Interações econômicas na fronteira Brasil-Argentina: fluxos de mercadorias e investimentos produtivos na fronteira do Rio Grande do Sul com as províncias de Corrientes e Misiones. In: América Platina: dilemas, disputas e rupturas. Guillermo Johnson et al. (orgs.). Curitiba: Appris, 2016. p. 181-198

July 29, 2017 | Autor: C. Pereira Carnei... | Categoria: Human Geography, Political Geography, Frontier Studies, Fronteras, Geografía Política
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INTERAÇÕES ECONÔMICAS NA FRONTEIRA BRASIL-ARGENTINA: FLUXOS DE MERCADORIAS E INVESTIMENTOS PRODUTIVOS NA FRONTEIRA DO RIO GRANDE DO SUL COM AS PROVÍNCIAS DE CORRIENTES E MISIONES Camilo Pereira Carneiro Filho Pós-Doutorando PPGEEI/UFRGS [email protected] Júlio César Lang Mestrando POSGEA/UFRGS [email protected]

Resumo: A função de defesa forjou a formação e desenvolvimento das cidades da fronteira Brasil-Argentina. Todavia, no decorrer do século XX algumas cidades fronteiriças passaram a constituir importantes nós de redes de transporte, passando a ser impactadas por obras de conexão viária. Na faixa de fronteira Brasil-Argentina, principalmente no estado do Rio Grande do Sul, desde as últimas décadas do século XX a transformação da fronteira-separação em fronteira-cooperação têm implicado em transformações no que tange à implementação de infraestruturas estratégicas. A fronteira do Rio Grande do Sul com as províncias argentinas de Corrientes e Misiones é um lugar chave por ser atravessada por fluxos de mercadorias com destino aos grandes centros do MERCOSUL. Fluxos que são acompanhados de políticas determinadas a quilômetros de distância dali, nas capitais nacionais. Nos últimos anos, a fronteira gaúcha tem testemunhado o desenvolvimento de projetos que visam aproveitar suas vantagens comparativas. Além do fornecimento de energia elétrica para empresas do setor agropecuário, carro-chefe da economia local, os projetos relacionados à geração de empregos se baseiam na vantagem da localização geográfica das cidades de fronteira, caso do projeto dos free shops na fronteira. O presente trabalho descreve o contexto atual dos fluxos de mercadorias e dos investimentos produtivos na zona de fronteira do Rio Grande do Sul com as províncias de Corrientes e Misiones. Um cenário no qual as fronteiras vêm recebendo novas funções atreladas aos interesses de diferentes grupos de poder. Palavras-chave: Fronteira Brasil-Argentina; Rio Grande do Sul; cidades gêmeas.

Introdução

Até o final do século XVIII, após os tratados de Madrid (1750) e Santo Ildefonso (1777), passando pelo período de invasão espanhola (1763/1776), o território que hoje abrange a fronteira do Brasil com a Argentina sempre pertenceu à Espanha. O domínio português só se consumou de fato, após a conquista de 1801, consolidando-se definitivamente em 1851 (PAHIM, 2003). O passado belicoso do arco Sul da fronteira brasileira explica o fato de várias cidades de fronteira terem surgido a partir da implantação de batalhões militares. Com o passar dos anos, a função de defesa desempenhada por essas cidades passou a coexistir com funções urbanas que em alguns casos corresponderam ao crescimento do núcleo populacional localizado do outro lado do limite internacional. A função de defesa que marcou muitos municípios da fronteira meridional do Brasil não impediu o surgimento de interações em escala local entre povoados brasileiros e argentinos. Interações que não ocorriam em escala regional ou estadual em virtude da precariedade das vias de transporte. Até o início do século XX, a infraestrutura de transportes era tão deficiente que muitos dos municípios gaúchos fronteiriços utilizavam o porto de Montevidéu para a exportação de seus produtos (CARNEIRO FILHO, 2008). No entanto, no decorrer do século XX, algumas cidades gêmeas na fronteira Brasil-Argentina passaram a constituir importantes nós de redes de transporte, passando a ter suas economias impactadas pela conexão através de balsas e pela construção de pontes internacionais. Conexões que repercutiram no mercado de trabalho de muitas cidades fronteiriças, onde o setor terciário atacadista e o de transporte passaram a prevalecer. Esse novo cenário só foi possível em virtude das mudanças das noções de fronteira vividas na América do Sul no final do século XX. De fronteiras de contenção efronteiras-separação da geopolítica realista de Brasil e Argentina as fronteiras passaram a adquirir características de áreas de transição, interface e/ou de comutadoras entre os países. Assim, os antigos significados nacionalistas e militaristas de fronteira foram substituídos, verificando-se uma atualização das velhas idéias ratzelianas de fronteiras móveis ou flutuantes, e as áreas de fronteiras deixaram de serzonas de tensão para se converterem em zonas de contato e articulação (RÜCKERT, 2003).

A última década do século XX e a primeira década do século XXI testemunharam um aumento das interações econômicas entre Brasil e Argentina, impulsionadas, entre outros fatores, pela redemocratização e pelo surgimento e desenvolvimento do MERCOSUL. Com isso, algumas cidades gêmeas localizadas na fronteira do Rio Grande do Sul com as províncias argentinas de Corrientes e Misiones passaram a ser atravessadas por um maior número de fluxos comerciais destinados a grandes centros como Buenos Aires e São Paulo.

1.1 Fluxos de mercadorias na fronteira do Rio Grande do Sul com Corrientes e Misiones

A partir da assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, o comércio entre Brasil e Argentina sofreu uma grande expansão e a Argentina chegou a sero segundo principal parceiro comercial do Brasil. Atualmenteesse país segue sendo estratégico, figurando desde 2008 como o terceiro mais importante parceiro comercial do Brasil, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos. No que tange às pautas de exportação e importação entre Brasil e Argentina, no ano de 2011, entre os 10 principais itens da pauta de exportações brasileiras destacavam-se produtos da indústria automotiva (Acordo de Alcance Parcial de Complementação Econômica n° 14 - ACE 14). No mesmo ano, na pauta de importações brasileira da Argentina destacavam-se produtos incluídos no regime automotivo e também cereais (trigo) e combustíveis. Apesar dos números do intercâmbio Brasil-Argentina, no tocante às economias das cidades da fronteira do Rio Grande do Sul com as províncias argentinas de Corrientes e Misiones evidencia-se um isolamento histórico que se explica pela ausência ou insuficiência das redes de transporte e comunicação, mas também pelo peso econômico e político menor que possuem e pelo isolamento formal dessas áreas em relação aos Estados vizinhos, decorrente do papel disjuntor dos limites políticos (MACHADO, 2005). Limites esses que são mantidos através de legislações protecionistas dos dois países. Nas duas margens do rio Uruguai, apecuária bovina e, sobretudo, a agricultura têm um grande peso na economia. Na Fronteira Oeste gaúcha, por exemplo, o arroz é a força da economia de municípios como Uruguaiana, Itaqui, Alegrete e São Borja, que historicamente figuram entre os maiores produtores do país. Por sua vez, nas províncias

argentinas de Misiones e Corrientes, o setor primário também possui grande importância na economia, com destaque para o cultivo de erva-mate, arroz e madeira. Também importante para a economia da fronteira Brasil-Argentina, o setor de serviços ligado ao transporte e logística passou a ser desenvolvido após a inauguração da Ponte Internacional Agustin Justo-Getúlio Vargas, que liga Uruguaiana e Paso de los Libres, em 1947. A ponte foi um marco no que tange à conexão e à interação entre Brasil e Argentina. No entanto, as disputas geopolíticas entre argentinos e brasileiros ao longo do século XX impediram um aprofundamento das interações até a década de 1980, quando a distensão, que coincidiu com a redemocratização nos dois países, propiciou o surgimento do MERCOSUL no ano de 1991. Com o surgimento do MERCOSUL, e na seqüência a reforma constitucional da ordem econômica brasileira a partir de 1995, algumas unidades da federação brasileira sofreram um processo de internacionalização aprofundado, em particular o estado do Rio Grande do Sul, em virtude da localização em região fronteiriça. Neste processo redefiniram-se as funções dasfronteiras, de defensivas para articuladoras (RÜCKERT, 2003). Nesse sentido, algumas cidades gêmeas da fronteira gaúcha com a Argentina passaram a possuir um papel estratégico como lugares de comunicação e trânsito. O bloco proporcionou um aumento do fluxo de mercadorias que passou a cruzar essas cidades diariamente. É verdade que tais fluxos, por serem, na maioria dos casos, movidos desde locais distantes, sem que ocorra um processo logístico mais avançado, não geram tantos benefícios à economia das cidades gêmeas que atravessam. No entanto, a última década do século XX e o início do século XXI testemunharam o aumento do investimento do governo brasileiro nas aduanas, a inauguração, em 1997, da Ponte Internacional São Borja-Santo Tomé e a implementação do Centro Unificado de Fronteira, instalado na margem argentina dessa ponte. Investimentos que impactaram as cidades gêmeas que os receberam (CARNEIRO FILHO, 2008). Apesar do aumento do comércio entre os países do Cone Sul desde a implementaçãodo MERCOSUL, nos últimos anos, o blocopassou a se deparar com um cenário de estagnação mencionado pelo presidente Mujica do Uruguai (RODRIGUES, 2014), que pode ser comprovado com a análisedos números do gráfico 1, que demonstra o histórico recente de importações e exportações entre Brasil e Argentina.

Gráfico 1 – Histórico de importações e exportações (em dólares) entre Brasil e Argentina (2008-2012) 25000000 20000000 15000000 Importações

10000000

Exportações

5000000 0 2008

2009

2010

2011

2012

Organização: CARNEIRO FILHO; LANG, 2014. Fonte de dados: RECEITA FEDERAL, 2014.

O momento ruim vivido pelo MERCOSUL pode ser visualizado também na redução do número de caminhões de carga que atravessam a fronteira entre Brasil e Argentina (gráfico 2). Nos últimos anos, alguns pares de cidades gêmeas, como Uruguaiana-Paso de los Libres e São Borja-Santo Tomé que possuem um papel de destaque no setor de transportese logística apresentaram queda no fluxo de caminhões que utilizam essas cidades como porta de entrada e saída entre Brasil e Argentina. Gráfico 2 – Fluxo de caminhões na fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina (2010-2012) 180000 160000 140000 120000 100000 80000

2010

60000

2011

40000

2012

20000 0

Uruguaiana São Borja (Porto Seco)

Porto Xavier

Itaqui

Organização: CARNEIRO FILHO; LANG, 2014. Fonte de dados: ABTI, 2014.

No arco Sul da fronteira brasileira Uruguaiana e São Borja possuem papel de destaque no setor de logística e transporte de mercadorias em virtude das pontes internacionais, do Porto Seco e do CUF. As cidades só ficam atrás de Foz do Iguaçu no tocante ao fluxo de caminhões que atravessam a fronteira entre Brasil e Argentina, sendo as principais portas de entrada e saída internacionais terrestres do Rio Grande do Sul (gráfico 2).

2. Investimentos públicos e privados na fronteira Brasil-Argentina

De

acordo

com

Lefebvre

(1976,

apud

RÜCKERT,

2003

p.126),

concomitantemente à representação das estratégias que valorizam os territórios dentro do cenário de competição internacional, as reestruturações territoriais necessitam ser analisadas de acordo com asnovas funções que os territórios passam a terem função de estratégias projetadas por diversos atores. No caso da fronteira gaúcha com a Argentina, tais funções dos territórios encontram-se balizadas – nas interfaces entre o interno e o externo – pela macropolítica externa comercial por parte do Estado brasileiro. Desde a última década do século XX, alguns territórios na fronteira Brasil-Argentina vêm recebendo novas funções em virtude de interesses de diferentes grupos de poder. Dessa forma, passam aconviver lado a lado projetos nacionais – que se incorporam à escala supranacional – e projetos que representam segmentações e rupturas das novas totalidades (RÜCKERT, 2003). O Porto Seco de Uruguaiana e o Centro Unificado de Fronteira são projetos que exemplificam essa dicotomia.

2.1 O Porto Seco de Uruguaiana e o Centro Unificado de Fronteira

Uruguaiana e São Borja se destacam dentre as demais cidades da fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina em virtude de suas pontes internacionais e também de dois órgãos de controle integrado e movimentação de cargas: o Porto Seco de Uruguaiana e o Centro Unificado de Fronteira (na Ponte São Borja-Santo Tomé). O Porto Seco de Uruguaiana, que é administrado pela empresa Elog, tem capacidade para 600 veículos, sendo dotado de equipamentos modernos e aduanas integradas. Grande parte dos cerca de mil caminhões que passam diariamente pela BR-

290 com produtos importados ou mercadorias que serão enviadas para outros países utiliza os serviços do Porto Seco de Uruguaiana (G1, 2014). Na economia do município de Uruguaiana o Porto Seco possui uma importância muito grande. A influência de seus gestores é tamanha que em algumas situações eles chegam a assumir papéisque por lei são de competência dos governos estadual e federal. Nesse sentido, desde maio de 2014, em razão da queda no movimento de caminhões no Porto Seco de Uruguaiana nos últimos anos – pelo menos 1% a cada ano (gráfico 2) –, causada por uma onda de furtos, a Elog e seus parceiros (a Associação Brasileira de Transportes Internacionais (ABTI), o Sindimercosul e o Sindicato dos Despachantes Aduaneiros do Estado do Rio Grande do Sul) adotaram algumas medidas para dar mais segurança à região de Uruguaiana, em especial no acesso à BR 290. A primeira providência foi contratar segurança privada, em caráter de teste, por noventa dias, para melhorar a segurança do acesso ao Porto Seco. A Elog também fechou um acordo com a prefeitura de Uruguaiana para instalação de iluminação pública na margem direita de quem sai do Porto Seco. Além disso, uma equipe da Elog mantém ainda uma rotina de ações preventivas em conjunto com as entidades de classe da região e uma parceria com a Polícia Rodoviária Federal (ELOG, 2014). Por sua vez, na ponteentre São Borja e Santo Tomé, o Centro Unificado de Fronteira (CUF), entrou em funcionamento no ano de 1998. O CUF agrega a totalidade dos organismos públicos argentinos e brasileiros responsáveis pela nacionalização e liberação de veículos e mercadorias. Uma centralização das atividades burocráticas, de fiscalização, de controle de cargas, pessoas e veículos em um mesmo local. Além disso, houve a instalação de infraestrutura para os caminhões e motoristas, que passam direto pelas cidades da fronteira, sem parar, uma vez que o Centro Unificado dispõe de diversos tipos de serviços, desde banheiros e restaurantes, até locais de armazenagem de cargas e parque de estacionamento de caminhões. A maior fiscalização na fronteira, decorrente da instalação do CUF e da nova ponte foi motivo de críticas, sobretudo por parte dos habitantes de São Borja. Foram muitas as alterações na dinâmica dos fluxos que cruzavam as cidades de São Borja e Santo Tomé. O comércio formiga entre as duas cidades praticamente acabou. Antes da ligação rodoviária, os chibeiros (pessoas que viviam do contrabando formiga) traziam as mercadorias da Argentina através do porto de São Borja. Com a inauguração da ponte o

porto encerrou suas atividades e o local foi transformado pela prefeitura em um parque com um conjunto de restaurantes e bares. O bairro do Passo sofreu muito com o fim das atividades do porto, nelea população de baixa renda contava com um grande mercado popular de produtos trazidos por meio do contrabando formiga. Depois da ponte muitos de seus moradores ficaram desempregados ou deixaram o bairro. Cabe destacar que, apesar das críticas, com a implantação do CUF, pessoas de outras regiões do Brasil e da Argentina passaram a residir em São Borja e Santo Tomé. Desde a abertura da ponte foi a cidade argentina a que mais cresceu (CARNEIRO FILHO, 2008). Um crescimento que se deve a fatores que impulsionaram a economia da cidade como a construção de obras de infraestrutura (a ponte e o asfaltamento de ruas e estradas); a instalação da faculdade de medicina; a abertura do cassino; e o câmbio, favorável aos brasileiros (que passaram a gastar mais na cidade).

2.2 Novas hidrelétricas no rio Uruguai

Nos últimos anos, os governos de Brasil e Argentina vem implementando projetos de duas novas hidrelétricas no rio Uruguai – Panambi e Garabi – que serão instaladas nas proximidades dos municípios de Porto Mauá e Garruchos (mapa 1). As hidrelétricas, que fazem parte das carteiras de projetos da IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana) e do PAC, estão orçadas em US$ 5,2 bilhões. O Complexo Hidrelétrico Garabi-Panambi, que deverá ser inaugurada em 2019, tem previsão de gerar 2.200 W e a energia gerada será dividida igualmente entre os dois países (BRASIL, 2014). A implementação das novas hidrelétricas acarretará, segundo a previsão do governo federal, a inundação de dezenove municípios, provocando a remoção de mais de 7,5 mil pessoas só no Rio Grande do Sul. Nos dois lados da fronteira inúmeros cidadãos estão descontentes com a situação, haja vista que cidades gêmeas de Garruchos (BRA)-Garruchos (ARG), Porto Mauá (BRA)Alba Posse (ARG) e Porto Xavier (BRA)-San Javier (ARG) irão ter grande parte de suas áreas submersas. As represas também causarão impactos no meio ambiente e na atividade turística da região. O Salto do Yucumã deverá ter o nível de suas águas alterado, correndo o risco de desaparecer.

Mapa 1 – Cidades gêmeas, conexões e hidrelétricas na fronteira do Rio Grande do Sul com as províncias de Corrientes e Misiones

2.3 Projeto da terceira ponte sobre o rio Uruguai

O rio Uruguai é um obstáculo natural ao fluxo de mercadorias e pessoas entre o Rio Grande do Sul e as províncias argentinas de Corrientes e Misiones. No início do século XX os governos de Brasil e Argentina começaram a pensar a construçãodeuma terceira ponte internacional, o que culminou no Acordo de Florianópolis, ocorrido no ano 2000, quando também se previu a criação da “Comissão Binacional para as Novas Pontes sobre o Rio Uruguai”, objetivando suprimir uma das carências em infraestrutura dessa parte da zona de fronteira. O projeto da terceira ponte sobre o rio Uruguai está inserido na carteira da IIRSA. Três pares de cidades gêmeas na fronteira Brasil-Argentina – Porto Xavier/San Xavier; Porto Mauá/Alba Posse e Itaqui/Alvear – destacam-se como as principais candidatas para o recebimento da obra, que ampliaria as possibilidades de interligação entre o território brasileiro e o argentino, facilitando também a conexão com o Paraguai. Segundo Rückert e Dietz (2013), diferentes fatores podem beneficiar a escolha de qualquer um dos três pares para a materialização da ponte: a) o par Porto Xavier/San Xavier oferece um ponto de fronteira habilitado para o comércio de importação e exportação, apresentando infraestrutura aduaneira, de serviços e de transporte internacional em ambas as margens do rio Uruguai; b) em que pese a provável construção das hidrelétricas de Garabi e Panambi, Porto Mauá e Alba Posse estão localizadas em um local estratégico por estarem mais distantesdas pontes de São Borja e Uruguaiana; c) em Itaqui foi criada a Associação de Apoio à Construção da Ponte Internacional (AAPI), uma organização de atores locais que luta por uma possível ligação viária entre Itaqui e Alvear.

2.4 Produção de energia baseada na casca de arroz

Na fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina diversos municípios se destacam pela rizicultura. O município de São Borja, além de ser um dos maiores produtores do Brasil, atualmente sendo responsável pelo beneficiamento de dez milhões de sacos de arroz (50 kg)/ano, gerando também um enorme passivo ambiental com a casca de arroz. Com o intuito de aproveitar as vantagens decorrentes dos rejeitos da rizicultura, em 2012, foi instaladaem São Borja uma usina termoelétrica que produz

energia utilizando a casca de arroz como combustível. A unidade gera 12,3 MW de potência, o suficiente para abastecer de uma cidade de 80.000 habitantes. O empreendimento é uma das obras mais significativas dos últimos anos na Fronteira Oeste gaúcha. Foi materializada através da aplicação de R$ 65 milhões de reais, provindos de uma das maiores empresas de fundos privados da Alemanha, a MPC Münchmeyer Petersen Capital GmbH & Co. A produção de energia baseada na casca de arroz oferece ainda a oportunidade de reduzir os impactos ambientais gerados na produção arrozeira, contribuir para o fortalecimento de práticas alternativas de geração energética (como, por exemplo, a energia eólica, geotérmica, maremotriz, solar, entre outras) e fortalecer a preservação do meio ambiente. Henriques (2009) ressalta que a casca de arroz oferece um enorme potencial para a geração de energia e que as cinzas produzidas no processo podem, direta ou indiretamente, ter aplicações em ramos como a cerâmica, a construção civil, a eletrônica, a química, etc. A ideia é uma solução inteligente para a resolução da questão do que fazer com as partes do arroz inaproveitadas para o consumo humano e ao mesmo tempo abre novas oportunidades ao desenvolvimento local.

3. Possibilidades de desenvolvimento: o turismo de compras e o ensino universitário

A geração de emprego e a permanência dos jovens são preocupações antigas das autoridades de cidades da faixa de fronteira gaúcha. Nesse sentido, iniciativas como a abertura de lojas free shop e dos campi universitários surgem como estratégias que poderão favorecer a geração de empregos e o desenvolvimento local.

3.1 O projeto das lojas free shop em cidades de fronteira

Em outubro de 2012 a Câmara dos Deputados do Brasil aprovou a lei 12.372, que autoriza a criação dos free shops brasileiros em vinte e oito cidades de fronteira. Contudo, os municípios contemplados precisarão criar legislações específicas para o funcionamento dos estabelecimentos. No Rio Grande do Sul dez municípios poderão ter lojas francas – Aceguá, Barra do Quaraí, Chuí, Itaqui, Jaguarão, Porto Xavier, Quaraí, Sant’Ana do Livramento, São Borja e Uruguaiana.

A abertura de lojas free shop pode vir a ser um estímulo ao turismo de compras em cidades gêmeas, estimulando e dinamizando principalmente o setor de serviços (hotéis, restaurantes, táxis, lojas, bancos, farmácias, etc.). A prefeitura de São Borja entende que as lojas poderão ser competitivas e acabar se tornando uma rota de comércio para os turistas, devendo ser mais uma alternativa de emprego e renda para o município (PREFEITURA DE SÃO BORJA, 2014). Em junho de 2013 foi realizado o 1° Fórum de Debates sobre Regulamentação da Lei de Free Shop nas Cidades de Fronteira. Esse encontro, que contou com representantes de cidades gêmeas dos três estados do Arco Sul, resultou na assinatura da Carta de Sant’Ana do Livramento, que defende a venda de mercadorias nos free shops especificamente a estrangeiros e brasileiros em viagem internacional com a devida comprovação. Essas restrições visam proteger o comércio local e em especial aqueles empresários que não aderirem ao regime de loja franca. É possível dizer que a lei 12.372 foi inspirada nos free shops instalados em seis cidades uruguaias na fronteira com o Brasil a partir de 1986(a criação das lojas foi autorizada pelo governo uruguaio que desejava gerar empregos e dinamizar a economia do norte do país). Não obstante, há uma diferença importante: nos estabelecimentos uruguaios apenas estrangeiros são autorizados a comprar. De acordo com a Portaria do Ministério da Fazenda n° 307, de 17 de julho de 2014, brasileiros em viagem internacional comprovada por documentação hábil também poderão comprar nos free shops (com um limite de valor global de isenção de US$ 300,00 por pessoa, a cada intervalo de um mês). O projeto das lojas free shop é uma nova proposta do governo federal brasileiro que ainda está em experiência. Só o tempo poderá revelar sua eficácia e desdobramentos. O certo é que as províncias de Corrientes e Misiones e mesmo os departamentos do norte uruguaio contam com um número de consumidores menor e com poder aquisitivo reduzidoem comparação com o Rio Grande do Sul. Essefato sugere que os efeitos causados pelos free shops uruguaios não serão semelhantes aos futuros free shops da fronteira gaúcha.

3.2 O ensino universitário na fronteira

A idéia de estabelecer o ensino universitário na faixa de fronteira possibilita a fixação dos jovens em uma região que, em geral, expulsa essa população, além de atrair

um novo perfil de pessoas para a região: profissionais com nível superior. Esses, além de fornecerem o conhecimento acadêmico, poderão influenciar positivamente as sociedades da fronteira com novas práticas e valores, e assim contribuir para o desenvolvimento

regional.

Atualmente, estão em

andamento alguns projetos

governamentais direcionados à faixa de fronteira. Nos últimos governos do Brasiluma iniciativa que cabe destaque é a política de promover a instalação de campi universitários em cidades da faixa de fronteira. Na fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina merecem destaque a UNIPAMPA, com os campi de São Borja, Itaqui, Alegrete e Uruguaiana, e a UFFS – Universidade da Fronteira Sul, com o campus de Cerro Largo-RS. Além dessas iniciativas do governo brasileiro, do lado argentino da fronteira, na cidade correntina de Santo Tomé, está instalado o Instituto Universitario de Ciencias de la Salud - Fundación Héctor A. Barceló, um estabelecimento de ensino superior que há anos atrai um grande número de alunos brasileiros (CARNEIRO FILHO, 2008). Essa universidade é um bom exemplo dos impactos positivos da presença de estudantes universitários na economia de uma pequena cidade fronteiriça, com o aquecimento do setor imobiliário (aluguel de imóveis) e de serviços (hotéis, restaurantes, supermercados, lojas, etc.).

Considerações finais

As cidades da fronteira do Rio Grande do Sul com as províncias de Corrientes e Misiones têm uma história marcada pela função clássica de defesa. Todavia, ao longo do século XX, em decorrência da conjuntura internacional, essa fronteira passou a receber novas funções, transformando-se em zona de articulação. A partir da década de 1990, com a criação do MERCOSUL e a reforma constitucional da ordem econômica brasileira, novos atores passaram a influenciar as políticas voltadas para a fronteira. Nesse sentido, obras de infraestrutura passaram a ser implementadas e determinadas desde os centros nacionais de decisão para atender interesses de determinados grupos de poder (bancos, empreiteiras, indústria automotiva, etc.). Tais obras, que causam impactos no cotidiano dos habitantes da fronteira, fazem parte do processo de inserção internacional do Brasil através daintegração regional

(MERCOSUL) e sul-americana. Inserção que é perpassada pela reestruturação econômica global. Juntamente com a estratégia dos Estados Nacionais, as empresas privadas – cada vez mais globais – têm assumido a implantação e a gestão de macroprojetos, especialmente de infraestrutura, no âmbito da reforma do Estado pela via do mercado. Atualmente, na América do Sul, há novos atores privados fazendo política em meio a um ambiente de reestruturação. Em que pese a ausência de diálogo e de participação nas decisões acerca dos grandes projetos para a fronteira, nos últimos anos algumas iniciativas vêm sendo

experimentadas

em

prol

do

desenvolvimento

local

(instalação

de

universidades, por exemplo). Não obstante, só o tempo poderá dizer se a partir de tais iniciativas novos atores poderão surgir para fazer um contraponto aos grupos de poder já estabelecidos.

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