Industrialização e urbanização na Região Metropolitana de São Paulo e seus reflexos na moradia e na evolução da mancha urbana nas áreas periféricas da metrópole

October 16, 2017 | Autor: B. Campos Carvalho | Categoria: Geography, Urban Geography, Geografia, Industrialization and Its Consequences
Share Embed


Descrição do Produto

Industrialização e urbanização na Região Metropolitana de São Paulo e seus reflexos na moradia e na evolução da mancha urbana nas áreas periféricas da metrópole Breylla Campos Carvalho1

Resumo:

Graduanda do curso de Geografia da FFLCH – USP. O artigo faz parte da pesquisa de “Caracterização morfológica do Maciço do Bonilha” realizada entre os anos de 2008 e 2011, financiada pela PróReitoria de Pesquisa da USP, sob orientação das professoras Déborah de Oliveira e Simone Scifoni, e do Trabalho de Graduação Individual defendido em janeiro de 2011. 1

E-mail:

70

breylla @gmail.com

Levando em conta o contexto de urbanização e industrialização das metrópoles dos países em desenvolvimento, insere-se nosso objeto de estudo, o Maciço do Bonilha, uma área tombada pela sua importância histórica, geomorfológica e paisagística, e seu entorno, localizado numa porção periférica da RMSP, compreendendo parte dos municípios de São Bernardo do Campo e Santo André. Como forma de análise, por meio da utilização de Sistemas de Informações Geográficas (SIG) elaboramos mapas com as fases de evolução na mancha urbana da área de estudo, num período que abrange desde a década de 1960 até os anos 2008, que apoiados em trabalhos de campo, são capazes de apontar algumas evidências desse processo. De acordo com o processo de produção do espaço, podemos perceber um maior adensamento urbano na referida área no período entre os anos 1980 e 1990, mesmo período em que há um incremento da população que passa a morar nas áreas periféricas da RMSP. Por fim, destacamos o Maciço do Bonilha como um limite relativo à evolução da mancha urbana neste processo de produção do espaço e assim reiterando sua importância como área tombada capaz de frear um processo de urbanização acelerado, destacando aqui a moradia, afinal não é possível viver sem ocupar espaço. Palavras-chave: Industrialização e Urbanização, Região Metropolitana de São Paulo, Maciço do Bonilha

Paisagens X - Nov 2012

Artigo Introdução A urbanização pode ser observada como um fenômeno que adquire características particulares conforme a escala de análise, não apenas como uma forma de organização espacial, mas, sobretudo, como um fenômeno social e espacial complexo. Desta forma, temos que a urbanização no Brasil insere-se numa totalidade maior, relacionada às características do processo de industrialização pós-segunda guerra, em que há uma aceleração da industrialização nos países subdesenvolvidos e que em um curto espaço de tempo (SCIFONI, 1994), como verificado em nosso recorte temporal, é capaz de promover modificações nas estruturas urbanas e assim nas formas de moradia e ocupação de locais para habitação, que no caso da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) se dão em sua maior parte nas áreas periféricas, carentes de infraestrutura e equipamentos e serviços públicos e em grande parte em áreas de risco a ocupação.

Objetivamos estabelecer as relações entre a urbanização e a moradia e ocupação de áreas de risco, as quais encontramos em nossa área de estudo, buscando mostrar os verdadeiros processos causadores dessa situação. Como forma de análise, por meio da utilização de Sistemas de Informações Geográficas (SIG) elaboramos mapas com as fases de evolução na mancha urbana da área de estudo, num período que abrange desde a década de 1960 até 2008, que apoiados em trabalhos de campo, são capazes de apontar algumas evidências desse processo. Localização da Área de Estudo O Maciço do Bonilha localiza-se no extremo sudeste do município de São Bernardo do Campo, no bairro do Montanhão, na divisa com o município de Santo André, tendo seu pico a uma altitude de 986,50 metros, ponto mais alto do ABC Paulista, a aproximadamente 23°43’54’’8 de latitude sul e 46°31’07’’8 de longitude oeste (Figura 1).

Figura 1 – Localização da área de estudo na Região Metropolitana de São Paulo.

Paisagens X - Nov 2012

71

Breylla Campos Carvalho O maciço localiza-se numa região periférica, de ambos os municípios citados, com bairros muito populosos, carência de infraestrutura, altos índices de violência, inúmeras áreas de risco, muitas delas interditadas pela Defesa Civil. Soma-se a isso que parte da área do maciço se encontra na Área de Proteção aos Mananciais, neste caso referente à Represa Billings e quase sua totalidade está inserida dentro da Unidade de Conservação do Parque do Pedroso, sob jurisdição da SEMASA (Saneamento Ambiental de Santo André). Industrialização e Urbanização no ABC Paulista A região do ABC Paulista é considerada um importante parque industrial da metrópole paulistana, e faz parte de uma conjuntura maior que envolve o processo de industrialização da metrópole e mesmo do país. Essa industrialização acarretará num aumento da urbanização desse trecho da metrópole, ponto importante para o entendimento do objetivo proposto pelo trabalho. A pré-condição à ocupação urbana dá-se nos primeiros momentos de sua evolução, principalmente na segunda fase, atrelada à ferrovia, em que a exploração da mata por meio da retirada de madeira da floresta, além de abastecer a construção civil e imobiliária e servir de fonte de energia residencial e industrial, também substitui a paisagem original por uma edificada e urbanizada. Temos como fatores que atraem as indústrias a essa localidade: proximidade à ferrovia, existência de amplos terrenos e cursos d’água adjacentes, baixo preço, incentivos fiscais e energia (Usina Henry Borden, em Cubatão). Assim, a

72

Paisagens X - Nov 2012

faixa São Caetano-Santo André contará com uma grande concentração de indústrias, configurando aquilo que Langenbuch (1971) chama de zona industrial suburbana. Desta forma, a indústria fomentará a expansão do comércio e conseqüentemente o estabelecimento residencial maciço. A existência de mercado de trabalho e o baixo custo dos terrenos atrairão muita gente, formando um grande contingente de reserva de mão-de-obra que conseqüentemente se instalará em porções cada vez mais afastadas das ferrovias. Até a década de 1950 havia a concomitância do cenário rural e urbano, ao passo que na década subseqüente este fato mudará. A partir da década de 1970 há o esgotamento das glebas centrais dispostas à urbanização, fato decorrente do forte crescimento da população. Nesta década também há a necessidade de implantação de legislações urbanísticas que atendessem a demanda de crescimento na área. Em São Caetano e São Bernardo a área urbana era constituída de zonas residenciais, comerciais e industriais, sem zonas de preservação ou área verde; já em Santo André havia zonas especiais, porém ao longo dos anos elas tiveram seus usos alterados (SCIFONI, 1994). Muito da expansão do limite físico das cidades dá-se pela estratégia imobiliária, conseqüentemente alterando a paisagem com a retirada de mata nativa. Antes que se dê a valorização do espaço urbano, ele se dá pela abertura de loteamento com a retirada da mata nativa, com solo exposto e mato crescendo, para que seja ocupado anos mais tarde, à espera da valorização. Assim o espaço se caracteriza como mercadoria, tendo valor e preço.

Artigo É dentro desta lógica que o crescimento urbano da década de 1970 em diante se dará na região. Assim, classes de maior renda irão morar em melhores áreas e classes de menor renda irão morar em áreas deterioradas, abandonadas ou periféricas (CARLOS, 1992). Desta forma, hoje a ocupação no ABC Paulista dá-se em áreas isoladas, afastadas da região central, com preço da terra mais baixo, sem infraestrutura para instalação de moradia, e conseqüentemente do comércio que irá abastecer essa população, se instalará em áreas de mananciais, de risco à ocupação, como planícies e morros, e assim contribuirão para o aumento do perímetro urbano da RMSP, bem como alertam para o crescimento urbano não só das novas áreas, mas também daquelas já ocupadas. Fatores Demográficos e Assentamento Urbano Tendo como pano de fundo o processo de industrialização e urbanização do ABC Paulista, conforme descrevemos no item anterior, a intensa atividade industrial vivida pela região em tempos idos, serviu de chamariz para pessoas em busca de em-

prego, configurando um crescimento migratório, entre as décadas de 1960 e 1980. Como desdobramento, a área urbana foi sendo parcelada para o assentamento habitacional acompanhada de pequeno comércio e prestação de serviços para essa população. A isto, soma-se o surgimento de favelas2, iniciando-se em 1950, mas tendo elevado crescimento na década de 1980, pois nesta década continuam os fluxos migratórios para a região, porém o setor industrial não apresenta crescimento, haja vista que nesse período o governo federal incentivava a interiorização dos parques industriais em detrimento das regiões metropolitanas. Tem-se aí um aumento da ocorrência de assentamentos humanos precários nos municípios de Santo André e São Bernardo, principalmente neste último devido a importância de seu parque industrial até os dias de hoje (SÃO BERNARDO DO CAMPO, s. d.). É nesta década também que haverá forte presença de ocupações precárias e clandestinas nas áreas de proteção aos mananciais, devido à demanda por habitações e ao alto custo do solo urbano nas áreas já urbanizadas (Figura 2 e 3).

Figura 2 – Favela do Montanhão, no Pq. Selecta, no município de São Bernardo (04/03/2010).

Figura 3 – Favela Pintassilva no município de Santo André, próxima a represa Billings (06/03/2010).

Paisagens X - Nov 2012

Adotaremos aqui a definição de favela como sendo o local de “moradas singulares no conjunto da cidade, compondo o tecido urbano, estando, portanto, integrado a este, sendo, todavia, tipos de ocupação que não seguem aqueles padrões hegemônicos que o Estado e o mercado definem como sendo o modelo de ocupação e uso do solo nas cidades” (OBSERVATÓRIO DE FAVELAS, 2009). 2

73

Breylla Campos Carvalho

Informação fornecida por Scifoni, na aula de Geografia da Metrópole, em 18 de março de 2010. 3

74

Essas são tendências gerais no processo de formação da metrópole, que nesse período se tornará mais espraiada e difusa, logo se torna mais desigual e polarizada, promovendo desta forma a segregação e a auto-segregação (no caso deste trabalho nos atentaremos para o fator de segregação). Essa redistribuição das pessoas na metrópole acaba por ser uma conseqüência das mudanças no mundo do trabalho, como a precarização do trabalho, em geral pesado e em condições ruins, que conta com um grande “exército de reserva”, pagam-se salários baixos, embora existam postos de serviço que pagam melhor, em que sobram vagas por não haver pessoas especializadas para tais funções. De acordo com Scifoni, com um grande contingente de pessoas recebendo pouco, trabalhando no circuito informal ou mesmo desempregadas, a opção de moradia acessível é a periferia (Informação verbal3). Tais fatos tornam as periferias cada vez mais complexas tanto no que tange a urbanização, quanto nas conseqüências inerentes a sua ocupação, como os processos geomorfológicos existentes na área de estudo. No desenrolar desse processo, hoje temos que devido às condições topográficas e a forma como a parte urbanizada encontra-se adensada, tanto em Santo André como em São Bernardo, os espaços disponíveis ficaram escassos dentro da malha urbana, com elevação do valor do solo urbano nas áreas centrais e urbanizadas, fato que acaba por inviabilizar o acesso a terra nestas áreas por parte das camadas mais carentes da população, que vão morar em regiões afastadas do centro.

Paisagens X - Nov 2012

Nas regiões periféricas, essa população constrói casas, em geral sem infraestrutura, denominadas autoconstruções, muitas vezes sem saneamento básico, rede de água e esgoto e energia elétrica “oficial”, com casas em geral construídas em alvenaria, de maneira precária, e barracos de madeira. Em geral, essas moradias se concentram em áreas de risco, com altas declividades, sujeitas a desabamentos e deslizamentos, ou em planícies aluviais, sujeitas a enchentes e erosão dos solos. Materiais e Métodos Foi realizada a fotointerpretação de fotografias aéreas em escala 1:25.000 através do software ArcGIS 9.2. em que foram traçados os polígonos de mancha urbana no Maciço do Bonilha e entorno referente aos seguintes anos: 1962, 1972, 1994 e 2008. Com este recorte temporal foi possível apresentar as grandes transformações que a urbanização teve na área, compreendendo desta forma as mudanças antropogênicas desta paisagem. Resultados A evolução da mancha mapeada no presente trabalho acompanha o curso da história do ABC Paulista, em que há um adensamento urbano maior no período pós década de 1990, onde haverá o incremento da população que passa a morar nas áreas periféricas da RMSP. Com o mapeamento (Figura 4), podemos notar que em 1962 a mancha urbana na área de estudo representava 8% do total, sendo que dez anos depois essa mancha representa 18%. No ano de 1994 há um salto para 44% e em 2008 para 48% (CARVALHO, 2011).

Artigo

Bibliografia

De acordo com o processo de produção do espaço, podemos perceber um maior adensamento urbano na referida área no período entre os anos 1980 e 1990, mesmo período em que há um incremento da população que passa a morar nas áreas periféricas da RMSP, comumente morando em área de risco à ocupação, como morros e planícies aluviais, com casas de autoconstrução e de pouca infraestrutura, acarretando na aceleração de processos geomorfológicos. Temos assim, um aumento de população relacionado às mudanças no parque industrial, que resultaram em precarização das relações de trabalho e renda. Conclusão O Maciço do Bonilha e seu entorno se inserem em uma região de características físicas desfavoráveis e com expressiva ocupação urbana, ocasionando uma forte pressão antropogênica sobre o relevo, que consequentemente ocasiona problemas referentes à moradia, ocupação sem prévia instalação de infraestrutura básica, entre outros e fazendo parte de um processo de ocupação caótica fruto de uma “falta de planejamento” em que certos interesses são direcionados a favor

de alguns em detrimento de outros. Toda essa conjuntura que se coloca hoje é produto, dentre outros fatores, de uma crise que se dá na década de 1980 que leva a falência da indústria no ABC Paulista e das políticas de abertura econômica do governo Collor na década de 1990 para o setor de autopeças. Os assentamentos urbanos precários na região se dão justamente devido ao parque industrial, em que as pessoas procuram as áreas mais afastadas da cidade devido ao baixo custo dos seus terrenos, quando comprados e alguns casos, aliados a processo de invasão. Com os fatores apresentados anteriormente haverá um “boom” neste quadro de urbanização caótica. Tendo o Maciço do Bonilha como uma área tombada, representando tanto parte da memória urbana como também um patrimônio natural importante e assim uma forma de resistência e tendo seu entorno caracterizado como parte da periferia da RMSP, é possível demarcar o grau de complexidade da evolução urbana da metrópole de São Paulo, pontuar quais fatores levaram a tal produção deste espaço, que interesses devem ser pontuados e quais políticas públicas devem ser tomadas para remediar situações como essa.

Paisagens X - Nov 2012

CARLOS, A. F. A. A cidade. São Paulo: Ed. Contexto, 1992. 104p. CARVALHO, B. C. Geomorfologia Antrópica do Maciço do Bonilha, Região Metropolitana de São Paulo. São Paulo, 2011. 108p. Trabalho de Graduação Individual (Bacharelado em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. LANGENBUCH, J. A Estruturação da Grande São Paulo. São Paulo: Fundação IBGE, 1971. 354 p. OBSERVATÓRIO DE FAVELAS. O que é favela, afinal? 19 ago. 2009. Disponível em Acesso em: 15 dez. 2010. SÃO BERNARDO DO CAMPO. Prefeitura Municipal. Diagnósticos. Relatório do Plano Diretor. [s. d.] SCIFONI, S. O verde do ABC: reflexões sobre a questão ambiental urbana. São Paulo, 1994. 126p. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

75

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.