INTERDISCIPLINARIDADE: ENTRE AS LINGUAGENS VERBAL-NÃO VERBAL E A EDUCAÇÃO INFANTIL DE ZERO A TRÊS ANOS

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REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VIII Nº 18 MARÇO/2017

INTERDISCIPLINARIDADE: ENTRE AS LINGUAGENS VERBAL-NÃO VERBAL E A EDUCAÇÃO INFANTIL DE ZERO A TRÊS ANOS Prof. Dr. Jack Brandão1 http://lattes.cnpq.br/0770952659162153

Profª Patrícia Gonçalves Pereira2 http://lattes.cnpq.br/0458149391124605

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RESUMO – A interdisciplinaridade, inserida no contexto da educação infantil, tem sido vista como um princípio pedagógico capaz de reformular a prática educativa. Para este trabalho, temos três objetivos, a saber: a) compreender o termo interdisciplinaridade e como ele é utilizado na educação infantil; b) investigar como se estabelece a interdisciplinaridade na aquisição das linguagens verbais e não verbais em crianças de zero a três anos; c) identificar os benefícios e os entraves da implantação da interdisciplinaridade como prática pedagógica nas escolas de educação infantil. PALAVRAS-CHAVE – interdisciplinaridade, educação infantil, crianças, professores, práticas pedagógicas ABSTRACT– Interdisciplinarity, in the context of early childhood education, has been seen as a pedagogical principle capable of reformulating educational practice. For this study, we have three objectives: (i) to understand the term “interdisciplinarity” and how it is used in early childhood education; (ii) to investigate how the interdisciplinarity is established in the acquisition of verbal and non-verbal languages for 0-3-year-old children; (iii) to identify the benefits and obstacles of the implementation of interdisciplinarity as pedagogical practice in early childhood education.

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Mestre e Doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP), docente do Programa Interdisciplinar de Mestrado em Ciências Humanas da Universidade Santo Amaro (UNISA/SP) e coordenador do Grupo de Pesquisa CONDESIM-FOTÓS/DGP-CAPES. 2 Mestranda do Curso Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Santo Amaro (UNISA/SP) e pós-graduada em Arte Terapia e em Arte na Educação; professora de Educação Infantil da Prefeitura Municipal de São Paulo.

Jack Brandão & Patrícia Cesar Gonçalves Pereira

REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VIII Nº 18 MARÇO/2017 KEYWORDS – Interdisciplinarity, children's education, children, teachers, pedagogical practices

Introdução Pretende-se, com este artigo, compreender o termo interdisciplinar e suas inúmeras variações, contextualizando-as com atividades práticas, de modo especial com as relações estabelecidas no cotidiano da educação infantil, em seu período pré-escolar, ou seja, com crianças de zero a três anos. Isso se faz necessário, visto que para a construção dessa prática interdisciplinar, cujo objetivo vai além da mera formação de alunos com uma visão geral sobre o todo, é importante que a criança, desde a mais tenra idade, desenvolva a aptidão para articular, ligar/religar e contextualizar dados que se fazem presentes no mundo a sua volta. A partir dessa perspectiva, o conhecimento deixa de ser apenas um acúmulo de 102

saberes, transmitido por um educador e recebido por seus alunos, já que compreende um objetivo maior: permitir o desabrochar da personalidade integral, algo pretendido desde a Grécia. Sócrates, segundo Platão (2007), dizia que precisamos parir (μαιευτική – maieutiké) o conhecimento, pois nós temos as respostas para muitas perguntas por que procuramos. Foi necessário quase um século para que voltássemos a perseguir tal ideal que fora rompido, de modo especial, no século XIX. Não à toa, a pós-modernidade tenta romper com tendências fragmentadoras, desarticuladas e descontextualizadas do conhecimento, ainda mais em uma sociedade tão complexa como a nossa. No entanto, para que isso ocorra, é necessário compreender a importância da transformação e da interação recíproca entre as inúmeras áreas do saber. Isso quer dizer que é de suma importância que a escola assuma sua responsabilidade perante um projeto pedagógico interdisciplinar. Nosso objetivo, ao longo do presente trabalho, será identificar os diferentes conceitos de interdisciplinaridade, desmistificar alguns modismos, descobrir benefícios e entraves para sua implantação nas instituições escolares – de modo especial na de educação infantil que atendam a crianças de zero a três anos –; e, por fim, compreender como se

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REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VIII Nº 18 MARÇO/2017 estabelecem as relações entre as linguagens verbais e não-verbais e as diversas disciplinas, nessa etapa importantíssima de aprendizagem e de formação (Ausbildung). Interdisciplinaridade e suas diferentes acepções A palavra interdisciplinaridade, desde seu aparecimento no Brasil por volta dos anos 1970, suscita diversas dúvidas no campo das Ciências Humanas e, de modo especial, na área que se dedica à educação. Isso é possível ser demonstrado pela banalização de seu emprego nesse contexto, já que qualquer relação entre as diversas disciplinas escolares é, para muitos, sua demonstração, não obstante a utilização de outros termos, de forma sinonímica,

em

seu

lugar,

como

multidisciplinaridade,

pluridisciplinaridade

e

transdisciplinaridade. Convém, portanto, explicitar aquilo que entendemos por interdisciplinar, diferenciando tal conceito daqueles seus pseudocongêneres, a fim de que possamos compreender cada um deles e utilizá-los de maneira mais assertiva. Assim, um dos melhores 103

caminhos a trilhar nessa conceitualização é recorrer a sua origem etimológica, quando certas imprecisões serão elucidadas, minimizando especulações. Ao

depararmo-nos

com

termos

congêneres

como

multidisciplinaridade,

pluridisciplinaridade, transdisciplinaridade e interdisciplinaridade, percebemos que todos são formados por um mesmo radical, -disciplina-, acrescido de diferentes prefixos, multi-, pluri-, trans-, inter-, e de um sufixo comum: -[r]idade. Assim, pode-se inferir que o elemento comum a todos seja o radical 3, -disciplina-, afinal toda a carga semântica está contida nele. Diante dessa aferição, verificamos que, etimologicamente, a palavra disciplina, do latim disciplina, além de estar inserida no campo pedagógico – “ação de se instruir, educação” (HOUAISS, 2007)4

–, adentra no epistemológico, chegando ao da “ordem,

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Despreza-se, dessa maneira, o sufixo –idade, cuja função é o de transformar verbos em substantivos; ou mesmo o –r que transforma substantivos em verbos. Assim, temos o substantivo disciplina que acrescido do sufixo –r, é transformado em verbo: disciplinar; quando a esta palavra acrescenta-se o sufixo –idade, temos um outro substantivo: disciplinaridade. 4 HOUAISS, A. VILLAR, M. S. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.

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REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VIII Nº 18 MARÇO/2017 sistema, princípios de moral.” (ibidem) Assim, devido ao fato de não se restringir a apenas um campo semântico, pode levar aqueles que fazem dela uso à imiscuição conceitual. Aquilo que nos interessa nesse momento é que se perceba que disciplina por pertencer a dois campos, a priori, distintos dos saberes humanos, o epistemológico (ramos do conhecimento científico) e o pedagógico (entidades curriculares), pode suscitar diversas dúvidas, de modo especial no campo que se dedica à educação, daí seu emprego ter-se banalizado em diferentes momentos para definir a relação entre as diversas existentes no contexto escolar. Não por acaso, o mesmo acabou acontecendo com todas as palavras que dela se derivam, como multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade e transdisciplinaridade. Resta-nos, nessa busca por compreender o escopo, a profundidade e a diferença entre tais termos, buscar as respostas em seus prefixos, tendo em mente que o conceito de interdisciplinaridade ocupa uma posição intermediária entre a pluridisciplinaridade (ou multidisciplinaridade) e a transdisciplinaridade, ou seja, mais que aquele e menos que esta. (POMBO, 1994) 104

Podemos definir multidisciplinaridade como uma associação de disciplinas trabalhadas simultaneamente, sem que haja um objetivo único, mas múltiplos; além disso, não há qualquer cooperação e coordenação efetivas entre elas, afinal evocam uma simples justaposição de recursos disponíveis por cada disciplina, sem implicar um trabalho de equipe. (JAPIASSU, 1976) Podemos exemplificar, como atividade multidisciplinar, um estudo de campo a respeito do “Monumento às Bandeiras”, de Victor Brecheret, localizado no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Assim, diversas disciplinas poderiam acorrer a ela: a geografia trabalharia, por exemplo, sua localização; as ciências tratariam da vegetação local; a educação artística mostraria por quem a escultura foi feita e qual o material utilizado; já a história contaria o porquê de o monumento estar ali e o que ele simboliza. Observa-se que as abordagens de cada disciplina são bem específicas, não ocorrendo, portanto, alguma interligação entre elas. A figura 1 ilustra, exatamente, a ausência de relação entre elas, pois cada uma permanece com sua metodologia própria, isolada em seus próprios conceitos. Cada retângulo, portanto, representa o domínio teórico-metodológico de uma ciência, e cada Jack Brandão & Patrícia Cesar Gonçalves Pereira

REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VIII Nº 18 MARÇO/2017 uma delas organiza seus saberes de maneira individual, sem explorar a relação entre os saberes de outras disciplinas, não permitindo uma efetiva cooperação entre si.

Figura 1 Multidisciplinaridade (JAPIASSU, 1979)

Apesar dessa não comunicabilidade efetiva entre as disciplinas, Piaget (1970) enxergava a multidisciplinaridade com bons olhos, pois essa prática não deixa de ser um avanço, diante da clausura a que aquelas estavam imputadas:

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Solucionar qualquer problema, tornando-se necessário obter conhecimento e informação de mais de uma ciência ou de diferentes esferas do conhecimento, sem que as ciências utilizadas nesse processo sejam elas mesmas modificadas ou enriquecidas. A multidisciplinaridade é considerada de suma importância para extinguir um ensino especializado, concentrado somente em uma única disciplina (p. 25).

Já a pluridisciplinaridade pode ser definida como o olhar a um objeto de pesquisa em que haja, pelo menos, a comunicação entre duas ou mais disciplinas. Por se tratar de uma justaposição de diversas ciências, geralmente inseridas num mesmo nível hierárquico, estas são agrupadas de forma que suas relações apareçam, por meio de conexões, em que haja margem para certa cooperação, mas não de coordenação entre si (JAPIASSU, 1979). Pode-se inferir que, nesse modelo, apesar de o procedimento entre as ciências ir além dos limites de uma disciplina, há certa cooperação entre elas. Sua finalidade, porém, permanece restrita ao quadro da pesquisa disciplinar em questão. Assim, mesmo que haja uma busca por afinidades mais profundas entre as disciplinas, essas se dão de maneira superficial, já que com tal associação não se exige quaisquer alterações, de modo individual, na forma e na organização das mesmas, sequer há uma coordenação entre elas: cada uma faz contribuições próprias da sua zona de conhecimento, não considerando que existe uma Jack Brandão & Patrícia Cesar Gonçalves Pereira

REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VIII Nº 18 MARÇO/2017 integração entre elas.

Isso fica claro na figura 2, onde é possível obervar como se

estabelecem as relações entre as disciplinas. A interdisciplinaridade, por sua vez, apresenta várias definições. Segundo Saviani (2003), ela é inevitável para a inserção de um currículo realístico, informal e integrador. É por seu meio que os conhecimentos, a serem transmitidos, passam de algo subdividido para um conhecimento constituído, percebendo-se a união entre as disciplinas.

Figura 2 Pluridisciplinaridade (JAPIASSU, 1979)

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Segundo Morin (2002), o termo “interdisciplinaridade” é concebido como uma enorme mesa de negociações dentro da Organização das Nações Unidas (ONU), em que muitos países se reúnem, mas cada qual para defender seus próprios interesses, conforme é possível depreender na figura 3. Esta ilustra como acontece essa cooperação e correlação entre as ciências, existindo um diálogo e uma ação coordenada entre elas. Verifica-se um nível hierárquico superior no qual se procede à coordenação das ações disciplinares, pressupondo-se um eixo integrador, que pode ser um projeto de investigação, um plano de intervenção ou um objeto de conhecimento. Sobre a definição do termo, Bochniak (1992) afirma-se que: A interdisciplinaridade é a forma com que podemos superar a fragmentação dos saberes constituída dentro de um currículo formal, ocorrendo inter-relações recíprocas entre as ciências. Gerando uma troca de dados, informações, resultados e métodos (p. 123).

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Figura 3 Interdisciplinaridade, (JAPIASSU, 1979)

Vemos, dessa maneira, que a interdisciplinaridade é um intercâmbio recíproco com a interação de diferentes saberes de forma coordenada e recíproca, ao apresentar um panorama metodológico comum a todos; ao integrar seus resultados; ao permanecer a 107

singularidade de cada disciplina; e ao se buscarem soluções aos entraves com outras ciências, articulando-os. A transdisciplinaridade, por sua vez, seria uma abordagem que visa à eliminação das divisões dos saberes nas escolas por meio de matérias. Essa prática, porém, só será possível quando não houver mais a fragmentação do conhecimento. Seria a compreensão da complexidade de uma forma ampla e não mais divisível. Depreende-se, a partir disso, que a transdisciplinaridade não atinge apenas relações ou reciprocidades, mas existe dentro de relações de um sistema total; uma inter-relação de várias ciências, não sendo mais possível separar as disciplinas. Na figura 4 tem-se a representação da transdisciplinaridade, tipo de interação em que ocorre uma espécie de integração de vários sistemas interdisciplinares em um contexto mais amplo e geral, gerando uma interpretação mais holística dos fatos e dos fenômenos.

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Figura 4 Transdisciplinaridade, (JAPIASSU, 1979)

A interdisciplinaridade e a relação com a educação infantil A criança há muito tempo já não é mais vista como um adulto em miniatura; hoje é considerada um ser que, desde o ventre da mãe, já se encontra em desenvolvimento. Silveira 108

(2000), ao definir este período da vida, diz que o mesmo “está ligada à ótica do adulto, e como a sociedade está sempre em movimento, a vivência da infância muda conforme os paradigmas do contexto histórico” (p. 32). Se há alguns anos, acreditava-se que a criança, para se desenvolver integralmente e se tornar um cidadão atuante na sociedade, deveria frequentar os bancos escolares desde muito cedo, de fato é isso o que se verifica hoje. Sua ocorrência, porém, se deve por outros motivos que não são, necessariamente, a busca pelo desenvolvimento integral da criança, mas como um auxílio aos pais que precisam trabalhar e necessitam de um lugar que garanta sua integridade física e emocional, mesmo que, para isso, não reste outra solução que inserilos em um grupo social diferente do familiar. A interdisciplinaridade, inserida na educação infantil, também pode valer-se dessa heterogeneidade nas salas, bem como dessa particularização de nosso tempo, agindo como uma prática pedagógica que visa a ensinar conceitos seculares de uma forma não mais tradicional como a que se verificava há pouco tempo, como a de uma mera escada para o sucesso.

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REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VIII Nº 18 MARÇO/2017 É importante termos em mente, convém ressaltar mais uma vez, que a interdisciplinaridade não pode ser considerada uma metodologia, mas uma prática que o educador pode desenvolver juntamente com seus pares, para estabelecer relações entre os diversos conhecimentos de uma forma não fragmentada. Os Referenciais da Educação Infantil (2002), em suas orientações, fazem com que as instituições de educação infantil desenvolvam um currículo baseando-se na interdisciplinaridade, ou seja, como algo que vá além da mera justaposição de disciplinas e, ao mesmo tempo, evite a diluição das mesmas, de forma que não se percam seu caráter generalizador. Tal prática necessita, portanto, ser experimentada pela escola, por professores e alunos, a fim de que estes – de modo especial – possam compreender, explicar, mudar, intervir, prever o que tem diante de si. Algo impensável, em se tratando de uma disciplina única. Convém salientar que, se por um lado, ainda há muitos educadores que se utilizam da palavra interdisciplinaridade como modismo, não compreendendo sua finalidade e 109

eficácia; por outro, diversos projetos surgem e buscam torná-la factível em termos pedagógicos, como o Identidade. O aforismo de Sócrates “conhece-te a ti mesmo”, por exemplo, serve para compreender o alcance de tal proposta, pois, para fundamentar essa frase, não basta um conhecimento superficial, dividido, nem partilhado, é necessário tê-lo em sua totalidade, de forma interdisciplinar. Durante o projeto, a criança aprende sobre seu histórico familiar, sua árvore genealógica, a importância de seu nome e o porquê de tê-lo, seu peso, sua altura, além de temas como alimentação, as partes do corpo, sobre sua moradia, sobre a questão da higiene, e isso tudo por meio de desenhos e brincadeiras. Algo importante também é o reconhecerse, desde a gravidez da mãe até momento presente, quando se empregarem, de modo especial, fotografias; levando os maiores, inclusive, a produzirem seu autorretrato. Enfim, são realizadas rodas de conversas sobre os diferentes temas abordados, para que a criança se reconheça como ser humano em sua totalidade. Deve-se ter em mente que, na educação infantil, não há professores especialistas por áreas; geralmente o professor é um pedagogo que realiza as diversas atividades ao mesmo Jack Brandão & Patrícia Cesar Gonçalves Pereira

REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VIII Nº 18 MARÇO/2017 tempo, que vão de cuidar dos pequenos a atividades que envolvam diversas linguagens e movimentos. Assim, o profissional precisa estar sempre atento à criança como um todo. Dessa maneira, o educador nem se dá conta de que está, de certa maneira, desenvolvendo um trabalho interdisciplinar. Fazenda (2002), ao refletir acerca do desenvolvimento da atividade docente, afirma que sendo interdisciplinar, espera-se que o mesmo tenha atitude de comprometimento e envolvimento, principalmente ao desenvolver projetos com as pessoas. A atitude é um compromisso de construir da melhor forma possível, é também a atitude sobre a responsabilidade, mas, principalmente, de revelação, de encontro, de alegria, enfim, de vida (p. 23).

Dentro das práticas escolares da educação infantil, as rodas de história, música, conversas e os cantos com atividades diversas também possibilitam a aprendizagem de uma 110

forma interdisciplinar. Antes de contar uma história, como um conto de fadas, o professor vai além: apresenta o livro, faz inferências a sua capa, a seu título, a seu formato, bem como a suas ilustrações. Isso seria, a priori, pertinente à disciplina de Educação Artística, já que se restringe ao campo de questões estéticas. No entanto, ao narrar a história propriamente dita, com sua entonação, suas pausas e acentuações prosódicas, por exemplo, adentra no campo da Língua Portuguesa. Tampouco, restringe-se a esta disciplina, pois é levado, mesmo que de forma involuntária, a dramatizar seu enredo, quando se afasta da mera decodificação das palavras ao empregar a linguagem corporal. Assim, após a leitura verbal e sua presentificação, tem início sua contextualização: o professor faz com que os alunos, a partir das imagens verbais aventadas – mesmo que eles não tenham sido seu agente ativo durante a leitura –, estabeleçam correlações entre o texto – suas personagens, seus cenários, suas cores, seus animais – e sua própria realidade ou aquelas que, por meio de outras leituras, foram se abrindo a cada dia.

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REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VIII Nº 18 MARÇO/2017 Podemos exemplificar melhor tais relações, a partir de um excerto retirado de um dos contos da compilação dos Irmãos Grimm, Branca de Neve, quando perceberemos como as conexões entre diversas disciplinas podem ser estabelecidas. Ela pensou, então: “Quem me dera ter uma filha branca como a neve, com os cabelos negros como o ébano e os lábios vermelhos como o meu sangue!”. Algum tempo depois, seus desejos foram realizados: ela deu à luz uma filha que tinha a pele branca como a neve, os lábios vermelhos como sangue e os cabelos negros como ébano. A princesa foi batizada como Branca de Neve (GRIMM, 1989, p. 6).

Ao falar de “branco”, “vermelho” e “negro”, as crianças farão, obviamente, analogia com as cores, campo em que se insere a disciplina de educação artística; quando se cita “neve”, a professora já poderá falar a respeito de textura, temperatura e clima, abordando, de maneira implícita, a geografia; ao falar em “dar à luz”, pode-se discorrer sobre a gestação 111

e o nascimento dos bebês, inserindo-se no campo da biologia. Realiza, dessa maneira, um estudo interdisciplinar sobre vários conceitos de diferentes áreas, muito tempo antes que as crianças possam compreendê-los sob o ponto de vista escolar ou científico. Vários outros exemplos podem ser encontrados e exemplificados, como nas cantigas infantis, nas quais o educador, sabendo explorar sua temática, pode estabelecer inúmeras relações significativas, como na que se verá a seguir: Como pode o peixe vivo Viver fora da água fria Como pode o peixe vivo Viver fora da água fria [...]

O professor poderá não só trabalhar os animais, sejam aquáticos ou terrestres, como também discorrer sobre a importância da água para os seres vivos; ou ainda, como os peixes fazem para respirar no ambiente aquático, e o porquê de os seres humanos não poderem fazer o mesmo. Há ainda a questão da temperatura da água, de como deve se comportar em

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REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VIII Nº 18 MARÇO/2017 situações diversas: para beber; para cozinhar; para tomar banho, para se fazer gelo, entre outras. Paulo Freire (1997), por exemplo, sempre realizou sua tarefa de educador de forma interdisciplinar, tendo proposto em seus estudos que se deve: explicar diferentes e novas práticas no contexto escolar, principalmente na educação infantil, que tem sua fundamentação prática para a construção da aprendizagem baseando-se no lúdico. O educador deve vivenciar o processo da aprendizagem colocando-se no lugar da criança, deixando em sua proposta pedagógica que a imaginação e a criatividade aflorem com o auxílio da interdisciplinaridade enquanto atitude (p. 131).

Assim

como

o

grande

teórico

brasileiro,

podemos

assegurar

que

a

interdisciplinaridade pode ser uma prática pedagógica efetiva nas salas de aulas da educação infantil, e que o educador, ao conhecer a importância e a eficácia dessa prática, certamente poderá construir um currículo mais próximo da realidade dos alunos. 112

As linguagens verbal e não verbal na educação infantil: cognição e prática interdisciplinar A educação, em uma visão tradicional do processo ensino-aprendizagem, consistia apenas na transmissão de conhecimento, quando muito na de valores, cujos fins poderiam ser diversos, dependendo, por exemplo, do regime político a que está submetido: liberdade, autoritarismo, democracia ou ditadura. Aprender, dessa maneira, estava associado à mera memorização desses conceitos. Bastava, aos novos professores, imitar o comportamento daqueles que ensinavam assim, pois era considerado o mais adequado. Entretanto, em uma visão baseada na interdisciplinaridade, podemos pensar a concepção de aprender e ensinar, de modo especial nos campos logo-imagético, de maneira diferente. Daí a importância que se tem de dar à arte, pois O ser humano que não conhece arte tem uma experiência de aprendizagem limitada, escapa-lhe a dimensão do sonho, da força comunicativa dos objetos à sua volta, da sonoridade instigante da poesia, das criações musicais, das cores e Jack Brandão & Patrícia Cesar Gonçalves Pereira

REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VIII Nº 18 MARÇO/2017 formas, dos gestos e luzes que buscam o sentido da vida. (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: ARTE, 1997, p. 19)

Não à toa, tanto as linguagens verbais, quanto as não verbais precisam ser exercitadas, de modo especial, na educação infantil de zero a três anos, quando as crianças farão sua aquisição, de modo global, em meio à rotina escolar. Inseridas nesse meio, elas veem-se diante de questões que se estendem dos cuidados com a higiene e a alimentação, àqueles referentes ao mundo feérico, pertencentes à linguagem verbal. Tais atividades são realizadas, despretensiosamente e de maneira interdisciplinar, de diversas maneiras: sejam nas rodas em que se contam histórias, em que se cantam músicas, em que se conversam; sejam nas brincadeiras livres ou dirigidas. A linguagem verbal, por exemplo, é a peça-chave dentro da educação infantil; é necessário praticar seu uso, isto é, estimular as crianças para que falem, conversem, interajam entre si e com os educadores, criando oportunidades para que cada uma utilize de uma oralidade cada vez mais rica e de repertórios variados, afinal o ser humano: 113 é um vivente com palavra. E isto não significa que o homem tenha a palavra ou a linguagem como uma coisa, ou uma faculdade, ou uma ferramenta, mas que o homem é palavra, que o homem é enquanto palavra, que todo humano tem a ver com a palavra, se dá em palavra, está tecido de palavras, que o modo de viver próprio desse vivente, que é o homem, se dá na palavra e como palavra. (LARROSA, 2002, p.21)

Além da relação das crianças com os educadores e com os outros colegas da mesma faixa etária, a participação dos pais – inclusive no ambiente escolar –, apesar de sua difícil concretização efetiva, tende a enriquecer o trabalho educativo e a prática interdisciplinar, podendo criar ambientes mais ricos de aprendizagem. Quanto maior a participação da criança em atividades diversas, maior será seu desenvolvimento cognitivo, já que maiores serão as ligações sinápticas em seu cérebro, daí a importância fundamental dessas ações tanto intra quanto extraescolares. Assim, para que haja tal incremento,

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REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VIII Nº 18 MARÇO/2017 as atividades diferenciadas dentro das escolas, são tão importantes para o desenvolvimento do pensamento infantil. Esse pensamento está diretamente ligado à aquisição de linguagens, sendo que ela é a essência da infância e seu uso permite um trabalho pedagógico que possibilita a produção do conhecimento (MIRANDA, 1997, p. 34).

Podemos perceber como se dá a aquisição de diferentes linguagens em uma criança, quando esta procura estabelecer relações entre aquelas e o mundo que tem a sua volta. Age assim, por exemplo, ao tentar reproduzir gestos, expressões ou palavras que aprende, utilizando-os em ocasiões que lhe pareçam similares, a fim de transmitir seus desejos. Isso, porém, não ocorre sem haver tentativa, falha e acerto. Assim, quando tem fome e diz tutu, pode empregar a mesma palavra para ter a posse de um brinquedo, ou mesmo para assistir a algo de seu interesse. Tal princípio também ocorre, quando aponta para um bebedor manifestando ter sede, mas faz o mesmo gesto para dizer que quer algo diferente. Convém salientar, porém, que nem toda criança passa pela palavra ou gesto único, e 114

o mesmo é válido quanto ao aspecto motor. Isso porque, enquanto muitas engatinham para andar depois, outras já andam sem passar por esse processo. Contudo, em um desenvolvimento normal, toda criança passa por duas fases: a do balbucio antes de produzir palavras; e a do sentar, antes de andar. No interior das instituições escolares, o educador deve atentar às diferentes linguagens que a criança demonstra no decorrer do dia, uma vez que ela produz diferentes sons, como grunhidos, choros ou suspiros que correspondem a seus diferentes estágios fisiológicos. Dessa maneira, ele irá perceber que a criança começará a produzir outros sons, os jargões que, segundo Nakazima (1962), correspondem a uma fase que antecede as palavras. Devemos pensar a criança como um ser completo, com direito a uma educação integral, e isso só é possível, de maneira efetiva, com uma prática interdisciplinar que envolva também sua totalidade: a linguagem oral, a corporal – seus gestos, sua motricidade –, e a lúdica. Essa prática é, portanto, o alicerce necessário para que se elaborem atividades diversificadas voltadas à educação infantil e a sua realidade. Além disso, essas podem ser

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REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VIII Nº 18 MARÇO/2017 ainda reforçadas com a parceria dos pais, visto que a interdisciplinaridade propõe um encontro não só saberes, como também entre seres. Não se deve esquecer de que uma das características do ser humano é afirmar-se como ser, almejando o tornar-se, e isso pressupõe a concretização de sua totalidade. Busca, portanto, ultrapassar os limites impostos pela segmentação, inclusive a do saber, mesmo diante da possibilidade de realizar o diferente, o novo. Isso fica claro quando se verifica o emprego do modelo interdisciplinar na educação infantil, já que ele representa ação e atitude frente ao ser e ao tornar-se. Tal implicação é a plenitude de um ser, diante de um grande amalgamento de outros seres. A mestria de conhecer e aprender se alicerça a partir das trocas realizadas entre o sujeito e o meio. Deve-se ter em conta que o desenvolvimento na criança é um processo dinâmico, cujo protagonismo pertence a ela mesma. Por meio do contato de seu corpo com os objetos a seu entorno e com a interação, tanto de adultos, quanto de outras crianças, os pequenos cedo desenvolvem a sensibilidade, o afeto, o pensamento, o raciocínio e a 115

linguagem. Essa articulação entre diferentes etapas do desenvolvimento, seja ela cognitiva, motora ou afetiva, acontece na educação infantil de forma simultânea e integrada. As crianças são seres ativos, por isso a construção de seu conhecimento também se dá, de modo especial, por meio do corpo. Quando muito pequenos, aprendem vivenciando, interligam os sentidos, ações e sentimentos. O bebê observa, alcança, pega, coloca na boca, manipula, cheira, imita pessoas ou objetos; enfim, tem contato com o que lhe desperta a atenção. É na interação com o mundo, físico e/ou social, que vai percebendo e desvendando seu próprio mundo. Assim, descobre como se locomover, como manipular objetos e, principalmente, como se comunicar com as pessoas que lhe estão próximas. Sabendo dessa independência e instigado pela curiosidade natural, os bebês começam a estabelecer laços emocionais e relações de confiança com pessoas próximas; permitindo, assim, sentirem-se seguros na exploração do ambiente e na aquisição das linguagens (POST. HOHMANN, 2003). Quanto mais se estabelecerem essas relações entre a criança, o mundo e as pessoas que têm a sua volta, mais rapidamente, ela será capaz de comunicar-se verbalmente, afinal Jack Brandão & Patrícia Cesar Gonçalves Pereira

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uma criança que ainda não fala, mas que se interessa pelo ambiente e o explora avidamente, que vê e ouve, que é capaz de se fazer entender por gestos e atitudes, balbuciando sons num discurso com entoação e ritmo, necessariamente aprenderá a falar mais cedo ou mais tarde (AVÔ, 2000, p. 63).

Os infantes apresentam seu próprio jeito de ver o mundo; geralmente, são cheios de histórias e movimento, relacionando-se com o tempo de forma diferente. Vivem, de maneira intensa, cada minuto, explicando, criando, sonhando, imaginando e, é claro, brincando. Essas ações são essenciais para a construção de sua autonomia que visa a garantir seu próprio protagonismo. Mas, para que se efetivem tais objetivos, os educadores necessitam potencializar esse protagonismo. Desse modo, faz-se necessário que as relações afetivas que acontecem entre adultos e crianças estejam pautadas pela cooperação, pelo companheirismo, pela 116

colaboração, pelo respeito e pela confiança, que vão intensificar e favorecer o diálogo, pois, sem isso, não e possível a autoria infantil. Nesse contexto, no qual o diálogo se torna primordial, surge o desafio de realizar a “escuta das vozes infantis”, que são as formas verbais e não verbais que os menores de três anos apresentam para comunicarem seus sentimentos, pensamentos e inquietações. Encontramos aqui algumas dúvidas sobre essa escuta: o que seria escutar bebês? Porque essa escuta é importante? Escutar bebês, para Nakazima (1962), não se limita à ação de ouvir as manifestações verbais; pois, antes de falar, os bebês apresentam uma extensa capacidade de dialogar e se comunicar utilizando-se de todo seu corpo, ou seja, não é somente pelo uso da oralidade que podemos compreender as crianças. Existem os choros, que geralmente indicam fome, medo, insegurança, dor, tristeza etc., além dos sorrisos, balbucios, recusas, brincadeiras, gestos, olhares, movimentos, toques, silêncios, desenhos, envolvimentos, distanciamentos e narrativas. Estas são algumas das aquisições verbais e não verbais de que as crianças fazem uso para se comunicar.

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REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VIII Nº 18 MARÇO/2017 Ao se compreender mais sobre essa aquisição de linguagens, possibilitar-se-á que o planejamento e tudo o que constar como documentação pedagógica sejam construídos com um olhar diferenciado, no qual bebês e crianças sejam acolhidos, encorajados e desafiados a explorar o mundo; com isso, será ampliada sua forma de criar, sua construção sobre o conhecimento e o enfrentamento das dificuldades. Dessa maneira, a escuta de bebês trará qualidade para a prática pedagógica, à medida que integrará educadores, crianças; a vida e a educação. Trata-se, portanto, da garantia de um direito infantil e de uma necessidade para os educadores que transformam sua prática a partir da escuta, garantindo a participação e a autoria infantil na construção de novas e significativas aprendizagens. Benefícios e entraves para a implementação interdisciplinar Podemos encontrar os benefícios da implantação da interdisciplinaridade na educação infantil ao observamos como as crianças investigam, manifestam-se, criam e 117

descobrem o mundo, de forma integral, por meio de diferentes linguagens. Essas, por envolver corpo, emoções e pensamento que caminham juntos, precisam receber especial atenção das instituições de educação infantil que precisam considerar toda essa integração, a fim de favorecer as experiências dos pequenos, desenvolvendo suas múltiplas linguagens. Estas são alargadas por meio de suas múltiplas atividades e vivências, de modo especial em brincadeiras, que é a forma mais significativa e legítima que elas têm para se expressar no mundo, para conhecer-se e desenvolver-se de maneira plena. Brincar é a expressão de manifestação e apropriação do conhecimento. Daí ser imprescindível sua valorização no interior das unidades educacionais que devem garantir a vivência lúdica da criança, enfatizando sua importância no dia a dia. Os professores são os articuladores dessas experiências dentro dos centros de educação infantil e, assim, precisam preservar e resgatar o rico repertório das brincadeiras tradicionais. Devem, portanto, ocorrer pequenas intervenções dentro do tempo e espaço escolares, conferindo novos sentidos ao brincar. Assim, será possível promover inúmeras possibilidades de exploração e também potencializar a capacidade investigativa e imaginativa das crianças. Jack Brandão & Patrícia Cesar Gonçalves Pereira

REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VIII Nº 18 MARÇO/2017 Ainda como vantagem do uso da interdisciplinaridade, podemos considerar que, para as crianças, as diversas linguagens são vistas como brincadeiras; sendo assim, elas se apropriam da cultura, relacionando-se com todos os seus tipos e com as diferentes formas de comunicação e simbolização: a fala, a encenação, os movimentos corporais, os sons, a música, a pintura, entre outros. Os bebês, por exemplo, ao expressarem-se por meio de inúmeras e diferentes linguagens que envolvem todos os órgãos dos sentidos, são induzidos à autonomia e à liberdade de movimento, possibilitando-lhes a descoberta de sons, ritmos, cores, texturas, sabores e cheiros. Durante experiências culturais, como as festas populares, também podem ser estabelecidas relações interdisciplinares, uma vez que ocorrem manifestações de ritmos, melodias, coreografias e gestos que também estimulam e enriquecem a aquisição das linguagens infantis. Contudo, não é só a estrutura educacional que trará os benefícios da interdisciplinaridade, como também a social, o meio em que a criança está inserida, já que 118

os contínuos processos de mudanças pelos quais a humanidade, constantemente, passa são significativos para se perceber como compreendemos o mundo a nosso redor, como o enxergamos e o apreendemos; bem como a forma de comunicarmo-nos uns com os outros, de transmitirmos e recebermos conhecimento ou de fruirmos e criarmos arte (BRANDÃO, 2015, p. 2).

Infelizmente, para a concretização desses benefícios, existem, todavia, alguns entraves que dificultam a implantação dessa prática nas instituições de educação infantil, que se referem, de modo especial, ao corpo docente, já que é necessário que o educador tenha uma postura diferenciada para planejar, realizar e finalizar com um acompanhamento contínuo das atividades. Para isso pressupõe um educador reflexivo, com bagagem pedagógica e cultural importante para organizar um clima e um ambiente de aprendizagem coerente com a prática subjacente e a este tipo de proposta curricular (SANTOMÉ, 1998, p. 253).

Como muitos educadores, cuja formação insere-se em uma visão positivista e fragmentada, têm dificuldades em contextualizar e em concatenar partes de um todo maior, Jack Brandão & Patrícia Cesar Gonçalves Pereira

REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VIII Nº 18 MARÇO/2017 sentem-se, evidentemente, inseguros em agir ou pensar de forma interdisciplinar, tarefa para a qual não foram preparados. Infelizmente, só sabem reproduzir o mesmo currículo fragmentado e compartimentado de sua própria formação, balizando sua atuação docente nesse molde engessado, sem se abrir para o novo. Considerações Finais Procurou-se, neste artigo, apresentar uma pequena reflexão acerca de como a educação infantil se apropria ou deveria se apropriar da interdisciplinaridade, de modo a desenvolver, transmitir e compartilhar o conhecimento nas instituições que atendem a crianças de zero a três anos. Isso é de suma importância, pois ao se estimular a produção do saber no interior das unidades educacionais, os educadores contribuem não só para o progresso da aquisição intelectual de seus pequenos alunos, como também para sua formação humana. Assim, devem-se buscar, nesse período escolar, estratégias para que seu alcance seja 119

eficiente e global, e a interdisciplinaridade é apontada como uma prática que possibilita a unificação, sem a sobreposição de disciplinas, para a transmissão e compartilhamento do conhecimento. Faz-se necessário, porém, que práticas como essa seja bem compreendida, para que a educação infantil, sendo a primeira etapa da escolarização, forneça todas as habilidades necessárias para formar um cidadão autônomo e atuante. Há, ainda, muitos benefícios com a implantação dessa prática na educação infantil, como levar à investigação do mundo por meio da aprendizagem de forma lúdica; de socialização e de implantação de saberes. Existem, porém, diversos fatores que dificultam e interferem na realização efetiva de uma prática interdisciplinar em propostas pedagógicas voltadas à educação, como a deficiência no planejamento; a formação dos professores de forma

fragmentada;

o

desconhecimento

e

interpretação

do

conceito

de

interdisciplinaridade; e a dificuldade de contextualização. Compreendemos, portanto, que interdisciplinaridade é um importante movimento de articulação entre o ensinar e o aprender. Precisa, no entanto, ser assumida enquanto atitude, enquanto prática lúdica e de vivência, já que tem a potencialidade de auxiliar os professores, em sua prática pedagógica, no interior das instituições escolares de educação Jack Brandão & Patrícia Cesar Gonçalves Pereira

REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VIII Nº 18 MARÇO/2017 infantil, desde que tenham não só tenham o pleno domínio do conceito, como também que o coloquem em prática, ressignificando inclusive sua própria metodologia pedagógica. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS AVÔ, António. O desenvolvimento da criança. Lisboa: Texto Editora, 2000. BOCHNIAK, R. Questionar o conhecimento: interdisciplinaridade na escola. São Paulo: Loyola, 1992. BRANDÃO, Jack. “Interdisciplinaridade: ousadia, rompimento e regresso”, in Razón y Palabra. Ciudad de México, 2015. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Características do Referencial Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC; SEF, 1998. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Referenciais da Educação Infantil. Brasília: MEC, 2002. 120

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