Investigação das causas de atraso no neurodesenvolvimento: recursos e desafios

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Arq Neuropsiquiatr 2006;64(2-B):466-472

INVESTIGAÇÃO DAS CAUSAS DE ATRASO NO NEURODESENVOLVIMENTO Recursos e desafios Luiza Helena Acerbi Caram1,2, Carolina Araújo Rodrigues Funayama1, Cleide Íris Spina2, Liane de Rosso Giuliani1, João Monteiro de Pina Neto1 RESUMO - Com o objetivo de verificar o alcance da investigação de causas do re t a rdo no desenvolvimento neuromotor (RDNM), apresenta-se a experiência no atendimento em Pediatria, Neurologia Infantil e Genética Clínica, em nível terciário, de 73 crianças de 1 a 47 meses, do Programa de Estimulação da APAE de Batatais-SP, entre 1999 e 2001. Utilizando-se método transversal, prospectivo, inicialmente identificaramse 6 grupos, segundo a semiologia clínica dominante – distúrbios motores, dismorfias, desnutrição, macrocefalia, microcefalia e unicamente atraso motor. Analisando-se a proporção com que os antecedentes e exames contribuíram para o diagnóstico, nos grupos “distúrbios motores” e “macrocefalia” destacaramse os exames de imagem; nos demais grupos, o exame físico na criança e antecedentes maternos. As causas do RDNM foram detectadas em 48 crianças (66%), sendo de origem ambiental 38,4% e genética 24,6%. Ressalta-se a relevância da avaliação especializada e necessidade de fluxo adequado de informações na rede de saúde. PALAVRAS-CHAVE: paralisia cerebral, atraso neuromotor, etiologia, genética, avaliação.

Investigation of neurodevelopment delay etiology: resources and challenges ABSTRACT - To verify the reach of development delay investigation, we brought the experience in the pediatrics, infantile neurology and clinical genetics diagnoses, with resources of a tertiary health care, in 73 children, from 1 to 47 months age, between 1999 and 2001, attending a Stimulation Program of the Association of Parents and Friends of Exceptional Children of Batatais-SP. With a transversal and prospective method, six groups were identified: motor disturbances, dysmorphisms, malnutrition, macrocephaly, m i c rocephaly and motor delay. In the analysis of the contribution of the antecedents, physical or laboratory exams to the diagnosis, it stands out the brain image in the groups “motor disturbances” and “ m a c rocephaly”; and for the remaining groups, the physical examination and maternal data. The causes w e re detected in 48 (66%), being 38.4% of environmental and 24.6% genetics origin. It is emphasized the specialist evaluation, and the need of appropriate flow of information in the net of health. KEY WORDS: cerebral palsy, neuromotor delay, aetiology, genetics, evaluation.

A investigação etiológica do re t a rdo no desenvolvimento neuromotor (RDNM) requer conhecimento dos fatores de risco ambientais, culturais, do manejo educacional familiar e de seus aspectos afetivos. Requer também conhecimento sobre o substrato biológico da maturação na sua normalidade e de suas modificações determinadas por fatores ambientais, genéticos, ou ambos, multifatoriais. Quanto mais se avança no conhecimento das causas, melhor se definem as condutas na prática clínica, evitam-se exames

desnecessários e propõem-se melhores estratégias de prevenção. No presente estudo apresenta-se a experiência de um grupo multidisciplinar no diagnóstico clínico e etiológico com alcance do atendimento em nível terciário. Ressalta-se ainda a importância da atuação multidisciplinar para a acuidade e presteza no procedimento diagnóstico. Assim o objetivo foi verificar os recursos clínicos e laboratoriais utilizados na identificação das causas

1

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Brasil; 2Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais da Cidade de Batatais - SP, Brasil. Recebido 26 Agosto 2005, recebido na forma final 16 Janeiro 2006. Aceito 22 Fevereiro 2006. Dra. Carolina A R Funayama - Departamento de Neurologia Psiquiatria e Psicologia Médica / Hospital das Clínicas / Campus - 14048900 Ribeirão Preto - SP, Brasil.

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de RDNM, e proceder a uma análise crítica, a part i r de dados de uma amostra de crianças com acesso a atendimento de nível terciário. MÉTODO Foram investigadas prospectivam ente, no período de o u t u b ro de 1999 a junho de 2001, todas as 73 crianças com RDNM, de um a 47 meses de idade, seguidas em um programa de estimulação precoce da Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (APAE) da cidade de Batatais-SP. Entre estas, 43 eram do gênero masculino, e 30 do feminino; 48 nasceram ao termo de 37 a 42 semanas, uma pós-termo, e 24 nascidos pré-termo. As crianças foram avaliadas por uma equipe, envolvendo uma pediatra, uma neurologista infantil (autora deste trabalho) e equipe de genética clínica do Programa de Residência Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). O protocolo incluiu dados sobre antecedentes pessoais e familiares, com base em informações dos acompanhantes, em sua maioria mães, e ainda a partir de dados médicos e do Serviço Social da APAE. Os exames laboratoriais após avaliação foram realizados nos Laboratórios do Depart a m e nto de Genética da FMRP-USP e do HCFMRP-USP. Procedeuse também à consulta aos prontuários médicos em outro s serviços de saúde, após sua autorização, incluindo os hospitais onde as crianças nasceram. O estudo recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do HCFMRP-USP e a coleta de dados iniciou-se após assinatura do consentimento livre e esclarecido das mães ou responsáveis pela criança. Os critérios para a definição do diagnóstico causal serão a p resentados à medida que se apresentam nos resultados.

RESULTADOS Inicialmente, as 73 crianças foram divididas em 6 grupos segundo os achados predominantes ao exame clínico: grupo denominado “Distúrbios Motores”, composto por 22 crianças (30%), entre as quais 18 com sinais de lesão piramidal ou mista, duas hipotônicas com coreoatetose e distonia, e duas com sinais cerebelares; grupo “Dismorfias ou Malformações” com 19 (26%) crianças; grupo “Desnutrição” com 11 (15%); grupo “Macrocefalia”, 8 (11%); grupo “Microcefalia”, 7 (10%); e o sexto grupo com retardo do desenvolvimento neuromotor sem outros sinais neurológicos - “RDNM a/e” incluiu 6 (8%) crianças. Foi possível elucidar os fatores causais em 48 (66%) das 73 crianças (Fig 1 e Quadro 1). E n t re as 22 crianças do grupo Distúrbios Motore s , a causa da lesão cerebral foi definida em 14, sendo encefalopatia hipóxico-isquêmica (EHI) em 12, kernicterus em uma; e em outra, que sofreu hemorragia periventricular grau IV de Papile, o exame de imagem também evidenciou malformação de Chiari tipo IV. Entre as 12 crianças com EHI, o evento ocorreu no

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período intra-parto em duas nascidas a termo e em duas pré-termo; e em período incerto, se neonatal ou intra-útero em 4 crianças nascidas a termo e em 4 pré-termo. Para crianças nascidas a termo, o diagnóstico ret rospectivo de EHI foi considerado de acordo com os achados apresentados no Quadro 2, esquema proposto pela equipe a partir de conhecimentos sobre a classificação e características da EHI perinatal 1-4. O diagnóstico sem exames de imagem encefálica, ou com os mesmos normais, foi considerado provável. Para EHI ou acidente vascular intra-uterino, e para as crianças nascidas pré-termo sem intercorrências m a t e rnas ou obstétricas, foram considerados apenas os achados de exames de imagem - ultrassonografia, tomografia computadorizada (TC) e imagem por re ssonância magnética de crânio (IRM). Para kern i c t e rus, além da informação de que a criança foi submetida à exsanguíneo-transfusão, na presente casuística obteve-se comprovação do quadro neonatal que compreende período de apatia e hipertonia na fase aguda da impregnação bilirrubínica. Para diagnóstico de malformação cerebral, não havendo evidências de dismorfias, foram considerados apenas os achados de TC ou IRM. Nessa condição foram encontradas 3 crianças, sendo em uma nascida pré-termo, Chiari tipo IV, anteriormente referida, e em duas nascidas de termo foi encontrado paquigiria em uma e displasia cortical focal em outra, sem identificação de fatores causais. Ultrassonografia transfontanelar neonatal foi re alizada em 4 das 22, sendo normal em uma. Até o terc e i ro ano, TC ou IRM foram realizadas nas 12 com EHI e na criança com malformação de Chiari IV, totalizando 13 das 22 crianças. Entre as 12 com EHI uma apresentou TC normal, sendo, portanto, EHI provável. Uma das 8 crianças do grupo “Distúrbios motores”, que permaneceram sem diagnóstico definido apresentava ataxia cerebelar, e o exame genético clínico conduziu a investigação citogenética e molecular para a síndrome de Angelman, que não foi confirmada. No grupo de 19 crianças com dismorfias, o diagnóstico foi estabelecido em 16. Destes, em um, malf o rmação de Chiari IV e craniossinostose são considerados de causa multifatorial, e nos demais a causa foi definida como alteração cromossômica ou gênica (Quadro 2). Para as 3 crianças sem diagnóstico definido, a investigação foi ampla incluindo exames laboratoriais em citogenética e moleculares e erros inatos do metabolismo, que resultaram normais. Em uma delas encontrou-se também agenesia de corpo caloso e hidrocefalia de etiologia não esclarecida.

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Quadro 1. Grupo

Termo

Pré-termo

Causa

Encefalopatia hipóxico-isquêmica peri ou pré-natal

6

6

Ambiental

Kernicterus

1

-

Ambiental

Distúrbios motores (n=22)

Hemorragia periventricular e Malformação Chiari IV

1

Sub-total com etiologia definida

7

7

Dismorfias/Malformações (n=19) Associação VACTERL (anormalidade vertebral, atresia anal, defeito

2

Genética

cardíaco, fístula traqueo-esofágica com atresia de esôfago, defeitos radial e renal.) Síndrome de Down

2

Síndrome de Weaver

1

Genética

Síndrome de Cornélia de Lange

1

Genética

Aniridia congênita

2

Genética

Síndrome de Prader-Willi

1

Genética

Trissomia parcial 14 [47, XX, + der 14 (p → q 22)]

1

Genética

Síndrome do hipertelorismo de Teebi

1

Genética

Neurofibromatose

1

Síndrome de Chiari IV + cranioestenose

2

Genética 1

Sub-total com etiologia definida

Genética

13

3

8

2

Multifatorial

Desnutrição (n=11) - protéico-calórica Sub-total de casos com etiologia definida

Ambiental

Macrocefalia (n=8) Macrocefalia autossômica dominante

2

Sub-total de casos com etiologia definida

2

Genética

Microcefalia secundária à radiação ionizante

1

Ambiental

Microcefalia autossômica dominante

2

Genética

Síndrome Álcool-Fetal

1

Ambiental

Microcefalia (n=7)

Encefalopatia hipóxico-isquêmica perinatal

1

Ambiental

Toxoplasmose congênita

1

Ambiental

Sub-total com etiologia definida

4

2

0

0

Total com etiologia definida

34

14

48 (66%)

Total sem etiologia definida

15

10

25 (34%)

Total de crianças

49

24

73 (100%)

Retardo no desenvolvimento isolado (n=6) Sub-total com etiologia definida

Causas de atraso no desenvolvimento em um grupo de crianças de 1 a 47 meses de idade.

Os principais critérios para o diagnóstico de desnutrição proteico-calórica, definido em 11 crianças, foram os achados do exame físico. Todas as crianças desnutridas recuperaram-se, exceto uma, para a qual foi considerada a hipótese de desnutrição secundária, tendo se orientado a investigação para um possível erro inato de metabolismo, não concluído até o momento.

M a c rocefalia e microcefalia absolutas foram definidas por valores do perímetro craniano acima e abaixo de dois desvios padrões da média esperada para a estatura, respectivamente. Entre as 8 crianças com m a c rocefalia, 6 tiveram o diagnóstico radiológico de efusão subdural benigna do lactente (ESBL); em duas destas crianças as mães também apresentavam macrocefalia, sugerindo a forma autossômica dominante

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de macrocefalia. Nas duas restantes constatou-se hidrocefalia comunicante, cuja causa não foi definida. Das 7 crianças com microcefalia, 6 tiveram as causas definidas, sendo estas diversificadas (Quadro 1). A criança sem causa definida apresentava surdez neurossensorial, além da microcefalia, e o protocolo clínico exaustivo sem pistas para a etiologia. No grupo RDNM a/e, composto por 6 crianças, as causas do atraso neuromotor não foram identificadas. Os antecedentes gestacionais e obstétricos foram dados relevantes, porém insuficientes para o diagnóstico em 4 crianças. Exames de imagem craniana foram realizados em 3 com alguns antecedentes matern o s e gestacionais que apontavam para EHI, sendo em uma a TC sem alterações, e em outras duas ultra-sonografia neonatal, sendo uma com sinais de hemorragia subependimária e a outra normal. Em duas outras crianças com RDNM a/e os antecedentes apontavam para causas diversas, sendo em uma a mãe deficiente mental e auditiva, em investigação diagnóstica, 41 anos por ocasião do parto, 6 a b o rtos (causa genética?); na outra, mãe analfabeta, 26 anos, e com hipertensão arterial na gestação (cau-

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sa ambiental?); ambas não haviam realizado ainda exames de imagem cerebral. A análise da proporção com que os antecedentes maternos, obstétricos, familiares, intercorrências neonatais e exames laboratoriais contribuíram para o diagnóstico etiológico (Fig 2), em cada um dos grupos estudados, destacou os exames de imagem encefálica nos grupos com distúrbios motores e macro c efalia, e a semiologia clínica nos grupos com dismorfias e no grupo de desnutridos (Fig 2).

Fig 1. Causas de atraso no neurodesenvolvimento.

Quadro 2. Encefalopatia hipóxico isquêmica RN de termo ou pré-termo

RN pré-termo

1. História materno-obstétrica

1. Exame de imagem neonatal

Hipertensão arterial materna, trabalho de parto prolongado

Leucomalácia periventricular ou subcortical

descolamento prematuro de placenta, prolapso de cordão, circular de cordão, líquido amniótico meconiado, outros 2. História do neonato Indice de Apgar < 7 no 1º min. Acidose metabólica 3. Exame neurológico do neonato

Pode não haver sinais clínicos no neonato.

Modificações no estado de consciência, tônus e reflexos 4. Exame de imagem neonatal Edema cerebral, Hemorragia subaracnoidea, ou normal 5. Poligrafia-EEG - traçado sugestivo de EHI Diagnóstico re t rospectivo, por anamnese, do grau da encefalopatia hipóxico-isquêmica em crianças nascidas de termo. Itens passíveis de obtenção por informação das mães. Encefalopatia hipóxico-isquêmica

Reflexos Permanência no berçário

GRAU I

GRAU II

GRAU III

Sucção normal

Sucção fraca

Sucção ausente

1 semana

>1 semana

Critérios clínicos e de exames complementares considerados para diagnóstico de encefalopatia hipóxico isquêmica neonatal (EHI) mais comuns no termo e no pré-termo.

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Fig 2. Proporções com que os achados de anamnese e exames laboratoriais contribuíram para a decisão do diagnóstico causal.

DISCUSSÃO As causas de RDNM foram identificadas em 66% da presente casuística, com predomínio de fatore s ambientais, o que se deve provavelmente à queda na mortalidade neonatal de nascidos pré-termo, com aumento na ocorrência de seqüelas, e a outros fatores preveníveis, além da prematuridade, como problemas m a t e rnos, gestacionais e intra-parto, sócio-educacionais e baixa renda, entre outros. No presente estudo, destacam-se a EHI (25%) e a desnutrição (23%) entre as causas ambientais de RDNM. Em relação à EHI, um desafio aqui observado, que se repete na prática clínica, é o do diagnóstico retrospectivo da EHI. No caso da ocorrência perinatal, cons i d e rou-se a inclusão de dados que podem vir à lembrança dos familiares, como o início da capacidade de sucção e o período de permanência no hospital. Estes, porém, não são suficientes para o diagnóstico, uma vez que podem estar presentes em outras condições, como nas doenças genéticas. Para se definir

o diagnóstico de EHI perinatal devem ser identificados p roblemas maternos, obstétricos, ou do próprio neonato, e confirmar com exames por imagem1-6. Freqüentemente ocorre também dúvida na identificação do período da lesão cerebral na EHI, o que coloca em destaque a importância da ultrassonografia transfontanelar neonatal sistemática. Em 8 das 12 crianças com EHI, as imagens obtidas somente após dois anos não permitiram concluir se a lesão ocorreu no período pós-natal ou intra-útero. Crianças nascidas pré-termo estão mais sujeitas a encefalopatias por hipofluxo e hipóxia, entre outras intercorrências7, como aqui observado em 1/4 dos casos, o que re p resentou o dobro da proporção observada no grupo de termo. Para o diagnóstico da leucomalácia periventricular, apoiando-se nos achados neuropatológicos de Banker e Larroche8 e em estudos de imagem neonatal9, cistos identificados após a primeira quinzena, deixam dúvidas se ocorreram no período intrauterino ou pós-natal, sendo portanto necessário o registro de imagens nos primeiros dias perinatais. Embora seja sugerida a relação entre o nascimento pré-termo com malformações10, na presente casuística isso não ocorreu, observando-se em dois nascidos a termo e um pré-termo. No grupo de dismórficos houve predomínio de nascidos a termo, em que pese a alta ocorrência de abortos nos seus antecedentes maternos, apresentados nesta casuística, em trabalho anterior11. Walstab et al.5 encontraram dados semelhantes na Austrália. Sobre diagnóstico dif e rencial por imagem, é importante ressaltar que sinais de defeitos de migração neuronal podem ser d e c o rrentes de infecções congênitas, especialmente por citomegalovirus12. No grupo com dismorfias destacam-se a história familiar e o exame clínico genético da criança, oferecendo alta suspeição diagnóstica e orientando para a indicação precisa do exame citogenético e exame de genética molecular. Em 5 dos 19 casos o diagnóstico foi estabelecido com base apenas no exame físico - aniridia, neuro f i b romatose tipo I, hipertelorismo de Teebi, síndromes de Weaver e de Cornélia de Lange. O estudo citogenético elucidou outros 5 casos, sendo 4 trissomias livres do cromossomo 21 e uma trissomia parcial dupla 14p → 14q27; 3q22→ 3qter [47,XX, der(14) (14p-14q 27:: 3q22→ 3qter). O estudo molecular detectou um caso de síndrome de PraderWilli. Situação muito especial ocorre nas síndro m e s de Prader- Willi e de Angelman. Na síndrome de Prader-Willi o fenótipo se deve à falta de expressão do alelo 15 paterno e, na de Angelman, do alelo 15 ma-

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terno13-15. Nestas, o risco de recorrência varia de 1 a 50%, dependendo do tipo de alteração detectada nos exames moleculares15-17. Estes exames são, portanto, imprescindíveis, e as pesquisas nessa área têm se ocupado da ampliação da abrangência e re d u ç ã o de custos16,17. Para as crianças com macrocefalia, o exame de imagem foi decisivo para evidência da ESBL. Esta tem sido considerada entidade nosológica, o que coloca em evidência a necessidade de investigação etiológica, assim como se investiga sempre a causa de qualquer alteração observada em exame de imagem. Para Volpe7, ESBL e macrocefalia autossômica dominante são a mesma entidade, e considera que a causa da polêmica está na dificuldade em demonstrar que pacientes com macrocefalia autossômica dominante tiveram ESBL. Detectamos duas das 6 crianças com ESBL com macrocefalia autossômica dominante e nos demais casos não houve indicadores para a causa. Cast ro-Gago et al.18, em estudo de 39 crianças com ESBL na Espanha, encontraram 38,46% com história de m a c rocefalia em um dos genitores. Estes autores encontraram macrocefalia também em dois casos com encefalopatia mitocondrial, em quatro, re s p e c t i v amente, macrocefalia associada a craniossinostose, mic ro c rodeleção 22q11.2, deficiência de alfa-1-antitripsina e ptose palpebral bilateral congenita. Observase, nessa casuística, relação entre ESBL e macrocefalia AD, mas chama a atenção a necessidade de se ampliar o espectro de investigação para outras causas genéticas e metabólicas. Quanto ao grupo com microcefalia, os diagnósticos causais foram diversificados, presuntivos em sua maioria, assinalando-se que não realizaram imagem cerebral. Destacam-se o papel do geneticista clínico na determinação do caráter autossômico dominante da microcefalia e do obstetra no diagnóstico de infecção congênita ainda durante a gravidez. Observase nesse grupo em especial o papel dos exames prénatais para a prevenção e detecção das intercorrências deste período, além da assistência familiar com aconselhamento genético. No grupo com RDNM a/e, com exceção de um caso, os fatores maternos e obstétricos foram indicativos de lesão hipóxico-isquêmica. Entretanto, a ausência de intercorrências neonatais, com alta do berçário após um ou dois dias do nascimento sugerem ausência de sinais de EHI perinatal4,5. Na literatura, há poucas informações sobre o RDNM isolado, na ausência de paralisia cerebral, como seqüela de lesões cerebrais19,20. Shevell et al.19, em Montreal, encontraram diagnóstico etiológico para 13 de 22 casos com

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RDNM, sendo EHI em sua maioria. Um estudo prospectivo em bebês de termo nascidos em Ribeirão Preto-SP, 20% dos casos com EHI grau II evoluíram com re t a rdo no desenvolvimento sem sinais de paralisia cere b r a l4. Estes autores observaram que essas crianças evoluíram com atraso nos primeiros 6 meses de idade e atingiram a média normal de desempenho no segundo semestre. No presente estudo, das 6 crianças com retardo no desenvolvimento neuromotor como única manifestação neurológica, 3 eram nascidos pré-termo, com história sugestiva de EHI. Mais uma vez ressalta-se a i m p o rtância do auxílio de exames de imagem em crianças com RDNM. Nesses casos com RDNM como única manifestação, o exame de imagem é impre s c i n d í v e l para definição da condição estável ou pro g ressiva da lesão, ou ainda, para a exclusão de lesões encefálicas. No caso de esclarecimento de doença degenerativa, dois exames sucessivos, com intervalo dependente da evolução clínica, ou mais, podem ser necessários. F reqüentemente, observa-se um período prolongado entre a detecção do atraso na criança e a realização de exames por imagem. Este fato pode ser decorrente da alta demanda de exames nos poucos s e rviços públicos de radiodiagnóstico. Esta realidade contrasta com aquela do esperado avanço, que vem se concretizando no investimento em serviços para detecção precoce das deficiências. Questiona-se por que em um serviço terciário, com os melhores recursos ao alcance, não se consegue estabelecer a causa das deficiências em 34% dos casos. Considere-se ainda que essa porcentagem somente não foi maior, em função da busca ativa de dados pregressos, tentando se reescrever a história da doença dessas crianças, e do esforço de uma equipe de especialistas na identificação caso a caso. Demonst rou-se no presente trabalho a importância do diagnóstico genético clínico baseado em evidências, como também da maior acuidade na condução da investigação laboratorial, hoje cada vez mais complexa e onerosa. Uma das possibilidades para a dificuldade no diagnóstico causal é a não simultaneidade dos sinais das doenças desde o seu início. Em várias doenças, como a neurofibromatose tipo I, as manifestações clínicas vão aparecendo com o avançar da idade21, tornando difícil o diagnóstico em idade precoce. Quanto às causas de natureza hipóxica ou isquêmica, é da maior importância o re g i s t rode ocorr ê ncias gestacionais, obstétricas e do neonato, cuja história precisa ser escrita no tempo presente, quando o investimento no diagnóstico laboratorial das doenças na gestante e no concepto podem identificar com

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p recisão o período da lesão cerebral. Quanto ao uso de bebida alcoólica pela gestante, certamente há subdiagnóstico na prática clínica, frente às dificuldades de confirmação em entrevista com as mães. Embora existam algumas propostas de questionários para esse fim22, à medida que houver participação constante do Serviço Social na equipe de atendimento, auxiliado por equipes de agentes comunitários, como no Programa de Saúde da Família, em expansão no Brasil, conhecendo-se hábitos e comportamentos dessas famílias, esse problema de informação será sanado. Para as causas de natureza infecciosa, em especial as infecções congênitas, também se presume que haja subdiagnóstico. Houve nas últimas décadas importante avanço, com a possibilidade do diagnóstico por PCR e também da certeza sobre o período da infecção, com a introdução dos testes de avidez de IgG23, ainda fora do alcance da rede pública de saúde. Por fim, a infeliz constatação de que, nesta região do Brasil, privilegiada economicamente, ainda ocorr a desnutrição infantil com freqüência considerável (23%), a qual depende em última instância de melhor distribuição de renda e de oportunidades educacionais24,25. REFERÊNCIAS 1. Sarnat HB, Sarnat MS. Neonatal encephalopathy following fetal distress: a clinical and eletrencephalographic study. Arch Neurol 1976;33:696-705 2. Leviton A, Nelson KB. Problems with definitions and classifications of newborn encephalopathy. Pediatr Neurol 1992;8:85-90. 3. Funayama CAR, Moura-Ribeiro MVL, Cunha S. Fatores materno-obstétricos, anóxia neonatal e seqüelas. Rev Bras Ginecol Obst 1996;18:715-726. 4. Funayama CAR, Moura-Ribeiro MVL, Gonçalves AL. Encefalopatia hipóxico-isquêmica no RN a termo: aspectos prognósticos. A rq Neuropsiquiat 1997;55:771-779. 5. Walstab JE, Bell RJ, Reddihough DS, Brenecke SP, Bessell CK, Beischer NA. Factors identified during the neonatal period associated with risk of cerebral palsy. Aust N Z J Obstet Gynaecol 2004;44:342-346. 6. M e rcuri E, Guzzetta A, Haatja L, et al. Neonatal neurological examination in infants with hypoxic ischaemic encephalopathy: correlation with MRI findings.Neuropediatrics 1999;30:83-89.

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