Indústria e poluição urbana em Lisboa, 1860-1869

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Indústria e poluição urbana em Lisboa, 1860-1869 João Paulo Amado Linha de investigação Humanidades Digitais e Investigação Histórica

O tema e as fontes •

O tema foi desenvolvido no âmbito da investigação para a minha tese de doutoramento em História Contemporânea – Saneamento Urbano em Lisboa durante o séc. XIX.



Há fontes extremamente ricas no fundo documental do Ministério do Reino, nos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo.



A série documental que aqui é abordada cobre os anos entre 1860 e 1869, incidindo sobre uma série de temáticas relacionadas com a Saúde Pública.



Nela foram contabilizados (até à data) 47 processos de licenciamento industrial.

A terminologia utilizada •

Utilizo «poluição» com o significado actual – a introdução de elementos contaminantes no meio ambiente.



Desde o primeiro momento, «poluição» tem o significado de “sujar”.



Durante o séc. XIX as ocorrências que se encontram na literatura mantêm este significado, mas em contextos morais ou religiosos.



Em termos legislativos, a primeira ocorrência a nível nacional data de 1915. Mas só volta a ocorrer em 1950.

O contexto geral do séc. XIX O crescimento das cidades e a progressiva industrialização foram confrontados com a inadequação de várias tecnologias urbanas.

As ocorrências graves em termos de Saúde Pública propiciaram vários desenvolvimentos e adaptações.

Lisboa durante o séc. XIX Os 100 anos entre 1755 e a metade do séc. XIX revelam uma certa instabilidade no crescimento populacional de Lisboa.

Invasões estrangeiras, guerra civil e epidemias contribuíram para este quadro.

Fonte: Rodrigues, T., 2008. Lisboa. “Das longas permanências demográficas à diversidade social” in Jornadas de Demografia Histórica de Lisboa. Lisboa.

A crescente industrialização •

Na segunda metade do séc. XIX ficaram reunidas as condições para o progressivo desenvolvimento do sector industrial em Lisboa.



As zonas ribeirinhas eram de implantação preferencial (abastecimento, escoamento da produção e vazadouro de resíduos).



Outras indústrias (sobretudo com menores dimensões) estavam embebidas no meio urbano.

Os sobressaltos na Saúde Pública •

A ocorrência de várias epidemias em Lisboa durante o séc. XIX revelou várias fragilidades relacionadas com algumas tecnologias urbanas: entre 1847 e 1859 é possível contabilizar crises epidémicas de tifo, cólera, febre-amarela e difteria.



O mau estado da rede de esgotos era sobejamente conhecido e comentado, tal como era boa parte da zona ribeirinha (sobretudo entre o Cais do Sodré e Alcântara).



Às crises mais graves seguiam-se períodos de intensa actividade paliativa, conjugada com discursos inflamados.

Esgotos de Lisboa em 1857 «Canos gerais» da cidade: cinco grandes canos a desaguar no Tejo. Mais cerca de 100 Km de canos, de dimensões variáveis, espalhados um pouco por toda a cidade. De acordo com o Boletim do Ministério das Obras Pública de Dezembro de 1857, a Câmara Municipal de Lisboa não tinha qualquer cartografia desta infraestrutura.

O licenciamento industrial •

O Decreto de 27 de Agosto de 1855 definiu o enquadramento legislativo a que estavam obrigadas as indústrias insalubres, incómodas e perigosas.



Surgiu na sequência das medidas profiláticas tomadas pelo Governo, no sentido de evitar ou aliviar os potenciais efeitos de uma epidemias de cólera.



Os estabelecimentos industriais são categorizados em função do seu efeito para a saúde pública.

Quando a poluição permanece anónima •

As chaminés têm que ser alguns metros superiores ao edifício mais alto, numa lógica de afastamento dos fumos “[...] o que permitte que o fumo se perca na atmosfera, antes de lá pôder chegar”.



“Os residuos resultantes da laboração serão lançados para umas terras onde n'uma pequena valeta se infiltram pelo terreno, não havendo nisto inconveniente para a Saude Publica, nem poder haver cano de despejo”



“Os liquidos e as aguas sujas serão lançadas em um poço artesiano absorvente […]”



“As partes solidas dos despojos da laboração serão diariamente lançadas no Tejo […]”

Escoamento de resíduos Modalidades de escoamento de resíduos líquidos identificados nos processos de licenciamento da série documental em análise. Para os 47 processos, apenas 39 contêm esta indicação. O escoamento para o sistema de esgotos da cidade constitui o meio preferencial de eliminação. O Tejo é opção (única ou partilhada) sempre que estiver próximo do estabelecimento industrial. O escoamento para terra só é opção quando não há canalização de esgoto no local.

Poluição atmosférica Forno de cal



“A fabricação da cal é uma operação insalubre e incommoda em consequencia das grandes quantidades d'acido carbonico, e de fumo que desenvolve. Estas emanações têm acção deletória sobre a economia animal, e sobre os vegetais...”.

Fábrica de loiça



“Os inconvenientes deste estabelecimento em relação à Salubridade Publica provêm do fumo dos fornos e do prejuízo de incendio, e provêm também dos processos de fabricação em relação aos operarios. As quantidades de fumo são enormes. Como a bocca da chaminé fica mais baixa que os predios da rua de Vicente Borja e muito mais baixa que os que dali seguem para o alto do Quelhas, com o vento sul, o fumo entra por todas as habitações.”

Fábrica do gás



“Não tardou muito tempo que se não conhecessem os dannos que essa fabricação causava, denegrindo as paredes dos prédios visinhos, denegrindo os metaes no interior dos predios, e bem assim as roupas e todos os objectos ainda guardados em gavetas, atacando a saúde dos habitantes desses predios, e a dos que estavão a maior distancia a ponto de os obrigar a largar as suas habitações”.

Fontes de poluição em Lisboa, 1860-1869 Modalidades de poluição identificadas: : : : :

Atmosférica Aquática (escoamento directo para o Tejo) Das terras (por vazamento directo de resíduos) Escoamento de resíduos para esgoto doméstico

Considerações finais •

Os dados aqui apresentados permitem apenas uma visão parcial de um problema importante para Lisboa, na segunda metade do séc. XIX.



A questão central – poluição no espaço urbano no séc. XIX – embora seja uma realidade, exige um certo grau de deslocamento do quadro conceptual envolvido.



No séc. XIX raramente se usa esta palavra – poluição – com o significado que se lhe atribui hoje. Na documentação que tratei até agora não encontrei qualquer ocorrência.



Mapear fontes de poluição pode contribuir para um melhor conhecimento dos problemas e exigências de saúde pública em Lisboa, durante o período em causa.

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