Interpretando Ciência & Tecnologia: o jornalismo científico ideal para a democratização do conhecimento

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SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo III Encontro Nacional de Jovens Pesquisadores em Jornalismo Brasília – Universidade de Brasília – Novembro de 2013

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Interpretando Ciência & Tecnologia: o jornalismo científico ideal para a democratização do conhecimento Phillipp Gripp1 Joseline Pippi2

Resumo: A partir dos ideais de democratização da ciência e tecnologia (C&T), atribuídos à produção de pautas sobre o assunto e das funções do jornalismo científico, este artigo se propõe a analisar a forma pela qual ele melhor atinge seus objetivos na divulgação de C&T, avaliando que apenas a área de atuação especializada conseguiria corroborar com as intenções iniciais de popularizar o conhecimento. Para tanto, este se embasa nos estudos de gêneros jornalísticos, aferindo a existência do Jornalismo Interpretativo, considerando-o o mais adequado à produção especializada do jornalismo científico. Palavras-chave: Ciência & tecnologia; Jornalismo científico; Jornalismo interpretativo; Gêneros jornalísticos; Jornalismo especializado.

1. Introdução Do latim, scientia, o termo “ciência” pode ser traduzido como “conhecimento” e se refere a uma prática sistematizada fundamentada no método, elemento central do modus operandi científico que atribui credibilidade a algo por ter sido comprovado mediante um criterioso processo de pesquisa, oriundo de testes de prova. Logo, conferir a algum fato ou ente o atributo “científico” confere-lhe o mérito da confiabilidade. Com isso, podemos considerar os pesquisadores que produzem ciência e tecnologia (C&T) fontes de informação requisitadas e confiáveis pelo campo do jornalismo. 1

Acadêmico do 7º semestre do curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo da Unipampa e pesquisador do Grupo de Pesquisa Comunicação, Ciência & Tecnologia e Sociedade (ComC&TS). 2 Professora de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo da Unipampa, Doutora em Extensão Rural pela UFSM e líder do Grupo de Pesquisa Comunicação, Ciência & Tecnologia e Sociedade (ComC&TS).

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A abordagem do tema sempre foi material de pauta dos mais diversos periódicos, mesmo levando em consideração a complexa produção do jornalismo dito científico, haja vista a complexidade de ressignificar o assunto para o público, já que o seu papel ultrapassa o ato de informar, considerando a predeterminação de que o receptor (leitor, audiência) é, provavelmente, leigo no assunto. Tendo em vista a intenção primordial de se democratizar o conhecimento, neste artigo abordaremos as dificuldades em encontrar uma linguagem e um formato textual adequados à divulgação de C&T (via jornalismo científico) para um leitor que desconheça as bases e terminologias científicas atribuídas a determinado assunto. Para tanto, baseamo-nos nas reflexões sobre as funções e objetivos do jornalismo científico para Calvo Hernando (1977; 2005) e Bueno (1988; 2010). Além disso, o presente artigo retrata a perspectiva, apresentada por Melo (1985), de que os gêneros jornalísticos são determinados pela relação entre emissor e receptor, aliada à intenção que o jornalista, a partir das formas de linguagem utilizadas para a elaboração do texto, objetiva ao transmitir o que sabe. Dessa forma, encaramos os gêneros jornalísticos como um aporte crucial para delimitarmos as formas de fazer jornalismo científico e construirmos um cenário ideal para, a partir da divulgação científica, democratizar a C&T.

2. Conceitos, objetivos e intenções A ascensão da divulgação científica na mídia pode ser notada desde o século XVII, impulsionada pela criação da prensa móvel por Johannes Gutenberg no século XV, como Fabíola de Oliveira nos introduz: Há fortes indícios de que a divulgação da ciência teve início com o próprio advento da imprensa de tipos móveis, em meados do século XV. Os livros de história da ciência dão como certo que a difusão da impressão na Europa nessa época acelerou a criação de uma comunidade de cientistas, fazendo com que as ideias e ilustrações científicas se tornassem disponíveis a grande número de pessoas (2010, p. 17).

Divulgação científica esta que necessita ser vista como um texto preciso e elaborado com a principal intenção de expor o que estava sendo pesquisado ou o que foi descoberto e que era dirigido à comunidade de classe social elevada que se interessava pelo 2

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assunto. Dessa forma, a produção jornalística era centrada na composição de notícias concisas e sem a pretensão de um arranjo textual arquitetado sob a ótica de uma pesquisa mais densa, que prezasse por um processo que lhe inferisse caráter de profundidade. No entanto, para que uma matéria seja de fácil entendimento por quaisquer leitores, é necessário um procedimento intenso de ressignificação linguageira, fazendo interagir claramente, no decorrer do texto, o assunto abordado, as instituições que produzem C&T e seus pesquisadores, numa tríade flexível, dependendo da intenção e do enfoque dado ao texto. Manuel Calvo Hernando (1977 apud BUENO, 1988) atribui seis funções específicas ao jornalismo científico: 1) a função informativa, sendo esta relacionada à divulgação de fatos e informações, inteirando o leitor sobre descobertas e novidades científicas; 2) a educativa, formando opinião pública a partir da oferta de informação crítica; 3) a social, que contextualiza a informação amplamente, incorporando o debate sobre o assunto; 4) a cultural, a qual valoriza as questões culturais da informação; 5) a econômica, que intenciona relacionar, criticamente, o desenvolvimento da ciência ao setor produtivo; e, finalmente, 6) a político-ideológica, que analisa, a partir de uma postura crítica, quem produz ciência e como o conhecimento científico é aplicado na sociedade. O mesmo autor ainda nos apresenta cinco objetivos fundamentais do jornalismo científico: 1) a compreensão da importância do apoio e estímulo pela investigação científica e tecnológica; 2) possibilitar que a população usufrua de novos conhecimentos e técnicas científicas, através da divulgação destes; 3) demonstrar a preocupação com o sistema educacional, que provê recursos, formando os pesquisadores e possibilitando que se faça ciência; 4) considerar o conhecimento e as novas tecnologias como bens culturais e estabelecer uma base de comunicação referente à temática; 5) e servir como uma alternativa de comunicação entre os pesquisadores. Ressaltando que na década de 1960 não se diferenciava as funções de divulgador de ciência e jornalista, considerando que as duas atividades se formalizaram quase na mesma ocasião, de acordo com Bueno (1988) e Oliveira (2002), José Reis (1967) já ponderava que: Por divulgação (científica) entende-se aqui o trabalho de comunicar ao público, em linguagem acessível, os fatos e princípios da ciência, dentro de uma

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:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: filosofia que permita aproveitar os fatos jornalisticamente relevantes como motivação para explicar os princípios científicos, os métodos de ação dos cientistas e a evolução das ideias científicas (...). Cabe, porém, ao divulgador tornar interessantes os fatos que ele mesmo vai respingando no noticiário (REIS apud BUENO, 1988, p.24).

Logo, a partir da intenção que o jornalista se propõe a transmitir com determinada forma de linguagem, torna-se notável a diferenciação entre divulgação científica e comunicação científica. Wilson Bueno retrata a diferença entre os dois conceitos, considerando a última como uma produção que “diz respeito à transferência de informações científicas, tecnológicas ou associadas a inovações e que se destinam aos especialistas em determinadas áreas do conhecimento” (2010, p. 2), logo, sendo dirigida para pesquisadores sobre a área relacionada, com o intuito de divulgar os avanços em relação a um assunto que já se compreendia e intensificar as discussões entre eles. Enquanto isso, o autor atribui a “utilização de recursos, técnicas, processos e produtos (veículos ou canais) para a veiculação de informações científicas, tecnológicas ou associadas a inovações ao público leigo” (2010, p. 2) à divulgação científica, com a intenção de, com isso, contribuir para a democratização do acesso ao conhecimento científico, fazendo com que leigos sobre o assunto entendam o que é retratado. Entretanto, como o próprio sentido do termo “divulgar”, em sua etimologia, refere-se apenas a “tornar público”, “propagar a informação”, e não a um aprofundamento sobre o tema, seria possível que uma notícia informativa, que se propõe a divulgar, de forma ágil e objetiva, uma pesquisa, descoberta, ou nova tecnologia desenvolvida, tendo como abordagem textual principal de informar o lead ao receptor, mesmo que com explicações terminológicas, conseguiria atingir o ideal proposto de democratizar a ciência, fazendo-a ser entendida por todos os possíveis leitores? A divulgação científica estaria indo de encontro, aliás, à seleta contribuição temática de um jornalismo especializado, neste caso o jornalismo científico? O jornalismo especializado se identifica pela idealização de produções jornalísticas voltadas a uma temática específica, priorizando o veículo revista, no qual o tempo para a produção de reportagens é maior, tendo em vista que atendem principalmente à periodicidade mensal, com o intuito de corresponder às expectativas do leitor que procura por informações de profundidade acerca do assunto abordado.

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A partir disso, os questionamentos e reflexões de Ana Abiahy, acerca da produção especializada, enquadram-se perfeitamente no contexto aqui apresentado para que entendamos a sua relevância à constituição de um jornalismo científico (apreendido aqui, portanto, como uma forma de especialização jornalística) e, então, diferenciá-lo de divulgação científica: O papel do jornalismo especializado seria o de orientar o indivíduo que se encontra perdido em meio à proliferação de informações das mais variadas fontes, ou seria ele próprio um exemplo, justamente um reflexo desta proliferação? As publicações especializadas servem como um termômetro da gama de interesses das mais diversas áreas, expõem, então, o nível de dissociação entre os componentes da Sociedade da Informação. Mas por outro lado, podemos considerar que as produções segmentadas são uma resposta para determinados grupos que buscavam, anteriormente, uma linguagem e/ou uma temática apropriada ao seu interesse e/ou contexto. Esses grupos agora encontram publicações ou programas segmentados com o qual possam se identificar mais facilmente (2000, p. 5-6).

Primeiramente, podemos entender, com isso, que existe certa dificuldade na produção noticiosa e diária sobre um assunto de caráter especializado, já que, de acordo com Abiahy “o excesso de informações disponíveis com o avanço da tecnologia pode comprometer o seu aproveitamento qualitativo” (2000, p. 24). Logo, o papel do jornalismo especializado, de acordo com a autora, é propriamente o aprofundamento da informação, tendo em vista que isto não é a finalidade do processo noticioso de um informativo diário, tanto pelo pouco tempo para a apuração de informações quanto pelo seu formato atender às necessidades de um público específico que procura as últimas notícias. Em seguida, torna-se evidente que para cumprir os objetivos que, de antemão, o jornalismo científico se propõe, é necessário corresponder às expectativas de não somente explicar os complexos termos técnicos de diversas áreas, mas aproximar a informação do receptor, atribuir-lhe sentido e proximidade cotidiana. Além, por se tratar de pesquisas financiadas por verba pública, torna-se um assunto de interesse também público. O enquadramento do jornalismo científico nesta área de atuação é intrínseco para que não apenas se informe e se divulgue, mas para que seja possível oferecer ao leitor (que deve ser preconcebido pelo jornalista como leigo) a contextualização, o conhecimento, a compreensão e a aprendizagem sobre o tema retratado, cumprindo, dessa 5

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forma, a sua intenção primordial proposta por Bueno (1988). O jornalismo científico, portanto, atua como ferramenta de produção textual voltado para a democratização do conhecimento científico. O resultado do uso da ferramenta é um texto informativo que informa de modo intensivo e extensivo (informação em profundidade). Neste caso, a missão de um jornalista científico é, sem dúvidas, passar a informação com tamanha qualidade que se faça entender pelo maior número de pessoas, inerentes aos mais variados contextos sociais. Fabíola de Oliveira, além disso, acredita na necessidade de profissionais com qualidades específicas: “O novo profissional que incentivamos aqui deverá ter visão crítica e interpretativa da ciência, como já o fazem bons jornalistas nas áreas de política, economia, cultura e esportes, só para citar as mais tradicionais” (2010, p. 14). Da mesma forma, Manuel Calvo Hernando julga que este profissional tem um trabalho difícil pela frente, indo além da mera transmissão de informações e estabelecendo a necessidade de sua formação acadêmica: Para este profesional no basta informar sino que está llamado a sensibilizar y a enseñar al público que no lee, escucha o ve lo más significativo de la actividad científica y tecnológica. Por estas razones, surge en nuestro tiempo la necesidad de que las universidades tengan la preocupación de formar profesionales en la difusión de la ciencia y la tecnología. Actualmente, la sociedad merece ser informada a través de profesionales capaces de realizar un trabajo imparcial, honrado y verdadero. Ello plantea grandes retos, relacionados con la investigación y la docência (2005, p. 1)

Fazer jornalismo científico requer uma vasta pesquisa e estudo sobre o assunto que a pauta pretende abordar para que o leitor passe a conhecer, compreender e, logo, aprender sobre o assunto tratado. O objetivo do jornalismo científico é, por conseguinte, transmitir o conhecimento, enquanto o seu maior desafio é conseguir se fazer compreender, como o próprio Bueno salienta: O público leigo, em geral, não é alfabetizado cientificamente e, portanto, vê como ruído – o que compromete drasticamente o processo de compreensão da C&T – qualquer termo técnico ou mesmo se enreda em conceitos que implicam alguma complexidade. Da mesma forma, sente dificuldade para acompanhar determinados temas ou assuntos, simplesmente porque eles não se situam em seu mundo particular e, por isto, não consegue estabelecer sua relação com a realidade específica em que se insere. Em função disso, a difusão de informações científicas e tecnológicas para este público obrigatoriamente requer decodificação ou recodificação do discurso especializado (2010, p. 3).

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Consequentemente, essa obrigatoriedade a que Bueno se refere, para uma aproximação maior do texto com o leitor, apenas consegue se estabilizar num arquétipo de especialização da informação, ou seja, a profundidade que ele indica com a (de)/(re)codificação só encontra um local de instalação em produções especializadas, logo, no jornalismo especializado. Sendo assim, somos instigados a refletir sobre a produção especializada do jornalismo científico, levando em consideração que seu direcionamento é dado a um amplo público, com as mais diversas bagagens culturais e que, além de não entenderem o significado dos vários jargões científicos utilizados, frequentemente também não conseguem distinguir a relação da notícia com o seu cotidiano, não compreendendo, com isso, o significado da informação e como esta o afeta. De que forma, portanto, uma reportagem sobre assuntos de C&T conseguiria suprir as necessidades ocasionadas pelos vazios informativos decorrentes das individualidades culturais de cada sujeito, além de não deixá-la maçante por conta da quantidade de termos técnicos no decorrer da mesma, deixando-a, ainda, com uma boa qualidade informativa e atrativa aos olhos do leitor? Acreditamos que a utilização do gênero jornalístico interpretativo na construção do texto é a melhor solução.

3. Interpretação da C&T para a produção do jornalismo científico Tendo em vista que estes questionamentos estão diretamente relacionados à forma de expressão textual ideal, encontramos um alicerce nos estudos sobre gêneros jornalísticos para uma solução, acatando que José Marques de Melo, o qual se apoia nas considerações de Juan Gargurevich (1982), Emil Dovifat (1959) e Gonzalo Martín Vivaldi (1973), assimila que: Se os gêneros são determinados pelo ‘estilo’ e se este depende da relação dialógica que o jornalista deve manter com o seu público, apreendendo seus modos de expressão (linguagem) e suas expectativas (temáticas), é evidente que a sua classificação restringe-se a universos culturais delimitados (1985, p. 44).

Entretanto, com as especificações supracitadas sobre jornalismo especializado e as particularidades do científico, dificilmente este conseguiria se ater aos gêneros pro7

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postos por Marques de Melo em 1985, no seu livro e tese de livre docência Jornalismo opinativo: gêneros opinativos no jornalismo brasileiro, já que nessa época o autor considerou apenas os gêneros informativo e opinativo para as classificações em território brasileiro. Porém, é importante ressaltar que os objetos de análise de sua pesquisa são apenas periódicos informativos diários, os quais não priorizam a produção de reportagens com um caráter especializado. A partir dessa classificação, o autor subdividiu os gêneros nos formatos Nota, Notícia, Reportagem e Entrevista, incluindo-os no Jornalismo Informativo, e Editorial, Comentário, Artigo, Resenha, Coluna, Crônica, Caricatura e Carta dentro do Jornalismo Opinativo. Como já foi aqui abordado, o jornalismo científico encontra o seu melhor enquadramento nas produções de reportagens, tendo em vista a profundidade que ela implicaria, enquanto isso, para Melo a reportagem se define num “relato ampliado de um acontecimento que já repercutiu no organismo social e produziu alterações que são percebidas pela instituição jornalística” (1985, p. 66). Contudo para se democratizar C&T, a abordagem textual não conseguiria se estabilizar na produção informativa, pois, como já foi aqui expressada pela fala de Bueno (2010), ela precisa de uma (de)/(re)codificação do discurso, além de se propor a levar não apenas uma informação, ou um “relato ampliado” ao leitor, mas um texto contextualizado, que vá além da informação. Tal texto auxiliará na democratização do conhecimento científico, levando até os leitores leigos no assunto os saberes, retratando-os de forma clara e inteligível. Essa contextualização da qual o conhecimento científico necessita para que seja posteriormente democratizado, através da mediação do jornalismo, encontra seu esmero no texto interpretativo, tendo em vista que: A abordagem jornalística do fato objetivo (notícia) se amplia no domínio da interpretação. Pode-se estabelecer um paralelismo entre o conceito de interpretação e jornalismo interpretativo. Não se contentar com um relato mais ou menos perceptivo do que está acontecendo, mas buscar um aprofundamento: isto é fazer jornalismo interpretativo. Para MacDougall, são os bastidores da ação, sentido dos fatos, significado das ocorrências, relevância das correntes de acontecimentos (LEANDRO; MEDINA, 1973, p. 15)

A informação científica deve ser ressignificada e contextualizada. Ressignificada porque deve ser compreendida claramente. Deve ser contextualizada de forma que o leitor perceba a informação como parte integrante do seu cotidiano, relacionada à sua 8

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vivência e também ao seu interesse. A partir disso, percebemos que a informação de caráter científico necessita ser interpretada a fim de perder o ruído causado pelos jargões técnicos, podendo, finalmente, chegar de forma acessível ao leitor3. A interpretação encontra-se diante da obrigação de interpretar-se a si mesma até ao infinito; de voltar-se a encontrar-se consigo mesma. Daqui se desprendem duas consequências importantes. A primeira, refere-se a que a interpretação será sempre, sucessivamente, a interpretação de “quem?”; não se interpreta realmente: quem propôs a interpretação. O princípio da interpretação não é mais do que o intérprete, e este é talvez o sentido que Nietzsche deu à palavra psicologia. A segunda consequência refere-se a que ao interpretar-se sempre a si mesma não pode deixar de voltar-se sobre si mesma. Em oposição ao tempo dos símbolos que é um tempo com vencimentos e por oposição ao tempo da dialética, que é apesar de tudo linear, chega-se a um tempo de interpretação que é circular. Este tempo está obrigado a voltar a passar por onde passou, o que ocasiona que no final, o único perigo que realmente corre a interpretação, embora seja um perigo supremo, é o que, paradoxalmente fazem correr os símbolos. A morte da interpretação é crer que há símbolos que existem primariamente, originalmente, realmente, como marcas coerentes, pertinentes e sistemáticas (FOUCAULT, 1997, p. 26).

Com essas duas consequências, podemos inferir duas outras analogias, respectivamente, referentes ao gênero jornalístico que se adéqua a essa função. A primeira, que se refere ao intérprete, neste caso ao repórter, o qual sugere a sua interpretação do contexto proporcionando ao receptor uma leitura de fácil entendimento e com uma percepção geral dos fatos, num estilo textual próprio, que permita causar a curiosidade sobre “quem escreveu”. A segunda se refere à profundidade textual que apenas conseguiria ser gerada a partir do ciclo em que a interpretação se insere, reavaliando várias vezes os fatos e contextos, numa (de)/(re)codificação do discurso que possibilita a produção de reportagens com tamanha qualidade e, logo, especializada no assunto abordado, que alcança o objetivo de ser compreendida por qualquer leitor, já que passou anteriormente por um filtro intencionado à perda de ruídos (ressignificação). Em sua tese de livre docência, entretanto, Melo expõe que um dos principais motivos que justificam a dificuldade na produção de reportagens interpretativas se dá em decorrência da dedicação necessária atribuída a ela enquanto as condições do mercado de trabalho jornalístico são precárias, o que “torna ‘extremamente difícil’ o de-

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Foucault, numa discussão sobre as técnicas de interpretação em Marx, Nietzsche e Freud, argumenta que a interpretação está inserida num ciclo interminável e que, por isso, alcança a capacidade para aprofundar o discurso.

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sempenho profissional e consequentemente impede a dedicação ao cultivo das fontes e à prática contínua da interpretação” (1985, p. 32). Porém, no livro Gêneros jornalísticos no Brasil4, os autores Lailton Alves da Costa e Janine Marques Passini Lucht apresentam, numa abordagem histórica, as considerações de uma grande diversidade de autores sobre a existência do Gênero Interpretativo (o qual dá nome ao trabalho). Entendemos esta publicação como uma revisão (o que é a proposta inicial da obra) sobre o tema, por Melo, e uma reconsideração no que diz respeito à existência do jornalismo interpretativo. Além disso, a importância da interpretação contextualizada torna-se ainda mais evidente no processo de produção da pauta de assuntos sobre C&T. Edvaldo Pereira Lima (2004), atento aos objetivos do texto interpretativo para o jornalismo, explica o que busca este gênero jornalístico: Busca não deixar a audiência desprovida de meios para compreender o seu tempo, as causas e origens dos fenômenos que presencia, suas consequências no futuro. Vai fundamentar sua leitura da realidade na elucidação dos aspectos que em princípio não estão muito claros. Almeja preencher os vazios informativos (2004, p. 20).

Mais adiante, este autor pondera que a constituição do gênero interpretativo se estabelece a partir da inclusão de alguns elementos, como o contexto do fato nuclear ou da situação nuclear; os antecedentes; a projeção; o perfil ou estilo textual do repórter; e o suporte especializado (2004, p. 21). Para que isso seja possível, a presença da reportagem no jornalismo especializado é imprescindível, tendo em vista que o seu processo de produção, de acordo com o mesmo autor: Pressupõe o exame do estilo com que o jornalista articula sua mensagem. Significa também um certo grau de extensão e/ou aprofundamento do relato, quando comparado à notícia, e ganha a classificação de grande-reportagem quando o aprofundamento é extensivo e intensivo, na busca do entendimento mais amplo possível da questão em exame. Em particular, ganha esse status quando incorpora à narrativa elementos que possibilitam a compreensão verticalizada do tema no tempo e no espaço, ao estilo do melhor jornalismo interpretativo (2004, p. 24).

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Livro de 2010 organizado por José Marques de Melo e Francisco de Assis, composto por estudos empíricos e artigos correspondentes à revisão bibliográfica sobre o assunto que intitula o mesmo diante da supervisão do professor Marques de Melo realizadas como atividades acadêmicas no Programa de PósGraduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo durante vários anos.

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Enquanto isso, Mateus Yuri Passos (2010), também pensando na melhor forma de se comunicar C&T, acredita que a utilização da pirâmide invertida, a qual se configura no relato noticioso que expõe as informações a partir de sua relevância, partindo daquilo que é considerado mais importante para o que tem menos valor, não é ideal. O autor defende o uso do jornalismo literário na produção de textos sobre o assunto, tendo em vista este fazer uso de um estilo de escrita que crie a narrativa por meio de uma sequência de cenas. Compartilhamos das considerações que o autor faz sobre a dificuldade em se fazer um jornalismo científico de qualidade no modelo de pirâmide, mas acreditamos que as funções do texto interpretativo suprem essas necessidades sem limitar o jornalista na construção textual baseada num estilo narrativo literário. É perceptível que o jornalismo interpretativo se preocupa especialmente com a utilização de um estilo textual que prioriza um aprofundamento objetivando o maior entendimento possível sobre o assunto para transmiti-lo ao leitor. Dessa forma, a reportagem interpretativa permite uma aproximação maior com o leitor, considerando suas especificidades culturais e individuais. Luiz Beltrão nos traz um ponto de vista importante neste quesito: Alcançada a universalidade técnica, cada uma dessas modalidades deve adequar-se à capacidade receptiva da massa, o que significa a invenção e emprego de uma linguagem específica, em padrões acessíveis ao homem comum e à sua cultura. Donde a necessidade da pesquisa, da investigação semiológica, da criatividade e da previsão: o surgimento de um novo médium impõe aos demais uma reformulação qualitativa de métodos de elaboração, codificação e morfologia, a fim de que mantenha a sua popularidade – o atributo que compreende a satisfação consciente da necessidade de informação da massa. Impõe, igualmente, uma reformulação no campo da educação do receptor que deverá ser alfabetizado na linguagem dos novos media, pois só assim o jornalismo alcançará a sua finalidade primordial (1976, p. 14, grifo no original).

O leitor espera que o texto da reportagem tire suas dúvidas, descomplexifique e explique a terminologia técnica oriunda da linguagem científica. Há expectativa em relação ao aprofundamento necessário para fazer-entender o tema que está sendo retratado. Quando o leitor apreende que o texto que está sendo lido atinge tais propósitos, a função do jornalismo é cumprida; sendo assim, texto mais longos, aprofundados, que contextualizam e interpretam a linguagem e conhecimento científicos têm maior proba11

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bilidade de tornar inteligível o complexo jargão das ciências, fazendo sentido de modo mais claro para o leitor.

4. A C&T interpretada para um jornalismo que a democratize As especificidades conceituais sobre o gênero interpretativo vão ao encontro, evidentemente, das necessidades da produção especializada do jornalismo científico. A intersecção entre ambos acontece a partir de seus desígnios em comum, já expostos aqui anteriormente: as funções de informar, educar, contextualizar o leitor, valorizar a cultura, provocar reflexão sobre questões produtivas e econômicas e analisar como o conhecimento científico é posto em prática na sociedade. Acreditamos que é a partir da utilização do gênero interpretativo na produção de reportagens científicas que se pode alcançar, da melhor forma, o objetivo de realizar as funções propostas por Calvo Hernando (1977) e, dessa forma, democratizar o conhecimento. Ou seja, transmitir saberes, tornando-os acessíveis e popularizando-os através de uma linguagem específica que contextualize e aproxime as informações ao receptor, numa abordagem ampla e com elementos linguísticos que tornem o texto atrativo e compreensível para o leitor. O jornalismo científico se mostra como uma configuração do jornalismo especializado, necessitando de um processo diferenciado dado à produção da pauta. Nessa área de atuação jornalística, há a exigência em relação à proximidade entre o assunto abordado e o leitor, que é suprida pelos padrões especificados empregados à linguagem, sugeridos por Beltrão (1976), no gênero interpretativo. Tal conceito de jornalismo interpretativo está, inevitavelmente, atrelado à construção de uma reportagem científica em profundidade e de qualidade, já que é imprescindível, para cumprir as suas necessidades básicas, além de informar, alfabetizar e, com isso, aproximar o leitor da C&T, indo ao encontro do ideal sugerido por Bueno para a democratização do conhecimento.

Referências ABIAHY, A. C. A. O Jornalismo Especializado na Sociedade da Informação. Ensaio para obtenção de bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo. Universidade Federal da Paraíba. Paraíba, 2000. Disponível em: . Acesso em: 30/07/2013.

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