Investimentos dos Fundos de Pensão em Private Equity

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Novos fatores de influência sobre os investimentos dos fundos de pensão em private equity A Era da Austeridade e os retornos relativamente mais baixos dos ativos listados POR NICOLAS

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J. FIRZLI E VINCENT BAZI*

rápido crescimento das classes de ativos ‘alternativas’ ou não listadas é um dos fenômenos mais marcantes do ambiente de investimento institucional desde o começo da Grande Recessão, há sete anos: juntamente com a tendência contínua em prol da gestão passiva e de baixo custo para

as classes ‘principais’, como as ações públicas e a renda fixa1, esse movimento tem contribuído para uma transformação profunda do ecossistema financeiro como um todo2. Além do que podemos chamar dos benefícios já conhecidos do private equity (diversificação estatística decorrente da ausência parcial

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de correlação com as ações listadas, retornos ajustados a riscos superiores em períodos prolongados, acesso a indústrias em fase inicial de desenvolvimento, incentivos fiscais para os investimentos em pequenas e médias empresas, startups e tecnologias inovadoras, etc.), os quais foram relacionados, ainda na década de 50, por Georges Frédéric Doriot3, há outros motivos mais novos e relevantes para se investir nessa classe de ativos. A nova “Era de Austeridade”4 na qual vivemos parece ser caracterizada por retornos mais baixos e duráveis para a maioria dos títulos públicos e (na melhor das hipóteses) retornos anuais medíocres para a maior parte dos mercados de ações listadas em comparação aos 25 anos compreendidos entre 1982 e 20075. Apesar da recuperação recente do mercado de ações em relação às baixas registradas em 2008 e 2009, mais e mais gestores e conselheiros previdenciários se veem diante de pressões políticas e regulatórias para reduzir os retornos projetados dos investimentos em papéis listados em seus modelos atuariais tradicionais 6.

O ‘efeito substitutivo’ é parcialmente favorável ao private equity

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Sob determinadas circunstâncias, é natural que os grandes detentores de ativos como fundos de pensão, fundos soberanos e fundos de reserva, que possuem baixa propensão a choques de liquidez em médio prazo (podendo, portanto, pagar pelos prêmios de liquidez normalmente atrelados às classes de ativos alternativos), estejam “à permanente procura por retornos mais elevados”7 via a alocação de recursos em investimentos com menos liquidez como imóveis, infraestrutura e private equity. A expectativa é

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obter retornos ajustados a riscos mais altos do que aqueles providos pelos títulos públicos (propriedades e ativos de IE) e por ações listadas ‘de primeira linha’ (blue chips). Os fundos de pensão americanos dobraram sua exposição ao private equity nos últimos seis anos (2007- 2013), possuindo, atualmente, uma alocação alvo média de 8,5% dos ativos sob gestão, algo em torno de 25% a mais do que a média global8. Com exceção dos países escandinavos e da Holanda, os planos de pensão da Europa continental, e da Ásia, tendem a ter baixa exposição à classe de ativos, enquanto os fundos britânicos possuem uma média de 5,5%. Pesquisas recentes conduzidas pelo Instituto Coller revelam um interesse renovado no private equity, reafirmando que “o private equity e as ações listadas são vistas como […] substitutas... [Há] uma forte relação negativa entre as alocações em ações listadas e private equity [por parte dos fundos de pensão]9”. Embora possa parecer paradoxal, esse “efeito substitutivo” sempre existiu, mas apenas até certo ponto. Em curto e médio prazo, ou seja, em períodos inferiores a seis anos, circunstâncias econômicas adversas, que influenciam negativamente os investimentos tradicionais, podem vir a ser propícias para os investimentos dos fundos de pensão em ativos não listados contanto que os mercados se recuperem. Foi justamente no fim da década de 70, época de inflação galopante e declínio corporativo nos EUA e Europa Ocidental, quando o termo “crise mundial” passou a integrar o jargão econômico10, que teve lugar a primeira grande onda de investimentos de fundos de pensão em private equity11. Entretanto, hoje em dia, outro tipo de mal-estar pa-

2012-2013: crise de confiança sem precedentes A “Grande Recessão” teve impacto particularmente relevante sobre os detentores de mais longo prazo das ações: os fundos de pensão que compraram papéis de grandes empresas americanas e europeias (large cap) em 2006 e 2007 tiveram que esperar até janeiro de 2013 para que seus investimentos tivessem um desempenho melhor que o da inflação (excluindo-se as taxas). A baixa performance de uma parcela (atipicamente) elevada das carteiras de ações com gestão ativa em 2008-201312 evidenciou a forte dependência em benchmarks tradicionais para construir carteiras elaboradas e medir o desempenho dos investimentos “de maneira científica” em periodicidade trimestral. Como consequência, muitos fundos de pensão ficaram demasiadamente expostos a riscos característicos dos setores bancário e securitário (Reino Unido, França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo) ou de mineração (Austrália, África do Sul) embora acreditassem possuir carteiras verdadeiramente diversificadas, compostas por ações de empresas de renome consideradas grandes e seguras, de forma que nada poderia ‘dar errado’. Em 2012, Rajat Gupta, ex-CEO da McKinsey (empresa que assessora a maioria das grandes empresas listadas em bolsa) e conselheiro influente da Goldman Sachs, Procter e Gamble e American

Airlines, três das companhias blue chips mais icônicas da atualidade, estava convencido da troca sistemática de informações privilegiadas13. Então, em julho de 2013, a Securities and Exchange Comission (SEC) entrou com uma ação civil contra Steve Cohen, fundador da gestora de hedge fund SAC Capital Advisors, por ele ter “deixado de fiscalizar os gestores de carteiras e prevenir a troca de informações privilegiadas”14, ajudando a prejudicar ainda mais a confiança no sistema financeiro. Contudo, o problema acabou revelando raízes mais profundas e fatores complicadores que iam além da troca de informações privilegiadas. Em determinados dias de 2011 e 2012, por meio de uma combinação de alavancagem excessiva e elevado número de transações, a SAC Capital, sozinha, respondeu por mais de 10% do volume diário comercializado de certas ações blue chips americanas, atraindo, assim, toda a atenção que os banqueiros de investimento e as corretoras poderiam lhe dar. Isso acabou fazendo com que alguns deles colocassem suas melhores equipes de corretores e analistas financeiros a serviço quase que exclusivo do cliente ilustre e rentável, dispensando, assim, os investidores menos ‘lucrativos’ como os fundos soberanos e de pensão. Em agosto de 2013, duas histórias aparentemente distintas chamaram a atenção dos investidores institucionais de longo prazo, contribuindo para a crescente crise de confiança no sistema financeiro: as ações do Facebook fecharam, pela primeira vez, no nível de preço do IPO realizado em maio de 2012, fazendo com que os fundos de pensão fossem lembrados da perda de bilhões de dólares com a compra de ações oferecidas por bancos de

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rece estar afetando os mercados acionários, fazendo com que muitos executivos de fundos de pensão e fundos soberanos reconsiderem seu comprometimento de longo prazo com fundos de ações listadas gerenciados ativamente.

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investimento que atuavam em nome de firmas de private equity ávidas por realizar retornos colossais ao abrir mão de suas posições a favor de “níveis mais baixos da cadeia alimentar financeira”. Posteriormente, o CEO da BlackBerry Limited, uma companhia listada canadense, conhecida anteriormente como Research In Motion (RIM), que havia gerado retornos superiores a 700% em dois anos para seus fundadores e investidores precoces de private equity15, anunciou, de forma abrupta, “que a empresa estava à venda”! Rumores sobre uma possível saída da bolsa trouxeram pouco alívio para os investidores tradicionais, que viram o preço das ações cair quase 90% desde 2011.

Investidores de private equity precisam, necessariamente, de mercados de ações listadas eficientes e saudáveis... Nos últimos dois anos, cresceu o descontentamento entre os pacientes investidores institucionais, donos ‘naturais’ dos ativos de longo prazo e tradicionais provedores de capital estável para pequenas e grandes companhias listadas. É cada vez maior o número de fundos de pensão e fundos soberanos que decidiram (compreensivelmente) aumentar suas alocações em empresas não listadas. De acordo com pesquisas contundentes realizadas por diversos think-tanks, centros de pesquisas e bancos de investimento, mais de 40% dos grandes investidores institucionais planejavam aumentar seus investimentos em private equity no primeiro semestre de 201416, um aumento sem precedentes que não chega a surpreender, tendo em vista o mal-estar que aflige os mercados públicos de ações.

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Em meio à necessidade de racionalização de despesas (e crescimento dos índices de baixo custo e gestão passiva) e à migração contínua de recursos para o private equity e os hedge funds, é primordial que o mercado acionário passe por uma reforma profunda. Essa transformação é igualmente relevante para os investidores de private equity que sabem, melhor do que ninguém, que mercados acionários saudáveis e eficientes são vitais para o sistema financeiro como um todo. Afinal, são eles os provedores de níveis substanciais de liquidez e métricas de precificação que se fazem necessários aos investidores institucionais a fim de que possam sair dos fundos de private equity de forma apropriada após um horizonte típico de investimento de 8 a 10 anos...

Análise setorial - foco nos investimentos indiretos em private equity A maioria dos investidores institucionais que almeja ganhar exposição à classe de ativos ainda investe essencialmente por meio de fundos gerenciados por gestoras especializadas. A não ser por uma meia dúzia de grandes fundos de pensão públicos (em especial dos EUA e Canadá) e fundos soberanos (Ásia e Golfo), que podem optar por investir em empresas não listadas, adquirindo, de forma direta, parte ou a totalidade de seu capital, o caminho indireto, via fundos de private equity, continua sendo a principal alternativa à disposição dos investidores institucionais. Ao contrário do que muitos acreditam, os segmentos de energia e recursos naturais, cuidados com a saúde e tecnologia da informação, incluindo-se aí a categoria de venture capital, não dominam

nologia da informação, ainda representam 53% de todos os fundos privados lançados (contra 56% em 2005) e 70% do capital aportado na classe de ativos (contra 80% em 2005).

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o universo dos investimentos em private equity. No entanto, é verdade que os setores mencionados cresceram mais rapidamente que os demais desde 2005, período em que os preços da energia se estabilizaram em patamares relativamente elevados a despeito da Grande Recessão, e o Vale do Silício ‘renasceu’ em função do desenvolvimento de novas tecnologias para smartphones e das ‘mídias sociais’ (financiado massivamente por investimentos de fundos de pensão via fundos de private equity direcionados à empresas de tecnologia). A análise que fazemos dos dados compilados pela Preqin, maior provedora de dados sobre classes de ativos alternativos do mundo (com enfoque nos investimentos institucionais via fundos), ao longo dos últimos dez anos, demonstra que outros segmentos, como bens de primeira necessidade e de luxo, serviços financeiros e de utilidade pública, bem como setores tradicionais excluindo-se o energético, cuidados com a saúde e tec-

Notas 1. Revesz, R. “UK Govt. Leading Way for Pensions Using Passives.” Journal of Indexes/ETF. com. 7 de maio de 2014 2. Tett, G. “The Real Titans of Finance are No Longer in the Banks.” Financial Times. 13 de fevereiro de 2014 3. “Results take more time and the expenses of its operations must be higher, but the potential for ultimate profits is much greater” Ante, Spencer E. Creative capital: Georges Doriot and the birth of venture capital. Harvard Business Press, 2008. (pg. 127) 4. Summers, D. “David Cameron warns of ‘new age of austerity’.” The Guardian. 26 de abril de 2009 5. Firzli, N. “Gestion indicielle et actifs réels.” Lettre du Forum Gi. Janeiro de 2014 6. Lambert, L. “Funding - and returns - for U.S. public pensions improve.” Reuters newswire. 5 de março de 2014 7. Firzli, N. “The Thursday View: Infrastructure investments risks - Pension schemes desperately

Número de fundos de private equity criados entre 2004 e 2014

* A categoria de “energia e recursos naturais” inclui alguns fundos que podem investir ocasionalmente em ativos de infraestrutura energética. ** O período “jan-mai 2014” termina em 6 de junho de 2014. Fonte: Preqin

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seeking higher yields as asset security breaches abound.” Plan Sponsor (edição do Reino Unido). 11 de abril de 2013

13. Pavlo, W. “Ex-McKinsey Boss, Rajat Gupta, Sentenced to 2 Years in Federal Prison.” Forbes. 24 de outubro de 2012

8. As estimativas para as médias globais e regionais são baseadas no estudo Preqin Private equity Spotlight, março de 2014. Outros dados foram coletados de fontes distintas, incluindo-se relatórios mais antigos da Preqin, base de dados de PE e VC da Preqin, diversos think-tanks americanos e o World Pensions Council (WPC)

14. U.S. Securities and Exchange Commission – Comunicado à imprensa. 19 de julho de 2013

9. Talmor, Eli, and Florin Vasvari. “The Extent and Evolution of Pension Funds’ Private equity Allocations” January 2014. “Replicating Buyout Funds Through Indexing.” LBS Coller Institue, Adveq Research Series. Jan. 2014 (pg5) 10. Klein, E. “Jimmy Carter’s ‘malaise’ speech was popular!” Washington Post Wonk-Blog. 9 de agosto de 2013 11. Prowse, Stephen D. “The economics of the private equity market.” Economic Review-Federal Reserve Bank of Dallas (1998). (pg. 24) 12. Revesz, R. “UK Pensions Lose £1.7Bn on Failing Active Funds.” Journal of Indexes/ETF.com. 21 de maio de 2014

15. Waddell, N. “My 1996 investment in RIM; Adam Adamou remembers”. CanTech. 29 de março de 2010 16. Staff Reporter. “Investor appetite for alternatives rising: AMP”. Investor Daily. 23 de maio de 2014

* Nicolas Firzli é co-fundador e diretor gerente do World Pension Council, um think-tank com sede em Paris dedicado ao estudo de temas previdenciários, regulação e legislação financeira. Vincent Bazi é presidente do World Pension Council, além de diretor e chefe de Investimentos em Ações da gestora parisiense Nextstage (€300 milhões sob gestão em junho de 2014).

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