Instalações Animadas: Busca pela Potencialização da Animação como Meio Artístico - Avanca: Edições Cine-Clube de Avanca, Portugal, 2011. P. 1156-1165.

June 30, 2017 | Autor: Christine Veras | Categoria: Animation, Optical toys, pre-cinematic images, Animated Installation
Share Embed


Descrição do Produto

Instalações Animadas: busca pela potencialização da animação como meio artístico Christine Veras UFMG1 , Brasil Abstract The animation has an unlimited potential of visual representation that cannot be tied only to the model of the industrial narrative film. As experience for an expanded cinema it has unexplored processes and may provide a differentiated experience to the spectator. We can notice on the history of humanity a latent need for the registry of movement, from prehistory until the modern art. The called pre-cinema period was characterized by the creative engines that use moving image, among which are the magic lantern, zoetrope, phenakistoscope, praxinoscope, thaumatrope and other variations of optical toys and lights spectacles. Like cinema, animation, despite the different directions it could have followed, walked toward marketing trends, being established later as a major industry. Technology was developed and techniques were refined with the goal to accelerate the production process of an animation, taking into account the needs of a growing and increasingly demanding market. Computer graphics crowned this trend transforming for once the process of making an animation. The technological revolution triggered by the digital eventually transformed the film industry and the relationship between man and technology. Therefore, we seek to analyze contemporary installations that use the animation as material process, allied directly or not to digital technology. By material process we refer to what is palpable and can be played, manipulated or triggered through the interaction of the viewer. We search the reflection about alternative possibilities of the use of animation as a process of empowerment for an expanded cinema, through animated installations.

Keywords: Animation, Cinema, Animated installations, Optical Toys, Technology. Introdução O processo de adaptação de uma nova tecnologia torna as primeiras experiências bem-sucedidas em fórmulas exploradas à exaustão. Assim ocorreu com a mudança do cinema mudo para o sonoro, dos filmes em preto e branco para os coloridos, e assim vivencia-se atualmente com a tecnologia digital. Na animação essa realidade não poderia ser diferente e o número de produções realizadas através da computação gráfica têm aumentado exponencialmente. Isso tem ocorrido, de certa forma, em detrimento da materialidade tão característica da animação. O encantamento do espectador, que costumava surpreender-se com maior freqüência nas produções que permitiam que objetos inanimados “ganhassem vida”, já quase não existe mais nas produções digitais. Perde-se inocência, ganha-se efeitos mirabolantes. Essa tendência da atualidade em que a tecnologia é utilizada como utilitária, em que a animação torna-se efeito especial, tem feito com que o potencial artístico latente da animação seja muitas vezes contido ou até suprimido. No período pré-cinema os diferentes aparatos e brinquedos óticos desenvolvidos permitiam o assombro do espectador ao verificar-se que imagens desenhadas moviam-se, ou ganhavam vida. Atualmente, algumas dessas criações do período pré-cinema têm sido relidas à luz da contemporaneidade, com o auxílio da tecnologia, trazendo de volta essa magia tão característica da animação desde sua origem. Essas criações podem ser encontradas em locais diferentes das tradicionais salas de cinema, como museus, estações de trem/metrô e outros locais públicos, permitindo ao espectador uma relação mais participativa e até crítica através da animação. Acredita-se assim que a animação possui um potencial a ser explorado que pode ser viabilizado pela associação da tecnologia e das artes visuais aos aparatos pré-cinema como forma de repensar a visualidade e propor uma interação diferenciada com o espectador. Para efeito da análise aqui proposta consideraremos como exemplos pertinentes a este projeto trabalhos que façam uso da animação em instalações, deslocadas das tradicionais salas de cinema, desde que seu resultado apresente a animação como agente criativo, potencializador e transformador do espaço e da relação com o espectador, fazendo uso ou não da tecnologia. Refere-se aqui como animação o processo de produção do movimento sintético através de imagens geradas quadro a quadro, indiferentemente da técnica utilizada. Procura-se a partir daí, relacionar os aparatos do período pré-cinema que serviram de referência para as instalações animadas analisadas, identificando suas origens, influências e inovações. É importante reforçar, no entanto, que não se propõe aqui um retrocesso tecnológico, mas sim uma análise do potencial da animação enquanto instrumento para uma experiência cinematográfica alternativa. Através da análise reflexiva do potencial inexplorado da animação propõe-se um retorno às origens da construção da imagem em movimento, de sua qualidade tátil e sua relação diferenciada com a tecnologia. Busca-se assim o resgate da magia e do assombro na relação com espectador, evidenciando o processo enquanto meio artístico 1

Pesquisadora do Laboratório Midia@rte da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais. AVANCA | CINEMA 2011

69

a ser explorado e questionado numa época em que o uso da tecnologia meramente pela tecnologia anda tão em voga.

O registro do movimento Constata-se na história da humanidade uma necessidade latente pelo registro do movimento, desde a Pré-História até a arte moderna. Animais com oito ou mais patas eram pintados nas cavernas na tentativa de sugerir seu caminhar, passando pelas mais diversas representações de movimento no Egito, no Oriente, na Renascença, até chegar a obras modernas como o “Nu descendo a escada” de Marcel Duchamp. Após o período Renascentista configura-se o ambiente propício para o desenvolvimento de idéias e dispositivos que indicariam a possibilidade de dar movimento a imagens desenhadas, que em muito se assemelham aos processos utilizados na animação como a conhecemos. Este período chamado de pré-cinema caracterizou-se pelos aparatos criativos que faziam uso da imagem em movimento, antes mesmo do advento do cinema. Dentre eles se destacaram a lanterna mágica2 , o zootrópio3 , o fenaquitiscópio4 , o praxinoscópio5 , o thaumatrópio6 e outras variações de brinquedos óticos e espetáculos luminosos. Muitos desses inventos possuíam base científica sendo calcados na ilusão de movimento devido ao fenômeno denominado pelos pesquisadores do século XIX como “Persistência Retiniana”. Esse fenômeno baseava-se na crença de que o olho humano (mais tarde descobriu-se ser esta uma característica do cérebro humano) era capaz de reter uma imagem por um curto período de tempo enquanto outra ainda estava sendo percebida. Assim, acreditava-se que o olho humano percebia essas imagens seqüenciais em continuidade, quando exibidas rapidamente. A partir daí, surgiram invenções que tentavam “recriar a vida”, conforme apresenta Laurent Mannoni (2003). Esses aparatos baseados na técnica sugeriam o movimento e encantavam adultos e crianças. A materialidade dos processos fazia com que muitas dessas invenções óticas fossem manipuladas pelo próprio público, que as consumiam muitas vezes como brinquedos. A partir dessas invenções espetáculos complexos foram desenvolvidos, como é o caso do Teatro Óptico de Émile Reynaud em 1892, que através de um complicado jogo de espelhos e dos princípios do praxinoscópio conseguia projetar desenhos que se animavam em uma tela, antes mesmo da tecnologia cinematográfica ter sido completamente desenvolvida. Em seu surgimento em 1895, o cinema fora concebido pelos irmãos franceses Auguste e Louis Lumière como um instrumento de registro da realidade em movimento. Ainda assim, novas possibilidades de expressão visual surgiram com ele, tornando o ambiente propício para a fantasia. Nessa linha destaca-se o francês Georges Méliès por seu pioneirismo em conceber o cinema enquanto espetáculo e experimentar estratégias que o levaram ao desenvolvimento de trucagens e efeitos que acrescentavam mágica aos seus filmes. Ao interromper o registro da câmera durante uma filmagem, substituindo os objetos ou dando continuidade a um desenho sem se filmar a presença do desenhista, na projeção tinha-se a ilusão de que objetos inanimados e/ ou desenhos se movimentavam ou se completavam sozinhos. Essa manipulação artificial do tempo através do interromper da filmagem tornou-se princípio básico da animação desde sua origem. Este princípio foi usado na famosa animação “Humorous Phases of Funny Faces” (James Stuart Blackton 1906). Com o advento do cinema, a animação pôde florescer e se desenvolver ao longo dos anos através de diferentes técnicas como a animação tradicional (desenhada à mão), recortes, objetos, bonecos, tinta, areia e outros processos experimentais. A animação sempre manteve-se fiel a suas origens artesanais, apesar da dominação da animação tradicional, que apesar de desenhada à mão passou a fazer parte de um processo industrial. Muitos anos depois, no período de efervescência criativa da década de 1960, grandes artistas criaram novas técnicas como a tela de pinos (pinscreen) por Alexander Alexeieff e Claire Parker; a animação direta na película que ficou consagrada com Norman McLaren; o pixilation que é animação com pessoas também desenvolvida por McLaren e todas as variações possíveis incluindo a mistura de técnicas, limitadas apenas pela imaginação do animador. Assim como o cinema, a animação, apesar dos diferentes rumos que poderia ter seguido, caminhou em direção às tendências mercadológicas estabelecendo-se posteriormente como uma grande indústria. Como afirma Sébastien Denis: (...) Assistimos a uma forma de intensificação na produção e distribuição desses filmes, em Lanterna mágica: “Seu princípio permaneceu o mesmo do século XVII ao início do século XX. É uma caixa em madeira, papel, couro ou em papelão, de forma cúbica, redonda ou cilíndrica encimada por uma chaminé, possuindo um jogo de lentes e de uma lâmpada à petróleo ou a óleo. Ela serve para projetar sobre uma tela branca, em uma sala escura, imagens pintadas em uma placa de vidro, normalmente de formato retangular.” (MANNONI, CAMPAGNONI:2010:20) 3 Zootrópio: zoetrope=imitação da vida. “Em 1834, William George Horner aperfeiçoa o sistema daquilo que virá a ser o zootrópio, com folhas intermutáveis dispostas no interior de um tambor horizontal provido de orifícios para se espreitar a partir do exterior. (DENIS:2010:43) 4 Fenaquitiscópio: do grego phenax=enganador, skopein=observar. “Em 1833, Joseph Plateau registra o fenaquitiscópio que consiste numa série de desenhos situados entre ranhuras efetuadas num círculo; pomo-nos atrás do aparelho olhando para um espelho e fazemos rodar o círculo, animando-se então o desenho.” (DENIS:2010:43) 5 Praxinoscópio: do grego práxis=ação, skopein=observar. “Em 1877, Émile Reynaud modifica o zootrópio (retira as ranhuras e insere no tambor espelhos que refletem cada um dos desenhos): é o praxinoscópio que funciona não com base na persistência retiniana mas pela fusão de duas imagens nos espelhos.” (DENIS:2010:44) 6 Thaumatrópio: do grego thauma=milagre, tropos=modo. “de paternidade incerta (trabalharam nele Paris, Fitton, Herschel, Baggage e Wollaston): um desenho em cada um das faces de um disco, completando-se ambos quando o disco é posto em rotação graças a dois fios presos de lado.” (DENIS:2010:43) 2

AVANCA | CINEMA 2011

70

paralelo com um empobrecimento dos argumentos. O segundo grau e autoreferrência passaram a fazer parte do universo da animação comercial. Mas a par dessas produções convencionais, pensadas para render lucros consideráveis a seus criadores, continua a existir uma animação de autor em permanente busca de inovações visuais e narrativas. (DENIS:2010:10)

É interessante perceber que de certa forma, os processos experimentais de animação sempre estiveram associados a uma forma de expressão individual, seguindo assim uma linha mais artística e uma forma de produção menos massificada. De qualquer forma, esses processos não deixaram de existir e, ainda que em produções consideravelmente em menor número, propõem uma resistência ao domínio da indústria das animações geradas por computador. Essas animações experimentais também se beneficiam da tecnologia digital, mas exploram a materialidade do processo como diferencial de sobrevivência. Ainda assim a indústria impõe suas regras e é comum que esse tipo de animação acabe quase que exclusivamente sendo exibida em circuitos alternativos e festivais. Nesse sentido os festivais e encontros de animação pelo mundo são os principais fomentadores de reflexões contemporâneas sobre os rumos da animação e têm produzido artigos, discussões e sites para abordar as novas tendências e possibilidades do meio. Destacam-se entre eles o Platform International Animation Festival, em Portland/Oregon nos Estados Unidos, que é o primeiro do gênero a possuir uma categoria para instalação animada. Este festival, cuja última edição foi em 2007, considera instalação animada a obra que possui uma parte significativa do trabalho em animação ou manipulação quadro a quadro. Os critérios para seleção do trabalho passam pelo conceito da obra, inovação, estética e excelência técnica. O Pervasive Animation, por sua vez, foi um encontro sobre o potencial ilimitado da animação que propunha um diálogo sobre o tema permeando as mais diversas áreas, reunindo em sua última edição também em 2007 artistas e pesquisadores diversos para refletir sobre as tendências contemporâneas da animação. Foi organizado pela Tate Modern em Londres, na Inglaterra. Talvez a iniciativa mais recente e relevante em termos do levantamento de questões e de uma discussão em torno da animação e sua aplicação na arte contemporânea seja The Dissolve - SITE Santa Fe’s Eighth International Biennial. Esta bienal vai além da simples exibição das obras e propõe uma discussão reflexiva sobre a reinterpretação dos processos préfílmicos, e até mesmo do início do cinema, por artistas contemporâneos.

Construção sintética do tempo A construção sintética do tempo sempre fez parte da animação, pois é através da “manipulação do tempo” que se obtém a ilusão do movimento. Imagens paradas ordenadas sequencialmente tornam animado o inanimado ao serem vistas através de uma câmera ou outros aparatos, como o zootrópio e demais brinquedos óticos. Ainda segundo Denis: A “imagem a imagem”, que como a designação indica, precisa trabalhar a matéria fílmica fotograma por fotograma, não é da ordem das “24 imagens por segundo”, mas das “24 imagens por dia”, para dar uma idéia tosca do tempo necessário para a sua realização. A animação rompe assim radicalmente com o princípio da reprodução mecânica do real para propor uma representação artesanal que se constrói na duração longa. (DENIS:2010:7)

Milhares de imagens são necessárias para a realização de um longa-metragem de animação quadro a quadro. Atualmente a tecnologia desenvolveu-se e as técnicas foram aperfeiçoadas com o objetivo de acelerar o processo de produção para atender as necessidades do mercado crescente e cada vez mais exigente. A computação gráfica veio coroar essa tendência transformando o processo de realização de uma animação. A revolução tecnológica desencadeada pelo digital acabou por transformar a indústria cinematográfica e a relação do homem com essa tecnologia. Atualmente é quase impossível imaginar a vida sem computadores e todas as facilidades do digital. Com todas as suas vantagens, a era digital trouxe também conseqüências como novos hábitos e comportamentos de seus usuários, conflitos entre o antigo e o novo, inclusão digital, ética, segurança, entre muitas outras questões. Essa crise da atualidade em que a tecnologia é utilizada muitas vezes como meramente utilitária, em que as imagens geradas por computador predominam em detrimento do conteúdo, tem feito com que o potencial artístico latente da animação tenha ficado cada vez menos evidente. A busca desenfreada da animação digital pela verossimilhança na representação do real e de seus personagens contribuiu para a construção arquitetônica de universos imaginários, mas quase nada acrescentou ao conteúdo e à forma como o espectador se relaciona com eles. Assim como o advento da fotografia libertou a arte do registro fiel da realidade (BAZIN:1991), propõe-se aqui o estudo de uma possibilidade alternativa de animação em contraponto com a produção industrial massificada que se tornou prática vigente. A animação tem um potencial ilimitado de representação visual que não pode ficar atrelado apenas ao modelo do cinema narrativo industrial. Enquanto experiência para um cinema expandido ela possui processos a serem explorados, podendo oferecer uma experiência diferenciada ao espectador, através das instalações animadas que com a tecnologia podem até viabilizar a convergência de plataformas a serviço da experimentação.

Propostas Alternativas de Animação É interessante ressaltar que muitos dos artistas analisados, apesar de terem criado obras animadas, não se AVANCA | CINEMA 2011

71

consideram necessariamente animadores. Para eles a animação serve como uma ferramenta a serviço dos dilemas e questionamentos que querem instigar em seu público. Outros possuem sim uma formação tradicional em animação e assumem-se como animadores, mas fugindo das representações tradicionais do meio e permitindo-se experimentar. Na década de 1980, Bill Brand realizou uma instalação animada, o Masstransiscope, em uma parte abandonada da estação de metrô do Brooklyn. Ele pintou 228 painéis com formas coloridas e as dispôs sequencialmente dentro de uma área paralela à linha do trem, protegidas por tapumes que possuíam frestas estrategicamente cortadas a uma distância definida. O resultado, que pode ser conferido até hoje no metrô de Nova York, é a animação das formas coloridas toda vez que o trem passa por elas, encantando os passageiros. O local inusitado e a animação em si pegam os passageiros de surpresa, instigando neles a curiosidade.

Figura 1 - Bill Brand’s Masstransiscope

O mais interessante na obra de Brand é que ele reinventa a estrutura do zootrópio que contrariamente ao aparato original permanece parada, disposta horizontalmente, sendo que nesse caso é o espectador que se move (no trem) e seu movimento é que “dá vida” às formas pintadas. A simplicidade da estrutura de Brand opõe-se radicalmente ao assombro gerado nos passageiros. O deslocamento da animação para um local inusitado, o metrô, contribui para o resgate do envolvimento mágico com o espectador, despertando neles uma sensibilidade diferente. Eles são tirados da rotina e levados a vivenciar por alguns segundos o encantamento que os espectadores do período pré-cinema deslumbraram. Constata-se, muitas vezes, que esse espectador desavisado não sabe explicar ao certo o que acabara de ver. Ironicamente, a tendência do público para explicar o fenômeno visto é associá-lo a alguma nova tecnologia, não imaginando que suas bases são anteriores ao próprio cinema. Robert Breer trabalha com animação das mais inusitadas formas desde a década de 1960. Em uma de suas instalações ele disponibiliza uma seqüência de cartões desenhados colados em uma parede. Para visualizar a animação as pessoas deveriam deslizar a mão sobre a obra e assim possibilitar que a magia da ilusão do movimento tivesse início. Ao usar o princípio do flip book em uma instalação em uma galeria de arte, Breer convida o espectador a assumir uma posição ativa perante a obra, pois a animação somente acontece através de sua intervenção. Essa dependência do espectador para que a obra de fato se realize dialoga com princípios e atitudes relacionados à arte contemporânea.

Figura 2 – Robert Breer’s flip book

O artista e cineasta Eric Dyer vem ganhando notoriedade com seu trabalho inovador em festivais pelo mundo. Em 2006 ele realizou uma instalação chamada “Copenhagen Cycles” baseada em fotografias que ele tirou, durante sua estadia na cidade de Copenhagen, enquanto andava de bicicleta. Ele as imprimiu e montou como colagens em esculturas circulares dispostas em discos giratórios. Essas esculturas, que ele chama cinetropes, são filmadas em tempo real e o resultado animado é editado por Dyer e visualizado em três telas diferentes. A animação em si só pode ser visualizada nessas telas ou através dos visores das câmeras que as filmam.

AVANCA | CINEMA 2011

72

Figura 3 – Eric Dyer’s Cinetropes

É interessante perceber que Dyer propõe uma investigação que vai além da animação em si. Os loops e movimentos cíclicos são objeto de seu estudo. Ele filma seus cinetropes de vários ângulos, recriando e editando as imagens no intuito de explorar artisticamente sua obra. Em suas próprias palavras afirma: Eu desenterrei o zootrópio, um brinquedo ótico pré-cinema, e eu o estou usando para criar e explorar uma linguagem visual de loops e espirais. Quando girado, as complexas esculturas circulares, apelidadas de cinetropes, são um borrão ao olho humano, mas ganham vida quando vistas através do visor ou das lentes de uma câmera de vídeo.7

A obra de Dyer possibilita o uso de sua estrutura tanto como objeto de arte, quanto como animação. Quando o espectador descobre que aquelas lindas esculturas circulares possuem um movimento significativo através da animação, a obra em si ganha em significação. A câmera funciona como instrumento potencializador do olhar, pois permite ver aquilo que seria impossível perceber a olho nu. Essa linha de raciocínio lembra os princípios estabelecidos por Dziga Vertov sobre a utilização da câmera como cine-olho que, segundo Erika Savernini “já é o germe do conceito contemporâneo de cinema expandido” (SAVERNINI: 2011:157): O principal, o essencial é a cine-sensação do mundo. Assim, como ponto de partida, defendemos a utilização da câmera como cine-olho, muito mais aperfeiçoada do que o olho humano, para explorar o caos dos fenômenos visuais que preenchem o espaço. O cine-olho vive e se move no tempo e no espaço, ao mesmo tempo em que colhe e fixa impressões de modo totalmente diverso daquele do olho humano. A posição de nosso corpo durante a observação, a quantidade de aspectos que percebemos neste ou naquele fenômeno visual nada têm de coercitivo para a câmera, que percebe mais e melhor na medida em que é aperfeiçoada. Nós não sabemos melhorar nosso olho mais do que já foi feito, mas a câmera, ela sim, pode ser indefinidamente aperfeiçoada. (VERTOV8 : 1983: apud SAVERNINI: 2011:157)

Algumas das instalações animadas aqui analisadas possuem essa característica do olhar potencializado através do princípio cine-olho de Vertov. Este também é o caso de Pika-Pika, projeto de animação do grupo japonês Tochka. Eles realizam uma performance de animação “ao vivo”. Uma câmera fotográfica tira fotos, sem flash, dos artistas com um tempo de exposição de 30 segundos. Enquanto isso os artistas, utilizando lanternas coloridas, desenham formas no ar, tentando dar a elas um movimento sequencial. Após uma série de cerca de 30 fotogramas eles utilizam um computador para mostrar em seqüência as imagens produzidas, fazendo posteriormente um vídeo que é disponibilizado na internet. Apesar da animação em si ser muito simples o resultado é surpreendente, pois revela aquilo que o espectador a “olho nu” não pode perceber. É como se a magia das formas animadas nos permeasse durante todo o tempo, mas só as enxergamos com o auxílio da tecnologia que ajuda a potencializar o olhar do espectador.

7 Tradução livre da autora. Texto original em inglês: “I have dug up the zoetrope, a pre-cinema optical toy, and am using it to create and explore a visual language of loops and spirals. When spun, the complex circular sculptures, dubbed cinetropes, are a blur to the human eye but come to full animated life when viewed through shutter glasses or the lens of a fast-shutter video camera.” Disponível em: http://vimeo.com/17314292 8 VERTOV, Dziga. Resolução do conselho dos três (10/4/1923). In: Xavier, Ismail (org). A experiência do cinema; antologia. Rio de Janeiro: Graal; Embrafilme, 1983. (Coleção Arte e Cultura, vol. N.5)

AVANCA | CINEMA 2011

73

Figura 4 – Tochka’s Pika Pika

Um dos mais expressivos e marcantes exemplos de instalações animadas pode ser encontrado nas esculturas cinéticas de Gregory Barsamian. Esse artista norte-americano, conhecido como escultor do tempo, desenvolveu uma estrutura que se assemelha a um zootrópio acionado por um motor e que apresenta um ciclo de transformação de objetos reais, esculpidos sequencialmente, ao invés de desenhos. Tudo isso é sincronizado com uma luz estroboscópica que reproduz o efeito de “flicagem”, “congelando” assim o movimento acelerado de rotação da estrutura e possibilitando a visualização da animação dos objetos reais esculpidos. A sensação tátil e a materialidade da escultura contrastam com o movimento adquirido no apagar das luzes convencionais e no acender da luz estroboscópica. O assombro é causado pela impressão que se tem de que a animação está acontecendo diante dos olhos do espectador sem a tela ou câmera como intermediárias. A animação acontece em tempo real, confundindo e encantando o espectador. Além de resgatar o assombro, surpreendendo o espectador, as obras de Barsamian possuem um caráter reflexivo. Em algumas delas o movimento cíclico remete tragicamente ao mito de Sísifo, convidando à filosofar sobre os dilemas da condição humana. Esse é o caso, por exemplo, de uma de suas mais simples esculturas: Scream (1998). Em uma estrutura circular são representadas apenas as cabeças esculpidas de um homem que começa a gritar e ao fazê-lo chega a virar do avesso, voltando assim ao seu estado original e recomeçando a gritar novamente, num ciclo interminável. O conceito de ciclo em animação é uma referência importante na obra de Barsamian.

Figura 5 - Gregory Barsamian’s Scream

Pela impressão de que a animação está acontecendo diante dos olhos do espectador, os limites entre sonho e realidade estreitam-se, reforçados pelo ambiente fantasmagórico criado pelo flicar da luz estroboscópica. Assim, a relação do público com a “imagem”, nesse caso escultura, em movimento é reinterpretada de forma ao mesmo tempo familiar e estranha. A artista japonesa Kumi Yamashita criou em 1999 a obra “Diálogos”. Ela criou cerca de 60 recortes em papelão de rostos, levemente diferentes uns dos outros, simulando uma fala. Esses cartões em forma de rostos foram dispostos verticalmente em uma estrutura giratória e a animação em si só pode ser percebida através da sombra projetada na parede, que por ser chapada faz parecer que as cabeças estão dialogando.

AVANCA | CINEMA 2011

74

Figura 6 – Kumi Yamashita’s Dialogues

Yamashita eleva o trabalho com recortes e sombras à categoria de arte. Sua obra impressiona pela simplicidade e significado intrínsecos. Além de instigar o espectador ela recria processos artesanais que ganham novos sentidos ao serem expostos nos dia atuais. Talvez a grande característica similar a todas as obras analisadas seja a singeleza da idéia, a simplicidade da execução e o brilhantismo de sua significação. Ao propor um resgate e uma releitura dos aparatos do período précinema elas estão refletindo também sobre o papel da animação na contemporaneidade. A animação não precisa ser elaborada e cara para tocar a alma de seu público. Uma forte e surpreendente evidência disto foi a campanha totalmente “analógica”, em 2007, da Agência inglesa Fallon para o lançamento da linha de TVs Bravia da SONY. Exemplo do uso criativo da animação ainda que para fins comerciais. Em um dos filmes publicitários da série é utilizada a animação Stop-Motion9 com coelhos de massa de modelar. Ao realizar essa animação em plena cidade de Nova York, em meio a toda a agitação da cidade, eles conseguem criar um tempo e um clima próprio da animação. As pessoas passam e são elas que possuem o movimento alterado, o tempo e o foco está no movimento animado dos coelhinhos. É como se novamente a animação, através dessa construção sintética do tempo, acontecesse em uma realidade à parte, como se a magia estivesse lá durante todo o tempo, mas não se podia vê-la a olho nu ou sem o aparato tecnológico correto.

Nome dado a técnica de animação em que objetos tridimensionais (mais especificamente bonecos, massinha) são fotografados quadro a quadro em posições minimamente diferentes uma das outras para que os objetos pareçam se mover.

9

AVANCA | CINEMA 2011

75

Figura 7 – Sony Bravia’s Play-Doh

Outro filme dessa mesma campanha é o “Drome Zoetrope” o maior zootrópio já construído, segundo o livro Guiness dos Recordes. Em uma rua de uma cidadezinha italiana eles construíram essa imensa estrutura, usando o princípio dos brinquedos óticos. Na parte interna telas da SONY Bravia exibiam sequencialmente imagens do jogador Kaká, enquanto a estrutura preta externa com frestas começava a girar. Ao atingir certa velocidade a animação acontecia e o jogador de futebol passava a bola para si mesmo num ciclo, para encantamento dos transeuntes.

Figura 8 – Sony Bravia’s Drome Zoetrope

Um exemplo ainda mais recente do uso dos princípios dos brinquedos óticos associados à contemporaneidade está no clip do single “We got time” de Moray MacLaren, de 2009. Nesse clip ele faz um uso interessante do Praxinoscópio e através da edição digital cria transições perfeitas de um ciclo animado a outro, criando uma seqüência visual de acordo com o tema cantado. Ao fazer uso de vitrolas para fazer girar os praxinoscópios o diretor David Wilson, que desenhou a mão cada uma das animações do clip, adapta criativamente a funcionalidade desse clássico brinquedo ótico.

AVANCA | CINEMA 2011

76

Figura 9 – Moray MacLaren’s We got time

Os aspectos materiais destas obras têm raízes no trabalho de Émile Reynaud, Eadweard Muybridge, ÉtienneJules Marey, Thomas Edison, Lotte Reiniger e muitos outros pioneiros da imagem em movimento. Quando essas referências são associadas ao uso da tecnologia propõem uma experiência singular. O aspecto lúdico destas obras, por sua vez, resgata uma ingenuidade presente nos primeiros filmes de Georges Méliès. Quase como se quisessem recuperar um passado de sonho que pela encenação lúdica e ilusionismo objetivava o simples deleite da platéia. Uma relação e uma sensibilidade que acabaram perdidas no caminho essencialmente comercial tomado pela animação, e até mesmo pelo cinema, na atualidade.

Conclusão Estamos vivenciando uma época em que a animação vem estabelecendo-se como a “ponta mais afiada da tecnologia” (GEHMAN, REINKE: 2005), sendo cada vez mais utilizada no meio digital. O “lápis virou pixel” (WELLS, HARDSTAFF, CLIFTON: 2008) e a animação de mera coadjuvante passa a ter o papel principal no universo da indústria cinematográfica. Por isso é necessário repensar sua função para que ela não se perca na massificação tecnológica. Ao “re-imaginar a animação” na contemporaneidade os artistas citados levantam tendências que apontam para uma nova perspectiva de uso da animação. Além disso, esses artistas estão sempre renovando suas obras e propondo novos desafios. Estas obras apontam sim caminhos para uma nova perspectiva da animação, mas não podem ser consideradas um fim em si mesmas. Essa nova perspectiva faz seu caminho na relação entre animação e arte, potencializando assim a animação enquanto processo artístico. É a reflexão crítica da instalação animada como tendência para um novo tipo de relação com o espectador. Uma relação mais participativa, inusitada e reflexiva. A massificação do digital chegará, se já não chegou, a uma saturação de suas fórmulas e irá se destacar a obra ou produto audiovisual que conseguir de alguma forma arrebatar seu público. O acesso e a proliferação da animação para fora das salas de cinema é uma realidade crescente, principalmente através da convergência tecnológica. Uma tendência recente que vem ganhando maiores proporções é a projeção de filmes animados nas fachadas de prédios reais. A tecnologia de projeção avançada e a animação encontram-se para encantar o público, numa instalação de proporções gigantescas. Cria-se assim um momento único para aqueles que vivenciam a obra no auge de sua efemeridade, pois após a performance tudo o que resta são os vídeos/registros daqueles que estavam presentes disponibilizados online para o resto do mundo. Muitas empresas estão investindo nesse “potencial mágico” da animação para associarem suas marcas a um processo mais criativo e dinâmico. Este é o caso da LG, da Volvo, da HBO e muitas outras que têm seguido essa tendência. As projeções são realizadas normalmente em prédios clássicos da cidade para um grande público. Elas desconstroem sua arquitetura, constroem mundos em suas fachadas perante os olhos de um público atento, como se fossem portais mágicos do tempo. O encantamento é imediato. Mas até quando? Chegará essa tendência também a se saturar? Com certeza, e a partir dela, novas possibilidades criativas de uso da animação ressurgirão, fazendo girar mais uma vez o zootrópio da vida. O momento de liberdade criativa vivenciado na contemporaneidade não poderia ser maior. Essa liberdade permite dar vazão a criatividade fazendo uso da tecnologia das mais diferentes formas. Não se pode ficar atrelado a apenas um modelo narrativo industrial. Todas as obras aqui citadas, comerciais ou não, propõem de uma forma ou de outra uma alternativa criativa a esse modelo. Elas dialogam com o espectador, direta ou indiretamente, e fornecem AVANCA | CINEMA 2011

77

a ele uma experiência inovadora e única. Ao agregar simbolismos à obra possibilita-se múltiplas interpretações tornando-a mais significativa na contemporaneidade. Sempre existirá a animação comercial, não há dúvida. Espera-se apenas que o espaço de potencialização da animação como meio artístico aumente cada vez mais através de obras que levantem questionamentos, instiguem e encantem o espectador.

Bibliografia BARBOSA JÚNIOR, Alberto Lucena (2002) – Arte da animação. Técnica e estética através da história, São Paulo, Brasil, Editora SENAC, ISBN 85-7359-219-2, 456 pp. BAZIN, André (1991) – O cinema, ensaios – capítulo Ontologia da imagem fotográfica, São Paulo, Brasil, Ed. Brasiliense, ISBN 85-1122-033-X, 332 pp. CAMPAGNONI, Donata, MANNONI, Laurent (2009) – Lanterne magique et film peint, 400 ans de cinéma, catalogue, Paris, França, Éditions La Martinière, ISBN: 978-2-7324-3993-8, 335 pp. CHARNEY, Leo, SCHWARTZ, Vanessa R. (Orgs.) (2001) – O cinema e a invenção da vida moderna, São Paulo, Brasil, Cosac & Naify, ISBN 8575030515, 576 pp. DENIS, Sébastien (2010) – O cinema de animação, Lisboa, Portugal, Edições Texto&Grafia Ltda., ISBN 978-989-8285-14-0, 224 pp. GEHMAN, Chris. REINKE, Steve (2005) – The sharpest point: animation at the end of cinema, Toronto, Canada, YYZBOOKS, ISBN-10 0920397328, 288 pp. GOSCIOLA, Vicente (2003) – Roteiro para as novas mídias: do game à TV interativa, São Paulo, Brasil, Editora SENAC, ISBN 85-7359-324-5, 271 pp. GRAÇA, Maria Estela (2006) – Entre o olhar e o gesto: elementos para uma poética da imagem animada. São Paulo, Brasil, Editora SENAC, ISBN 85-7359-470-5, 222 pp. JOHNSTON, Ollie. THOMAS, Frank (1981) – The illusion of life: Disney Animation, New York, USA, Disney Editions, ISBN 0-7868-6070-7, 575 pp. MACHADO, Arlindo (1997) – Pré-cinemas e pós-cinemas, São Paulo, Brasil, Papirus,ISBN 85-3080-463-5, 304pp. MANNONI, Laurent (2003) – A grande arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema, São Paulo, Brasil, Editora SENAC: UNESP, ISBN 85-7359-293-1, 514 pp. PURVES, Barry (2008) – Stop Motion: passion and process, Oxford, Londres, Focal Press, ISBN 978-0-240-52060-5, 347 pp. RAMOS, Fernão(Org.) (2005) – Teoria Contemporânea do Cinema – Vol. 1, São Paulo, Brasil, Editora Senac, ISBN 85-7359422-5, 433 pp. _____________(Org.) (2005) – Teoria Contemporânea do Cinema – Vol. 2, São Paulo, Brasil, Editora Senac, ISBN 85-7359423-3, 325 pp. SAVERNINI, Erika (2011) – Cinema Utópico: a construção de um novo homem e um novo mundo, Minas Gerais, Brasil, Tese (Doutorado) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, 283 pp. WELLS, Paul. HARDSTAFF, Johnny. CLIFTON, Darryl (2008) - Re-Imagining Animation: Contemporary Moving Image Cultures, Lausanne, Suiça, Ava Publishing, ISBN 978-294-0373-69-7, 192 pp. XAVIER, Ismail (2003) – O olhar e a cena, São Paulo, Brasil, Cosac & Naify, ISBN 8575032313, 384 pp.

Textos online GRIFFIN, George – “Concrete Animation”, New York, 2007. http://anm.sagepub.com/cgi/content/abstract/2/3/259 (acedido em 05/05/2011) LEWIS, Sarah, BELASCO, Daniel – “The Dissolve”, in the catalogue of SITE Santa Fe’s Eighth International Biennial, Santa Fe, 2010. http://www.thedissolve.net (acedido em 25/05/2011)

Websites dos artistas citados Bill Brand: http://www.bboptics.com/masstransiscope.html Eric Dyer: http://userpages.umbc.edu/~dyer/Eric_Dyer/Home.html Gregory Barsamian: www.gregorybarsamian.com Kumi Yamashita: http://kumiyamashita.com/ Tochka – Pika Pika: http://tochka.jp/pikapika/

AVANCA | CINEMA 2011

78

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.