Introdução ao estudo do Direito Eleitoral brasileiro

August 2, 2017 | Autor: F. Duarte Raslan | Categoria: Direito Eleitoral
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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO ELEITORAL NO BRASIL

1.2. Breve histórico do Direito Eleitoral no Brasil

É importante identificar em cada fase da história do Brasil, o tratamento dado pela Constituição e pelas leis infraconstitucionais aos direitos políticos e eleitorais, para então compreendermos o direito atual.

Período Colonial
No período do descobrimento, não havia eleições, mas foram instituídos cargos políticos como governadoria e ouvidoria gerais, ocupados por nomeação do Rei de Portugal. A história registra eleições para as Câmaras Municipais, mas a capacidade eleitoral ativa era restrita aos "homens bons", de acordo com as Ordenações Afonsinas e Filipinas.
As primeiras normas eleitorais brasileiras foram estabelecidas no período colonial pelas chamadas Ordenações do Reino em 1603.

Período Imperial
Com a proclamação da independência em 1822, dá-se inicio ao Período Imperial da história brasileira, marcada pela primeira Constituição brasileira, outorgada por D. Pedro I, inspirada no constitucionalismo inglês.
O modelo de cidadania adotado pela Carta estabelecia algumas regras para as eleições - artigos 6º ao 8º e 40, 90 a 97. Dispunham, basicamente, acerca das eleições para os cargos políticos, estabelecendo o voto indireto. O sufrágio era restrito e o voto censitário, uma vez que dependia de certas condições econômicas. Para candidatar-se, naquela época, era necessário ter renda anual superior a oitocentos mil réis!
A Lei 3029, de 09 de janeiro de 1881 - "Lei Saraiva", foi um marco importante, pois estabeleceu o exercício de voto ao analfabeto pela primeira vez na história do Brasil. Infelizmente, este direito não foi reconhecido pela constituição republicana, sendo incorporado ao ordenamento na vigência da Emenda 69 à Constituição de 1967.

Velha República
A constituição republicana de 1891 estabeleceu o sufrágio direto e a garantia da vitória eleitoral por maioria absoluta de votos obtidos aos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República. Também foram estabelecidas as primeiras regras de inelegibilidade.

Período Pós Revolução de 1930
Após Revolução de 1930, inaugura-se uma nova fase no Direito Eleitoral brasileiro. O primeiro Código Eleitoral foi instituído por meio do Decreto 21.076/32, que estabeleceu eleições diretas e o voto feminino. Getúlio Vargas foi eleito presidente do Brasil na vigência destas normas.
A Constituição de 1934 criou a Justiça Eleitoral e instituiu novas regras de inelegibilidade, alistamento eleitoral e processo eleitoral. Foi uma constituição marcada pelo reconhecimento dos direitos sociais, o que conferiu grande importância às agremiações partidárias.



Era Vargas
Na outorgada Constituição de 1937 – Constituição do Estado Novo, dentre outras previsões de caráter político-eleitoral, destacou-se a extinção da Justiça Eleitoral e o estabelecimento de novas regras sobre direitos políticos incluindo mudanças sobre candidatura e inelegibilidades. Foi um período ditatorial, no qual era vedado ao Poder Judiciário conhecer das questões políticas.
Posteriormente, com a busca por uma abertura político-democrática no Brasil na Constituição de 1946 foi atribuída à União a competência para legislar sobre Direito Eleitoral, além da criação de várias novas regras constitucionais de caráter eleitoral. O sufrágio voltou a ser direto e foi restabelecida e estruturada a Justiça Eleitoral.

O regime militar de 1964
As Constituições de 1967 e 1969 não previram grandes inovações em matéria eleitoral, salvo no que se refere aos partidos políticos, já que a preocupação maior era manter as agremiações partidárias como pessoas jurídicas de direito público, de modo que o Estado tivesse total controle sobre elas. O regime militar extinguiu o pluripartidarismo, que só foi restabelecido no governo do Presidente João Figueiredo. Haviam apenas dois partidos políticos nesta época: ARENA e MDB.
O retorno do pluripartidarismo no final da década de 70 abriu caminho para o movimento das Diretas Já, facilitando a criação da Assembléia Nacional Constituinte, que promulgou a Constituição de 1988, conhecida como Constituição cidadã.

A Nova República
A Constituição atual instituiu o regime democrático, o sufrágio universal e o voto direto, o pluripartidarismo como princípios fundamentais, conferindo status de cláusula pétrea. As normas de caráter político-eleitoral encontram-se no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), especificamente nos artigos 14 ao 17, no inciso I do art. 22, que trata da competência legislativa sobre o tema. Os artigos 92 e 118 ao 121 tratam da organização e do funcionamento da Justiça Eleitoral; e ainda, há certos preceitos transitórios previstos no ADCT (arts. 2º, 4º e 5º), dentre outras previsões.

FONTES, CONCEITO, OBJETO E PRINCÍPIOS DO DIREITO ELEITORAL

1.2.1. Os Direitos Políticos na CRFB/88

O parágrafo único do artigo 1º da CRFB/88 inaugura a democracia participativa, segundo a qual o povo exerce o poder por meio dos seus representantes eleitos ou diretamente. Decorrem daí os direitos políticos, que em sentido estrito, que formam um conjunto de princípios e regras que regulam a atuação do sufrágio, entendido como o direito de participar, por meio do voto direto da vida pública na sociedade política. Neste sentido, sufrágio é o direito que decorre do regime democrático, e o voto, seu modo de exercício.

Veja o art. 14, caput e incisos I a III da CRFB/88.

Sistemática das normas de direitos políticos na Constituição de 1988
art. 1º, caput" e parágrafo único: tratam dos princípios constitucionais fundamentais republicano, federativo, do estado democrático de direito, da representatividade popular, da soberania popular, da cidadania e do pluripartidarismo como arcabouços dos direitos político-eleitorais no país;
arts. 14 ao 17: tratam do alistamento eleitoral, do direito ao sufrágio universal exercido pelo voto direto, além de estabelecer previsões sobre plebiscito, referendo, elegibilidade e inelegibilidades, ação de impugnação de mandato eletivo, suspensão e perda dos direitos políticos, anualidade eleitoral e regras atinentes aos partidos políticos;
art. 22, inciso I: trata da competência privativa da União para legislar sobre Direito Eleitoral;
arts. 92 e 118 a 121: tratam dos fundamentos estruturais e funcionais da Justiça Eleitoral.

Principais fontes normativas infra-constitucionais
Dentre as principais normas eleitorais infraconstitucionais hoje vigentes no país, destacam-se:
Lei 818/49: regula a aquisição, a perda e a reaquisição da nacionalidade, e a perda dos direitos políticos;
Lei nº 1079/50: define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento;
Lei nº 4410/64: institui prioridade para os feitos eleitorais, e dá outras providências;
Lei nº 4737/65: institui o Código Eleitoral;
Lei nº 6091/74: dispõe sobre o fornecimento gratuito de transporte, em dias de eleição, a eleitores residentes nas zonas rurais, e dá outras providências;
Lei nº 6236/75: determina providências para cumprimento da obrigatoriedade do alistamento eleitoral;
Lei nº 7444/85: dispõe sobre a implantação do processamento eletrônico de dados no alistamento eleitoral e a revisão do eleitorado e dá outras providências;
Lei Complementar nº 64/90: estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências;
Lei Complementar 135/10: altera a Lei Complementar 64/90 para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato;
Lei nº 9096/95: dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, § 3º, inciso V, da Constituição Federal;
Lei 9504/97: estabelece normas para as eleições;
Lei 9709/98: regulamenta a execução do disposto nos incisos I, II e III do art. 14 da Constituição Federal;
Lei 11.300/06: dispõe sobre propaganda, financiamento e prestação de contas das despesas com campanhas eleitorais, alterando a Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997;
Lei 12.034/09: altera as Leis nos 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos, 9.504/97, que estabelece normas para as eleições, e 4.737/65 - Código Eleitoral.

Resoluções do TSE e TRE(s) tem status de lei ordinária, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, dentre as quais podemos destacar as principais:
Resolução do TSE nº 21.538/03: dispõe sobre o alistamento e serviços eleitorais mediante processamento eletrônico de dados, a regularização de situação de eleitor, a administração e a manutenção do cadastro eleitoral, o sistema de alistamento eleitoral, a revisão do eleitorado e a fiscalização dos partidos políticos, entre outros;
Resolução do TSE nº 21.702/04: dispõe sobre o número de Vereadores;
Resolução do TSE nº 21.538/03: dispõe sobre o alistamento e serviços eleitorais mediante processamento eletrônico de dados, a regularização de situação de eleitor, a administração e a manutenção do cadastro eleitoral, o sistema de alistamento eleitoral, a revisão do eleitorado e a fiscalização dos partidos políticos, entre outros.
Resolução do TSE nº 22.154/06: dispõe sobre os atos preparatórios, a recepção de votos, as garantias eleitorais, a totalização dos resultados, a justificativa eleitoral, a fiscalização, a auditoria e a assinatura digital.
Resolução do TSE n° 23.190/09: dispõe sobre pesquisas eleitorais. (Eleições de 2010). Resolução do TSE n°23.191/09: dispõe sobre a propaganda eleitoral e as condutas vedadas em campanha eleitoral. (Eleições de 2010).
Resolução do TSE n° 22.193: dispõe sobre representações, reclamações e pedidos de resposta previstos na Lei nº 9.504/97.
Resolução do TSE n° 23.089/09: Calendário Eleitoral - (Eleições de 2010).

1.2.3. Conceito e objeto do Direito Eleitoral
O Direito Eleitoral é um conjunto de princípios e regras cujo escopo é assegurar que a conquista do poder pelos grupos sociais seja efetuada segundo o princípio democrático, resguardando a soberania popular.
Para Joel J. Cândido, renomado tratadista, "o Direito Eleitoral, precisamente, dedica-se ao estudo das normas e procedimentos que organizam e disciplinam o funcionamento do poder de sufrágio popular, de modo que se estabeleça a precisa adequação entre a vontade do povo e a atividade governamental". Neste sentido, a compreensão da democracia participativa guarda nítida e estreita vinculação com o aperfeiçoamento das normas de Direito Eleitoral.
Trata-se, portanto, de ramo autônomo do direito público interno, representado pelo conjunto de princípios e regras que regulam os direitos, os deveres e as relações do cidadão com a atividade governamental, tanto no plano ativo (direito de votar) quanto no plano passivo (direito de ser eleito).
Vale ressaltar que é o Direito Constitucional a base jurídica originária do Direito Eleitoral, o qual fornece os conceitos mais elementares da disciplina.
Basicamente, as normas infraconstitucionais eleitorais:
organizam o corpo eleitoral tanto no exercício da capacidade ativa quanto da passiva;
organizam a Justiça Eleitoral;
organizam os sistemas eleitorais majoritário e proporcional;
disciplinam o processo eleitoral.

OBSERVAÇÃO: cada um desses itens será estudado ao longo deste curso.

1.2.3.1 Direitos políticos e direitos eleitorais
DIREITO ELEITORAL significa o mesmo que DIREITO POLÍTICO?
A CRFB/88 adota o sentido estrito de direitos políticos, os identificado como meios necessários ao exercício da soberania popular.
O art. 38 da Lei nº 818/49 dispõe que "são direitos políticos aqueles que a Constituição e as leis atribuem a brasileiros, precipuamente, o de votar e ser votado", nesta linha de raciocínio, manteve-se o atual Código Eleitoral em seu art. 1º, no qual prevê que suas normas se destinam a assegurar a organização e ao exercício de direitos políticos.
Para atender à hermenêutica jurídico-constitucional mais moderna, os direitos políticos devem ser interpretados como gênero, cujas espécies são: plebiscito e referendo; exercício da iniciativa popular; ajuizamento de ação popular; e direitos eleitorais: sufrágio; alistabilidade; elegibilidade; organização e participação em partidos políticos.

OBSERVE que, apesar de agrupados como espécies de direitos políticos, os arts. 14 ao 17 da CRFB/88 tratam de institutos pertinentes ao Direito Eleitoral.

Princípios do Direito Eleitoral
1.2.4.1 Princípio da lisura das eleições
Lisura, em sentido meramente semântico, está ligada à idéia de honestidade, franqueza. No que concerne ao Direito Eleitoral, o princípio da lisura tem por escopo preservar a intangibilidade dos votos e igualdade dos candidatos perante a lei eleitoral. Protege o processo eleitoral, no sentido de combater abusos, fraude e corrupção.

Veja art. 23 da Lei Complementar 64/90.

1.2.4.2 Princípio do aproveitamento do voto
Semelhante ao princípio in dubio pro reu, no Direito Eleitoral adota-se o princípio in dubio pro voto, de modo a preservar a soberania popular, a apuração dos votos e a diplomação dos eleitos.

1.2.4.3 Princípio da celeridade
Impõe que as decisões eleitorais sejam imediatas, evitando-se ultrapassar a fase da diplomação. No mesmo sentido, o cumprimento das decisões eleitorais deve ser imediato.

Veja art. 257, parágrafo único do Código Eleitoral.

1.2.4.4 Princípio da devolutividade dos recursos
Preserva os efeitos das decisões proferidas pela Justiça Eleitoral, de modo que os recursos não suspendam seus efeitos.

Veja os arts. 216 e 257 do Código Eleitoral e a Resolução 21635/04.

1.2.4.5 Princípio da preclusão instantânea
Este princípio é uma decorrência da celeridade, consubstancia-se numa série de regras que visam dar sequencia ao processo eleitoral.

Veja os arts. 147, § 1º, 149 e 223, todos do Código Eleitoral.

1.2.4.6 Princípio da anualidade
O princípio da anualidade está previsto no art. 16 da CRFB/88 e visa preservar o processo eleitoral de mudanças casuística que possam, de alguma forma, confundir o eleitor, deformando o resultado das eleições.

1.2.4.7 Princípio da responsabilidade solidária
Impõe a solidariedade entre os candidatos e partidos políticos por atos praticados na propaganda eleitoral e nas despesas de campanha.

Veja o art. 17, 24 e 38 da Lei 9504/97.

1.2.4.8 Princípio da irrecorribilidade das decisões
O princípio veda a interposição de recursos contra as decisões do Tribunal Superior Eleitoral.
Veja art. 281 e 121 § 3º da CRFB/88.

1.2.4.9 Princípio da moralidade
É um corolário do regime democrático. Tem por escopo preservar a confiança do eleitor no candidato, bem como a capacidade para exercer de forma proba o mandato eletivo. Está previsto no art. 14 § 9º da CRFB/88, e regulamentado pela LC 64/90 alterada pela LC 135/10.

1.2.4.9.1 O direito ao governante honesto
Desde a promulgação da Constituição de 1988, em que pese trazer em seu texto um longo rol de princípios, o Brasil revelou uma nova irregularidade cometida em detrimento da sociedade a cada dia. Pode-se afirmar, sem exagero, que o parlamento mais parece um caso de polícia. Sem saber o que fazer, o eleitor assiste a tudo perplexo diante de tal cenário.
O direito ao governante honesto é exaltado como direito fundamental de quarta geração pelo prof. Djalma Pinto, em sua obra Direito Eleitoral – Improbidade Administrativa e Responsabilidade Fiscal. Segundo o professor, governo honesto "é que pauta suas ações nos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência."
Neste sentido, cabe ao Direito Eleitoral aprimorar os mecanismos que garantam a moralidade administrativa e a probidade para o exercício de mandato eletivo, à luz do § 9º do art. 14 da CRFB/88.

1.3 DIREITO POLÍTICO E O REGIME DEMOCRÁTICO

1.3.1 A democracia na CRFB/88
Democracia é um regime de governo em que o poder de tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos.
Para Kelsen, respeitado jusfilósofo, a democracia é, sobretudo, "um caminho: da progressão para a liberdade". Há uma considerável variação de posições doutrinárias a respeito. O presidente norte-americano Lincoln resumiu seu sentido: "é o governo do povo, para o povo, pelo povo".
Na democracia direta, cujo berço foi a Grécia, o cidadão ateniense se reunia em praça pública para tomar as decisões políticas na Antiguidade.
Na Idade Moderna, Montesquieu, um dos primeiros tratadistas da matéria, afirmava que o povo era péssimo governante, devendo então escolher representantes que decidiriam em seu nome. Nascia, assim, a democracia representativa, até por razões de ordem prática, visto que grandes massas não podem governar ao mesmo tempo. O sistema representativo baseou-se no sufrágio universal, na separação de poderes, na pluralidade de ideologias políticas consubstanciadas pelos partidos e na igualdade de todos perante a lei. Institutos concebidos por uma série de pensadores da modernidade, eternizados pela sociedade ocidental, que vem aperfeiçoando o regime até os dias de hoje.
No século XX, a chamada democracia semidireta proliferou pela civilização ocidental, mormente após a primeira Grande Guerra. Países como a Suíça e Alemanha, adotaram o sistema representativo, mas também institutos que permitem a participação direta do cidadão, como o referendum. Este é o sistema adotado pela CRFB/88: a democracia participativa, também chamada semidireta.

1.3.2 Direitos políticos fundamentais – a cidadania
Cidadania, segundo José Afonso da Silva, é um "atributo político das pessoas integradas na sociedade estatal, decorrente do direito de participar do governo e de ser ouvido pela representação política". Considerando o regime democrático, direitos políticos são fundamentais, já que constituem a base da relação entre a sociedade e a República Federativa do Brasil.

Veja os arts. 1º, II e parágrafo único e 14, caput e incisos I, II e III da CRFB/88.


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