Intersubjetividade ou Interobjetividade: a conduta no Triângulo Semiótico do Direito

September 18, 2017 | Autor: Rodrigo Cavalcanti | Categoria: Semiotics, Philosophy Of Law, Direito e Linguagem, Semiotica, Law and Language
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INTERSUBJETIVIDADE OU INTEROBJETIVIDADE: A CONDUTA NO TRIÂNGULO SEMIÓTICO DO DIREITO COMO CITAR: CAVALCANTI, R. de C. Intersubjetividade ou Interobjetividade: a conduta no Triângulo Semiótico do Direito. Pensamento Jurídico: Revista do Curso de Mestrado e Doutorado da Faculdade Autônoma de Direito. São Paulo, ano 2, n. 3, 235-246, jan./jun. 2013. RESUMO No presente artigo pretendemos brevemente trazer o conceito de interobjetividade em oposição ao conceito de intersubjetividade largamente utilizado na teoria jurídica, mormente no que diz respeito à conduta, estas enquanto um dos três fatores partícipes do triângulo semiótico do direito consoante cunhado por Paulo de Barros Carvalho. Tal conceito – interobjetividade – visa retirar qualquer dúvida sobre a disposição dos sujeitos da conduta, ou da relação, na forma de uma hipotética relação entre subjetividades da qual se poderia auferir um sentido para a produção da norma na abstração do intérprete. A relação existente seria, ao contrário, entre objetividades, ou seja, definições, e não conceitos, pois atreladas a um determinado jogo de linguagem, sobre o qual se apoiará a construção normativa. Neste sentido, busca-se, mediante a teoria de Wittgenstein e o sentido de alteridade enquanto diferença, a compreensão de que o subjetivismo, âmbito de produção e construção de conceitos, somente tem acesso o próprio Sujeito da consciência. O interobjetivismo, ao contrário, sede sentido aos enunciados pois a conduta se mostra delimitada pelo jogo de linguagem específico de regras conhecidas pelos sujeitos na interação. PALAVRAS-CHAVE: Intersubjetivismo, interobjetivismo, triângulo semiótico. ABSTRACT We intend to briefly bring forth the concept of interobjectivity in opposition to the concept of intersubjectivity largely used in law theory, somewhat with regards to conduct, those as one of the three participant factors of the semiotic triangle of consonant law as defined by Paulo de Barros Carvalho. This concept - interobjectivity aims to negate and doubt of the disposal of conduct subjects, or the relation, on the way of hypothetical relation between subjectivities in which it could be derived a meaning to the production of the norm in the abstraction of the interpreter. The existing relation would be, on the contrary, between objectivities, that is, definitions, and not concepts, as attached to a certain game of language, one that will support the normative construction. In that sense, we aim, taking into consideration Wittgenstein theory and the alterity concept as diference, the comprehension that subjectivism, as means of production and construction of concepts, can only be accessed by the own conscious Subject. The interobjectivism, on the contrary, gives (?) meaning to enunciates because the conduct shows itself delimited by the specific game of language of known rules by the subjects in the interaction. KEYWORDS: Intersubjectivity; Interobjectivity; Semiotic Triangle.

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ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................03

2. SUBJETIVISMO E CONSCIÊNCIA.........................................................................04

3. INTEROBJETIVIDADE E ALTERIDADE...............................................................07

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................12

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................13

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho parte do pressuposto de que, em certo contorno filosófico que aqui buscaremos expor, não há possibilidade de se falar em “condutas intersubjetivas”, a partir do momento em que se compreende essas condutas como entre subjetividade, ou seja, entre conceitos e normas jurídicas formuladas nas consciências no âmbito da abstração. Concordamos que a norma jurídica é instância que se estabelecerá mediante a conexão do suporte físico (enunciados) e de condutas, porém estabelecer essas últimas como intersubjetivas, sob nosso ponto de vista, foge à pragmática da linguagem. Isso porque inter (entre) subjetividades não se estabelece qualquer forma de comunicação possível. O Sujeito, como ser cognoscente, é dotado de consciência, esta que carrega consigo os conceitos formados mediante o contato com o mundo dado. Os conceitos, não as definições, sendo que estas são realizadas mediante a linguagem e, por isso, diferentemente dos conceitos, são acessíveis pelos interlocutores, variando consoante o jogo de linguagem, conduzido este pelo conjunto de regras que o constitui, denominado por Wittgenstein como “gramática profunda”, que se difere, por sua vez, da “gramática superficial”, que é o “conjunto de normas para a construção correta de frases”1. A definição estabelece a extensão e o limite de uma classe, delineando, através de uma operação lógica, a fronteira semântica de uma ideia ou conceito. Os conceitos se mantêm na ordem do abstrato, junto às normas jurídicas, ou seja, também são produto de um suporte físico e de uma conduta sendo que esta, por tal perspectiva, deveria se denominar conduta interobjetiva, já que, o que ocorre em toda conduta, portanto, é um diálogo em que se estabelece de antemão um jogo de linguagem específico. Assim, “nesse sentido, poder-se-ia dizer de uma significação objetiva, isto é, daquela que se origina numa situação objetiva, num determinado contexto global sócio-histórico”.2 Tal significação objetiva, para nós, não passa de um estabelecimento da extensão e do limite de uma classe se aproximando, assim, da ideia de definição. Valem as palavras de Schmidt, em que “this argument advocates that sociality is much more in the

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OLIVEIRA, Manfredo A. de. Reviravolta linguistico-pragmática na filosofia contemporânea. 3ª Edição. São Paulo: Edições Loyola, 2006. p. 141. 2 OLIVEIRA, Manfredo A. de. Reviravolta linguistico-pragmática na filosofia contemporânea. 3ª Edição. São Paulo: Edições Loyola, 2006. p. 147.

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expression. (= semiotic form) than it is in the content. On the level of communication, what matters is what people say and not what they think”3. Não negamos que as definições, afinal, terminarão por alterar os conceitos préestabelecidos, dotados estes de conteúdo múltiplo, consoante o conhecimento do sujeito em face das possibilidades de aplicação nos diversos jogos de linguagem, mas é importante salientar que o fenômeno que se realiza na conduta é de um contato direto entre duas ou mais definições, não entre conceitos, pois esses são plúrimos por natureza e inalcançáveis ao sujeito receptor da mensagem.

2. SUBJETIVISMO E CONSCIÊNCIA O dicionário Aurélio define “subjetivo” como aquilo que é “1. Relativo ao sujeito. 2. Existente no sujeito. 3. Individual, pessoal; particular: é muito subjetiva a sua visão do assunto. 4. Passado unicamente no espírito de uma pessoa. 5. Filos. Válido para um só sujeito. 6. Filos. Que pertence unicamente ao pensamento humano, em oposição ao mundo físico, i. e., à natureza empírica dos objetos a que se refere.” Nesta mesma linha, Paulo de Barros Carvalho vai lecionar sobre a definição de consciência: “Tomemos a palavra ‘consciência” como a função pela qual o ser humano trava contato com suas vivências, estados psíquicos e condutas, bem como projeta sua atenção para o mundo exterior recolhendo os dados obtidos pela intuição sensível (...) processando assim suas emoções, sentimentos, sensações, lembranças, sonhos, imaginação, pensamentos, esperanças e a gama imensa de suas manifestações volitivas. (...) Mais além, a consciência retroverte sua atenção para os próprios conhecimentos obtidos (sejam eles internos ou externos), numa atitude eminentemente reflexiva, avaliando-os sob múltiplos aspectos. Dito de outro modo, apropria-se dos conhecimentos a que teve acesso, combinando-os na conformidade dos valores que lhe pareçam cabíveis segundo sua ideologia. (...) o que levou Lourival Vilanova a exprimir que ‘a consciência, expressão da subjetividade, tende para as coisas; o sujeito está vertido sobre seu

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SCHMIDT, Siegfried J. Cognition, Communication, and the Myth of Autopoiesis. In: Paragrana. Internationale Zeitschrift fur Historische Anthropologie. Berlin: Akademie Verlag, 1995. p. 318.

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contorno, por urgência vital, antes de o ser pelo puro chamamento da verdade objetiva’”.4 (grifo nosso) A consciência funcionaria, portanto, como ponte de transição do mundo dos fatos para o âmbito da subjetividade, ambiente este em que o ser humano se encontra carregado de valores, dogmas e conceitos historicamente formulados, construídos e reconstruídos diariamente, mediante o contato com as “suas vivências, estados psíquicos e condutas”. A consciência é uma construção interna do indivíduo, realizada através da projeção de sua atenção para o mundo exterior, mundo este formulado pela linguagem, responsável pela produção de significações mediante a definição de termos, estabelecida esta nos jogos de linguagem. E quando falamos em definição, não estamos somente nos restringindo ao suporte físico, às marcas de tinta sobre o papel, mas também às próprias condutas, que não deixam de ser linguagem em seu sentido singular. Ocorre, por assim dizer, uma transmutação da linguagem da conduta e do suporte físico em conceito, estritamente subjetivo e jamais ao alcance do outro, pois diretamente relacionado ao conteúdo cultural singular do intérprete, este que tem como partícipe ele e somente ele, com todas as suas contradições e regras próprias de diálogo em si mesmo, sem estabelecer, a priori, qualquer tipo de definição, mesmo porque, se isso fizesse, restringiria o termo a um certo jogo de linguagem, impossibilitando seu uso às outras formas de contextualização. Assim, nos apoiamos em Aurora Tomazini de Carvalho, ao dizer que: “Não há um mínimo de significado comum preso às palavras, as associações são livres. As ideias de aproximam porque formuladas por pessoas que habitam a mesma cultura, ou seja, que vivenciam uma tradição linguística e, em decorrência disso, acabam por realizar associações significativas próximas. No entanto, apesar de próximos, os conceitos se distanciam por serem as vivências culturais próprias de um indivíduo. (...) JOHN HOSPER destaca que uma pessoa pode possuir o conceito de uma palavra, saber utilizá-la em diversos contextos todos os dias, sem ser capaz de lhe dar uma definição. Isto porque, definir é por em palavras o conceito. (...) Definir, assim, é explicar o conceito, pô-lo em palavras, é identificar a forma de uso do termo”.5 (grifo nosso)

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CARVALHO, Paulo de B. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4ª edição. São Paulo: Noeses, 2011. p, 8, 9. 5 CARVALHO, Aurora T. de. Curso de Teoria Geral do Direito. O Constructivismo Lógico-Semântico. 3ª edição. São Paulo: Noeses, 2013. p. 62, 63.

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Dizer, portanto, apoiado no triângulo semiótico, que as condutas são intersubjetivas, é o mesmo que dizer que há uma relação que se estabelece diretamente entre dois ou mais subjetivismos. Ora, se o subjetivo está somente acessível ao intérprete remetente da mensagem, se o conceito, assim como a norma jurídica, são construções subjetivas geradas pela singularidade do indivíduo, não há como se falar em intersubjetividade, mas sim em interobjetividade, pois a troca, a relação, se realiza através da linguagem, dependente do jogo de linguagem em questão. O suporte físico junto à conduta vão estabelecer os critérios de uso do termo de acordo com tal jogo, este que será definido mormente pela própria conduta, interobjetiva, pois é através da correlação, disputa, intersecção entre as definições possíveis de serem estabelecidas que emanará a norma, gerando, consequentemente, um enunciado, graças às “associações significativas próximas” constituídas pelas regras estabelecidas do jogo de linguagem. Como afirma Wittgenstein, “todo signo sozinho parece morto. O que lhe dá vida? No uso, ele vive”.6 Importa dizer que não estamos negando de forma alguma que há uma consequência dessa interobjetividade na subjetividade dos sujeitos envolvidos. O objetivo e o subjetivo estão intrinsecamente associados, na forma de que um altera o outro indubitavelmente. Talvez se possa questionar que o termo “intersubjetividade” esteja justificado por advir justamente dessa alteração que ocorre no subjetivismo dos sujeitos envolvidos na conduta, porém, o que pretendemos salientar, é que a alteração no nível da subjetividade ocorre de forma indireta, ela é fruto da interobjetividade, e não o contrário. Além do que, não há, como já dissemos, uma conduta “entre subjetivismos”, mas sim “entre objetivismos”, o que ocasiona, necessariamente, no interior da consciência dos sujeitos envolvidos, uma modificação nos conceitos e regras inferidas do jogo de linguagem estabelecido na conduta. Importante, também, citarmos a “metáfora da transmissão”, tão combatida por Luhmann e que parte da ideia de que, no processo comunicativo, “a informação seria algo que um emissor transmitiria para um receptor”7. Entre os pressupostos de tal metáfora, encontramos “a pressuposição de que se pode ter conhecimento do estado interno daqueles que participam da comunicação”8 A cognição e a comunicação, assim, são dois processos, sistemas, que se relacionam somente na seguinte forma, consoante Siegfried J. Schmidt: “cognition and 6

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. Sâo Paulo: Nova Cultural, 1999. p.129 BÔAS FILHO, Orlando V. O Direito na Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann. São Paulo: Max Limonad, 2006. p. 151 8 BÔAS FILHO, Orlando V. O Direito na Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann. São Paulo: Max Limonad, 2006. p. 151 7

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communication are structurally coupled by media offers through a collective recourse to symbolic orders of culture”9. Neste sentido, continua o autor, introduzindo o termo Kommunikat para diferenciar de “entendimento” que, por sua vez, é realocado pelo autor para o âmbito da “comunicação”: Semantic objectivity is not an aim we can reasonably ever seek. Instead, on the level of Kommunikat-production, we try to achieve satisfying cognitive results (or states) wich we hold to be meaningful, coherent, and appropriate, whereas – on the social level of communication – the point is whether or not listeners fit into the expectations of speakers. In this respect, understanding results from social interaction, or – in K. J. Gergen’s words: ‘Understanding is not contained within me or within you, but is that wich we generate together in our form of relatedness…Understanding…is a social achievement’.10

3. INTEROBJETIVIDADE E ALTERIDADE

Entendemos como conduta interobjetiva a relação existente entre as definições estabelecidas pelos sujeitos consoante o jogo de linguagem em questão, sendo que este leva à produção daquelas definições, estas enquanto produto parcial dos conceitos, das significações, construídas no interior do intérprete.. Ou seja, a objetividade é associada à definição, ao contrário da subjetividade, que é associada ao conceito pois gerada no âmago do intérprete na forma de abstração das possibilidades de definição que lhe comportam. Interobjetiva, portanto, pois é diálogo, linguagem, conformação do conceito dentro de certo contexto comunicacional ou, em outros termos, certo jogo de linguagem constituído e “jogado” mediante as definições que dele fazem parte.. O sentido da alteridade, nesse aspecto, coaduna-se com o entendimento do Outro no conjunto que lhe forma enquanto desigual ao “eu-mesmo”. O sofrimento, a dor, o amor, a vida, conceitos que não podem ser compartilhados mas cujo jogo de linguagem estabelecido na conduta entre pessoas promove o encontro de diferentes formas de se definir a ideia neles contida, cujo contato se dá estritamente no nível presumido da diferença, de aceitação dessa diferença e compreensão de que o conceito tem ao mesmo 9

SCHMIDT, Siegfried J. Cognition, Communication, and the Myth of Autopoiesis. In: Paragrana. Internationale Zeitschrift fur Historische Anthropologie. Berlin: Akademie Verlag, 1995. p. 317. 10 SCHMIDT, Siegfried J. Cognition, Communication, and the Myth of Autopoiesis. In: Paragrana. Internationale Zeitschrift fur Historische Anthropologie. Berlin: Akademie Verlag, 1995. p. 322.

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tempo, paradoxalmente, um limite e uma infinidade de interpretações, consoante o jogo de linguagem e cada intérprete do mundo e de si mesmo. Reconhecer si mesmo no outro não passa da capacidade de compreender o outro, em sua totalidade, como capaz de interpretar o mundo de forma absolutamente diversa da sua. É reconhecer que você mesmo tem sua própria metodologia hermenêutica capaz de conceder sentido à tudo e à todos de forma única, singular. É uma igualdade, portanto, pela diferença. A igualdade de que somos todos desiguais. Assim, seguimos na lição de Wittgenstein, consoante assertiva de Ernst Tugendhat: (...) Wittgenstein permite ao representante da posição tradicional expor primeiramente a sua concepção: ‘Se ensinamos a alguém a palavra ‘vermelho’, então essa palavra se liga (ou deve se ligar) para ele a uma determinada sensação sua (uma sensação privada, uma sensação nele). Ele pode, então, comunicar essa sensação — de modo indireto, naturalmente —através do meio da linguagem" (...). Mas como ensinamos de fato a palavra ‘vermelho’? Quando mostramos como essa é aplicada a objetos. "Compreendemos o critério para isso no fato de que ele, com ‘vermelho’, se refere ao mesmo que nós, no fato de que ele em geral dá os mesmos nomes que nós às cores dos objetos’.11 (grifo nosso) Ou seja, a comunicação da sensação se realiza, “naturalmente”, de forma indireta. E tal assertiva se assenta na premissa de Wittgenstein de que, “quando se tem algo em mente, tem-se a si mesmo em mente”, e também no paradoxo colocado pelo mesmo autor, de que, em seus termos: “‘como posso saber o que ele tem em mente (meint) se vejo apenas seus signos’ então eu digo: ‘Como pode ele saber o que tem em mente, se ele também tem apenas seus signos’”12. Quando um indivíduo ‘A’ pensa “cadeira”, vem uma imagem na sua mente que será indubitavelmente diferente da imagem projetada na mente de um indivíduo ‘B’, apesar de ambos estarem falando sobre o mesmo signo linguístico. Sobre o termo “cadeira”, provavelmente a definição é aproximada, mas com contornos conceituais bem diferenciados. Isso porque, como nos leciona Wittgenstein, nas palavras de Manfredo A. de Oliveira, “o que existe de fato são ‘semelhanças de família entre conceitos’”. 13 Mesmo se detalhado, através da linguagem, todas as características que envolvem o

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TUGENDHAT, Ernst. Disponível em: . Acessado em 24 de outubro de 2013. 12 WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. Sâo Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 132 13 OLIVEIRA, Manfredo A. de. Reviravolta linguistico-pragmática na filosofia contemporânea. 3ª Edição. São Paulo: Edições Loyola, 2006. p. 130.

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conceito ‘cadeira’ para o individuo ‘A’, este será diferente para o indivíduo ‘B’, inclusive no que diz respeito às sensações experimentadas por ambos ao pensarem sobre esse termo. Partilhamos da ideia de que cada indivíduo, inclusive, é capaz de realizar conceitos exclusivamente próprios, diante de uma lógica interna de interação e diálogo consigo mesmo, fazendo variar inclusive tais conceitos consoante o jogo de linguagem que por ele mesmo se estabelece. Ousamos dizer, assim, utilizando-nos da assertiva de Edvaldo Soares apoiado em Cuter, a qual, porém, aquele autor irá desferir algumas críticas, “que a linguagem poderia constituir-se apenas com base neste jogo de associações privadas, que o indivíduo poderia, idealmente, criar e jogar consigo próprio”14, o que seria “dizer que o indivíduo humano é medida do verdadeiro e do falso, da certeza e da dúvida, do certo e do errado, da realidade e da ficção”15 A crítica de Soares a esta assertiva se dá no sentido de que ele entende isso como uma forma de “objetividade”, de que as significações e as representações “possuem uma existência objetiva, independentemente do uso que delas se faz, do contexto concreto e, identificadas com sua forma”16. Data vênia, discordamos dessa crítica, pois entendemos que, primeiramente, não estamos a apoiar a Teoria da Linguagem Privada, que afirma existir uma linguagem alheia de qualquer referencial externo. Tal teoria deve ser rechaçada, pois desde nossa concepção e o desenvolvimento pedagógico do início de nossas vidas, somos fortemente influenciados por terminologias e seus variáveis jogos de linguagem que compõem os atos comunicativos e assim desde então é que construímos nosso arcabouço conceitual. E, em segundo lugar, mas não menos importante, porque nos parece que a nossa perspectiva acima adotada resulta justamente de uma hermenêutica negadora de existências objetivas independentes de qualquer contexto. Pelo contrário, quando cogitamos o indivíduo como a medida de sua própria subjetividade, estamos a concordar que todas as subjetividades são, em certo sentido, singularmente apropriadas de julgamentos, consoante o jogo de linguagem específico. É, desta forma, “impossível determinar a significação das palavras sem uma consideração do contexto socioprático em que são usadas”17.

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SOARES, Edvaldo. Limites para a compreensão da subjetividade: a concepção do mental como ‘res’. Claretiano - Revista do Centro Universitário, Batatais, JAN./DEZ. 2002 – Número Especial. p. 31. 15 SOARES, Edvaldo. Limites para a compreensão da subjetividade: a concepção do mental como ‘res’. Claretiano - Revista do Centro Universitário, Batatais, JAN./DEZ. 2002 – Número Especial. p. 31. 16 SOARES, Edvaldo. Limites para a compreensão da subjetividade: a concepção do mental como ‘res’. Claretiano - Revista do Centro Universitário, Batatais, JAN./DEZ. 2002 – Número Especial. p. 31. 17 OLIVEIRA, Manfredo A. de. Reviravolta linguistico-pragmática na filosofia contemporânea. 3ª Edição. São Paulo: Edições Loyola, 2006. p. 131.

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Assim, justamente por isso, a intersubjetividade se mostra como algo falacioso por si, se não tomada como uma consequência no máximo indireta da interobjetividade, essa sim, governada pelas definições geradas pelo próprio jogo de linguagem. Inclusive, nesta linha de raciocínio, percebe-se que falar em “intersubjetividade indireta” é uma redundância em termos. Desta forma, vale dizer que o processo de compreensão do estado do Outro só é possível mediante uma dedução por analogia, consoante lição de Ernst Tugendhat. Em seus termos: (...) cada um conhece os estados internos, que são designados com os predicados "f’, somente a partir de si mesmo, com base na percepção interna. Então como posso julgar que também outros homens têm tais estados? (...) Porque observo que determinados estados meus, por exemplo sensações de dor, são regularmente acompanhados por um determinado comportamento do meu corpo, deduzo por analogia que também os outros, quando exibem um comportamento semelhante, têm estados que são como os que percebo em mim ao ter esse comportamento.18 Tal linha de pensamento caminha justamente no sentido de tomar o ser humano como um ser moralmente contingente por natureza, não estando exatamente submetido ao Contratualismo de Hobbes ou Rousseau, mas um ente que tem “aprendido sobre o bem e o mal e, pois, compreendido que coisas e atos podem ser bons ou maus, o que exigirá do ser humano uma decisiva escolha, que se desencadeará na construção de um produto social para a manutenção da humanidade: a ética”19. Por isso, trilhamos na esteira de Levinas para quem, consoante lição de Carlos Eduardo Nicoletti Camillo: “(...) o homem contemporâneo somente conseguirá superar a totalidade do ser em si mesmo se tiver a grandeza de se abrir à exterioridade, movimentando-se, depondo-se em relação ao Outro, rumo ao infinito. Mas não se trata de uma relação do Eu que enxergue o outro como Eu, já que isso não concerne ao Outro – mas ao Mesmo. Também não se trata de uma relação singular do Eu com um Outro apenas, mas deve-se compreender uma relação plural, entre diversos seres humanos.”20

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TUGENDHAT, Ernst. Disponível em: . Acessado em 24 de outubro de 2013. 19 CAMILLO, Carlos Eduardo N. O Conceito de Direito em Emmanuel Levinas. A alteridade e o Primado da Ética como Fundamentos do Sistema Jurídico. Tese de Doutoramento em Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013. p.19 20 CAMILLO, Carlos Eduardo N. O Conceito de Direito em Emmanuel Levinas. A alteridade e o Primado da Ética como Fundamentos do Sistema Jurídico. Tese de Doutoramento em Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013. p. 38, 39.

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A conduta, ou relação, intersubjetiva, ou seja, entre subjetivismos, a nosso ver, pressupõe, em princípio, a possibilidade de um sujeito alcançar e capturar a subjetividade do outro, mediante uma correlação direta entre as subjetividades de todos os sujeitos envolvidos. Ora, tal movimento nos parece impossível de realização, já que o Eu, na tentativa de compreender a subjetividade do Outro, sempre terá como obstáculo a própria constituição do Mesmo, inexoravelmente constituído de suas próprias premissas e conceitos singulares. Já, sob o manto do termo conduta, ou relação, interobjetiva, implícito é que se trata de uma comunicação orientada pelas definições trazidas nos jogos de linguagem constituídos, guiados na semelhança de família entre os termos utilizados. Ou seja, aquilo que é compartilhado nada mais é do que o que se torna pressuposto pelo jogo conduzido pelos partícipes, anulando qualquer possibilidade de uma hipotética conexão direta das subjetividades, sendo estas, como já fora dito, exclusivas dos sujeitos cognoscentes. Assim, a fim de extrapolar o sentido da intersubjetividade, o chamado “domínio comum de conhecimentos”, por onde se estabelece a comunicação, para Peter M. Hejl, consoante referido por Colin B. Grant, merece a denominação de “reino synreferencial”: O sistema consiste em organização e componentes. Os atores sociais são componentes do sistema. Para conseguirem uma boa interação e comunicação, os atores precisariam, segundo Hejl, ter gerado um domínio comum de conhecimentos. Este reino é o reino synreferencial. Segundo Hejl: Quando membros de um sistema social se referem, ou implícita – ou explicitamente nas suas comunicações e nos seus comportamentos ao reino do conhecimento especificamente sistêmico do sistema, eu chamo esse reino de conhecimento de reino synreferencial. (...). Portanto, um sistema social consiste em três níveis: organização, componentes, e reino synreferencial: Um sistema social é um grupo de indivíduos que (a) participam no mesmo reino synreferencial, e (b) agem e interagem com respeito a ele. Deste modo, indivíduos tornam-se tanto componentes do sistema, como também constituem a organização do sistema (...).21

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GRANT, Colin B. Intersubjetividade: necessidade social ou impossibilidade cognitive? Uma contribuição ao debate entre Habermas e Luhmann. In: Princípios. Revista de Filosofia.– Ano 04 n.05. Natal: UFRN.CCHLA, 1997. p. 24, 25

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim é que, no âmbito do triângulo semiótico consoante tratado por Paulo de Barros Carvalho, numa das pontas tem-se o suporte físico, dotado de enunciados, em outra ponta, as condutas que aqui denominamos de condutas interobjetivas (por ele chamadas de intersubjetivas) e, na terceira ponta, as próprias normas jurídicas. O processo de geração das normas jurídicas ocorre mediante a relação entre o suporte físico e a conduta, sendo que esta confere sentido pragmático à norma, pois carrega consigo a carga de definições estabelecidas mediante um jogo de linguagem dela específico. Impossível, pois, dissociar a conduta interobjetiva da relação triangular, já que sem esta não se saberia sob qual jogo de linguagem o suporte físico se deitaria ou, em outras palavras, sob qual sentido axiológico os enunciados seriam aplicados a fim de conduzir ao surgimento da norma, esta prescritiva por natureza. Por fim, vale a lição de Schmidt: According to this argumentation, understanding can be theoretically modelled in terms of what communication attributes too or requires from cognition on the occasion of the processing of media offers, or in terms of what consciousness presupposes as modus operandi of communicators during communication. Both communication and cognition cannot do without this imputation. In this respect understanding is something like a useful fiction (…). We presuppose understanding in order to assume that communication is reasonable, because we assume that other people “think”.22

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SCHMIDT, Siegfried J. Cognition, Communication, and the Myth of Autopoiesis. In: Paragrana. Internationale Zeitschrift fur Historische Anthropologie. Berlin: Akademie Verlag, 1995. p. 322, 323

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMILLO, Carlos Eduardo N. O Conceito de Direito em Emmanuel Levinas. A alteridade e o Primado da Ética como Fundamentos do Sistema Jurídico. Tese de Doutoramento em Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013. CARVALHO, Aurora T. de. Curso de Teoria Geral do Direito. O Constructivismo Lógico-Semântico. 3ª edição. São Paulo: Noeses, 2013. CARVALHO, Paulo de B. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4ª edição. São Paulo: Noeses, 2011. BÔAS FILHO, Orlando V. O Direito na Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann. São Paulo: Max Limonad, 2006. LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. OLIVEIRA, Manfredo A. de. Reviravolta linguistico-pragmática na filosofia contemporânea. 3ª Edição. São Paulo: Edições Loyola, 2006. Paragrana. Internationale Zeitschrift fur Historische Anthropologie. Berlin: Akademie Verlag, 1995 Princípios. Revista de Filosofia. – Ano 04 n.05. Natal: UFRN.CCHLA, 1997. SOARES, Edvaldo. Limites para a compreensão da subjetividade: a concepção do mental como ‘res’. Claretiano - Revista do Centro Universitário, Batatais, JAN./DEZ. 2002 – Número Especial. TUGENDHAT, Ernst. Disponível em: . Acessado em 24 de outubro de 2013. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. Sâo Paulo: Nova Cultural, 1999.

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