IMPRIMINDO MARCA: AÇÃO PARTICIPATIVA DOS MORADORES EM HABITAÇÕES POPULARES

May 25, 2017 | Autor: J. Ouverney-King | Categoria: Housing Policy, Visual Identity, Inhabitation
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IMPRIMINDO MARCA: AÇÃO PARTICIPATIVA DOS MORADORES EM HABITAÇÕES POPULARES Resumo Na perspectiva de discutir as políticas públicas de habitação da Prefeitura do Recife e a participação dos moradores de conjuntos habitacionais despertou o interesse de analisar as razões de os moradores modificarem suas moradias nos conjuntos habitacionais empreendidos, a partir das necessidades socioculturais presentes e emergentes em seu cotidiano. Os técnicos responsáveis pelos projetos, construção e acompanhamento social junto aos moradores têm consciência de que, pela necessidade premente de habitação, mudanças nos projetos habitacionais não acontecem facilmente. Os curtos prazos para a entrega dos imóveis levam ao uso de tipologias pré-definidas, adaptadas em função dos espaços urbanos disponíveis. As sugestões dos futuros usuários praticamente não são consideradas. No entanto, ao ocuparem os imóveis, imprimem sua marca à nova moradia com revestimentos nas paredes, no piso ou ampliações, às vezes, de caráter estrutural. Dessa forma, não pretendemos ponderar a respeito da perspectiva de participação dos moradores na elaboração dos projetos dos habitacionais. Pretendemos, sim, trazer visibilidade às ideias e intervenções guiadas pelas necessidades emergentes dos moradores para, possivelmente, serem avaliadas e consideradas em empreendimentos de futuros habitacionais, proporcionando a oportunidade de repensar modelos de moradia a partir das mudanças advindas da impressão da identidade visual dos moradores. Palavras-chave: políticas habitacionais; conjunto habitacional; moradores; identidade visual.

Abstract Printing visual identity: Residents’ Participation in Housing Complexes The theoretical perspective that brings visibility to social work performed by the government and residents’ participation in housing complexes allowed us to reflect upon the possibility of residents transforming the current housing model (typology), undertaken by the County of Recife, based on the existing and emerging social and cultural needs of the residents’ daily life. It is known that the projects for housing complexes are pre-established with little, or no, chance of collaboration with the future residents. The technicians responsible for the housing complex’s construction and for the social monitoring of the residents are aware that due to the imperative need for housing, changes to the project cannot happen easily. The short deadlines for the delivery of the housing lead to the use of predefined house typologies, which are adapted according to the urban spaces that are available, and suggestions made by the residents are practically irrelevant. However, once they move into the house, they print their visual identity to their new home, whether it is wall-covering, flooring or structural changes. Thus, we do not intend to reflect upon the residents’ participation on the architectural project of the houses, but to bring visibility to their ideas and personalization which are guided by their emerging needs, so these matters are assessed and considered in future social ventures, while rethinking the current inhabiting model based on changes performed by the residents’ imprinting of their visual identity on their new home. Keywords: housing programs; housing complex; visual identity

IMPRIMINDO MARCA: AÇÃO PARTICIPATIVA DOS MORADORES EM HABITAÇÕES POPULARES Introdução O tema habitação social no Brasil vem sendo objeto de discussão nas arenas sociais, governamentais e, porque não considerar, também, empresariais, há algum tempo. Trata-se de um tema eminentemente necessário para a organização das cidades e para a qualidade de vida e a segurança da sociedade, principalmente daqueles que vivem em situação de vulnerabilidade socioeconômica. O crescimento das cidades e o deslocamento das populações rurais para áreas urbanas desencadearam um processo de expansão da cidade cujo resultado podemos perceber nos desenhos da malha urbana, marcado pelo adensamento provocado a partir dos deslocamentos humanos para a cidade, pelos novos arranjos habitacionais advindos da crescente demanda por moradia, aliados à falta de parâmetros legais de uso e ocupação do solo urbano. É possível entender essa lógica urbana brasileira, desde as ocupações dos morros no Rio de Janeiro, no início do século XX, assim como em outras grandes cidades do Brasil, onde os assentamentos irregulares passaram a integrar as paisagens e a expressar e simbolizar uma espécie de marca que, segundo Zaluar e Alvito (1998, p. 7), estigmatiza seus moradores, devido aos problemas advindos de suas movimentações no espaço urbano, delineando lugares onde a carência existe e persiste na realidade dessas pessoas. Essa situação, marcada pelo descaso da sociedade ou pelas políticas habitacionais deficitárias, já vinha sinalizando, ao longo dos anos, uma trajetória de fracassos (Braga, 2014, p. 216) pelas várias tentativas realizadas no Brasil, na esperança de minimizarem os efeitos degradantes que os assentamentos precários imprimiam à almejada organização das cidades. Ao longo do tempo, aos moradores dos morros ou outras áreas pobres, são atribuídas identificações geográficas que os estigmatizam. O local habitado passa a ser identificador de determinados grupos, gerando uma visão estereotipada por pessoas externas a eles que, 2

segundo Chauí (1989, p. 58) um estigma extremamente forte, forjador de uma imagem que condensa todos os males de uma pobreza que, por ser excessiva, é tida como viciosa e também considerada perigosa. Souza (2013, p. 192) reconhece que o preconceito percebido naqueles que fazem parte da classe média e dominante, que estigmatiza profundamente os habitantes das comunidades, despossuídos e menos favorecidos financeiramente, também povoa o imaginário dos próprios moradores dessas localidades.

Contudo, notamos atualmente que o aumento da responsabilidade do poder público no setor habitacional, pelas novas demandas da população, tem estimulado a criação de estratégias de projeto que priorizam a parceria estabelecida entre a praticidade, a padronização e a construção em larga escala, intentando contemplar o maior número de moradores possível. E, assim, busca-se minimizar o déficit habitacional na tentativa de promover a inclusão social dessas pessoas por intermédio da moradia adequada, com dignidade para quem nelas habita. No início de 2003, a Prefeitura da Cidade do Recife (PCR), criou-se um programa de habitação e urbanização para as áreas sujeitas a vulnerabilidade espacial ─ Programa Recife sem palafitas ─ oportunizando vislumbrar um caminho para a erradicação de assentamentos humanos áreas de riscos e alagáveis. Esse programa prevê ações voltadas para o reassentamento de famílias, a reurbanização das áreas desapropriadas e acompanhamento social dos moradores nos conjuntos habitacionais. Entretanto, essas intervenções, financiadas pelos governos, requerem uma política de habitação sólida e integrar um Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), para efetivação da contratação, conforme previsto na Lei nº 11.124/2005, um dos instrumentos do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS (BRASIL, 2005; SOUZA, 2013). Nota-se que os programas habitacionais constituem uma política pública, de responsabilidade governamental, em todas as suas instâncias, que procura suprir as demandas habitacionais, mas que limita ou impede a participação dessas pessoas nas decisões projetuais e de acompanhamento da obra. Contudo, os atores sociais deverão atuar como protagonistas na apropriação de seus espaços, transformando-o à medida de suas reais necessidades, cientes dos limites a serem seguidos naquilo que se refere a possíveis transformações que venham a realizar. Desse modo, deve-se perseguir um processo participativo, desde a escolha das 3

prioridades da comunidade, e buscar um modelo a ser construído coletivamente, fazendo uso de um espaço democrático, de comunicação clara e objetiva assegurando participação ampla e contínua da população nas decisões e no acompanhamento das obras. Souza (2013, p. 73), cita Halbwachs (2004), afirmando que a população pobre também não se deixa deslocar sem resistência, sem ressentimentos, e ao mesmo tempo cede, deixa para trás muitos traços de si mesmo e, baseada nessa nova situação, as pessoas que ali se fixarão, habitarão e viverão buscando adequar-se a um novo modus de vida. Afirma Espíndola (2012, apud SOUZA, 2013, p. 228), a apropriação do espaço não se inicia com a ocupação em si, mas com a necessidade de controle de um espaço e das expectativas que ela envolve. Assim, mesmo diante das reduzidas chances de intercederem em prol da futura moradia, o papel dos futuros moradores dos habitacionais tem a importância de trazer possibilidades de mudança pelas suas reivindicações, ao construírem novos caminhos que levem a outras soluções até então não imaginadas, buscando conquistar o domínio do espaço, submeter, controlar e regular soberanamente o direito de uso. Após a ocupação dos habitacionais, inicia-se longo processo de apropriação e pertencimento, pois nesse novo lugar necessitam materializar sua subjetividade, atribuir identidade àquela nova moradia de maneira que reflita seus desejos pessoais de conforto, estética e felicidade. A atribuição de marcadores visuais que identifiquem o espaço pertencendo aquele sujeito funciona, igualmente, como um processo de conquista de autonomia. Sérgio Costa (2009) relembra que a autonomia é entendida como um processo de autodescobrimento, isto é, como atualização e concretização das disposições axiológicas, de algum modo, aprendidas junto ao grupo de pertença. Compreendemos que o sujeito deslocado para aquele lugar, aquele espaço geográfico, muitas vezes sem opção de escolha, embora inserido involuntariamente em novo ambiente sociocultural, possa de alguma maneira sentir-se dominante, autônomo o suficiente para se desprender de fazeres e práticas culturais que não estabelecem conexão com o seu self. Assim, cabe-lhes fazer as escolhas que estabeleçam conexões e identidades com o novo habitat.

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A interface entre a PCR e os moradores dos habitacionais Procurando compreender a posição das famílias contempladas com a nova condição de moradia no processo de mudança para os habitacionais, faz-se necessário conhecer a programação da equipe técnica da Secretaria de Habitação (SEHAB) da PCR. Essa equipe é responsável pela ação social junto aos futuros moradores, desde os contatos iniciais até a pósocupação de um conjunto habitacional. O trabalho desenvolvido pela equipe técnica inicia-se antes da remoção da comunidade escolhida para ocupar o conjunto habitacional ainda nos assentamentos irregulares. Continua até a chegada das famílias à nova habitação e se estende durante a pós-ocupação. O roteiro das ações da equipe compreende três etapas principais, onde se inserem medidas sociais e educativas para a população de futuros moradores do conjunto. Ver figura 01. Figura 01 – Roteiro de trabalho da equipe técnica da SEHAB

A primeira etapa consiste no trabalho realizado antes da remoção e que reúne dados das famílias no momento do cadastramento, como o número de pessoas residentes naquela habitação com seus respectivos arranjos familiares, se há ocorrência de morador com necessidades especiais, se existem crianças e ou idosos naquela família. Vários são os critérios analisados e que antecipam o deslocamento. Nesse mapeamento delineia-se o perfil socioeconômico dos moradores identificando a real situação de cada família.

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A partir do diagnóstico é criado um espaço de interlocução na comunidade para atendimento aos moradores ─ plantão social, onde são realizados atendimentos às famílias, objetivando estabelecer a aproximação entre a equipe técnica e a comunidade, antes da remoção, e iniciar o trabalho social considerado, pela equipe, a fase mais difícil devido às pessoas envolvidas que, na maioria, têm baixa escolarização. Simultaneamente ao processo de construção, acontecem oficinas e assembleias com todas as faixas etárias ─ crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. Esse procedimento fundamenta-se na tentativa de preparar a comunidade para enfrentar o novo desafio. Esse processo é padronizado nas diversas ações do governo quando trata de remoção de populações para outros lugares. Conforme entrevista com duas assistentes sociais da SEHAB, responsáveis por esse trabalho, a participação da comunidade é uma realidade há alguns anos, no sentido de aproximá-los da nova realidade em que estão aos poucos sendo inseridos. Embora a participação da comunidade, muitas vezes, se restrinja ao fornecimento de dados da situação socioeconômica das famílias. De modo geral, é um trabalho que envolve transformação e reconstrução de costumes, que possam afetar a aceitação ou rejeição por parte dos moradores inscritos no programa, uma vez que são demandadas novas posturas diante da nova realidade de moradia que se lhes apresentadam. Os temas trabalhados pela equipe social, envolvendo diferentes faixas etárias, abrangem noções de educação sanitária e ambiental, uso consciente da água, descarte e coleta dos resíduos. Souza (2013, p. 203) destaca a importância de fazer parte das ações, a educação sanitária ambiental para a construção de hábitos cotidianos saudáveis de higiene, pois se isso não se integra às atitudes coletivas, tornarse-ia uma luta inglória para a comunidade.

Antes da chegada ao conjunto, outro diagnóstico é realizado para verificar a possibilidade de inclusão dos jovens em programas de geração de emprego e renda, e seu cadastramento no sistema público de emprego. Durante

o processo da construção são

realizadas visitas com futuros moradores, escolhidos em assembleia, para comissão de acompanhamento e divulgação da obra. A pedido dessa comissão, quinzenalmente são realizadas visitas ao local da obra desde sua fundação até a entrega do empreendimento.

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Uma questão bastante complexa de ser resolvida, ainda na fase de cadastramento, é a do ‘selamento residencial’, uma espécie de registro in locu dos barracos que farão parte do programa de remoção. A construção de 'puxadinhos' é tão frequente e rápida, em função do crescimento da família, agregados, filhos, netos etc.. Para a classe social em questão é muito comum a prática da moradia plurifamiliar, em que os filhos e os netos vão construindo seu pedaço1, convivendo de maneira desorganizada, permanecendo juntos até que sejam também cadastrados como beneficiários. A moradia termina se tornando uma espécie peculiar de habitação pluri/multifamiliar pelas inúmeras intervenções que vão sendo realizadas à medida que as famílias vão crescendo. Essa situação é comum a outras comunidades, como relata uma das assistentes sociais, citando o caso de famílias na comunidade dos Coelhos que moram em palafitas às margens do Rio Capibaribe. As famílias se organizam segundo suas necessidades. No térreo moram os pais, no primeiro andar, o filho, no segundo, a filha e assim vai-se concretizando um emaranhado de espaços multiformes em meio à paisagem monocromática e indefinida de construções precárias. É procedimento normal atualizar frequentemente os dados coletados anteriormente devido ao problema da multiplicação da multiplicação da população pela prática de habitação pluri/multifamiliar na busca mais viável e rápida de resolverem suas necessidades, utilizandose, muitas vezes, de estratégias que possibilitam alcançar soluções aos problemas socioeconômicos gerados pela vida nas cidades (Braga, 2014, p. 89). Tais estratégias, ao mesmo tempo, possibilitam não somente a união entre familiares, como a chegada de outros que vindos do interior podem ter uma chance no meio urbano. Além disso, acabam por criar uma ‘identidade visual arquitetônica’ para a localidade. A mudança para o conjunto é a última fase do Projeto de Trabalho Técnico-Social (PTTS), que se estende até que as demandas dos moradores estejam sob controle. Existe uma estrutura operacional que administra algumas etapas essenciais para o bom andamento do programa: a organização das datas da mudança física para o conjunto; a entrega das chaves por Termo usado por CHAUÍ (1989) para designar os espaços onde acontecem as atividades coletivas, que no caso dos moradores das palafitas em Recife pode-se fazer uma analogia ao multi-espaço criado e usado pela família para sua convivência e atividades diárias. 1

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meio de sorteio das unidades habitacionais às famílias contempladas; a locação de transportes do mobiliário e das famílias; a demolição dos assentamentos imediatamente após a desocupação. Após o reassentamento das famílias no conjunto, ocorrem reuniões para eleição dos representantes de bloco, representantes do conjunto, criação de associação de moradores. Ressaltamos que a escolha dos apartamentos é aleatória, conduzida pela Prefeitura, sem preferências por parte dos moradores. Entretanto, as famílias com pessoas com necessidades especiais são conduzidas para os apartamentos térreos, adaptados a pedido da equipe social a partir das informações obtidas no período do cadastramento. A dimensão das unidades habitacionais varia de conjunto para conjunto, dessa forma, existe a dificuldade por parte do poder público em atender às necessidades de todas as famílias, devido à metodologia de padronização utilizada nos modelos de tipologias habitacionais dos conjuntos. Nessas reuniões discutem-se temas que abordam os seguintes eixos: organização e participação dos moradores no cotidiano do conjunto; educação sanitária e ambiental; geração de emprego e renda; e gestão condominial. O objetivo dessa iniciativa é estabelecer a participação da comunidade do conjunto nos assuntos relativos ao local em que passaram a habitar, estimular a autogestão e descobrir caminhos para melhor administrarem os novos compromissos financeiros. Destacamos que, mesmo passando a fazer parte das despesas domésticas, a incidência de novos custos para rateio das despesas em condomínio nem sempre é mencionada pelos moradores, quando entrevistados2. No entanto, McGranahan e Mulenga (2013) defendem que, sem nenhum subsídio, é improvável que os ‘inaceitavelmente’ pobres encontrem opções ‘aceitáveis’ de água e esgoto sanitário pelas quais possam pagar e, de acordo com Peixoto (2013, p. 504), ao considerar esses serviços como bens sociais, essenciais e universais, não podemos considerar seu valor econômico simplesmente determinado pela lei da procura e da oferta como normalmente é regido o mercado de serviços. Souza (2013) afirma que, embora seja necessária a construção e a apropriação de uma nova cultura de relações e convivência, em regime de condomínio, envolvendo questões entre

Em nenhum momento, durante as entrevistas no Conjunto Habitacional Mangueira da Torre, foram mencionados esses custos adicionais. 2

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as famílias residentes nos habitacionais, inclusive nos custos das despesas comuns, bem como os conflitos decorrentes da nova situação como condôminos, cita Espíndola (2012, p. 190) ao afirmar que a apropriação do espaço não se inicia com a ocupação em si, mas com a necessidade de controle de um espaço e das expectativas que ela envolve. Um técnico da área social da PCR afirma, durante entrevista, que por serem moradias verticalizadas, e eles terem habitualmente morado em casas isoladas, a gente percebe uma dificuldade em relação à convivência nessas unidades devido a algumas restrições existentes. Ainda, segundo esse técnico, o processo de elaboração do regimento interno, foi um pouco confuso, bem como a adaptação a esse novo tipo de moradia, e acrescenta dizendo que os moradores conseguiram, ao longo do tempo, entender e compreender isso e estão se adaptando bem. Coletivamente, elegeram-se síndicos e tudo isso facilitou a chegada deles na unidade habitacional e a convivência deles com seus vizinhos. Para auxiliar nas questões condominiais, é frequente a equipe social assumir o papel de síndico por um determinado período até que os moradores capacitados possam assumir. Nessa ocasião é elaborado o Estatuto do Condomínio na convenção e eleito novo síndico. Na fase da pós-ocupação, são realizadas oficinas e atividades de gincana onde se trabalha com grupos de mulheres, idosos, jovens e crianças, visando orientá-los na nova realidade social e urbana em que estão inseridos. Ressaltamos que a situação pode variar de uma comunidade para outra, em função de suas potencialidades e necessidades. Todo trabalho é desenvolvido a partir de um cronograma geral composto de duas áreas de atuação ─ cronograma de obras e cronograma de trabalho social. Isso permite que as obras sejam conduzidas paralelamente ao trabalho social para que as pequenas adaptações e modificações possam acontecer seguindo a realidade de cada conjunto, dentro das condições de habitabilidade mínima que incluem maior segurança, abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem, pavimentação, melhoria sanitária domiciliar, controle de vetores e ações de educação sanitária e ambiental3.

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Destacamos aqui o sentimento de valorização e empoderamento do cidadão, perceptível na voz de um morador entrevistado na comunidade Mangueira da Torre ao afirmar que nós que não tínhamos, vamos dizer assim, certa dignidade é saíamos de casa da maneira que nós estávamos [entenda-se: sem se cuidar, devidos às más condições das ruelas e becos], e hoje a

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A participação dos moradores nos habitacionais – imprimindo a identidade Na relação entre os moradores de assentamentos irregulares e a prefeitura do Recife, observamos que os primeiros terminam, cedo ou tarde, tornando-se moradores de conjuntos habitacionais e a prefeitura empreendendo novos habitacionais para abrigar as famílias em situação de vulnerabilidade social, habitacional e ambiental. O objetivando é reintegrá-las ao espaço urbano formal. Os programas habitacionais executados pela PCR trazem, em sua essência, uma organização que procura atender às demandas sociais e urbanas, desde a construção de habitacionais à inclusão das massas populacionais de baixo poder aquisitivo, que sobrevivem em espaços insalubres e inadequados para moradias minimamente adequadas à segurança, ao conforto e bem-estar. Assim, as intervenções efetuadas no espaço urbano em função dessas demandas não deveriam ser apenas entendidas pelo poder público como uma ação unilateral, patrocinada pela visão assistencialista e clientelista, pelo controle que detém sobre a organização da cidade. Essas intervenções requerem que seja abolida a cultura predominantemente vigente do assistencialismo e do clientelismo e deve buscar novas práticas políticas que permitam a participação efetiva da sociedade nas decisões que afetam diretamente suas vidas, fortalecendo o exercício da cidadania e o protagonismo dos cidadãos (KRONEMBERGER, 2011). Faz-se necessário um esforço conjunto do poder público com a sociedade que, direta ou indiretamente, provoca essas transformações, quando traz visibilidade a seus anseios e clama por melhores condições de moradia. Somente quando uma determinada população reivindica e cobra do poder públicos atender seus anseios e necessidades, quando se tornam uma questão social, passa, portanto, a fazer parte do cenário político, promovendo melhorias pra os moradores da área. Contudo, como ressalta o gerente de demandas da Secretaria de Habitação da Prefeitura do Recife, a comissão de moradores constituída em assembleias feitas na comunidade, ainda tem muito pouco poder de decisão sobre detalhes do projeto arquitetônico dignidade das pessoas mudou porque, porque muita gente já quer sair mais vestidinho, calçado, porque há o saneamento, né essas coisa toda, então quer dizer, pegamos mais dignidade que nós não tínhamos, na maioria.

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do conjunto, devido à padronização das tipologias dos edifícios e à falta de qualificação técnica para interceder nas soluções projetuais. Essa interferência pode se restringir apenas a detalhes pouco comprometedores da estrutura do projeto, e está normalmente relacionada com a cor a ser usada nas paredes internas e externas das unidades habitacionais. De modo geral, a participação dos moradores como protagonistas de seu espaço, verdadeiramente acontece no momento em que eles ocupam o lugar, porque passam a habitálo e, por conseguinte, senti-lo, podendo-se concluir que habitar um lugar é vivenciá-lo (Braga, 2014, p. 82) e, portanto, modificá-lo em função das necessidades humanas, sociais e culturais, descobertas a partir da experiência do morar e do vivenciar o lar. De acordo com Chauí (1989), os moradores personalizam e individualizam suas casas. Os interiores recebem decoração individualizada nas moradias personalizadas, a ideia de padronização e homogeneidade que os arquitetos e urbanistas têm das moradias populares é desconstruída pelas melhorias que recebem em seus interiores com acabamentos, cores, mobílias, etc., que representam a diversidade do gosto de seus usuários e a capacidade de compra de cada família que as ocupa. A personalização imaginativa é um componente da apropriação do espaço, do pedaço (SOUZA, p. 192).

Afinal, ao modificar o espaço de vivência o morador imprime sua identidade cultural o que, consequentemente, é feito através de estratégias de construção, pintura e enfim, uma pletora de artifícios utilizados para atribuir a “sua marca” ao seu lar, a sua identidade visual. A realidade dos moradores dos conjuntos habitacionais Nessa seção, relatamos experiências vivenciadas em duas comunidades da cidade do Recife com muitas semelhanças e algumas diferenças. Enquanto os moradores do Casarão do Cordeiro migraram das comunidades de Brasília Teimosa, Vila Vintém, Bueirão e Casarão da Iputinga para outra área da cidade, o bairro do Cordeiro; os moradores da Mangueira da Torre apresentam como característica principal passar por uma intervenção urbanística e permanecer no mesmo sítio urbano. O Casarão do Cordeiro (Figuras 02 e 03) é considerado pela equipe da SEHAB, um condomínio aberto por possuir um sistema viário interno com livre acesso a outros bairros do entorno. Sua construção teve início no ano de 2004, e término em 2007 com a conclusão dos 11

vinte e dois blocos, com 32 unidades residenciais verticalizadas, de aproximadamente 39,98m² cada, perfazendo um total de 704 apartamentos e 56 casas térreas, com cerca de 40m² cada uma delas (Almeida, 2008, p.28). Nele moram quatro comunidades 4 provenientes de locais distintos da Cidade do Recife: a comunidade do Bueirão, a comunidade da Vila Vintém II, a do Casarão da Iputinga e a de Brasília Teimosa (Braga, 2014, p. 24), única localizada na orla do litoral sul da cidade. O projeto (Figura 04) previa a construção de alguns equipamentos comunitários, como uma escola, playground, uma creche, um abrigo para idosos, três quadras poliesportivas, um centro comunitário, um posto de saúde e um centro comercial com boxes de venda para apoio logístico dos pescadores. Todavia, entre os equipamentos propostos, apenas o Posto de Saúde foi concretizado. A edificação conhecida como o Casarão, já existia, e foi restaurada para receber as instalações do Posto de Saúde. O Conjunto foi entregue sem arborização, sem reboco, nem tratamento das áreas destinadas aos boxes do centro comercial proposto no projeto. Com as ações da PCR até 2012, a comunidade Mangueira da Torre havia recebido a pavimentação de 12 ruas, implantação de 1.500 metros de rede coletora de esgoto e a construção de um conjunto habitacional composto de oito blocos com oito apartamentos cada, distribuídos em quatro pavimentos ─ térreo mais três ─ com dois apartamentos por pavimento, totalizando 64 unidades. Além desses apartamentos foram construídas mais cinco unidades térreas unifamiliares destinadas a famílias com dificuldades de locomoção, ou impossibilitadas de acesso pelas escadas. Uma característica marcante na comunidade da Mangueira da Torre (Figuras 05 e 06) está no fato de todos os moradores que precisaram deixar suas moradias devido às intervenções realizadas pela prefeitura terem continuado morando na própria comunidade. A exceção, segundo os técnicos da prefeitura entrevistados, ocorreu com dois moradores que optaram em receber a indenização e morar em outras localidades. Dentre esses, uma moradora Além das 435 famílias de Brasília Teimosa (RPA-4), o Conjunto Habitacional Casarão do Cordeiro teve como público alvo 192 famílias que habitavam palafitas na comunidade de Vila Vintém II, no bairro do Parnamirim (Região Político-Administrativa 3 [RPA-3]); outras 199 que viviam na mesma situação na comunidade do Bueirão, no bairro da Torre (RPA-4) e adjacências; e 34 famílias que moravam no Casarão da Iputinga, na Iputinga (RPA-4). Para contemplar esta quota de famílias, o Conjunto Habitacional do Cordeiro compõe-se de um total de 760 unidades domiciliares (Almeida, 2008, p.19). 4

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concedeu entrevista e demonstrou insatisfação por estar em condições precárias em sua nova moradia em outra comunidade5. A participação dos moradores e suas intervenções Os impactos ocorridos por um novo modus de viver num conjunto habitacional foram tamanhos para os moradores do Casarão do Cordeiro. Os estranhamentos iniciais foram motivos de preocupações e desencadeamento de saudosismos do antigo lugar de moradia. Muitos resolveram não enfrentar o desconhecido, preferindo repassar seus apartamentos para outras pessoas, indo em busca de outros locais, mesmo que pagando aluguel. Alguns decidiram se estabelecer em outros assentamentos espontâneos na cidade. Contudo, aqueles que ficaram, foram ao longo dos anos, construindo novas identidades, passando a imprimir à moradia suas maneiras de viver dentro de uma nova configuração espacial que lhes foi imposta, mas que, por outro lado, despertou-lhes um sentimento de dignidade ao se perceberem incluídos na cidade. Esse sentimento de dignidade também é observado no depoimento de um morador da Mangueira da Torre, de sessenta e dois (62) anos e que passou a residir em um dos apartamentos do habitacional ao afirmar que a casa em que morava não tinha dignidade não, porque, na verdade, era uma casa sem estrutura, era uma casa de tábua, uma casa que só tinha 14 e poucos m².

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Ver Souza, 2013 13

Figura 02: Visão posterior do Conjunto Habitacional Casarão do Cordeiro próximo ao Rio Capibaribe

Fonte: Almeida, 2008, p. 28.

Figura 03: Acesso principal do Conjunto Habitacional Casarão do Cordeiro

Fonte: Braga, 2014, p. 20.

É comum acontecerem mudanças visuais externas, no entorno dos blocos, e internas, nos apartamentos e casas, quando os moradores se apropriam do espaço físico a que pertencem. Reiteramos que a ideia arraigada de padronização e homogeneidade das moradias populares é desconstruída pelas intervenções e melhorias que seus interiores recebem com acabamentos, cores, mobílias, etc., caracterizando a diversidade do gosto, do senso estético de seus moradores e do poder aquisitivo de cada família que as ocupa. No Casarão, as modificações externas efetuadas pelos moradores são bem visíveis e, aos olhos deles, necessárias para se adequarem aos seus modos de viver, seus costumes, vontades e suprimento de suas necessidades básicas sociais e culturais. Uma vez que o poder público não concluiu o projeto que previa uma série de equipamentos sociais, vistos como essenciais para 14

salvaguardarem os direitos dos moradores, tornam-se naturais as intervenções informais exercidas pelas pessoas que vivem o lugar em seu cotidiano. Certeau (1984, p. 117) aponta para o fato de que a caracterização de um lugar como um espaço de práticas, sugere sentido para quem o utiliza. Assim, as pessoas procuram dar o seu tom ao espaço em que vivem para se sentirem pertencentes a ele e acolhidos por ele. Dar o tom é a manifestação visual para quem imprime e para quem visualiza o sentimento de pertença com o novo espaço de moradia.

Figura 04 – Planta de locação, com hierarquia das vias internas

Fonte: Almeida, 2008, p.65.

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Figura 05 - Planta de situação da Comunidade Mangueira da Torre

Fonte: Prefeitura da Cidade do Recife – SANEAR (2009)

Figura 06 – Fotografia da vista panorâmica – Acesso 1 Rua Demóstenes de Olinda

Fonte: Souza, 2012.

As alterações externas, realizadas no Conjunto, são pontuais e específicas das habitações térreas. Foram encontrados acréscimos às edificações, e acréscimos fora delas. Esses acréscimos mostram que os processos de transformação do ambiente habitado apontam 16

para a participação dos moradores nas adequações do projeto, mesmo quando não autorizados. São muretas de proteção e aumento da área útil do apartamento, destinado à construção de espaços de comercialização, como quitandas e bares; construção de terraços para estender redes, mercearias, depósito de bicicleta e outros equipamentos domésticos; além dos “puxadinhos” que avançam pela área comum dos blocos e que dão, na visão do morador, a segurança e o desejado bem estar e conforto que precisam para viverem com tranquilidade mesmo incorrendo em ilegalidades com obras não autorizadas (Figura 07). Figura 07 – Acréscimos realizados pelos moradores (salão de jogos e bar, salão de beleza, terraço-quintal)

Fonte: Braga, 2013.

Alejandro Garcês (2006) fala em “polifuncionalidade do espaço”, isto é, a impressão de marcos identitários em espaços, familiares ou não, e que favorecem a interação. Desta forma, e no caso dos moradores em questão, o espaço familiar agora tem atributos comerciais, permitindo uma interação para além da relação de vizinhança e estabelecendo relações de comércio com os vizinhos e outros sujeitos que estejam interessados nos produtos expostos. O espaço torna-se funcional-instrumental. É provável que as relações estabelecidas não sejam restritas ao comércio e também sejam ampliadas para incorporar espaços de discussão na comunidade, trocas de experiências, vivências, conselhos, etc.. Assim, o espaço de habitação que também apresenta um pequeno comércio de frutas e legumes, tornam-se espaços de práticas sociais. Além das modificações estruturais externas, visíveis facilmente, as ações internas realizadas pelos moradores também têm suas características próprias. Cada morador transforma seu apartamento de forma singular, dando-lhe significado e trazendo a funcionalidade desejada e necessária para se viver bem, conforme as condições financeiras do 17

indivíduo que ali mora. Na realidade, as alterações internas constituem melhorias estéticas e funcionais como aplicação de cerâmica em piso ou parede, pintura sobre alvenaria ou reboco, tudo seguindo seus gostos estéticos e que fazem diferença no dia-a-dia dessas pessoas (Figura 08). Figura 08 – Aspectos internos de apartamento no habitacional ocupado, sem melhorias e com melhorias .

Fonte: Souza, 2012.

Neste estudo de análise e reflexão sobre a participação dos moradores como protagonistas da organização estrutural6 de seu lugar de moradia, foram selecionadas quatro unidades habitacionais térreas, duas unidades localizadas no segundo andar, e uma casa térrea. O “cantinho” de cada morador recebeu o tratamento que, de acordo com as possibilidades deles, era o desejado. As intervenções físicas foram, basicamente, de caráter estético, e funcional no caso dos “puxadinhos”. Entretanto, é importante ressaltar que algumas ações, voltadas para o estabelecimento de regras de boa convivência também foram consideradas, como: participação em ações sociais por iniciativa dos condôminos. Para esses registros, foram realizadas entrevistas com pelo menos um membro de cada família do Conjunto Habitacional Casarão do Cordeiro (CHCC) a fim de que se pudesse construir um panorama das intervenções físicas e sociais realizadas por eles nas suas unidades habitacionais e no conjunto (quadros 01 e 02).

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Ressaltamos que essa transformação estrutural limita-se a acréscimos externos ligados ao edifício, realizados nos espaços reservados a canteiros para plantas, os chamados “puxadinhos”.

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Quadro 01- Ações de participação dos moradores do CHCC no ambiente interno de moradia APARTAMENTO/BLOCO

INTERVENÇÃO FÍSICA

206-B22 (2º ANDAR)

REBOCO, CERÂMICA NO PISO E NA PAREDE DA COZINHA E WC, GRADE NA PORTA

108-B22 (TÉRREO)

NENHUMA

CASA 14

TERRAÇO-QUINTAL COM PAREDES REBOCADAS

208-B21 (2º ANDAR)

PINTURA SOBRE TIJOLO, CERÂMICA NA PAREDE DO WC

107-B22 (TÉRRE0)

PINTURA SOBRE REBOCO, CERÂMICA NO PISO

101-B22 (TÉRREO)

PINTURA SOBRE TIJOLO, GRADES NAS JANELAS E PORTA

104-B13 (TÉRREO)

PINTURA SOBRE REBOCO, CERÂMICA NO PISO

Quadro 02 – Ações protagonizadas pelos moradores para estabelecimento das regras de convivência REGRAS DE CONVIVÊNCIA RESPEITO AO VIZINHO MUTIRÃO PARA LIMPEZA EXTERNA DO BLOCO MUTIRÃO PARA LIMPEZA DA CISTERNA ARMAZENAMENTO DO LIXO NAS LIXEIRAS CONSTRUÍDAS

Observamos que em cada habitação seus moradores tiveram o cuidado de manter tudo limpo e organizado e uma preocupação com relação à aparência do lugar. Nas moradias visitadas podemos observar eletrodomésticos como geladeira, fogão, micro-ondas, liquidificador e máquina de lavar, na cozinha e, pelo menos, uma TV. A limpeza dos ambientes e a conservação do mobiliário era uma constante em todas as unidades visitadas. Quanto às regras de convivência, o respeito ao vizinho ficou evidenciado nos discursos dos moradores entrevistados, ao procurem manter a regra de boa convivência e evitar conflitos. Todos mencionaram a questão da limpeza dentro e fora das moradias, principalmente quando se trata da limpeza da área comum, como hall de entrada de cada bloco e também da porta de entrada de seus apartamentos. Notamos, pelas entrevistas, certa resistência de alguns moradores que não colaboram com o cumprimento das regras, e não se preocupam com a manutenção dos espaços comuns, causando inquietações entre eles e os outros. Alguns relataram que as dificuldades diárias existem naturalmente, mas não se tornam motivo para animosidades nas relações sociais. Uma moradora mencionou o tratamento cauteloso para com os jovens de seu bloco devido às 19

reclamações pelo lixo jogado no hall de entrada, quando ela mesma cumpre sua parcela de colaboração na limpeza. E, nessa sequência outro entrevistado, na Mangueira da Torre, opina, quase sentenciando, ao defender a necessidade de mudança de atitudes: É só a gente criar vergonha na cara e, juntar o lixo, botar o lixo na hora que o lixeiro for passar, pra se organizar melhor, [...] só falta esse povo criar vergonha na cara e saber que tem horário e regras pra botar o lixo no horário certo, só isso.

Outro morador citou a relação amigável que mantém com seus vizinhos, procurando respeitá-los na medida em que eles o respeitam, principalmente quando o assunto é o volume do som que vem das caixas acústicas de suas casas. Outros moradores preferem se manter recatados dentro de suas casas, que consideram seu porto seguro e seu lugar de aconchego. E foi constatado que cada um, com seu estilo, participam como agentes transformadores e construtores de seu ambiente de moradia segura, saudável e amigável. Considerações Compreendemos que a participação dos moradores de conjuntos habitacionais nas decisões relativas ao projeto de suas habitações, ainda é feita de forma insipiente. O poder público como principal gestor das políticas e projetos habitacionais procura, embora timidamente, realizar um trabalho de parceria com a população envolvida, ouvindo suas demandas e tentando libertar as populações de baixo poder aquisitivo das situações de risco, miséria e insalubridade em que vivem. Todavia, as comunidades, através de suas lideranças, serem ouvidas em suas reivindicações, ainda têm pouco poder de decisão. Os assuntos técnicos são sempre decididos por profissionais da área que, na medida do possível, procuram atender aos anseios das pessoas. Ainda que a moradia em conjuntos habitacionais seja entendida como não totalmente satisfatória, devido à padronização que, muitas vezes não satisfazem às necessidades de seus moradores, percebemos que as políticas públicas habitacionais têm impactos positivos contribuindo para minimizar as aglomerações às margens de áreas alagáveis e vulneráveis. Em primeiro lugar, o objetivo dessas políticas é reinserir as pessoas que residem em locais insalubres na malha urbana organizada. 20

Em segundo lugar, existe uma lógica necessária para alguém que nunca pôde ocupar uma moradia adequada que é construir um novo aprendizado, uma vez que o indivíduo, embora de forma precária, fazia parte da cidade e agora se insere num novo modus de habitála. Acselrad at al (2009, p. 50) enfatizam que não há dúvida de que o locus por excelência da evidenciação da injustiça ambiental está exatamente no contexto intraurbano. As populações mais pobres estão, por princípio, mais desprotegidas, tornando-se, portanto, mais vulneráveis à concentração das mazelas de um ambiente degradado e sujeitas à subtração dos benefícios de um ambiente saudável. Por último, apesar de o conjunto habitacional ser um espaço planejado, com poucas possibilidades de modificação, o poder público não pode subtrair do morador a responsabilidade e, porque não dizer, o dever e a manifestação pessoal, de imprimir sua identidade visual nesse lugar, pelo fato de habitá-lo, senti-lo e modificá-lo. Com o empoderamento dos moradores no lugar que habitam, significa que o direito à moradia foi preservado e as reivindicações quase sempre atendidas. Portanto, participar não é apenas estar presente como parceiro das políticas públicas, mas é, principalmente, ser protagonista na proposição de programas habitacionais mais próximos à realidade de seus moradores, cujos frutos dessas participações vão aos poucos sendo colhidos a partir do trabalho, embora lento, porém persistente das vozes das camadas menos aquinhoadas da sociedade que clamam pelo direito ao direito por uma moradia digna, justa e humanizada.

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Referências Bibliográficas Acselrad, H.et al. 2009. O que é justiça ambiental. Livro. Garamond. 160p. Almeida, L.C. 2008. Espaço em transformação: uma avaliação de pós-ocupação dos espaços abertos comuns no conjunto habitacional Casarão Cordeiro. Monografia. 107p. Braga, C.C. 2014. O bem viver em recife: uma abordagem do cotidiano de moradores do Casarão do Cordeiro. Tese de Doutorado. 242p. Certeau, M. A invenção do cotidiano 1: artes de fazer. Livro. Ed.16. 316p. Brasil. Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS. Brasília: 2005a. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2012 Chauí, M. 1989. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. Livro. 4 ed. 179p. Costa, S. Diferença e identidade: a crítica pós-estruturalista ao multiculturalismo. In: Vieira, L.(org). Identidade e globalização. Impasses e perspectivas da identidade e a diversidade cultural. Rio de Janeiro: Editora Record, 2009. pp. 33-86. Garcês, A.H. Configuraciones espaciales de lo inmigrante: usos y apropriaciones de la ciudad. In: Papeles del CEIC [online] 2006, (septiembre-Sin mes). Disponível em: . Acesso em: 27 jun. 2013. ISSN 1695-6494. 34p. minha tradução Souza, S. G. de. 2013. As repercussões sociais das políticas públicas de saneamento para o desenvolvimento comunitário. Tese de Doutorado. 285 p. Zaluar, A.; Alvito, M. 1998. Um século de favela. Livro. Ed.5. 372p.

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