IMPLEMENTAÇÃO DA VACINA HPV NO BRASIL: DIFERENCIAÇÕES ENTRE A COMUNICAÇÃO PÚBLICA OFICIAL E A IMPRENSA MIDIÁTICA

June 14, 2017 | Autor: Jousi Quevedo | Categoria: Technology, HPV vaccine, Public Communication. Political Communication, Public Policy
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ISSN: 2316-3992

IMPLEMENTAÇÃO DA VACINA HPV NO BRASIL: DIFERENCIAÇÕES ENTRE A COMUNICAÇÃO PÚBLICA OFICAL E A IMPRENSA MIDIÁTICA Josemari Quevedo¹ Adriana Moro Wieczorkievicz²

Resumo O artigo aborda nuances presentes na comunicação sobre a vacina do HPV, implementada no 1o semestre de 2014 junto ao Programa Nacional de Imunização (PNI) do Brasil. Verifica como o Estado informou à sociedade sobre a tecnologia, a repercussão na mídia e como públicos críticos reagiram à vacina. A metodologia utilizada é a análise de conteúdo qualitativa, que verifica o corpus formado por argumentos da publicidade oficial da campanha de vacinação, de notícias em mídias de domínio público e entrevista focal com coordenadora da campanha do HPV em Curitiba-PR. O tema é discutido a partir do conceito de comunicação pública, no que tange à permeabilidade do Estado a controvérsias, e dos estudos sociais da ciência abordando a tradução da vacina. Verifica-se que a comunicação oficial enfoca a divulgação procedimental da vacina, enquanto a mídia expõe controvérsia sobre a imunização. PALAVRAS-CHAVE: Comunicação Pública. Tradução. Vacina HPV Abstract This paper discusses nuances in the communication about the HPV vaccine, implemented in the first half of 2014 by the Brazil National Immunization Program (NIP). It analyses how the state has notified the society about the technology, the media coverage and how critical public reacted to the vaccine. The methodology is the qualitative content analysis, which checks the corpus formed by arguments of official advertising of the vaccination campaign, media news of public domain and focal interview with coordinator of the HPV campaign in Curitiba-PR. The subject is discussed from the concept of public communication regarding the permeability of the State to controversy, and social studies of science dealing with the translation of the vaccine. As a result, it is found that the official communication procedural disclosure focuses on the vaccine, while the media exposes controversy about immunization. KEYWORDS: Public Communication. Translation. HPV Vaccine.

¹Jornalista, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFPR, email: [email protected]. ²Enfermeira, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFPR, email: [email protected].

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Introdução As políticas públicas de saúde no Brasil inferem uma presença do Estado na vida cotidiana da população. Dentre estas políticas, as de imunização coletiva são uma das mais exitosas. Com a definição da vacinação como obrigatória no país e, ao utilizar avançadas tecnologias de aprimoramento, cada vez mais surgem evidências da eficácia das estratégias de vacinação em massa. Assim, o Brasil ingressa em uma trajetória de fortalecimento do Programa Nacional de Imunização (PNI) do Ministério da Saúde, tornando-se referência mundial, tanto no que se refere à cesta de vacinas oferecidas à população, gratuitamente, quanto pela amplitude demográfica da população atendida, contemplando todas as faixas etárias. Atualmente, quase 180 milhões de brasileiros convivem num panorama de saúde pública de reduzida ocorrência de óbitos por doenças imunopreveníveis. ³Mais recentemente, foram implementadas medidas para o controle das infecções e contágio pelo Haemophilusinfluenzaetipo b - Hib, da rubéola e da síndrome da rubéola congênita, da hepatite B, da influenza A, das infecções pneumocócicas, da varicela e, mais recentemente, do HPV. A primeira campanha de vacinação nacional contra o HPV foi realizada entre março e abril de 2014 e buscou mobilizar o público feminino adolescente para a imunização contra o papilomavirus humano, de alta incidência e que pode causar câncer no colo do útero. Todavia, a vacina do HPV poderia ser mais uma a ser incluída no calendário vacinal se, na visibilidade à política pública, a campanha não tivesse se diferenciado na maneira como ocorreu e em que o Estado articulou a aplicação.

A complexidade da aplicação da vacina, assim como a implantação e as contraindicações que foram ex-

pressadas, são discutíveis por diferentes motivos, além de se tratar de um tema que guarda tabu. Dentre as razões está o argumento de que é através do contato sexual que o HPV é corriqueiramente disseminado e, por isso, a estratégia de Estado foi realizar a prevenção em adolescentes virgens, o que aumentaria a eficácia, utilizando do espaço da escola para a aplicação da mesma. Por meio desta ação pública de saúde observou-se um fenômeno de intervenção no “mundo da vida” (HABERMAS, 1987) destas adolescentes e de suas famílias caracterizado pela fragilidade nos esclarecimentos públicose um tempo curto entre treinamento, divulgação e aplicação. A campanha de vacinação concentrou movimentação em torno da primeira etapa do procedimento - no que se refere à aplicação da 1ª dose. Religiosos se posicionaram contra a vacina por julgarem que faria apologia à iniciação precoce das meninas na vida sexual e, entre profissionais de saúde, não houve consenso diante de suspeitas de efeitos colaterais causados pela vacina; assim como da parte das vacinadas, de que não seria mais necessário outros cuidados para prevenir DSTs e que somente a vacinação bastaria. As evidências científicas sobre a vacina e as dúvidas em torno do imunobiológico repercutiram na imprensa, mobilizando profissionais de saúde e de governo, no momento em que foram expostos os pontos de vista críticos População do Brasil segundo o IBGE (2014).

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sobre a novidade que estava chegando ao país em termos de saúde pública. E, embora o calendário vacinal brasileiro seja um dos mais efetivos e estáveis no mundo, elogiado pela eficaz cobertura territorial, a nova tecnologia trouxe fatos a serem analisados. Assim, este artigo verifica a tradução da inovação “vacina do HPV” ao público e como os atores críticos envolvidos responderam à realização da 1ª etapa da campanha (LATOUR, 1983). Para tanto, são verificadas informaçõesoficiais de campanha e não oficiais, pelo viés da comunicação pública (ZÉMOR, 2009). Tais informações circularam entre o governo, profissionais de saúde e adolescentes, discutindo impactos da imunização a partir da ação pública na sociedade e expondo uma rede de atores em torno do processo. Tem-se como referencial notícias do período de março a julho de 2014, informações contidas no manual de “Capacitação contra o PapilovírusHumano”4 e entrevista com enfermeira vinculada à Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, representante da coordenação da campanha da vacina HPV em Curitiba/PR, esta última para esclarecer pontos percebidos sobre a conscientização do público a respeito da inovação.

O exame dos dados foi feito por meio da análise de conteúdo qualitativa, um conjunto de técnicas de

análise das comunicações, a partir de estudos bibliográficos transdisciplinares. Após a análise exploratória dos argumentos nas peças de campanha originadas pelo Ministério da Saúde e nas notícias que circularam expondo contrariedade ao procedimento, construiu-se uma análise em três dimensões que expõe como os atores aparecem a partir da comunicação de governo, na comunicação produzida pelaimprensa midiática, referindo ainda os efeitos da operacionalização da vacina junto ao público-alvo, percebidos a partir de entrevista focal com a representante da coordenação da campanha da vacina do HPV. Em seguida, os dados são interpretados a partir da tradução da primeira etapa de campanha da vacina do HPV. 1. As políticas públicas de saúde no Brasile a vacina do HPV Na trajetória histórica das políticas públicas de saúde no Brasil, há uma inclinação em suas concepções a uma linha econômica de custo-benefício, organizadas sob uma hierarquia estratificada na tomada de decisão pelo governo dominante e afastada do senso democrático no que se refere à interlocução com a sociedade no momento de proposições. A estruturação das políticas públicas tem origens em um passado articulado em dimensões, principalmente, econômicas, mas também políticas e culturais. Muito embora, é importante mencionar, diversas ações do SUS de descentralização e democratização estejam em andamento na contemporaneidade. A intervenção mais direta do Estado na saúde pública inicia em 1930, na criação do Ministério da Educação e Saúde. O sentido de bem-estar social (welfare state democrático) não é ligado ao sentido da saúde pública 4 Plataforma de treinamento para a vacinação do HPV oferecida pelo SUS. Disponível em https://ufpe.unasus.gov.br/moodle_unasus/ cursos/hpv_livre. Acessos: abril de 2014.

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ainda e só em meados de 1940 se chega a um nível mínimo de acesso aos serviços públicos com a proliferação de órgãos e ações de saúde. No Regime Militar, desenvolveu-se a atenção médica curativo, especializada e de alto nível tecnológico, dependente da indústria, com questões sociais deterioradas. Com a institucionalização do SUS na Constituição de 1988, essa realidade muda em alguns termos, mas há processos de desregulamentação do sistema dentro da política de reforma do Estado (SARRETA, 2009). Ainda assim, as ações de saúde nos ideais de cidadania e dignidade da pessoa como direitos estão elevadas à relevância pública. A adesão brasileira à imunização do HPV como política pública partiu da ação do governo brasileiro, através do Ministério da Saúde (MS) e da sua Secretaria Nacional de Vigilância e Saúde, que optou por colocar em prática uma política pública de prevenção ao papilomavírus humano (HPV) através da vacina quadrivalente recombinante, a Gardasil® do Laboratório Merck Sharp &Dohme (MSD). Adotou-se uma estratégia de imunização nas escolas, principalmente, e postos do SUS em meninas de 11 a 13 anos num processo de três doses (a 1ª foi em março de 2014, a 2ª começou em setembro de 2014 e a 3a, será aplicada em 5 anos). Esta ação seguiu movimento de outros países que aderiram à imunização. A transferência de tecnologia para que seja produzida nacionalmente será concluída até o fim de 2015. Em 2014, foram compradas 12 milhões de doses, ao custo de R$ 360,7 milhões. O primeiro lote foi entregue pelo Instituto Butantan ao MS em março de 2014. Ao término da 3a dose, apolítica pública de saúde pretende imunizar 5 milhões de adolescentes.5 A meta, na 1ª etapa, foi de imunizar 80% das meninas em cada cidade brasileira.6 Inserido no Calendário Nacional de Imunização no dia 1/3/2014, a vacinação do HPV na aplicação da 1ª dose bateu a meta, por exemplo, em Petrolina (PE), em três meses de campanha. Em junho, 80% das adolescentes estavam dentro do que se esperava para a primeira fase.7 Já em Curitiba (PR), uma cidade considerada modelo no desenvolvimento de políticas de saúde, não atingiu o patamar dos 80% em prazo estabelecido como ideal.8 Houve casos de cidades longínquas em que a baixa procura fez com que a vacinação fosse prorrogada.9 A vacina do HPV é encarada como uma inovação tecnológica para a saúde pública brasileira, já que a prevenção antes era oferecida apenas por laboratórios privados e população específica passou a ter acesso ao imunobiológico gratuitamente na rede SUS. A fim de verificar a realização da 1ª etapa, observa-se neste caso da vacina HPV um caso de produto da ciência em andamento na sociedade. Por meio de uma parceria para o desenvolvimento produtivo de transferência da tecnologia à produção nacional, o MS investirá um bilhão e cem milhões de reais na compra de 41 milhões de doses da vacina em 5 anos, Informe Técnico de Introdução da Vacina HPV da Secretaria Estadual de Santa Catarina (2014, p. 2 e 3). Informações do curso de treinamento da vacinação contra HPV da UNA-SUS (Universidade Aberta do SUS) em https://sistemas.unasus. gov.br. Todas as informações sobre o funcionamento e operacionalização, além dos dados que justificam o Brasil aderir à vacinação são oriundas deste curso. Acesso: maio de 2014. 7 Notícia sobre cobertura da meta de vacinação na 1ª fase, Disponível em http://g1.globo.com/pe/petrolina-regiao/noticia/2014/06/ apos-tres-meses-vacinacao-contra-o-hpv-atinge-meta-em-petrolina-pe.html .Acesso: 4/06/2014. 8 Informação coletada em entrevista com coordenadora da campanha da vacina do HPV, da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba/ PR, realizada para este artigo em 07/08/2014. 9 Notícia sobre a prorrogação do prazo da aplicação da 1ª dose da vacina HPV no Brasil divulgada no Portal G1, da Rede Globo. Disponível em http://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2014/04/vacinacao-contra-o-hpv-e-prorrogada-ate-metas-serem-alcancadas-em-rr.html. Acesso: 6/06/2014. 5 6

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a R$ 31,02 cada dose. Só em 2014, a parceria gerou uma economia de 83 milhões e 500 mil reais aos cofres públicos. Segundo o então ministro da Saúde, Arthur Chioro, a economia poderia ser ainda maior. E no quinto ano, quando nós já estivermos produzindo aqui, graças à transferência de tecnologia, a vacina vai custar em torno de nove dólares e, se tiver novos laboratórios e baixar mais o preço, a gente vai pagar mais barato ainda porque é esse os termos do acordo que foi feito. Uma ação inteligente, coordenada que merece de todos os brasileiros e brasileiras o reconhecimento, a nossa capacidade de ter autossuficiência, autonomia para produzir as vacinas para nosso povo (CHIORO, Arthur, 2014)10.

Para Latour (1983), a ciência e as tecnologias criadas pelo desenvolvimento científico, também são construídas socialmente. Neste sentido, no Brasil, o impacto esperado pelo governo na vacina HPV é a prevenção de mortes por câncer, o que será detectado daqui 20 a 30 anos. Outro argumento do Secretário em Vigilância em Saúde do MS, Jarbas Barbosa, é o efeito rebanho11 da vacina, que protege meninos ao diminuir a incidência do vírus em meninas.12 2. Contexto da Comunicação Pública e da Ciência A Comunicação articula e expõe pontos de vida, detendo o espaço privilegiado de exposição massiva da dita opinião pública, contemplando os temas de saúde envolvendo a ciência e as novas tecnologias. Por isso, é necessário localizar a discussão da repercussão de temas de interesse coletivo tratando da mídia e da comunicação dos poderes. A Comunicação se especializa, mas converge no que tange à opinião pública no que se refere à definição de temas que se expandem, seja pela televisão, jornais, internet e redes cívicas nos amplos campos do saber, traduzindo temas e pautas. Nessa linha, a comunicação pública designada por Pierre Zémor (2009, p. 189) interessa na medida em que realiza a “troca e compartilhamento de informações de utilidade pública ou de compromissos de interesses gerais”. Dentre as funções, está “contribuir para a conservação dos laços sociais.” A responsabilidade compete “às instituições públicas, ou seja, às administrações do Estado, aos serviços das coletividades territoriais, aos estabelecimentos, empresas, organismos encarregados de cumprir uma missão de interesse coletivo” (ZÉMOR, 2009, p. 189). Esse viés está ligado ao serviço público, pautado pelo interesse público, o direito à informação, a busca da verdade e da responsabilidade social pelos meios de comunicação.

Declaração dada pelo Ministro da Saúde do Brasil publicada em notícia da Fiocruz em 13/03/2014. Disponível em http://www6. ensp.fiocruz.br/visa/?q=node/6050. Acesso: 04/06/2014. 11 Herdimmunization: imunidade de rebanho, também chamada imunidade de comunidade, se refere à “extensão da proteção conferida por uma vacina a segmentos não vacinados da população, devido ao controle ou à diminuição da circulação do agente infeccioso como decorrência do aumento de indivíduos tornados imunes pela vacinação” (BRASIL, 2014b). 12 Declaração publicada em artigo da Folha de São Paulo, antes da aplicação da 1ª dose da vacina, em 02/02/2014. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1406381-ministerio-preve-impacto-positivo-da-vacina-contra-hpv-em-ate-30-anos.shtml. Acesso: 04/06/2014. 10

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(...) Brandão define comunicação pública como o ‘processo que se instaura na esfera pública entre o Estado, o Governo e Sociedade e que se propõe a ser um espaço privilegiado de negociação entre os interesses das diversas instâncias de poder constitutivas da vida pública no país (MATOS, 2006 apud DUARTE e VERAS, 2006, p.26).

Este enfoque se aproxima da comunicação científica na divulgação e mobilização para políticas públicas de saúde e está ligado também à comunicação política. A circulação de saberes na mídia, incluindo os que tem vieses científicos, se incluem nesta vitrine de exposição da cena pública. A esfera midiática, dessa maneira, se integra à esfera pública com seus formatos, audiências e debates característicos. Tais elementos da “esfera de visibilidade pública” (GOMES, 2008, p. 143) se constitui entre a esfera pública habermasiana, a esfera política e a esfera midiática. Já a comunicação de poderes como do Executivo tem suas competências específicas, mas também “obedece a estratégias políticas e institucionais relacionadas à obtenção de visibilidade pública prestação de contas e disputas de opinião, apoio e voto” (WEBER, 2011, p. 101). Concorda-se com Loose e De Lima (2014, p.1) que há uma interface entre comunicação e ciência quando os meios de comunicação desempenham função fundamental na “democratização do saber ao popularizar a ciência” em seus formatos. Com a questão da comunicação científica como pano de fundo, quando trata de saúde, há noções a se ter em conta. As preferências da mídia, especificamente o campo do Jornalismo, são por novidades científicas e este é um dos principais valores-notícia. Esta á uma das razões para a vacina do HPV ter mobilizado considerável visibilidade na imprensa. Como postula Epstein (2014, p.14), a comunicação científica sobre saúde na comunicação massiva nem sempre vai chamar a atenção uma vez que as notícias sobre prevenção ou mesmo tratamento de enfermidades já são confirmadas e experimentadas pela ciência médica e que, por isso mesmo, “não têm o caráter de “novidade” e não merecem o estatuto de “notícia””. Fatos inesperados são mais interessantes, pois “têm condições de se constituir em furos jornalísticos” (EPSTEIN, 2014, p. 14). A comunicação pública, ao abordar a ciência e serviços, objetiva o esclarecimento quando voltada a públicos coletivos envolvidos nas temáticas científicas. Na direção dos estudos sociais da ciência, por sua vez, os públicos podem ser observados sob a perspectiva de rede de atores e agentes de tradução que aproximam descobertas ao cotidiano. 3. Processo de tradução da implementação da vacina HPV A tradução de uma nova tecnologia e sua inserção no cotidiano passa por etapas de negociação e conhecimento sobre a inovação. Esta síntese inspirada em Latour (1983) coloca pontos chaves para refletir sobre os processos da significação e da popularização de uma inovação com papel de política pública. É notável uma inserção com reflexos concretos, como é uma nova vacina complexa, na sociedade. Kreimer e Zaballa (2007, p. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 04, n. 11, p. 97-111, EDIÇÃO ESPECIAL

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114) destacam que, em momentos de tradução, se colocam processos de negociação até a estabilização de uma inovação, com a rede de atores envolvida exercendo papel primordial nas intervenções. Adiciona-se ao poder econômico e da ciência ao impor suas descobertas, o poder político por trás das ações que ao fim vão redundar na produção de conhecimento político que se reflete na forma em se articula um novo dispositivo na sociedade e no que se fala sobre ele. As tecnologias, como artefatos, tem impactos a partir da forma a que chegam à sociedade. Winner (1996) enfoca essa questão ao colocar que o poder e a autoridade do ente que toma a decisão por determinado design ou articulação gera impacto na significação e construção compartilhada da tecnologia. A partir de um paradigma comunicativo, Habermas (1987) articula a posição do indivíduo em face das ações de Estado quando propõe dois níveis de entendimento da sociedade como “sistema” e “mundo da vida”. Uma nova tecnologia interfere neste mundo habitual.

Ao se encontrar sob os efeitos das mudanças da globalização, a saúde pública e suas inovações resultam

de uma série de fatores que concernem ao momentum tecnológico (HUGHES, 1996, p. 102), ou seja, o momento - ou os momentos - em que “o desenvolvimento social molda e é moldado pela tecnologia”, evidenciando que “o momentum também é dependente do tempo/período” em que a inovação é posta na sociedade. As circunstâncias implicam no desenho tecnológico e, em termos de política pública, esse desenho passa pelo sentido simbólico que as sociedades de democracias emergentes como o Brasil apropriam. São momentos crucias em que o desenvolvimento apresenta controvérsias e impõe negociações em etapas de apresentação. 4. A perspectiva da rede de atores sobre a campanha da vacina HPV A rede de atores em torno de uma inovação, caso da vacina, é conformada por entes que estão envolvidos ou são atingidos por ela. Latour (1983) concebe a tecnologia como resultado de uma rede de atores que a sustenta. Uma rede de agentes em ação, sendo o ator aquele que é capaz de traduzir os seus interesses e representa-los coletivamente. Dado que a aceitação de determinada opção e tratamento de prevenção de saúde pública cabe ao governo, este deve estar amparado em uma cultura social de que determinada inovação vá ter público e/ou vá satisfazê -lo. Portanto, aqui se localizam dois entes essenciais na rede de atores em torno da vacina, ou seja, governo e público-alvo (as adolescentes). Sublinha-se que os atores são fundamentais para compreender a dinâmica que adquire a produção de conhecimento sobre uma tecnologia e a forma de intervenção sobre o problema social (KREMIMER; ZABALLA, 2007, p. 111). O HPV pode contaminar pessoas de todas as classes sociais e tem uma série de tipos, sendo dois deles os mais agressivos que podem levar ao câncer. Por ser o câncer do colo do útero um problema reconhecido como uma das doenças mais prevalentes no mundo, o relato oficial sobre esses números subjaz aos elementos que

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justificam a opção pela vacina na rede pública, oferecendo acesso a quem não tem a média de R$300,00 por dose cobrados nos laboratórios privados.13 Portanto, a divulgação de dados oficiais, estatísticas, opinião especializada que ateste a alta incidência do vírus HPV foi necessário para detectá-lo como um problema de saúde geral dentro do espaço das políticas públicas. O entendimento e troca de conhecimentos cumpriu com etapas: relatos médicos e estatísticas políticas sobre as características principais do problema, as circunstâncias que dão origem e as formas legítimas de intervir sobre ele (KREIMER, ZABALLA, 2007, p. 111). A rede de atores a que se destina uma tecnologia bem como os atores que a implementam têm papel fundamental no próprio desenvolvimento da tecnologia. Os problemas sociais geram controvérsias e incertezas, mas também são favoráveis nesta equação dados objetivos como cifras do número de doentes e incidência de uma enfermidade na mobilização da rede de atores. O estabelecimento de uma questão até a compreensão de que é um problema social de saúde passa pela aceitação como tal ou quando, por exemplo, públicos-alvo se posicionam contra uma inovação. Essas reações demarcam as controvérsias e o entendimento na rede atores. Ao se mapear a necessidade de uma inovação para a solução de uma problemática até sua eficácia, a situação de implantação não fica imune a visões divergentes. Ao cercar a rede de atores envolvida na vacina HPV se tem o núcleo, primeiro, na implantação (Estado, governo, técnicos, médicos, profissionais da saúde, cientistas) e segundo na efetivação (adolescentes e familiares). 5. Análise Na verificação da 1ª campanha da vacina HPV no Brasil, há um circuito de comunicação pública que apresenta pontos de tradução da inovação, articulada pela rede de atores. Este é o fio condutorda análise. A comunicação pública demonstra como ocorre a inserção desta vacina e como atores da esfera estatal articulam a sua operacionalização na sociedade. Na esfera midiática, se verifica como a controvérsia da inovação é exposta pelos públicos críticos em notícias. Já inferências de como o público-alvo reage são feitas a partir da entrevista focal com representante profissional da saúde pública. Esta opção se justifica no marco referencial de análise na medida em que a entrevistada tem ponto de vista e lugar social relevantes (CÁCERES, 1997). Pretende-se, no que segue, caracterizar os argumentos que circulam sobre a inovação e a controvérsia que expõe, a partir dos pontos de vista públicos. Para tanto, utiliza-se da análise de conteúdo no aspecto qualitativo, que é a avaliação do conteúdo latente a partir do sentido geral de textos e contextos, se resumindo na análise do sentido geral dos conteúdos (HERCOVITZ, 2007, p. 127).

A infecção pelo vírus do HPV, por si só, não representa uma causa suficiente para o surgimento de neoplastia. É necessária a sua persistência. As cepas mais agressivas do HPV levam a uma média de 528 mil casos de câncer a cada ano no mundo. Em 2012, o câncer do colo do útero foi responsável pelo óbito de 265 mil mulheres no mundo. No Brasil, o câncer do colo do útero é o terceiro tipo de câncer mais frequente entre as mulheres, com uma taxa de mortalidade de 4,72 óbitos para cada 100 mil mulheres (INCA, 2014). 13

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5.1 A comunicação pública da campanha oficial da vacina do HPV A vacina do HPV permeou discursos da esfera política que a legitimaram como uma política pública necessária e eficaz. Sob o aspecto econômico, o que foi ressaltado na fala de autoridades de governo foram os ganhos trazidos pela imunização dentro de uma lógica de custo-benefício. Um facilitador da tradução para que a imunização entre na rotina é que apenas se os pais se oponham deve ser apresentado um termo de recusa. No âmbito da comunicação institucional, especificamente no material do Ministério da Saúde durante a 1ª rodada de vacinação, não se estabeleceu uma relação direta de que a vacina é para evitar o câncer. As pontes entre as pontas da problemática (vacina-câncer) foram esmaecidas. Dúvidas sobre o procedimento em três doses também foram postas de lado, ficando fora esta informação como fator relevante. As observações ficam evidentes ao se verificar o cartaz da campanha (Figura1), cuja imagem foi molde das peças de campanha. A peça mostra adolescentes em estereótipos publicitários, numa comunicação pública ancorada em uma linguagem mercadológica que remete a revistas de adolescentes. FIGURA 1- Peça da campanha institucional da vacina HPV

Fonte: blog.saude.gov.br

Na Figura 2, mesmo com a presença da mãe, não há menção a outras vias de prevenção como o Papanicolau, desvinculando as gerações. FIGURA 2 –Panfleto da campanha institucional da vacina HPV

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Fonte: blog.saude.gov.br

É importante mencionar, ainda, que a política pública de prevenção ao HPV por meio do exame Papanicolau já é difundida entre o público feminino e vem se mostrando bastante eficaz, segura, além de ser de baixo custo. Apresentar a vacina do HPV sem relacionar outras formas de prevenção coloca o imunobiológico como prioritário como estratégia do Ministério da Saúde, em que pese o andamento de outras políticas. 5.2 Públicos críticos e controvérsia da vacina na mídia A questão da existência de público crítico à imunização e a polêmica do tema ficaram restritas à cobertura da imprensa, que revelou a controvérsia. Profissionais da saúde e membros de correntes religiosas expuseram na mídiacontrariedade à vacinação.14 Os públicos críticos, especialmente pais de adolescentes evangélicas ou católicas, não encararam a tecnologia como um direito, mas sim como algo duvidoso para o comportamento de suas filhas. No argumento deste público se destacam dois pontos: que a vacina incentivaria a iniciação sexual e que a melhor prevenção seria a fidelidade no casamento. A CNBB divulgou posição de que era uma decisão dos pais15. Pais mais céticos, por outro lado, se opuseram por medo de problemas adversos. Na área médica, também não houve consenso. A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidadefoi uma das entidades a se posicionar contrariamente à política do MS.16 Segundo Daniel Knupp, diretor de pesquisa e pós-graduação da instituição, “não é possível comprovar a eficácia da vacina. Ao mesmo tempo, começaram a pesar os relatos sobre efeitos adversos da vacina. O governo doJapão cancelou a recomendação da vacina contra o câncer de colo de útero pelas dores que poderia provocar já que é uma injeção intramuscular e pelos A mídia aqui é referenciada como o campo de produção e de visibilidade da comunicação mercadológica, enfocando os interesses do artigo especialmente a mídia produzida a partir do campo do jornalismo em notícias de sites que sintetizam uma considerável frequência de aparições destes mesmos argumentos em outras notícias, incluindo jornais impressos, revistas e televisão. 15 Notícia sobre a posição da CNBB, a partir da polêmica surgida sobre a vacina. Disponível em http://www.meon.com.br/noticias/ regiao/cnbb-afirma-que-vacinar-contra-o-hpv-e-uma-decisao-dos-pais .Acesso 20/04/2014. 16 Notícia sobre a controversa promovida pela vacina e a operacionalização nas escolas a partir da estratégia do governo na aplicação da vacina. Acesso em 20/04/2014. Disponível em http://noticias.terra.com.br/brasil/controversa-vacina-contra-hpv-modifica-rotina-escolar,c7c4a6bde82d4410VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html.Acesso: 04/06/2014. 14

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riscos de problemas adversos.17 O caso mais sério relatado ocorreu na França.18 Uma jovem entrou com ação judicial contra a distribuidora francesa do Gardasil, porque o medicamento teria provocado condições autoimunes graves, como esclerose múltipla. Este caso repercutiu na imprensa internacional e provocou notícias também no Brasil. 5.3A reação do público-alvo percebida pelo profissional de saúde Como os efeitos sociais da 1ª etapa da vacina HPV constituem um fenômeno novo, buscou-se compreender os primeiros significados da tradução do procedimento através de uma abordagem qualitativa também pelo lado prático da imunização. Assim, foi realizada uma entrevista focal com a coordenadora da campanha do HPV na cidade de Curitiba-PR. Assim, foram esclarecidos pontos sobre a realização da 1ª etapa, uma vez que, dada a novidade da inovação, “se dispõe de pouca informação a respeito do assunto” e é necessário “o conhecimento que as pessoas têm com base em suas experiências” ( MARTINS; THEÓFILO, 2007, p. 137). A entrevista foi realizada em 5 de agosto de 2014, após a autorização da Prefeitura Municipal de Curitiba, no Centro de Educação em Saúde, onde foi aplicado um questionário com 11 perguntas abertas. As respostas foram gravadas e transcritas na íntegra, sendo verificadas pelo método da análise de conteúdo qualitativa. Por meio do discurso obtido, observaram-se pontos comuns entre a entrevista e a análise dos públicos críticos nas notícias, além de novas questões terem vindo à tona. Segundo a coordenadora, em Curitiba nem todas as faixas etárias atingiram a meta dos 80% no prazo da 1ª etapa. Na faixa dos 11 anos, foram 77%, na faixa dos 12 anos, foram 74% e na faixa dos 13 anos foram 94%.19 “Foi uma surpresa, por ser uma vacina de difícil acesso e pelo preço, a gente achou que a procura seria bem maior”, afirmou a profissional. Os adolescentes, segundo ela, têm muita resistência à vacinação e que a cobertura vacinal de adolescentes é muito baixa. A falta de conscientização sobre a gravidade do câncer de útero é o que mais chamava a atenção da enfermeira. Por outro lado, relatou que muitas pessoas reclamaram porque a filha já tinha passado da faixa de imunização. Mães de meninos também procuraram a vacina. Sobre os públicos críticos, a enfermeira relatou caso sobre o argumento da liberação sexual. “Mas nada que tivéssemos que sair correndo, porque iria interferir na cobertura”, contou. O conhecimento sobre a vacina também foi mencionado. “A vacina é nova, então quem conhece é alguém que tem um nível melhor de informação e 17 Notícia sobre a suspensão da vacinação do HPV pelo governo japonês. Disponível em http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2013/06/japao-suspende-recomendacao-da-vacina-contra-cancer-de-colo-de-utero.html . Acesso em 20/04/2014. 18 Notícia sobre um caso na França em que uma menina teve uma série de problemas de saúde, incapacitantes, e que, por isso, abriu processo contra o laboratório fabricante da vacina Gardasil. Disponível em http://saude.terra.com.br/videos/jovem-processa-fabricante-devacina-de-hpv-na-franca,499335.html .Acesso: 20/04/2014. 19 Os dados do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização também incluem as vacinas realizadas na rede privada de vacinação. Acesso: 07/08/2014.

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IMPLEMENTAÇÃO DA VACINA HPV NO BRASIL: DIFERENCIAÇÕES ENTRE A COMUNICAÇÃO PÚBLICA OFICAL E A IMPRENSA MIDIÁTICA

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educação, com mais condições, que vai ao laboratório particular”, disse. Segundo a profissional, para atingir a população mais carente, a escolha pela aplicação da vacina nas escolas foi acertada. “Pedimos para trabalhar nas escolas, porque essa faixa etária, em geral, está lá. As unidades foram e fizeram reunião em todas as escolas, públicas e particulares”, contou. Das escolas particulares vieram questionamentos sobre como proceder se a menina já tivesse tomado a 1ªdose. “Liberamos, pois não tem diferença entre as doses. A diferença é que vai tomar a 1ª com se fosse a 2ª. É a mesma vacina”, explicou. O maior receio da profissional de saúde era a 2ªetapa, que iniciou em setembro de 2014, que também constrói a consolidação da imunização no Brasil. Remobilizar a população era a questão do momento. Considerações finais Analisando a implementação da 1ª dose da vacina do HPV, foi observado que a cobertura atingida foi considerada satisfatória. No entanto, em relação ao governo, as controvérsias e dúvidas sobre o câncer combatido pela vacina não foram esclarecidas ao colocar a inovação para o público. Os públicos críticos da implementação, profissionais de saúde, escola e família e adolescentes não foram considerados preponderantes quanto à escuta e discussão para retirada de dúvidas antes da execução da vacina. A comunicação do governo, no que se refere às principais peças de campanha institucional, foi considerada refratária a uma série de situações envolvidas pela vacina para o conhecimento público. Isto também se evidencia no curso de treinamento proposto, em que não previu tópicos de esclarecimentos sobre dúvidas, o que seria essencial, e públicos críticos. A publicidade institucional não envolveu o público com uma ponte entre campanhas em andamento contra o HPV (por exemplo as de conscientização sobre a importância do exame Papanicolau entre mulheres adultas). Já a comunicação produzida pela esfera midiática foi mais completa, ao abordar as questões procedimentais, de serviço público da imunização, mas também por ter aberto espaço para a exposição e dúvidas e da controvérsia da vacina ao dar voz a públicos críticos. Apresentou visões divergentes a fim de que as pessoas julgassem com mais informações. A construção de significados sobre o assunto foi mais diversificada na esfera da mídia que situou a inovação sem menosprezar a importância de se evitar o câncer do útero, não negando as dúvidas que pairam sobre a vacina. Na rede de atores, faltou ao governo dar acesso às informações sobre a escolha desta tecnologia. Uma explicação para esta posição pode estar ligada à estrutura da saúde pública no Brasil,que apresenta dificuldades em estabelecer uma democracia participativa em todas as instâncias de cuidado. Sobre a forma em que a campanha de imunização foi organizada com o objetivo de chegar ao público, o Estado, representado pela ação do governo na política pública, não obriga propriamente as adolescentes a se vacinarem, mas impele pela assinatura de um termo caso os pais não permitam a imunização. Há duas leituras possíveis sobre a questão desta política pública revelada através da vacinação do HPV. Por um lado, há uma intervenção vinda de ordem estatal em andamento e, de outro, se estabelece a necessidade do

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acesso à saúde que pretensamente uma vacinação de prevenção significa. No entanto, a lacuna deixada entre a adesão à vacina como política pública de Estado e a campanha em termos de comunicação e esclarecimento transparece uma opção tomada às pressas, com vias a não perder uma oportunidade sobre um procedimento que gera controvérsia, não totalmente testado uma vez que existe a possibilidade de não necessitar de uma 3a dose e, ainda, com estudos em andamento. Dentro deste quadro pesa ainda o caráter laico do Estado já que o público religioso foi o maior opositor, mas isto acabou ficando em segundo plano, porque as vozes de crítica desta ordem se misturaram a vozes autorizadas de profissionais de saúde. Por fim, a vacina não se tornou parte de uma política que aprofundasse a produção de conhecimento público sobre o tema do câncer do colo do útero na 1ª etapa da campanha nacional. Como esta foi inicial, sugerem-se ajustes para que as outras sejam eficazes no esclarecimento, especialmente no enfoque da prevenção do câncer de colo de útero mais do que na vacina em si, lembrando que esta é uma das principais causas de morte em mulheres no país. Referências ANVISA Soros e vacinasterãonomenclaturaspadronizadas2008.DisponívelAcessosabril/ maio 2014. BENETTI, Marcia (orgs). Metodologia de pesquisaemJornalismo.Petrópolis: Vozes, 2007. BRASIL. Plataforma de Capacitação contra o PapilovírusHumanoDisponívelem
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