Imagens da sociedade porto-alegrense: vida pública e comportamento nas fotografias da Revista do Globo (década de 1930)

July 12, 2017 | Autor: C. Machado Júnior | Categoria: Fotografia, Porto Alegre, Revista do Globo
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IMAGENS DA SOCIEDADE PORTO-ALEGRENSE Vida pública e comportamento nas fotografias da Revista do Globo (década de 1930)

Cláudio de Sá Machado Júnior

IMAGENS DA SOCIEDADE PORTO-ALEGRENSE Vida pública e comportamento nas fotografias da Revista do Globo (década de 1930)

Financiamento

OI OS EDITORA

2009

© Cláudio de Sá Machado Júnior [email protected]

Editoração: Editora Oikos Capa: Simone Luciano Vargas e Cláudio de Sá Machado Júnior Revisão: Simone Luciano Vargas Arte-finalização: Jair de Oliveira Carlos Impressão: Rotermund Editora Oikos Ltda. Rua Paraná, 240 – B. Scharlau Caixa Postal 1081 93121-970 São Leopoldo/RS Tel.: (51) 3568.2848 / Fax: 3568.7965 [email protected] www.oikoseditora.com.br

M149i

Machado Júnior, Cláudio de Sá Imagens da Sociedade Porto-Alegrense: vida pública e comportamento nas fotografias da Revista do Globo (década de 1930) / Cláudio de Sá Machado Júnior. – São Leopoldo: Oikos, 2009. 208 p.: il.; 16 x 23 cm. ISBN 798-85-7843-078-8 1. Fotojornalismo – Revista Globo. 2. Fotografia – História – Cultura visual. 3. Imagem – Sociedade – Porto Alegre. CDU 77.044

Catalogação na Publicação: Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil – CRB 10/1184

O trabalho de pesquisa histórica e a impressão deste livro, desenvolvidos entre março de 2007 e junho de 2009, contaram com o apoio financeiro da Prefeitura de Porto Alegre, através do Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural – FUMPROARTE. A distribuição deste exemplar deve ser gratuita, conforme a proposta do autor, sendo proibida a sua comercialização.

À memória da professora e colega Dr.ª Sandra Jatahy Pesavento, incentivadora da produção em História Cultural.

A experiência visual do homem quando diante da imagem de si mesmo, retratado por ocasião das mais corriqueiras e importantes situações de seu passado, leva à reflexão do significado que tem a fotografia na vida das pessoas. Quando o homem vê a si mesmo através dos velhos retratos nos álbuns, ele se emociona, pois percebe que o tempo passou e a noção de passado se lhe torna de fato concreta. Boris Kossoy

AGRADECIMENTOS Aos professores Dr. Cláudio Pereira Elmir, orientador de minha tese de doutorado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, e Dr. Charles Monteiro, orientador de minha dissertação de mestrado e coordenador do Grupo de Estudos em História e Fotografia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Ao colega Luís Lima da Rosa, do Centro de Pesquisa da Imagem e do Som, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS, pelo valioso apoio para o acesso das imagens digitalizadas da Revista do Globo. Ao colega Me. Juliano Martins Doberstein, pelas dicas fornecidas quando da elaboração de minha proposta de projeto cultural. À colega Me. Jeniffer Cuty, pela torcida e apoio dados quando da seleção do projeto na Comissão de Avaliação e Seleção – CAS, do FUMPROARTE. Ao Me. Álvaro Santi, um dos responsáveis executivos do FUMPROARTE, na Casa Firmino Torelly, Secretaria Municipal de Cultura, pela paciência e compreensão quanto aos meus pedidos de prorrogação de prazo para término deste livro. À professora Dr.ª Marluza Marques Harres, que nunca mediu esforços para apoiar e incentivar minha trajetória

profissional. A todos aqueles que de uma forma ou de outra foram responsáveis pela concretização desta empreitada. Aos colegas da diretoria e conselho da Associação Nacional de História – Seção Rio Grande do Sul – ANPUH-RS que compartilharam a maior parte dos obstáculos que convergem na minha vida pessoal e desenvolvimento profissional. Enfim, aos familiares, Simone Luciano Vargas, Pablo Vargas Machado e Orlanda Margarida de Moura Machado, e amigos que compreenderam que uma trajetória profissional é feita com oscilações de humor e a abdicação de horas e mais horas de sociabilidade negada no âmbito da vida pessoal. Muito obrigado!

SUMÁRIO PREFÁCIO ........................................................................... 15 APRESENTAÇÃO ................................................................ 19 1. HISTÓRIA COM FOTOGRAFIAS E CULTURA VISUAL .. 25 2. A DÉCADA DE 1930 E PORTO ALEGRE ....................... 49 3. A REVISTA DO GLOBO E SUA VISUALIDADE ............. 71 4. TIPOLOGIAS FOTOGRÁFICAS: UM PERFIL SOCIAL ... 131 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................... 191 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................. 197 ÍNDICE REMISSIVO DE IMAGENS .................................. 205

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PREFÁCIO Revista do Globo: uma história em imagens e textos Em boa hora Cláudio de Sá Machado Júnior traz a público, sob os auspícios do Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural (FUMPROARTE) de Porto Alegre, o livro que ora tenho a satisfação de apresentar. Imagens da sociedade porto-alegrense: vida pública e compor-

tamento nas fotografias da Revista do Globo (década de 1930) é uma aposta do jovem historiador gaúcho em uma seara de estudos pouco frequentada pela comunidade acadêmica de nossa disciplina, e que promete ainda frutos muito vigorosos. A articulação entre o visual e o textual no ofício do historiador tem sido uma empresa apenas recentemente tomada a si pelos historiadores. Os desafios teórico-metodológicos que este campo de estudos oferece exigem uma dedicação muito grande por parte da historiografia. Forjada como científica em um tempo no qual falar-se em documento representava ater-se “à letra do texto”, nossa disciplina resistiu, por meio de seus autores canônicos, ao aprendizado qualificado da “leitura da imagem”. A imperiosa necessidade de se olhar para fora do campo, para dar conta deste problema, fez com que muitos abandonassem a tarefa a meio

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caminho de concluí-la, ao passo que outros sequer a reconheceram como própria de seu labor. Os desdobramentos mais recentes da dita “Nova História”, especialmente no âmbito da historiografia francesa e através da circunscrição da cultura como grande objeto da atenção renovada do conhecimento histórico, têm impresso legitimidade e especificidade a estes estudos nas últimas décadas. Cláudio de Sá Machado Júnior bem percebe, apoiado em extensa bibliografia atualizada e especializada, que a melhor porta de entrada para a imagem na história reside na capacidade que tivermos de significá-la por meio da densa consideração ao social que a ela diz respeito. Construir uma história por meio de imagens é também atribuir a elas, por mais difícil que se afigure esta tarefa, o peso de sua configuração social. O maior desafio neste empenho localiza-se na dupla habilidade de “ler tecnicamente” a imagem - seja ela a fotografia, o desenho ou a caricatura – ao mesmo tempo em que somos, pelo dever de ofício, instigados a produzir a sua interpretação pela historicidade na qual ela se insere. Mais difícil ainda , quer me parecer, é promover este trabalho de exegese sem fragmentar o nosso olhar, ora direcionado ao formal, ora direcionado à matéria histórica a qual o objeto remete. Neste pequeno livro, Cláudio Júnior oferece ao leitor inteligente, não necessariamente especialista, a oportunidade de atravessar este pantanoso caminho com ele, quando traz inúmeras e significativas reproduções de imagens com as quais a Revista do Globo foi escrita na década de 1930, e

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que nos fazem compreender uma forma específica de realizar a modernidade no sul do Brasil. A Revista do Globo foi, sim, uma revista “de sociedade”, ou melhor, “da sociedade” porto-alegrense e gaúcha, na qual uma parte importante de determinados segmentos sociais pôde construir, para eles mesmos, a imagem pela qual gostariam de ser reconhecidos pelos seus pares. Nela, o espaço público – inclusive e, especialmente, o espaço público social em seu sentido mais estrito – mostrou a sua “melhor face”, ou seja, aquela que poderia ser flagrada pelas câmeras fotográficas. Alguns importantes setores das elites intelectuais, sociais e políticas da capital e do estado ritualizaram suas performances nas poses que eternizaram para a história uma série de imagens congeladas. A dinâmica deste desempenho aguarda novos estudos que sejam capazes de flagrar tantas outras performances; o que nos faria perceber os muitos instantes que não puderam ser devidamente reconhecidos e significados. Este livro é um começo; promessa segura de tantos outros empreendimentos historiográficos do autor que, para nossa sorte, hão de vir.

Cláudio Pereira Elmir Programa de Pós-Graduação em História da UNISINOS São Leopoldo, 04 de agosto de 2009.

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APRESENTAÇÃO Coincidentemente, mas não intencionalmente, a publicação desta obra converge com os oitenta anos do lançamento da primeira edição da Revista do Globo. Em 05 de janeiro de 1929, surgiu o primeiro exemplar da revista, que tinha periodicidade quinzenal, e se dizia voltado para abordagens referentes a temas culturais que condiziam ao interesse da vida social. Era uma empresa com sede em Porto Alegre, vinculada à Editora e à Livraria do Globo, que se localizava na área central da cidade, na Rua dos Andradas.

Imagens da sociedade porto-alegrense: vida pública e comportamento nas fotografias da Revista do Globo (década de 1930) não pretende ser um retrato fiel da população da capital gaúcha. E também não é pretensioso a ponto de servir como uma referência crítica no nível de dissertações e teses da área. Mas possui de tudo um pouco: teoria, história e descrição empírica. A idéia deste pequeno livro foi a de trazer ao conhecimento do público um pouco mais sobre esta importante revista gaúcha. A Revista do Globo teve um significativo número de leitores para a sua época, podendo ser considerada como um sucesso editorial no passado de nossa cidade, e, atualmente, continua sendo objeto de estudo das mais diversas áreas de conhecimento acadêmico. 19

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O conteúdo aqui presente é um pouco da revista. Logo, não é o todo. E o todo sem a parte não existe. São apenas os dez primeiros anos de existência que dão uma noção – também em parte – da produção editorial feita em Porto Alegre. A época caracterizava o fim da chamada República Velha. Tinha como febre de costumes culturais a ida aos cinemas e a realização de passeios públicos na Rua dos Andradas. É um livro sobre a vida pública, porque suas imagens, fossem de personalidades ou de anônimos, foram publicadas nas páginas de um periódico de considerável circulação. A Revista do Globo esteve ao alcance de quem tivesse interesse e condições de comprá-la. É um livro sobre comportamento, porque o ato de fotografar caracteriza-se como um rito social em si. E, além disso, é um livro que se pretende como de agradável leitura. Organizado em quatro capítulos, a primeira parte apresenta-se com uma leitura um pouco mais árdua, denominada História com Fotografias e Cultura Visual. O academicismo sugere todo um embasamento teórico da empiria, que não se deu ao acaso, mas com alguns bons anos de estudo. Este capítulo contém algumas referências para aqueles que desejam aprofundar-se um pouco mais nas reflexões teóricas a respeito da imagem fotográfica e do que contemporaneamente denomina-se como cultura visual. Mesmo as referências não citadas de forma direta estarão listadas ao final desta obra, oferecidas como indicativos de leitura para aqueles que se interessam por leituras mais acadêmicas.

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O segundo capítulo, denominado A Década de 1930 e Porto Alegre, caracteriza-se como um conjunto bem panorâmico de considerações a respeito de aspectos contextuais da época. São apontamentos essencialmente políticos, como de praxe da história vinculada aos bancos escolares. Traz uma breve relação dos principais acontecimentos históricos e nomes de governantes que se situam na época em questão, a década de 1930. Tem base na história ocidental, passando pela história do Brasil e brevemente do Rio Grande do Sul e, finalmente, Porto Alegre. O livro continua com o terceiro capítulo denominado A Revista do Globo e a sua Visualidade. Esta terceira parte traz um aspecto geral da revista propriamente dita. A intenção foi a de equilibrar conteúdo visual com conteúdo textual, tentando colocar em proporções iguais fac-símiles do periódico e de texto escrito. O capítulo traça um panorama de alguns dos principais conteúdos da revista, considerando capas, publicidades, editoriais, crônicas, charges, reportagens, traduções, reproduções de obras, entre outros. É um despertar à atenção para uma gama de possibilidades existentes dentro da revista. O quarto capítulo trata das fotografias propriamente ditas. Com a denominação Tipologias Fotográficas: um per-

fil social apresenta algumas possibilidades de categorias fotográficas no periódico, também procurando estabelecer um equilíbrio entre conteúdo visual e textual. Dentre as tipologias selecionadas, entre muitas outras possíveis, ganha destaque as imagens fotográficas que enquadram persona-

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lidades da política e das letras, formaturas, visitas sociais, bailes dos mais diversos, reuniões em residências, esportes, casamentos, e assim por diante. Com exceção de uma ou outra figura extraída da Re-

vista do Globo, as imagens fotográficas foram preservadas na sua diagramação original, ou seja, na forma como foram concebidas dentro da página da revista. Da mesma forma, elas foram dispostas neste livro também em página inteira, para que seus conteúdos visuais, preferencialmente, possam ser contemplados por inteiro pelo leitor. A numeração das figuras está apresentada independentemente por capítulo. Cada parte do livro inicia uma nova numeração. Ao longo dos dez anos estudados na revista, que caracterizam exatamente 266 exemplares, estão as referências quanto ao ano e a edição do periódico. A identificação é simples, uma vez que a edição de 1929, a primeira, refere-se ao Ano I; 1930, ao Ano II, e assim por diante. Cada ano teve aproximadamente 24 exemplares publicados. A numeração de exemplares segue o sequencial escolhido pela revista. Assim, a última edição de 1929 tem a numeração 24; e a primeira edição de 1930 segue a numeração 25. E assim até a última edição escolhida para o presente livro, a de número 266. As legendas que acompanham as imagens foram elaboradas de forma muito breve, apenas com a intenção de descrever algum item importante de identificação da imagem. Referente ao espaço propriamente do conteúdo do livro, diferentemente da função do espaço destinado à legen-

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da, ficou reservada a informação sobre conteúdos e a realização de uma breve reflexão sobre as imagens. As citações foram mantidas na sua grafia original. No que se refere à escolha das folhas para impressão gráfica, certamente, o ideal seria uma impressão em papel especial, do tipo couchet, com brilho, o que poderia dar mais qualidade para a contemplação do leitor. No entanto, acredita-se que foi feito o melhor dentro do que foi possível. No que se refere às cores, apenas algumas imagens do segundo capítulo são coloridas. As fotografias em si foram todas publicadas em preto e branco. A opção para este livro, portanto, é a impressão em preto e branco de todas as imagens. Por fim, não há mais nada a dizer do que lhe desejar uma boa leitura e agradecer-lhe pelo interesse demonstrado pelos conteúdos desta obra. Ao final, espero que tenha conseguido apresentar-lhe o conteúdo da Revista do Globo, especialmente as imagens fotográficas da sociedade portoalegrense, de modo satisfatório. Boa leitura e boa contemplação de imagens.

Cláudio de Sá Machado Júnior Porto Alegre, 05 de agosto de 2009.

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CAPÍTULO 1 HISTÓRIA COM FOTOGRAFIAS E CULTURA VISUAL Em seu artigo Fontes Visuais, Cultura Visual, História

Visual: balanço provisório, propostas cautelares (2003), publicado em uma das mais importantes revistas de História do país, Ulpiano Bezerra de Meneses afirma que o pesquisador que trabalha com imagens deve sempre se lembrar que, além de trabalhar com um objeto material em si, sobretudo lida com questões concernentes a uma dada sociedade. A principal força que orienta um determinado estudo histórico sobre as imagens são questões sociais. Caso semelhante ocorre com os estudos históricos que se utilizam de fotografias. Através das fotografias é possível encontrarmos determinados vestígios do passado, considerando o uso pertinente de um olhar crítico e conhecedor de elementos contextuais de época. Com estas palavras, gostaria de destacar a importância dos estudos sociais realizados através da análise de fotografias. A produção histórica recente tem apresentando duas propostas, não necessariamente independentes, para a pes25

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quisa com imagens fotográficas, a saber: uma abordagem que se vale da visualidade para narrar determinado fato do passado, e outra que narra a trajetória dos métodos e da implementação de novas tecnologias cabíveis aos usos da imagem. Em outras palavras, de um lado encontra-se uma história da fotografia e, de outro, uma história pela fotografia. Com uma maior convergência para com a proposta do professor Ulpiano Bezerra de Meneses, é tanto válido destacar a proposta que valoriza mais os estudos sobre a sociedade, quanto um estudo exclusivo sobre as técnicas fotográficas utilizadas. Em ambas, o objeto de estudo é um só. Uma análise sobre uma dada sociedade, a partir dos pressupostos amplos da História Cultural, exige um esforço de adesão a temas transversais por parte do historiador; visando explorar mais as suas fontes e encontrar melhores ferramentas para a constituição de uma narrativa sobre o passado. Nesse sentido, constrói-se o que se convencionou chamar de História Antropológica (BURGUIÈRE, 2001) ou, dependendo do enfoque, História Social (MATTOS, 1997), num sentido semântico amplo, realmente mais próximo de uma convenção institucional do que de um sentido mais estritamente epistemológico. Surge como um desafio para o pesquisador, embasando nos estudos históricos a realização de uma leitura entrelinhas, uma valorização dos detalhes, com a finalidade de multiplicar o potencial interpretativo para uma hermenêutica da sociedade. Estas dificuldades são significativas, pois, segundo Paul Ricouer (1994), o historiador dirige-se a um 26

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leitor desconfiado que espera dele não somente uma narrativa, mas uma autenticação dela, estando, muitas vezes, preso à comprovação das fontes e inseguro para abordagens de objetos abstratos. Estaria condicionado, de uma maneira geral, a questões sobre o desenvolvimento de conceitualizações e à problemática geral da objetividade. Percebe-se um aumento significativo das pesquisas embasadas nos estudos de natureza cultural, com permissão do termo, conforme indicam as dissertações e teses defendidas nos Programas de Pós-Graduação em História no Brasil. Caracterização esta concernente a um debate historiográfico e a uma busca por parte da comunidade de historiadores que visam extrapolar as fronteiras da narrativa, superando alguns obstáculos impostos pela herança de escolas tradicionais, buscando apoio nas demais disciplinas humanísticas e criando novas formas de compreensão do passado. A presente proposta vai ao encontro da transdisciplinaridade. Até mesmo porque é difícil conceber limites específicos para a atuação dos pesquisadores com formação em História. Obviamente, há uma intenção em evitar alguns clichês que se baseiam em propostas de trabalhos com base apenas em marcos temporais bem definidos. No entanto, não se pode abrir mão deles completamente. Objetiva-se encontrar um meio termo para os objetos de estudo e não incorporá-los a normas rígidas ou a estruturas do conhecimento imóveis e imutáveis. Faz-se necessário saber relativizar algumas questões referentes a esta problemática, mas sem cair num relativis27

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mo extremo (MAUAD, 1996): saber amarrar os códigos da cultura perceptíveis nas fotografias, sem desvinculá-las de um contexto específico e experimentado a partir da vivência do cotidiano (GODOLPHIN, 1995). Neste caso, devem ser consideradas as efervescências políticas, econômicas e, de forma geral, culturais que marcaram a história de determinadas épocas, lugares e pessoas. Se a História que se desenvolve através das narrativas existentes nas imagens fotográficas pode fundamentarse em leituras de cunho antropológico para elucidar determinado fato, antes deve se embasar nos meandros que compõem os sistemas de comunicação e cognição da imagem. Nesse sentido, uma transdisciplinaridade bimodal assume um caráter ainda maior, transpondo, por exemplo, as fronteiras da comunicação, da semiótica (quando necessário), da psicologia e do pensamento filosófico. Aparentemente, este historiador que produz a narrativa sobre o passado, uma espécie de eu formatado institucionalmente, assemelha-se a um grande intruso interdisciplinar. Mas vale a pena lembrar que seu ponto de partida é sempre a História; e que os demais estudos, mais específicos e muito bem desenvolvidos pelos seus outros colegas das humanidades e áreas congêneres, servem-lhe como suporte para a criação de suas interpretações e de suas metalinguagens sobre o passado. Acontece que, por vezes, este suporte torna-se fundamental para o desenvolvimento de suas ideias e de suas propostas de comprovação ou reflexão, aparentando estar no primeiro plano de seu estudo, ao invés de estar a investigação histórica. Conforme foi men28

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cionado anteriormente, a ideia é saber relativizar, buscar dosagens de conhecimento para o equilíbrio teórico da pesquisa. O estudo é com fotografias, mas o objetivo maior é a análise da sociedade. As fotografias são, portanto, os pressupostos para a interpretação do social. Através destas especula-se informações sobre os papéis de determinados indivíduos e sua rede de relações. Estes papéis assumidos pelos indivíduos têm, segundo os pressupostos de Richard Sennet (1988), códigos de crença, pois visa o controle do próprio comportamento, do comportamento dos outros e das situações dispostas às experiências sociais. É vida particular em grande e significativa projeção à vida pública. A sociedade encontra nas ruas o espaço para a encenação do cotidiano (DEBORD, 1997), como uma espécie de teatro da vida real. Nessa encenação, reproduzida como se fosse uma pintura, mas com um retoque de modernidade, atos de ilusão e desilusão se encontram. A câmera fotográfica passou a constituir-se numa espécie de ritual que acompanhou as transformações da vida moderna. Junto com a inovação das tecnologias trazidas com a energia elétrica, as seduções da medicina e a revolução dos transportes, entre alguns exemplos, também vieram as reformas da educação, as insurreições militares e as transgressões nos campos das artes e da literatura no Brasil. Recebeu registros fotográficos o que pôde ou o que se julgou como de significativa importância social. Desde a virada do século XIX para o XX, a fotografia multiplicou-se e tornou-se um objeto ao alcance não somen29

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te de profissionais, conforme têm demonstrado muitos trabalhos que tratam sobre a época, como o de Solange Ferraz de Lima (1991), mas também da sociedade em geral, passando desde a produção e circulação de cartões-postais aos

portraits familiares. A sociedade teve que se adaptar às transformações que ocorriam nas grandes cidades, em pleno desenvolvimento e com grande influxo de capital, o que significou a adequação aos novos ritos e ritmos urbanos (SEVCENKO, 1998) ditados por convenções denominadas como modernas. Nas fotografias ficou representado um modelo idealizado de sociedade. Esse modelo, com o decorrer do tempo, através do fragmento fotográfico, pôde ganhar um sentido mais amplo, a dimensão de um todo. De uma forma geral, passou a constituir-se na trama social uma espécie de ima-

ginário urbano que posteriormente veio a se tornar uma memória coletiva, no qual a fotografia possuiu uma função específica entre os vários papéis desempenhados pelos atores sociais. Um verdadeiro valor das imagens fotográficas fundamenta-se na interpretação de quem as vê, ou seja, as fotografias, propriamente ditas, quase não têm significação por elas mesmas: seu sentido lhes é exterior, é essencialmente determinado por sua relação efetiva com o seu objeto e com sua situação de enunciação (DUBOIS, 1994) diante de determinado contexto. As fotografias, dependendo das circunstâncias que são observadas, podem representar variadas significações: materialização da experiência vivida, doce lembrança do passado, memórias de uma trajetória de vida, fla30

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grantes sensacionais ou, ainda, mensagens codificadas em signos (CARDOSO e MAUAD, 1997). As imagens fotográficas ganham significados com o passar do tempo e, relativamente, tornam-se testemunhos do passado, visto sua representatividade icônica para a identificação de pessoas e paisagens presentes em determinado momento, num lugar específico e por alguma razão. Olhar fotografias é, em primeiro lugar, estabelecer contato com índices. Num segundo momento, ela pode tornar-se parecida, tornando-se ícone, e adquirir sentido, tornando-se símbolo, a partir das circunstâncias dadas. Para uma perspectiva oriunda dos estudos semióticos, todas as linguagens referentes à interpretação das imagens, principalmente as fotográficas, caracterizam-se como uma espécie de signo híbrido: trata-se de hipoícones – imagens – e de índices (SANTAELLA, 1983) referenciais para a compreensão, por exemplo, de costumes sociais, desenvolvimentos urbanos, entre outras questões. Algumas fotografias podem demonstrar que nem sempre o que conceitualmente remete às noções de acontecimentos em seu exato momento – e a velocidade vai ser um produto das mentalidades modernas – caracteriza-se como um gesto espontâneo. Por vezes, pode-se constatar a existência de certo sincronismo (no olhar, nos passos e no balançar das mãos, por exemplo) concernente a alguns comportamentos perceptíveis do feminino, conforme verificado num breve estudo de caso (MACHADO JÚNIOR, 2006), decorrente de pequenos ensaios que visavam à produção textual de dissertação de mestrado. 31

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Em busca de um olhar que investigue a produção de uma narrativa oriunda de uma espécie de estilística antropológica, encontro em Alfredo Bosi (1988) a referência a dois tipos de ver: uma com ação receptiva e outra com ação ati-

va. O olhar receptivo é o comum, aquele realizado no primeiro momento da visão. Já a observação aprofundada de gestos e comportamentos, buscando uma decodificação social, é referente ao olhar ativo, atento aos detalhes e rico em interpretações. Assim, a ação de olhar fotografias é um ato dual, caracterizado tanto por uma visão consciente como por uma ação inconsciente. Aos olhos de minerva do historiador, cabe não somente a noção de um olhar crítico sobre os objetos de estudo, mas também a consciência, numa espécie de mea culpa. Considerando também o pesquisador como uma terceira via de comunicação com a imagem, da existência de um olhar distraído, talvez, pela quantidade de imagens expostas às suas retinas. Em primeiro lugar, há a interpretação de que a pessoa observada é realmente um ser humano e não uma imagem de qualquer tipo. O observador estabelece isso unicamente através da interpretação de suas próprias percepções do corpo do outro. Em segundo lugar, há a interpretação de todas as fases externas da ação, isto é, de todos os movimentos corporais e seus efeitos. Aqui também o observador se engaja na interpretação de suas próprias percepções, exatamente como quando observa o vôo de um pássaro ou o balanço de um galho ao vento. A fim de compreender o que está ocorrendo, ele apela unicamente para a sua própria experiência passada, não para o

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que está acontecendo na mente da pessoa observada (SCHULTZ, 1979, p. 170).

Apesar de apresentar-se como uma imagem muda, a fotografia não é submissa, pois não é possível fazê-la dizer simplesmente qualquer coisa, de forma arbitrária. Todavia, o focus fotográfico é passível do recorte visual, repleto de subjetividade, reapresentando detalhes de uma imaginada realidade correspondente, em alguns casos, aos interesses de quem a publicará. Como objeto imóvel e estático, a fotografia pode representar sua condição no tempo presente. Como objeto iconográfico pode, no caso das imagens que representam a presença de pessoas, reconstituir o que levou aquelas per-

sonagens a estarem ali, assim, daquele jeito, naquele momento, criando, posteriormente, verdades visuais e supondo, no âmbito do imaginário de quem as observa, possíveis desenlaces (intrigas fotográficas). Em sua totalidade, as fotografias devem ser concebidas como uma espécie de mensagem que se organiza a partir de segmentos de expressão e de conteúdo, registrando acontecimentos numa linguagem de parâmetros visuais. Para alguns pesquisadores, sua validade consiste na necessidade do estabelecimento de uma relação dialética entre seu significado e o seu significante, engendrando o incômodo termo leitura de imagens, no sentido de atribuir à fonte visual uma íntima e paradoxal relação com os estudos lingüísticos. O cientista da informação Lorenzo Vilches (1997) apresenta-se como uma das boas referências ao historiador que 33

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pretende trabalhar com fontes visuais originadas para a imprensa. Sua proposta estrutural é compreender o conteúdo das fotografias jornalísticas, assim como as fases de formação de um jornal ou de uma revista, conforme podemos adaptar, considerando as diferenças de um para outro veículo de informação. Distribuída na página, a narração visual se inter-relaciona com a narração textual. Algumas vezes, uma serve de extensão para outra, outras vezes, serve para confundir a linguagem e, até mesmo, distorcer uma mensagem, tornando-a ambígua. Todavia, estabelecer uma tipologia para as imagens é algo quase que impossível, visto que, mesmo atribuída de signos, seus elementos são muito instáveis, ou seja, pouco fixos. A interpretação da fotografia é, antes de tudo, uma interpretação humana. Estará dependente de múltiplos aspectos que constituem a plenitude cultural do indivíduo que as observa. É por isso que se torna pertinente uma análise dos códigos semânticos da fotografia de imprensa. Consideram-se dois pólos principais: um que esteja relacionado às competências do leitor (abstrato), outro que esteja relacionado à organização do conteúdo fotográfico (material) propriamente dito. Este engajamento de organização e interpretação do conteúdo fotográfico, resultando numa espécie de leituranarrativa das imagens fotográficas, baseia-se fundamentalmente nas teorias gestaltistas da percepção ocular. Miriam Moreira Leite (1999) destaca a importância de dois grandes autores para o desenvolvimento destas reflexões: Ernest Gombrich e Rudolf Arnheim. Gombrich enfatiza mais ques34

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tões referentes à pintura e Arnheim (1986) mais nos estudos sobre o chamado pensamento visual. Na relação entre mundo e mente, temos uma ação do pensamento que percorre o exame, a prova, a reorganização e a armazenagem dos objetos visuais. Através da experiência visual, contemplamos o mundo que está ao nosso redor, abstraindo-o pela percepção. Este processo de entendimento pode ser tanto lento quanto veloz, variando de acordo com o indivíduo que realiza a ação de olhar: confirmando, reapreciando, mudando, complementando, corrigindo e aprofundando os conteúdos visualizados. Nesse sentido, as operações cognoscitivas referem-se ao material que é de natureza perceptual. Nem sempre a abstração estará desvinculada do intelecto, interagindo com o processo visual, pois os pensamentos influem no que vemos e vice-versa. Assim, temos uma espécie de harmonia entre a percepção e o pensamento. Os pressupostos do pensamento visual obedecem a certas normas de comportamento, competentemente embasados nos pressupostos de Maurice Merleau-Ponty. O que a atitude motora traz não são os conteúdos, é sobretudo o poder de organizar o espetáculo visual, de traçar entre os pontos do espaço representado as relações das quais temos necessidade. Este pretenso recurso aos dados tácteis é em realidade um recurso ao espaço vivido, por oposição ao espaço virtual nos quais nossas indicações inicialmente se situavam (MERLEAU-PONTY, 1975, p. 152).

Segundo Sylvain Maresca (1998), fotografar requer confrontar-se com as realidades existentes, sejam elas se35

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melhantes ou não entre si. Nesse caso, o historiador que busca narrativas antropológicas ao pesquisar as imagens fotográficas necessita criar uma espécie de ligação entre uma imagem mecânica e uma imagem vivida, num esforço de interpretação dos possíveis códigos culturais implícitos na fonte documental. Não se trata, todavia, de encontrar o máximo de mensagens existentes na imagem fotográfica, mas sim de compreender o que este tipo de mensagem, numa dada circunstância, é capaz de provocar. Apresenta-se como tarefa do historiador a busca de reflexões e explicações acerca dos comportamentos sociais, inseridos em seus contextos específicos: provocam-se efeitos e formas de sociabilidade, entre outros pressupostos. Permanece a imagem como uma representação congelada – criada – de uma dada realidade, expressa através da apreensão da lente fotográfica e da percepção de seu fotógrafo. É nesse sentido que o presente estudo converge com a proposta de Roland Barthes (1990), e apresenta o paradoxo da fotografia: ao mesmo tempo em que ela é análoga, também é um produto de uma conotação. Numa dada sociedade, coexistem e articulam-se múltiplos códigos e níveis de codificação, que fornecem significado ao seu universo cultural. A análise de fotografias caracteriza-se como um esforço em compreender estas proposições, concebendo através da interpretação das imagens a construção de um conjunto diversificado de sentidos. Encontram-se, assim, derivados sociais do indivíduo urbano proposto por Georg Simmel (1986), circulante dos espaços da cidade e valorativo de suas experiências priva36

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das. As fotografias revelam estes personagens, desempenhando um papel de veículo entre o ser e o crer (ROCHA, 1999), pressuposto fundamental para a identificação de uma dada mentalidade de época. Portanto, um desafio duplo: trabalhar com o estatuto das imagens fotográficas e decodificar comportamentos sociais registrados no passado. A imagem visual mostra a estrutura de uma sociedade, sua situação, seus lugares e funções, as atitudes e papéis, as ações e reações dos indivíduos, em suma, a forma e os conteúdos (DELEUZE, 1985, p. 268).

As narrativas dispostas em páginas de revistas agora se submetem à organização dos códigos semânticos manuseados de acordo com os interesses do historiador. Caracterizam-se como uma espécie de esforço poético, com a permissão do termo, visando transformar as imagens em palavras e a imobilidade em movimento. Neste exercício, busca-se o diálogo interdisciplinar, se é que podemos falar de fronteiras do conhecimento, reconhecendo-se uma fronteira institucional. De maneira geral, evitemos o “analfabetismo” visual premeditado por Walter Benjamim (1991), no qual as pessoas demonstrar-se-iam incapazes de realizar uma leitura de imagens. Sobre o significado do termo cultura visual, segundo Paulo Knauss, não existe um conceito consensualmente definido, uma vez que se percebe uma divergência entre autores na sua definição epistemológica. Uma conceituação mais abrangente, todavia de razoável aceitação, “aproxima o conceito da cultura visual da diversidade do mundo das imagens, das representações visuais, dos processos de vi-

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sualização e de modelos de visualidade” (KNAUSS, 2006, p. 106).

A priori, tudo o que concebemos no mundo pelo olhar é imagem; logo, é visual. A relação de percepção do homem para com o mundo ocorre, entre outros dispositivos sensíveis, através da visão. Por isso, costuma-se restringir os objetos da cultura visual a componentes específicos da vil a elementos da cultura visual a elementos sens. s se manifestam as representaçsualidade, ou seja, aqueles mais relacionados às expressões artísticas manuais e às demais que sofreram a intervenção gradativa da tecnologia. Portanto, a fotografia caracteriza-se apenas como um fragmento dentro deste amplo universo chamado cultura visual, o fotográfico é a parte e não o todo. Enquanto elemento enraizado na cultura, a fotografia implicou muitas transformações no cotidiano social durante os últimos anos. Tornou-se uma prática do dia-a-dia, cada vez mais naturalizada com o passar dos anos e reanimada recentemente pela revolução digital. Nas palavras de Susan Sontag: Nos últimos tempos, a fotografia transformou-se num divertimento que se pratica quase tão amplamente como o ato sexual ou a dança – o que significa que, como toda manifestação artística de massa, ela não é praticada pela maioria das pessoas como arte. É, sobretudo, rito social, defesa contra a ansiedade e instrumento de poder (SONTAG, 1981, p. 08).

É de suma importância, portanto, considerar o ato fotográfico como uma manifestação decorrente de um rito social, detentora de poder sobre os elementos passíveis de visibilidade. Esse ato tornou o próprio indivíduo objeto da 38

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apreensão de imagens do mundo: na relação do “ver”, desenvolveu-se historicamente um “dar-se a ver”, desencadeador de um “ser visto”, que habilitou nas sociedades o funcionamento de um mecanismo simbólico de manifestações panópticas, interventoras indiretas nas formas de concepção do comportamento humano. Segundo Michel Foucault, adestramos “um olhar que vigia e que cada um, sentindo-o pesar sobre si, acabará por interiorizar a ponto de observar a si mesmo” (FOUCAULT, 2002, p. 218), tornando cada indivíduo como vigilante constante de seu próprio comportamento. Pensando na fotografia vinculada aos periódicos ilustrados do início do século XX, o alcance do “ver” ganha expressivas proporções, pois o objeto passa a estar relacionado também à sua reprodutibilidade. Ocorre a realização do encontro entre o ausente e o presente, caracterizando “quem” ou “o quê” está sendo ali representado. É identificável, mas não é a coisa em si. Podendo a imagem do sujeito estar presente em múltiplos lugares, ele procurou construí-la da melhor forma possível, de acordo com a sua concepção ideal de estética. Ao mesmo tempo em que o indivíduo fotografado criou uma imagem ideal de si, também esteve condicionado a determinados padrões de sua cultura, que definiam o que era bom e o que era ruim de ser representado numa fotografia. Segundo Hannah Arendt, “a sociedade espera de cada um dos seus membros um certo tipo de comportamento, impondo inúmeras e variadas regras, todas elas tendentes a ‘normalizar’ os seus membros, a fazê-los ‘comportarem-

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se’, a abolir a ação espontânea ou a reação inusitada” (ARENDT, 2005, p. 50). Novamente nas palavras de Ulpiano Bezerra de Meneses: As imagens não têm sentido em si, imanentes. (...) É a interação social que produz sentidos, mobilizando diferencialmente (no tempo, no espaço, nos lugares e circunstâncias sociais, nos agentes que intervêm) determinados atributos para dar existência social (sensorial) a sentidos e valores e fazê-los atuar (MENESES, 2003, p. 29).

As fotografias só possuem sentido enquanto objetos de estudos sobre a sociedade. Aqui temos ainda uma diferenciação substancial entre uma história da fotografia e uma história através da fotografia (KOSSOY, 2001, p. 55). As fotografias servem como um instrumento de análise da vida social, não estando elas centradas num estudo que enfoque o objeto por ele próprio. Para que se possam elucidar os estudos sobre a sociedade, principalmente do ponto de vista histórico, é necessário que as fotografias estejam situadas em determinados contextos, cabendo ao historiador das imagens a reconstituição dos aspectos contextuais da época, buscando indícios em fontes que se complementem e que se apresentem como algo além do objeto fotográfico. Mais do que a variação de fontes trata-se da incorporação de estudos interdisciplinares. A fotografia se torna sedutora por sua capacidade de ser direta e por sua realidade aparente. O problema é, na sua essência, mais histórico e ideológico do que fotográfico ou foto-histórico, pois as fotografias

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nunca são simplesmente evidência. Elas são históricas em si mesmas, e a complexidade dos contextos de percepção da “realidade”, enquanto manifestada na criação de imagens, cruza-se com a complexidade da natureza da fotografia em si, de várias formas (EDWARDS, 1996, p. 15).

A pesquisa histórica que se utiliza de fotografias para a análise do social deve ter bem claro que a fundamentação teórica com base na semiologia clássica, conforme os adeptos das teorias de Charles Sanders Peirce ou nos conceitos que regem os estudos dos atos de fala, campo da Lingüística, não são plenamente adequados na aplicação aos estudos com imagens. Uma equiparação teórica pode ser forçada e levar seus condutores a sérios equívocos que outrora já foram superados. As bases dos pensamentos lingüísticos e semióticos, cada uma com a sua especificidade, influenciaram profundamente a produção das gerações seguintes. No que se referem ao campo da imagem, as noções básicas de estudos categóricos do visível, de raízes mais simples e de respostas mais complexas possíveis calcaram-se na tríade geral do ícone, do índice e do símbolo. O real enquanto linguagem passou, e certamente continua passando, para muitos, pela verdade sígnica da codificação. O real somente assim é considerado porque existe uma interpretação sobre ele, tornando-o passível de ser interpretado como algo considerado realidade: o mundo resumiu-se à linguagem, como lembra Antoine Compagnon (2006). Seríamos nós resultados de códigos, de signos, com uma lógica interpretável de ser e estar no mundo? 41

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A semiótica, no seu estado puro, desnaturalizou o objeto com a finalidade de conhecê-lo melhor. A sua interpretação foi diacrônica e não sincrônica, a saber: buscou nos signos a interpretação em si, e não a relação com o que estava fora. Posteriormente, a pragmática, enquanto ramificação e aperfeiçoamento teórico, tentou preencher esta lacuna. Mas como falar em pragmática na História, pensando na fonte como suporte ao passado, um vestígio para o historiador compreender o tempo que ele, na maioria dos casos, não vivenciou? Cabe a nós resolvermos um dos principais desafios de nossa profissão, investindo no campo das incertezas e das possibilidades. Objetos visuais e verbais não podem ser considerados como elementos isolados. O que em geral se percebe na sua utilização nas ciências humanas é que “as relações entre o texto visual e o verbal ocorrem de maneiras muito diferentes, que ainda estão por ser explicadas e analisadas em seu conjunto” (LEITE, 1998, p. 39). Cada forma possui a sua especificidade, mas a relação de ambos no mundo é interacional. Em diversos casos, como nas páginas da Re-

vista do Globo, eles aparecem juntos e devem ser considerados como elementos de complementação. As imagens fazem-nos sinal, mas não há nem pode haver “significante imaginário”. Uma cadeia de palavras tem um sentido, uma seqüência de imagens tem mil. (...) Polissemia inesgotável. Não é possível fazer com que um texto venha a dizer tudo o que se pretende, mas com uma imagem sim (DEBRAY, 1994, p. 59).

Apesar de toda a importância da imagem na história da humanidade, houve por parte da historiografia certo des42

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prezo desta via como uma valiosa fonte de estudos. Mesmo os grupos sociais que se identificam pelo domínio da escrita revelam meandros de suas formas de vida através de registros visuais, tal qual ocorre com a cultura oral. A imagem pode ser caracterizada como expressão da diversidade social e da pluralidade humana. Ela atinge todas as classes sociais, ultrapassando fronteiras devido ao alcance humano referente aos sentidos da visão. A fotografia utilizou-se largamente das convenções provenientes da arte pictórica para a construção de suas formas estéticas; também se embasou, em diferentes momentos, nos modelos provenientes das artes cênicas. Mas foi a partir da segunda metade do século XIX que os retratos fotográficos, especialmente os de estúdio, passaram a reconstituir verdadeiros cenários que poderiam ser escolhidos de acordo com o gosto de cada encomendante. Devido a isso, algumas fotografias nunca tiveram como interesse principal o registro de uma “realidade social”, mas sim de “ilusões sociais”. Não tiveram a preocupação com a vida comum, mas sim com as performances que são feitas dentro dela, conforme argumenta Peter Burke (2004). Uma fotografia não deve ser interpretada somente na sua verdade, mas também na forma de como é construída em sua fantasia, com toda transversalidade de temas possíveis. Quando um indivíduo coloca-se frente a uma lente fotográfica, supõe-se que este pretenda transmitir a melhor imagem que possui de si: aquela que ele próprio julga – de antemão – como a ideal, de acordo com a sua percepção de mundo (FABRIS, 2004, p. 36). Especificamente no início do

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século XX, verifica-se que esta pretensão tenha sido mais intensa na medida em que as imagens fotográficas ganharam as páginas de revistas ilustradas e atingiram, através da implementação tecnológica da reprodução gráfica, um público cada vez mais amplo. A apropriação da fotografia em seus diversos formatos pela imprensa periódica, mais reconhecidamente no caso brasileiro, tornou cada vez mais seletiva a escolha das imagens que abarcariam o circuito visual das cidades. Caracterizaram-se como espécie de mecanismos de controle e poder sobre o que deveria ser culturalmente aceito como objeto passível de recorrente visibilidade (MENESES, 2005). Por detrás de uma aparente conspiração social, também havia a necessidade de desenvolvimento e sustentação econômica. O circuito da visualidade, especialmente aquele das fotografias em periódicos, atendia a um forte apelo comercial, optando pelas escolhas daquilo que a capacidade tecnológica da época permitia e do que era socialmente aceito e economicamente rentável. Um empreendimento jornalístico, tal qual foi a Revista

do Globo, deve ser considerado como o resultado de um produto mercantil (MARTINS, 2003) que mantém suas bases ideológicas, mas também deve estar em sintonia com as demandas do mercado. Não foi à toa que o periódico, como praticamente todos os demais de sua época, mantinha expressivo espaço destinado à publicidade. Mesmo nesses casos, é possível verificar uma determinada tentativa de associação entre os elementos discursivos da publicidade e a expressão de valores sociais. Segundo Alice Dubina Trusz: 44

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Os anúncios passam, então, a destacar os aspectos distintivos inscritos nos produtos através de expressivas composições onde imagens e textos conjugamse para expressar descrições e interpretações dos atributos dos produtos, assim como do valor simbólico do seu consumo para a identificação social do seu consumidor (TRUSZ, 2005, p. 05).

A mesma identificação acontecia com as fotografias, todavia, de maneira mais específica. As imagens fotográficas da sociedade promoviam os indivíduos no meio social que figuravam, atribuindo-lhes recorrente visibilidade e assegurando-lhes determinados valores que os distinguiam enquanto personas de destaque entre os demais de seu grupo. A fotografia no formato do retrato é a representação mais clara da ênfase oferecida aos traços individuais. O contrato sócio-simbólico e pré-estabelecido entre fotógrafo e fotografado permite a busca pela expressão da melhor imagem do indivíduo, de acordo com a visão de mundo imbuído na bagagem cultural dos agentes envolvidos no ato fotográfico. Sobre os retratos fotográficos inseridos na cultura da história da vida privada na Argentina, Luis Priamo percebeu que esta materialidade: Son fotos que nos hablan, sobre todo, de la imagen que los individuos tenían de sí mismos y de su familia en función de la mirada ajena, de una imagen elaborada precisamente para someterse a ese examen. (…) Por todo eso, es muy difícil encontrar documentos fotográficos que descubran o revelen aspectos sórdidos o “feos” de la vida privada de las personas (PRIAMO, 1999, p. 281).

A fotografia utilizou-se largamente das convenções provenientes da arte pictórica para a construção de suas 45

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formas estéticas, assim como também se embasou, em diferentes momentos, nos modelos provenientes das artes cênicas (KERN, 2005). A partir da segunda metade do século XIX, os retratos de estúdio passariam a reconstituir verdadeiros cenários que poderiam ser escolhidos de acordo com o gosto de cada “cliente”. Dessa forma, nunca registraram o que poderia se chamar de “realidade social”, mas sim “ilusões sociais”: não a vida comum, mas performances feitas dentro dela. Se pensarmos numa interface com as artes cênicas, compararemos os indivíduos a personagens; os espaços, aos cenários de encenação; e os fatos sociais, aos atos de representação da narrativa fictícia. A ideia do retrato fotográfico, portanto, nunca foi a de expressar uma verdade sobre o passado; mas, antes de tudo, representar os desejos e as ansiedades, em épocas distintas, de determinados grupos sociais. Posar para uma fotografia caracterizava-se, de certa forma, como uma espécie de projeção da imaginação da própria imagem em virtude de sua postergação (SILVA, 1998). Intencionalmente expressando em pose a melhor imagem de si, o sujeito da fotografia também construía as suas expressões fisionômicas, potencializando aquilo de mais enigmático no retrato: as feições faciais. Na reflexão de Nelson Brissac Peixoto, conforme citação abaixo: Daí o problema dos retratos: queremos encontrar por inteiro, na sua essência, aquele que figura ali. É no caso do rosto, portanto, que esta superficialidade da fotografia é mais dolorosa (...). A atmosfera que emana de seu semblante, a expressão que estampa. Um

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ar de tristeza que o sombreie, um estado de graça que o ilumine (PEIXOTO, 1992, p. 307).

Se a imagem fotográfica caracterizava-se como algo planejado, logo não deveria ser espontânea. É Walter Benjamin quem menciona sobre um retrato fotográfico da infância do escritor alemão Franz Kafka, o qual havia sido preparado para o ato fotográfico com tantos adereços e condicionamentos do corpo, em detrimento da pose, que caracterizou o conteúdo da imagem por uma dita “ilimitada tristeza” (BENJAMIN, 1991). A mesma característica do humor mencionada por Benjamin também pode ser percebida nos retratos fotográficos da Revista do Globo, caracterizando algumas das formas de preparação das representações estéticas de cada indivíduo. No entanto, a categorização do humor nas fotografias é algo muito delicado. Esta pode ser identificada de diversas formas, afinal, sua manifestação tanto pode ser de alegria como de seriedade, ou até mesmo de tristeza. Certamente, a expressão dos sentimentos humanos ultrapassa a capacidade de apreensão verbal adjetivada. Uma análise social do humor em imagens pode se caracterizar como um instrumento potencial para a compreensão dos modos de pensar e sentir que foram moldados pela cultura (DRIESSEN, 2000). O ideal fotográfico da sociedade sul-rio-grandense, representado dessa forma, passa por inúmeras oramso nos textos, conforme extrato abaixostes e melancraços de caracterizaç afinal, sua manifestaçvariações, o que pode ser percebido através de uma análise prévia sobre os traços que

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caracterizam a expressão e a organização social dos indivíduos no enquadramento fotográfico das imagens, até mesmo em passagens verbais. Essas últimas representadas em sua grande maioria por colunas de textos e legendas em geral, que desempenham uma função pedagógica com relação à fotografia. Mas cabe, antes de inserirmos questões acerca da materialidade da Revista do Globo para adentrarmos um pouco mais neste universo visual que nos proporcionam as fotografias, falarmos algumas coisas a respeito do contexto da época. Fotografia sem contexto é a oposição entre sincrônico e diacrônico: são perspectivas importantes que, se utilizadas de forma complementar, enriquecem muito mais o objetivo da pesquisa histórica.

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CAPÍTULO 2 A DÉCADA DE 1930 E PORTO ALEGRE

Os exemplares estudados da Revista do Globo, examinados para a produção deste livro, iniciam no ano de 1929 e limitam-se até 1939. Nos cenários mundial, nacional e regional tivemos uma série de acontecimentos importantes que marcaram intensamente a nossa história. Em alguns casos, os efeitos destes acontecimentos do passado repercutem até a nossa contemporaneidade. De forma panorâmica, vamos retomar alguns destes acontecimentos, especialmente no que diz respeito à história política e econômica, a fim de caracterizarmos o cenário temporal no qual estão enquadradas, com a permissão do termo, as imagens da sociedade porto-alegrense. No contexto da história ocidental, especialmente eurocêntrica, costumou-se denominar como o período entreguerras os anos que abarcam 1918 até 1939. Caracterizase no espaço de tempo que se abriu entre o fim da Primeira e o início da Segunda Guerra Mundial. A maioria dos países 49

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europeus estava com o seu sistema econômico comprometido, devido aos grandes gastos que haviam contraído com as necessidades decorrentes de seu envolvimento no conflito armado. Foi neste contexto que a Europa assistiu à ascensão dos regimes autoritários, especialmente na Alemanha e na Itália. O desemprego em massa e a insegurança social favoreceram a adesão popular e o consequente fortalecimento das ideologias fascistas. Na Itália, Benito Mussolini caracterizou-se como o grande líder fascista, enquanto na Alemanha, com o surgimento do Partido Nazista Alemão, coube a Adolf Hitler o posto de chefe maior da nação. Cabe lembrar que, em ambos os casos, tanto no italiano quanto no alemão, nenhum dos grupos políticos, especialmente os segmentos mais radicais, não eram favoráveis à realização de eleições democráticas. Intensas tentativas de golpes e uma forte pressão política, conciliadas com o desgaste dos governos vigentes à época, fizeram com que o fascismo chegasse ao poder na Europa. Na recém-fundada União Soviética, a revolução proletária de 1917 ainda parecia dar bons resultados para o governo de Josef Stalin, mas o crescimento econômico dos soviéticos contrastava com uma dura realidade social. A Rússia envolveu-se ao lado da Tríplice Entente na Primeira Guerra Mundial, mas, devido aos acontecimentos decorrentes da sua revolução política, teve que abandonar o confronto no mesmo ano, em 1917.

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Figura 1 Em reportagem da Revista do Globo, as repercussões da Primeira Guerra Mundial, ocorrida especialmente em território europeu. Ano V – Número 111 – 1933

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Como as demais nações europeias, a União Soviética colocou em prática sua política expansionista militarizada, visando à retomada do seu desenvolvimento econômico. Contudo, mesmo com a assinatura do Pacto Germano-Soviético de não-agressão (também conhecido como Pacto Molotov-Ribbentrop), de 1939, a Alemanha invadiu os territórios soviéticos, forçando a entrada da União Soviética na Segunda Guerra Mundial, ao lado dos Aliados. Na Península Ibérica, os conflitos que se desdobraram na chamada Guerra Civil Espanhola, que iniciou em 1936, estiveram ligados à ideologia fascista e causou a morte de um número incontável de pessoas. O pintor Pablo Picasso, um dos expoentes do cubismo, representou artisticamente com maestria o massacre ocorrido na vila espanhola de Guernica, em 1939, último ano do conflito. Portugal também ingressava num período de ascensão de regimes autoritários que, por sua vez, seria bem mais longo que os demais. O governo ditatorial português estabeleceu-se após o golpe de 1932. Portugal também ingressou num período conhecido como Estado Novo, mesma denominação utilizada no Brasil entre 1937-1945. A ditadura portuguesa somente chegaria ao seu fim em 1974, com a deflagração da chamada Revolução dos Cravos. De volta ao fim da década de 1920 e início de 1930, na América, os Estados Unidos entraram numa profunda crise financeira em 1929, que foi deflagrada com a quebra da bolsa de valores de Nova York. A crise gerada em território es-

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tadunidense iniciou um efeito dominó em todas as demais nações capitalistas mundiais. Na época, os Estados Unidos surgiam como a principal potência mundial, quando sua economia foi vigorosamente fortalecida durante e após a Primeira Guerra Mundial, quando foi o principal fornecedor de armas e suprimentos aos países da Entente. A crise financeira ocorrida nos Estados Unidos abateu principalmente os países que foram derrotados na Primeira Guerra Mundial, especialmente a Alemanha. A forte crise econômica interna que aconteceu nestes países, caracterizada por grandes índices de desemprego, greves e miséria social, favoreceu a ascensão dos regimes fascistas. Os novos adeptos fascistas intencionalmente culpavam os governos como os principais causadores da crise, minimizando os fatores mundiais, e, assim, buscando uma grande adesão popular às suas causas políticas. No caso italiano, apesar de estar ao lado dos vitoriosos durante a Primeira Guerra Mundial, o país não teve suas reivindicações atendidas após o término do conflito. França e Inglaterra pressionaram os italianos a lutar a seu favor, dando à Itália em troca a concessão sobre alguns territórios conquistados. Fortemente abalada pelo seu envolvimento no confronto e sentindo-se lograda, a Itália entrou num intenso período de crise econômica, política e social. Não foi à toa que o primeiro governo fascista surgiu na Itália, em 1922.

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Figura 2 Outra reportagem da Revista do Globo mostrou o problema do desarmamento na Europa. O que se via era exatamente o contrário. Ano V – Número 123 – 1933

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Com a ascensão do presidente Franklin Roosevelt ao poder, em 1933, o governo dos Estados Unidos passou a combater a sua crise econômica com um conjunto de reformas administrativas que se denominou como New Deal (novo acordo). Criaram-se diversas autarquias públicas a fim de que cada uma delas atendesse às necessidades de cada região. Costumava-se chamar estas instituições de agências alfabéticas, dado o grande número de siglas que surgiram a partir da denominação criada para elas. Contudo, a política ainda herdada do início do século XX, pela chamada política do big stick (porrete grande), corroborava a recuperação econômica dos Estados Unidos. Sua intervenção na América Latina contrastou com o seu discurso de país mediador da paz, que se justificava por intervenções políticas, as quais iam ao encontro especialmente aos seus interesses econômicos. Com segundas intenções, os Estados Unidos diziam defender a autonomia dos países latino-americanos. Foi incontestável que a guerra foi uma das principais engrenagens da economia estadunidense. A fabricação de armas, tanto para usufruto quanto para exportação, foi um importante fator para o aquecimento da produção industrial. Os Estados Unidos possuíam importantes laços comerciais com os países que optavam pela economia capitalista, dentre eles o Brasil. O surgimento de Estados contrários às políticas capitalistas representava uma nova ameaça para os estadunidenses, tão logo deveriam ser combatidos, a fim de impedir a sua expansão.

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Figura 3 Os editores da Revista do Globo trouxeram notícias sobre a perseguição religiosa na Rússia, enfatizando um ponto negativo do socialismo. Ano II – Número 32 – 1930

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No Brasil, o período que abrange a década de 1930 foi marcado por profundas transformações políticas. Após a implantação da República, em 1889, o país ingressou, até 1930, no período que os historiadores costumaram denominar como República Velha ou República Oligárquica. O surgimento da Revista do Globo, em 1929, aconteceu justamente neste momento de transição. Veja no quadro abaixo as personalidades políticas que estiveram à frente da presidência da República durante a década abordada neste livro, a saber, 1929-1939.

PRESIDENTES DA REPÚBLICA (década de 1930) 15 de novembro de 1926 a 24 de outubro de 1930 WASHINGTON LUÍS 24 de outubro de 1930 a 03 de novembro de 1930 AUGUSTO FRAGOSO – ISAÍAS DE NORONHA - MENA BARRETO 03 de novembro de 1930 a 29 de outubro de 1945 GETÚLIO VARGAS

O estado do Rio Grande do Sul teve uma relação especial com a história do Brasil neste período, pois foi justamente um gaúcho que ascendeu ao poder em 1930, onde permaneceria, ininterruptamente, durante 15 anos. A ascensão de Getúlio Vargas à presidência da República marcou o evento que ficou historicamente conhecido como a Revolução de 1930. 57

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Figura 4 Registros fotográficos do retorno de Getúlio Vargas à Porto Alegre. Ano II – Número 25 – 1930

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A República Oligárquica ficou comumente conhecida pela política do café-com-leite, visto que São Paulo e Minas Gerais revezavam seus representantes na administração da presidência da República. Este período também ficou marcado pelo coronelismo, o qual se caracterizou pela concentração do poder político regional nas mãos de grandes proprietários de terras. Era comum que as eleições presidenciais fossem realizadas com a efetivação de muitas fraudes, que consolidava o chamado voto de cabresto. A cisão da República Oligárquica ocorreu com o rompimento do acordo político por parte do paulista Washington Luís, que não indicou um sucessor mineiro para o cargo presidencial, mas sim Júlio Prestes. Minas Gerais buscou o apoio político do Rio Grande do Sul, lançando Getúlio Vargas como candidato concorrente aos paulistas. Júlio Prestes ganhou a eleição, mas seu grupo foi acusado de fraudar as eleições – o que era uma prática comum. Em meio a discussões políticas em torno da sucessão presidencial, o vice de Getúlio, João Pessoa, foi assassinado na Paraíba. Um movimento militar partiu do Rio Grande do Sul a fim de depor o então presidente Washington Luís antes mesmo que Júlio Prestes assumisse a presidência. Entre os paulistas não havia um consenso sobre a situação, o que favoreceu o avanço das forças militares. Em 24 de outubro de 1930, o presidente foi deposto, assumindo, assim, uma Junta Governativa.

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Figura 5 A Revista do Globo publicou a histórica fotografia dos cavalos amarrados no obelisco da Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro. Ano II – Número 45 – 1930

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Getúlio Vargas assumiu o poder ainda em 1930, com a dissolução da Junta Governativa. Em 1932, o movimento que se denominou Revolução Constitucionalista, liderado pelos grupos políticos de São Paulo, exigia de Getúlio Vargas a eleição de uma Assembleia Constituinte que deveria, com urgência, criar uma nova Constituição para o país. A revolução foi reprimida pelo governo, e a Constituição surgiu apenas em 1934. O destaque desta Constituição foi a publicação de uma nova legislação trabalhista, que estabelecia, por exemplo, a redução da jornada de trabalho diária e um salário mínimo aos trabalhadores. No Brasil, de acordo com as novas configurações nacionais, surgiam novas tendências políticas. Luís Carlos Prestes dava prosseguimento aos ideais comunistas no país, enquanto Plínio Salgado destacava-se à frente do movimento integralista. Todos os movimentos que se demonstraram contrários ao governo foram severamente perseguidos. Em 1937, um golpe político instaurou no Brasil o chamado Estado Novo. Uma farsa denominada como Plano Cohen indicava uma possível tomada de poder por líderes comunistas. Em linhas gerais, Getúlio Vargas fechou o Congresso, decretou estado de alerta nacional e, em seguida, divulgou uma nova Constituição, a qual deveria reger o país. A política do Estado Novo vigorou até 1945. No Rio Grande do Sul, a ascensão de Getúlio Vargas à presidência propiciou uma intensa mudança de nomes do governo do estado. Veja a seguir a lista de governadores que estiveram no poder durante a década de 1930.

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GOVERNADORES DO RIO GRANDE DO SUL (década de 1930) 25 de janeiro de 1928 a 09 de outubro de 1930 GETÚLIO VARGAS 09 de outubro de 1930 a 27 de outubro de 1930 OSWALDO ARANHA 27 de outubro de 1930 a 28 de novembro de 1930 SINVAL SALDANHA 28 de novembro de 1930 a 17 de outubro de 1937 FLORES DA CUNHA 17 de outubro de 1937 a 19 de janeiro de 1938 DALTRO FILHO 19 de janeiro de 1938 a 04 de março de 1938 MAURÍCIO CARDOSO 04 de março de 1938 a 04 de setembro de 1943 CORDEIRO DE FARIAS

Alguns historiadores costumam denominar que a Constituição brasileira, elaborada em 1934, reproduziu os preceitos republicanos de políticos do Rio Grande do Sul. Em 1935, Flores da Cunha ascendeu ao poder no governo gaúcho, sendo nomeado interventor e, posteriormente, eleito indiretamente. A administração de Flores da Cunha no Rio Grande do Sul destacou-se pelos investimentos realizados na rede ferroviária do estado.

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Figura 6 Na edição que trazia notícias do Centenário da Revolução Farroupilha, o periódico publicou a foto de Flores da Cunha, governador do Estado. Ano VII – Número 169 – 1935

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O nome de Flores da Cunha aparecia gradativamente como uma alternativa para a sucessão política de Getúlio Vargas. Contudo, a instauração do Estado Novo e a consequente centralização do poder, fizeram com que de ex-companheiro, Flores da Cunha passasse a opositor de Vargas. Sinval Saldanha, sucessor de Osvaldo Aranha, foi assim destituído do cargo do governo do Rio Grande do Sul, sendo obrigado a se exilar no Uruguai. O sucessor de Flores da Cunha foi Daltro Filho, que permaneceu no poder apenas alguns meses, em 1937, quando teve que se afastar por motivos de saúde, falecendo meses depois. O cargo de governador foi ocupado interinamente por Maurício Cardoso, até que Cordeiro de Farias assumisse o cargo, em 1938. Novo representante do governo gaúcho, Cordeiro de Farias permaneceu no poder até 1943. A alternância do poder em Porto Alegre, diferentemente do governo do Estado, ocorreu apenas entre dois políticos. Ao longo de mais de uma década, apenas Alberto Bins e José Loureiro da Silva estiveram no poder da capital. Na tabela abaixo está a descrição destes períodos do governo municipal. PREFEITOS DE PORTO ALEGRE (década de 1930) 27 de fevereiro de 1928 a 22 de outubro de 1937 ALBERTO BINS 22 de outubro de 1937 a 15 de setembro de 1943 JOSÉ LOUREIRO DA SILVA

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Figura 7 A fotografia e a legenda elogiosa ao recém-eleito prefeito de Porto Alegre, Loureiro da Silva. Sua juventude chamou a atenção. Ano IX – Número 218 – 1937

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Na capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, houve significativas transformações urbanas que visavam, de certa forma, uma melhoria estética da cidade e de sua infraestrutura, recriando diversos ambientes públicos propícios à socialização pelos diferentes grupos sociais existentes na época. Os espaços criados ou modernizados seriam o cenário para o desenvolvimento da pedagogia social burguesa, a transmissão de hábitos, costumes e valores que sustentariam a nova organização social (...). A praça e as novas avenidas dariam um tom aristocrático aos hábitos da sociedade porto-alegrense (MONTEIRO, 1995, p. 118).

A busca de uma determinada identidade sobre o papel social das imagens das revistas ilustradas sul-rio-grandenses, como a Revista do Globo, por exemplo, difere de uma ordem criada a partir de uma produção historiográfica tradicional que priorizou uma construção mítica e masculinizada do gaúcho. A construção de uma memória histórica mais convencional, no caso da produção difundida no final do século XX, direcionou-se especialmente aos estereótipos do caudilho ou de determinadas lideranças políticas. A proposta deste livro é mostrar que, além disso, há também outro ponto de vista para conhecermos o passado de nossa cidade. Na década de 1930, o desejo de uma Porto Alegre moderna surgia com expressiva intensidade, tanto nos discursos quanto nas construções. A capital gaúcha espelhava-se nos grandes centros cosmopolitas, como o Rio de Janeiro, no caso do Brasil, e Paris, como exemplo europeu.

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Figura 8 O chamado “enxadrismo” revelou uma montagem de prédios da Porto Alegre da época, feita pelos editores da Revista do Globo. Ano IV – Número 78 – 1932

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O exercício que este livro promove é o de refletir acerca das representações sobre comportamento e vida pública. No entanto, não desconsidera outra realidade de transformações políticas e sociais existentes no contexto mundial, nacional e até mesmo municipal. Trata-se de uma forma de recuperar uma história social propagada através da imprensa ilustrada gaúcha. A realidade criada nos periódicos, desta maneira, tornou-se algo à parte. Caracterizava-se como exclusiva de grupos sociais especialmente urbanos, detentores do poder sobre o visível na região, em que mesmo a reprodução de imagens sobre o feminino ganhava significativos espaços, mesmo que restritos, numa sociedade ainda centrada no indivíduo masculino. Os grupos da sociedade porto-alegrense que estavam visíveis, nas fotografias vinculadas às páginas da Re-

vista do Globo, caracterizavam-se, na maioria das vezes, como aqueles que eram detentores de certo privilégio na cidade. Em outras palavras, a sociedade visível na revista, pelo menos de 1929 a 1939, era aquela composta pelos grupos sociais que frequentavam os salões de clubes e outros espaços da mesma natureza, e não exatamente o ambiente das fábricas, onde se originaram as mais importantes greves ocorridas no Estado, e dos setores mais pobres da cidade. A produção desta pesquisa histórica teve em mente toda esta problemática de relações tanto do ponto de abordagem teórica quanto empírica. Eis uma significativa opor-

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tunidade para que em estudos futuros se possa integrar, mais intensamente, o cruzamento entre a produção intelectual que se utiliza da pesquisa com as imagens fotográficas, baseada na construção de uma história visual, com a produção acerca da história social da cidade de Porto Alegre.

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CAPÍTULO 3 A REVISTA DO GLOBO E SUA VISUALIDADE

A Revista do Globo caracterizou-se como um periódico com conteúdo de leitura voltado às variedades. Como mencionava seu próprio editorial, tratava-se de um “quinzenal de cultura e de vida social”. Os espaços da revista que ganharam destaque na história como fontes para estudo do passado foram os destinados à literatura, à arte e ao cinema, de uma maneira geral. A cada duas semanas chegava aos leitores um novo exemplar da revista. Cabe a este capítulo demonstrar, de forma ampla, alguns aspectos que constituíram a visualidade da revista como um todo, destacando a forma de composição de seu conteúdo e de sua diagramação. Cabe destacar algumas categorias que chamaram a atenção devido a sua constante recorrência durante os dez primeiros anos de circulação, ou seja, 1929 a 1939. Estes dez anos de existência do periódico envolveram a publicação de exatamente 266 exemplares da revista. Não foi o caso de se realizar uma análise quantitativa dos elementos da

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revista, criando categorias e transformando seus resultados em gráficos. Todavia, a opção de análise foi a de observação por amostragem, de cunho qualitativo, visando trazer a este livro uma quantidade considerável de imagens que possam concretamente vir ao conhecimento do leitor. Sobre este conjunto de exemplares analisados, vale destacar a importância das capas, das publicidades, das crônicas e demais gêneros literários de maior expressão, das charges e caricaturas carregadas de sátira e crítica social, dos espaços destinados às críticas de arte, de literatura e de cinema, assim como aqueles que trazem a imagem das próprias obras em questão. Os editoriais também são um caso

à parte. Em sua maioria são riquíssimos para a análise histórica, pois ali se encontram de forma mais clara as intenções daqueles que dirigiram a revista ao longo da sua primeira década de existência, conforme a presente proposta. E claro, de interesse principal, estão as fotografias. Estas em grande número, de diversos tamanhos e de vários tipos. A primeira capa da Revista do Globo possui grande circulação no circuito de nossa cultura visual contemporânea. Quase todos os trabalhos que se dedicam ao periódico a trazem. Aqui não poderia ser diferente. A autoria da capa é do artista Sotero Cosme e, conforme menciona Paula Ramos (2007), muito pouco se sabe sobre ele. Mesmo a sua família possui informações desencontradas ao seu respeito. A capa traz uma mulher de cabelo com corte channel, voga parisiense, segurando um globo. Eis a primeira capa do primeiro exemplar da revista publicada pela Editora Globo.

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Imagem 1 Primeira capa da Revista do Globo. Ano I – Número 1 – 1929

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As capas da Revista do Globo foram em sua grande maioria elaboradas a partir de pinturas e desenhos de artistas sul-rio-grandenses. Por vezes, a fotografia ocupava este espaço. Mas sendo ela – a fotografia – ainda em preto e branco na época, sofria o tratamento de um trabalho de cunho artístico que lhe atribuía artificialmente cores. Por vezes as capas da Revista do Globo eram elaboradas a partir de determinadas temáticas que seriam abordadas no seu conteúdo interior. Como exemplo disso são algumas imagens nas capas de misses que ganhariam determinado concurso de beleza, ou então de políticos que haviam realizado algum feito importante, semanas antes da publicação do exemplar. A edição de número 19 – exemplar 146, desde o seu lançamento – de 1934 traz uma curiosidade com elementos de hibridização cultural muito interessante. A capa é elaborada com o desenho de um Mickey Mouse vestido com trajes que identificam a cultura do Rio Grande do Sul. O ratinho foi uma criação estadunidense de 1929, cujo autor foi Walt Disney. O camundongo Mickey foi um desenho que teve grande aceitação mundial. Seu ingresso em Porto Alegre ocorre principalmente pelas telas de cinema, conforme demonstra o editorial desta edição, de autoria de Érico Veríssimo. Onde quer que haja uma máquina de projeção cinematográfica lá estará o camondongo vivendo as suas aventuras espantosas. Poeta, músico, general, explorador, artista de teatro, orador, amante, sportman... – não há o que o Mickey não tenha sido na vida (Walt Disney e seus bonecos. In: Revista do Globo, Ano VI, N. 146, 1934).

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Figura 2 Mickey Mouse “curtindo” de gaúcho, com chimarrão, lenço e esporas. Ano VI – Número 146 – 1934

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E se o Mickey mereceu um espaço na capa da Revista do Globo, o que dizer de Getúlio Vargas? Capa da edição de 1938, ele recebeu uma homenagem da revista meses após a instituição do regime político denominado como Estado Novo. A proximidade de Getúlio Vargas com a Revista do Globo data desde a sua fundação. Sua imagem foi algo constante nas páginas do periódico, indicativo de que a rede social constituída em Porto Alegre, na época, abarca este grupo específico de intelectuais e políticos gaúchos. Além da capa, com forte potencial signo de um nacionalismo em ascensão, um texto assinado por Olinto Sanmartin, localizado nas páginas mais centrais desta edição, enaltece a figura de Vargas. Acompanhado de um desenho em que Getúlio Vargas sorri, Olinto menciona que o presidente, “vigorosa pessoa de pulso romano”, é detentor da “sutil sabedoria de dominar situações” e capaz de conduzi-las “sem rancor algum”. Nas palavras do autor, “o homem rio-grandense continua sendo um símbolo de nobreza e altivez” (Getúlio Vargas. In: Revista do Globo, Ano X, N. 221, 1938). Exageros à parte, Getúlio realmente escrevia na história política do país significativas transformações, especialmente no campo que concerne ao âmbito das relações trabalhistas. Ainda em 1938, Brasil e Argentina deram um significativo passo com acordos mútuos para melhoria das relações pan-americanas. Estrategicamente, o governo varguista ia tecendo suas teias políticas entre os vizinhos de língua espanhola.

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Figura 3 Getúlio Vargas e a bandeira nacional na capa da Revista do Globo, meses após a instituição do Estado Novo. Ano X – Número 221 – 1938

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Conforme mencionado anteriormente, os editoriais de revistas são um excelente objeto de estudo para conhecermos um pouco mais da proposta ideológica de determinado empreendimento jornalístico. A Revista do Globo tem o seu primeiro editorial, datado de 1929, escrito pelo seu então diretor Mansueto Bernardi. O editorial que apresenta o periódico fala sobre os vários nomes que foram cogitados antes que ele se tornasse definitivamente a Revista do Glo-

bo. Dentre os nomes estão Coxilha, Charla, Querencia, Renascimento , Pampa , Guahyba , Sul e Piratiny . Nenhum nome teria satisfeito o grupo que ficou responsável por esta escolha. O nome definitivo teria surgido das várias perguntas que os idealizadores recebiam a respeito da nova revista de periodicidade quinzenal, as quais indagavam sobre quando sairia a Revista do Globo. Do Globo porque o projeto era oriundo da Livraria e da Editora, de mesmo nome. Mansueto Bernardi diz que a proposta da revista é registrar e divulgar tudo o que no Rio Grande do Sul houver de significativo, desde que seja meritório de divulgação. Aqui temos um importante corte editorial, e percebemos a partir da leitura das revistas quais aspectos seus idealizadores julgaram importantes de divulgação. O editorial continua dizendo que a pretensão da revista foi a de ser uma voz de estímulo e afirmação, que estava, segundo suas palavras, “fora” e “acima” de partidos políticos, visando à formação e à revitalização da mentalidade nacional. Não era pouca coisa.

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Imagem 4 Primeiro editorial da revista, escrito por Mansueto Bernardi. Ano I – Número 1 – 1929

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No editorial de 1933, já encontramos Érico Veríssimo, então diretor da revista no lugar de Mansueto Bernardi, escrevendo a apresentação do periódico. Érico traz no editorial um panorama geral sobre os esportes em Porto Alegre, explicando que aquela edição da revista seria dedicada a este tema. Nas palavras do autor: Infelizmente em virtude da carência de tempo e de outras razões fortes, não nos foi possível oferecer aos nossos leitores uma reportagem fotográfica verdadeiramente completa que constituísse um panorama largo de nossa vida esportiva (Os esportes em Porto Alegre, In: Revista do Globo, Ano V, N. 105, 1933).

O então diretor da Revista do Globo percebeu uma diferença nos esportes da cidade, que ainda na década de 1920 apresentavam muitos problemas. Anos mais tarde, na década de 1930, já era possível identificar clubes de natação, de regatas, de hockey, de tênis, de basquete, de vôlei, de esgrima, de atletismo, entre outros. O diretor menciona que a juventude porto-alegrense já atentava para os benefícios proporcionados pela educação física, e desde cedo procuravam as associações atléticas para o desenvolvimento de atividades. Érico Veríssimo finaliza o editorial lembrando também sobre a evolução dos clubes de futebol de Porto Alegre. O Botafogo, o último campeão carioca da época, teria enfrentado muitas dificuldades nas partidas realizadas na capital gaúcha. Por fim, Veríssimo parabeniza as sociedades esportivas da cidade, os dirigentes e os atletas que bem vinham representando o esporte em Porto Alegre.

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Figura 5 Editorial da revista comentando sobre os esportes na capital. Ano V – Número 105 – 1933

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Em 1936, Érico Veríssimo ainda assinava os editoriais da Revista do Globo. Na edição de 28 de março de 1936, o editorial é dedicado a comentar sobre o monumento de Bento Gonçalves, localizado na Praça da Matriz, na região central de Porto Alegre. Segundo Érico, o monumento esculpido pelo artista Antônio Caringi caracterizava-se como o mais belo monumento da cidade. A escultura foi fruto remanescente das comemorações do Centenário da Revolução Farroupilha na capital, e situava-se no pórtico da exposição. Na época em que Érico escreveu o editorial, as informações existentes sobre o autor do monumento, Antônio Caringi, mencionavam que ele se encontrava na Europa, especificamente na Alemanha, cujas esculturas estavam sendo devidamente reconhecidas pela imprensa europeia. A estátua de Bento Gonçalves, inclusive, foi alvo de muitos elogios no exterior ao artista brasileiro, conforme afirma Érico Veríssimo. Nesses moldes, o editorial da Revista do Globo foi dedicado ao escultor e à obra. Bento Gonçalves continuou como monumento na Praça da Matriz, especialmente após a iniciativa do então Prefeito de Porto Alegre, o Major Alberto Bins, em perpetuá-la em bronze. O texto do editorial divide a página com uma fotografia do referido monumento, numa perspectiva de baixo para cima, onde está situada a estátua, dando uma maior impressão de magnitude e grandeza ao homem que foi esculpido montado num pomposo cavalo.

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Figura 6 Fotografia do monumento de Bento Gonçalves ganha espaço no editorial. Ano VIII – Número 179 – 1936

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Assim como todo o empreendimento jornalístico, a Revista do Globo também se mantinha através da venda de espaços em suas páginas para anúncios publicitários de diversos tipos de produtos. Já nas primeiras edições, veiculadas em 1929, havia informações de valores para os anúncios que se caracterizavam pelas seguintes cifras: 1/16 de página ................................ 30$000 1/8 de página .................................. 50$000 1/4 de página .................................. 90$000 1/2 de página ................................ 120$000 1ª. de página ................................. 200$000 2ª. página da capa ........................ 300$000 3ª. página da capa ........................ 300$000 4ª. página da capa ........................ 400$000

Quanto maior era a dimensão do anúncio, maior era o preço cobrado. Para se ter uma idéia dos demais valores, um exemplar avulso da Revista do Globo estava sendo vendido em 1929 por 1$500. Os interessados em publicar anúncios no periódico, assim como aqueles que também desejassem realizar uma assinatura anual ou semestral, deveriam dirigir-se à redação e à gerência da revista, que estava localizada na Rua dos Andradas, 1416, no segundo andar da Livraria do Globo, no centro de Porto Alegre.

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Figura 7 Anúncios diversos: de consultórios médicos a aparelhos fotográficos. Ano I – Número 3 – 1929

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As imagens da página anterior (figura 7) e da seguinte (figura 8) são bons exemplos das dimensões dos anúncios vinculados na Revista do Globo. Os anúncios médicos representavam 1/16 de página, portanto, caracterizavam-se na modalidade mais barata disponibilizada pelo periódico. Assim, era possível anunciar na revista os consultórios médicos do Dr. Godoy (Rua dos Andradas), do Dr. G. de Faria (Rua Hilário Ribeiro), do Dr. H. Annes Dias (Rua dos Andradas) e do Dr. Fábio de Barros (Rua Mal. Floriano Peixoto) mediante o pagamento de 30$000 cada. O anúncio da Casa Senior, de Alfred Dennin (Rua dos Andradas), já ocupava um espaço maior em relação à publicidade dos médicos, sendo equivalente a 1/4 de página. O suficiente para disponibilizar uma pequena imagem e informar que um “apparelho photographico” das marcas Kodak, Zeiss, Ikon, Agfa ou Voigtlander era um presente muito útil tanto para profissionais quanto para amadores. A Casa Senior, que teria pago o valor de 90$000 pelo seu espaço publicitário, também prestava serviços de manutenção de câmeras e outros em geral. Por sua vez, o anúncio dos discos Odeon já equivalia a 1/2 de página, portanto, o investimento sairia por 120$000. Espaço suficiente para inserir a imagem de um casal dançando e, ao fundo, um grande disco com a marca do fabricante. O produto, que tinha significativa variedade de repertório musical, segundo o anúncio, era comercializado pela Casa Lyra, que se situava na Rua dos Andradas.

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Figura 8 Publicidade da loja Kheingantz, localizada na Rua dos Andradas. Ano I – Número 9 – 1929

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O anúncio da Casa Rheingantz, também localizada na Rua dos Andradas, já figurava em uma página inteira. Conforme visto, havia uma diferença de preço para os anúncios situados no interior da revista e que ocupavam uma grande dimensão de espaço, pois os anúncios nas páginas internas eram um pouco mais baratos do que na contracapa inicial e final do periódico. Além disso, a qualidade do papel da contracapa era melhor e os anúncios poderiam ser coloridos, como no caso do anúncio da Casa Massom (figura 9). Além de constituir-se num espaço de divulgação de informações culturais e de imagens da vida social em geral, a Revista do Globo também se caracterizou como um veículo de comunicação que, através de sua publicidade, demonstrou aspectos da urbanidade porto-alegrense; através dos anúncios do comércio e da indústria que circulavam não somente na revista, mas também nos jornais e demais meios de comunicação publicitária da época. Algumas casas comerciais resistiram ao tempo, mas a maioria sucumbiu com o passar dos anos. De todas as casas de comércio até aqui mencionadas, apenas a própria Livraria do Globo ainda existe. Com o decorrer do tempo, a cidade muda a sua fisionomia comercial e industrial. Novos estabelecimentos surgem e outros encerram suas atividades. Por isso, a publicidade e a fotografia surgem como importantes ferramentas que servem como vestígios de um tempo que já passou, mas que ainda carece de uma interpretação por parte das gerações futuras.

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Figura 9 Publicidade da Casa Massom: jóias, relógios e máquinas fotográficas. Ano V – Número 127 – 1933

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Outro anúncio muito interessante, dentre vários, que pode ser encontrado na edição 258, da Revista do Globo, em circulação em 1939, é o da revista carioca Fon-Fon. A Fon-Fon, juntamente com a Careta, era uma das principais revistas do Rio de Janeiro. Estavam em consonância com o sentimento cosmopolita que pairava na capital da República e que buscava uma afinidade muito grande com Paris. Já na década de 1920, o Rio de Janeiro dividia-se entre Hollywood e Paris, num conglomerado de culturas que ditava aquilo que se costumava denominar como modernidade carioca. Por sua vez, Porto Alegre desejava se assemelhar à Paris e também à capital da República, de acordo com o que se percebe em alguns reflexos de um sentimento também cosmopolita, manifestado com suas peculiaridades, comum a toda cidade que de uma forma ou de outra é capital. No presente caso, Porto Alegre era a capital do Estado do Rio Grande do Sul e, assim, tinha um papel não menos importante em relação às demais cidades congêneres. Sobre o anúncio da Fon-Fon, chama a atenção que o anúncio de página inteira tem a chamada “para andar ao corrente do que se usa no Rio”. Voltado para o público feminino, o anúncio ainda informa que a leitura da revista carioca é “amena e instrutiva”. Mas o que mais revela o caráter patriarcal da sociedade da época é o final: “peça para o seu marido trazer-lhe Fon-Fon todas as semanas”. Indicativo de que a renda familiar ainda era de responsabilidade do homem.

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Figura 10 Revistas em revista: publicidade do periódico carioca Fon-Fon. Ano XI – Número 258 – 1939

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A Revista do Globo também aproveitava seu espaço publicitário para fazer anúncios de seus próprios produtos. Além da chamada à publicidade na revista, que indica o tamanho e os respectivos preços para a publicação, também encontramos espaço destinado às publicações da Editora do Globo. Esse é o caso do anúncio da edição de número 270, que circulou em 1939. O anúncio, colorido e na contracapa, espaço nobre no periódico (um espaço de custo mais alto), promoveu o lançamento de alguns livros que eram, na época, da empresa editorial. O título da obra e o nome do autor eram acompanhados de uma pequena resenha, que tinha o intuito de dar uma noção sobre a temática que abordava o livro. Também informava ao final deste resumo, o valor de cada produto. Nesse caso, em 1939, os valores variavam entre 5$000, Trapaceiros em Alto Mar, de Edgar Walace, e 35$000, Rumo ao Campo, de Pedro Luis Osório. As obras comercializadas eram originais da língua portuguesa ou traduções de outras línguas modernas. Ao final do anúncio, há uma logomarca da Editora do Globo, com o desenho da fachada do prédio localizado na Rua dos Andradas, onde, pelo menos até os dias de hoje, funciona a sede da Livraria do Globo. Há também instruções aos consumidores que não residiam em Porto Alegre, para adquirir os produtos da livraria. As opções eram cheque ou vale postal no valor da encomenda, a qual seria posteriormente encaminhada ao endereço de preferência do comprador.

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Figura 11 Publicidade dos lançamentos da Livraria do Globo. Ano XI – Número 270 – 1939

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No rol de variedades da revista, havia um espaço dedicado exclusivamente ao entretenimento infantil. Em edição de 1931, a Revista do Globo possuía um espaço que intitulou como Guri! Página Infantil. Nela encontravam-se breves histórias em quadrinhos, como, por exemplo, a de Jéca, Juca e Jóca, em questão. A presença de animais com características humanas – que falavam como pessoas, por exemplo – faz parte do mundo da comicidade que rodeia a imaginação infantil. Esse recurso foi utilizado na história publicada na edição 51, tendo como um dos personagens um avestruz que anima o Natal das crianças com uma pedra mágica. Os quadrinhos dividem espaço com um breve conto, assinado por Affonso Arinos, o qual faz referência às lendas de São João. Há um diálogo entre o conto e os quadrinhos, uma vez que ambos fazem referência ao universo infantil. Na história, em linhas gerais, São João ainda criança é obrigado a dormir enquanto o seu dia passa, visando que assim não descesse do céu e arrasasse a terra em fogo. A justaposição, lado a lado de quadrinhos e conto, mostra uma preocupação do diagramador da revista em alocar no espaço de uma página um determinado conteúdo direcionado a um leitor específico do periódico. Percebe-se a forma escolhida para a organização da diagramação, por parte dos editores da revista, mesmo que esta ainda estivesse distante das características contemporâneas. Uma mudança já considerável se comparada às publicações da década de 1920.

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Figura 12 Página com charges dedicadas ao público infantil. Ano III – Número 51 – 1931

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Já voltado para outro tipo de público era o espaço de humor da Revista do Globo, denominado Macaquices. Trazia o desenho de um macaco, cujo nome era Simão, e que estava sempre envolvido em alguma situação cômica. No caso do desenho publicado na edição 139, de 1934, Simão estava na companhia de um gato preto, cuja legenda identifica não ser o felino de autoria de Edgar Allan Poe. A sofisticação do humor já se deduz pelo tipo de leitor, o qual venha a ter uma mínima compreensão do universo literário do escritor estadunidense. A atividade humana que indica o humor no desenho é o fato de que o chipanzé está jogando cartas (cartomancia) para o gato preto, utilizando para pegá-las tanto as mãos quanto os pés. O ato de ensinar também denota uma atividade humana, uma vez que o macaco que dá as dicas pressupõe que o gato aprenda. A presença de charges humorísticas foi algo constante nas revistas ilustradas da primeira década do século XX; uma tradição herdada do século XIX, em que caricaturas constituíam um espaço visual significativo em jornais e periódicos diversos. O espaço Macaquices ocuparia muitas outras edições da Revista do Globo, pelo menos na década de 1930. Inclusive, em uma edição posterior, foi dedicada uma reportagem especial, criada com textos e fotografias, para que os leitores do periódico pudessem conhecer o autor da charge. Na época já se caracterizou como um forte atrativo explicar o funcionamento, mesmo que em parte, de uma empresa jornalística.

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Figura 13 Humor com animais representado pelo chimpanzé Simão. Ano VI – Número 139 – 1934

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Outro espaço que fazia um trocadilho com o nome da cidade denominava-se Sejamos Alegres. Tratava-se também de uma coluna de humor, mas com pequenas piadas e charges satíricas da vida social. Na edição da Revista do Globo do ano de 1938, número 241, a coluna ocupa duas páginas. Na primeira (figura 14), um terço da página é ocupado por breves piadas e os outros dois terços, pelas charges. Estas últimas, em número de quatro, representando situações imaginadas da vida cotidiana. Na primeira, uma mulher deseja vender o apartamento a um senhor, mas há uma “pequena restrição inteiramente justificada”. A compra do apartamento pressupõe um casamento, uma vez que a mulher faz parte do conjunto da venda, com a permissão do termo. Na segunda, dois transeuntes conversam, um deles comenta que em sua visita à cartomante (temática que retoma o chipanzé Simão) esta havia lhe dito que ele teria grande sucesso. Dada a situação, seu interlocutor diz que realmente ele alcançara muito sucesso, já que na miséria havia atingido a perfeição. Na terceira, um homem obeso utiliza uma engenhoca com espelho para que possa enxergar o chão, uma vez que sua barriga, devido ao seu tamanho, já o impede de fazê-lo. As imagens desta terceira charge fazem clara alusão aos personagens que comumente ficaram conhecidos como o Gordo e o Magro. Por último, o conflito entre motoristas e pedestres representada por mais uma cena de atropelamento.

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Figura 14 Sátiras do cotidiano porto-alegrense representadas nas charges. Ano X – Número 241 – 1938

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No ano seguinte, na edição 259, de 1939, a coluna Sejamos Alegres recebe o nome de Duas Páginas de Hu-

mour. A coluna de piadas que se denominava Prosa Alegre passa a se chamar Ria, Por Favor. Apesar das trocas de nomes, as características permanecem as mesmas: uma coluna ocupando um terço da página, a de piadas; e a outra, ocupando dois terços de página, a de charges. Na organização da diagramação, nem sempre ocuparam o mesmo espaço (esquerdo ou direito). As charges, como sempre, trazem situações da vida cotidiana. Na primeira, satiriza a relação familiar de um casal, cujo homem é filatélico. Na segunda, uma situação cotidiana cruzou-se com a situação de guerra, inserindo no diálogo a Alemanha nazista e a França. Na terceira, abordou a relação entre homens mais velhos e mulheres jovens, mencionando que para elas o que mais importava era a diferença de dotes, não de idades. E na última, uma sátira sobre a arte. O que se percebe é que ao longo dos anos 1930, o humor vai ganhando um espaço significativo dentro da Revista do Globo. Essa tipologia de conteúdo possui características próprias se confrontada com outros signos visuais e textuais do periódico. Na representação da sociedade porto-alegrense, torna-se interessante confrontar dois tipos de representação visual que possuem naturezas próprias, estatutos de linguagens específicas, mas que tratam sobre uma mesma sociedade. Seria o caso de um estudo de maior peso acerca de uma comparação entre as representações fotográficas e caricaturais, por exemplo. 100

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Figura 15 Humor em duplo formato: de textos e de imagens. Ano XI – Número 259 – 1939

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Cine Globo era o nome da coluna que se dedicava ao cinema na Revista do Globo. Com o passar dos anos, esse tipo de conteúdo ganhou mais espaço nas páginas do periódico, mostrando a importância que o cinema vinha trazendo para as atividades de entretenimento e informação na cidade. A coluna trazia alguns comentários sobre filmes que estavam em exibição nos cinemas da cidade, assim como trazia fotografias dos artistas, pequenas biografias ou os últimos acontecimentos sobre a vida pessoal dos artistas. O cinema nasceu a partir das inovações e experimentos técnicos realizados com a fotografia. O primeiro cinematógrafo de Auguste e Louis Lumière tinha como finalidade filmar, revelar e projetar, ou seja, caracterizava-se no três em um, o que o diferenciava significativamente do aparelho fotográfico. A primeira edição de imagens viria a ocorrer somente em 1903. No início, assim como acontecia em Porto Alegre, os filmes eram projetados sem som, por isso ficou conhecido como cinema mudo. As projeções eram acompanhadas por músicas que geralmente eram tocadas ao vivo, por exemplo, por um pianista que se localizava logo ao lado da tela. Somente em meados da década de 1920 que as projeções de filmes ganhariam som sincronizado. A Revista do

Globo dedicou uma matéria para comentar sobre as memórias do cinema mudo e os benefícios do cinema falado, que já estava em vigor na década de 1930. Nestes dez anos, a cinefilia vai ganhando espaço nas páginas do periódico.

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Figura 16 Cine Globo trazia informações sobre filmes e atores diversos. Ano I – Número 14 – 1929

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Após a Primeira Guerra Mundial, a Europa encontrava-se devastada pelas batalhas. Assim, o foco do cinema mundial passou da Itália e da França para a estadunidense Hollywood. Nos Estados Unidos surgiram grandes empreendimentos cinematográficos. Na década de 1930, por exemplo, ocorreu a fusão de duas grandes empresas de cinemas que convergiram na 20th Century Fox. Na reportagem da página anterior (figura 16), o Cine Globo publicou a fotografia da atriz Maria Alba, que fazia parte do quadro de atores da Fox, empresa que em 1935 seria uma das que formaria a 20th Century Fox. Aos poucos, elementos de uma cultura cinematográfica iam-se incorporando à cultura visual da sociedade portoalegrense, uma vez que já era grande a quantidade de salas de cinema que existiam na capital nesta época. Porto Alegre acompanhava a tendência mundial de proliferação de salas de projeção em todo o mundo, especialmente nas cidades mais urbanizadas. A Revista do Globo seguiu esta tendência, deixando seus leitores informados sobre filmes que estavam em exibição na cidade, assim como tecia comentários a respeito das produções. A democracia do cinema atraía tanto jovens quanto aqueles de mais idade. A programação de filmes era variada. As crianças tinham a opção de assistir aos desenhos, como mencionado anteriormente sobre as influências de Walt Disney no imaginário infantil. A década de 1930 também é caracterizada pela presença de Charles Chaplin no cinema, personagem que marcou profundamente a sua época.

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Figura 17 Cartaz de filme que seria exibido no Cine Theatro Apollo. Ano II – Número 29 – 1930

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No Brasil, o cinematógrafo despertou a curiosidade ainda no século XIX, sendo o imigrante italiano Affonso Segretto o primeiro a filmar o Rio de Janeiro em 1898. Na década em que situamos este livro, 1930, surge nas telas de cinema a personalidade luso-brasileira de Carmen Miranda. Mas somente na década seguinte, em 1940, é que foi criado no Brasil, também no Rio de Janeiro, o primeiro estúdio da empresa de cinema Vera Cruz. Na reportagem de 1933, edição 112 da Revista do Globo, uma página inteira traz uma pequena entrevista-biográfica do ator Clark Gable. Interessam todas as adversidades que o ator enfrentou para que conseguisse firmar-se em sucesso e popularidade, como se encontrava à época. Segundo a reportagem “o caso de Clark Gable é um dos mais surpreendentes dentre os muitos dramas que nascem da pouca confiança dum filho na autoridade paterna” (Clark Gable vai vencendo... In: Revista do Globo. Ano IV, N. 112, 1933). Ao centro da reportagem projeta-se uma fotografia do ator, personificado num dos seus muitos personagens, especificamente do filme A Irmã Branca. Nas outras edições da Revista do Globo, encontramos muitas outras fotografias, reportagens e anúncios de filmes em exibição nas casas de cinema de Porto Alegre. Dessa forma, é possível mapear alguns dos cinemas em atividade na cidade nesta época, assim como conhecer os filmes que estavam em cartaz. A revista apresenta-se como uma fonte de variados temas para o desenvolvimento de pesquisas históricas.

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Figura 18 Clark Gable figurava nas telas das salas de cinema em Porto Alegre. Ano V – Número 112 – 1933

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Hoje considerado patrimônio histórico da cidade de Porto Alegre, o Cine Theatro Capitólio foi entregue à população porto-alegrense em 1928, através de seu idealizador, cujo nome era José Faillace. Sabe-se que este possuía raízes étnicas italianas e que investiu grande quantia de dinheiro para a concretização do empreendimento. Teria sacrificado seus rendimentos acumulados durante o período em que foi alfaiate. Na época de sua fundação, ainda não existia uma das principais vias de acesso que viria a ligar o centro de Porto Alegre à Zona Sul da cidade. Tratava-se da Avenida Borges de Medeiros, cuja obra somente viria a se concretizar na década de 1930. A saliência geográfica, que separava a área do Capitólio das demais partes do centro da cidade, fazia com que a edificação se caracterizasse como um local de preferencial visitação dos moradores do entorno, constituindo-se num dos grandes acontecimentos da região. A edição 155, da Revista do Globo, de 23 de novembro de 1935, traz uma reportagem sobre o Capitólio, com comentários sobre sua posição no mercado cinematográfico em Porto Alegre e na vida cultural da cidade. No ano de 1935, o Capitólio apresentava-se como a mais moderna casa de projeções da capital gaúcha. A reportagem ainda traz uma extensa lista de filmes que estiveram em exibição no Capitólio, naquele ano. Junto ao texto da reportagem, há um retrato de mulher, identificada como sendo da sociedade porto-alegrense, o que sugere um tipo de segmento de público dos frequentadores do cinema.

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Figura 19 Uma reportagem especial para o Cine Theatro Capitólio. Ano VII – Número 155 – 1935

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Em 1938, a coluna Globo Cinematográfico também se caracterizava como um espaço dedicado ao cinema. Neste exemplo, da edição 227, temos uma breve apresentação da coluna, que seria dirigida por Plínio Morais. Iniciamos neste número uma nova seção que vamos chamar de ‘Globo Cinematográfico’. Nela pretendemos dar aos nossos leitores informações as mais novas e variadas sobre cinema. É encarregado desta seção o Sr. Plínio Morais, que é um bom crítico de cinema e sabe escolher o que realmente interessa ao leitor. (Globo Cinematográfico. In: Revista do Globo. Ano X, N. 227, 1938).

A coluna traz uma lista de filmes considerados os dez melhores do ano de 1937, conforme concurso anual da revista Film Daily, que contou com a colaboração de mais de 500 críticos de cinema. A lista traz em primeiro lugar o filme

A Vida de Emile Zola e, na sequência, Terra dos Deuses, Marujo Intrépido, Horizontes Perdidos, Nasce uma Estrela, Romeu e Julieta, No Teatro da Vida, Ponto Morto, Os Predestinados e Cupido é Moleque Teimoso. Na coluna central dessa edição do Globo Cinemato-

gráfico, o destaque foi para os filmes que estiveram em cartaz em Porto Alegre nos últimos trinta dias, à época. Plínio Morais trouxe o nome do filme e entre parênteses o nome da sala de cinema na qual o filme estava em cartaz. Dentre eles, encontramos menção aos cines Coliseu, Imperial, Central e Rex. Abaixo do filme, um pequeno comentário crítico sobre cada um, de acordo com a perspectiva de Plínio Morais.

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Figura 20 Globo Cinematográfico foi outra coluna criada para o gênero. Ano X – Número 227 – 1938

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A Revista do Globo também tinha como proposta dedicar um espaço para imagens e acontecimentos que ocorriam pelo mundo, principalmente nas semanas que antecediam a publicação. O Globo em Revista era um conjunto de imagens provavelmente extraídas de outros periódicos, de agências de comunicação internacional que traziam curiosidades e informações de fatos políticos e culturais que ocorriam principalmente na Europa e nos Estados Unidos. A Revista do Globo acompanhou por estas colunas, por exemplo, os desfechos da Primeira Guerra e a ascensão do nazismo e do fascismo na Alemanha e Itália, respectivamente. Mas um espaço significativo também era dedicado para as artes plásticas em geral. Conforme mencionado sobre as capas da Revista do Globo, havia um cuidado todo especial com as ilustrações que fariam parte do conteúdo interno do periódico. Um grupo de ilustradores profissionais trabalhou em prol da revista e viram suas obras serem publicadas em página inteira no periódico, com diagramação privilegiada e preferencialmente em cores, ao contrário da grande maioria das demais páginas. Por vezes, os mesmos ilustradores que eram responsáveis pela produção de algumas das capas da Revista do

Globo também tinham um espaço exclusivo nas páginas internas do periódico. Como é o caso do artista José Rasgado, que assinava suas obras sob o pseudônimo de Stelivs, e que teve sua Friedel publicada no exemplar do ano de 1929, na edição de número 9.

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Figura 21 O desenho de José Rasgado, que assinava como Stelivs. Ano I – Número 9 – 1929

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Sotero Cosme, que ilustrou a primeira capa da Revista do Globo, também teve a oportunidade de publicar algumas de suas obras nas páginas internas do periódico portoalegrense. O artista teve publicado no exemplar número 2, de 1929, o desenho Dia de Sol; ocupando espaço privilegiado, de página inteira, e também nas cores amarelo, preto, laranja e branco. Em princípio, não havia uma relação direta do desenho de Sotero Cosme com os demais elementos da revista. Poder-se-ia dizer, até certo ponto, que a reprodução da imagem artística, no que se refere ao seu conteúdo, estaria deslocada em relação aos demais itens que compunham a revista. Em algumas páginas adiante, é possível verificar outro desenho de Stelivs intitulado Primavera, alegoria em Sol e Mar, que dividia a página juntamente com um comentário sobre a nova poesia russa e outro sobre Marcel Proust. Na página seguinte ao desenho de Stelivs, há uma fotografia da miss Estados Unidos, sob o título Raios de sol artificial, fazendo referência a um aparelho que seria responsável por um bronzeamento de pele não natural. Na desorganização diagramatical da revista, encontramos uma lógica que envolve a temática “sol” e que perpassa pelos desenhos de José Rasgado e de Sotero Cosme, assim como estabelece um diálogo indireto com a matéria fotográfica sobre a engenhoca que produz raios de sol artificiais. Este último divide, por sua vez, um terço da página com receitas culinárias inéditas, identificando o público feminino como alvo.

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Figura 22 O desenho de Sotero Cosme foi uma atração pictórica da revista. Ano I – Número 2 – 1929

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A Revista do Globo também publicava reproduções de diversas outras obras artísticas, especialmente pinturas, como foi o caso ocorrido na edição de 55, do ano de 1931. Sob o título de Arte, um conjunto de sete obras, devidamente identificadas por uma legenda que informava o nome do autor e a sua nacionalidade, o nome da obra e o país de origem. A coluna tinha um caráter informativo-enciclopédico. As obras são de países diferentes. Os títulos das obras estrangeiras foram todos traduzidos pelos editores da revista para a língua portuguesa. A primeira denominada Força Presa, foi de autoria do brasileiro Lotte Benter; a segunda, de Jane Reece, estadunidense, foi denominada como Interno; a terceira, do belga Leonard Mizonne, possui o nome Que vento!; um quadro persa sem autoria foi intitulado como

Pic-Nic da Meia-Noite; o quinto, O refeitório, do britânico pictorialista e também fotógrafo Alexander Keighley; um AutoRetrato, do pintor impressionista francês Claude Monet; e, por último, Retrato de uma Senhora Velha, de autoria de um artista italiano. Utilizando um viés artístico, a Revista do Globo visava fisgar também a alta sociedade de Porto Alegre que apreciasse as obras de arte. Ao público leigo, as imagens tinham função ilustrativa, e, por serem imagens em si, constituíam-se num atrativo à parte. Assim, o periódico ia construindo-se com textos e imagens apresentados sob diferentes gêneros, constituindo-se na denominada revista de variedades.

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Figura 23 Conjunto de obras artísticas, dentre elas uma de Claude Monet. Ano III – Número 55 – 1931

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A participação do artista João Fahrion, nas ilustrações da Revista do Globo, foi de significativa importância, assim como a de seus contemporâneos Sotero Cosme e Carlos Rasgado. Especialmente chama a atenção na produção de Fahrion a aproximação que este faz entre desenhos e imagens fotográficas. Na edição 239, do ano de 1938, por exemplo, as imagens de retratos fotográficos passaram a ser reproduzidas em desenhos. Fahrion era o artista responsável pela ilustração de várias outras publicações da Editora do Globo. Na imagem estão desenhadas três mulheres da sociedade, devidamente identificadas pelos nomes em legendas feitas pelos próprios artistas. O feito, até certo ponto, tem um ineditismo na revista, porque até então as ilustrações não se referiam a mulheres específicas da sociedade. De uma forma geral, os desenhos não traziam os nomes. A partir daquele momento, a representação do desenho, provavelmente criado a partir de uma matriz fotográfica, desempenhava um papel social e ao mesmo tempo artístico: dar a ver as imagens de pessoas que eram uma parcela dos consumidores do periódico, atribuindo-lhes um caráter diferencial do fornecido pela fotografia. A iniciativa, mesmo que ainda presa a tradições, tinha um tom de modernidade, e buscava afirmar a revista nesta direção. A produção repetiu-se por outras edições dos anos 1930, mostrando provavelmente a boa receptividade que as imagens publicadas tiveram quando de sua circulação no meio social.

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Figura 24 Desenhos de senhoras e senhorita da sociedade porto-alegrense. Ano X – Número 239 – 1938

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A literatura obviamente também ocupava um espaço privilegiado dentro da revista, uma vez que a Editora era responsável por colocar em circulação no mercado gaúcho uma expressiva quantidade de obras literárias. As produções eram publicadas sob os mais diversos gêneros, podendo ser obras tanto de escritores regionais quanto de escritores nacionais. Ou ainda, poderiam ser traduções de obras de escritores estrangeiros. Elisabeth Torresini (1999) identificou um escrito de Érico Veríssimo em que ele admitiu a necessidade de que, em determinados momentos, teve de publicar poesias e textos literários em geral sobre pessoas que tinham algum destaque dentro da sociedade. Considerava-se que essas pessoas faziam parte de uma parcela consumidora da revista. Assim, segundo as palavras de Érico, nem sempre se primava pela qualidade quando se publicava textos de autores regionais, os quais, certamente, não eram reconhecidos pelas suas qualidades artísticas. Mesmo assim, havia uma grande quantidade de textos de autores consagrados que davam certa sustentabilidade à qualidade literária dos textos publicados na Revista

do Globo. Os diversos textos representativos de gêneros literários estiveram presentes em todas as edições observadas na década de 1930, sendo sempre uma constância nas páginas do periódico. A imagem da próxima página (figura 25) é um exemplo representativo de poesia publicada na revista.

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Figura 25 Poemas diversos ocupavam espaço nas páginas da revista. Ano I – Número 11 – 1929

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Assim como nos anúncios sobre os filmes em exibição na cidade, a Revista do Globo criou a coluna denominada

Vida Literária, onde se publicava diversas notícias a respeito do universo da literatura. Na edição 90, do ano de 1932, Vida Literária, logotipada com uma coruja sentada em cima de um livro, traz uma relação de treze obras em três páginas, dentre das quais apenas cinco não seriam lançamentos da Editora do Globo. A coluna trazia algumas pequenas imagens que ilustravam as capas dos livros e, em todas, uma breve sinopse informando os nomes das obras e de seus autores. É com imenso prazer que registramos o intenso movimento de livraria dos últimos tempos. De inúmeras empresas editoras do país saem diariamente à publicidade obras de toda a espécie: livros de ficção, de poesia, de sociologia, de política, de história, etc. A ‘Livraria do Globo’ de Porto Alegre, que aparece nas estatísticas como uma das empresas editoras brasileiras que mais produzem, oferece semanalmente uma ou duas novidades literárias ao público do Brasil (Vida Literária. In: Revista do Globo. Ano IV, N. 90, 1932).

Ao final, a coluna trazia ainda uma relação de alguns livros que estavam sendo programados para publicação próxima. Todos eles pela editora da Livraria do Globo e de autoria de escritores gaúchos, quais sejam: Ernani Fornari (Praia dos Milagres), Damaso Rocha (Festa da Luz e de Cor), Souza Júnior (Figuras deste e de Outro Mundo), Cacy Cordovil (Prelúdios) e Telmo Vergara (O Baile dos Capengas).

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Figura 26 Em Vida Literária, resenhas sobre lançamentos ou obras clássicas. Ano IV – Número 90 – 1932

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Além das novidades editoriais, a Revista do Globo publicava muitas traduções de obras literárias. Muitas vezes as traduções eram feitas pelos seus próprios editores. Textos de grandes nomes da literatura ocidental, tal como Guy de Maupassant, por exemplo, figuravam nas páginas da revista. Érico Veríssimo também teve muitos textos de sua autoria publicados na revista, especialmente na época em que ele estava na direção da empresa. Nas páginas da revista também havia imagens de lugares de Porto Alegre e demais cidades do Rio Grande do Sul. No caso da capital, as imagens poderiam ser de bairros ou monumentos, geralmente acompanhadas por um pequeno texto ou, no mínimo, de uma legenda. Na edição de número 31, de 1930, a Revista do Globo publicou três fotografias numa página inteira que mostravam aspectos visuais dos jardins da Hidráulica Municipal. As obras de restauração teriam iniciado ainda no governo de Otávio Rocha e continuavam, segundo a revista, no governo de Alberto Bins, o intendente (prefeito) da época em exercício. A Revista do Globo dedicava fotografias a diversos outros pontos da capital, especialmente os prédios e construções, que forneciam à cidade uma fisionomia de urbanidade em desenvolvimento, equiparando-a as demais grandes metrópoles brasileiras, europeias ou estadunidenses. No caso da última cidade, Nova Iorque sempre era um destaque, chegando a receber várias menções em outras edições da revista.

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Figura 27 Fotografias da Hydraulica Municipal, atual sede do DMAE. Ano II – Número 31 – 1930

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Uma imagem que chama a atenção é uma pintura que representava um balneário da capital e que recebeu o título Os

mais bellos recantos de Porto Alegre. Uma pintura de página inteira, na posição horizontal, às margens do Guaíba, com galhos de árvores cortando o céu, um pequeno barco, pessoas se banhando e algumas casas ao fundo. Abaixo, apenas uma legenda com os seguintes dizeres a respeito da cidade: A gente vive a louvar a belleza de terras alheias e esquece que na nossa terra – bem perto de nós, há paisagens maravilhosas. Esta que aqui reproduzimos é da Villa Balnear Nova Belém, a dois passos do centro da capital – recanto ameno, fresco, salubre – ideal como locação para um “bungalow” sossegado, livre de ruídos, de poeira... De fuligem, de outros inconvenientes citadinos. Forçosamente, aquelle paraíso de a bíblia fala. Si era bom e bonito de verdade, devia ser assim, bem assim como a Villa Balnear Nova Belém. Aqui nesta, porém, há para os homens uma vantagem: – podem comer todas as maças que quiserem sem o perigo da ira divina (Os Mais Belos Recantos de Porto Alegre. In: Revista do Globo. Ano IV, N. 82, 1932)

Tratava-se de uma parte da cidade onde a urbanização ainda não havia alcançado. Interessante é observarmos a forma como é construído o discurso acerca desta parte de Porto Alegre. Sem menção ao autor da pintura, a legenda da imagem dá características paradisíacas ao local, incitando o leitor a se deslocar até o local para melhor conhecê-lo. Uma forma de impedir determinados elogios apenas para as belezas que estão fora dos limites da cidade; uma tentativa da revista em mostrar também aspectos atraentes que não eram urbanos. 126

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Figura 28 Aqui a Villa Balnear Nova Belém é comparada ao paraíso bíblico. Ano IV – Número 82 – 1932

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Na edição 116, de 1933, a Revista do Globo aparece com o novo subtítulo Magazine de atualidade mundial. Traz na capa uma imagem de cinema, o que denominou como sendo uma cena da Tosca, de Puccini. Nas páginas interiores, publicou-se, entre muitas outras variedades, um texto de duas páginas atribuído a Le Corbusier, renomado arquiteto, urbanista e pintor europeu. O título do artigo é Espetáculo da Vida Moderna e traz nas suas laterais duas fotografias alaranjadas de atrizes de Hollywood, em trajes curtos, com as pernas de fora. Abaixo do artigo de Le Corbusier estão duas charges que satirizam o cotidiano social. No início do artigo, o autor afirma que a sociedade de sua época não sabe exatamente os motivos pelos quais os indivíduos trabalham, sendo este um cruel estado de consciência humana. Havia os que trabalham com qualidade e recebem por isso, e há aqueles que o faziam pelo dinheiro em si. A preocupação com o dinheiro, afirmou o autor europeu, é uma constante na sociedade. A busca desenfreada pelo dinheiro, mencionada por Le Corbusier, faz com que as pessoas trabalhem mais e, consequentemente, não dediquem tempo a si mesmas. A falta de tempo faz com que elas não reflitam sobre sua situação no mundo. Logo está posto o problema mencionado pelo autor. A solução encontrada por ele foi de as pessoas harmonizarem as duas coisas, não abdicando do trabalho nem do tempo dedicado a elas próprias. As considerações publicadas na Revista do Globo nos parece ser bem contemporâneas. 128

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Figura 29 Reflexões da vida moderna com a fotografia de uma atriz de Hollywood. Ano V – Número 116 – 1933

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Assim, de forma panorâmica, estão distribuídos alguns elementos que constituem a Revista do Globo. São vários aspectos que a fizeram ser verdadeiramente uma revista de variedades, acompanhando uma tendência editorial como dos demais periódicos de sua época. Uma descrição das fotografias, propriamente dita, foi deixada intencionalmente para o capitulo seguinte, dando ênfase a algumas das tipologias encontradas e mapeando uma espécie de perfil social da sociedade porto-alegrense.

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CAPÍTULO 4 TIPOLOGIAS FOTOGRÁFICAS: UM PERFIL SOCIAL

O processo de industrialização do início do século XX possibilitou que os fotógrafos deixassem de confeccionar seu próprio material de trabalho e passassem a consumir, nas recém-inauguradas casas de materiais fotográficos, os objetos necessários para o registro de suas imagens. Reservaram-se, portanto, apenas a bater a chapa e revelá-la. A incorporação da fotografia no cotidiano das cidades e a noção de sua importância como elemento constitutivo de uma determinada imagem do real atenuou-se a partir da década de 1910. Nessa época, por exemplo, a fotografia passou a ter o seu uso obrigatório em documentos de identificação, tais como carteira de identidade e título de eleitor, por exemplo. O trabalho do fotógrafo, conforme a incorporação de novas técnicas, alinhou-se com a forma de fazer imagem utilizado na Europa e nos Estados Unidos. Ao visual incorporou-se o textual, aglutinando-se numa única reportagem 131

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linguagens primariamente distintas, hierarquizando o campo do trabalho jornalístico em repórteres e repórteres fotográficos. Por outro lado, os denominados fotógrafos amadores concentraram-se, em significativa parcela, nos fotoclubes brasileiros, e eram compostos, também em significativa parcela, por profissionais das mais diversas áreas que, nas horas vagas e de lazer, dedicavam-se ao ato de fotografar. Agentes de registro dos encontros de uma dada elite social em ascensão, alguns grupos passaram a ganhar maior destaque fotografando segmentos sociais em suas expressões iconográficas de sustentação de riqueza e poder. O fotógrafo tornou-se como uma testemunha dos fatos, o intérprete de valores e comportamentos que se valeu de um tipo de linguagem visual, conforme o termo empregado por Ana Maria Mauad (1990), para decodificar as imagens que via. Na Revista do Globo não temos muitas informações a respeito de seus fotógrafos, pelo menos no que diz respeito aos seus primeiros dez anos de existência. Por vezes, a autoria vinha assinada na própria fotografia, provavelmente grafada no seu original, mas não no objeto que foi transposto à diagramação no periódico. Ali encontramos algumas assinaturas de fotógrafos ou a indicação de estúdios fotográficos da capital gaúcha. Dividida em tipologias genéricas e diluídas ao longo deste quarto capítulo, as fotografias da revista que seguem a partir daqui possuem como ênfase o indivíduo, esteja ele em grupo ou na coletividade. São os vestígios visuais de uma ampla iconosfera porto-alegrense, adaptados para as páginas da Revista do Globo. 132

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Figuras 1 e 2 Várias personalidades da época reunidas em duas fotografias. Ano I – Número 2 – 1929

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Nada melhor do que começar a série de fotografias da sociedade porto-alegrense com duas fotografias que aglutinam os grandes nomes que giram em torno da Revista do Globo. As fotografias foram publicadas na segunda edição da revista, em 1929, e, nas palavras do editor: Como podem verificar os leitores pela photographias que acima estampamos, a redacção da “Revista do Globo” se encheu do que de mais alto e significativo possue a nossa sociedade, na política, nas letras e nas artes. Com abundancia de coração recebemos de todos os votos mais effusivos de prosperidade. A hora em que o primeiro garoto apregou, na cidade, o nome da revista, o nosso diretor lia para os presentes, entre os quaes se encontravam o presidente Getulio Vargas, o Arcebispo Metropolitano e o Dr. Oswaldo Aranha, ilustre secretário do interior, o nosso artigo de apresentação, por elle mesmo traçado.

Na primeira fotografia, estão identificados como sentados: Mansueto Bernardi, Oswaldo Aranha, D. João Becker, Getúlio Vargas, Fernando Caldas, Oswaldo Rentzsch e José Bertaso; em pé estão: João Pinto da Silva, Pedro Vergara, Paulo Hasslocher, Andrade Queiroz, Moysés Vellinho, Walter Sarmanho, Sotero Cosme, Athos Damasceno Ferreira, Souza Júnior, Francisco de Paula Job, João Fahrion e Angelo Guido. Já na segunda fotografia, localizada abaixo da primeira, identificam-se sentados: Vargas Neto, João Carlos Machado, Eurico Rodrigues, André Carrazzoni, João Soares, Isolino Leal e João Sant’Anna; e em pé estão: Luiz Vergara, Abdon de Mello, Miranda Netto, Ruben Machado Rosa, Oscar Daudt, Theodomiro Tostes, J. M. Cavalcanti, José Saraiva e José Rasgado. 134

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Figura 3 Alberto Bins em evento na Biblioteca Pública do Estado. Ano III – Número 63 – 1931

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Podemos classificar como uma das tipologias fotográficas constantes numa revista periódica a existência de imagens fotográficas de personalidades da sociedade ou da política. Neste caso, como exemplo, a edição 63, do ano de 1931, da Revista do Globo, captou imagens (figura 3) do então prefeito da cidade Alberto Bins no V Congresso Rural do Estado, realizado na Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Além de Alberto Bins, também se destaca outra personalidade política, João Fernandes Moreira, que na época era Secretário de Obras Públicas; na fotografia situa-se de pé, no canto superior da página. Na edição 126, de 13 de dezembro de 1933, o político em destaque é o então interventor do Rio Grande do Sul na época, o Gal. Flores da Cunha. Com várias fotografias suas com grande destaque, a reportagem visa relatar o seu retorno à Porto Alegre após estadia no Rio de Janeiro, onde visava, segundo a revista, tratar dos interesses do Estado. Foi recebido no cais do porto da capital com uma expressiva manifestação dos citadinos. A montagem das fotografias que estão na revista cria uma espécie de narrativa que remonta a chegada do seu barco ao porto, passando por sua passagem entre as autoridades militares, até finalmente caminhar em meio à população. O título da reportagem, denominada O regresso do interventor, foi escrito sobre as imagens fotográficas, um pouco abaixo e à esquerda da imagem de Flores de Cunha de perfil.

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Figura 4 Flores da Cunha, então interventor do Estado, sendo recebido na capital. Ano V – Número 126 – 1933

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As fotografias de personalidades quase sempre têm por objetivo retratar uma pessoa apenas, mesmo que ela esteja acompanhada de várias outras. Se pudermos contar o número de pessoas que está à volta de Flores da Cunha, até poderíamos pensar que seria difícil identificálo em meio à multidão, pelo menos para aqueles que não estão acostumados com o rosto do ex-intendente. Mas as legendas que funcionam como um forte referencial de identificação e a sua foto ao alto, isolada de outras pessoas, faz com que a pessoa que as observa possa facilmente localizá-lo. Na página seguinte, temos um conjunto de fotografias (figura 5) de personalidades de outras áreas que não a da política. A edição é de 1937, de número 208, e traz em uma página uma série de seis fotografias, de diferentes momentos e lugares. O título colocado acima, Globo Jornal, dá a noção de que se trata de uma espécie de retomada de fatos, por meio de imagens fotográficas, que ocorreram nas semanas que antecederam à publicação da revista. Na primeira fotografia, temos como destaque a personalidade de Mansueto Bernardi, o primeiro diretor da Revis-

ta do Globo, que fazia uma visita à livraria da revista. Érico Veríssimo, que também dirigiu a revista, aparece na fotografia ao lado, com a sua esposa, em viagem de lazer que realizou ao Rio de Janeiro. Nesta edição, onde estas fotografias foram publicadas, a revista foi dirigida por Luiz Estrela e teve como gerente Henrique Maia.

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Figura 5 Em uma das várias fotografias, figura Érico Veríssimo. Ano IX – Número 208 – 1937

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Seguindo o conjunto de fotografias da página anterior (figura 5), ainda temos uma menção constante de personalidades e lugares. A terceira fotografia identifica a Casa de Portugal em sessão solene ao Dia de Camões, cujo destaque da fotografia foi o orador Antônio Portas. A fotografia ao lado dá destaque à Olynto Sanmartin, que fazia um discurso na Academia de Letras Rio-Grandense sobre a História Literária Gaúcha. Abaixo as duas fotografias identificam o mesmo local, mas em eventos distintos. O local foi o Restaurante Ghilosso, sendo o evento da esquerda um jantar em comemoração à reintegração de Correa da Silva ao cargo de promotor público da capital; e, o da direita, um jantar oferecido à Assuero Garritano por sua nomeação no Instituto Nacional de Música. Em todas estas fotografias existe um grupo muito grande de indivíduos no enquadramento fotográfico. Diferentemente das anteriores, as últimas fotografias mencionam os nomes das personalidades destacadas, mas não as identificam propriamente pelas legendas. O contrário acontece com as anteriores, cujo papel pedagógico do texto atribui ações aos fotografados, o que possibilita uma identificação mais rápida destes por parte da pessoa que observa a imagem. Já a fotografia seguinte denota de forma diferente outro tipo de acontecimento, destacando através das legendas o evento, mas não identificando o nome de pessoas que compunham o quadro fotográfico. Os nomes serão substituídos pela noção de personalidade coletiva.

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Figura 6 Formação de professoras: diplomas entregues em Porto Alegre. Ano II – Número 31 – 1930

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As fotografias intituladas Magistério Rio-Grandense (figura 6) tiveram como objetivo demonstrar o ato solene da entrega de diplomas para as alunas que concluíram seu curso na Escola Complementar de Porto Alegre. Repara-se que diferentemente das fotografias de personalidades, não há a identificação de pelo menos uma pessoa que está no enquadramento da câmera. Todavia, a noção de personalidade individual passa para uma noção de personalidade coletiva, em que o nome próprio, o particular, é substituído pela noção de coletividade: o grupo das alunas que se formaram no curso da Escola Complementar da capital. Caracterizouse como uma opção editorial a supressão de nomes e a identificação do grupo como um todo. Já nas fotografias seguintes (figura 7) a opção ainda é um pouco diferente. O conjunto de imagens publicadas na edição número 35, da Revista do Globo, do ano de 1935, trouxe na fotografia localizada no canto superior da página as misses representantes de vários bairros de Porto Alegre, denominados na seguinte ordem: Azenha, Tristeza, Petrópolis, Partenon, Glória, Navegantes, Menino Deus, Independência e Teresópolis. Na fotografia debaixo, o espaço da fotografia foi a redação do jornal Diário de Notícias, e a personalidade foi a Miss Rio Grande do Sul, a qual recebeu muitos brindes oferecidos por representações do comércio e da indústria da capital. O indicador de identificação, neste caso, é o termo “miss”, seja ela de bairro ou do estado, mesmo que a segunda fotografia não identifique exatamente a pessoa, mas a imagem dá indícios de sua presença.

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Figura 7 Fotografia das misses dos diversos bairros de Porto Alegre. Ano II – Número 35 – 1930

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A Sociedade de Filosofia Porto-Alegrense foi fotografada na edição de número 105, no ano de 1933, como membros do cordão Tip-Top. O evento foi realizado do Teatro São Pedro, conforme identifica a sua legenda. Repara-se que a disposição dos indivíduos foi devidamente organizada para a composição do quadro fotográfico. Na forma de um “V”, mulheres ficaram situadas à frente e homens, atrás, com exceção de um localizado no centro da imagem. Não existe a identificação de nomes ou atribuições, mas sim do grupo em geral, que se denomina Sociedade de Filosofia. Na fotografia abaixo se percebe a presença inusitada de dois homens com o rosto pintado. A presença de pessoas de etnia negra foi uma ausência notória na maioria das fotografias da Revista do Globo. O periódico não trouxe em suas imagens o afro-descendente, o que nos leva e refletir sobre as estruturas sociais e os regimes morais que regiam a época. A presença étnica negra na revista, durante a década de 1930, figurou de forma restrita, somente em imagens do quadro esportivo e da música, por exemplo. A fotografia que representa a Sociedade Esmeralda também não possuiu a identificação individual do nome das pessoas que compuseram o enquadramento. Houve uma preparação do grupo para a fotografia posada, com exceção da última menina à direita, que abaixou a cabeça fitando algo que possuía nas mãos, no exato momento do registro fotográfico.

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Figura 8 Fotografias de grupos em clubes de Porto Alegre. Ano V – Número 105 – 1933

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Na edição de número 120, do ano de 1933, a Revista do Globo publicou uma fotografia de uma festa realizada no bairro Tristeza, organizada para amigos por Erick Hirsch, na época gerente da loja General Electric. A imagem aglomera um grande número de pessoas no enquadramento, e a legenda não identificou exatamente a posição do anfitrião. Contudo, a centralidade de um homem de terno escuro e o fato dele estar sentado – em contraposição com os que estão de pé – leva a crer que este seja Erick Hirsch. As fotografias abaixo representam uma situação diferente da festa do gerente da General Electric, mas a diagramação da página não deixa isso muito claro. Foi colocado um título ao lado esquerdo da segunda fotografia denominado A escola de economia no lar. Voltado exclusivamente para mulheres, o curso foi uma iniciativa da Companhia Energia Elétrica Rio-Grandense. Bom, então poderíamos dizer que a relação da primeira fotografia com as demais é o fator energia. Isso foi de acordo com a lógica do diagramador. O fato de que as imagens fotográficas de pessoas da sociedade quando publicadas em revistas ilustradas tornam-se produto de consumo para elas mesmas, nos faz refletir acerca da intenção do fotógrafo em colocar o maior número de pessoas possíveis no enquadramento da foto. Numa lógica comercial, quanto mais indivíduos a câmera captar, maior a possibilidade destes se tornarem compradores da revista, possibilitando sua assiduidade de compra ou não.

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Figura 9 Formação de mulheres porto-alegrenses em locais da capital. Ano V – Número 120 – 1933

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As fotografias da edição 236, da Revista do Globo, de 1938, trazem as imagens de duas festas. Ambas apresentadas sob a característica de serem bailes de confraternização. A primeira foi realizada no Palácio das Festas do Clube Ferroviário; e, a segunda, uma comemoração ao Dia do Soldado, foi organizada pela Sociedade Filosofia. O que houve em comum entre todas as imagens são as mesas. Todos os fotografados, em ambos os eventos, estão sentados à mesa. No Clube Ferroviário, as várias mesas compostas somente por homens chama a atenção, enquanto que apenas uma mesa foi composta somente por mulheres. Em uma das fotografias, há dois homens e uma mulher, diferindo das demais. Há de se considerar este fato na diagramação das fotografias na página da revista, em que se optou pela oposição entre homens e mulheres. Considerando que o enquadramento fotográfico foi uma opção de escolha do agente que fotografou, fica difícil dizer se houve uma opção de quadro ou se a distribuição de mesas do evento organizouse desta forma. Nas fotografias que seguem abaixo, percebe-se já um equilíbrio por parte de homens e mulheres. Há exatamente o mesmo número, sendo que nas duas primeiras percebese a existência de casais e nas seguintes, logo abaixo, aquela que além do casal apresenta duas mulheres ou dois homens é equilibrada pela fotografia que está ao lado. São esses pequenos vestígios que nos revelam algumas das opções de distribuição de imagens realizadas pela revista.

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Figura 10 Fotografias de bailes registraram eventos sociais. Ano X – Número 236 – 1938

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Ainda sobre os fotografados da página anterior (figura 10), percebe-se que estão sentados em mesas redondas e que para a efetivação do ato fotográfico foi necessário que estes se ajeitassem mais para um dos lados para que nenhum deles ficasse de costas para o fotógrafo. A obviedade caracteriza-se numa espécie de consentimento que houve entre o fotógrafo e os fotografados, estabelecendo um acordo social entre ambos – o que registra e os que se permitem registrar. A página de fotografia seguinte caracteriza-se como uma miscelânea de imagens. As imagens foram publicadas na edição de número 244, da Revista do Globo, que foi publicada em 1938. A temática das fotografias é o baile de carnaval do Yacht Club. De acordo com a sua legenda O Clube da Tristeza deu o grito carnavalesco na cidade. No dia 14 do corrente teve logar o primeiro baile de carnaval em Porto Alegre. O Yatch Club realizou-o em sua sede da Tristeza (O Baile do Yacht Club. In: Revista do Globo. Ano XI, N. 244, 1938).

O conglomerado de imagens possui pessoas em pé, sentadas às mesas com garrafas e copos à sua frente, homens – um fumando – e mulheres, pessoas em pé e agachadas, fazendo pose à câmera. Também há pessoas em pé ao lado de pessoas sentadas, ao mesmo tempo, num mesmo enquadramento. A disparidade de equidades que perpassou a noção de um determinado caos na organização dos fotografados pressupôs a temática do evento que incitou o acontecimento social: o carnaval. Percebe-se que nas fotos em que houve menos organização de pessoas, apareceram sorrisos.

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Figura 11 Imagens do baile de carnaval no Yacht Club, na Tristeza. Ano XI – Número 244 – 1938

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Sorrir ou não durante o ato fotográfico tratou-se mais de uma questão estética ou moral-social? Alexandre Santos (1997) demonstrou que, na Porto Alegre do século XIX, o riso era algo contido e que especialmente mulheres de boa conduta deveriam evitá-lo durante o registro fotográfico. Mesmo com uma liberação moral do sorriso, com a permissão do termo, na década de 1930 um número expressivo de pessoas preferiu não sorrir. No caso das fotografias do carnaval porto-alegrense, o comportamento das pessoas foi regido de acordo com a organização dos corpos dentro do enquadramento fotográfico. Quanto mais disperso, mais alegre a pessoa demonstrou estar. Outra temática que passou a permear as fotografias da Revista do Globo foram os esportes. Inclusive, no capítulo anterior, foi mencionado um editorial de Érico Veríssimo a respeito exclusivamente da evolução da prática de esportes em Porto Alegre. Uma evolução que passava pelos clubes e que influenciava os mais jovens, em idade de desenvolvimento físico. Também podemos considerar que a prática de esportes também se constituía num ato de sociabilidade, tanto por parte de quem o pratica como da parte de quem era expectador da prática. A edição de número 21, da Revista do Globo, do ano de 1929, trouxe numa de suas páginas, abaixo das fotografias sobre os Grandes Prêmios de Turfe, imagens do Campeonato da AMGEA, Associação Metropolitana Gaúcha de Esportes Atléticos. No clássico Grêmio versus Internacional, vitória gremista por 2x1.

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Figura 12 Destaques para o turfe e para o Gre-Nal realizado no Moinhos de Vento. Ano I – Número 21 – 1929

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A disputa entre Grêmio e Internacional foi realizada no bairro Moinhos de Vento, conforme denota a legenda das fotografias. Nestas, as imagens do futebol, estão dispostas em quatro: uma da partida em andamento, outras duas de cada time em pose para a fotografia, e uma quarta do panorama da arquibancada. Na época, a disputa entre os times já atraía bastante público, conforme se pode perceber com a grande quantidade de chapéus dispostos lado a lado ao longo da arquibancada. E a posição do fotógrafo para esta última foto favorece a sensação de uma arquibancada cuja outra ponta, o final dela, foi difícil de enxergar. A edição de 1932, número 86, traz numa página dedicada aos esportes o título Foot-Ball, em inglês, conforme a grafia da época. As sete fotografias que ocupam a página apresentam quatro times de futebol. Entre eles, Internacional, Cruzeiro, Americano e São José. Quatro times, quatro fotografias das equipes em pose para o fotógrafo. Outras duas fotografias são dedicadas aos jogos em andamento: a primeira do Americano contra o São José, com vitória do primeiro, e a segunda de Cruzeiro contra Internacional, com vitória do segundo. Nesta última partida, duas imagens ocupam um mesmo retângulo, sendo uma delas um belo flagrante de gol. Os fotógrafos que captam imagens de eventos esportivos geralmente buscavam o registro de pessoas em movimento. A bola ao ar, entrando no ângulo da goleira, revela o movimento da imagem que é estática. O mesmo acontecia para os atletas que eram flagrados no ar, dando indício de movimentação. 154

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Figura 13 Clubes de futebol, entre eles o Internacional, em disputas na capital. Ano IV – Número 86 – 1932

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Na edição 204, do ano de 1937, chamou a atenção nas páginas da Revista do Globo um evento esportivo que se denominou Travessia de Porto Alegre a Nado. A reportagem traz seis fotografias, sendo quatro delas dispostas levemente inclinadas, à direita ou à esquerda. Todas as fotografias foram acompanhadas de suas respectivas legendas que identificavam ou não os indivíduos que foram fotografados. No canto inferior esquerdo da página, ainda havia uma breve descrição sobre o evento, a qual está abaixo reproduzida em parte. Teve o mais completo êxito “A Travessia de Porto Alegre a Nado”, organizada pela Liga Nautica Rio Grandense. O certamen foi dividido em duas provas – “Revista do Globo” e “Tonico Bayer”, concorrendo à primeira 13 nadadoras e à segunda 58 nadadores. As duas provas revestiram-se do maior interesse. Os competidores eram nadadores de real valor e realizaram uma das “nadadas” mais sensacionais, mantendo em suspenso a grande multidão apinhada na margem do Guaiba (A Travessia de Porto Alegre a Nado. In: Revista do Globo. Ano IX, N. 204, 1937)

Todas as fotografias foram tiradas a céu aberto. Ou seja, estão bem iluminadas, pois o dia da realização do evento foi presenteado com muita luz solar. Duas das fotografias foram dedicadas aos campeões, tanto da modalidade masculina, quanto da feminina. Uma fotografia foi dedicada exclusivamente ao registro da imagem dos juízes das provas e dos diretores de alguns dos clubes, os quais concorriam com seus representantes. Das outras duas fotos, uma registrou parte do público presente e, a outra, algumas das mulheres, com fisionomias um tanto abatidas, que concorreram à prova.

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Figura 14 Evento de natação em Porto Alegre na década de 1930. Ano IX – Número 204 – 1937

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Em mais uma disputa entre Grêmio e Internacional, cujo uso do termo Gre-Nal já estava em voga, a Revista do

Globo publicou mais um conjunto de fotografias registrando o confronto. Com o título de O Último Gre-Nal, no início da página e entre as duas primeiras fotografias, a revista informou, no texto a seguir, localizado um pouco mais ao centro da página e ocupando o espaço de um “T”, que se tratava de uma partida oferecida pelo jornal Diário de Notícias. A matéria em texto trouxe em detalhes algumas descrições a respeito das fotografias, uma vez que este teve o papel de substituir as legendas, que foram suprimidas. Nas palavras que foram escritas para comentar a iniciativa e o resultado da partida: Verdadeiramente espetacular a última partida realizada entre o Grêmio e o Internacional, em disputa da Taça oferecida pelo “Diário de Notícias”. A vitória coube merecidamente ao clube colorado, pelo alto score de 5 a 2 (O Último Gre-Nal. In: Revista do Globo. Ano XI, N. 258, 1939).

As fotografias da vitória do Internacional tiveram duas imagens das equipes entrando em campo, cinco fotografias de jogo em andamento e duas fotografias de público, sendo uma delas da Tribuna da Imprensa. Os comentários relatavam, por exemplo, a defesa do goleiro colorado, Julio, “quando praticava uma de suas defesas magistrais”, e o vôo característico de Edmundo “keeper”, goleiro gremista, “que foi bastante infeliz neste jogo”. A forte rivalidade que já datava à época, apenas de três décadas, chegou contemporaneamente ao seu centenário.

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Figura 15 Imagens de um Gre-Nal com grande público pela Taça Diário de Notícias. Ano XI – Número 258 – 1939

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Enlaces foi o nome da coluna da Revista do Globo dedicada ao registro de casamentos de membros da sociedade porto-alegrense ou de outras cidades do interior do estado. A notícia dos casamentos sempre vinha acompanhada com algumas fotografias da cerimônia. Na edição 25, do ano de 1930, a revista publicou o registro do casamento de Moyses Vellinho e Lygia Gomes Torres. Ao contrário do que geralmente costumava-se fazer nesta coluna, o periódico dedicou uma página inteira para a distribuição das fotografias, que somavam em número de quatro ao todo. As fotografias estavam devidamente acompanhadas de legendas, todas inseridas no final da página. As legendas foram numeradas de um a quatro e, apesar do fato de que as imagens não tinham os registros dos números, poder-se-ia acompanhar a seqüência na ordem de leitura textual, ou seja, da esquerda para a direita, de cima para baixo. O casamento ocorreu na capela São José. A primeira fotografia foi posada, e registra os noivos de braços dados no altar, sendo que o noivo segura seu chapéu com a outra mão, enquanto a noiva um buquê de flores. A segunda fotografia, também posada, registrou somente a noiva em sua residência, segundo denota a legenda. A terceira foto registra o cortejo nupcial saindo da igreja, numa perspectiva panorâmica de todo o espaço eclesiástico. E a última, uma imagem da recepção do casamento, em residência que se situava na Rua Independência.

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Figura 16 Na coluna Enlace, o registro de casamento na Capela de São José. Ano II – Número 25 – 1930

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As fotografias de crianças foram uma constante nas revistas ilustradas do início do século XX. Acompanhando as tendências temáticas dos demais periódicos do Rio de Janeiro, por exemplo, a Revista do Globo dedicou um espaço privilegiado para divulgar imagens de crianças oriundas da sociedade porto-alegrense e gaúcha, de uma maneira geral. Geralmente, as imagens de crianças ocupavam de uma a três páginas, salvo os casos em que apareciam em meio a uma miscelânea de outros temas. A pedagogia da legenda identificava a origem da criança, informando o nome de seus pais, cujos sobrenomes identificavam a família da qual a criança se originava. Conforme mencionado anteriormente, pelo menos nas edições da década de 1930 da Revista do Globo, não foi possível identificar nenhuma criança fotografada, que figurasse este espaço, que fosse de etnia afro-descendente. Isso reforça a idéia de que as fontes históricas sempre devem ser confrontadas com outras fontes para que não respondam sobre o passado apenas por elas mesmas. Comprovadamente, através de dissertações de mestrado e teses de doutorado, havia a presença de pessoas de etnia negra em Porto Alegre, mas aqui na Revista do Globo, pelo menos no que concerne ao mundo infantil, estas imagens estão ausentes. Na edição de número 172, do ano de 1935, encontramos três fotografias que registram as imagens de quatro crianças. As fotografias em pose são acompanhadas de um pequeno texto que narra a origem e um pouco do contexto do ato fotográfico.

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Figura 17 As crianças também tinham um espaço privilegiado na revista. Ano VII – Número 172 – 1935

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A origem das famílias das crianças fotografadas poderia ser tanto de Porto Alegre quanto do interior. Esta informação vinha sob a forma de legenda explicativa, que acompanhava as imagens geralmente logo abaixo da fotografia. Não existem muitas informações sobre os fotógrafos que realizaram o registro fotográfico. No caso das crianças da página anterior (figura 17), há menção no texto, ao menos sobre as últimas fotos, de que os pequenos foram convidados pela revista para uma sessão de fotografias. Todavia, pode se supor que na maioria dos casos as famílias enviassem à redação da revista fotografias já reveladas, registrada em âmbito pessoal, enquanto instrumento visual que guardaria a lembrança de uma pessoa em sua idade infantil. Ainda na década de 1920, as redações dos jornais e revistas ilustradas não possuíam fotógrafos no quadro de seus empregados. As imagens veiculadas eram oriundas de free-lancers que vendiam fotografias para as redações. Apesar do avanço das empresas jornalísticas da década de 1920 para 1930, acredita-se que o quadro funcional destas ainda não possuía uma estrutura apropriada de fotógrafos-repórteres. A maioria das fotografias das crianças era realizada em estúdios, o que indica uma preparação do modelo infantil para o registro fotográfico. Em alguns casos, havia cenários que lembravam ainda a fotografia do século XIX. A frequente presença deste tipo de fotografia na Revista do Globo indica uma boa aceitação do seu público pela temática.

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Figura 18 Crianças de Porto Alegre ao lado de crianças de outras cidades. Ano XI – Número 260 – 1939

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Uma tipologia parecida com os retratos infantis, mas voltado para outro tipo de público, são os retratos fotográficos femininos. Contrariamente às imagens que enquadravam grandes grupos, essa modalidade de fotografia privilegiou o sujeito em sua individualidade. É uma imagem que se aproxima do rosto da pessoa e que geralmente a enquadra em meio corpo, da cabeça até a altura do abdômen. A presença da mulher é absoluta neste tipo de imagem. Na edição de número 50, da Revista do Globo, no ano de 1931, esta modalidade de fotografia foi publicada sob o título Sociedade Rio Grandense. Nas imagens fotográficas que aparecem, todas são mulheres, estão retratadas individualmente no enquadramento fotográfico e suas legendas informam sobre o pronome de tratamento – que poderia ser senhora para casadas ou senhorinha para solteiras –, sobre seus nomes e sobre sua cidade de origem. Nesse caso, juntamente com representantes da sociedade de Porto Alegre, temos mencionadas as cidades de Rio Pardo e Candelária. Chama a atenção que mesmo no caso dos últimos retratos, em que todas as mulheres pertencem à mesma família, conforme indicação do sobrenome, o registro de suas imagens foi feito individualmente. É possível afirmar que o retrato fotográfico desta modalidade abrangia o universo iconosférico da cultura visual porto-alegrense da época, constituindo-se em apenas uma parcela de todo um universo de possibilidades visuais.

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Figura 19 Senhoritas de Porto Alegre dividiam espaço com moças do interior. Ano III – Número 50 – 1931

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O que marcou esta modalidade de retrato foi o destaque, a partir de sua natureza, dado à pessoa fotografada. Mesmo que não se trate de uma personalidade pública, política ou das letras, existe uma determinada intenção em dar a conhecer a pessoa que ali está representada e que, por vezes, é desconhecida de um grande público. É interessante lembrar que quem abriu esta modalidade de fotografia na Revista do Globo, em sua primeira edição de 1929, foi a esposa de Getúlio Vargas. Outra questão para se analisar é a de que em alguns casos, além da identificação das mulheres – com a informação de seu pronome de tratamento, nome, sobrenome e cidade de origem – também sucedia o nome masculino ao qual ela estava ligada. Por exemplo, no caso de Darcy Vargas, a informação de seu estado civil: esposa do presidente do Estado, Getúlio Vargas. Esse é um caso extremo, dada a popularidade à época do governador do Rio Grande do Sul. Outras situações encontradas nesta tipologia de fotografias que foram publicadas na Revista do Globo, além da vinculação ao nome masculino é a informação adicional do cargo profissional que o homem desempenhava. Esses vestígios denotam que as mulheres, mesmo figurando em boa parte das imagens fotográficas, não tinham uma participação no capital, nas relações de trabalho e na autonomia do lar. Vale lembrar que nas fotografias de personalidades políticas não havia mulheres, assim como na imagem que registrou a redação da revista não houve vestígio visual do sexo oposto.

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Figura 20 Retrato da esposa de Getúlio Vargas, a senhora Darcy Vargas. Ano I – Número 1 – 1929

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À fotografia de mulheres atribuía-se uma determinada noção estético-cultural de beleza. Foi das mulheres o maior número de fotografias que possuíam como enquadramento o rosto. A tendência no lado masculino era mais recorrente em imagens que vinham em sua grande parte dos Estados Unidos, decorrentes da divulgação de filmes e elenco de atores das grandes empresas de Hollywood. Contudo, ainda possuía muita resistência no que concerne ao âmbito da vida social. Na edição de número 160, do ano de 1935, temos um exemplo de página inteira de uma fotografia de rosto, que aponta bem os traços fisionômicos da face da pessoa fotografada. O título para a coluna fotográfica desta vez foi denominado como Galeria Social. E aqui tivemos um dos poucos momentos em que o fotógrafo assinou a sua produção, o que o identificou pelo nome de Azevedo Dutra. Cabe um estudo de maior fôlego sobre os agentes produtores de imagens fotográficas nesta época, realizando um levantamento de nomes para que, com o cruzamento com outras fontes, possam-se obter mais informações sobre a profissão. O retrato fotográfico que identifica a mulher pertencente à sociedade porto-alegrense, informando inclusive que ela estava solteira, tem certa aproximação com as imagens que eram veiculadas pela cultura cinematográfica. Aos poucos, a estética da representação das artes dramáticas chegava ao conhecimento da população da capital gaúcha por meio de filmes, reportagens e publicidade em geral.

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Figura 21 Em Galeria Social, retratos femininos de estúdio Ano VII – Número 160 – 1935

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Em meio à proliferação das casas especializadas em projeções de filmes, o rádio ganhava popularidade entre a população. Como se pode perceber, o exemplar de número 204, da Revista do Globo, do ano de 1937, traz uma coluna especial para os acontecimentos do rádio em Porto Alegre. Denominou-se a coluna com uma representação de letras artística com os dizeres Música no Ar, fazendo referência direta à forma tecnológica de emissão de sinais radiofônicos na capital. Acompanhada de uma fotografia de mais de meia página, a coluna veio acompanhada dos seguintes dizeres: Porto Alegre, porto de mar? É com esta perguntinha besta que todos os dias vemos nos jornais como si a gente não soubesse que Porto Alegre está no Guaíba, que resolvemos meter nosso entendidissimo bedelho no assunto. Si não somos técnicos em assuntos de engenharia, temos pelo menos sobrados conhecimentos de assuntos de rádio para afirmarmos que Porto Alegre é um porto... de ar. Perdoem a expressão, mas é assim mesmo. Porque quem lida com rádio, além de “viver no ar”, como se diz, sabe perfeitamente que o porto fluvial de que dispomos não comparece neste movimento de importação e exportação de artistas que estamos vivendo (Música no Ar. In: Revista do Globo. Ano IX, N. 204, 1937).

A reportagem fez menção à euforia pela qual Porto Alegre passava neste período. Aos poucos, destacavam-se os programas de rádio que começavam a aparecer na cidade, juntamente com os seus espetáculos de som teatrais, os quais eram transmitidos sem a necessidade de fios de cobre ou mesmo da presença física do emissor com relação ao seu receptor.

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Figura 22 Um espetáculo de rádio-teatro na capital, durante a década de 1930. Ano IX – Número 204 – 1937

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João do Rio, renomado escritor carioca do início do século, costumava denominar o rádio como uma espécie de Orfeu da modernidade. No Rio de Janeiro, na época capital federal, o rádio era popularmente chamado de “capelinha”, visto que se caracterizava num aparelho que emitia diálogos. A primeira transmissão do Brasil ocorreu durante a festa do Centenário da Independência, no ano de 1922. Em um primeiro momento, os equipamentos que compunham um aparelho de rádio eram caros e, principalmente por este motivo, ele encontrava dificuldades para se popularizar. Ficava, desta forma, restrito ao uso de pequenas elites sociais, que dispunham de capital financeiro para comprálo. Foi com o surgimento da radiodifusão, regulamentada no ano de 1932, que o rádio se consolidou definitivamente no Brasil. Neste sentido, os decretos do então presidente da República Getúlio Vargas foram cruciais para que o aparelho alcançasse popularidade. O rádio acompanha a história das telecomunicações no Brasil. Inicialmente as comunicações eram feitas com telégrafos, e posteriormente passaram a ser feitas através de centrais telefônicas para que as ligações fossem completadas. Com as inovações tecnológicas, foram possíveis os primeiros experimentos com o rádio, até o seu definitivo surgimento. Com o passar dos anos, a indústria e o comércio passam a definir os tipos de programação nas rádios, patrocinando programas, garantindo através da publicidade a sustentação dos programas, enquanto constituintes de uma iniciativa empresarial.

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Figura 23 O editorial da revista com destaque ao programas musicais de rádio. Ano IX – Número 206 – 1937

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O aparelho de rádio em funcionamento substituía a presença humana, ao mesmo tempo em que aguçava a imaginação de quem o ouvia. Com o rádio foi possível que a sociedade de Porto Alegre levasse para a sua casa um espetáculo que estava acostumada a ver somente nos teatros ou no cinema. Na edição 221, do ano de 1938, a Revista do

Globo trouxe uma série de cinco imagens de artistas desempenhando diversas atividades frente ao microfone das rádios. Um pequeno texto, localizado no canto superior esquerdo da página, traça um breve panorama sobre a cultura radiofônica da época. Porto Alegre passa por uma fase de grande intensidade radiofônica. Duas estações – a Rádio Sociedade Gaúcha e a Rádio Difusora, brindam atualmente os seus ouvintes com uma programação nova, diferente e movimentada. E o público todo acompanha com vivo interesse as revelações novas e contínuas que lhes oferecem os dois populares estúdios (Rádio. In: Revista do Globo. Ano X, N. 221, 1938).

As imagens fotográficas da Rádio Sociedade Gaúcha e da Rádio Difusora que foram publicadas na Revista do Globo destacam alguns dos artistas que compunham o quadro do elenco regional e de outras cidades brasileiras. Exclusivamente na Rádio Gaúcha, conforme informa a legenda da primeira fotografia, fazia sucesso entre os ouvintes o cantor Benedito Lacerda e o grupo Boêmios da Cidade. Dentre os demais artistas, tanto de Porto Alegre quanto de fora, foram mencionadas as Irmãs Meller, a Dupla Preto e Branco, Dalva Oliveira, Ivan Castro e o conjunto vocal Anjos do Inferno.

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Figura 24 Bastidores da Rádio Sociedade Gaúcha e Rádio Difusora. Ano X – Número 221 – 1938

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Outro veículo de comunicação de destaque na Porto Alegre da década de 1930 foi a Farroupilha. Devidamente, mereceu o registro da Revista do Globo em 1938. Duas fotografias informam visualmente sobre a emissora. A primeira uma fotografia de estúdio, com uma grande quantidade de comunicadores e cantores da empresa. A outra fotografia registrou a imagem da torre de transmissão da rádio. Um texto da revista trouxe algumas considerações sobre a Farroupilha: Sendo a última estação radiofônica instalada em Porto Alegre, é, desde a sua inauguração, uma das vanguardeiras no progresso radiofônico nacional. Desde o início de suas atividades, fez do seu microfone o transmissor artístico dos maiores valores do rádio no Brasil. Todos os astros máximos pisaram a sua sala doirada. Dentro de poucos dias, festejará o 3. aniversário do seu conjunto de rádio-teatro, sob a direção de Pery Borges e Estelita Bell, talvez o único programa no Brasil que apresenta, diariamente, a média de um número novo por irradiação. A Rádio Farroupilha tem acompanhado todos os momentos nacionais e estrangeiros através os seus jornais falados, já organizando programas de acordo com as festividades cívicas, já pondo os seus ouvintes ao corrente de tudo que se passa no mundo e que interessa à coletividade brasileira (A Rádio Sociedade Farroupilha Ltda P.R.H. 2. In: Revista do Globo. Ano X, N. 242, 1938).

Juntamente com a reportagem, veio publicada uma reprodução de uma pequena circular assinada pelo diretor da rádio, agradecendo aos seus “favorecedores e amigos em geral” pela preferência que vinham dando à emissora. E, por intermédio da “simpática” Revista do Globo, a emissora desejou a todos os seus sinceros votos de Boas Festas e Feliz Ano Novo. 178

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Figura 25 Fotografia de programa na Rádio Sociedade Farroupilha. Ano X – Número 242 – 1938

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Atualmente considerado como patrimônio histórico do município de Porto Alegre, o Auditório Araújo Vianna também ganhou as páginas da Revista do Globo em 1931, na edição 59. Antes de se situar no Parque Farroupilha, o auditório localizava-se onde hoje está a Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. E foi neste local, ao lado da Praça da Matriz, que ele foi fotografado e ganhou as páginas da revista. Mais que uma imagem de página inteira, a fotografia do auditório ocupou duas páginas, que abertas davam a visão da perspectiva da câmera. O registro mostra o auditório da capital com um grande público, em evento que foi promovido pela Municipalidade, segundo a legenda da Revista do Globo. O grupo em questão foi o Coro dos Cossacos do Don, cujo posicionamento no palco está bem nítido ao registro fotográfico, mesmo que de uma longa distância. Ao fundo do Auditório Araújo Vianna foi possível ter uma visão das residências da cidade à época, dando uma noção urbanística da capital neste período. O Araújo Vianna foi inaugurado originalmente neste local em 1927, com uma capacidade para aproximadamente 1200 pessoas. Mas foi somente em 1964 que ele foi transferido para onde se localiza atualmente, na Avenida Osvaldo Aranha, no Parque Farroupilha. Em 1931, ano em que foi publicada esta sua foto (figura 26) na Revista do Globo, ele completava apenas quatro anos de existência. Caracterizouse desde cedo como um importante espaço da cultura, abrigando apresentações dos mais variados gêneros para a população de Porto Alegre. 180

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Figura 26 Público no Auditório Araújo Vianna em evento da Municipalidade. Ano III – Número 59 – 1931

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Já na edição de número 80, publicada no ano de 1932, a Revista do Globo trouxe um conjunto de imagens das margens do Guaíba – o rio que geograficamente denominase de lago. Tratou-se de um conjunto de seis fotografias, as quais receberam o título À Beira do Guahyba... Todas as imagens foram acompanhadas por breves legendas que orientavam o leitor da revista a observar melhor os aspectos paisagísticos das margens da cidade. Muito interessante foi a primeira legenda, que mostrando duas mulheres retirando das águas uma pequena embarcação, mencionou que “não é Miami, nem Biarritz [Biarritz], nem Deauville – mas simplesmente uma encantadora praia do nosso Guahyba”. Percebe-se no diálogo das legendas com a fotografia um forte tom de ironia, não necessariamente pejorativo, mas exagerado na forma de se expressar. Na imagem ao lado, por exemplo, um barco de nome Wiking cuja legenda aponta como “barco corsário”. Uma espécie de jogo de palavras, o que, até certo ponto, era comum na linguagem da época. Na fotografia abaixo, a legenda informa que “a canoa virou... mas Deus é brasileiro e o Guahyba é camarada”. A outra informa que o conteúdo da imagem fotográfica “parece o oceano, mas é o Guahyba, na Pedra Redonda, sim senhor”. Por fim, mais duas fotos: um panorama da Praia Ipanema, ótima para os dias em que os porto-alegrenses quase “morrem de insolação”; e outra imagem de banhistas refrescando-se às margens da cidade.

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Figura 27 Imagens do Guaíba, comparado à Miami, com vista de Ipanema. Ano IV – Número 80 – 1932

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Na edição de 13 de dezembro de 1933, a Revista do Globo trouxe uma série de imagens fotográficas de autoria de Octavio Wagner. Sua principal temática foi registrar alguns dos locais mais conhecidos de Porto Alegre, onde registrou também imagens dos transeuntes que por ali passavam. O título da apresentação das imagens chamou-se O

que minha objetiva fixou... A série de nove imagens iniciou-se pelos altos do Viaduto Otávio Rocha. Deu um bom panorama da recém inaugurada obra pública, que foi entregue à população fazia pouco tempo. A segunda fotografia visualiza o cais do porto, com um navio ao fundo e uma pessoa sentada, cujos dizeres da legenda mencionavam good-bye. A terceira imagem foi um perfil da Praça da Alfândega. A quarta fotografia mostrou quatro mulheres saindo da Galeria Chaves. Assim como a terceira imagem, a quinta também tem como temática a Praça da Alfândega, numa perspectiva um pouco diferente. A sexta mostra mais duas mulheres, desta vez no Parque da Redenção. E a sétima, oitava e nona imagens fotográficas mostram, respectivamente, uma perspectiva do bairro Moinhos de Vento, um flagrante da Rua dos Andradas e o monumento ao Gal Osório (este último, também na Alfândega). As fotografias de Octavio Wagner são muito interessantes para visualizarmos alguns aspectos urbanos da Porto Alegre da época. Todas as imagens são da área central da cidade, com exceção do bairro Moinhos de Vento, um pouco mais afastado.

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Figura 28 Fotografias de vários pontos da cidade, publicada em 1933. Ano V – Número 126 – 1933

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Na edição da Revista do Globo, publicada em 17 de novembro de 1934, exemplar 149, a temática da fotografia foi a mobilização da sociedade em torno do Dia de Finados. Duas semanas após o dia dedicado à lembrança dos mortos, imagens da cidade e da população que participou do rito religioso ganharam as páginas do periódico porto-alegrense. Foi uma série de fotografias que ocupou a página inteira e que tinha como título Religião, escrito sobre uma das fotografias que trazia a imagem do cemitério. Na legenda, a identificação das fotografias ocorreu da seguinte forma: Em cima, flagrantes do Dia de Finados, em que a população de Porto Alegre dirigiu-se, piedosa, para o Cemitério, para levar a seus mortos queridos uma flor e uma saudade. Embaixo, Cristo Rei passeando em procissão pelas ruas da capital (Religião. In: Revista do Globo. Ano VI, N. 149, 1934).

Além do Dia de Finados, tema da mencionada edição do periódico, outro acontecimento religioso da cidade que sempre esteve presente nas páginas da Revista do Globo foi a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes. Em quase todas as edições da década de 1930, há registro sobre a procissão. Nesta época, a imagem da protetora dos navegantes, sincretismo católico e afro-brasileiro, seguia pelo Guaíba, do cais do porto e a Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes, localizada na região do quarto distrito do município. As reportagens quase sempre eram de página inteira e davam destaque para as imagens fotográficas.

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Figura 29 A multidão caminha pelas ruas da capital no Dia de Finados. Ano VI – Número 149 – 1934

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As comemorações cívicas e militares assemelhavamse em sua estética de diagramação com a tipologia fotográfica das festividades religiosas. Contudo, tinham uma função social bem diferente. Numa época em que a política aflorava em ações militares, as comemorações cívicas constituíam-se em eventos importantes da agenda pública. Atraíam grande público às ruas e caracterizavam-se em expressivos espetáculos ao ar livre. Na edição de número 150, ano de 1º de dezembro de 1934, o destaque de página da Revista do Globo foi a comemoração em torno do Dia da Bandeira. A montagem diagramatical das imagens apresentou um conjunto que somava doze fotografias, em diferentes tamanhos, devidamente organizadas para ocupar todo o retângulo da página. Dividiram o espaço interno das fotografias pequenos desenhos, um da bandeira nacional, quase que invertida, e outro de cabeças de soldados prestando continência. O título das fotografias trazia também escrito sobre uma delas os dizeres Dia da Bandeira, em letras grandes, informando rapidamente ao leitor do que se tratava aquele conjunto de imagens com muitos militares com armas e bandeiras em punho. A legenda diz que o dia foi comemorado com “brilhantismo”, tendo a participação tanto das forças estaduais quanto federais, houve “tiros de guerra” e a participação de colégios e da população em geral. Não houve menção do local, mas os indícios visuais demonstram aspectos da Praça da Matriz.

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Figura 30 Comemorações do Dia da Bandeira em Porto Alegre. Ano VI – Número 150 – 1934

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De uma maneira geral, a fotografia de imprensa, como no caso da Revista do Globo, foi – e continua sendo – um produto determinado pelas propriedades técnicas e pelas leis da percepção visual, funcionando como uma espécie de jogo recíproco entre sua superfície e as condições do sistema nervoso ocular do indivíduo que a observa. Na dialética da apreensão, todo objeto visual se percebe sobre um fundo – contexto espacial – que interage com o tema principal da fotografia, formando uma noção de conjunto organizado. Na distribuição do espaço tipográfico da página de um periódico de imprensa, ainda temos a legenda, funcionando como um meio de enfatização para a criação de uma provável narração dos conteúdos da fotografia. A fotografia, então, foi o conflito entre um registro mecânico e a captação humana de estruturas significativas: o análogo apreendido pelas lentes em contraponto com um princípio de coerência captado pelo olhar, estabelecendo semelhanças com o real e atribuindo formas simbólicas ao conteúdo fotografado.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constituído em quatro partes, este livro traz um pouco da discussão teórica a respeito das imagens fotográficas e da cultura visual, algumas breves linhas sobre o contexto da década de 1930, uma visão panorâmica dos conteúdos da

Revista do Globo e, por fim, algumas das muitas tipologias fotográficas que demonstravam imagens da sociedade porto-alegrense. O período que abarcou de 1929 a 1939, recorte escolhido para a elaboração da pesquisa, caracterizou-se apenas como a primeira década da revista, cuja última edição foi publicada no ano de 1967. Ou seja, em quase quarenta anos de circulação, contar apenas uma década de história, mesmo que de maneira resumida, significa mostrar apenas um quarto de todo o conteúdo que esteve em circulação e que foi produzido em Porto Alegre. Desta maneira, mais do que um estudo que se fecha em si mesmo, Imagens da sociedade porto-alegrense: vida

pública e comportamento nas fotografias da Revista do Globo (década de 1930) é uma proposta para a realização de novas obras sobre a história visual de Porto Alegre. E dentro de uma gama ampla de possibilidades de análises dentro do

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contexto histórico da cidade, a Revista do Globo apresentase como apenas uma delas. Certamente, este não é o primeiro trabalho que utiliza o periódico gaúcho como recurso para a interpretação do passado, e muito menos será o último. Outros trabalhos, tenham eles este mesmo viés didático ou caráter de reflexão acadêmica, como no caso das dissertações e teses, devem ter sua produção incentivada, visto que muitos temas não foram abordados ou, quando foram, não tiveram uma reflexão adequada em sua plenitude. Isso demonstra a riqueza que os objetos visuais possuem para a realização de estudos históricos. Outro fato importante para se mostrar na Revista do

Globo é justamente aquilo que não esteve presente nela, representando os silêncios e os invisíveis da história. Caracterizou-se como uma publicação direcionada para um segmento específico da sociedade, como bem lembrou Érico Veríssimo em suas memórias, deixando, portanto, todos os outros segmentos sociais de Porto Alegre, e ainda mais do Rio Grande do Sul, fora desta visualidade. Devemos estar atentos ao que deve ser e, também, ao que não pôde ser visto. E para que possamos conhecer o silêncio e o invisível, a produção histórica nos é fundamental. Eis a importância da metodologia de cruzamento de fontes e informações para a constituição sempre de novas interpretações sobre o passado. O evento histórico em si é impossível de se recuperar completamente, mas o que muda será a forma como olhamos para este evento do passado, a

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partir das perguntas que nos instigam, a partir de nossas experiências na contemporaneidade. Foi possível perceber que a Revista do Globo buscou alinhar-se às linhas editoriais das principais publicações do gênero no país e, especialmente, fora dele. Dado o seu longo período de vida, a Revista do Globo foi contemporânea de periódicos como a Careta, O Cruzeiro e até mesmo a Manchete. Uma das principais características que diferenciaram as revistas dos jornais foi o tratamento com que as primeiras deram para o seu conteúdo visual. Entre os vários tipos de imagens existentes dentro destas revistas de variedades, a fotografia sempre teve um espaço privilegiado com relação às demais. As fotografias caracterizaram-se no artefato de representação por excelência das imagens da sociedade, fossem elas publicadas nas mais diversas tipologias possíveis. Eram nas fotografias que a sociedade se encontrava ou se identificava dentro do periódico, promovendo, assim, a sua imagem. As imagens da sociedade eram na maioria das vezes posadas e, portanto, idealizadas. Podemos dizer que a presença da câmera nos ambientes sociais permitiu o desenvolvimento de uma chamada cultura fotográfica, com a permissão do termo, que condicionou o corpo e o comportamento a padrões convencionalmente aceitos pelos segmentos sociais grupos. Ter a sua fotografia estampada nas páginas de uma revista, por exemplo, poderia significar uma promoção da imagem pessoal, atribuindo-lhe importância ou vinculando-a ao pertencimen-

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to de convenções determinadas conforme o status social imaginado. Se, por um lado, a Revista do Globo desempenhava um papel específico ao promover indivíduos ligados a setores da sociedade, por outro, no que diz respeito ao campo político, reforçou a imagem dos governantes. Em suas páginas havia constantemente fotografias de personalidade dos governos gaúchos, sejam eles municipais ou estaduais; quando da ascensão política de Getúlio Vargas a partir de 1930, trouxe fotografias de secretários federais e ministros da presidência da República, por exemplo. Foram muitos os espaços escolhidos para o registro fotográfico da sociedade porto-alegrense da década de 1930. Entre eles, estavam os cenários de estúdio, nos quais os retratos ganhavam significativo potencial estético. Além destes, os clubes sociais e demais lugares destinados à sociabilidade também foram palcos de registros fotográficos. Neste caso, uma dica para futuro estudos se refere à possibilidade de se mapear os locais preferidos para o registro visual pelos fotógrafos da Revista do Globo. E com o aprimoramento da tecnologia, o qual acompanhou o desenvolvimento das técnicas fotográficas, foi possível registrar várias imagens fora de ambientes fechados, como os clubes e os estúdios, por exemplo. Alguns eventos sociais, especialmente os esportivos, cívicos e culturais foram clicados sob a luz do dia, expandido o espaço restrito do estúdio fotográfico. Outro fator importante a ser destacado, certamente devido a dificuldade de apreensão da imagem fotográfica 194

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com pouca luz, é que as fotografias externas, em ambientes abertos, não foram, em sua maioria, realizadas durante a noite. A percepção que criamos sobre o passado, portanto, corre o risco de tornar-se aquela que somente se refere à circulação pública durante o dia, quando há luz natural. A noite, a partir desta percepção, esteve presente somente nos espaços sociais fechados, caracterizados pela luz artificial. Note-se pela ausência de footings noturnos. Enfim, como mencionado anteriormente, a intenção deste livro foi mais de abrir possibilidades para a reflexão de estudos futuros do que propriamente chegar a conclusões. E para aqueles que nunca tiveram a oportunidade de conhecer parte do conteúdo da Revista do Globo, eis uma boa ocasião. Além do texto, uma preocupação foi trazer um significativo número de imagens, visando que o conhecimento fosse produzido não somente no âmbito textual, mas também no visual. Espera-se que o livro tenha suscitado questões que façam o leitor recorrer aos nossos livros de História em busca de mais conhecimento. A produção constante de pesquisas sempre traz novidades sobre o passado cultural de nossa cidade. Também há uma expectativa de que este livro possa atingir os principais objetivos deste projeto: contribuir, mesmo que singelamente, para a preservação da memória da imprensa de Porto Alegre, e para o acesso da sociedade à produção histórica que aborda o panorama cultural da cidade.

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Imagens da sociedade porto-alegrense

ÍNDICE REMISSIVO DE IMAGENS

Ano V – Número 111 – 1933 .......................... 51 Ano V – Número 123 – 1933 .......................... 54 Ano II – Número 32 – 1930 ............................ 56 Ano II – Número 25 – 1930 ............................ 58 Ano II – Número 45 – 1930 ............................ 60 Ano VII – Número 169 – 1935 ........................ 63 Ano IX – Número 218 – 1937 ......................... 65 Ano IV – Número 78 – 1932 ........................... 67 Ano I – Número 1 – 1929 ............................... 73 Ano VI – Número 146 – 1934 ......................... 75 Ano X – Número 221 – 1938 .......................... 77 Ano I – Número 1 – 1929 ............................... 79 Ano V – Número 105 – 1933 .......................... 81 Ano VIII – Número 179 – 1936 ....................... 83 Ano I – Número 3 – 1929 ............................... 85 Ano I – Número 09 – 1929 ............................. 87 Ano V – Número 127 – 1933 .......................... 89 Ano XI – Número 258 – 1939 ......................... 91 Ano XI – Número 270 – 1939 ......................... 93 Ano III – Número 51 – 1931 ........................... 95

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Cláudio de Sá Machado Júnior

Ano VI – Número 139 – 1934 ......................... 97 Ano X – Número 241 – 1938 .......................... 99 Ano XI – Número 259 – 1939 ....................... 101 Ano I – Número 14 – 1929 ........................... 103 Ano II – Número 29 – 1930 .......................... 105 Ano V – Número 112 – 1933 ........................ 107 Ano VII – Número 155 – 1935 ...................... 109 Ano X – Número 227 – 1938 ........................ 111 Ano I – Número 9 – 1929 ............................. 113 Ano I – Número 2 – 1929 ............................. 115 Ano III – Número 55 – 1931 ......................... 117 Ano X – Número 239 – 1938 ........................ 119 Ano I – Número 11 – 1929 ........................... 121 Ano IV – Número 90 – 1932 ......................... 123 Ano II – Número 31 – 1930 .......................... 125 Ano IV – Número 82 – 1932 ......................... 127 Ano V – Número 116 – 1933 ........................ 129 Ano I – Número 2 – 1929 ............................. 133 Ano III – Número 63 – 1931 ......................... 135 Ano V – Número 126 – 1933 ........................ 137 Ano IX – Número 208 – 1937 ....................... 139 Ano II – Número 31 – 1930 .......................... 141 Ano II – Número 35 – 1930 .......................... 143 Ano V – Número 105 – 1933 ........................ 145 Ano V – Número 120 – 1933 ........................ 147 Ano X – Número 236 – 1938 ........................ 149 Ano XI – Número 244 – 1938 ....................... 151 206

Imagens da sociedade porto-alegrense

Ano I – Número 21 – 1929 ........................... 153 Ano IV – Número 86 – 1932 ......................... 155 Ano IX – Número 204 – 1937 ....................... 157 Ano XI – Número 258 – 1939 ....................... 159 Ano II – Número 25 – 1930 .......................... 161 Ano VII – Número 172 – 1935 ...................... 163 Ano XI – Número 260 – 1939 ....................... 165 Ano III – Número 50 – 1931 ......................... 167 Ano I – Número 1 – 1929 ............................. 169 Ano VII – Número 160 – 1935 ...................... 171 Ano IX – Número 204 – 1937 ....................... 173 Ano IX – Número 206 – 1937 ....................... 175 Ano X – Número 221 – 1938 ........................ 177 Ano X – Número 242 – 1938 ........................ 179 Ano III – Número 59 – 1931 ......................... 181 Ano IV – Número 80 – 1932 ......................... 183 Ano V – Número 126 – 1933 ........................ 185 Ano VI - Número 149 – 1934 ....................... 187 Ano VI – Número 150 – 1934 ....................... 189

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Cláudio de Sá Machado Júnior

Financiamento

A composição deste livro somente foi possível com o auxílio da Prefeitura de Porto Alegre, através do Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural, o FUMPROARTE, vinculado à Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre. O projeto cultural concorreu à seleção pública na Comissão de Avaliação e Seleção – CAS, em 2006. A realização foi aprovada e as atividades iniciadas em 2007. O livro e a prestação de contas foram concluídos em 2009. A distribuição deste exemplar deve ser gratuita, conforme a proposta do autor, sendo proibida a sua comercialização.

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