Intelectuais, conceito e História

September 17, 2017 | Autor: P. Funari | Categoria: Historia Intelectual, História, Teoria e metodologia da história
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Publicado em Intelectuais: conceito e História, organizado por Carlile Lanzieri Júnior e Rodrigo Davi Almeida, Curitiba, Editorial CRV, 2014, pp. 11-13, ISBN 9788544401828. Intelectuais: algumas considerações

O estudo do passado está fundado no conhecimento da linguagem das fontes, dos seus termos, conceitos e especificidades. Como já enfatizara Aristóteles, na Poética (1451b), a História trata do efêmero, do particular ou irrepetível e não há como superar a limitação de que cada época possui instrumentos de conhecimento do mundo que são únicos, só seus. Por outro lado, não se pode entender e narrar o diferente, no passado ou no presente, usando apenas os termos das épocas ou lugares específicos, tanto pela inviabilidade prática (como escrever a História da Grécia antiga em grego antigo apenas?), como pela perda de parâmetros de distanciamento e comparação. A diferença é essencial para explicar o mundo. Nestas circunstâncias, embora o termo intelectual seja contemporâneo, ele pode ser usado, de maneira produtiva, para lidar com outras épocas cultura, como já propunha Joseph M. Briant ao tratar do intelectual na Grécia antiga 1, em artigo que já se intitulava com dois conceitos inexistentes em grego: intelectual e religião. Não havia, stricto sensu, intelectuais ou religião na antiguidade grega, mas nem por isso deixam de ser conceitos férteis para o estudioso. Neste aspecto, a categoria analítica designada pelo termo intelectual permite colocar em relação todos aqueles, em diferentes épocas, culturas e situações, que buscam compreender e pensar o mundo. Estes são os sentidos da origem do verbo latino intellego (entender, compreender), derivado a junção de inter (entre) e lego (juntar), com raiz comum e sentido partilhado com o grego legein (juntar, pensar) e logos (junção, pensamento). Portanto, ab initio, o conceito por trás do intelectual envolve a junção de uma coisa com outra, para formar um raciocínio expresso numa narrativa que procure dar conta da realidade. Esta é sempre mais caótica e contraditória, e mesmo fortuita, do que qualquer construção intelectual que procure explicar e narrar o mundo de forma coerente. Por isso mesmo, o papel dos pensadores do mundo reveste-se de particular interesse e fascinação. Na tradição ocidental, os intelectuais estão na origem da própria definição da cultura e da identidade: como definir o mundo grego antigo, sem Homero? Mesmo que um indivíduo chamado Homero sequer tenha vivido, sua persona não pode ser desvencilhada não só dos gregos, como de nós mesmos, com nossas retomadas constantes das narrativas homéricas, como as viagens de Ulisses (nos Lusíadas ou em Joyce!). Tanto mais isso é válido para os intelectuais que viveram e produziram, como Platão, Aristóteles, Cícero, Sêneca, mas também Paulo de Tarso e Agostinho, para

1

Joseph M. Bryant, Intellectuals and religion in Ancient Greece: notes on a Weberian theme, The British Journal of Sociology, 37, 2, 1986, 269-296.

ficarmos ainda na Antiguidade. A distinção entre filósofos e santos desfaz-se no conceito do intelectual. A partir do Iluminismo e dos estados nacionais, no século XVIII, os intelectuais passaram a estar em íntima relação com a construção de projetos nacionais, a partir de uma perspectiva prospectiva e programática de forjar um futuro compartilhado, como propôs François Hartog, em diversas obras, na esteira de outros estudiosos da relação íntima entre a modernidade e a tentativa de estabelecer um homem novo e um futuro diferente do passado, melhor e mais racional. Mesmo o internacionalismo e a busca da justiça social, em movimentos intelectuais como o socialismo, o comunismo e o anarquismo, partiram de intepretações de intelectuais, mesmo e quando eles afirmavam - como o fizeram Marx e Engels - que cabia não apenas pensar, mas mudar o mundo. Este volume congrega historiadores brasileiros, eles próprios intelectuais, voltados para refletir sobre os intelectuais no contexto anterior à modernidade (Carlile Lanzieri Júnior), no início da renovação iluminista (Igor Antônio Marques de Paiva), no Brasil imperial e republicano (Renilson Rosa Ribeiro e Alexandra Lima da Silva), mas também no ocidente da segunda metade do século XX (Rodrigo Davi Almeida e Marcelo Fronza) e na América Latina na mesma época (Marion Escorsi Valério). Como ressaltam os organizadores, há uma diversidade de pontos de vista e de horizontes teóricos agenciados, de Hartog a Sartre, de Bourdieu a Marx, passando por Foucault, Ginzburg, Chartier e Koselleck, entre outros. Isso revela a riqueza de perspectivas que se desenvolvem em nosso meio historiográfico, para benefício geral. Em seguida, deve notar-se que os autores tiveram formação em instituições como UFF, UERJ, UFES, UFMT, Unicamp, UFPR e Unesp e atuam em centros emergentes (UFMT e UFFS). Isto mostra, por um lado, o florescimento de programas de pós-graduação há duas décadas e, mais recentemente, a atuação crescente das instituições para além das mais antigas e consolidadas. O leitor concluirá a viagem por esta obra não só muito mais bem informado, como entusiasmado para fazer suas próprias pesquisas para compreender o mundo, para empreender sua própria aventura intelectual.

Campinas, agosto de 2014.

Pedro Paulo A. Funari Professor Titular do Departamento de História Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais Universidade Estadual de Campinas

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