas Bases. El 7 de febrero de 1952, se dio término a la clausura, después de que 6 días antes, Enrique Dickmann y su hijo se entrevistaran con Perón en la Presidencia. Lo que llevó a que el Comité Ejecutivo del Partido Socialista expulsara a Dickmann por voto general. “Historia del peronismo. La primera presidencia”, XXXII, La clausura de La Vanguardia. Revista Primera plana (1967), Año V, Nº 219, Buenos Aires, Pág.: 36-38. La comisión Visca- Decker cerró en 1950: Provincias Unidas, periódico radical –de orientación sabattinista-, que había sido suspendido en 1947. En septiembre de 1947, en San Nicolás, Buenos Aires, fue cerrada la imprenta del órgano conservador Tribuna Democrática del Partido Demócrata, Nuevos Tiempos de Bahía Blanca del socialismo local y el demócrata progresista El Hombre Libre. Sidicaro, R. (1993) Ibídem; Historia del peronismo. La primera presidencia, XXXII, Las voces silenciadas (1967). Luna, F. (1984) `Perón y su tiempo. La Argentina era una fiesta, Editorial Sudamericana, Buenos Aires. Sirven, P. (1984) Ibídem. Pág.: 75. 15 Se enfrentaron a clausuras Qué pasó en 7 días, Argentina Libre, El Laborista con las ideas de Cipriano Reyes y se cierra el taller de El Norte de San Nicolás. Sidicaro, R. (1993) Ibídem. Pág.: 204. Luna, F. (1984) Ibídem. Sirven, P. (1984) Ibídem. 16 Que según Aloé es la primera palabra de la frase latina “La suerte está echada”, “Alea jacta est”. “Historia del peronismo. La primera presidencia”, XXXII, Cadena de medios. Revista Primera plana (1967), año V, Nº 217, Buenos Aires, Pág.: 36.

192 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Ximena A. Carreras Doallo Radial; León Bouché hacía El Hogar y Selecta así como Caras y Caretas y Emilio Rubio, que dirigía El Mundo, se le sumó PBT. Adolfo Fito Aleman quedó al frente de Mundo Argentino17. La otra columna fue la Editorial Haynes, que había sido de capitales ingleses pero fue adquirida en gran medida por el perfil de sus productos, vinculados al gusto popular y pasó a ser de la cadena oficial con la compra del 51% de la acciones. Con el tiempo se agregó a Haynes: Mundo Peronista18. En el mercado, esta editorial comienza a competir con nuevos títulos con las revistas de la Editorial Atlántida: La Chacra, Billiken, El Gráfico y Para Ti. Antes sólo estaban en la contienda Atlántida y El Hogar19. Alea y Haynes presentan un abanico para todos los segmentos de la sociedad, se trata de productos comerciales pero con la intención de comunicar e informar desde el Estado como competidores directos de otras revistas y diarios en el mercado de empresas editoriales privadas. La lucha ideológica y de sentido se planteaba desde Perón al “Pueblo” y, de modo indirecto en el mercado de medios, que, hasta ese momento tenía marcada ingerencia en lo privado y generaba empatía entre los sectores más conservadores y de la oligarquía nacional. Este ingreso del poder gubernamental estatal al sistema de medios nacionales posibilitaba otra circulación, el acceso a más sectores sociales y avanzar en la construcción de una Nueva Nación, la Nueva Argentina en lo social, en lo político y en lo económico que el peronismo desde las políticas de gobierno ya había iniciado. La bella riqueza productiva de la naturaleza nacional. La revista La Chacra y sus posiciones discursivas en el peronismo La revista La Chacra, en este contexto permite estudiar desde una mirada alterna, ya que informa, explica y opina sobre lo rural y el agro, sobre el sector productivista de la economía argentina20. Al tiempo que posibilita analizar cómo un medio grafico privado e importante y 17 Revista Primera plana (1967) “Historia del peronismo. La primera presidencia”, XXXII, Cadena de medios., año V, Nº 217, Buenos Aires, Pág.: 36. 18 Sirven, P. (1984) Ibídem. Pág.: 67. 19 Revista Primera plana (1967) Ibídem. Pág.: 34-36. 20 La Chacra tiene “una misión pedagógica” para el desarrollo de la explotación rural exitosa y proclama “el deseo de cumplir una verdadera función social” (Gutiérrez, T., 2005,). Como competencia directa, en 1949, surgió Mundo Agrario, de la Editorial Haynes, ya bajo el control del peronismo y dirigida por Carlos Aloé (Secretario de la Presidencia y luego gobernador de Buenos Aires). La diferencia sustancial se centra en el acercamiento a las políticas estatales y su difusión. La Chacra se constituyó como una guía práctica para los trabajos del campo ya que considera la tierra para el trabajo, para el negocio. Esta revista publicada por primera vez en 1930, en reacción a la crisis que afectó a la zona agro-cerealera argentina desde fines de la década de 1920 e impactó en los sectores sociales vinculados a ella, pertenece a la Editorial Atlántida.Esta revista de divulgación utiliza un lenguaje coloquial, al tiempo que cuenta con “la presencia de representantes del `pensamiento agrario´ -ingenieros agrónomos, veterinarios- que auxiliaron con la cuota de especialización técnica, imprescindible aun tratándose de una publicación de difusión general” (Gutiérrez, T., 2005).Sus páginas presentan mapas, gráficos explicativos, planos y fotos. Ofrece una construcción idealizada del trabajo en el campo. En el caso de los pionners o aquellos empresarios privados se presentan de traje. Tampoco faltan los veterinarios, médicos, investigadores y docentes en su labor pero en colaboración con el sector agropecuario. Además se exponen avances tecnológicos y técnicas alternativas para mejorar la productividad.

193 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tensión entre perspectivas gubernamentales y editoriales. Um estudio de caso para la ‘construcción de la nacción’ dedicado a un tema de alto impacto para la economía argentina, el sector primario, percibe, entiende y construye su mirada sobre la naturaleza y desde allí nombra a la Nación. Está dedicada a lo agropecuario y la industria vinculada a él, expone una selección de lo que pasa y la acción gubernamental en torno a estos temas, mientras permite ver y estudiar el modo en que imagina a la nación durante su salida al mercado. La Revista ofrece una perspectiva alternativa de las particularidades económicas del país; el perfil de esta revista posibilita una revisión del vínculo con el peronismo y el sistema de medios. Además la publicación ofrece desde la vereda opositora, los supuestos del peronismo y sus políticas para la Argentina: las regiones con desarrollos económicos y permite entrever cómo el sector productivo entiende la relación entre sociedad-ambiente, desde el ángulo productivista. El peronismo porta una mirada de la nación erigida desde la naturaleza autóctona que genera identificación entre los sujetos sociales, mientras esta revista que se analiza, devuelve una representación de la nación distinta –el Estado debe regular pero no intervenir, los trabajadores deben dedicarse a sus labores y el sector agropecuario dada su importancia en la generación de riqueza debe marcar el rumbo- pero considera que la fauna, flora y suelos argentinos son la clave de desarrollo y crecimiento del país. El punto de quiebre entre estas visiones es el papel del Estado, ya que desde el censuario se entiende que el mercado debe equilibrarse por sí mismo sin intervenciones, que la industria nacional debe construirse sobre la base agropecuaria y que son los medios quienes por su carácter de intermediarios son los encargados de construir las representaciones del mundo, explicar y explicitar las cadenas de sentido, brindar las lógicas para interpretar: informar y formar. Para la publicación mensual, en general se debería respetar la lógica de las regiones nacionales, en que cada cultivo y producción brinda mejores resultados de acuerdo a la zona, y lograr así obtener los mejores rindes desde la perspectiva económica. Pero se posiciona en contra de la regulación, control e intervención del Estado. La revista apunta a una explotación de acuerdo a las zonas productivas y evitar el desgaste de la tierra y sus riquezas21. Se propone la rotación y los cultivos alternativos así como estrategias productivas económicas22. 21 “Los grandes industriales y el hombre de campo no se han detenido a pensar que la desmedida explotación de las riquezas naturales del suelo traería como consecuencia su notable disminución, y es así que en casi cincuenta años ya se han consumido un gran porcentaje de los bienes que tan generosamente nos ofrece nuestra tierra”. “[…] de continuar unos años mas la extracción y explotación sin tasa ni control de las riquezas de esta tierra tan pródiga y feraz, se corre el riesgo de convertirla en tierra pobre y mezquina” (Revista La Chacra, 1946, Título: “Es urgente defender nuestra riquezas naturales”, mayo. Pág.: 56-57) 22 “No se trataría pues de limitar esas explotaciones comerciales sino de encauzarlas en un sistema de reforestación que permita mantener tan enormes riquezas” (Ibídem, 1947, Título: “El cedro misionero tiene gran utilidad. Es conveniente evitar su exterminio mediante una acción de fomento”, octubre. Pág.: 30).

194 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Ximena A. Carreras Doallo Se visualiza el ambiente como recurso, en la cadena de valor, donde mediante el trabajo humano y la obra estatal se puede mejorar la posición económica de la Nación en la orquesta de naciones, en este caso se percibe un marcado interés económico de la naturaleza (es decir, con valor de cambio, se trataría de un recurso económico). Entre 1946 y 1955, la revista destaca y festeja las medidas destinadas al agro que lo favorecen y facilitan la labor, como los créditos pero por otro lado, observa y señala la situación del trabajo rural, los costos de producción y la estipulación de precios para los productos por parte del gobierno justicialista, así como la inflación23. En particular en esta coyuntura histórica toma posturas desde una crítica marcada crítica y demanda acciones concretas del gobierno –en especial desde 1946 a 1950- hasta de exposición de las políticas gubernamentales sin mediarlas con la voz editorial. Desde 1946 a 1950, la política de transferencia de ingresos del agro a la industria y a la burocracia estatal, mediante la acción del IAPI -Instituto Argentino de Promoción del Intercambio- fue criticada desde la publicación. La razón esgrimida es que el chacarero “no está recompensado en sus sacrificios, de acuerdo con el elevado costo de vida, con la comercialización oficial”24, con la emergencia del Estado como único comprador y único vendedor25. La Chacra se encarga de señalar la acción de gobierno y hacer propuestas vinculadas a la cooperación26 o al libre juego de oferta y demanda. Plantea fuertes y duras críticas al gobierno por la fijación de precios27. Además la publicación rural se encarga de expresar el esfuerzo 23 Revista La Chacra (1948) Título: “Hay que parar la inflación”, septiembre. Pág.: 35. 24 Voz del representante de la CARBAP y critica al gobierno en Revista La Chacra, abril 1947. 25 “El Estado se convirtió en intermediario comercializador de las cosechas pagando a los productores un precio fijo, bajo mientras que vende la producción a precios muy elevados en los mercados externos” […] “los precios oficiales fijados para los cereales y oleaginosas no son compensatorios” […] “La consigna de producir, producir y producir se cumplirá siempre que haya justicia y estímulo para el productor ya cansado de trabajar sin provecho” Es una nota tipo editorial. Revista La Chacra (1947) Título: “Hondos trastornos ocasionan en el agro los bajos precios fijados a la producción”, marzo. Pág.: 6-7. 26 La Chacra expone las acciones cooperativas en el país y celebra estas iniciativas desde sus páginas. Posteriormente el gobierno peronista se apropia de la idea de cooperativismo. El presidente dice “El gobierno ha tenido que enfrentar a los monopolios para voltearlos y por ello el Estado ha debido convertirse asimismo en monopolio, pero señores no es interés del Estado el seguir manteniendo el monopolio estatal pero no puedo entregar a los chacareros atados de pies y manos a la voracidad de los consorcios capitalistas nacionales e internacionales”. Señala que cuando el campo esté organizado en cooperativas se le entregará la conducción para que decida y el Estado se hará a un lado. (Revista La Chacra, 1950, Título: “La primera conferencia de cooperativas agrarias”, abril. Pág.: 54-55 y 108). La actividad cooperativa para la revista se relacionaba con las posibilidades de hacer de los que no están en el Estado y no tienen solvencia de privados. Puente entre Estado y agricultores (política de calidad). Cfr. Revista La Chacra, abril 1948, Pág.: 102-103; Revista La Chacra, mayo 1948, Revista La Chacra, julio 1948, Pág.: 31. Revista La Chacra (1948) Título: “Una importante experiencia cooperativa `La previsión´”, julio. Pág.: 150-151. Revista La Chacra (1948) Título “La cooperativa agrícola de Manuela Cascalleres”, septiembre. Pág.: 116-117. 27 Cfr. La Chacra en 1947. Más aun: “Todos los gobiernos incitan a una mayor producción pero no siempre recuerdan que al esfuerzo debe corresponderse con precios remuneradores, no sólo para cubrir los costos sino para producir beneficios razonables, que compensen la dedicación, estimulen la iniciativa y permitan la continuación y mejoramiento de la empresa” (Revista La Chacra, 1948, Título: “Los discursos del presidente de la Sociedad Rural”, septiembre. Pág.: 20 y 154). A su vez, se trascriben los dichos de Carlos Emery en que celebra los logros del gobierno nacional (Revista La Chacra, 1948, Título: “Aspectos de la actividad agraria comentó el ministro de agricultura”, septiembre. Pág.: 21 y 154).

195 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tensión entre perspectivas gubernamentales y editoriales. Um estudio de caso para la ‘construcción de la nacción’ y el riesgo al que se enfrentan al encarnar los emprendimientos los representantes del sector privado28, y la ausencia de colaboración del Estado en el acompañamiento de estas iniciativas. Además se celebra la intervención y la ayuda gubernamental por ejemplo con la puesta a punto de estaciones experimentales agropecuarias en las diferentes regiones del país29 o la ley de conservación de suelos y bosques, los trabajos de infraestructura que el gobierno estima realizar como diques y represas.30 Sin embargo para la publicación en general, el mejor papel que debería desenvolver el Estado es la no intervención, dejar que el mercado mediante el libre juego de la oferta y la demanda se equilibre. Es decir, el Estado debe colaborar con ayuda en infraestructura, con créditos y hacer de enlace entre las universidades y los chacareros para su educación, formación y mejoras técnicas. En particular desde 195031, cuando desde el gobierno se plantea la `Vuelta al campo´ y se focaliza en el control sobre los medios de comunicación de modo más directo, La Chacra agrega una sección en que da difusión a las políticas de gobierno y reproduce actos y actividades32 y discursos del presidente Juan D. Perón33, de Eva Duarte de Perón34 y otras autoridades35, así como proyectos de ley que el Poder Ejecutivo presenta a las Cámaras, exhibe el Segundo Plan Quinquenal desde 1953 y las reglamentaciones en vigencia del Plan36. El presidente y su esposa aparecen con mayor frecuencia en imágenes. La construcción de la idea de nación que ofrece el medio gráfico, tiene su eje en la 28 La revista sostiene que el Estado no incentiva la inversión de los privados que sería quienes pueden innovar y apostar –la idea de progreso llega de la mano de ellos, los inversores privados como arriesgados, como pionner-. El Estado los `asusta´. 29 Es interesante que La Chacra publica diferentes notas sobre el tema de las Estaciones experimentales a lo largo y ancho del país, por ejemplo: junio de 1953, septiembre de 1953, diciembre de 1953. 30 Mediante un petitorio que La Chacra recibe y publica en parte el proyecto y recuerda otros proyectos previos. (Revista La Chacra, 1946, Título: “Pobladores de Chaco solicitan la construcción de un acueducto”, enero. Pág.: 40) 31 Entre 1946 y 1950, aparece como “el primer magistrado”, “el presidente de la Nación” focalizando en la función más que en el sujeto de la acción. En cambio entre 1950 y 1955, se lo nombra junto con el puesto jerárquico. Es más común el “dialogo” con el Ministro de Agricultura. 32 Cfr. de Arce, Alejandra e Isabel Patiño Alcívar (2008) Ibídem. Cft. Revista La Chacra (1948) Título: “Trascendencia nacional tuvo la celebración del día del agricultor”, octubre. Pág.: 6-7. Participaron Perón y su esposa, hay una fotografía. Eva Perón participa en varias fiestas regionales coronando a las reinas: en Revista La Chacra (1948) Título: “Elección de la reina nacional del trabajo”, junio. Pág.: 110-111 y en Revista La Chacra (1948) Título: “Se celebró jubilosamente la Fiesta de la Zafra en Tucumán”, diciembre. Pág.: 6-8. 33 En particular en la sección Segundo Plan Quinquenal. 34 Dijo Eva Perón frente a la denominación del Plan Agrario con su nombre: “Nuestro lema ha de ser: sembrar, sembrar, sembrar. Esa es la única manera de abaratar los costos y nosotros, en un esfuerzo de corazón vamos a intentarlo” (Revista La Chacra, 1952, Título: “Plan agrario `Eva Perón´”, mayo. Pág.: 37) 35 Se transcribía “en páginas interiores, no al comienzo, el plan quinquenal, aunque se lo presentaba sin comentarios. […] La publicación del resto de las medidas estatales en relación al agro se continuó tal como se venía haciendo, sin frases laudatorias, pero normalmente tampoco con demasiadas críticas” en esta segunda etapa. (Gutiérrez, T., 2005, Ibídem) 36 Nuevas leyes rurales. Además “proyectada por el Poder Ejecutivo Nacional, fue aprobada el mes último por el Congreso” se trata del nuevo régimen de colonización. Revista La Chacra (1955) Título: “La ley nacional del nuevo régimen de colonización”, enero. Pág.: 12. Otra: Revista La Chacra (1955) Título: “Fue sancionada la ley de jubilación para los trabajadores del campo”, enero. Pág.: 13.

196 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Ximena A. Carreras Doallo relación sociedad-naturaleza pero el trabajo, es decir, con la mirada en la acción del hombre sobre la tierra proveedora y objetivada, para conseguir productos. La naturaleza emerge como representación de dadora de recursos, es decir, los bienes y las riquezas, brindados por la tierra proveedora y mediante el trabajo -humano- se extraen. El Estado tiene que favorecer el mantenimiento de este status quo e intervenir para que los hombres se ubiquen en el rol de productores37, no tiene que participar en el mercado, ni regular la economía. El papel del Estado debería ser liberal y limitado a legislar. La nación se entiende como productora de materias primas y granero del mundo. El peronismo no parte de estas representaciones, se posiciona en el discurso como un actor que da voz a los sectores menos favorecidos hasta ese momento, considera que su papel en el Estado es de intervención y control de las actividades de la Nación, para dar contenido concreto a la idea de país que pregona: la Patria rica en recursos de todos los argentinos y no de unos pocos. La naturaleza y la tierra son bienes nacionales, son de todos los argentinos. Este es el cambio de lectura que instala en la discusión el peronismo, con control, con intervención, con leyes, con políticas. La Chacra, respecto del tema de la eficiencia y la eficacia de la administración pública en el gobierno peronista observa que “dados los sistemas de la burocracia, las consultas [agropecuarias] no se contestan a tiempo” pero señala que no es nuevo: “en nuestro país, conforme a los sistemas burocráticos que vienen desde medio siglo atrás, el chacarero es una persona desvinculada del Estado”38. La revista demuestra una fuerte crítica a la burocracia estatal (por ejemplo hay una importante “dilatación de los trámites”)39, en que además se mezcla gobierno con Estado. Sin embargo, después de 1950, no aparecen posicionamientos tan contundentes contra el gobierno. Es importante destacar que durante el peronismo hubo tópicos que expuso el mensuario que fueron determinantes para el desarrollo del país con respecto al agro. Por ejemplo para evitar el éxodo rural, la revista explica el uso correcto y sostiene que desde el Estado se debe facilitar tecnología como las nuevas cosechadoras de maíz40 o bien deben procurarlas los hombres de campo. Las políticas públicas en torno a las cuestiones agropecuarias así como las alternativas y observaciones señaladas por la revista denotan la trascendencia en el periodo de temas como 37 No aparecen distintos estamentos sociales. Sólo se distinguen los pionners y los productores. 38 Revista La Chacra (1947) Título: “La orientación oficial debe ser más eficiente”, diciembre. Pág.: 88. 39 Ibídem. Op. Cit. (1948) Título: “Anacronismo de algunas disposiciones oficiales”, abril. Pág.: 77. 40 Ibídem. Op. Cit. junio, Pág.: 12-13.

197 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tensión entre perspectivas gubernamentales y editoriales. Um estudio de caso para la ‘construcción de la nacción’ la acción contra las plagas –langosta, filoxera41, pulgón verde42-, la erosión de los suelos43, entre otros. La publicación de Atlántida informa sobre estas problemáticas en tanto y cuanto afecten la cuestión económica, al tiempo que refuerza la idea que el sector primario es el motor de crecimiento nacional. Desde las páginas, el medio comercial es fiel a su estilo y trata de mantener, en el periodo estudiado, la distancia prudencial con respecto al gobierno peronista. Empero cuando el control a los medios se afianza por parte del gobierno, la revista parece negociar con el espacio brindado a la publicidad de actos gubernamentales pero sin manifestar de manera directa su opinión. Provincias, Territorios y paisajes desde el lente de La Chacra El estado territorial es “[…] la base primaria de la identidad social para la mayoría de los pueblos del mundo […] Entre las relaciones más estrechas que existen entre la nación y el Estado está el paisaje material”44. Por eso la existencia de provincias y territorios nacionales45 genera un vínculo peculiar identitario entre el Estado, los habitantes y el territorio. La construcción del paisaje en la revista refiere a espacios cercados por lo económico, sea por la producción primaria, la secundaria pero relacionada con lo agropecuario –zonas productoras argentinas- o turismo –con la Naturaleza como protagonista, con sus riquezas y recursos-. Si bien hay una búsqueda de establecer estos espacios como propios de la Nación, en que se apela a la identificación, desde la publicación el recorte del paisaje está relacionado con lo productivo de manera directa. La Chacra, como publicación de divulgación pero atenta al sector productivo, explicita 41 Por ejemplo respecto de la filoxera a la que La Chacra denomina como una plaga y “Ningún gobierno hizo nada” (Revista La Chacra, 1946, Título: Viticultura “El problema de la filoxera y la acción oficial”, diciembre. Pág.: 42). Cft. Revista La Chacra (1948), mayo. Pág.: 34. La Chacra (1948) julio. Pág.: 75. Revista La Chacra (1948) Título “Debe afrontarse con decisión la lucha contra la filoxera”, julio. Pág.: 84. 42 Proyecto de ley. Revista La Chacra (1948) Título: “La lucha contra el pulgón verde”, abril. Pág.: 98-99 y 116. 43 Revista La Chacra (1948), mayo. Pág.: 10. Revista La Chacra (1948) julio. Pág.: 148-149. Revista La Chacra (1948) Título: “Para controlar la erosión del suelo”, septiembre. Pág.: 112-113. La Chacra utiliza el mapa oficial pero critica la política gubernamental en torno del tema (Revista La Chacra, 1948, Título: “El mapa sobre las erosiones”, octubre. Pág.: 86-87) 44 Cosgrove, D (2002) Ibídem. Pág.: 83. 45 En el periodo estudiado hay provincias, autónomas del gobierno central y territorios. La ley nacional Nº 1532 que se basó en la estadounidense, señala que cuando los territorios tengan más de 70 mil habitantes según los censos deberán convertirse en provincias. “Sólo Tierra del Fuego y Santa Cruz no tienen la población requerida […pero sí] Chubut, Salta, Jujuy, La Rioja, Catamarca, San Juan y San Luis”. Sus pobladores poseen menos derechos civiles (no pueden votar y sus industrias son para el bien de todos, para la nación entera) –agosto, 1946. Revista La Chacra, Pág.: 44-. En 1952 se incorporan representantes de los territorios: Chaco –Presidente Perón- y La Pampa –Eva Perón- al debate parlamentario. (Discurso presidencial ante Honorables Cámaras de Diputados y Senadores. Perón 1 de mayo de 1952).

198 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Ximena A. Carreras Doallo la división económica y la relaciona con la política así como refiere a las provincias y a los 46

territorios nacionales. Respecto a las provincias47 presenta un breve texto de sus características (si posee puerto, sus festejos más relevantes, la producción más importante), sus imágenes representativas y destaca sus carencias48. Desde allí se construye su propia cadena de representaciones, con imágenes que enlazan a las provincias y territorios al trabajo del hombre con la naturaleza, sea del sector primario (aunque es el más preferido), secundario pero relacionado con lo obtenido del agro o terciario (por ejemplo, las zonas relacionadas con el turismo). En el caso de los territorios nacionales49 hace un despliegue similar al de las provincias pero focaliza en que deben convertirse, tal como fue prometido por el gobierno nacional, en entidades provinciales. Ya que “estos territorios siguen dependiendo de la Nación mientras tienen enormes posibilidades por sus suelos y economías de ser autónomos”50. Es valido remarcar que se formulan propuestas, críticas, afirmaciones y aseveraciones sobre el rumbo que debería tomarse. La Chacra ancla en la cuestión de los bienes: el cultivo de ese territorio posibilita la sustentabilidad para que se maneje por sí mismo, deja por fuera o en un segundo plano la cuestión simbólica. La construcción de nación que manifiesta la publicación se basa en la patria como la sumatoria de provincias y territorios nacionales portadores de determinados recursos naturales (que están en la naturaleza y el hombre los toma de allí) y generadores de determinados bienes. El Estado debe procurar este ordenamiento con legislación y obras, no con intervención. 46 La Chacra nombra a la nación Argentina desde el “Estudio de zonas productoras” dividiéndolas en 13 zonas agropecuarias en total, en que da cuenta de flora y fauna, los problemas en cultivos, alternativas y formas de comercialización. La Chacra señala que “entendemos que el Estado debe disponer de sus propias usinas de elaboración [de bienes comercializables, en lugar de ser los chacareros] y sus ganancias podrían dedicarlas al progreso de esas regiones” (Revista La Chacra, 1946, Título: “Estudio de zonas productoras argentinas norte de Entre Ríos y Santa Fe, Corrientes, Misiones Chaco y Formosa. Cultivos, producción, perspectivas”, enero. Pág.: 6-7-8 y 87). 47 Con imágenes de la provincia y un texto brevísimo. Cfr.: Ibídem. Op. Cit. Título: “Provincias argentinas. Entre Ríos”, mayo. Pág.: 66. También: Ibídem. Op. Cit. Título: “Provincias argentinas. Buenos Aires”, junio. Pág.: 66. 48 Para la revista mensual, las provincias también necesitan la ayuda del gobierno central: se refiere a que si bien se están realizando diques, “faltan obras complementarias” para la distribución de agua por los distintos canales. “[…] no se trata de una cuestión provinciana sino de un aspecto de interés nacional” (Ibídem, 1947, Título: Nuestras provincias “San Luis reclama una irrigación abundante”, junio. Pág.: 70) ya que de hacerse estas obras, los beneficios llegarían a todo el país. 49 La Chacra pues se propone “divulgar el conocimiento de las riquezas argentinas” de los territorios nacionales. Estos territorios “han carecido de estímulo oficial para el desarrollo de sus actividades y los gobiernos centrales han dejado transcurrir los años sin procurar una solución a los fundamentales problemas que se derivan de la situación de esas extensas zonas”. Revista La Chacra (1946) Título: “No olvidemos a los territorios. Su gravitación económica debe ser reconocida públicamente” por Alberto F. Rivas, agosto. Pág.: 44. También cfr. Título: Revista La Chacra (1947) “Los territorios deben ser provincializados”, septiembre. Pág.: 142. 50 Ibídem. Op. Cit. Título: “Los territorios deben ser provincializados”, septiembre. Pág.: 142.

199 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tensión entre perspectivas gubernamentales y editoriales. Um estudio de caso para la ‘construcción de la nacción’ Es más, se propone sin eufemismos “la publicación de una serie de notas relativas a los territorios nacionales. A través de ellas trataremos de reflejar las actividades agrícolas, ganaderas, industriales y culturales que en ellos se desarrollan, considerando que en esa forma contribuimos a divulgar el conocimiento de las riquezas argentinas, aun no debidamente explotadas y que ofrecen inmejorables perspectivas para el desenvolvimiento económico de la Nación. […] hasta ahora los territorios nacionales han carecido de las prerrogativas a que se han hecho acreedores por su aporte al desenvolvimiento económico y cultural de la Nación. Han carecido de estímulo oficial para el desarrollo de sus actividades, y los gobiernos centrales han dejado transcurrir los años sin procurar una solución a los fundamentales problemas que se derivan de la situación de esas extensas zonas. Es probable, sin embargo que en un futuro próximo se provincialicen algunos territorios. Así lo deja entrever la palabra oficial pronunciada en el recinto del Congreso en ocasión de iniciarse el periodo legislativo. Lamentable sería que las esperanzas derivadas de esa palabra se vieran nuevamente defraudadas”51. El desarrollo territorial está enlazado con el trabajo del hombre en el terruño, que llevará por contigüidad al crecimiento nacional. Los territorios son portadores de riquezas naturales52 pero según La Chacra necesitan obras de infraestructura53 y ayuda oficial54 para su desenvolvimiento. Sin embargo, estas áreas en general son narradas con singularidades y posibilidades a la altura de las provincias. Además, mes a mes se ofrece a los lectores entre las notas, un informe de distintas zonas productivas. Allí se demuestra la agricultura y ganadería de cada una y el tipo de región, los problemas, soluciones e ideas para que el gobierno actúe. Se destacan las posibilidades de industrializar algunos productos. En general, el enfoque está en la cuestión económica y productiva relacionada con el sector agropecuario. Una marca relevante es el tema del agua para lograr mejoras en la zona55. En algunos casos aparece el sector turístico, por ejemplo en la Patagonia, “la región cordillerana posee numerosos lagos ricos en peces; sobre todo después de la introducción del salmón y la trucha hace cerca de 40 años, éstas se han multiplicado, construyéndose en un motivo de atracción 51 (El subrayado es nuestro) En la nota se hace referencia a la gobernación de Formosa, de Chaco, de Misiones, de La Pampa, de Neuquén, de Río Negro, de Chubut, de Santa Cruz, de Tierra del Fuego. Revista La Chacra (1946) Título: “No olvidemos a los territorios” por Alberto F. Rivas, agosto. Pág.: 44. 52 Ibídem. Op. Cit. Título: “Territorios nacionales. Misiones, tierra de promisión”, agosto. Pág.: 94-95. (la nota cuenta con imágenes). 53 Obras de regadío en el valle del río Colorado: Ibídem. Op. Cit. Título: “Territorios nacionales. La Pampa”, septiembre. Pág.: 92. Sobre comunicación, escuelas, diques y canales: Revista La Chacra (1947) Título: Territorios nacionales “Chubut. Fuente de grandes riquezas argentinas”, enero. Pág.: 70 y 96-97. 54 Necesitan bancos y créditos. Ibídem (1947) Título: Territorios Nacionales “Santa Cruz necesita una intensa acción oficial para progresar”, marzo. Pág.: 70 y 88. 55 Estudio de zonas productoras: el noroeste argentino (Revista La Chacra, enero 1946), el noroeste argentino (Revista La Chacra, marzo 1946), la región subtropical del noroeste (Revista La Chacra, abril 1946), la puna (Revista La Chacra, mayo 1946), la meseta patagónica (Revista La Chacra, junio 1946).

200 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Ximena A. Carreras Doallo turística” . 56

Conclusiones El peronismo entiende a la Nación a partir de un colectivo de sujetos, en un territorio determinado con determinada fauna, flora, suelos y recursos naturales, atravesados y relacionados por un conjunto de leyes que el Estado administra y hace cumplir, así como aporta políticas, interviene en los distintos estamentos socio-económicos e integra a los sujetos a esa construcción nacional. Es más, plantea la Nación como una totalidad en que la naturaleza completa el sentido mediante la generación de pertenencia y empatía de los hombres por la tierra e identidad. En cambio La Chacra, dedicada al agro refiere a la relación del hombre con la naturaleza para la apropiación, explotación y generación de valor económico. El reconocimiento del Estado emerge como parte de la producción en tanto y cuanto no interfiera, zanje diferencias, invierta en infraestructura. Los habitantes aparecen para la revista como trabajadores, que podrían estar sujetos a la tierra, al terruño (y evitar así el éxodo de la campaña a la ciudad). La revista se mantiene fiel a su estilo y trata de mantener, en el periodo estudiado, la distancia prudencial con respecto al gobierno peronista. Empero cuando el control a los medios se fortalece, La Chacra parece dispuesta a negociar con el poder. Para La Chacra faltan leyes e infraestructura suficientes para el buen desarrollo nacional, subraya las ineficiencias y carencias del Estado, bajo la gestión de Juan D. Perón respecto de la regulación y la reglamentación en general acerca de lo agropecuario. La publicación mensual ofrece una mirada crítica y vigilante, al tiempo que muestra posibles soluciones en las que el Estado debe mantenerse al margen y que sean las leyes del mercado las que definan la realidad. El gobierno peronista y la Revista utilizan similares recursos para la construcción de la idea de nación, pero los entienden de modo diferente. Mientras la publicación de estudio entiende que el mejor porvenir para la Argentina es mantenerse en productora de bienes, con miras al avance en la mayor y mejor producción agropecuaria para presentar esa posición en el mundo, el gobierno peronista, desde lo discursivo entiende que tierra y recursos son propiedad de los argentinos y les devuelve marcas de identidad propia.

56 Estudio de zonas productoras: la Patagonia. Revista La Chacra julio 1946.

201 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tensión entre perspectivas gubernamentales y editoriales. Um estudio de caso para la ‘construcción de la nacción’ Fuentes y Bibliografía Carta Orgánica nacional del Partido Peronista, Doctrina Peronista (1948), Buenos Aires. Historia del peronismo (1967) Primera Plana, Año V. Manual del peronista (1948) Partido Peronista, Consejo Superior Ejecutivo, Buenos Aires. Plan Quinquenal (1947-1951). Presidencia de la Nación. Subsecretaría de Informaciones. Primicias, Buenos Aires. Revista La Chacra. 1946-1955. Editorial Atlántida. Buenos Aires, Argentina. Revista Mundo Agrario. 1949-1955. Editorial Haynes SA. Buenos Aires, Argentina. Segundo Plan Quinquenal, 1953-1957 (1953) Presidencia de la Nación. Subsecretaría de Informaciones, Buenos Aires. Anderson, B. (1993) “Comunidades imaginadas. Reflexiones sobre el origen y la difusión del nacionalismo”, México, FCE. Borrat, H. (1989) “El periódico, actor político”, Barcelona, Gustavo Gilli. Cosgrove, D. (2002) “Observando la naturaleza: el paisaje y el sentido europeo de la vista”, Boletín de la Asociación de Geógrafos Españoles, Nº 34, Pág.: 63-89. De Arce, A. y Patiño Alcívar, I. (2008) “Género y trabajo en el campo argentino. Discursos y representaciones sociales (1946-1962)” en Mundo agrario, Vol. 9, Nº 17, La Plata junio-diciembre. http://www.scielo.org.ar/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1515-59942008000200004 De Ípola, E. (1983) “Ideología y discurso populista”. Folios, Buenos Aires. De Ípola, E. (1989) “Ruptura y continuidad. Claves parciales para un balance de las interpretaciones del peronismo”, en Desarrollo Económico, Vol. 29, Nº 115, octubre-diciembre. De Ípola, E. (1999) “El hecho peronista en La Argentina en el siglo XX”, editado por Carlos Altamirano, Editorial Ariel-UNQ, Buenos Aires. Eujanian, A. (1999). “Historia de las revistas argentinas 1900/1950. La conquista del público”. Buenos Aires, AAER. Fairclough, N. (1998), “Discurso y Cambio social”, Cap. 3 Una teoría social del discurso, UBA. 202 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Ximena A. Carreras Doallo Fairclough, N. y Wodak, R. (1997), “Análisis crítico del discurso”, en Van Dijk, T. –edit.-, “El Discurso como Interacción Social”, Vol. 2, Pág.: 367-404. Barcelona. Gedisa. Gellner, E. (2001) “Naciones y nacionalismo”. Alianza Editorial. España. Gené, M. (2005) “Un mundo feliz, imágenes de los trabajadores en el primer peronismo 19461955”, Fondo de Cultura Económica-Universidad San Andrés, Buenos Aires. Girbal Blacha, N. (2000) “Acerca de la vigencia de la Argentina agropecuaria: Estado y crédito al agro durante la gestión peronista (1946-1955)”. The Americas. Vol. 3. Nº 56. Pág.: 77-102. Girbal Blacha, N. (2002) “Políticas públicas para el agro. Llamar al estado peronista (19431955)”, en Mundo Agrario. Revista de Estudios Rurales, Nº 5, 2do semestre. Centro de Estudios Históricos Rurales, Universidad Nacional de La Plata. http://mundoagrarioold.fahce.unlp.edu. ar/nro5/Girbal.htm Girbal Blacha, N. (2003) “Mitos, paradojas y realidades en la Argentina peronista (1946-1955) Una interpretación histórica de sus decisiones político-económicas”. Universidad Nacional de Quilmes, Bernal. Girbal Blacha, N., Ospital, S. y Zarrilli, A. G. (2007) “Las miradas diversas del pasado. Las economías agrarias del interior ante la crisis de 1930”. Edición Nacional. Argentina. Girbal Blacha, N. (2008) “El estado peronista en cuestión. La memoria dispersa del agro argentino (1946-1955)”, en Estudios Interdisciplinarios de América Latina y el Caribe, Vol. 19, Nº 2, julio-diciembre. Gutiérrez, T. (2005). “Revista La Chacra: Industria editorial, agro y representación, 19301955”, en Sujetos, política y representaciones del mundo rural. Argentina 1930-1975. Lázzaro, S. y Galafassi, G. -comp- Siglo Veintiuno Editora Iberoamericana Luna, F. (1984) `Perón y su tiempo. La Argentina era una fiesta, Editorial Sudamericana, Buenos Aires. Panella, C. (1999) “La Prensa, actor político”, en La Prensa y el peronismo. Crítica, conflicto y expropiación, Ediciones de Periodismo y Comunicación Nº 15, UNLP. Sidicaro, R. (1993) “La política mirada desde arriba. Las ideas del diario La Nación, 19091989”. Sudamericana. Buenos Aires.

203 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Tensión entre perspectivas gubernamentales y editoriales. Um estudio de caso para la ‘construcción de la nacción’ Sirven, P. (1984) “Perón y los medios de comunicación, 1943-1955”, Centro editor de América Latina, Biblioteca Política Argentina, Buenos Aires. Ulanovsky, C. (1997) “Paren las rotativas. Historia de los grandes medios, diarios, revistas y periodistas argentinos”, Bs. As. Espasa Calpe.

Projeto Capes/Mincyt O projeto “Tendências e usos das tecnologias de informação e comunicação. Perspectivas das ciências da comunicação e da informação” CAPES/MINCYT REDE busca atender o objetivo geral da formação de Grupos de Pesquisa Associados em Rede, em que estarão contemplados projetos de pesquisa desenvolvidos por Instituições de Ensino superior do Brasil e da Argentina (UFSM e UFRGS do Brasil, bem como UNQ e UBA da Argentina); é objetivo específico do projeto apresentado pelo Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria a abordagem de processualidades de convergência de estudos de aparatos tecnológicos no contexto de uma ambiência midiatizada. As abordagens particularizadas nos projetos oriundos tanto da Argentina como do Brasil visam contribuir para o entendimento dos imbricamentos que possibilitam que as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) insiram-se como fator modificador do social, tanto em periferias urbanas como na agricultura familiar. Trata-se, portanto, de projetos cujo alcance teórico recai sobre a análise dos usos e apropriações na ambiência tecnocultural, privilegiando o contexto comunicacional da América do Sul, principalmente Argentina e Brasil, interlocutores no discurso sobre a partilha social que se dá nos novos suportes que a tecnologia propicia ao campo midiático.

204 Imagem: estratégia, discurso e sentido

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.