• “Introdução ao estudo da História da Arte Sacra no Concelho de Borba” in Arte Sacra no Concelho de Borba. Inventário Artístico da Arquidiocese de Borba, Évora, Fundação Eugénio de Almeida, 2015, pp. 8-15.

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Introdução ao Estudo da História da Arte Sacra no Concelho de Borba O Concelho de Borba é o mais pequeno e, simultaneamente, o mais densificado do Alentejo, possuindo um rendimento per capita invejável para muitos municípios do Litoral. Estes dados demonstram que não encontramos aqui um Alentejo deprimido e desertificado. A razão reside na existência, desde a Antiguidade, de várias fontes de riqueza - o mármore, o vinho, o azeite e os queijos - que se alternam como a mais importante indústria do concelho e que justificaram sempre a sua ocupação humana. Assim, a região de Borba - que deve ser entendida como parte de uma unidade que inclui também Vila Viçosa e Estremoz, com ramificações a Alandroal, Redondo, Elvas, Campo Maior e Olivença- é, e sempre foi, uma das mais ricas do nosso país, em termos naturais, de potencial económico, valor humano e, claro está, de património cultural. Os monumentos construídos, a arte produzida, tanto sacra como profana, são o reflexo desta realidade. O vinho de Borba, muito apreciado desde o século XVII, era exportado para os concelhos vizinhos, motivando a riqueza dos seus produtores, que construíram as suas habitações apalaçadas no centro da vila e patrocinaram a construção e decoração das igrejas paroquiais, conventos e ermidas. As jazidas de mármore, que se dispõem pelos atuais concelhos de Borba, Estremoz, Vila Viçosa e Alandroal, motivaram o aparecimento de diversos mestres pedreiros, de grande qualidade, encabeçados pela família Cordeiro, que trabalharam para a aristocracia, para as igrejas paroquiais, para os conventos das diversas ordens e, principalmente, para os grandes produtores agrícolas. O seu trabalho foi de tal forma reconhecido e apreciado que encontramos a presença de peças de mármore dos séculos XVI a XVIII em quase

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todo o Alentejo, na Estremadura Espanhola, e, mais raramente, em Lisboa. Surge em Borba uma elite intelectual, ainda por estudar e conhecer que, sabemos, motivou a existência de um livreiro com porta aberta na vila, a laboração de um pintor que viveu exclusivamente do seu trabalho - José de Sousa de Carvalho - e a representação em tetos de emblemática iluminista como o sistema heliocêntrico, tal como era defendido por Galileu, ou a Ciência e a Justiça como luzes do Mundo. Havia ainda ligações ao Marquês de Pombal e ao Duque de Palmela que permanecem por descortinar. Borba teve ocupação humana, seguramente, desde a época romana, existindo uma villa no perímetro urbano - a Cerca - donde se retirou uma epígrafe funerária em mármore, hoje guardada na Biblioteca Municipal. Na época visigótica, manteve a ocupação humana assente na agricultura, existindo um friso decorado com elementos vegetalistas, desse período, no Palácio Alvarez. Segundo a lenda, o topónimo de Borba provêm de um peixe de rio – o barbo - abundante numa lagoa que existiria no local, interpretação que justificou, ainda na época medieval, que esse peixe figurasse nas armas municipais. A vila foi integrada no reino cristão de Portugal, por volta de 1217, juntamente com outras localidades envolventes, permanecendo incluída no município de Estremoz. Foi sempre uma vila sujeita ao Rei até que D. João I a doou a D. Nuno Álvares Pereira e, por essa via, entrou na Casa de Bragança, donde nunca saiu, exceto durante o reinado de D. João II, quando foi doada a D. Vasco Coutinho, que recebeu também o título de “Conde de Borba”. A nível eclesiástico, passou, em 1260, para a Ordem Militar de Avis, levando ao protesto do Bispo de Évora e

motivando inúmeros conflitos entre as duas instituições que duraram até 1834. É na sequência desta disputa que sabemos ter existido, no século XIII, a Igreja de Santa Maria de Borba, a qual a historiografia tem colocado na atual igreja da Misericórdia. Duvidamos desta tese, pelo facto de haver um documento que refere a existência da “igreja velha”, no castelo, distinta da Igreja da Misericórdia e da atual Igreja Matriz, hoje fora do perímetro amuralhado. Em nosso entender, a localização desta primitiva igreja medieval poderia ser sob o atual cine-teatro, implantado precisamente na Rua de Santa Maria, na confluência das quatro saídas da vila, mas só escavações arqueológicas poderão confirmar esta hipótese. Em 1302, Borba tornou-se num concelho independente, destacando-se de Estremoz. A muralha dionisina do castelo cercou, nesse mesmo ano, a vila existente, que mais não era do que três a quatro ruas paralelas. Pouco depois, em 1315, Borba recebeu a Carta de Feira que lhe proporcionou grande riqueza e originou a instalação de uma burguesia endinheirada que, por sua vez, atraiu diversos artesãos. A vila cresceu, primeiro de forma espontânea em direção a Estremoz, depois de forma mais planeada num bairro de planta ortogonal, em “espinha de peixe”, com boa exposição solar. Apareceu também uma “Judiaria” que julgamos localizar-se na antiga saída para Vila Viçosa, ou seja, na atual zona envolvente à Ermida de São Sebastião. Contrariando, ou pretendendo equilibrar este crescimento urbano desigual, a Ordem de Avis patrocinou a construção, em 1420, de uma nova igreja matriz fora do tecido urbano, no sentido contrário, em direção a Vila

Viçosa. Promovia-se, assim, a urbanização daquela zona, para que o castelo ficasse ao centro de uma vila radio-concêntrica. A localização excêntrica foi justificada, posteriormente, com um milagre: a Virgem Maria teria aparecido no local, num bosque de sobreiros, adquirindo assim o templo a denominação de Igreja de Nossa Senhora do Soveral. Foi o Cardeal D. Henrique quem patrocinou a reconstrução do templo em 1560, com capacidade para receber a totalidade da população e de acordo com os cânones contra-reformistas: igreja-salão, com três naves à mesma altura, separadas por colunas de mármore, de fuste liso e capitel de ordem dórica, valorização da capela-mor, pouco profunda, e existência de capelas laterais. A capela-mor primitiva era mais curta que a atual e ostentava uma pintura a fresco do orago, sobrevivendo uma cópia, em óleo sobre tela, na Igreja de São Bartolomeu. A capela-mor atual foi reconstruída, em finais do século XVIII ou inícios do XIX, para receber um grandioso retábulo em mármore nunca concretizado. Nas colaterais, temos à esquerda a Capela do Santíssimo Sacramento, construída entre 1786 e 1798, implicando o derrube da parede original da igreja. Esta era gerida pela mais importante confraria da vila, composta apenas pela aristocracia dominante, que patrocinou a extraordinária tela de José de Sousa de Carvalho representando a Santíssima Trindade com a Fé e a Eucaristia. À direita da capela-mor, temos o altar da Cruz de Cristo, já neoclássico, do início do século XIX, com imaginária evocativa da Paixão. Pertencia a outra confraria, mais abrangente, que assumiu na vila a importante função de instituição de crédito, financiando a introdução da vinha nas herdades no século XVII.

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Em cada um dos lados da igreja temos três capelas. No lado do Evangelho, está a Capela do Anjo da Guarda ou do Anjo Custódio de Portugal, fundada no contexto da Guerra da Restauração e que possui um retábulo em estilo Barroco Nacional. Segue-se a Capela das Almas, gerida por uma das mais ricas irmandades da igreja, composta por uma capela profunda com três altares barrocos, em mármore branco e negro. Por fim, temos a Capela de Nossa Senhora do Bom Sucesso, com a respetiva imagem trazida por soldados borbenses presentes na campanha da Guerra da Sucessão de Espanha, exposta em altar de mármore branco e negro, em estilo rococó. Ainda nesta capela, temos a arca tumular de Manuel Lobo de Pina, borbense enriquecido no Extremo Oriente com o comércio das especiarias. No lado da Epístola, temos a Capela de Nossa Senhora do Rosário, com duas telas de José de Sousa de Carvalho alusivas a São Domingos. Numa delas, o tema escolhido foi, precisamente, São Domingos a pregar aos hereges, representados por um aristocrata de chapéu tricórnio emplumado, um estrangeiro com vestes flamengas e uma mulher com saia às riscas, com as três cores da Revolução Francesa. Ao lado, temos a Capela da Santa Casa da Misericórdia de Borba com uma pintura deslocada evocativa da Visitação, emblema da instituição. Originalmente, era dedicada à Madre de Deus e pertencia a Pedro Gomes de Brito que a doou à Misericórdia juntamente com todos os seus bens. A última das capelas era dedicada a São Pedro apresentando um retábulo em talha dourada, em estilo Barroco Nacional, hoje consagrado à Imaculada Conceição. A população parece não se ter revisto na nova igreja

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paroquial, implantada no caminho para Vila Viçosa e, no segundo quartel do século XVI, construiu, espontaneamente, a Igreja de São Bartolomeu, na entrada contrária da vila, a de Estremoz. Inicialmente, era uma ermida sujeita à igreja Matriz e funcionou como paroquial enquanto esta foi reconstruída, na década de 1560. Porém, foram muitos os conflitos entre os freires de São Bento de Avis, sediados na igreja Matriz, e os padres afetos à diocese de Évora, a quem estava entregue o culto de São Bartolomeu. Em 1597, a Câmara Municipal solicitou a elevação da Igreja de São Bartolomeu a paroquial, o que aconteceu apenas em 6 de Março de 1609, nascendo assim as duas freguesias urbanas de Borba. Nesta igreja, as abóbadas, apesar de possuírem um figurino polinervado, mais adequado ao tardo-gótico, estão, na verdade, documentadas de 1610. A pintura com ferronerries e medalhões relatando a vida de São Bartolomeu será da década de 1660-70. Sabemos que o revestimento azulejar da nave foi feito em ação de graças pelas “Pazes” com Espanha de 1668. Na sequência deste conflito, Borba havia sido invadida, tanto em 1662 como em 1665, ambas as vezes com fortes prejuízos: destruição das herdades, pilhagens e execução da guarnição militar. A partir daqui a igreja vai recebendo inúmeros contributos artísticos: pinturas de Francisco Nunes Varela na nave da igreja (1673), portais principal e lateral em mármore da autoria de José Rodrigues Texugo (1683), remodelação da capela-mor com alçados decorados em mármore branco e negro, em motivo damier, da autoria de André Cordeiro (1695-1696) e por fim, o grandioso retábulo em talha dourada, com trono para exposição do Santíssimo, que trouxe a Borba o Barroco Joanino, da

autoria do entalhador eborense Manuel Nunes da Silva (1731-1733). Na nave, merece destaque o retábulo de São Pedro, em mármore branco e negro, e a Capela do Santíssimo Sacramento, datável do final da década de 1780, onde figura uma pintura de José de Sousa de Carvalho, representando o Triunfo do Santíssimo Sacramento sobre a Heresia. Esta está, mais uma vez, associada aos letrados, representados como indivíduos que seguram livros, e aos aristocratas, pelo ambiente palaciano dado pela balaustrada de uma escadaria de aparato. A última grande campanha artística foi o órgão da autoria de António Xavier Machado Cerveira, o próprio organeiro da Casa Real, conhecido pela elaboração dos seis órgãos de Mafra. O órgão de São Bartolomeu foi inaugurado solenemente, no dia do Corpo de Deus de 1808, com composições musicais feitas para a ocasião, da autoria de João José Baldi e Frei José Marques e Silva, as quais se preservam. A razão para este gosto erudito deve-se à proximidade com Vila Viçosa, marcada pela corte do Duque de Bragança e pela vocação musical da sua Capela Real. Este mesmo ambiente erudito e aristocrático explica também a fundação e manutenção do Convento das Servas. Começou como uma ermida no final do século XV dedicada a Nossa Senhora das “Ervas”, subsistindo ainda hoje a imagem mariana dessa época. Mais tarde, na ermida, associaram-se diversas mulheres em recolhimento, que assumiram a denominação de “Servas” de Nossa Senhora. Em 1598, o recolhimento e ermida anexa foram convertidos em convento de clarissas, construído em terrenos municipais e com o alto patrocínio do Duque

de Brangança, D. Teodósio II, que lançou solenemente a primeira pedra em 1604. Trinta anos depois, a obra ainda decorria, tendo a comunidade de freiras, proveniente do Convento das Chagas de Vila Viçosa, entrado na clausura somente em 1645. O mosteiro organiza-se num quadrado em torno do claustro e, sob ponto de vista arquitetónico, encontra-se bem preservado, apesar da função industrial que o ocupa desde a extinção. A nível artístico, o convento está despojado do seu recheio, preservando-se apenas o retábulo em talha dourada, proto-barroco, com estrutura arquitectónica e diversos testemunhos em pintura mural, no teto da igreja e no coro-alto, onde se destacam os medalhões alusivos ao Amor Divino. Anexo a este mosteiro, temos a Igreja da Venerável Ordem Terceira ou do Senhor Jesus dos Aflitos, capela privativa de uma irmandade de leigos, afeta à Ordem Franciscana e aos seus valores de pobreza e humildade. A irmandade foi fundada em 1670 tendo-se instalado, numa primeira fase, numa capela lateral da Igreja das Servas. Pouco depois, em 1677, construíram a atual igreja, separada mas encostada ao mosteiro, sob projecto de Lázaro Moniz. Porém, a obra correu mal, obrigando a importantes demolições e reconstruções e ao afastamento do projetista. Para reafirmar a honra da irmandade junto da vila, foi construída, logo de seguida, a atual fachada, decorada em mármore branco e negro, em motivo damier. A Igreja da Santa Casa da Misericórdia está no castelo mas, como já referimos, não deverá corresponder à primitiva igreja medieval. A fundação desta instituição data de 1379, enquanto Confraria do Santo Espírito de

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Nossa Senhora, convertendo-se depois em Misericórdia, em 1524, para escapar à ingerência do Duque de Bragança. Esta igreja é de nave única e abóbada polinervada, marcada pelo retábulo da capela-mor, da autoria de Manuel de Mures, entalhador de Vila Viçosa, e pelo retábulo lateral esquerdo, em mármore, do início do século XIX. O seu interior era, tal como a Igreja de São Bartolomeu, totalmente preenchido por azulejos de maçarocas, adquiridos em segunda-mão a um recoveiro lisboeta, tendo sido posteriormente retirados por uma Mesa afeta à austeridade pombalina. Ainda na vila temos a Ermida de São Sebastião, fundada em finais do século XVI ou inícios do XVII, provavelmente para profilaxia da peste, que nesta época afetou bastante Borba. A ermida foi implantada na estrada que, saindo do castelo, se dirigia a Vila Viçosa. Foi sendo gerida por um ermitão nomeado pela Ordem de Avis e mantido pelas esmolas da população. Depois esteve a cargo de uma irmandade e, finalmente, da própria Câmara Municipal, cumprindo ordens da Casa de Bragança. A Igreja de Santo António está noutra entrada da vila, na Corredoura, a estrada que se dirige a Rio de Moinhos. Foi fundada em 1630 e recebeu, em meados do século XVIII, um retábulo em mármore, atribuído a José Francisco de Abreu, de linhas italianizantes decalcadas de Mafra. No interior do burgo, foi fundado o Colégio de Nossa Senhora da Soledade, pelo Doutor João Gomes Pinto, borbense catedrático na Universidade de Coimbra, que providenciou a existência de duas aulas diárias de Teologia e Moral. O edifício foi projetado sobre as casas do referido doador, mas ampliando-se verticalmente,

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prevendo-se cinco pisos, o que provocou acesos protestos das Servas, levando a Câmara a embargar a obra. Em 1735, o colégio passou a leccionar também Latim e Gramática e estas duas aulas terão sido fundamentais para assistirmos, na segunda metade do século XVIII, ao crescimento intelectual dos quadros da vila, tornando-se esta num polo iluminista com contornos, ainda por conhecer na sua totalidade. De facto, nesta época, assistimos a um desenvolvimento económico e cultural, desde logo pela encomenda de diversas obras de arquitetura inspiradas em Mafra. Já referimos alguns retábulos de mármore, mas importa apontar também a sacristia e consistório da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja de São Bartolomeu e, muito particularmente, os Passos Processionais do Senhor, datáveis de cerca de 1755, atribuídos ao arquiteto José Francisco de Abreu. Muito provavelmente foram construídos por iniciativa da Venerável Ordem Terceira, que geria a procissão da imagem do Senhor dos Passos, hoje mais conhecida pelo Senhor Jesus dos Aflitos, a mais importante devoção de Borba. São quatro passos monumentais, dispersos pelas ruas da vila, com portal em mármore, frontão ladeado por dois anjinhos, planta quadrada, interior revestido a pintura mural, altar com tela pintada a óleo e cobertura em forma de corucheu com estuques. Terminando o roteiro pelos edifícios sacros no interior da vila temos o Recolhimento de Nossa Senhora das Dores, do qual pouco resta para além da estrutura arquitetónica e das portas da igreja. Foi fundado em 1778, na “rua nova das Cancelas”, via aberta pela edilidade num ensaio da urbanização feita, pouco depois, na envolvente

da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Soveral, com a construção da Fonte das Bicas, Paços do Concelho e Alameda de Plátanos na nova estrada para Vila Viçosa. Para além das duas freguesias urbanas – a Matriz e São Bartolomeu – Borba possui duas freguesias rurais – a Orada, a Norte, e Rio de Moinhos, a Sul – igualmente ricas em património. Na primeira, temos a Igreja de Nossa Senhora da Orada fundada por D. Nuno Álvares Pereira, a acreditar nos cronistas setecentistas. O templo atual é do século XVIII, preservando-se a sacristia ainda quinhentista. A Igreja de Santiago de Rio de Moinhos é, por ventura, um dos mais interessantes edifícios do concelho de Borba, situada à beira da Ribeira de Lucefecit, linha de água associada ao culto de Endovélico - uma divindade indígena romanizada – e depois a Lúcifer - levando mesmo que Afonso X não ousasse pronunciar o seu nome nas Cantigas de Santa Maria. A fundação da igreja cristã data de 1290, sob patrocínio de um cavaleiro lavrador chamado D. Gonçalo, que viveu no local e se sepultou no seu interior. Esta igreja foi sendo sucessivamente alterada, particularmente em 1681, quando recebeu a construção da nave e da sua abóbada, sobre a qual foi pintada, em 1726, um programa evocativo da vida de Santiago. A obra correu por iniciativa do padre Manuel Ramos, comissário do Santo Ofício, que assumiu esta paróquia e ficou conhecido por ter descoberto a lápide de D. Gonçalo, em 1728, e por ter assumido também, a provedoria da Santa Casa da Misericórdia de Borba e da Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Bartolomeu. Fora do perímetro urbano temos o Convento de Nossa Senhora da Consolação do Bosque, fundado em 1505

pelo Duque de Bragança, D. Jaime, principal patrono da Província da Piedade dos Capuchos (Franciscanos da Estrita Observância), que aqui se terá refugiado em penitência após a morte da esposa, às suas mãos. O edifício recebeu reformas arquitetónicas profundas em 1548 e em 1670. Preserva-se a igreja, o claustro e toda a orgânica conventual, merecendo destaque o Bosque que lhe está anexo, pautado por capelas, fontes e lagoas artificiais. O outro mosteiro existente no Concelho de Borba é o Convento de Nossa Senhora da Luz de Montes Claros, que pertencia aos Eremitas de São Paulo da Serra de Ossa, datando o atual edifício de finais do século XVI. Além destas igrejas e conventos, Borba é extraordinariamente rica em ermidas dispersas pelo campo, quase todas implantadas sobre uma pequena elevação, a pouca distância de um centro urbano. Originalmente, eram construídas e mantidas pelos proprietários das herdades onde se situavam, ficando a Ordem Militar de São Bento de Avis encarregue de nomear um ermitão para nelas residir de forma permanente. Mais tarde, era a população local que as mantinha, através da doação de bens e rendimentos, da organização de irmandades devotas ao santo, ou da gestão espontânea dos moradores dos lugares mais próximos. A sua finalidade era prestar o culto às populações residentes nas herdades, aos seus trabalhadores ocasionais, e servir de destino a curtas romarias, motivando o convívio social. Destas preserva-se, ainda hoje, a tradição de almoçar em comunidade junto à Ermida de Santa Bárbara, no Domingo de Pascoela. Esta pequena ermida, a pouca distância da vila e junto à tapada ducal, terá sido fundada em meados do sé-

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culo XVI, datando de 1566 a nomeação do seu primeiro ermitão. Contou com a devoção e proteção particular dos Duques de Bragança, sendo elevada a sede de freguesia, estatuto que manteve até 1967. No seu interior destacam-se as composições de pintura mural, de grande qualidade, datáveis do último quartel do século XVII. As restantes ermidas, perderam há muito o seu papel de centro de devoção ou destino de romaria, acabando por cair no abandono, o que levou à sua ruína. A Ermida de São Miguel localiza-se a 1 Km a norte da vila, na Herdade do Mosteiro. Remonta ao início do século XVI, do que preserva alguns elementos. Tem planta longitudinal e um alpendre com sete arcos de volta perfeita. A Ermida de São Cláudio, ou “São Cláudio dos Contos”, localiza-se a 2 km da vila, no caminho para a Orada. Possui planta circular, datável de meados do século XVII. A Ermida de São Pedro localiza-se a 3 Km da vila, no sítio do Viçoso, próximo da nascente da Ribeira da Alcaraviça, tendo sido fundada em 1570 por uma irmandade. Possui planta longitudinal, e à semelhança da ermida de São Miguel, tem um alpendre com sete arcos ultrapassados. A Ermida de São Lourenço localiza-se a 2Km a norte da vila, na estrada para a Orada. Recebeu uma intervenção importante em 1758, a expensas de Lourenço Dias Silveiro, que deixou rendimentos para a manutenção do culto, mas ficando os moradores da sua vizinhança encarregues de a preservar. Depois, em 1965, recebeu nova campanha de obras. Há notícia também da existência de uma Ermida de São Nicolau, construída no cume do Outeiro da Perusinha, à Orada, sagrada em 1602, mas destruída no início do século XIX. A sul da vila, temos a Ermida de Santo António, cons-

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truída a 3 Km da aldeia de Rio de Moinhos. Possui uma interessante representação da Nossa Senhora da Piedade de Santarém, a quem se atribuiu a recuperação da cidade de Évora após a sua conquista por D. João de Áustria, em 1663. A Ermida de Nossa Senhora da Vitória, no Barro Branco, nasceu de um voto feito pelo Marquês de Marialva, na véspera da batalha decisiva que assegurou a restauração nacional. A lápide que lhe está fronteira, diz que a ermida foi inicialmente dedicada às “Almas”, com função de celebrar missa em honra daqueles que morreram na batalha, para que os “nossos naturais não padeçam em tempo algum o que os presentes ouviram, viram e experimentaram”. No interior, destaca-se o retábulo em mármore branco e negro. A Ermida de São Gregório congrega um pitoresco aglomerado de casas, reunidas em aldeia, à beira da Ribeira de Lucefecit. Segundo a tradição, foi fundada em meados do século XVI por um sapateiro. A capela-mor, de planta quadrada, corresponde ao antigo templo quinhentista, acrescentado pela nave e pelo nartex. A Ermida de São Lourenço da Aldeia da Nora já era antiga no início do século XVII, quando foi totalmente reedificada por estar em ruínas. A ermida esteve ao culto até 1965, ficando depois abandonada. Foi, posteriormente, profanada e vandalizada, chegando aos dias de hoje em estado de avançada ruína, onde ainda se vê um templo de planta longitudinal e portal datável de meados do século XVIII. A Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe está no sopé da Serra de Ossa, a 3 Km da aldeia de Rio de Moinhos, na Herdade da Defesa do Machado. O edifício tem arquitetura do final do século XVI e foi, até ao século XVIII, consagrado a Nossa Senhora da Saúde. Por fim, há notícia de ter existido, na Defesa

do Cascavel, a Ermida de São Brás, também anterior ao século XVIII, mas da qual hoje só existe a memória. Como se vê por esta breve introdução, Borba é um concelho extraordinariamente rico em locais de devoção que foram mantidos e ornamentados pelas sucessivas gerações de borbenses. Para enriquecimento destes templos foram encomendadas importantes obras de arte, de arquitetura, de pintura, de escultura, de ourivesaria e de paramentaria. Estas peças não eram entendidas como um bem privado, mas antes comunitário, dedicado ao sagrado em nome de todos e transmitido a essa mesma comunidade, pela única via que assegurava essa passagem: a Igreja, entendida enquanto a “casa de todos”. O seu estudo e valorização, no nosso tempo, constituirão, sem dúvida, motivo de orgulho para as atuais gerações de borbenses e para as instituições que têm hoje a seu cargo a responsabilidade pela preservação do património cultural de Borba.

João Miguel Simões Historiador de Arte

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