Imagens no jornalismo cultural: um estudo exploratório do caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo

June 4, 2017 | Autor: Ariel de Oliveira | Categoria: Journalism, Image Analysis, Leitura De Imagens, Jornalismo Cultural
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      SBPJor  –  Associação  Brasileira  de  Pesquisadores  em  Jornalismo   9º.  Encontro  Nacional  de  Pesquisadores  em  Jornalismo   (Rio  de  Janeiro,  ECO-­‐  Universidade  Federal  do  Rio  de  Janeiro),  novembro  de  2011  

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Imagens  no  jornalismo  cultural:     um  estudo  exploratório  do  caderno  Ilustrada     da  Folha  de  S.  Paulo   Ana Gruszynski 1 Cristiane Lindemann2 Ariel Oliveira 3 Patrícia Damasceno4 Danusa Oliveira5 Resumo: Este artigo apresenta parte dos resultados da pesquisa Entre o pixel e o papel: a comunicação visual nos suplementos culturais de jornais impressos na contemporaneidade, em andamento no Laboratório Eletrônico de Arte & Design (LEAD) da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Fabico/UFRGS). Esta visa identificar tendências no planejamento gráfico de jornais impressos brasileiros, com foco no segmento de cultura. O estudo exploratório apresentado neste trabalho discute de que modo a imagem é utilizada no caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo. A análise do mês de setembro 2009 permitiu-nos fazer algumas aferições sobre a representação da cultura através das imagens na sua relação com o projeto gráfico. Dentre os aspectos avaliados, destaca-se o baixo número de fotografias produzidas pela equipe do jornal e a força da publicidade em detrimento do conteúdo editorial. Palavras-chave: jornalismo cultural; Folha de S. Paulo; imagem; fotografia; planejamento gráfico.

1. Introdução A forma do jornal cristaliza uma série de relações representativas que evidenciam os modos como uma publicação imagina e propõe suas estratégias de mediação, afirmam Barnhust e Nerome (2001). Entendida como tudo aquilo que é elaborado para compor a aparência das notícias, compreende a noção de que cada mídia comporta um modelo proposto ou normativo do próprio meio, ou seja, em seu arranjo material, estrutura e formato, reitera um ideal para si, um modo como se imagina sendo e agindo. Uma 1 Jornalista e designer. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM/UFRGS). Pesquisadora do CNPq. E-mail: [email protected] 2 Jornalista. Doutoranda no PPGCOM/UFRGS. Bolsista Capes. E-mail: [email protected] 3 Jornalista. Bolsista Iniciação Científica do CNPq (2009-2011) na Fabico/UFRGS. E-mail: [email protected] 4 Publicitária e designer. Mestranda no PPGCOM/UFRGS. Bolsista Capes. E-mail: [email protected] 5 Publicitária. Mestranda no PPGCOM/UFRGS. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected]

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vez que o que é idealizado não corresponde necessariamente à descrição material do jornal, tampouco há uma relação efetiva entre o que ocorre e as relações entre mundo e público que a forma constitui, no presente artigo vamos problematizar relações entre o planejamento gráfico de jornais impressos e a representação da cultura a partir de um estudo exploratório do caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo (FSP). Buscamos sistematizar e discutir resultados preliminares da pesquisa Entre o pixel e o papel: a comunicação visual nos suplementos culturais de jornais impressos na contemporaneidade – Um estudo sobre os jornais Folha de São Paulo e Zero Hora, que está sendo desenvolvida no Laboratório Eletrônico de Arte & Design (LEAD) da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (FABICO) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com o apoio do CNPq. Esta tem como objetivo geral identificar tendências no planejamento gráfico de jornais impressos brasileiros na contemporaneidade, com foco no segmento de cultura dos periódicos indicados. Tendo completado 90 anos6 de existência em 2011, a FSP é resultado da fusão dos títulos Folha da Noite (1921), Folha da Manhã (1925) e Folha da Tarde (1945), ocorrida em janeiro de 1960. A Ilustrada – foco do presente texto – começou a circular em 1958 nos três veículos. O jornal hoje pertence ao Grupo Folha e tem em sua trajetória significativos investimentos na área tecnológica. Em 1986, a FSP assumiu a liderança na imprensa diária brasileira como o jornal de maior circulação do país – posto ocupado por 24 anos7. Ainda na década de 1980, publica seu novo projeto editorial, onde afirma “que tem como política, além de um jornalismo crítico, apartidário, moderno e pluralista, implantar um jornalismo de serviço e adoção de novas técnicas visuais” (FOLHA, 2011, p. 10). Em 1992 e 1997 são realizadas outras duas reformulações gráficas – com a primeira, a capa passa a circular em cor todos os dias e são lançados o caderno Mais! e a 6

O site relativo a data comemorativa pode ser acessado em http://www1.folha.uol.com.br/folha90anos/ Um levantamento do IVC divulgado em janeiro de 2011 mostra a perda da liderança do jornal Folha de S. Paulo no ranking das maiores circulações. O primeiro posto nas vendas foi ocupado por um jornal de caráter popular: o Super Notícia (Belo Horizonte/MG). Enquanto a Folha manteve estabilidade, na casa dos 294 mil exemplares por edição, o Super Notícia cresceu 2%, atingindo média de 295 mil (Meio & Mensagem online 24/01/2011). No entanto, o diretor-executivo da Folha de S. Paulo declarou que os jornais de prestígio estão estacionados em um patamar que deve se manter nos próximos dois ou três anos. (CAPERUTO, 2011) 7

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Revista da Folha; posteriormente, atualizam-se reflexões sobre a situação do jornalismo e manifestam-se intenções para o futuro do jornal por meio de um “jornalismo mais interpretativo, complexo, desestatizado e humano” (FOLHA, 2011, p. 10). Já no século XXI, a publicação reformulou seu projeto gráfico em três momentos: 2000, 2006 e 2010. A primeira mudança visou deixar mais evidente a hierarquia das notícias; a segunda – conduzida por Mario García, ícone internacional do design de jornais – teve como slogan “Um jornal em duas velocidades: 5 minutos ou 50.” Foi estabelecida com base na promessa de que o leitor encontrará com mais facilidade as notícias que lhe interessam por meio de instrumentos de “navegação”. Os exemplares analisados no presente estudo são desse período. A reforma de 2010, por sua vez, foi coordenada por Eliane Stephan. Ancorado em mudanças editoriais, o projeto incluiu novos colaboradores, segundo a proposta de pluralismo. Em termos visuais retornaram blocos de textos com tamanhos definidos, a hierarquia do noticiário buscou privilegiar a diferenciação de matérias de destaques e notícias que não são exclusivas do periódico, sobretudo por meio da tipografia. A quantidade de texto foi reduzida, o corpo dos tipos aumentou de tamanho. No segmento de cultura, a Ilustríssima se tornou o caderno dominical que substituiu o Mais! com a promessa de dedicação à cultura, à ciência e a reportagens ensaísticas, destacando-se pela “narrativa de alta qualidade e desprovida de jargões acadêmicos, que torne fluente e prazerosa a leitura de textos de maior fôlego”8. Considerando a preocupação do jornal em explicitar seu projeto editorial em seus variados desdobramentos – constituindo assim uma imagem de si e dando visibilidade a ela, sobretudo a partir da década de 1980 – bem como a sua relevância como veículo no país, conforme dados brevemente apresentados acima, justificamos sua escolha como objeto de nossa análise.

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http://www1.folha.uol.com.br/poder/739259-ilustrissima-reune-ciencia-e-cultura-sem-jargao.shtml. Acesso em 29. jul. 2011. 3

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2. Um olhar sobre o jornalismo cultural Informar, explicar, disseminar conhecimento. Estes são alguns dos objetivos do jornalismo, se analisado por um prisma ideológico. Segundo Traquina (2005, p. 26), trata-se de uma atividade com propósito social, uma vez que “os jornalistas são participantes ativos na definição e na construção das notícias e, por consequência, na construção da realidade.” Por outro lado, segundo o autor, devemos considerar também a existência de um polo econômico, que tangencia toda a atividade jornalística, encarando-a como um negócio. Dentre suas especialidades, está o jornalismo cultural, que emerge historicamente no final do século XVII, conforme pesquisas do historiador Peter Burke (2004). Este pode ser definido como um campo que [...] domina as questões culturais da sociedade, as suas manifestações, os seus agentes, os seus mecanismos de expressão, a legislação e as políticas públicas e privadas de fomento. O jornalismo cultural, amplo por sua natureza, pode se especializar ainda mais em uma área, como cultura popular, folclore, música, teatro, cinema, literatura, artes plásticas etc. (SOUZA, 2009, p. 82)

Segundo Anchieta (2009), o jornalismo cultural só se consolida no Brasil dois séculos depois, bem representado por Machado de Assis e José Veríssimo. A partir de então, segue conduzido por grandes nomes da literatura, política e filosofia. A autora assinala que, a partir dos anos 1950, os jornais brasileiros criaram o caderno de cultura como seção obrigatória em suas edições diárias e, especialmente, nos finais de semana. Contudo, o modelo dos “Segundos Cadernos” só se consolidou a partir da década de 1980. Ao longo do tempo, este produto se tornou influente na formação dos leitores. Em suas páginas disponibiliza grandes espaços dedicados ao entretenimento, com uma linguagem editorial e gráfica mais próxima a da revista e da televisão. Tendo como pauta de sua abordagem a indústria cultural, age como um filtro, priorizando algumas manifestações em detrimento de outras, participando da lógica mercadológica da divulgação de produtos. “A cultura apreendida por meio do discurso jornalístico é somente aquela capaz de virar notícia” (SEGURA; GOLIN; ALZAMORA, 2008, p.11-12).

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O jornalismo cultural, portanto, dinamiza, documenta, avaliza o sistema cultural, agindo na formação de públicos e fornecendo parâmetros para a interpretação da cultura de um determinado período e local. Por meio dos limites de suas escolhas editoriais e estratégias discursivas, realiza a função de mediação. O que é publicado pela imprensa pode nos guiar na visualização de um retrato do sistema cultural de uma determinada época, mas não teremos acesso, de fato, a tudo o que foi excluído na rotina de redação. Atualmente, segundo Piza (2009), três críticas assolam o jornalismo cultural: o excessivo atrelamento à agenda, o tamanho e a qualidade de textos, e a marginalização da crítica. Como veremos adiante, a escassez de produção fotográfica por parte da equipe do veículo e a disputa do espaço editorial com os anúncios também são, a nosso ver, questões que comprometem a qualidade do jornalismo cultural contemporâneo. Além disso, devemos atentar para o fato de que muitas publicações reduzem esta especialidade ao “colunismo cultural” ou “crítica social” (MARINHO, 2009, p. 73) ou, ainda, a tratam como mero espaço de entretenimento9 (SOUZA, 2009, p. 81). Na análise dos dados voltaremos a alguns destes aspectos. Para além dos entraves do jornalismo cultural, há que se considerar o potencial criativo e de experimentação deste lugar nos jornais impressos. Conforme Segura, Golin e Alzamora (2008), o espaço gráfico destes suplementos é, sob a perspectiva geral do projeto, aquele com apresentação visual mais arrojada, de forte apelo estético por meio do uso perspicaz das cores, tipografia, fotografias e ilustrações. Quanto ao texto, Braga10 observa que, neste caso, é menos objetivo, mais ligado a valores simbólicos representativos de uma cultura, onde a ideia de “acontecimento” é relativizada. “Não é o fato em si que gera a possibilidade de análises e interpretações, mas são as decisões interpretativas que geram, ou não, fato” (GADINI, 2009, p.12). Contudo, os critérios de noticiabilidade no jornalismo de cultura seguem os mesmos parâmetros do jornalismo tradicional:11

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“Podemos classificar hoje o entretenimento como: programação de filmes, televisão, emissoras de rádio, horóscopo, quadrinhos, enfim, os guias de lazer e diversão e atividades ligadas à indústria cultural.” (SOUZA, 2009, p. 81). 10 No texto de abertura do livro de Gadini (2009). 11 A expressão “jornalismo tradicional” é tomada aqui se referindo às demais editorias de um veículo, que não o caderno de cultura; uma visão geral da práxis jornalística. 5

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:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: atualidade, universalidade, interesse, proximidade, difusão, clareza, dinâmica, singularidade etc. – que, ao abordar assuntos ligados ao campo cultural, instituem, refletem e projetam modos de ser, pensar e viver dos receptores, efetuando assim uma forma de produção singular do conhecimento humano no meio social onde ele é produzido, circula e é consumido (GADINI, 2009, p. 81).

Em função dos aspectos explicitados, entendemos que o caderno de cultura é o espaço dos veículos que comporta material diferenciado e inovador em relação ao destinado a outras seções de um jornal. Interessa-nos verificar, pois, como isso se dá na FSP a partir de seu projeto gráfico.

3. As imagens e o projeto gráfico O projeto gráfico, ao conformar a materialidade de um periódico, estrutura a organização e hierarquia dos elementos informativos, segundo critérios de edição. Em linhas gerais, compreende o formato – ligado a especificações do suporte – e o espaço gráfico que dele deriva, que é organizado segundo um diagrama (grid). Nele são dispostos textos, imagens e recursos de apoio como fios e texturas, que tem na cor sua característica fundamental. Critérios compositivos, por sua vez, regem a articulação destes elementos embasados em princípios perceptivos que orientam a sintaxe da linguagem visual (DONIS, 1997). Estes, contudo, são condicionados por valores específicos do campo jornalístico, em que apelo estético e compromisso informativo tensionam as escolhas possíveis, muitas vezes também subordinadas à modulação comercial. As imagens têm lugar fundamental na composição dos jornais contemporâneos e são selecionadas a partir de estratégias e critérios editoriais, relacionando-se às informações textuais de modo direto ou, às vezes, atuando de maneira independente. A sua utilização está vinculada a uma rede de relações entre os signos textuais, plásticos e icônicos que provocam no leitor associações que transmitem mensagens sobre a identidade da publicação e sobre o conteúdo específico apresentado. 3.1 A fotografia na imprensa A fotografia surgiu na metade do século XIX, auge da efervescência científica e industrial, mas foi somente no século XX que passou a ocupar espaço, de fato, nos jor6

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nais diários – demora que se justifica, basicamente, por questões tecnológicas. Ampliaram-se, assim, as possibilidades descritiva e argumentativa do textual, pois o campo do visual permite estas mesmas funções, adicionadas de indicialidade, presença e testemunho (SILVA Jr. e QUEIROGA, 2010). Novaes (2005) corrobora com esta ideia, ao afirmar que a linguagem pode expressar o conceito, a negação, o possível, o passado e o futuro; a imagem, por sua vez, consegue representar o animal, mas não a animalidade; o ser vivo, mas não a vivência. A fotografia, portanto, a partir recursos próprios de sua linguagem, propicia experiências estéticas e informativas quando utilizada no jornalismo, expandindo aquela iniciadas com a presença das ilustrações nos periódicos. Vinculada histórica e culturalmente à noção de credibilidade, é enquanto traço do real, na relação de contigüidade entre signo e referente, que encontra sua singularidade em relação à outras imagens. Dentre os elementos que a constituem, destaca-se o enquadramento, que corresponde ao espaço da realidade visível nelas representado e que se concretiza no plano. Cientes da distinção entre denominações e tipologias existentes, adotamos a de Sousa (2002). Temos, então: (1) Plano geral: aberto e informativo, serve, principalmente, para situar o observador, mostrando uma localização concreta; (2) Plano de conjunto: plano geral mais fechado, onde se distinguem os intervenientes da ação e a própria ação com facilidade e por inteiro; (3) Plano médio: serve para relacionar os objetos/sujeitos fotográficos, aproximando-se de uma visão “objetiva” da realidade; (4) Grande plano ou primeiro plano: enfatiza particularidades, sendo frequentemente mais expressivo do que informativo. O autor também categoriza os ângulos de tomada de imagem, que classifica em normal, picado e contrapicado. Em nossa análise, contudo, optamos para avaliação do ângulo da tomada vertical a nomeclatura: (1) Normal/nível dos olhos: paralelamento à superfície, oferecendo uma visão “objetiva” da realidade representada; (2) De cima/plongè: de cima para baixo, tendendo a desvalorizar o elemento fotografado; (3) De baixo/contraplongè: de baixo para cima, valorizando o elemento fotografado. Quanto ao ângulo horizontal, temos (1) à esquerda; (2) à direita; (3) frontal. Em relação à presença ou não de movimento na fotografia, Sousa (2002) afirma que é possível escolher tra-

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var o movimento ou fazer um “escorrido”. No primeiro caso, é “congelado” um instante do movimento que animava o motivo; no segundo, explora-se um efeito de arrastamento, que, por vezes, resulta numa exploração eficaz da ideia de velocidade. Embora existam parâmetros que balizam a prática e conferem unidade ao campo, não existe um único estilo (foto)jornalístico. Cada veículo tem suas peculiaridades, suas maneiras de organizar os elementos compositivos que, juntos, darão unidade ao conteúdo. O estudo exploratório que realizamos busca, pois, problematizar as relações entre o projeto gráfico e a representação da cultura, com foco no papel das imagens, em especial a fotografia. Os dados aqui apresentados serão essenciais para as próximas etapas da pesquisa, orientando-nos em direção a uma melhor compreensão de como os jornais impressos brasileiros – em particular os suplementos dedicados à cultura – vêm reconfigurando a comunicação visual em suporte impresso tendo em vista sua inserção no âmbito do sistema midiático contemporâneo.

4. O estudo exploratório A partir da análise das edições de 1o a 30 de setembro de 2009, foi realizado o estudo exploratório do caderno Ilustrada, da FSP. Com base no referencial teórico, definimos as categorias da análise de conteúdo, metodologia utilizada não apenas para a descrição dos conteúdos, mas visando a “inferência de conhecimentos relativos às condições de produção” (BARDIN, 1977, p.38). A inferência é o procedimento intermediário, que permite a passagem, explícita e controlada, da descrição (enumeração das características do texto – definição de categorias), à interpretação (significação concedida a estas características). Iniciamos pela análise quantitativa, que nos permitiu perceber as tendências gerais da produção editorial e, em seguida, partimos para a análise qualitativa de alguns elementos. A primeira etapa da análise quantitativa teve por objetivo identificar o espaço dedicado à área editorial (74%) e à área de anúncios (26%). Já a relação entre texto, anúncio e imagens nas capas/contracapas dos suplementos ficou assim definida (Gráf. 1 e 2):

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Graf. 1: relação texto x anúncio x imagem nas capas de set. 2009

Graf. 2: relação texto x anúncio x imagem nas contracapas de set. 2009

As imagens ocuparam a maioria do espaço nas capas, chegando a 49%. Já nas contracapas este índice reduziu-se significativamente (Gráf. 2) – os anúncios ocuparam 44% do espaço e as imagens apenas 25%. Contudo, devemos atentar também ao fato de que, neste caso, a quantidade de texto foi mais expressiva, chegando a 31%. Num segundo momento, tabulamos a quantidade de imagens por edição nas categorias: fotos, ilustrações, infográficos, quadrinhos e charge (Gráf. 3). As fotos, classificamos conforme a autoria/procedência: Folha Imagem, Folha Imagem/Arquivo, Divulgação, Particular, Fotógrafo/Empresa, Fotógrafo/Agência, Reprodução, Sem Crédito e Outro (Gráf. 4).

Graf. 3: tipos de imagens

Graf. 4: fonte das imagens

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Graf. 5: ilustrações – lugar de publicação

Graf. 6: fotografias Folha Imagem – lugar de publicação

As ilustrações foram tabuladas em “colunas fixas” e “eventuais em matérias”, conforme local onde foram publicadas (Gráf. 5). Além disso, as fotos com crédito Folha Imagem foram separadas em duas categorias, conforme a página de publicação: “Mônica Bergamo” e “Restante do Caderno/Geral” (Gráf. 6). A decisão se justifica por entendermos que o propósito editorial da página assinada por Mônica Bergamo (MB)12 é diferente do restante do conteúdo do suplemento, mantendo, basicamente, uma finalidade que poderíamos chamar de colunismo social – o que acarreta mudanças na forma/design da página e na produção do material fotográfico. Melo (1994, p. 136) assim define coluna: Seção especializada de jornal ou revista, publicada com regularidade, geralmente assinada, e redigida em estilo mais livre e pessoal do que o noticiário comum. Compõe-se de notas, sueltos, crônicas, artigos ou textos-legendas, podendo adotar, lado a lado, várias dessas formas. As colunas mantêm um título ou cabeçalho constante, e são diagramadas geralmente numa posição fixa e sempre na mesma página, o que facilita a sua localização imediata pelos leitores.

Acrescentemos à definição as ideias de Alves Filho, para quem as colunas, assim como os artigos, se constituem como uma reação-resposta avaliativa e valorativa a acontecimentos recentes que dizem interesse aos centros de poder. “Nesse sentido, ambos se constituem como gêneros cuja circulação encontra-se diretamente ligada às elites – tanto os autores como os leitores legitimamente constituídos pertencem a segmentos sociais de elite” (ALVES FILHO, 2005, p. 127). O autor assinala que a coluna de MB 12 Repórter especial da Folha de S. Paulo desde 1999, a jornalista é responsável pela coluna da página E2 do caderno Ilustrada, onde publica informações de diversas áreas, como poder, moda e coluna social.

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tematiza assuntos bem diferentes entre si, em várias notas, associando função informativa e opinativa, sem predomínio de uma ou de outra. Podemos observar ainda, no referido caso, que a fronteira entre o conteúdo noticioso e opinativo não é bem definida. Esta afirmativa não se refere apenas ao discurso manifesto (texto e fotografia), mas também às regras que norteiam a seleção da pauta. Se avaliássemos os critérios de noticiabilidade, provavelmente constataríamos que não seguem os padrões jornalísticos tradicionais, como impacto e relevância social, interesse público, etc. No caso da coluna de MB (Fig. 1 a 8), a função primeira é, sim, informar, mas os critérios são outros, como curiosidades, fatos pitorescos, amenidades e, principalmente, particularidades da vida de “famosos”. O que importa não é o evento, mas quem esteve no evento.

Fig. 1: p.E2, 06 set.

Fig. 2: p. E2, 11 set.

Fig. 3: p. E2, 08 set.

Fig. 4: p. E2, 09 set.

Fig. 5: p. E2, 11 set.

Fig. 6: p. E2, 09 set.

Fig. 7: p. E2, 13 set.

Fig. 8: p. E2, 20 set.

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As imagens presentes na coluna de MB ilustram a constatação de Buitoni (2011, p.6) quanto à contradição existente entre quantidade e qualidade: em meio a um grande número, “fotografias de grande qualidade estética e/ou informativa são relativamente poucas. A facilitação da tecnologia e a pressão do tempo fazem com que as imagens dos jornais, revistas e do jornalismo na Internet venham perdendo qualidade, ao invés de se aperfeiçoarem, como seria de supor, quando nos deparamos com tantas ferramentas e equipamentos.” Segundo Sousa (2004), já no final dos anos 1930, apesar da proliferação do fotojornalismo, ainda permanecia o uso de parte das imagens para [...] o que designo por pseudo-fotografias-jornalísticas, isto é, fotografias encenadas, fabricadas especificamente para serem objeto de discurso fotojornalístico, especialmente por políticos e seus promotores de notícias (news promoters), ou fotografias-mediáticas, fotos do mesmo tipo das anteriores mas que retratam situações que ocorreriam mesmo sem a presença de (foto) jornalistas. (SOUSA, 2004, p. 104)

Se em cada página de MB há a preocupação de dar destaque a uma imagem que detém um tratamento especial, a grande maioria repete uma mesma lógica de produção. Vale lembrar os dados do Graf. 6 onde 76% das imagens creditadas à Folha Imagem são desta coluna. O diferencial no conteúdo editorial da página E2 acarreta também mudanças no aspectos composicionais, estilísticos e, portanto, no resultado visual do produto. Textos curtos, fotos-legendas, mais fotos do que textos, fotografias recortadas ou em tamanhos expressivos são alguns dos recursos utilizados com frequência em espaços que comportam colunas sociais. A análise das fotografias nas edições levou em consideração enquadramento, ângulo de tomada (horizontal/vertical) e presença ou não de movimento. Em relação ao enquadramento (Graf. 7 e 8), detectamos na página E2 a expressiva quantidade de fotos em plano médio (91%). A pequena incidência de plano conjunto e primeiro plano se justifica pelo perfil do conteúdo desta página, conforme debatemos anteriormente. A intenção primeira é destacar personagens – seja por ações realizadas, seja pela popularidade que tem. Tais questões, aqui apenas indicadas, deverão ser oportunamente aprofundadas.

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Uma imagem fotográfica é, em síntese, uma relação de espaço (localização) e de tempo (época). Fotografias que enfatizam singularidade e personalização, reiteram um critério próprio ao campo cultural: a crença coletiva no valor do criador, como podemos observar nas Fig. 9 a 12. Bourdieu (2004) afirma que o que faz o valor da obra não é a raridade do produto, mas a raridade do produtor presente na assinatura e na griffe. Assim, torna-se difícil dissociar as obras de seus autores, uma espécie de legitimação, em novos moldes, da figura do gênio romântico, em um processo inserido na produção e no consumo contemporâneo de celebridades. No restante do suplemento, onde o propósito editorial é jornalístico, a maior incidência também foi de fotografias em plano médio (52%). O primeiro plano foi utilizado em 26% do material analisado, especialmente em matérias sobre gastronomia (F. 45) e moda. O registro de detalhes tem maior poder de persuasão e traz riqueza às informações, encontrando respaldo nestas temáticas. Já o plano conjunto foi escolhido para compor 22% das fotografias “gerais” do suplemento.

Fig. 9: capa, 08 set.

Fig. 10: p.E4, 18 set.

Fig. 11: capa, 19 set.

Fig. 12: capa, 30 set.

Quanto ao ângulo de tomada horizontal (Graf. 9 e 10), constatou-se variação em todo o caderno. A tomada frontal – que oferece uma visão “objetiva” da realidade representada – destacou-se, com 48% no “geral” e 40% na página E2; o ângulo à esquerda apareceu em 44% e 32% das fotos, respectivamente, e as tomadas à direita foram utilizadas em 8% e 28% do material. O ângulo de tomada vertical (Graf. 11 e 12) mais utilizado em todo o suplemento foi o de baixo/contraplongè, que valoriza o que está sendo 13

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fotografado – 46% no conteúdo “geral” e 58% na página assinada por MB –, seguido pela tomada normal/nível dos olhos, com 37% e 39%, respectivamente. Por fim, 17% e 3% das fotografias foram feitas de cima para baixo/plongè.

Graf. 7: enquadramento das fotos – geral

Graf. 8: enquadramento das fotos – p. E2

Graf. 9: tomada horizontal – geral

Graf. 10: tomada horizontal – p. E2

Graf. 11: tomada vertical – geral

Graf. 12: tomada horizontal – p. E2

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Graf. 13: presença movimento – geral

Graf. 14: presença de movimentos – p. E2

Também verificamos a presença ou ausência de movimento nas fotografias com crédito Folha Imagem (Gráf. 13 e 14). Na página de MB, não encontramos nenhuma foto com movimento, e no restante do caderno 6% das fotografias tinham este recurso (Fig. 13 e 14.) O resultado vai ao encontro da afirmativa de Sousa (2002) –

Fig. 13: capa, 10 set.

Fig. 14: p. E4, 20 set.

ele considera que travar o movimento é a opção mais comum no fotojornalismo, pois os gestos significativos, as posições sugestivas, precisam frequentemente ser “congeladas” para que lhes possa ser imposto um sentido. Como vimos, os dados quantitativos relativos à proporção entre área editorial e comercial demonstraram a significativa presença de anúncios (Gráf. 1 e 2). Dados preliminares da pesquisa, que está avaliando a totalidade das edições dos meses de março, junho, setembro e dezembro de 2009, reafirmam o que é percebido no período aqui tratado.13 O suplemento não tem um número fixo de páginas, oscilando entre um mínimo

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A avaliação está considerando o caderno como um todo e cada página individualmente. No nível do caderno está se verificando dia da semana, número de páginas, o espaço que se dá para área editorial e área publicitária e quais são os segmentos que aquele caderno cobre. Na análise da página, considera-se o espaço da área de texto, de imagem e de publicidade e o segmento das matérias da página. 15

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de seis páginas e máximo de 14 em setembro, em função da quantidade de anúncios presentes. A noção de que o jornal é simultaneamente um projeto editorial/ideológico e comercial (TRAQUINA, 2005) pode ser percebida no corpus analisado em seu constante tensionamento. Se o projeto gráfico tem a função de orientar o leitor, o fato de haver uma variação constante na quantidade de páginas da edição exige que marcos visuais sejam estabelecidos – como veremos mais adiante – para que o leitor encontre sua coluna favorita, uma vez que ela nem sempre está na mesma página. O deslocamento do material editorial em função dos anúncios gera mudanças a ponto de, em alguns casos, comprometer a excelência da informação jornalística e a estética da página, como mostram as Fig. 15 a 26. É possível perceber nas Fig. 15 e 16 como o pequeno anúncio no topo direito confunde o leitor, uma vez que está junto da matéria, ocupando o retângulo superior que, em um primeiro olhar, parece a elas destinado. Na Fig. 15, o anúncio alinhado à esquerda une-se visualmente a outra publicidade de pequeno porte, evidenciando como o conteúdo editorial parece “escorrer” por entre os espaços vagos por ela. Isso é evidente também nas Fig. 19, 23, 24, 25 e 26, onde, nos casos em que há uma pirâmide de anúncios, é ainda mais difícil segregar o editorial do comercial. As “tiras” de texto nas Fig. 19 e 21 reiteram essa impressão. Na Fig. 17, onde a matéria busca dominar, o módulo publicitário invade a área da fotografia aproveitando de seu fundo branco, tornando ainda mais sutil a identificação de gêneros de conteúdo distintos. Na Fig. 18, o destaque antes do título termina por criar uma unificação de tonalidades com o anúncio no lado direito; já na Fig. 22, uma linha do infográfico segue por debaixo do módulo comercial no canto direito, aproximando os conteúdos distintos. Chama a atenção ainda os espaços em branco deixados pela incongruência que parece, por vezes, haver entre o grid editorial e a modulação comercial. Nas Fig. 23, 24 e 26, os desencontros entre os elementos dispostos podem revelar a dificuldade de conciliação diária entre instruções provenientes de setores que nem sempre trabalham em propostas convergentes.

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Fig. 15: p. E4, 6 set.

Fig. 16: p. E4, 11 set.

Fig. 17: p. E4, 13 set.

Fig. 18: p. E5, 18 set.

Fig. 19: p. E5, 10 set.

Fig. 20: p. E5, 10 set.

Fig. 21: p. E11, 10 set.

Fig. 22: p. E5, 23 set.

Fig. 23: p. E8, 9 set.

Fig. 24: p. E7, 17 set.

Fig. 25: p. E3, 15 set.

Fig. 26: p. E7, 23 set.

Ainda nesse sentido (publicidade x conteúdo editorial), temos geralmente uma situação benéfica para o anunciante e, possivelmente, frustrante para aquele leitor que acompanha um assunto ou busca localizar-se na página. Considerando a segmentação 17

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do caderno, percebemos que a abordagem visual dos anúncios das Fig. 27 a 33 utilizou a cor vermelha do logotipo da capa do caderno para gerar essa integração, o que é reforçado pelo fundo branco das imagens publicitárias. As fotografias jornalísticas e a tipografia dos títulos em suas cores, ora integradas por similaridade, ora atuando por contraste, participam desse jogo. Nessa caso ainda, destaca-se o aproveitamento da sequencia diária de edições para criar uma narrativa diacrônica (4 dias seguidos e depois uma vez nas semanas seguintes), demonstrando o investimento da FSP na manutenção de seus anunciantes por meio do contrato de pacotes de veiculação.

Fig. 27: capa, 01 set.

Fig. 28: capa, 02 set.

Fig. 31: capa, 09 set.

Fig. 29: capa, 03 set.

Fig. 32: capa, 21 set.

Fig. 30: capa, 04 set.

Fig. 33: capa, 28 set.

Nesse mesmo sentido, podemos observar nas Fig. 34 a 39 outras modalidades de cruzamento entre imagens publicitárias e editoriais. Na Fig. 34, a ilustração da matéria apresenta uma figura feminina com tonalidades que se repetem no anúncio; na Fig. 35,

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novamente as cores junto da posição espacial favorecem a apreensão do anúncio com integrado a uma cobertura sobre moda. Na Fig. 36, há um estranhamento entre o uso de ilustração e fotografia, mas a posição do anúncio em meio a matéria e logo abaixo do título gera uma ambiguidade perceptiva. Na capa da Fig. 37, o tamanho da fotografia que segue abaixo do título exige que se apreenda o pequeno texto abaixo dela para se ter claro que se trata de conteúdo comercial. A cor preta de fundo na Fig. 38 e um box tomado de cores na Fig. 39 são os responsáveis pela possibilidade de confusão nestes casos. Não estamos afirmando que haja uma identidade entre suas estéticas, mas que na primeira impressão da totalidade da página, os limites entre ambos não imediatamente claros.

Fig. 34: capa, 11 set.

Fig. 35: p.E7, 11 set.

Fig. 36: capa, 24 set.

Fig. 38: p. E9, 12 set.

Fig. 39: p. E3, 25 set.

Fig. 37: capa, 04 set.

No que diz respeito aos outros tipos de imagens que não as fotográficas presentes (Gráf. 3), temos ilustrações (9%), infográficos (2%), quadrinhos (1%). Conforme Her19

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mes (2005), a ilustração ideal chama atenção para o texto, funciona como uma isca ao conjugar informação e emoção, sendo também um descanso para o olho. Assim sendo, ultrapassa o mero complemento visual – interpreta e pode resumir o texto com o qual dialoga. De caráter interpretativo, as ilustrações, muitas vezes, caminham para resultados mais abstratos, nem sempre descritivos, e funcionam como uma entrada para o tema e sua abordagem. No corpus analisado, sua presença está sistematicamente vinculada à colunas, como indica o Gráf. 5, evidenciando sua destinação a textos de caráter reconhecidamente opinativos. Seu uso, contudo, se dá de duas maneiras principais: na coluna de José Simão (que tem abaixo os quadrinhos em posição reiterada), o ilustrador é fixo e se constitui como um padrão visual em uma modelo de página que se repete, ainda que nem sempre com a mesma numeração (Fig. 42 e 43). O mês de setembro coincidiu com as férias do colunista, que não é substituído por outro, mas que tem seu espaço ocupado por matérias (há um aviso no espaço indicando isso – Fig. 44). Essa continuidade pode gerar uma certa transparência pela excessiva repetição de posição, tonalidades e técnica utilizadas. Os colunistas que ocupam a contracapa (sujeita a deslocamentos) têm seus textos ilustrados por diferentes profissionais, o que possibilita uma circulação de variados estilos de desenho, dando alguma distinção a um padrão de página que também costuma repetir-se, conforme a maior ou menor presença de anúncios (Fig. 40 e 41). Essa continuidade é fundamental para que o leitor encontre a coluna, na medida que, como mencionamos anteriormente, há uma movimentação na numeração das páginas em função da publicidade. A presença de infografias, ainda que raras, enriquece e dinamiza a cobertura, propiciando também uma aproximação ora simultaneamente didática e lúdica (Fig. 46), ora evidenciando a perspectiva adotada na cobertura do acontecimento (Fig. 47). Por fim, devemos assinalar que, embora tenhamos classificado a imagem da Fig. 45 como uma fotografia em função da técnica utilizada, na análise qualitativa o estudo exploratório revelou a pertinência de debater o modo como ela se vincula ao conteúdo editorial, conforme sugere Buitoni (2011) ao tratar do que denomina de fotoilustração.

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Fig. 40: p.E8, 29 set.

Fig. 41: p.E7, 11 set.

Fig. 42: capa, 24 set.

Fig. 43: p.E13, 05 set.

Fig. 44: p. E8, 08 set.

Fig. 45: p. E5, 17 set.

Fig. 46: p. E6, 03 set.

Fig. 47: p. E5, 10 set.

Na medida em que nos aprofundamos na análise qualitativa da composição visual das páginas – ainda sem considerarmos a relação entre verbal e textual – observamos a complexidade e riqueza de aspectos das representações do sistema cultural por meio do projeto gráfico e dos elementos que o compõe. Enquanto um estudo exploratório, pudemos levantar uma série de questões que devem nortear as discussões do projeto de pesquisa maior, do qual este artigo é um recorte.

6. Considerações finais O jornalismo cultural se propõe a fazer a mediação entre o campo cultural e os leitores. As imagens, como vimos, são parte fundamental de construção desse discurso. A materialidade gráfica, em seu conjunto, propicia organização e hierarquia aos conteúdos, apontando e demarcando percursos de leitura. Alguns são tortuosos, em função da 21

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disputa entre conteúdos editoriais e comerciais, como aqueles que identificados nas páginas de Ilustrada. Reconhecendo o poder simbólico do campo jornalístico de incluir ou de excluir, de legitimar ou não, a práxis profissional implica em filtros que produzem perspectivas e abordagens parciais sobre a cultura de seu tempo histórico. As páginas analisadas neste estudo exploratório demonstram os dilemas inerentes à profissão e ao campo cultural, evidenciando também características que parecem apontar para a exacerbação de aspectos identificados por Piza (2009) como críticos no jornalismo cultural. A continuidade da pesquisa pretende dar conta de aprofundar a discussão do que aqui foi identificado, contribuindo especialmente para a compreensão do papel do design nesse contexto.

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