ISDRS\'16 side event: Actas do I Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade

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Descrição do Produto

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade

Livro de atas do

1ºSimpósio Luso-Brasileiro

Lisboa, 11-12 julho 2016

Universidade Nova de Lisboa Campus de Caparica

sobre

Modelos e Práticas de Sustentabilidade Editado por: Nuno Martins, João Joanaz de Melo, Antje Disterheft, Sandra Caeiro, Marcelo Montaño, Evandro Moretto, Tomás B. Ramos

Programa

O 1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre modelos e práticas de sustentabilidade focou as realidades portuguesas e brasileiras, e decorreu em associação com a 22ª Conferência da International Sustainable Development Research Society (ISDRS 2016). Este evento foi organizado pela Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa (UNL) e pelo Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da Universidade de São Paulo (USP).

Copyright © Atas do 1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade.

Editado por: Nuno Martins, João Joanaz de Melo, Antje Disterheft, Sandra Caeiro, Marcelo Montaño, Evandro Moretto, Tomás B. Ramos Título: 1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade Publicado por: Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade www.cense.fct.unl.pt, Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, www.fct.unl.pt Lisboa, Julho 2016

Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa 2829-516 Caparica Portugal Telef: +351-212948397 Fax: +351-212948554 Email: [email protected], [email protected]

ISBN: 978-972-674-792-5

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Organização do Livro das Atas O Livro das Atas do 1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade é organizado de acordo com os temas das sessões paralelas. Às informações básicas sobre o Simpósio seguem-se os artigos ou resumos distribuídos por temas e, no final, o índice de autor. Sessões paralelas: A - Sociedade e sustentabilidade B - Repensar os fundamentos dos sistemas económicos C - Cidades sustentáveis D - Pressões e limites dos ecossistemas F - O exaustão de recursos G - Avaliação de impacto e de sustentabilidade H - Gestão da sustentabilidade corporativa I - Governança global, regional e local

Índice Mensagem de Boas Vindas............................................................................................................. 9 Sobre o Simpósio Luso-Brasileiro ............................................................................................... 10 1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre modelos e práticas de sustentabilidade ............................. 10 COMISSÕES ................................................................................................................................... 11 Comissão Organizadora ........................................................................................................... 11 Comissão Científica .................................................................................................................. 11 Equipa de Apoio de Estudantes................................................................................................ 12 Instituições organizadoras ........................................................................................................... 13 Sessões paralelas .......................................................................................................................... 14 A - Sociedade e sustentabilidade .......................................................................................... 15 A produção de perfumes de sementes e raízes das ilhas estuarinas amazônicas: saberes e práticas populares e coorporativas na sustentabilidade global. ............................................... 16 Percepção socioambiental acerca dos resíduos sólidos dos moradores do entorno de um canal de drenagem no nordeste do Brasil: sociedade e sustentabilidade ................................ 38 Valores e Gestão de Água na Bacia do Alto Paraguai, Mato Grosso – O que Significa “Sustentabilidade”? ................................................................................................................... 50 Aspectos históricos, geográficos e sociais no entorno do Rio Paraíba do Sul - Brasil .................... 53 B - Repensar os fundamentos dos sistemas económicos ................................................. 63 O COMÉRCIO INTERNACIONAL DE TECNOLOGIAS AMBIENTAIS: Inserção do Brasil e da China ......................................................................................................................................... 64

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Os ecotributos como fomento para utilização sustentável da água nas cidades: análise do Imposto sobre a Propriedade Urbana “Verde” .......................................................................... 65 Impacto dos mecanismos de compartilhamento de benefícios de usinas hidrelétricas no desenvolvimento de seus municípios afetados ........................................................................ 79 Energia e Desenvolvimento na África sub-sahariana: na procura de caminhos para reduzir a pobreza energética ................................................................................................................... 81 Instituições e estruturas de governança para o desenvolvimento sustentável -Políticas Públicas para o Desenvolvimento Sustentável ......................................................................... 83 Produção agrícola de commodities e (in) sustentabilidade: desafios, pressões e limites no cerrado brasileiro .................................................................................................................... 104 Valorização das práticas agroextrativistas e construção social de mercados: perspectivas para a sustentabilidade do bioma Cerrado ..................................................................................... 113 Empregos verdes no Brasil: Uma análise da dinâmica regional entre 2007 e 2014 ..................... 115 As vantagens (ou desvantagens) comparativas das exportações brasileiras de bens ambientais: uma comparação entre três propostas de classificações internacionais ............ 127 Co-produção e o Pacto do Rio: novos mecanismos para o desenvolvimento urbano sustentável .............................................................................................................................. 129 C - Cidades sustentáveis ..................................................................................................... 130 Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa da Cidade de Salvador, Bahia, Brasil: o caso do setor de resíduos....................................................................................................... 131 O ordenamento do território na cidade da Praia e a resiliência a inundações e cheias ................ 152 Análise comparativa das Áreas Metropolitanas de Lisboa e São Paulo: Contributos dos Modelos Input-Output com extensões ambientais .................................................................. 168 Modelação das emissões de gases de efeito estufa do tráfego rodoviário de um município no Brasil ....................................................................................................................................... 170 Resiliência a ondas de calor em clima futuro: um estudo de modelação numa zona urbana ....... 178 Por uma Cidade Sustentável: Compreender a Evolução da Paisagem Alimentar de Lisboa ....... 196 Bairros Mais Sustentáveis: Estudo das ‘Novas Formas’ de Ocupação em João Pessoa, Paraíba, Brasil ........................................................................................................................ 198 A Cidade em Dispersão: Impactos, Custos e Perspectivas........................................................... 216 Requalificação urbana e mobilidade sustentável em Salvador/Bahia/Brasil ................................. 246 Crise do planejamento territorial e urbano? Por um “outro” urbanismo ecológico e popular com sustentabilidade urbana .......................................................................................................... 247 D - Pressões e limites dos ecossistemas ........................................................................... 249 A Contribuição do Comércio Justo de Produtos Artesanais para o Desenvolvimento Local Sustentável: Um Estudo dos Grupos Produtivos das Cidades de Camaragibe e Gravatá em Pernambuco...................................................................................................................... 250 A cegueira do óbvio: a importância dos serviços ecossistêmicos para o bem-estar humano ....... 251 Análise do potencial invasor das espécies exóticas: contribuição à Gestão em áreas portuárias ................................................................................................................................ 253

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Manejo de Espécies Exóticas Invasoras como Ferramenta de Gestão Sustentável: A Responsabilidade Ambiental Na Implementação de Políticas Públicas em Áreas Portuárias ................................................................................................................................ 275 O verde no meio do caos: A experiência de comunidades tradicionais no Recife/PE e caminhos sustentáveis para adaptação às mudanças climáticas. ......................................... 287 O papel da comunicação social na abordagem do risco de cheias em Moçambique nas comunidades de Mugeliwa, Messalo e Megaruma - Cabo Delgado....................................... 301 AS ÁGUAS DE ALUVIÃO NO CONTEXTO DA SUSTENTABILIDADE HÍDRICA DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO ..................................................................................................... 303 Determinação de Índice de Qualidade da Sustentabilidade de um Destino Turístico: o caso da Ilha de Fernando de Noronha, Brasil ...................................................................................... 304 Mídias para disseminação e preservação do conhecimento de índios brasileiros: Uma busca pela sustentabilidade do saber tradicional .............................................................................. 305 Resolução de conflitos de vizinhança entre as populações e a indústria através do diálogo - O caso da zona costeira de Sines (Portugal) ............................................................................. 323 Agroecologia enxuta ...................................................................................................................... 325 E - O papel da academia ....................................................................................................... 351 Ciência da Sustentabilidade – Abordagens de suas competências na pós-graduação do Brasil . 353 Rede de Estudos Ambientais de Países de Língua Portuguesa: Uma aposta na sustentabilidade ...................................................................................................................... 355 TRANSDISCIPLINARIDADE – a fusão de conhecimentos para uma sociedade sustentável ...... 357 Sustentabilidade e Desenvolvimento em Moçambique: percursos de investigação num programa de doutoramento .................................................................................................... 359 Desempenho energético e ambiental: o desafio da sustentabilidade no ensino e projeto de arquitetura ............................................................................................................................... 372 Fazer as Novas Tecnologias Trabalhar para o Desenvolvimento Humano................................... 374 Potencialidades e Fragilidades de um Curso em E-learning de Educação para a Sustentabilidade: O Caso de Estudo da Licenciatura em Ciências do Ambiente da Universidade Aberta, Portugal ................................................................................................ 376 F - O exaustão de recursos .................................................................................................. 378 Resíduo para tratar resíduo: Avaliação de resíduo da indústria do alumínio como adsorvente para resíduo da indústria têxtil ................................................................................................ 379 Análise da produção de energia elétrica a partir do etanol obtido dos resíduos da produção de cachaça ................................................................................................................................... 389 Desenvolvimento de um Controle Automatizado para o Cultivo de Microalgas (Scenedesmus sp. BR004) em Casa de Vegetação utilizando Tanques do tipo raceway .............................. 398 Fitorremediação de solos contaminados com Arsénio usando duas espécies de Eucalyptus: captação e implicações no desenvolvimento e crescimento .................................................. 408 Estratégias Sustentáveis no Tratamento de Água – Perspectivas Futuras ................................... 409 Descarte e destinação de bitucas de cigarros: existem alternativas? ........................................... 410 Incremento da sustentabilidade de zonas húmidas construídas através da produção de canade-açúcar ................................................................................................................................ 428 5

Valorização de resíduos de biomassa através da sua utilização como adsorventes de baixo custo na remediação de azul-de-metileno .............................................................................. 437 Microalgas na biorremediação de efluentes agroindustriais .......................................................... 439 G - Avaliação de impacto e de sustentabilidade................................................................ 441 DESASTRES E SUSTENTABILIDADE ENTRE CONTROVÉRSIAS ............................................ 442 Revisão de Qualidade de Estudo de Impacto Ambiental: uma análise comparativa entre duas ferramentas de revisão ........................................................................................................... 443 Avaliação Ambiental de Programas Urbanos no Brasil - O caso da Avaliação Ambiental do Programa de Requalificação Urbana de Aracaju-SE.............................................................. 458 A SUSTENTABILIDADE NOS PLANOS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS: OS DESAFIOS DA INSERÇÃO INSTITUCIONAL NO BRASIL ............................................................................. 459 Efeitos diretos e indiretos da Avaliação Ambiental Estratégica no Brasil ...................................... 461 Governança de sistemas de indicadores de sustentabilidade em processos de Avaliação Ambiental Estratégica ............................................................................................................. 476 Utilização de Indicadores em Processos de Planeamento e Gestão de Recursos Hídricos e Avaliação Ambiental Estratégica: Análise do Contexto Português ......................................... 492 Análise de custos e dos benefícios nas estratégias de adaptação às alterações climáticas em áreas costeiras em risco. O caso do Furadouro (Ovar) – Portugal ........................................ 493 H - Gestão da sustentabilidade corporativa ....................................................................... 508 Avaliação da Sustentabilidade Corporativa: integrar ou não o Triple Bottom Line? ...................... 509 Percepção socioambiental acerca dos resíduos sólidos dos moradores do entorno de um canal de drenagem no nordeste do Brasil: sociedade e sustentabilidade .............................. 511 O processo de comunicação como vetor da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras sustentáveis .......................................................................... 523 Percepção socioambiental acerca dos resíduos sólidos dos moradores do entorno de um canal de drenagem no nordeste do Brasil: sociedade e sustentabilidade .............................. 539 A LOGÍSTICA REVERSA NO EXÉRCITO BRASILEIRO COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AMBIENTAL ...................................................................................................... 551 CONFORMIDADE AMBIENTAL MILITAR: INSTRUMENTO DE GESTÃO DE APOIO À PRESERVAÇÃO AMBIENTAL ............................................................................................... 559 VALORES E COMPORTAMENTO SUSTENTÁVEL: UM ESTUDO COM ESTUDANTES DE ADMINISTRAÇÃO CATARINENSES ..................................................................................... 568 O papel do Direito em prol do desenvolvimento sustentável brasileiro: contratações públicas sustentáveis ............................................................................................................................ 570 CORRELAÇÃO ENTRE PRESSÕES INSTITUCIONAIS E PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS: UM ESTUDO EM INDÚSTRIAS DE SANTA CATARINA .............................................................. 589 O triplo papel do Estado para a promoção das compras públicas sustentáveis no governo federal do Brasil ...................................................................................................................... 605 Indicadores de Gestão da Sustentabilidade Empresarial para geração, transmissão e distribuição de energia elétrica ............................................................................................... 621 O triplo papel do Estado para a promoção das compras públicas sustentáveis no governo federal do Brasil ...................................................................................................................... 623 6

I - Governança global, regional e local ......................................................................... 638 Governança Florestal na América Latina: Desafios e Oportunidades para o Desenvolvimento Local ....................................................................................................................................... 639 GOVERNÂNCIA AMBIENTAL: para uma Sociedade Sustentável ................................................ 662 Fronteira Brasil/Uruguai fatores favoráveis e desfavoráveis para a integração e sustentabilidade regional ........................................................................................................ 664 Viver na Sociedade de Risco: Aprendizagens Para a Sustentabilidade ....................................... 673 A emergência de movimentos de justiça ambiental em países desenvolvidos: Uma análise sobre o Brasil .......................................................................................................................... 674 Regimes e Princípios da Boa Governança – potencialidades e fragilidades em processos de consolidação da participação social na Reserva Extrativista de Canavieiras, Bahia, Brasil .. 676 Crescimento ou Desenvolvimento Azul no “Mar Português”? ....................................................... 692 Saneamento básico: uma análise da política governamental implementada no estado do Piauí-Brasil - 2005-2015 ......................................................................................................... 701 Posters .................................................................................................................................... 716 O extermínio das carnaubeiras e a degradação ambiental no Vale do Açu/RN ........................... 717 CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO DO VALE DO AÇU/RN: PERSPECTIVAS NA IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS (PNRS) E GOVERNANÇA COMPARTILHADA DO LIXO. .................................... 731 Dodiscência na Educação Profissional e Tecnológica e Desenvolvimento Local Sustentável – um estudo no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco, Campus Ipojuca. ..................................................................................................................... 758 COMUNICAÇÃO SOCIAL E SUSTENTABILIDADE ..................................................................... 759 Projeto de habitação de interesse social aplicado à cidades de pequeno porte: O caso da Vila Mocó na cidade de Itaporanga, Paraíba, Brasil. ..................................................................... 770 LEGISLAÇÃO AMBIENTAL, MARKETING VERDE E CONSUMO SUSTENTÁVEL .................... 793 A questão da Sustentabilidade e do Direito a Cidade em Fortaleza: um diálogo necessário ....... 795 Gestão Ambiental nas Instituições de Ensino Superior: Uma Análise das Universidades Européias e Brasileiras ........................................................................................................... 810 Metodologias para promover a Literacia dos Oceanos:o projeto “Pesca Ó Peixe” ....................... 812 A Pesca por um Mar Sem Lixo, o caso de Peniche....................................................................... 814 Utilização de diferentes fontes de carbono para otimização da biomassa do gênero de cianobactéria Anabaena sp. 1448 com fins de produção biológica de hidrogênio ................. 816 Valorização de águas residuais tratadas por leitos de macrófitas através da produção integrada de microalgas.......................................................................................................... 817 O projeto de construção da barragem de Mphanda Nkuwa em Moçambique: o papel da comunicação social e a perceção de risco sísmico pelas populações ................................... 825 Sustentabilidade em Campi Universitários: análise em universidades do Rio Grande do Sul – Brasil ....................................................................................................................................... 836 No caminho da sustentabilidade: à descoberta da univer(c)idade ................................................ 850

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Identificação dos potenciais efeitos ambientais da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Brasil): uma aplicação dos critérios de triagem a partir da Diretiva Europeia 2001/42/EC ... 851 LEVANTAMENTO SOBRE A UTILIZAÇÃO DE RESÍDUOS NA ALIMENTAÇÃO DE VACAS DE LEITE NO SUL DO BRASIL ............................................................................................. 869 Determinação da Evapotranspiração através do modelo SEBAL - METRIC para a região centro - sul da bacia do Rio Pajeú, Pernambuco, Brasil......................................................... 871 Acessibilidade na arquitetura das cidades e tecnologia de Crowdsensing como mecanismo de inclusão das pessoas com mobilidade reduzida..................................................................... 883 Aplicação de Ferramentas Moleculares na Proteção Animal e Caracterização dos Crimes contra a Fauna ........................................................................................................................ 898 Interacções entre invasões biológicas e espécies nativas – caso de estudo: acácias exóticas e comunidades de formigas em Portugal .................................................................................. 912

Índice de Autores ........................................................................................................... 913



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Mensagem de Boas Vindas Integrado como pré-evento da 22nd Annual Conference of the International Sustainable Development Research Society (ISDRS 2016), que decorrerá de 13 a 15 Julho de 2016, em Lisboa, Portugal, a ISDRS, em conjunto com a Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e com o Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, promovem a primeira edição do Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade. O 1º Simpósio Luso-Brasileiro foi idealizado com o objetivo de reunir investigadores/ pesquisadores e profissionais luso-brasileiros que atuam na geração de conhecimento na área do Desenvolvimento Sustentável, fazendo emergir as suas experiências e práticas sobre Ciências do Desenvolvimento Sustentável, Pressões e Limites dos Ecossistemas, Alterações Climáticas e Energia, Uso do Solo Sustentável e Cidades Sustentáveis, Sustentabilidade Empresarial e Inovação, Sociedade e Sustentabilidade, e Instituições e Estruturas de Governança para o Desenvolvimento Sustentável. Foram também incluídos quatro temas especiais para o Simpósio: Políticas e Modelos Adaptativos para a Sustentabilidade em Contextos de Mudanças, Oceanos e Sustentabilidade Marinha – Inovação e Gestão, Partilha do Conhecimento na Área da Sustentabilidade: dos Indivíduos aos Países, Perspectivas Africanas sobre os Desafios do Velho e do Novo Mundo para o Desenvolvimento Sustentável. Além de aproximar cientistas e profissionais de países lusófonos que atuam no campo da sustentabilidade, o evento também procura a aproximação deste público às atividades da ISDRS, incluindo a respetiva conferência anual, os grupos de trabalho temáticos, e a contribuição para as revistas/periódicos científicos de grande prestígio internacional associados à ISDRS, integrando o contexto de uma ampla plataforma global de mais de 700 membros provenientes de todos os continentes e 2200 seguidores. Em nome de toda a comissão organizadora, damos as boas vindas a todos os participantes do 1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade e agradecemos a todos os oradores, moderadores, membros da comissão científica e equipe de apoio. Desejamos a todos uma agradável estadia em Lisboa e que aproveitem o melhor possível este evento internacional.

Coordenadores do 1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade: Tomás B. Ramos, Universidade Nova de Lisboa, Portugal Evandro Mateus Moretto, Universidade de São Paulo, Brasil

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Sobre o Simpósio Luso-Brasileiro 1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre modelos e práticas de sustentabilidade O 1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre modelos e práticas de sustentabilidade foca as realidades portuguesa e brasileira, e decorre em associação com a 22ª Conferência da International Sustainable Development Research Society (ISDRS 2016). Este evento é organizado pela Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa (UNL) e pelo Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da Universidade de São Paulo (USP). Esta iniciativa pretende promover o envolvimento de diferentes intervenientes brasileiros e portugueses (academia, instituições públicas, empresas, organizações não governamentais, entre outros) na área do desenvolvimento sustentável, usufruindo das sinergias com as atividades desenvolvidas pela ISDRS, incluindo a respetiva conferência anual.

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COMISSÕES Comissão Organizadora Tomás B. Ramos (Coordenador), Universidade Nova de Lisboa, Portugal Evandro Mateus Moretto (Co-Coordenador), Universidade de São Paulo, Brasil Alexandra Polido, Universidade Nova de Lisboa, Portugal Ana Rita Domingues, Universidade Nova de Lisboa, Portugal Antje Disterheft, Universidade Nova de Lisboa, Portugal Inês Cosme, Universidade Nova de Lisboa, Portugal Helder Guimarães, Instituto Federal de Pernambuco / Exército Brasileiro, Brasil João Joanaz de Melo, Universidade Nova de Lisboa, Portugal José Carlos Ferreira, Universidade Nova de Lisboa, Portugal Nuno Videira, Universidade Nova de Lisboa, Portugal Nuno Martins, Universidade de Lisboa, Portugal Marcelo Montaño, Universidade de São Paulo, Brasil Patrícia Tourais, Universidade Nova de Lisboa, Portugal Rosa Santos Coelho, Universidade Nova de Lisboa, Portugal Rui F. Santos, Universidade Nova de Lisboa, Portugal Sandra Caeiro, Universidade Aberta, Portugal Conceição Capelo, Universidade Nova de Lisboa, Portugal (secretariado) Vera Silveira, Universidade de São Paulo, Brasil (secretariado) Catarina Domingues, Universidade Nova de Lisboa (gestão financeira) Sílvia Marina Costa, Universidade Nova de Lisboa (gestão financeira) Filipa Fonseca, Universidade Nova de Lisboa (gestão financeira)

Comissão Científica Alberto Fonseca, Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil Aldo Roberto Ometto, Universidade de São Paulo, Brasil António Guerreiro de Brito, Universidade de Lisboa, Portugal Carlos Borrego, Universidade de Aveiro, Portugal Clovis de Vasconcelos Cavalcanti, Fundação Joaquim Nabuco, Brasil Cristina Adams, Universidade de São Paulo, Brasil Eduardo José Viola, Universidade Federal de Brasília, Brasil Fernando Santana, Universidade Nova de Lisboa, Portugal Helena Calado, Universidade dos Açores, Portugal Helena Freitas, Universidade de Coimbra, Portugal João Farinha, Universidade Nova de Lisboa, Portugal Luiz Carlos Beduschi Filho, Universidade de São Paulo, Brasil Marcus Polette, Universidade do Vale do Itajaí, Brasil Maria João Bebianno, Universidade do Algarve, Portugal Maria Rosa Paiva, Universidade Nova de Lisboa, Portugal Múcio Luiz Banja Fernandes, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Paula Antunes, Universidade Nova de Lisboa, Portugal Pedro Roberto Jacobi, Universidade de São Paulo, Brasil Severino Agra Filho, Universidade Federal da Bahia, Brasil Victor Ranieri, Universidade de São Paulo, Brasil

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Equipa de Apoio de Estudantes Ana Carolina Mendes Ana Filipa Ferreira Ana Catarina Val Catarina Vieira Cristina Pereira Filipa Fernandes Gonçalo Duarte Joana Jorge Joana P. Santos João Sargedas Sousa Lisandra Miguel Luís Cachinho Mahsa Mapar Marc ter Keurst Maria Gaspar Miguel Lourenço Miguel Sequeira Paulo Araújo Renato Monteiro Rita Lopes Rui Sebastian Tânia Silva Telmo Guedes Teresa Brissos

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Instituições organizadoras Universidade Nova de Lisboa e Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade (CENSE) A Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) integra a Universidade NOVA de Lisboa e é uma das três maiores e mais prestigiadas escolas de Engenharia e Ciências do País, com cerca de 8.000 estudantes (Licenciatura, Mestrado e Doutoramento), 430 docentes doutorados e 200 funcionários. O Campus da FCT apresenta características (dimensão, localização e envolvente) que o tornam num espaço que convida a estudar e a trabalhar. Todos os seus cursos estão acreditados pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, sendo os cursos de Engenharia reconhecidos também pela Ordem dos Engenheiros. A empregabilidade dos cursos é superior à média nacional. A FCT apresenta grande atividade de investigação internacionalmente reconhecida. A produção científica confere-lhe amplo reconhecimento no atual contexto universitário nacional e internacional. A FCT agrega vários Centros de Investigação, sendo o CENSE, Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade, a unidade que promove investigação interdisciplinar em ciências e engenharia do ambiente com dois grupos de investigação (Engenharia da Sustentabilidade; Economia Ecológica e Gestão Ambiental).

Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo O Instituto de Energia e Ambiente (IEE) é um Instituto Especializado da Universidade de São Paulo (USP) e tem suas atividades baseadas na pesquisa, ensino e extensão universitária nos âmbitos da Energia e Ciências Ambientais. A sua missão é promover a interação entre as necessidades da Sociedade, a Ciência e a Tecnologia, atuando em atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão, desenvolvendo soluções com qualidade, em articulação com as demais unidades da Universidade de São Paulo e parceiros, nas áreas de Energia e Ambiente, contribuindo para o desenvolvimento sustentável do Brasil.

International Sustainable Development Research Society A International Sustainable Development Research Society (ISDRS) é a organização que organiza a sua 22ª Conferência, junto à qual o Simpósio Luso-Brasileiro está vinculado. Registada oficialmente em Hong Kong em 2006, a ISDRS possui 13 anos de tradição e sucesso na promoção de suas conferências anuais, gerando e disseminando conhecimento sobre desenvolvimento sustentável. Os principais objetivos da ISDRS são: •

Gerar pesquisas e conhecimento sobre desenvolvimento sustentável;



Disseminar conhecimento sobre desenvolvimento sustentável;



Promover educação sobre desenvolvimento sustentável;



Estabelecer troca de informação sobre desenvolvimento sustentável mundialmente.



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Sessões paralelas

A - Sociedade e sustentabilidade B - Repensar os fundamentos dos sistemas económicos C - Cidades sustentáveis D - Pressões e limites dos ecossistemas F - O exaustão de recursos G - Avaliação de impacto e de sustentabilidade H - Gestão da sustentabilidade corporativa I - Governança global, regional e local





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A - Sociedade e sustentabilidade

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(AC) A produção de perfumes de sementes e raízes das ilhas estuarinas amazônicas: saberes e práticas populares e coorporativas na sustentabilidade global. DERGAN, João Marcelo B1,. e MOURÃO, Leila M2,. RESUMO: De cheiros populares a perfumes sustentáveis, as essências de sementes e raízes das ilhas estuarinas amazônicas foram usadas, significadas e ressignificadas pelos comuns das ilhas e por empresas que fornecem insumos para produção de biocosméticos ao mercado global na atualidade. As essências de sementes e raízes de cumaru, priprioca, pracaxi, das ilhas de Cotijuba, Jutuba, Combu, ilha das Onças e ilha Grande, que fazem parte do estuário amazônico próximas a cidade de BelémPará-Brasil, tiveram usos e significados muitas vezes opostos e contraditórios por empresas e pelos ilhéus ao longo da história, ao mesmo tempo, eram utilizados nas diversas atividades como perfumes. Perceber as permanências e mudanças dos usos das essências da flora estuarina das ilhas ao longo da modernidade e a ressignificação de saberes e práticas pelos populares e empresas/coorporações para produção de perfurmes para o mercado global nos dá possibilidades de compreensão do discurso da sustentabilidade ambiental nas práticas cotidianas na Amazônia. Através da história oral e da etnografia das práticas dos ilhéus nas coletas e ‘preparo’ das sementes e raízes para fornecimento as empresas de biocosméticos e no cruzamento e diálogo de fontes orais e escritas, como relatórios das empresas, atas e planos de governo, foi possível compreender os múltiplos saberes e interesses sobre a flora estuarina das ilhas amazônicas e a manipulação e apropriação desses saberes por ilhéus e empresas na produção de perfumes ao mercado e na busca da sustentabilidade. Entre discursos e práticas alguns trabalhadores considerados atravessadores das raízes e sementes foram retirados em função da maior aproximação das empresas com as comunidades dos ilhéus. Os tipos de coletas e armazenamentos das sementes e raízes foram refeitos, em função das exigências das empresas. Os ‘tempos’ de coletas dessas mesmas sementes e raízes utilizadas para fabricação de perfurmes e cosméticos naturais foram entendidos pelas empresas como ‘tempo’ das comunidades das ilhas amazônicas. Produzir, utilizar e sentir os cheiros das essências das raízes e sementes da flora estuarina insular nos bioprodutos nos devolve a nossa própria natureza de pertencimento ao planeta, nos devolve a sensação de sermos humanos naturalmente, ainda que esta também seja mais uma criação cultural no mundo moderno e na globalização contemporânea. A aproximação com os ‘cheiros naturais’ dos biocosméticos produzidos das essências das sementes e raízes da flora estuarina insular nos devolve a sensação de estarmos mergulhados ou envolvidos genuinamente na nossa plena natureza biológica, como se pudéssemos ter estado fora dela algum tempo. Ao mesmo tempo não é qualquer natureza, pois não sentimos os problemas que a quantidade excessiva das essências poderiam nos trazer e também não é considerado tão natural quanto às sementes e raízes por si só, mas tratadas e cuidadas para serem consideradas convenientes e sentidas como natureza na cultura nos cheiros. A cultura na natureza ou a natureza na cultura na produção de biocosméticos na Amazônia guarda relação com as 1 Doutorando do Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal do Pará-UFPA [email protected] 2

Professora doutora do Programa de Pós Graduação em História e da Faculdade de História da UFPA. [email protected]

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próprias concepções de cultura e natureza que acionamos na rede de relações na globalização contemporânea com buscas a sustentabilidade ambiental. Palavras-Chaves: Sustentabilidade, ilhas, perfumes, globalização.

Introdução: “Belém, cidade cheia de cheiros, cores e sabores é uma das portas de entrada da floresta Amazônica. As matas do Cais das Docas são 39 ilhas que abrigam mais de 29 mil pessoas (...) Elas colhem as sementes típicas da ilha como açaí, tucumã, inajá, andiroba, ucuuba, pracaxi (...) Na agricultura, uma plantinha chamada priprioca é fonte de renda para diversas famílias”3. A matéria de jornal recente valoriza um aspecto de Belém, que são as ilhas que cercam e circundam a cidade, relacionadas a coleta e comercialização de sementes e raízes sob a forma de ‘cheiros’ e de cores. Revela aspectos do discurso da valorização e apropriação de saberes e conhecimentos sobre essas espécies vegetais e a flora das ilhas, como as sementes de Açai- Euterpe Oleracea, AndirobaCarapa Guianenses, Pracaxi- Penta Clethra Macroloba, Ucuuba- Virola Surinamenses e as raízes de Priprioca- Cyperus Articulatus, que foram inseridas na cadeia e comercialização internacional, sob a forma de biocosméticos. A apropriação de sementes e raízes naturais na Amazônia tem ganhado ênfase nos últimos anos em decorrência de um setor em expansão nos mercados regionais, nacionais e internacionais, o chamado setor de produção de essências e biocosméticos. Mesmo não se tratando de uma prática recente, pois a apropriação faz parte da história da região, desde o período de extração das ‘drogas do sertão’. As dinâmicas vão apontando as relações entre as comunidades extrativistas e as empresas no processo de apropriação e utilização das essências da flora, como sementes e raízes, para a produção de biocosméticos para o mercado. Desde o início da colonização Belém se tornou um centro dinamizador de coleta das ‘drogas do sertão’, remetendo-as para a Europa através das metrópoles ibéricas. Esta configuração incorporada a cultura local ainda está presente na dinâmica sócio-econômica da região. Eram madeiras, alimentos, frutas, sementes e raízes que foram usadas e significadas dependendo do interesse e envolvimento nas relações sócio-econômicas construídas no processo histórico, que faziam, fizeram e fazem dos detalhes e dos usos e significações particularmente locais um imbricado relacionamento aos usos e

3 Jornal O Globo, caderno Globo Ação, edição do dia 14/04/2012. A notícia informa da

existência de 39 ilhas da cidade de Belém, mas de acordo com dados do Anuário Estatístico do Município de Belém atualmente configura-se 43 ilhas pertencentes a Belém, SEGEP, 2010. 17

significações também internacionais, na qual a cidade de Belém recebeu e influenciou esta gama de relações e um pólo dinamizador. Então, como estão sendo apropriados e significados os conhecimentos referentes as essências contidas nas sementes e raízes da flora estuarina insular amazônica por comunidades e empresas na contemporaneidade? Nas ilhas de Belém, moradores (as) ilhéus, governos e empresas fizeram, refizeram, fazem e refazem entre contradições e complementaridades na longa duração da modernidade, os usos e percepções sobre as sementes de açai, andiroba, pracaxi, ucuuba, e as raízes de priprioca, com apropriações dos conhecimentos elaborados e aplicados sobre esta flora colorida e cheirosa insular estuarina da cidade, como parte do discurso da sustentabilidade e da globalização na atualidade. A Amazônia brasileira como um todo é considerada como um potencial no uso de plantas, sementes e raízes para fins “medicinais ou cosméticos (...) na qual a produção atual chega ao mercado externo apresentando tendência crescente de mercantilização”4. Iniciativas de comercialização de insumos e produtos naturais que utilizam as essências de sementes e raízes foram implementadas em vários locais na Amazônia5.Há importantes itens de “exportação como guaraná- Paullinia Cupana, castanha do Pará-Berthollecia excelsa, marfim vegetal jarina-Phytelephas macrocarpa; para o fabrico de perfurmes há o pau rosa-Aniba rosaeodora Ducke ”6, e também as raízes de priprioca e sementes de ucuba, pracaxi, andiroba das ilhas estuarinas. 1- As ilhas estuarianas amazônicas no mercado mundial

“Da mata para o laboratório sem agredir o meio ambiente. É assim que a Beraca e Natura, transformam sementes em ativos para a indústria de cosméticos

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FRAXE, T. J. P. e LOPES, R. H. Manejo da biodiversidade local na Amazônia e as empresas. In: VI Encontro Nacional da ANNPAS, Belém, 2012. Segundo informações do Instituto Sócio Ambiental (2014), no Brasil, país considerado com o maior detentor de biodiversidade do planeta também em função da Amazônia, estima-se que existam entre 10 a 20% do total de um milhão e meio de espécies já catalogadas no mundo. Dessas espécies registradas, a Amazônia apresenta 22% do total mundial de plantas com sementes e raízes, em que as essências são utilizadas e despertam interesses das empresas para produção de biocosméticos.

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ANDERSOM, A. e CLAY, J. Esverdeando a Amazônia: comunidades e empresas em busca de práticas para negócios sustentáveis. São Paulo: Petrópolis, IEB, 2002; COUNSELL, S.;R. E. RICE. The Rainforest Harvest. London: Friends of the Earth, 1992. Entre outros.

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MARCOVITCH, Jacques. A gestão da Amazônia: ações empresariais, políticas públicas, estudos e propostas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011, p. 42. Consultar também BRAGA, Sérgio. O uso sustentável da biodiversidade amazônica. In: VELLOSO, João Paulo dos Reis e outros. Amazônia vazio de soluções?: desenvolvimento moderno baseado na biodiversidade. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. ALMEIDA, Fernando. Experiências empresarias em sustentabilidade: avanços, dificuldades e motivações de gestores e empresas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. ABRANTES, Joselito Santos. Bio(sócio)diversidade e empreendedorismo ambiental na Amazônia. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.

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em mais de 40 países. A comunidade da ilha de Cotijuba em 2002 iniciou sua parceria com a Natura, pelo ativo Priprioca.”7 Esta matéria chamou nossa atenção e iniciamos uma investigação constatando que há empresas como a Natura, a Beraca, a Óleos Vegetais da Amazônia que vem estabelecendo relações comerciais nacionais e internacionais com os ilhéus para aquisição de produtos da flora, através de moradores (as) de algumas ilhas próximas de Belém, como a ilha de Cotijuba, Jutuba, Combu, Ilha Grande e Ilha das Onças, com a finalidade de obter insumos para a industrialização e produção de diversos produtos, dentre os quais se destacam os biocosméticos, conforme figura 1. A temporalidade, além da constituição da pesquisa do tempo-presente dos últimos 30 anos fundamentalmente, também pelo estudo do tempo do passado, como construção da modernidade para o fazer e sentir da flora insular, bem como de um passado com significação no presente através das memórias dos ilhéus, pois conforme Braudel (1995) existem tempos sociais múltiplos, que interferem entre si e devem suas significações a uma espécie de dialética das durações8.

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Revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios, reportagem ‘Empresa transforma frutos e sementes em insumos para cosméticos’, edição de 13/04/2013.

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BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Felipe II. Lisboa: Pub. Dom Quixote, 1995.

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Figura 1: Ilhas próximas de Belém que realizaram contratos com as empresas

Fonte: Laboratório de Cartografia da Universidade Federal Rural da Amazônia-UFRA, 2015. Elaborado por Thamyres Marques da Silva.

É este tempo cruzado que nos interessou refazer e ajustar os ponteiros no sentido do entendimento da exclusão, tipo de inclusão, estratégias de apropriações de conhecimentos sobre os usos e significações dadas a flora da região estuarina insular pelas comunidades e a sua gente em toda sua humanidade, que faz do trabalho o cotidiano do viver. Os ilhéus estabeleceram e continuam a estabelecer comércio dos produtos naturais cultivados e/ou sob a forma de extrativismos e coletas, como ocorre com as sementes e raízes, com a cidade de Belém. A vizualização do mapa das ilhas que perfazem a cidade não levou somente em consideração as divisões político-institucionais9, pois foi a partir da implementação

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Ainda que a ilha das Onças seja oficialmente político-administrativamente vinculada a cidade de Barcarena, as relações sócio-econômicas são estabelecidas com a cidade de Belém. E também as ilhas Atualmente encontram-se distribuídas em distritos administrativos, definidas pelos órgãos oficiais de governo, neste caso o municipal através

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de comércio dos produtos das ilhas e interiores com a cidade que ocorreram a mundialização desses produtos, como os advindos da flora estuarina insular. Os usos e percepções da flora das ilhas estuarinas, das naturezas que elas continham e representavam, tem sentidos diferentes da atualidade e também tem continuidades históricas que nos deram possibilidades de visualizar esses sentidos de outrora que construímos para explicar as relações sócio-econômicas no estuário insular, para a compreensão e inferências na atualidade. Com cuidado para não parecer arbitrário, ao tratar do ambientalismo e da crítica ambiental em meados do século XVIII e início do XIX, Pádua (2002) analisa os primeiros críticos ambientais luso-brasileiros. O autor chama a atenção, logo no início da obra, que: não se trata de ignorar as enormes diferenças históricas que separam o século XVIII e o século XXI. Mas também não é correto, ao meu ver, estabelecer uma barreira intransponível entre os pensamentos, práticas e instituições de ambos os períodos. Existe uma continuidade histórica entre os macroprocessos em curso no final do XVIII, tanto em termos subjetivos quanto objetivos, e a constituição do mundo contemporâneo. E o que se está discutindo aqui, de fato, é o aparecimento da crítica ambiental no universo da 10 modernidade .

Ao entender a ciência moderna como a busca incessante da dominação racional da natureza, nos diversos aspectos, como os sociais e econômicos, aparece uma eminente crítica a um tipo de utilização da natureza como vinculada ao atraso civilizatório e ao progresso econômico, temas fundamentais que embasam também essas críticas. A idéia de natureza pode traduzir e contém embora muitas vezes de modo despercebido, “...uma quantidade enorme e extraordinária da história humana...”11, pois a natureza ou os sentidos, significados e idéias costuram as práticas que a humanidade faz de si mesma “...desde muitos séculos”12. Na organização de saberes pela ciência moderna, toma-se a natureza como referência no sentido de se definir a humanidade e empregá-la em oposição a técnica, ao cognos (conhecimento) a cidade (poli), a arte e a cultura13. Os usos e significados das práticas de trabalho dados a flora estuarina insular apresentam uma construção contínua e descontínua, nosso foco aqui, pois é pelo ‘uso real’ que se pode perceber a construção do mundo, e ainda que pareça muitas vezes como uma construção harmônica, essa relação é também controversa, pois do Plano Diretor Urbano, de 2008, mas o movimento entre os ilhéus estuarinos para coleta de sementes e raízes para fornecimento as empresas de biocosméticos não se limita a essas divisões institucionais. 10

PÁDUA, José Augusto. Um Sopro de destruição; pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista, 1786-1888. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 39. O autor usou como fontes cartas, documentos governamentais e relatórios, relacionando estas críticas a fontes teóricas, que influenciaram tais críticas, como a doutrina fisiocrática e a filosofia natural de Lineu e Buffon.

11 WILLIAMS, Raymond. Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011, p.89. 12 WILLIAMS, Raymond. Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011, p.90. 13

PÁDUA, José Augusto. As bases teóricas da história ambiental. In: Estudos Avançados. Dossiê teorias socioambientais. Vol. 24, N 68, São Paulo, 2010.

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nos sentidos e significados atribuídos a natureza há a personificação das coisas e dos homens14. A natureza está presente em diversos tipos de argumentos sérios, em polêmicas e pensamentos populares, na retórica e pensamento contemporâneo15 e acrescentamos nos usos e significados dados a flora da região estuarina insular no pelos saberes, incluindo o científico. Esta leitura permitiu compreender que no processo de produção do conhecimento histórico, as relações que se estabeleceram no passado são tomadas não como a realidade única e condutora do conhecimento, mas como processos que são apropriados e reapropriados pelas relações que se estabelecem no presente e ainda assim o passado não se esvai, mas serve de parâmetro da construção do real. As diversas espécies da flora estuarina insular foram usadas e percebidas de diversas maneiras. Elas já eram usadas como cheiros, perfumes, velas, sabão pelos comuns das ilhas e também passavam a ser comercializadas em cadeia mundial sob outras formas. São essas possibilidades históricas que se apresentam na realidade e que servem de pistas para o historiador criar narrativa que traga a luz relações sociais que pudiam ser escamoteadas fora dessa escolha e/ou recorte temporal e espacial, esteios da história. De uma maneira geral o estuário insular no XVIII estava inserido na lógica metropolitana da troca de espécies vegetais na sua colonização para a agricultura, como projeto sócio-econômico de tornar a terra para a agricultura com a inserção e troca das espécies vegetais importantes para isto. Houve a tentativa e intervenção oficial nos espaços considerados incultos e com uma natureza que necessitava ser dominada para o bem da cidade e da cultura, esses espaços eram os ‘arredores’, ou ‘arrabaldes’ e ‘ribeiras’ da cidade, ou seja, o estuário insular. No lado fronteiriço às ribeiras, que ficam descritas, jaz uma turva de ilhas de vária grandeza abastecidas de arvoredo (...) que se denominam Tatuoca, Cotijuba, Jutuba, Paquetá-Mirim, Urubuoca, Paquetá-Assu, Patos, Arapiranga, Mucuras, Fortim, Jararacas e Onças; algumas destas ilhas tem moradores (...) e dentro de seus igarapés, onde tem molinotes e outros 16 estabelecimentos agrários .

Os diversos usos das ilhas, denominadas de “Contorno Marítimo no Rosto da Cidade” serviu a cidade com olarias, engenho de descascar arroz e com espécies

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WILLIAMS, Raymond. Op. Cit, p. 31. PÁDUA, José Augusto. Op Cit, p 32. PÁDUA, José Augusto(org). Ecologia e política no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo; IUPERJ, 1987.

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WILLIAMS, Raymond. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. PÁDUA, José Augusto. Op Cit, p 32. WORSTER, Donald. Nature’s Economy: A History of Ecological Ideas. New York: Cambridge University Press, Second Edition 1994, 15th printing 2011. DRUMMOND. José Augusto. Porque estudar a história ambiental do Brasil?. In: Vária História, n 26, 2002, p. 13-32. DUARTE, Regina Horta. História e Natureza. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

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BAENA, Antonio Ladislau Monteiro. Compendio das Eras da Provincia do Pará. Belém: UFPA, 2004, p 216.

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vegetais como a xiriuba, anani, piriprioca, cumaru, salsarana, pracaxi, juncos, tabuas, entre outras, nas quais a fragrância “enche de suavidade o olfato” 17. Anani: Árvore grande da orla dos rios. É produtora de breu, aromático, e serve na construção náutica sendo amarelo, cujo leite é da mesma cor Cumaru: Árvore retilínea e alta, que produz uma fava muito aromática encerrada em um pequeno ouriço. O tronco tem uso na construção náutica Piripirioca: junco, que tem a raiz cheirosa e que também serve para remédio Salsarana: cipó veludoso, cuja raiz é aromática Xiriuba: Árvore, de cujo 18 lenho...fazem boa lexivia para sabão .

Nas penas do autor podemos reler que as espécies vegetais tinham diversos usos, dependendo da situação em relação a metrópole, como o caso de algumas árvores usadas pelos comuns como remédios, perfumes de cheiros, sabão, e que ao mesmo tempo serviam a construção náutica a metrópole. As abundantes raízes e ervas da várzea estuarina insular, como o anani, a piripirioca, o pau de breu, entre outros, serviam para muitas utilidades, como remédios e que ‘tinham a raiz cheirosa’, utilizados pelos comuns e ‘pobres’ que habitavam as ilhas. Ocorre que a flora estuarina insular fazia parte das experiências de trocas e do desenvolvimento da cultura da agricultura pelo viés oficial da metrópole, mas também existiam os sujeitos comuns que moravam nesses espaço, fora do sistema oficial, e que estabeleciam relações por entre as possibilidades do sistema oficial, seja de doações de terras como as sesmarias19, ou ao cultivo de produtos a serem fornecidos pelos oficialmente reconhecidos, num movimento de produção no vai e vem estuarino insular. As ilhas e o estuário insular também se faziam de rotas e esconderijos dos desgarrados e mocambos. Nas penas de Baena (2004) e Barão do Marajó (1883), as ações dos ‘comuns’ são excluídas, classificadas como desprovidas de organização e lógica racional, como na intensificação de mocambos nos arredores de Belém, bem como o fluxo de suas principais rotas, incluindo as ilhas. (...) sobre a força e numero de mocambos em torno da cidade e pede força armada para os desbaratar (...) um no igarapé de Una (...), outro nas vertentes do rio Mauari (...), atravessando a pé o sitio do Pinheiro, vem sair ás 20 ilhas (...), vindo ao Guamá se reunem com os negros fugitivos.

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BAENA, Antonio Ladislau Monteiro. Compendio das Eras da Provincia do Pará. Belém: UFPA, 2004, p 217.

18

BAENA, Antonio Ladislau Monteiro. Compendio das Eras da Provincia do Pará. Belém: UFPA, 2004, p 56/57.

19

CASTRO, Edna. Território, biodiversidade e saberes de populações tradicionais. Papers do NAEA, nº97. UFPA: NAEA, 1998. CASTRO, Edna. “Sesmeiros no Rio Bujaru: Cartas de data nos séculos XVII e XIX”. 2005. In: Cd Rom Quilombolas do Pará. Belém-PA: NAEA/UFPA, 2005.

20 BAENA. Op. Cit, p. 217.

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Baena (2004) cita que certa vez “desembrenhou das matas vizinhas certo numero de homens boscarejos”,21 havendo, portanto, a necessidade do “jugo da razão e da justiça” 22. Desvelar a construção dos usos e significados dados a flora estuarina insular requer rever o olhar oficial que não reconheceu a existência da dinâmica social. Desta maneira atribuímos história as gentes e terras não considerados na lógica oficial, revelando o “encoberto” pelas representações oficiais. Além das madeiras que serviram a exportação e controle da metrópole, “exportavam-se também madeiras de lei, óleos de tartaruga e peixe – que se misturavam com o breu na construção naval -, animais vivos, peles e penas de vários animais e pássaros, estopas, cordagem, graxas, óleos e “drogas”, isto é, plantas e essências medicinais, especiarias aromáticas, resinas, gomas, ceras, corantes” 23. Mas no processo interativo de usos da flora estuarina insular, as diversas espécies vegetais conhecidas como as Aningas, Abutua, Apii, Jutahi, Murumuru, Mangue, Piripirioca, entre outras, foram usadas pelos comuns e simples nas ilhas, mas também com crédito por parte de oficiais, seja nas raízes cheirosas, seja como remédios, benzeduras e arte de cura. Uma das curandeiras e benzedeira com um grande número de clientes entre os quais se tinha governadores, tesoureiros e ouvidores, foi a mulher dos arrabaldes chamada de Sabina, que rezava orações, sabia curar quebrantos, que se aproximava do enfermo sem lhe por a mão e o benzia com folhas da murumuru ou piripirioca com ela no ar, formando uma cruz, voltada para o corpo do paciente24. Estas espécies eram recolhidas no Grão Pará e em outras capitanias, como a mando do conde de Arcos na Bahia ou do bispo no Pará e iam acompanhados de pareceres elaborados pelos físicos-mores das capitanias e destinavam-se a ser experimentados nos enfermos do Hospital Real Militar de Lisboa, sob a forma de xaropes, banhos, decocções, cozeduras ou emplastros25. As ervas, espécies vegetais comuns no XVIII, e exóticas do ponto de vista dos oficiais além mar, faziam parte da região estuarina insular da cidade e fez parte de um contexto que a unilateralidade da dominação não foi o único viés, uma vez que no

21Idem, ibdem p. 257. 22 Ibdem, Idem, p . 258. 23

DEAN, Warren. A Botânica e a Política Imperial: Introdução e Adaptação de Plantas no Brasil Colonial e Imperial. São Paulo: IEA/USP, 1989, p. 03. 24

Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão Pará (1763-1769), Texto Inédito e apresentação de José Roberto do Amaral Lapa, Petrópolis, Vozes, 1978, p. 171. Documentos do Tribunal do Santo Ofício de Lisboa, que detém um grande número de processos de curandeiros localizados na capitânia do GrãoPará, com processos inquisitoriais, cujo réus são curandeiros, além das confissões e denúncias, digitalizados pelo Arquivo Nacional da Torre do Tombo e disponível on line http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2318682, consultado em 13/02/2014. 25 Ofício do conde de Galveias ao conde de Arcos, de 28 de julho de 1813, II-33-21-104, Biblioteca Nacional/RJ; Ofício do conde de Galveias ao bispo do Pará para se indagar da farmacopéia indígena a aplicar no Hospital Real Militar da Corte, de 28 de julho de 1813, 7-4-82, Biblioteca Nacional/RJ.

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Grão Pará e no Brasil “foram transferidos para Goa o mamão, a mandioca, a pitanga e o caju, e para a África a mandioca, o cará e a batata-doce”26. Nas dialéticas de tempos é que se construíram formas de viver, de explorar e de perceber a flora estuarina insular de maneiras diferentes, que fazem parte do mesmo processo e que ocorreu a reafirmação e rearticulação das ‘costas dos rios, das matas e ilhas’ para a cidade e da ‘cidade para os rios, matas e ilhas’27, pois as florestas e a flora também variam em relação aos sentidos e usos atribuídos. 2- A Flora, a sensação e os cheiros: No decorrer dos séculos XVIII28, mas principalmente no XIX, a Amazônia brasileira foi percurso de viajantes europeus. Havia busca da cientificidade, sem desconsiderar as sensações, como categorização da natureza no contexto, pois as viagens estavam pautadas para a sistematização dos dados observados na natureza, como flora, fauna, terra, gentes e costumes, para a elaboração de leis com valor universal e para estabelecer-se nos quadros de uma História Natural e sistêmica, construída desde o século XVIII e em curso no século XIX, como uma das etapas necessárias para a transformação da natureza em ciência. Mesmo com um olhar cientificista e do ponto de vista de ‘fora’ em relação ao todo, diferente da perspectiva de quem vive e mora nesses lugares, Spix e Martius foram reelaborando na própria viagem essa forma de deslumbramento em ver as ilhas, expressando junto a isso outros sentidos contraditórios, mas congruentes, num “misto de admiração e espanto”29 ao realizarem algumas incursões específicas pelos rios, matas e ilhas estuarinas, como na ilha das Onças. Na ilha das Onças, descreveu o processo de cultivo da cana, do arroz, do milho, dos aromas, dos óleos e rícinos de sementes, algumas exportadas, na fazenda da família Faria. 26

DEAN, Warren. A Botânica e a Política Imperial: Introdução e Adaptação de Plantas no Brasil Colonial e Imperial. São Paulo: IEA/USP, 1989, p. 04. 27

ACEVEDO MARIN, R. E.; CHAVES, E. Imagens de Belém, paradoxo da modernidade e cultura na Amazônia, In: XIMENES, T (Org.). Perspectivas do desenvolvimento sustentável: uma contribuição para a Amazônia XXI. Belém: NAEA, 1997. 28 Durante todo o século XVIII, somente portugueses e /ou excursões portuguesas estavam autorizadas a navegar pelas águas localizadas nos limites territoriais pertencentes ao domínio português. Essa regra foi alterada em 1808, quando a família Real estabeleceu sua moradia em terras brasileiras, momento em que D. João abriu os portos brasileiros as nações amigas. Essa medida foi fundamental para que viajantes de diversas nacionalidades percorressem o Brasil ao longo do século XIX.Uma viagem peculiar ao Brasil no século XVIII foi a do luso-brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira, como caráter de viagem filosófica, percorrendo as províncias do Grão-pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá entre 1783 e 1792. Para detalhes consultar: FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem Filosófica pelas capitanias do Grão-pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. RJ. 1971; RAMINELLI, Ronald. Ciência e Colonização - Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira. UFF, RJ, s/d; COELHO, Mauro Cezar. A epistemologia de uma viagem: Alexandre Rodrigues Ferreira e o conhecimento construído na Viagem Filosófica às capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. 1. ed. São Paulo: Livraria da Física, 2010.

29 Ibdem, Idem, p. 53.

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Percorremos as ilhas e suas fronteiras (...) na ilha das onças visitamos a opulenta fazenda da família Faria (...) cultiva-se cana de açúcar, com alambiques feitos na Inglaterra (...) O arroz dá com rapidez, mas planta-se outra e para descascá-lo há um moinho movido a água (...) o milho distinguese pela enormidade das espigas e grãos (...) haver aqui em abundância os óleos e rícinos, de andiroba, de gergelim (...) mesmo das aromas utilizam nas espécies de zelo em natureza (...) dos sobejos assim também são 30 exportados .

Havia na ilha a utilização da natureza em produtos, incluindo óleos, aromas e sementes também para a exportação. Com olhar oficial da cientificidade tão ao gosto da metrópole, Spix e Martius relataram os usos das sementes e óleos também para realização de sabão, como uma prática comum no estuário insular. “(...) o sebo dos óleos e das sementes é empregado para sabão” 31 . Ao observar esse uso comum, critica a falta de eficaz e viável uso da natureza para o progresso, como uma‘economia da natureza’. “Tudo aqui tem o cunho da fartura, mas da incúria nos negócios (...) quando em Países menos favorecidos, a tarefa do lavrador é desenvolver a produção das terras, aqui se limita a colher a tempo, guardar e empregar a fartura da produção” 32. A visão dos viajantes naturalista, da ciência da época e do pensamento oficial, estabeleceram-se na base que “a dinâmica da natureza poderia e deveria ser decifrada pelo conhecimento científico e pela experimentação consciente. A degradação do território derivava da utilização de práticas tecnológicas e sociais rudimentares”33 dos comuns que não sabiam utilizar o natural, sendo um dos responsáveis pelo atraso da metrópole, onde “a destruição do ambiente natural não era entendida como um ‘preço do progresso’, como na visão hoje dominante, mas sim como ‘um preço do atraso’”.34 Ainda relatada como cultura para incremento oficial da metrópole, a natureza tinha muito o oferecer se devidamente explorada e utilizada sob esse ponto de vista, e mesmo que já houvesse incentivo de exportação de produtos como algodão, arroz, atanados, gengibre, conforme registrados pela Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, havia também os produtos das sementes para óleos e breus como “das amêndoas extraía-se finíssimo óleo, como a manteiga de cacau, a qual nunca cria ranço, é um excelente cosmético, e torna a cútis doce e polida, sem deixar nada de gordura e luzimento” 35. Parece haver diante da utilização da natureza, a preocupação e cuidados também na relação com o corpo e a pele. 30 Ibdem, Idem, p. 52. 31 Ibdem, Idem, p. 52. 32 Ibdem, Idem, p. 52.



33 PÁDUA, José Augusto. Um Sopro de destruição; pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista,

1786-1888. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 13. 34 Idem. Ibdem. p. 13. 35 Inácio Acioli de Cerqueira e Silva, Op. Cit, 1883.

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Corbin (1989, 2008) materializa sensorialmente que de uma maneira geral no século XIX pareceu ocorrer um novo regime de sensorialidade ao mesmo tempo que se revelam pequenos indícios e vestígios evanescentes, sem quase testemunhos disso, de uma experiência quase indescritível também com novos cuidados com o corpo. Houve as reminiscências e pequenas buscas de um novo cuidado com o corpo, com a pele, ao mesmo tempo que se elucida que a natureza deveria ser cuidadosamente elaborada para isso. Não podemos esquecer que neste mesmo período Lineu estabelecia uma escala científica de gradação dos seres e da natureza, incluindo os odores. A paisagem também se compõe, como bem enfatizou Schama (1996), como mensagens olfativas da cidade em relação com as águas e matas, como parte dessa paisagem. Assim, parece que os cheiros, além do interesse que ganha nas classificações científicas, tem uma peculiaridade na cidade de Belém e no estuário, que dependia de muitos pontos de vistas. Os cheiros, aromas e as espécies da flora estuarina insular eram trocadas e comercializadas na margem da continentalidade da cidade, na baia do Guajará, nas quais alguns aromas, ervas, sementes e vegetais eram comumente utilizados em forma de sabão, espécies de cheiros, águas e perfumes e também como remédios. A relevância dos estudos de história ambiental para a historiografia e sociedade brasileira requer além de analisar a sociedade e a economia, em clave ambiental, a busca de identificar que tipos de sociedades se formaram em torno de diferentes recursos naturais, que permanências tiveram essas sociedades e que tipo de conseqüências elas criaram para os seus ambientes sustentarem outros tipos de sociedade, entre os diversos símbolos e usos materiais que tem histórias como os produtos extrativistas da Amazônia que se expandiram a utilidade de cosméticos mudando de escalas ao longo da modernidade36. 3-Natureza e Cultura dos cheiros Foi no final do XIX, em 1897, que foram realizadas obras de instalação do Mercado de Ferro (Mercado de Peixe) e no início do XX, em 1901, ocorreu a inauguração do Mercado Francisco Bolonha (Mercado de Carne) e do Mercado de Ferro, pelo intendente Antonio Lemos37 em Belém, entre os espaços da feira do Vero-Peso. Havia no projeto a possibilidade de concessão de um local determinado as ‘erveiras e perfumeiras’ da cidade. As obras de reforma foram inspiradas na arquitetura da Bele Epoque, como uma Paris n’América.

36 Como o urucum, por exemplo. In: DRUMMOND, José Augusto. Porque estudar a história ambiental do

Brasil? Varia história, n 26, jan 2002, p- 13-32. 37 Para esclarecimentos sobre o Ver-o-Peso, consultar: http://www.ufpa.br/cma/verosite/historico.html.

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Em Paris ocorreram o enaltecer dos odores ligados aos perfumes de elite, que possivelmente eram importados pelos abastados de Belém entre o XIX e XX38 ao mesmo tempo que os comuns utilizavam as ervas perfumadas em seu cotidiano, contudo membros da elite também a utilizavam, como Sr Joarez que era da casa de marcenaria da cidade próximo a alfândega e que dada sua viagem e mudança do sudeste e sede da capital do País levaria ‘perfumes’ das ervas e do mato junto com artigos de luxo39. Durante a cientificidade do XIX foi revelada a descoberta das estruturas das moléculas, incluindo as que exalavam odor e consideradas perfumadas, ocorreu também no final sua posterior síntese. Na Belle Époque a perfumaria e aromas também ganharam ênfase. Em 1900, perfumes ganharam espaço pela primeira vez na Exposição Internacional de Artes Decorativas, evento ocorrido em Paris, com visitantes de muitos Países da Europa. Fragrâncias contendo “patchuli, heliotrópio, almíscar e baunilha criavam uma atmosfera” 40. Com a chegada do século XX, Paris se faz modelo de burguesia para as cidades. Na famosa Exposição Internacional das Artes Decorativas e das Indústrias Modernas, realizada nesta cidade no início do XX, em 1925, a perfumaria francesa foi ligada à moda e apareceu como um universo com possibilidades contínuas. Porém, Em 1921, o perfumista Ernest Beuax apresenta à estilista Coco Chanel, em Paris, algumas fragrâncias, entre as quais ela escolhe uma para associar à sua grife. Batizada de Chanel nº 5, tendo como uma de suas matérias-primas a essência do pau-rosa amazônico41. A domesticação do natural pelo civilizado faz parte do processo de modernidade da sociedade, na qual a ciência, a técnica, o econômico devem utilizarse do natural de forma apropriada. As feiras internacionais mostravam para o mundo os diversos produtos naturais importantes para o progresso civilizatório e econômico dos lugares. Muitos produtos e espécies vegetais considerados importantes e fundamentais no Grão Pará e para a metrópole portuguesa, na qual foram inclusive enviadas a exposição pela comissão do Pará a metrópole, faziam parte também da flora estuarina insular. No reino vegetal é tal a sua riquesa que é impossível enumerar sem transformar este trabalho em uma Flora Amazonica; e por isso apenas apontarei alguns dos produtos vegetaes de que o comercio se tem 38 CANCELA, Cristina Donza. Riqueza, alianças e contratos de dotação em Belém, 1870-1920. Revista Estudos

Amazônicos, vol. V, n 02, 2010, p. 29-45. GOMES, Elane Cristina Rodrigues. Vida Material: Entre casas e objetos, Belém 1920-1945. Orientação Antônio Otaviano Vieira Júnior, Belém: UFPA, 2009. 39

Como noticiado na Folha do Norte, 17 de setembro de 1896, tombo I0000163643, localização 2,408, 03,03, coleção 1 261-268, Acervo: Periódicos, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, abril de 2013.

40

KALIL FILHO, Antonio Nascim e outros. Conservação de germoplasma de plantas aromáticas e medicinais da Amazônia brasileira para uso humano. Revista da Embrapa, relatório técnico, n50, 2000, p 01-04.

41

Consultar banco do Instituto de Química da Unicamp, prof. Lauro E. S. Barata, que recebeu em 2005 o prêmio Samuel Benchimol de Tecnologia, concedido pelo CNPq em parceria com o Sebrae e o Banco da Amazônia. Consultar também o projeto ‘Plantas Aromáticas e Oleoginosas da Amazônia’, coordenado pelo professor José Guilherme Maia, da Universidade Federal do Pará, financiado pelo CNPQ.

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aproveitado como sejam as madeiras applicaveis á construção maritima, urbana, ou á marcenaria, cuja variedade conforme a escolhida coleção organisada e enviada á exposição pela comissão do Pará a variedades além de muitas outras. O algodão, o annil, a baunilha, a cana de assucar, a castanha, o oleo de eupahiha, o cravo, o cumarú, o oleo de rícino, a salsa parrilha, o guaraná, o gergelim, o tabaco, a estopa, a piassaba, a sumauma, o puxuri, e as fibras vegetaes, em numero espantoso de variedades, ofereccndo todas as resístencías e cores, e indo desde a áspera embira até o curauá tão fino como a seda; breus e resinas de diferentes espécies, oleos variados uns siceativos outros não, e alguns podendo obter-se em quantidades quase íncalculáveis como o de andiroba, substancias gordas como a que se obtem da ucuuba, de que se fazem vellas competindo com as outras, podendo com um tal producto carregar- se muitos navios, marfim vegetal, ucuba e pracaxi, mas e finalmente gomma elástica, que quase por si 42 só constitui a riquesa do Pará , e é origem de sua prosperidade .

Algumas das espécies eram tidas como importantes, como a goma elástica no final do XIX, contudo muitas delas foram consideradas em função da experiência dos comuns e também dos ilhéus, como a ucuba, o pracaxi, e óleos, rezinas e raízes cheirosas que foram enviadas pela comissão do Pará, e ainda que não considerados como parte principal da renda da metrópole, nas estrelinhas e digamos residualmente fizeram parte da amostra. Então, sem está exposto que essas espécies, sementes e raízes eram o produto principal, o seu uso era comum e parte do estuário insular. A história ambiental possibilitou a compreensão da interação entre os diversos usos e significados dados a flora estuarina insular como um processo de construção dos ilhéus no tempo e a “...particular atenção: 1) a idéia de que a ação humana pode produzir um impacto relevante sobre o mundo natural (...); 2) a revolução dos marcos cronológicos da compreensão do mundo; 3) a visão de natureza como uma história, como um processo de construção e reconstrução ao longo do tempo”43 A compreensão do passado no presente e do próprio mundo é feito nas interações e interdependência interligadas que se constroem, reconstroem e constitui o que se apresenta na realidade de forma interativa e integrativa ao mesmo tempo. A diversidade da pesquisa contemporânea em história ambiental “está revelando situações de ruptura e de mudanças intensas no âmbito dessa relação, tanto na curta quanto na longa duração” 44 Como paradoxo, a natureza amazônica e o estuário insular não mais se investiam de imensa desumanidade, mas tinha a busca do pitoresco no lugar da ciência e do anfiteatro da vida, num palco natural que a flora estava e era personagem, que se faziam presentes na formação, conquista, ocupação das terras e

42

ABREU, José Coelho da Gama. A Amazonia : as provincias do Pará e Amazonas e o governo central do Brazil, 1883, p.25. 43 PÁDUA, José Augusto. As bases teóricas da história ambiental. In: Estudos Avançados. Dossiê teorias socioambientais. Vol. 24, N 68, São Paulo, 2010, p. 13. 44

ARNOLD. D. The problem of nature. Oxford: Blackwell, 1996, p. 44.

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que podiam ser controlados pela urbe e pelo moderno imperialismo, incluindo os cheiros, odores e essências desta exuberante e dominada flora insular. Pela dominação da flora estuarina insular, alguns aromas foram sinteticamente produzidos em laboratórios e utilizados em larga escala na produção de cosméticos no mundo todo, como o Chanel n 5, criado em 1922. Na atualidade a bioindústria de perfumes e cosméticos busca as essências naturais de raízes e sementes na Amazônia e no estuário insular. Há a busca de sentidos e sentimentos relacionados a natureza pela cultura, em muitos aspectos, incluindo nas sensações olfativas e nos cheiros. Através dos cheiros mais próximos e vindos da natureza, neste caso da flora estuarina insular, ficamos intimamente ligados a vida, podemos senti-la pelos odores e aromas, e a sensação de ter reencontrado nossa genuína natureza não mais se perdeu pela cultura urbana ou industrial. Saber que um perfume, ou cosmético contem aromas naturais da flora do estuário insular da Amazônia, como as raízes e sementes, faz sentir-se vivo como a flora e mais perto da sensação até então perdida da natureza na cultura moderna. Além de tudo há toda uma relação do olfato, que nos da diretamente o cheiro das coisas, com a biologia do ser vivo e do ser humano e também com o planeta terra, o cosmo, uma vez que só sentimos os cheiros devido à gravidade que permite que as substâncias voláteis se espalhem no ar45. Sem esquecer que “a teoria estereoquímica de J. E. Amore, de 1949, mapeia as conexões existentes entre as formas geométricas das moléculas e as sensações de odores que produzem” 46. Então produzir, utilizar e sentir os cheiros das essências das raízes e sementes da flora estuarina insular nos bioprodutos nos devolve a nossa própria natureza de pertencimento ao planeta, nos devolve a sensação de sermos humanos naturalmente, ainda que esta também seja mais uma criação cultural no mundo moderno e na globalização contemporânea. A aproximação com os ‘cheiros naturais’ dos biocosméticos produzidos das essências das sementes e raízes da flora estuarina insular nos devolve a sensação de estarmos mergulhados ou envolvidos genuinamente na nossa plena natureza biológica, como se pudéssemos ter estado fora dela algum tempo47. Ao mesmo tempo não é qualquer natureza, pois não sentimos os problemas que a quantidade excessiva das essências poderiam nos trazer e também não é considerado tão natural quanto às sementes e raízes por si só, mas tratadas e cuidadas para serem consideradas convenientes e sentidas como natureza na cultura nos cheiros. Diferente, em certo sentido, dos perfumes de ervas e raízes das erveiras do Ver-o-Peso ou dos realizados manualmente pelos comuns das ilhas, que ainda que 45

ACKERMAN, Diane. Uma história natural dos sentidos. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1992.

46

ACKERMAN, Diane. Uma história natural dos sentidos. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1992, p. 35.

47

Sem esquecer que também estamos formando e sendo formados pela interação bio-sócio-cultural, conforme: MATURANA, H.R. A Árvore do Conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana, SP: Palas Athena, 2001.

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traga a natureza, muitas vezes é vista como excessiva, mesmo que “uma cultura não cheire melhor ou pior que outra, apenas diferente”48. A cultura na natureza ou a natureza na cultura na produção de biocosméticos na Amazônia guarda relação com as próprias concepções de cultura e natureza que acionamos na rede de relações na mundialização e na globalização contemporânea. 4- As empresas, as comunidades e os cosméticos amazônicos:

Entre muitos questionamentos, as fontes e a narrativa utilizadas na nossa pesquisa está eminentemente relacionada a questionamentos do presente sobre o passado, mas ainda assim, podemos lançar um olhar sobre o que aconteceu nesse outro tempo, bem como compreender que o contexto em uma pesquisa é mais que uma simples observação de um tempo fora dela, mas a construção desse contexto faz parte da própria pesquisa O tempo e o passado devem ser cuidadosamente preservados, pois conforme Ricouer (1988) o significado atribuído às ações do passado podem ser novos, mas guardam certa proximidade com o que foi vivido outrora. Daí a incessante busca de novos documentos, vestígios ou indícios do passado capazes de tornar ‘nosso’ um tempo que é ‘outro’. Quanto ao beneficiamento industrial, até o ano de 2000 a única empresa produtora era a Brasmazon. Ao adquirir as sementes e/ou o óleo bruto as empresas Beraca e Natura o beneficiam para retirar as impurezas (resíduos sólidos da extração) e fazer o controle de qualidade. Neste processo são monitoradas e avaliadas os parâmetros de viscosidade, índice de umidade, de acidez e etc. Após o refinamento e dentro dos padrões de qualidade os insumos passam a ter dois destinos: Até 2012 era encaminhado para a fábrica em São Paulo para exportação. A partir daí é transformado em produtos finais como sabonetes, óleos de banho. Esta demanda aumentou nos últimos 15 anos : ano 2000 10%, ano 2005-18%, ano 201023%, ano 2014: 30 % (Relatório financeiro Natura/ 2014). As Sementes e raízes são também vendidas aos atravessadores ou as empresas Beraca e Natura. Os atravessadores realizam a venda aos varejistas: farmácias, drogarias, lojas, erveiras das feiras, principalmente do Ver-o-Peso. Nas empresas há a produção de insumos e beneficiado, produtos acabados (sabonetes, óleos, etc) e exportação para indústrias farmacêuticas e cosméticas. O principal mercado consumidor é o europeu, especialmente o Alemão, que já adquiri o produto.

48

ACKERMAN, Diane. Uma história natural dos sentidos. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1992, p. 44.

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O mercado americano impõe exigências e restrições e barreiras fitossanitárias, laudos científicos, e isto aumentam o custo do produto, daí a tentativa de implantação da loja da natura neste País, em 2013, ainda não ter se efetivado totalmente. Houve a experiência da Extrativa-Extratos Vegetais Ativos Ltda., incubada pela PIEBT/UFPA em 1999, que em 2002 já produzia insumos utilizados na indústria cosmética (Relatório PIEBT/UFPA, 2004). A produção de extratos vegetais e insumos tinham foco no açaí, pau d’arco, pracaxi, entre outros. Além da reelaboração de conceitos de natureza e cultura, o viés da história ambiental é pensado pelas diversas escolas historiográficas, como a francesa, a inglesa e também a brasileira, mas com um diálogo entre a história e conceitos e temas debatidos nas disciplinas como geografia, antropologia e ecologia. As dimensões sócio-econômicas, simbólicas e culturais, e a própria natureza dos seres, da vegetação por exemplo, estão interagindo no cotidiano e interagiram no passado, sem determinismos e sem ligação direta, mas em contínuas e descontínuas maneiras, que foram pensadas na pesquisa, através das leituras de Williams49, Pádua50, Cronon51, David Arnold52, Crosby53, Grove54, McNeill55, Sorlim56, Corbin57, Schama58. As leituras possibilitam compreender natureza e sociedade em interação e que algumas dimensões aparecem mais que outras, como as econômicas nas relações entre os ilhéus e a empresas, mas que todas elas é que constroem as formas matérias e simbólicas de viver. Mais que respostas para compreender as relações que ilhéus estabelecem com as empresas para comercialização de sementes e raízes da flora das ilhas, e as alterações, mudanças, novidades e usos ‘esquecidos’ ou ‘lembrados’ pelos próprios ilhéus e pelas empresas neste processo, construído na longa duração, não está determinado por ela, mas aberto ao próprio jogo de tempo passado-presente.

49WILLIAMS, Raymond. Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011. 50

PÁDUA, José Augusto. As bases teóricas da história ambiental. In: Estudos Avançados. Dossiê teorias socioambientais. Vol. 24, N 68, São Paulo, 2010.

51 CRONON, W. In search of Nature. In: _______. (Org.) Uncommon ground: rethinking the

human place in Nature. New York: Norton, 1996.. 52

ARNOLD, D. The problem of Nature. Oxford: Blackwell, 1996..

53

CROSBY, A. The past and present of environmental history. American Historical Review, v.100, n.4, 1995.

54

GROVE, R. Green imperialism: colonial expansion, tropical Island Edens and the origins of environmentalism. Cambridge: Cambridge University Press, 1995..

55

MCNEILL, J. Observations on the Nature and culture of environmental history. History and Theory, Theme issue 42, p.5-43, Dec. 2003; MCNEILL, J. et al. (Org.) Environmental history: as if Nature existed. New Delhi: Oxford University Press, 2010 .

56 SORLIN, S.; WARDE, P. Natures's end: history and the environment. Houndmills: Palgrave

Macmillan, 2009.

57 CORBIN, A. L’homme Dan Le paisage. Paris: Les editions textual, 2001.. 58 SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. São Paulo, Companhia das Letras, 1996.

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Tomar banho de cheiro com as plantas aromáticas vendidas no Ver o Peso e também usadas nas ilhas estuarinas próximas de Belém, faz parte dos costumes dos comuns no Pará, especialmente na época de festas juninas e no final de ano. No estuário, ‘o patchouli’, raiz que compõe os cheiros do Pará, devido a sua dinâmica ecológica, botânica, como em alguns lugares da Índia e também como na ilha do Combu e em Acará, o teor de biciclovetivenol e de kusimol contribuem para o odor característico da raíz59. As raízes são utilizadas após secagem, como aromatizador60. Também em infusão com outras ervas, sementes e raízes para perfumes e para compor o ‘cheiro cheiroso do Pará’61. Encontra-se na ilha do Combu, Cotijuba, que fazem parte do estudo, e também nas ilhas de Mosqueiro, Outeiro, entre outras. Na década de 1980, foram registradas 352 espécies aromáticas, distribuídas em 63 famílias botânicas, que ocorrem na forma silvestre ou que são cultivadas na Amazônia, incluindo as nativas, exóticas ou aclimatadas62. Mas foi somente aproximadamente duas décadas depois, em 2009, que estudos químicos caracterizaram a composição química de óleos de 339 espécies aromáticas que ocorrem na Amazônia63. A priprioca (Cyperus articulates L. var nodusus), a priprioquinha (Cyperus rotundus L.) e o pripriocão (Cyperus prolixus Kunth) são espécies da família Cyperacea, cujas raízes são constituídas por tubérculos endurecidos, arrendondados ou elipsóides, perfumados, e que depois de secos tornam-se amadeirados. Dentre as três espécies, a priprioca é a mais comercializada, por apresentar odor e amadeiramento mais acentuado e a prepoderante em espaços estuarinos insulares, como nas proximidades de Belém64, sendo utilizada nos banhos, saches e perfumes. É comercializada em maços ou acondicionada em paneiros. O fornecimento dessa espécie é efetuado tanto para o complexo do Ver-o peso como para a indústria de perfumes e cosméticos e para fabricantes de perfurmes artesanais.

59

LIMA, G.M. et.al. Phytochemical screening, antinociceptive and anti-inflammatory activities of Chrysopogon zizanoides essential oil. Rev. Bras. Farmacogn, v 22, p.443-450, 2012.

60

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61

OLIVEIRA, J. et. al. Espécies vegetais produtoras de fibras utilizadas por comunidades amazônicas. Bol. Mus. Paraense Emílio Goeldi, Série Botânica, v. 7, n 2, p. 393-428, 1991.

62

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63

MAIA, J. G. S.; ANDRADE, E. H. A. Database of the Amazon aromatic plants and their essential oils. Quím. Nova, v. 32, 2009, p. 595-622.

64

SILVA, et. al. Brotação de tubérculos de priprioca (cyperus articulatus L. var nodosus) em diferentes substratos.

In: POTIGUARA, R. C. V.; ZOGHBI, M. G. B. (org.). Priprioca: um recurso aromático no Pará. Belém: MPEG/UEPA, 2008. P. 13-24.

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Os cultivos da priprioca são feitos em quintais, vasos e paneiros. Também é cultivada na ‘coivara’, que é um espaço na lateral da roça, onde é depositado o material resultante da limpeza do roçado, ou seja, os restos da vegetação que não foram totalmente consumidos pelo fogo, e que posteriormente volta a ser queimada. A matéria orgânica resultante desse processo (cinza) é considerada excelente adubo. Quanto ao patchouli, o mesmo é cultivado em leiras ou ‘reboleiras’ (amontoado de terra afofado) para facilitar a retirada da planta para coleta das raízes. Na ilha de cotijuba a priprioca é cultivada em leiras de 50mx1,20m com adubação orgânica (cama de aviário), constituída por palha de arroz e fezes de galinha Desde a coleta das sementes e raízes até a produção dos biocosméticos há tempos sociais múltiplos atuando nesse processo, mesmo que na coleta haja a predominância de um tempo embutido do passado no presente em função do aprendizado que as comunidades das ilhas tiveram para lidar com a natureza e a flora das ilhas, neste caso as sementes e raízes. Há também um tempo que se atualiza no tipo de sementes e raízes que são coletadas e reorganizadas especificamente para as empresas, como a Natura e a Beraca. Nessas empresas, há o tempo que é mercantil que é relacionado a própria especificidade do tipo de produto que é interessante para a sociedade como um todo e para o mercado consumidor dos bioprodutos e biocosméticos. Inspirados em Thompson (2008) podemos observar que há múltiplos tempos no próprio processo de produção dos biocosméticos, como tempo passado-presente que se cruzam na utilização da natureza/ambiente das ilhas estuarinas amazônicas. Ao questionarmos na pesquisa a fundamentação de tempo e trabalho presente nas práticas e representações que ilhéus e empresas constroem historicamente em relação a natureza e a flora das ilhas próximas de Belém, podemos questionar sobre a própria representação que a narrativa ocupa na pesquisa histórica contemporânea. A reprodução de novas ações cotidianas em virtude de sua articulação com o mercado externo, não deve servir para justificar a hipótese da adoção de uma nova forma de relacionar-se com o tempo em detrimento da forma pré-existente, uma vez que: é improvável que esse impressionismo grosseiro faça avançar a presente investigação: até que ponto, e de que maneira, essa mudança no senso do tempo afetou a disciplina de trabalho, e até que ponto influenciou a percepção interna de tempo dos trabalhadores? Se a transição para a sociedade industrial madura acarretou uma restruturação rigorosa dos hábitos de trabalho- novas disciplinas, novos estímulos, e uma nova natureza humana em que esses estímulos atuassem efetivamente-, até que ponto 65 tudo isso se relaciona com mudanças na notação interna do tempo?.

65

THOMPSON, E. P., Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial. In: “Costumes em Comum: estudos sobre cultura popular tradicional”. Fontes - São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 268-269.

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A disciplina no trabalho não se configurou enquanto um elemento novo nos períodos de transformações inglês. Ela já existia. O que modificou foi a sua importância e, principalmente, os tipos de disciplinas que passaram a ser engendradas a partir de então, assim como os novos valores. Foram esses aspectos que foram pensados na pesquisa. Incorporamos na narrativa os elementos residuais do passado que ficaram presentes nestas ‘novas’ relações, para não cair no reducionismo econômico que transforma “esta criatura social infinitamente complexa em uma outra que ‘golpeia espasmodicamente suas mãos no estomago e responde a estímulos econômicos elementares” 66. Elaboramos a narrativa ambiental para entendimento das construções das interações sócio-econômicas e ecológicas entre ilhéus e empresas, no detalhe de usos e significações de sementes e raízes da flora estuarina diante das mudanças na atualidade pois “a natureza e a cultura mudam o tempo todo, mas a velocidade e a escala dessas mudanças podem variar enormemente” 67. Dialogamos com diversos autores de diferentes áreas de estudos. Drummond (1991) informa que a história ambiental é uma área de estudo singular que “quase sempre tem parentesco com a história regional, (...) o seu diálogo sistemático com quase todas as ciências, (...) grande variedades de fontes, usam também memórias, (...) e o trabalho de campo”68. A perspectiva da história ambiental permitiu perceber que as relações de trabalho se fazem entre os interesses dos envolvidos, neste caso empresas e ilhéus, e também nos interesses sobre a flora, sementes e raízes típicas da várzea do estuário insular, como uma valorização da floresta e sua conservação no discurso da sustentabilidade global na atualidade. Também observamos as relações entre órgãos governamentais, institutos de pesquisas e as empresas, para realização de investimentos, estudos e conhecimento sobre as espécies vegetais e as sementes e raízes amazônicas. No final do XX e início do XXI o desenvolvimento de pesquisas sobre os produtos naturais e sua composição vem avançando também na Amazônia. Estudos específicos da área da Farmácia e da Biologia69 demonstram que as essências podem ser mais bem aproveitadas dependendo do tipo de sementes e 66

Thompson (1987) utiliza a expressão ‘economia moral’, ao estudar os motins de subsistência na Inglaterra do século XVIII, tratando das imbricações das transformações na economia tradicional inglesa com a mecanização dos mercados e dos costumes. O autor, sem desconsiderar a importância da reprodução nas relações econômicas, tece as considerações nas relações cotidianas dos ‘comuns’. Ciente do delicado tecido das normas sociais e das reciprocidades que regulam a vida cotidiana no século XVIII, o autor rejeita o reducionismo econômico. In: THOMPSON, E.P. A Formação da Classe operária inglesa, 3 vols. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 18.

67

CRONON, Op. Cit., p. 12. Cronon (1990) chama a atenção aos historiadores para não realizarem uma história que tenha a percepção da utilização e simbologia da natureza como fundamento, considerando esta de maneira ahistórica, uma vez que este risco está presente em função de que a construção do termo na modernidade opõe a natureza à cultura; assim algumas análises caem nos dualismos e binarismos da natureza como estável, equilibrada, que com a modernidade passa a ser seu contraste, absorvendo desequilíbrio, instabilidade. Deve-se perceber a mútua interdependência entre esses dualismos, e não só perceber a exclusão de um em relação ao outro 68 DRUMMOND. José Augusto. Op. Cit., p. 12. 69

ALMEIDA, Samuel Soares. As pripriocas: seus aromas e suas estruturas. In: Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Ciências Humanas, Vol. 5, n. 1. Belém, jan-abril, 2010. POTIGUARA, R. C. V. e ZOGHBI, M. G. B.

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raízes e de como estas são tratadas, coletadas, armazenadas e cuidadas. A composição química deve ser considerada para tal feito. Estes estudos deram possibilidade de compreender como alguns aspectos das comunidades e empresas são considerados ou não importantes pela ‘ciência’. Revimos as contradições e complementaridades entre como as empresas querem e preferem as sementes e raízes desde o tipo de coleta até o armazenamento e como as comunidades realizam as coletas, havendo trocas de conhecimentos, aprendizados e reorganizações entre elas. O diálogo com as ciências Geológicas foi feito através das ciências Geográficas70 e nos permitiu entender que os ambientes, espaços e ecossistemas não são simples telas de fundos inertes ou neutros, mas incluem materialidades, ações e significações em redes mistas que se conectam do local ao global. Os ambientes foram formados na interação dos seres ao longo do tempo. Assim, se os ecossistemas nos cosmos e no planeta são formados pelas forças interativas entre os seres que o fazem, incluindo o Homem, os cosméticos sob forma de bioprodutos, elaborados pelas essências da flora da várzea estuarina insular da cidade também se fazem nestas forças. Dialogamos com a antropologia71, sobre os significados e simbologias que as comunidades dão para esses espaços que influenciam na coleta das sementes e raízes e nas atividades realizadas. Priprioca: um recurso aromático do Pará. Belem: MPEG, UEPA, 2008. GARCIA, L. C.; SOUZA, S. G. A.; LIMA, R. B. M. Seleção de matrizes, coleta e manejo de sementes florestais nativas da Amazônia. In: Documentos, n. 89, EMBRAPA, Manaus, 2011. SOUZA, G. H. B. et. al. Revisões em processos e técnicas avançadas de isolamento e determinação estrutural de ativos de plantas medicinais. Ouro Preto: UFOP, 2012. SOUZA, G. H. B. et. al. Farmacognosia: coletânea científica. Ouro Preto: UFOP, 2012. ABAD, A; FELICIANO, S.; LOPES-PEREZ, O. E. D. Determinação estrutural de substâncias naturais: Aspectos práticos. In: YUNES, R.A. e CECHINEL FILHO, V. Química de produtos naturais, novos fármacos e a moderna farmacognosia,. 2ª Edição, Editora UNIVALI, Itajaí, 2009. p.122-159. SHANLEY, Patrícia. Frutíferas e plantas úteis na vida amazônica. Belém: CIFOR, IMAZON, 2005. PESCE, C. Oleaginosas da Amazônia. 2 ed. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi. Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2009. Entre outros. Para informações consultar a Rede Ibero-Americana de Estudo e Aproveitamento Sustentável da Biodiversidade Regional de Interesse Farmacêutico-RIBIOFAR/CNPQ. In: http://revistafitos.far.fiocruz.br/index.php/revistafitos/article/view/159. 70

SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo. São Paulo: Edusp, 2008. SANTOS, Milton. Da totalidade ao lugar. São Paulo: Edusp, 2005. BECKER, B. K. Amazônia: geopolítica na virada do terceiro milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2009. BECKER, B.; ALVES, D.; COSTA, W. M. (Orgs.). Dimensões humanas da biosfera-atmosfera na Amazônia. São Paulo: EDUSP, 2007. COSTA, W. M.. Arranjos Comunitários, Sistemas Produtivos e Aportes de Ciência e Tecnologia no Uso da Terra e de Recursos Florestais na Amazônia. In: Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 5, 2010, p. 41-57. BECKER, B. K. ; COSTA, W. M.; COSTA, F. A. Um projeto para a Amazônia no século 21: desafios e contribuições. 1. ed. Brasília: CGEE, 2009. Importantes diálogos entre história e geografia vêm desde os Annales, com Marc Bloch e Lucien Febvre, que foram considerados na pesquisa, entre os quais: BLOCH, Marc. A Terra e seus Homens: Agricultura e Vida Rural nos Séculos XVII e XVIII. Bauru, SP, EDUSC, 2001. FEBVRE, Lúcien. A Terra e a Evolução Humana: Introdução geográfica à história. Lisboa: Ed. Cosmos, 1991. Braudel, F. O Espaço e a História no Mediterrâneo. São Paulo: Edusp, 1988.

71

GODELIER, M. L’idéel et le material. Paris: Fayard, 1976. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro, Zahar, 1978. DESCOLA, Philippe. Par-delà nature et culture. Paris: Gallimard, 2005. LEVISTRAUSS, C. O meio ambiente e suas representações: Estruturalismo e Ecologia. In: LEVI-STRAUSS, C. O olhar distanciado. Lisboa: Edições 70, 1983. BATISTELLA, M.; MORAN, E. F.; ALVES, D. S.. Amazônia: Natureza e Sociedade em transformação. EDUSP, São Paulo, 2008. MORAN, E. F.; OSTROM, E. Ecossistemas florestais: interação homem-ambiente. São Paulo: Ed. Senac: Edusp, 2009. Entre outros.

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O valor no mercado desses produtos tem implicações na organização das comunidades e se dão também em função dessas organizações, mas são majoritariamente estabelecidos em função da detenção de biotecnologia por parte das empresas, mas há outros valores relacionados ao ambiente em questão. Questionamos na narrativa o tipo de valor atribuído a natureza na economia72 e no comércio dos bioprodutos, posto que o ambiente é fundamental para as vivências dos ilhéus. Para as comunidades o principal valor é relacionado às suas vidas e a manutenção dos ecossistemas e espaços em que vivem. Manifestam associativamente que pretendem viver e manter seus espaços, mesmo com os contratos com as empresas. Chegarão a ver o que querem e sonham? Consequências das histórias que constroem e construímos no mundo global.

72

JURAS, I. A. G. M. Uso de Instrumentos Econômicos para a gestão ambiental: países da OCDE e América Latina. 2009. Disponível on line In: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1025/instrumentos_economicos_juras.pdf. MAY, Peter H., AMARAL, Carlos., MILLIKAN, Brent., ASCHER, Petra. Instrumentos econômicos para o desenvolvimento sustentável na Amazônia brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2005. RIVA, Ana Luisa M., FONSECA, Luis Fernando L. E HASENCLEVER, Leonardo. Instrumentos Econômicos e Financeiros para a Conservação Ambiental no Brasil. Uma análise do estado da arte no Brasil... Desafios e perspectivas. Brasília: ISA, 2007. Entre outros.

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(AC) Percepção socioambiental acerca dos resíduos sólidos dos moradores do entorno de um canal de drenagem no nordeste do Brasil: sociedade e sustentabilidade Múcio Fernandes1, Renata Gouveia2, Andrea Silva2, Midiã Rodrigues2, Marcos Meira2 1

Universidade de Pernambuco, Brasil, [email protected],

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Universidade de Pernambuco, Brasil, [email protected]; [email protected]; mí[email protected]; [email protected] Resumo Com o advento da industrialização, ao longo dos últimos cinquenta anos e através da ocupação irregular dos solos nos grandes centros urbanos, os problemas ambientais ganharam destaque. A poluição observada nos canais de drenagem que cortam as cidades ocorre principalmente pela formação de consumidores em massa, o que resulta em altos teores de resíduos sólidos que são lançados nestes locais. Objetivou-se assim conhecer as responsabilidades de cada indivíduo acerca dos resíduos sólidos; a opinião sobre medidas de enfrentamento desta problemática no chamado Canal do Arruda, localizado na cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco (Brasil) e subsidiar dados para programas futuros de responsabilidade socioambiental na área e de implementação da Política Municipal de Resíduos Sólidos na cidade. Foram aplicados questionários em duas partes da comunidade que é residente do entorno do Canal do Arruda, dividindo-os em duas áreas. Foi observado que em ambas as áreas de estudo a maioria dos entrevistados não fazem separação dos resíduos em suas residências (área I- 87,5%; área II- 77,75%). Assim, foram indagados sobre o motivo que os leva a não praticar este ato. Percebe-se que nas duas áreas é uma questão meramente cultural (área I- 36,06%; área II- 34,28%). Os moradores sugeriram as seguintes ações para a diminuição da quantidade de resíduos dispostos no canal: ações educativas na comunidade (área I- 34,14%; área II- 47,16%); mais postos de coleta margeando o canal (área I- 26,83%; área II- 16,98%); gradear e fechar o canal (área I- 12,19%; área II- 11,33%); mais fiscalização por parte da Prefeitura (área I- 17,08%) e multa para quem for pego praticando este ato (área I- 2,44%; área II- 11,33%); coleta mais eficiente (área II- 9,43%) e manutenção do canal (área I- 7,32%; área II- 3,77%). Portanto, pode-se concluir que os entrevistados estão conscientes dos problemas que o descarte inadequado dos resíduos sólidos podem ocasionar em sua comunidade, no entanto, não identificam isto como um problema coletivo transferindo as responsabilidades individuais e/ou coletivas para o poder público. Palavras-chave: Educação ambiental, Resíduos sólidos, Sustentabilidade 1. Introdução O processo de urbanização acelera-se a partir da Revolução Industrial, onde o modo de produção capitalista se sobressai e o homem intensifica o uso dos recursos naturais no seu estilo de vida, ocasionado impactos em todas as esferas, como a poluição do solo, da água, do ar, extinção de espécies, aquecimento global. O desequilíbrio deixa de ser pontual e passa a ter uma escala global (Castro et al., 2007). Ribeiro et al. (2008) trazem os problemas que este crescimento ocasionou: poluição sonora, poluição ambiental, difícil acesso a serviços de saúde, contaminação dos mananciais, saneamento e esgoto precários, aumento da população em áreas periféricas.

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Diversos veículos hídricos estão sofrendo deterioração no Brasil, pois muitas cidades ainda não possuem um sistema de coleta e tratamento de esgotos eficaz, o que faz com que sejam depositados “in natura” em corpos hídricos. Assim, a poluição das águas torna-se um fator agravante com o crescimento desordenado das cidades, prejudicando a qualidade da mesma e alterando a relação de uso-benefício (Maciel, 2003). Segundo Alencar Filho e Abreu (2006) a ineficácia no tratamento dos esgotos gera uma importante fonte de poluição nos recursos hídricos, causando prejuízo em diversos segmentos e áreas, como a atividade pesqueira, irrigação, lazer, o abastecimento de água, trazendo ainda os problemas de saúde devido a essa precariedade. Complementando, Souza e Silva Junior (2008), informam que a contaminação por esgotos domésticos é a forma mais grave, pois esta água foi utilizada para fins higiênicos e possuem material fecal, assim, se forem lançadas em solos vizinhos ou nos sistemas de canalização chegarão aos cursos de água mais próximos. Com o surgimento das cidades modificando toda a paisagem, faz-se necessário um planejamento adequado, eficiente, que traga benefícios à comunidade local e que esteja em equilíbrio com os aspectos sociais, econômicos e ambientais. Surge um novo modelo de desenvolvimento que leva em consideração a melhoria da qualidade de vida das pessoas, a preservação dos recursos do planeta, tentando conciliar a proteção ambiental, a equidade social e a eficiência econômica (Castro et al., 2007). O interesse em planejamento das cidades urbanas atuais, leva em consideração a qualidade de vida da população, pois um está ligado diretamente ao outro. As cidades impactam diretamente a disponibilidade dos recursos naturais da região, podendo apresentar alterações significativas e às vezes irreversíveis nos mesmos. De acordo com Buarque (1999), o planejamento é um instrumento utilizado para a tomada de decisões e a organização de ações que assegurem os melhores resultados e traga a realização dos objetivos propostos em menores prazos e custos. Segundo Silva (2008), o processo de construção, de um desenvolvimento local não pode ficar despercebido pelas pessoas, pois sem elas não há a sustentabilidade. Como elas vivem realidades distintas em diversos aspectos (social, cultural, econômica, espacial e ambiental) é necessário que os indicadores, ou resultados se assemelhem ou que sejam parecidos com os de outros locais. Sob o ponto de vista de Bilar e Ribeiro (2012), os insucessos das políticas ambientais ocorrem por alguns elementos: falta de apoio político, de informação, recursos escassos e políticas ambientais falhas. Assim, a procura por alternativas sustentáveis que tragam mais qualidade de vida para a população alicerçando um adequado planejamento urbano se faz necessário (Barbosa, 2008). Acreditando que todos os elementos que compõem a paisagem estão interligados, as ações antrópicas sobre o meio ambiente causa reflexo em todo o sistema, podendo ser controláveis ou não (Ugeda Junior e Amorim, 2009). Na ótica de Barbosa (2008), é fundamental para a sustentabilidade urbana o uso racional dos recursos naturais, o ambiente urbano precisa relacionar-se com o clima e todos os recursos, assim como também deverá ocorrer o mínimo de transferência de dejetos e rejeitos para outros tipos de ecossistemas atuais e futuros.

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Para Silva (2014), o consumo de forma consciente se dá a partir de uma prática que busca uma conformidade entre o ideal da sustentabilidade e a satisfação pessoal. Os canais de drenagem possuem um papel considerável no desenvolvimento de uma cidade. Segundo Faria e Quinto Junior (2008) os canais urbanos são responsáveis por duas atribuições relevantes e que não se separam: a de embelezar e sanear a cidade. Assim, observa-se que há também dois tipos de ocupação urbana, tornando o curso de água como eixo estruturador das vias públicas e da vida urbana. No sistema de drenagem, os canais são o ponto fundamental, pois conduzem as águas advindas da pluviosidade até o curso de rios e de bacias hidrográficas, impossibilitando que haja acúmulo de água nas cidades e evitando consequências danosas (Silva e Albuquerque, 2013). Para que o sistema de drenagem natural se mantenha eficiente com a crescente urbanização, é necessário sob a ótica de Arruda (2005), buscar efetividade neste sistema, que agora encontra-se impermeabilizado no solo dos centros urbanos. Os processos ocasionados pelo forte desenvolvimento urbano causam inúmeros impactos indesejáveis sobre a sociedade. Com isso, ocorre um aumento no número de enchentes por não apenas ter a sua vazão aumentada, mas sim, pela diminuição da capacidade de escoamento que o assoreamento dos condutos e canais ocasiona (Tucci e Collishonn, 2000). Entretanto, muitas vezes os canais são utilizados para o escoamento de produtos poluentes, que são despejados de qualquer forma e sem receber um tratamento adequado que diminua os impactos gerados pela contaminação de agentes biológicos e químicos causadores de doenças (Silva e Albuquerque, 2013). O acúmulo de resíduos nas margens de canais e rios, também causam problemas para o escoamento das águas pluviais. Vários municípios brasileiros ainda possuem carência para realizar a limpeza e conservação dos cursos de água, assim como a falta de saneamento básico vetor de inúmeras doenças (Ungaretti, 2010). Estes resíduos possuem espécies químicas que ao serem carreados pelas chuvas podem entrar em contato com as águas superficiais e as subterrâneas através de infiltrações, comprometendo toda biota aquática, podendo ocasionar intoxicações nas pessoas (Sissino, 2002). O mesmo autor afirma que até as pessoas que residem longe das áreas em que o resíduo foi depositado podem estar correndo risco, pois o lençol freático como um todo pode estar contaminado. Além do risco que as populações podem enfrentar, também deve ser levado em consideração o alto custo para utilização de tecnologias modernas e tempo que são dispensados para a descontaminação de um aquífero. Os resíduos sólidos urbanos, popularmente chamados de lixo, são hoje um fator que demanda uma atenção especial, principalmente em lugares de elevada urbanização. Ainda não são totalmente conhecidas todas as consequências da disposição inadequada desses resíduos, mas sabe-se que a deficiência de um tratamento acarreta problemas relacionados à saúde e na qualidade ambiental. (Rego et al., 2002). A Política Nacional de Resíduos sólidosPNRS, publicada através da Lei Federal n° 12.305 de agosto de 2010, informa que os geradores são pessoas de ordem física ou jurídica, que possuam direito privado ou público, que gerem resíduos sólidos através de suas atividades, com o consumo incluído nelas (Brasil, 2010). Os canais do Recife recebem apenas tratamento relativo à drenagem da cidade. São estruturas de concreto que formam um subsistema para complementar o sistema de

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drenagem urbana, assim como o sub-sistema de galerias que juntos fazem parte do sistema de saneamento básico (Arruda, 2005). Segundo Pômpeo (2000), a drenagem urbana se torna um componente fundamental na problemática ambiental urbana, fazendo com que seu tratamento considere as relações sistêmicas e as considere nas escalas de intervenção. Para Arruda (2005), a drenagem pode receber influências de outros sistemas, como o de abastecimento de água que necessita de obras de barragem que previnem o transbordamento dos leitos de rios e canais; o de esgotamento sanitário, onde os dejetos se misturam à drenagem; e, ao sistema de limpeza urbana, também com despejos de dejetos que podem vir a degradar toda a flora e fauna existente. Contudo, é inserido neste contexto que o crescimento urbano ocorrido de forma desordenada tem sido marcado como o responsável pelas questões ambientais, pois possui uma estreita afinidade com a geração dos resíduos sólidos e este, por sua vez, pela degeneração do meio ambiente e de uma sadia qualidade de vida (Santos, 2008). O hábito da sociedade com relação aos resíduos sólidos destaca Sisinno (2002), sempre foi o da indiferença. Tirando-os do campo da visão, qual seria o seu destino nunca foi preocupação. Se essa posição não for modificada danos ocorrem, pois se uma área for contaminada, por longos anos ficará inviabilizada e ainda exportarão contaminantes para diversos locais, causando prejuízos as populações de outras áreas. Ao se tomar conhecimento da realidade vivenciada, torna-se fundamental a procura por um resgate da identidade cultural de cada região, de cada povo. Entender os processos que os levam a agir de forma tão inconsistente com a natureza ao seu redor, pois este ser é agente direto de construções e de transformações no seu meio. Estas atitudes não comprometem apenas o seu futuro, mas também o das gerações seguintes, acarretando uma hostilidade na relação do homem com o meio. Esta pesquisa é fruto de uma dissertação desenvolvida no âmbito da linha de pesquisa em Meio Ambiente e Políticas Publicas do Programa de Mestrado em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável (GDLS) da Universidade de Pernambuco. Justifica-se a pesquisa pela necessidade de se encontrar padrões de formas de vida nas comunidades para se alcançar a sustentabilidade das atividades humanas. Objetivou-se assim conhecer as responsabilidades de cada indivíduo acerca dos resíduos sólidos; a opinião sobre medidas de enfrentamento desta problemática no chamado Canal do Arruda, localizado na cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco (Brasil) e subsidiar dados para programas futuros de responsabilidade socioambiental na área e de implementação da Política Municipal de Resíduos Sólidos na cidade. 2. Métodos A abordagem da pesquisa teve natureza quali-quantitativa. De acordo com Ensslin e Viana (2008), essas duas metodologias não são opostas nem contraditórias, elas se complementam ao levarem em consideração a relação dinâmica entre o mundo real, os sujeitos e a pesquisa.

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Relativo aos resíduos, Oliveira (2006) afirma ser necessário ponderar que a percepção do resíduo urbano não está ligada a todos os órgãos sensoriais, esta percepção se dá na esfera do visual e do olfato. Em diversas ocasiões não é possível ver os resíduos, porém seu mau cheiro pode ser sentido a certas distâncias. Para embasamento do estudo foi realizada uma fundamentação teórica de todos os temas relevantes através do estudo bibliográfico para a busca dos resultados. Assim, o pesquisador pôde ter propriedade dos assuntos que são objetos de estudo teóricos e empíricos. Segundo Marconi e Lakatos (2007) esta etapa possui a função de compilar informações prévias sobre o campo de interesse para o estudo. Também foi utilizada como ferramenta para obtenção dos resultados a pesquisa de campo. Ela tem a função de encontrar informações acerca de um determinado problema, para o qual se procura uma resposta, como também ajuda na descoberta de novos fenômenos e na comprovação de uma nova hipótese (Marconi e Lakatos, 2007). Para Palma (2005), usar este tipo de pesquisa em educação ambiental é um forte instrumento na defesa do meio natural, pois ela tende a aproximar o homem da sua verdadeira casa, a natureza, alertando-o para o respeito com este bem, trazendo assim qualidade de vida pra atual e as futuras gerações. Como técnica de pesquisa, utilizou-se a observação, de forma não estruturada ou assistemática. Ela ocorre quando o pesquisador registra os fatos da realidade sem técnicas específicas, não possuindo um planejamento prévio. Seu êxito dependerá do fato do observador estar atento a tudo no seu ambiente de pesquisa (Marconi e Lakatos, 2007). Tal técnica ajuda ao pesquisador a ter respostas sobre seu objeto de estudo, sem perguntas aos indivíduos, o contato é direto com a realidade. Foram utilizadas para isso anotações em diários de campo e registros fotográficos. Para delineamento da pesquisa, foram realizadas entrevistas com questionários estruturados, sendo suas perguntas mistas. Para Diniz et al. (2011), esta tem sido uma técnica muito eficiente para obtenção das informações quantitativas, assim é feita uma análise indutiva dos dados encontrados com o questionário. A aplicação de questionários estruturados sob o ponto de vista de Carvalho (2009) exige do pesquisador um conhecimento prévio do tema que será abordado, para que as perguntas sejam direcionadas e possam trazer as respostas necessárias. Assim, foi elaborado um questionário com base em trabalhos que também tinham como foco a percepção ambiental de moradores em áreas onde o resíduo sólido se acumula e trás consequências para as comunidades. O estudo foi realizado no Bairro do Arruda, localizado na zona norte da Cidade do Recife, capital do estado de Pernambuco, Brasil (Figura 1). Sob a ótica de Arruda (2005),quando se trata dos canais que cortam o Recife, observa-se que sua malha hidrográfica é muito representativa, porém não se atenta que as pessoas que dela usufruem, sejam moradores ou visitantes, sabem da sua importância ecológica, estruturadora e o valor como paisagem cultural. Este canal é o principal corpo d’água que atua na drenagem de quase toda parte norte da cidade do Recife, assim ele foi ganhando várias denominações de acordo com os bairros em que ele atravessa. Portanto ele pode ser conhecido como canal Vasco da Gama/Arruda,

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canal do Arruda, canal do Banorte, canal de Campo Grande. Suas características físicas abrangem uma extensão de 7.350m, a seção de calha tem predominância trapezoidal e a largura varia de 1,20m a 30,0m (Arruda, 2005). Para delimitar os sujeitos da pesquisa foi feito um recorte do bairro do Arruda, na intenção de aplicar os questionários com pessoas que moram nas suas margens, sofrendo assim influência direta do canal e pessoas que residem em ruas paralelas, sofrendo influência indireta do mesmo. O recorte feito abrangeu parte da Av. Professor Jerônimo Queirós, Rua das moças, Rua Pedro Rodrigues de Barros e a Av. Professor José dos Anjos. Para escolha da população foi utilizada a técnica de amostragem intencional, Gil (1999) caracteriza como sendo não probabilística e baseia-se na seleção de um subgrupo da população, que possa ser considerado representativo de acordo com informações acessíveis. Neste trecho há uma média de 800 famílias residentes, sendo assim considerou para efeito de amostragem, 10% desta população, ou seja, 80 famílias. Dessa forma, os sujeitos da pesquisa foram divididos em dois grupos: a área I, contou com 40 pessoas e estas foram as residentes à margem do canal do Arruda; a área II, também foi composta por 40 pessoas e estas residem em ruas paralelas ao canal. Foi entrevistado apenas um representante por família, através da abordagem presencial do pesquisador, ao qual informou os objetivos da pesquisa. Assim, pôde ser feita uma análise da percepção destes moradores e uma comparação sobre a informação que eles obtêm sobre a presença de resíduos sólidos no canal do Arruda. Foi incluído na pesquisa qualquer morador efetivo das com unidades selecionadas que possuíam idade igual ou maior que 18 anos e que estiveram em concordância de responder as perguntas que lhes foram solicitadas.

Figura 1. Área de realização da pesquisa, Canal do Arruda, Recife, Pernambuco, Brasil.

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3. Resultados e Discussão Os residentes das duas áreas de estudo foram questionados sobre a separação de materiais recicláveis em suas residências. Notou-se que em ambas as áreas, as pessoas em sua maioria não o fazem, apenas 22,5% (9 pessoas) da área II e 12,5% (5 pessoas) da área I afirmaram ter começado com a coleta seletiva. Na área II quando relacionada à área I possui um número maior de sujeitos que já começaram a fazer esta separação em suas casas. Na pesquisa realizada por Lira (2012), o número de pessoas que fazem esta separação domiciliar já é mais expressivo, 60,1% dos participantes. Dentre os que já possuem este hábito, os moradores da área I fazem a separação com o intuito de venda desses materiais, e assim obtém mais uma fonte de renda, apenas um morador desta área afirmou que faz a separação por que a Prefeitura conversou com os residentes da região falando da importância da reciclagem e distribuíram panfletos informativos sobre os Ecopontos que foram instalados pelo canal. Já para os moradores da área II, os motivos que os levam a fazer essa separação são outros, como: “Por que eu reutilizo os materiais para fabricação de artesanato”; “Por que é o certo”; “Por que faço doação para uma pessoa que trabalha com eles”; “Por que sei da importância da reciclagem”; “Por que ajuda a natureza, pois assim evita de tirar tanta matéria-prima para nova fabricação”. Pode-se observar que mesmo as áreas sendo vizinhas, o motivo que os leva a praticar a separação do lixo domiciliar é diferenciado. Para uns pode servir como fonte de renda e para outros a importância ecológica é o fator mais relevante. De acordo com Deboni e Pinheiro (2010), uma pesquisa realizada na zona rural de Cruz Alta/ Rio Grande do Sul, mostrou que 70% dos entrevistados fazem a separação dos resíduos como forma de aproveitamento dos compostos orgânicos. Mesmo sem consciência da importância deste ato, eles o fazem para que os resíduos orgânicos sirvam de alimentos para os animais e na fabricação de adubo, e assim diminuem muito a quantidade de lixo que iria para o ambiente sem qualquer utilidade. No trabalho realizado por Sizenando et al. (2011), 84% das pessoas entrevistadas não fazem a separação deste material em suas residências, alegando que não possuem tempo para separá-lo, e também por acharem que este ato não faz alguma diferença ou que não se faz necessário. Uma outra pergunta do questionário foi: qual o motivo que os leva a não fazer a separação dos resíduos em suas residências? Percebe-se que nas duas áreas a falta de costume com a separação do resíduo é um fator relevante (área I-36,06% - 14 pessoas; área II-34,28 - 13 pessoas). No tocante a área I, 12 moradores afirmam que não possuem interesse em praticar a segregação dos materiais em suas residências (31,15%), pois não acreditam que isto seja necessário. Já para a área II o fator mais relevante para este descompromisso com a segregação dos resíduos foi a falta de uma coleta específica (40% - 16 pessoas). Estes moradores afirmam que “não adianta fazer a separação se na hora que o caminhão de lixo passa para arrecadar o material ele é misturado completamente em sua caçamba”. Nas ruas das residências dos entrevistados não passa uma coleta específica para os materiais recicláveis e muitos deles não sabem para onde poderiam levar estes materiais para que houvesse uma correta destinação.

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Para Mucelin e Bellini (2008), os hábitos que os atores possuem quanto ao tratamento destinado aos resíduos em suas residências se dão pela percepção de como eles observam os serviços de coleta da cidade, o que faz com que estimule uma atitude de despreocupação com a segregação. Segundo Oliveira (2007) moradores de área de difícil acesso e que possuem um pequeno espaço para acumular seus resíduos em casa, muitas vezes preferem depositá-los em lugares públicos ao invés de esperarem a coleta adequada, outros ainda acham mais fácil jogar em uma barreira ou em um canal e assim se livrar do resíduo produzido, pois acreditam que desta forma se livram do problema. Isto é bastante corriqueiro no Canal do Arruda. Este corpo hídrico foi construído com a função de drenagem das águas da cidade do Recife, mas o que se observa nele é o forte acúmulo de resíduos sólidos e de despejos de esgotos lançados in natura. Em épocas de chuva, os resíduos transbordam junto com o canal atingindo as residências dos moradores do seu entorno. Os resultados encontrados por Lira (2012) expressaram como motivo para não fazer essa separação em suas residências, a falta de hábito, outro argumento utilizado pelos mesmos foi o de que esperava que o catador fizesse essa separação, assim tiraria a responsabilidade dos que produziram o resíduo. Vale ressaltar que a resposta dada pela área I vai de encontro com uma pergunta anterior, pois eles sabem que próximo às suas residências existe catadores que têm nos resíduos sua fonte de renda e mesmo assim não fazem a segregação do material por achar desnecessário este ato. A destinação deste material para a associação dos catadores, além de ter benefícios ecológicos traria renda e desenvolvimento para a região estudada. Para Nascimento (2007), quanto maior a quantidade de resíduo que uma cidade produz, maior serão os gastos. Estimular a redução desta geração é uma tática para que os municípios possam diminuir sua despesa com coleta, tratamento e disposição final, portanto é fundamental o investimento em prevenção através da educação ambiental. Na comunidade entrevistada nota-se que ainda não há uma preocupação com a não geração de resíduos. Foi solicitado aos representantes das famílias que fossem sugeridas ações para a diminuição da quantidade de resíduo que são dispostos no canal do Arruda. Pôde ser analisado que a necessidade de ações educativas na comunidade foi o elemento mais forte para a resolução deste problema, segundo os moradores (área I-34,14% - 13 pessoas; área II-47,16% - 18 pessoas). Também foi observado que a procura por mais postos de coleta margeando o canal é um fator relevante (área I-26,83% - 10 pessoas; área II-16,98% - 7 pessoas). Outras sugestões foram: gradear e fechar o canal para que os resíduos não possam chegar até ele (área I12,19% - 5 pessoas; área II-12,19% - 5 pessoas); Mais fiscalização por parte da Prefeitura (área I-17,08% - 7 pessoas) e multa para quem for pego praticando este ato (área I-2,44% - 1 pessoa; área II-11,33% - 4,53%); Uma coleta mais eficiente (área II-9,43% - 4 pessoas) e manutenção do canal (área I-7,32% - 3 pessoas; área II-3,77% - 2 pessoas). A área I é composta por mais casas do que edifícios, o que faz com que o morador tenha que se deslocar para depositar o seu resíduo. A coleta só é realizada três vezes por semana na

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região e nota-se que muitos moradores da área I despejam seu lixo em qualquer dia na entrada da comunidade. Eles não são acondicionados em suas residências e colocados na rua em dias de coleta, como se percebe na área II. Isso reflete o desejo da transferência das responsabilidades individuais/ coletivas para o poder público. Para Vieira et al. (2012), entre os moradores da comunidade de Coripós em Santa Catarina, a maior parte dos entrevistados acreditam que o problema do lixo na comunidade vai do comprometimento individual como sendo a maneira mais eficaz para a solução desta adversidade. “Cada indivíduo deveria ser responsável por seu lixo de forma a manejá-lo da maneira correta” (p. 88). De acordo com Gonzalez et al. (2007, p.382), a educação ambiental pode cooperar com a elaboração de uma nova concepção de ambiente e assim, de um novo cidadão, onde os seus princípios sejam o eixo norteador fundamental. Os princípios são: “participação, pensamento crítico-reflexivo, sustentabilidade, ecologia de saberes, responsabilidade, continuidade, igualdade, conscientização, coletividade, emancipação e transformação social”. A educação ambiental demanda ser crítica, emancipatória e transformadora. Crítica, no sentido em que o modelo atual da relação sociedade natureza necessita ser discutido; Emancipatória, por ter na liberdade o seu maior alicerce e na busca por autonomia dos grupos sociais e; Transformadora, porque confia que a sociedade atual pode construir um novo futuro a partir do presente, assim instaurando novas relações dos seres humanos entre si e deles com a natureza (Quintas, 2004). De acordo com Reigota (2004), a educação ambiental pode influenciar na resolução dos problemas ambientais que cercam o mundo, pois ela forma cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres. Assim, ao atuar em sua comunidade, começa a surgir uma mudança no sistema que trará resultados ao longo do tempo. Como analisa Palma (2005) se a preocupação com o meio ambiente for real, os problemas poderiam ser sanados. O trabalho em que a Educação Ambiental está inserida contempla toda a sociedade, onde o conhecimento não ficará apenas nas mãos dos educadores, mas a troca de experiências se faz necessária. Agregando os conhecimentos e as experiências acumuladas, a EA torna-se holística, e assim, todos contribuem para o desenvolvimento de uma sociedade ambientalmente correta com pessoas de atitudes justas. Percebe-se que a comunidade estudada possui o interesse da aproximação com as ações da Prefeitura. A instalação dos Ecopontos foi um ponto de partida, mas o dia-a-dia junto à comunidade precisa ser mais efetivo para que o tratamento que os moradores dão aos resíduos que geram em suas residências possam ter outro destino, e não mais o Canal do Arruda. A educação ambiental é uma ferramenta transformadora que pode influenciar nas atitudes dos moradores. Tendo o sentimento de pertencimento pelo lugar em que vivem, podem olhar o Canal do Arruda de outra forma, ajudando assim na sua preservação.

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4. Conclusões Conclui-se que os dois grupos analisados acreditam que os resíduos podem ser reaproveitados, porém ainda não praticam a separação dos materiais em suas residências por falta de costume e por sentirem falta de uma coleta específica. Eles estão conscientes dos problemas que o descarte inadequado dos resíduos sólidos podem ocasionar em sua comunidade, no entanto, não identificam isto como um problema coletivo transferindo as responsabilidades individuais e/ou coletivas para o poder público. Por não se sentirem responsáveis, não buscam mudanças em suas rotinas diárias. É de fundamental relevância um trabalho contínuo de Educação ambiental na comunidade, para a sensibilização destes atores quanto ao descarte inadequado dos resíduos sólidos e sobre os cursos de águas, para que se tornem mais críticos e reflexivos na busca do equilíbrio do meio em que vivem. Referências Alencar Filho, F., Abreu, L, 2006. Metodologia Alternativa para Avaliação de Desempenho de Companhias de Saneamento Básico: Aplicação da Análise Fatorial. Planejamento e Políticas Públicas (IPEA), Brasília, v. 28, 18p. Arruda, J., 2005. Os canais na paisagem do Recife: por um sistema azul. Monografia de Graduação. Universidade Federal de Pernambuco, Recife. Barbosa, G., 2008. Desafio do desenvolvimento sustentável. Revista Visões, 4ª, Ed. nº4, Vol. 1, 11p. Brasil. Presidência da República. Lei n° 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei n° 9.605 de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. D.O.U de 03/08/2010. Buarque, S., 1999. Metodologia de planejamento do desenvolvimento local e municipal sustentável. Material para orientação técnica e treinamento de multiplicadores e técnicos em planejamento local e municipal. Projeto de Cooperação Técnica INCRA/IICA PCT – INCRA/IICA, Brasília. Bilar, A., Ribeiro, E., 2012. Caminhos para a gestão do desenvolvimento local sustentável. Livro Rápido, Olinda. Carvalho, A., 2009. Escolas de governo e gestão por competências: mesa-redonda de pesquisa-ação. Brasília: ENAP. Castro, C., Coelho, M., Góis, G, 2007. O processo de urbanização e o desenvolvimento sustentável em Mossoró –RN: uma reflexão necessária. III Jornada Internacional de Políticas Públicas, São Luís, MA. Deboni, L., Pinheiro, D., 2010. O que você faz com seu lixo? Estudo sobre a destinação do lixo na zona rural de Cruz Alta/RS- Passo dos Alemães. Revista Eletrônica em Gestão, Educação e Tecnologia Ambiental, REGET-CT/UFSM, vol.1, n°1, p. 13 –21. Diniz, M., Vasconcelos, F., Maia-Vasconcelos, S.; Rocha, G, 2011. Utilização de Entrevistas Semi-estruturadas na Gestão Integrada de Zonas Costeiras: o Discurso do Sujeito Coletivo como Técnica Auxiliar. Scientia Plena, Vol. 7, Nun. 1, 8p. Ensslin, L., Vianna, W., 2008. O design na pesquisa quali-quantitativa em engenharia de produção–questões epistemológicas. Revista Produção on line. Vol. 8, Num. 1, 16p.

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Valores e Gestão de Água na Bacia do Alto Paraguai, Mato Grosso – O que Significa “Sustentabilidade”? Christopher Schulz, Escola de Geociências, Universidade de Edimburgo Resumo Num país com uma distribuição de água muito desigual, como o Brasil, o Estado de Mato Grosso tem expressiva abundância de recursos hídricos. A água é altamente valorizada pelos mato-grossenses devido a seus aspectos culturais, a sua importância para atividades agropecuárias e por sustentar o Pantanal, a maior planície alagável do mundo. A Bacia do Alto Paraguai é localizada no sul do estado e abrange tanto a região metropolitana de Cuiabá, capital do estado, quanto várias áreas de produção intensiva de commodities, sobretudo soja e milho. Também contém uma parte significativa do Pantanal, refúgio importante para muitas espécies em perigo de extinção na América do Sul, por exemplo a onça pintada. A partir de uma visão interdisciplinar, a pesquisa realizada teve o objetivo de estudar os valores que formam a base de decisões na gestão de água na Bacia do Alto Paraguai. Fundamentado em um novo marco teórico desenvolvido pelo autor, o estudo procurou não só entender o valor dos recursos hídricos para a população, quer dizer, os ‘valores assinados’, por exemplo valores econômicos, culturais ou ecológicos. Integrando elementos teóricos da psicologia social, também foram pesquisados valores mais abstratos que são conhecidos como ‘princípios orientadores’, por exemplo as aspirações individuais e de grupos de pessoas a serem poderosas, viver em segurança, ou importar-se com o meio ambiente. Esses princípios podem influenciar opiniões e ter relevância na tomada de decisões, por exemplo na gestão de água, quando diferentes políticas são associadas com diferentes valores. Um terceiro grupo de valores pesquisados foram os ‘valores relacionados à gestão em geral’, por exemplo a sustentabilidade, justiça social ou legitimidade democrática. Embora a coleta de dados empíricos sobre valores e gestão de água na Bacia do Alto Paraguai ainda esteja sendo realizada no momento de redigir este resumo, o autor espera encontrar relações sistemáticas entre 1) valores assinados, 2) princípios orientadores, e 3) valores relacionados à gestão em geral com opiniões e decisões sobre a gestão de água em Mato Grosso. Com relação a metodologia, o estudo realizado foi dividido em duas fases. Primeiro, foram conduzidas 24 entrevistas semiestruturadas com profissionais representando diferentes setores envolvidos na gestão e uso de recursos hídricos, como a agricultura, a pesca, o turismo, e o governo do estado. Nessa fase, foram identificadas as questões mais polêmicas e relevantes da gestão de água na Bacia do Alto Paraguai, entre eles: a possível construção de uma hidrovia pelo Pantanal, a construção de um grande número de usinas hidrelétricas e a poluição dos rios pela falta de tratamento de esgotos domésticos. A segunda fase do estudo tem como objetivo uma análise quantitativa entre os três tipos de valores mencionados no primeiro parágrafo e opiniões sobre as três questões de gestão de água mencionadas no segundo parágrafo. Para isso, estão sendo coletados dados em acima de 1000 entrevistas com representantes da população inteira da Bacia do Alto Paraguai. Os primeiros resultados serão apresentados no Simpósio Luso-Brasileiro, seguindo uma perspectiva teórica inspirada na psicologia social e a ecologia política. Palavras chave: Gestão de água; valores; ecologia política; psicologia social; Mato Grosso; Brasil

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Percepção de Riscos e Adaptação às Mudanças Climáticas baseada nos Ecossistemas na Mata Atlântica Brasileira. Anja Schelchen1, Yara Valverde², Wolfram Lange3, Lea Dünow4, Christian Pirzer5, Rodrigo Medeiros6 1

Centre for Rural Development (SLE), Humboldt-Universität zu Berlin, [email protected] 2

Conservation International, CI Brasil, [email protected]

3

Centre for Rural Development (SLE), Humboldt-Universität zu Berlin, [email protected] 4

AMBERO Consulting Wirtschaft mbH, [email protected]

5

endeva, [email protected].

6

Conservation International, CI Brasil, [email protected]

Abstract Nas últimas décadas, os desastres associados a eventos climáticos extremos aumentaram em várias regiões do mundo e a previsão é que eles sigam aumentando como resultado das mudanças climáticas. A adaptação à essas mudanças é um dos principais desafios do século 21, sobretudo, visando reduzir riscos de desastres. Uma das abordagens para adaptação é baseado em serviços de ecossistemas, que utilizam o potencial da "infra-estrutura verde" (Ecosystem-based Disaster Risk Reduction – eco-DRR) e a adaptação baseada na comunidade (Community Based Adaptation - CBA). Para que essa adaptação aconteça, as pessoas em regiões de risco devem estar cientes da sua própria vulnerabilidade e dos benefícios que os serviços dos ecossistemas podem render para a redução dos riscos. O principal objetivo deste estudo foi elaborar um conceito e a estratégia de sensibilização para melhorar a participação dos moradores locais na adaptação às alterações climáticas com base na valoração dos serviços ecossistêmicos. Analisamos a percepção da população local sobre os riscos associados a eventos climáticos extremos em quatro comunidades de Teresópolis, cidade brasileira localizada na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro. Esta cidade foi uma das mais afetadas pelo pior desastre já registrado no Brasil, decorrente de um evento natural extremo ocorrido nessa região em janeiro de 2011. Essa região é também um dos hotspots da biodiversidade global, composta pelos ecossistemas do bioma Mata Atlântica. Os métodos utilizados neste estudo foram: análise documental, questionários semiestruturados, grupos focais, diálogo entre partes interessadas e entrevistas qualitativas com os principais atores. O principal critério para a seleção das comunidades foi o elevado potencial para a preservação e / ou recuperação dos ecossistemas locais. As análises foram baseadas em uma cadeia de impacto que incluiu os quatro principais passos necessários à consciência, até alcançar uma melhor participação da população: vulnerabilidade, serviços ecossistêmicos, responsabilidade e possibilidades. Os principais resultados da análise da percepção foram base para a elaboração do conceito de sensibilização e de recomendações para uma participação mais ativa e eficaz das comunidads locais em estratégias DRR e CCA, através da valorização dos serviços ecossistêmicos da região. Os resultados do estudo nesta região demonstraram que os métodos utilizados têm um elevado potencial para ser aplicado em outras regiões do Brasil e do mundo. Keywords: Adaptação baseada Ecossistêmicos, Sensibilização

na

Comunidade,

Risco

de

Desastres,

Serviços

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Aspectos históricos, geográficos e sociais no entorno do Rio Paraíba do Sul Brasil Fabiola de Sampaio Rodrigues Grazinoli Garrido1, Julia Ribeiro2, Caio Souza2, Giulliana Faillace2, Izabela Moraes2, Lorena Freitas2, Karolyne Victor2, Mauricio Batista2 1

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – Departamento de Ciências do Meio Ambiente, [email protected] 2

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – Curso de Bacharelado em Gestão Ambiental, [email protected], [email protected], [email protected], [email protected], [email protected], [email protected], [email protected] Resumo A coexistência entre uma população de uma cidade com seus recursos hídricos pode apontar os rumos do desenvolvimento sustentável ou indicar a necessidade de mudança no uso do espaço físico e das relações entre sociedade e natureza. Dessa forma, foi utilizado como objeto dessa investigação Três Rios, uma cidade com 79.264 habitantes, localizada no interior do Estado do Rio de Janeiro, cujo nome justifica o encontro dos rios Piabanha, Paraibuna e Paraíba do Sul. Embora represente um evento raríssimo que dá nome à cidade um delta triplo - Três Rios é hoje a cidade mais desmatada do Rio de Janeiro possuindo menos de 10% da vegetação original. Foi feita a análise histórica, social e geográfica da população que vive às margens do Rio Paraíba do Sul, através de uma pesquisa exploratória, com o uso de questionários semiestruturados e entrevistas. Frente ao acelerado crescimento urbano e industrial da cidade, é fundamental que se avalie a percepção da população que reside nessa cidade em relação ao uso e conservação dos recursos naturais. Foram submetidos questionários a 30 pessoas, contendo 10 perguntas, sendo 6 fechadas e 4 abertas. As perguntas tiveram objetivo de coletar informações referentes à percepção dos moradores sobre as questões ambientais significativas para Três Rios, tais como a poluição da água, impactos das atividades industriais sobre a qualidade da água e vegetação no entorno do rio. Os questionários foram feitos com moradores dos bairros Centro, Ponte das Garças, Nova Niterói, Jaqueira. Além das entrevistas, foram reunidos documentos da Prefeitura, Casa da Cultura, Biblioteca da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e Jornal Entre-Rios, que contassem a evolução da paisagem urbana e rural através dos anos. A partir dos questionários aplicados pode-se observar um panorama preocupante no município de Três Rios, em que grande parte da população com a faixa etária adulta (entre 50 a 72 anos) apresentou pouco conhecimento da realidade de sua cidade atualmente. No entanto, os entrevistados jovens (entre 17-29 anos) e os adultos entre 30 e 49 anos sinalizaram reflexões significativas em relação ao entorno. Quando questionados sobre o Rio Paraíba do Sul, no entanto, a grande maioria entre todas as faixas etárias notaram uma mudança no rio, sendo que comumente as opiniões convergiam para a sua atual vazão consideravelmente baixa ou a elevada poluição do rio. E, por fim, quando questionados sobre o conhecimento acerca de algum acidente ambiental em Três Rios, um número reduzido de pessoas mostrou conhecimento sobre isso, sendo que as opiniões divergiram entre o acidente iniciado na cidade de Resende em 2008 e que atingiu Três Rios, além das queimadas. A consciência das pessoas mais jovens acerca dos problemas ambientais envolvendo o rio Paraíba do Sul foi destacada neste trabalho. Acredita-se que possam ser agentes de transformação dos impactos negativos devido ao crescimento urbano acelerado e não planejado no entorno dos rios.

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Palavras-chave: comunidades ribeirinhas, responsabilidade socioambiental.

rio

Paraíba

do

Sul,

crimes

ambientais,

1. Introdução A relação estabelecida entre a comunidade e os elementos geográficos de uma cidade vai além do uso de recursos para consumo imediato, como fontes energéticas, meios de transporte ou fontes de renda. Gonçalves et al. (2013) resgata o conceito de materialidade e analisa usos, deslocamentos, transformações e destruição dos objetos e espaços estabelecidos em uma comunidade. Os autores resgatam a concepção de que a vida social dos patrimônios implica diversas formas de uso e recepção de objetos e espaços. Essa obra tem uma conexão com a presente proposta. Eles tratam de espaços e objetos que são recebidos como herança, ou são reconstruções presentes das identidades individuais e coletivas. A herança está além da necessidade de subsistência. É a relação de afeto que se estabeleceu ao longo da vida das pessoas. Ao tratar de afeto, é possível que a semântica de bons sentimentos ou sentimentos virtuosos se destaque a princípio. No entanto, um comportamento predatório em relação a um rio, por exemplo, utilizando-o como destino final para resíduos sólidos, pode advir de uma longa relação estabelecida entre o homem e o rio. De tal forma que, dar fim à poluição, ou punir os poluidores possa romper os laços de afeto entre o rio e o homem. Domingues (2015) destaca: É possível pensar o espaço por meio de vários prismas, e como geógrafos ou profissionais do ordenamento do território, conforme sugere Ferrão (2011), não podemos perder de vista a necessidade de trabalhar com várias escalas simultaneamente.

Dentro desse contexto, quando uma comunidade se propõe a conservar os recursos naturais, assumindo uma postura de respeito e manejo apropriado, ela percebe a natureza como parte de sua história e da história de sua família. Frequentar espaços abertos, estar com amigos, participar de eventos sociais como um banho de mar ou de rio, apreciar uma iguaria ribeirinha é uma relação que se estabelece ao longo dos anos. A importação de comportamentos e atitudes em relação ao recurso, como a proliferação indiscriminada de indústrias, o inchaço da cidade, a conurbação, podem ser fatores responsáveis pela ruptura de relações saudáveis e sustentáveis estabelecidas com a paisagem. O delta triplo presente na cidade de Três Rios, no Estado do Rio de Janeiro, certamente é um patrimônio cultural, porque constitui a identidade, a memória daquela população. Por outro lado, é possível pensar em um patrimônio cultural imaterial por trás do convívio social naquele espaço. Silva (2015) resgata o conceito de patrimônio cultural que pode ser reconhecido: O patrimônio cultural imaterial expressa as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas, junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados, que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante da sociedade. Esse tipo de patrimônio é transmitido de geração a geração e constantemente recriado pelas comunidades e pelos grupos, em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo, assim, para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. Já o patrimônio material é composto por um conjunto de bens culturais, classificados, segundo sua natureza, nos quatro Livros do Tombo1: o que trata dos aspectos arqueológico, paisagístico e etnográfico; o histórico; o das

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belas artes; e o das artes aplicadas. Compreendem tais compêndios, além de bens imóveis - núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais -, bens móveis, como coleções arqueológicas e acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos.

Ao se analisar esse contexto, torna-se simples admitir que os fatos históricos que unem a comunidade e os recursos hídricos devam receber destaque, em oposição ao atual descaso político em relação aos corpos d’água. Afinal, as pessoas que concebem políticas públicas para o respeito ao desenvolvimento sustentável emergiram daquela sociedade, que não é um papel em branco, mas está carregada de afeto e de histórias. Ainda assim, novos empreendimentos e incentivos fiscais são a atual causa de alterações drásticas da paisagem. Atualmente, é difícil afirmar que todo empreendimento mais recente, como a instalação de indústrias, por exemplo, comprometa a vida de populações de uma cidade ribeirinha, uma vez que as organizações devem se adequar com maior rigidez à legislação ambiental. No entanto, mesmo respeitando as normas e experimentando os olhares da sociedade sobre si, os empreendimentos são impactantes. Trazem pessoas, novas tecnologias de processos, substâncias mais complexas e contaminantes, fazem funcionar uma rede etérea que divide os setores industriais entre lugares muito distantes uns dos outros. De modo geral, as empresas de grande porte, tais como Unilever, Nestlè, IBM, mantêm setores produtivos afixados em regiões com elevados incentivos fiscais, enquanto seus escritórios flutuantes pulam de Tóquio para São Paulo quando oportunamente se atende aos interesses econômicos. 2. Métodos Inicialmente, delimitou-se o estudo no município de Três Rios, Médio Paraíba do Sul, Estado do Rio de Janeiro. A área de 326,136 km² está situada na altitude média de 269 m e população de 77.432 habitantes (IBGE, 2013). O rio Paraíba do Sul, que banha a cidade de Três Rios, atravessa bairros com características distintas e as pessoas entrevistadas foram selecionadas ao acaso. Foram concebidas perguntas com a proposta de coletar informações referentes à percepção dos moradores sobre as questões ambientais significativas para Três Rios, tais como: quais são os principais problemas ambientais em Três Rios; as atividades industriais na cidade representam impactos negativos sobre a qualidade de vida da população; como as pessoas avaliavam o estado de conservação da mata ciliar; havia algum conhecimento sobre acidentes ambientais em Três Rios. Foram entrevistadas 30 pessoas, com 10 perguntas, sendo 6 fechadas e 4 abertas. Os questionários foram feitos com moradores dos bairros Centro, Ponte das Garças, Nova Niterói, Jaqueira. Além das entrevistas, foram reunidos documentos da Prefeitura Municipal, da Casa da Cultura, da Biblioteca da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e do Jornal Entre-Rios, que contassem a evolução da paisagem urbana e rural através dos anos. 3. Resultados O município de Três Rios está localizado na região centro-sul do Estado do Rio de Janeiro, a 269 m de altitude, em uma área de 324,496 m2, cortada a oeste pelo Rio Paraíba do Sul (Oliveira e Milward-de-Azevedo, 2015). Atualmente, é uma cidade com 79.264 habitantes, localizada no interior do Estado do Rio de Janeiro, cujo nome justifica o encontro dos rios Piabanha, Paraibuna e Paraíba do Sul. Embora represente um evento raríssimo que dá nome à cidade - um delta triplo - Três Rios é hoje a cidade mais desmatada do Rio de Janeiro possuindo menos de 10% da vegetação original. Além disso, a presença de efluentes domésticos e industriais em águas superficiais tem sido fonte de estudos sobre a qualidade das águas pluviais na cidade, com a constatação de

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contaminações por Sb, Pb, Ni, Cu e Zn na área urbana (Gomes et al, 2013). Esse quadro não difere da realidade de outras populações que cresceram às margens de rios (Medeiros et al., 2016). Gomes et al. (2013) refere-se ao monitoramento de concentrações anômalas de elementos-traço como parâmetro para perceber os impactos da urbanização sobre recursos hídricos. Os relatos da população contrastaram um período de uso do rio como meio de convívio social (Figura 1A). Muitos destacaram as alterações nas propriedades organolépticas – odor desagradável, cor mais escura - diminuição da vazão ao longo dos anos, assoreamento e aumento da turbidez (Figura 2A). Esses parâmetros tiveram sua qualidade bastante comprometida ao longo do tempo.

A

B

Figura 1 – Frequentadores do Rio Paraíba do Sul na década de 1960 (R) e aspecto da água em 2015 (B). De modo geral, quando foram solicitadas a relatarem problemas ambientais presentes na cidade, alguns problemas foram destacados pelos cidadãos, que reconheciam o comprometimento da cidade em função da atividade antrópica (Figura 2). As pessoas na faixa etária entre 30 a 49 anos afirmaram, em sua maioria, desconhecerem quais quer problemas ambientais. Os participantes da pesquisa entre 50 a 72 anos citaram poluição, incluindo-se vários problemas ambientais.

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Figura 2 – Problemas ambientais que acometem a cidade de Três Rios identificados pelos entrevistados, que foram distribuídos em três classes: 17 a 29 anos, 30 a 49 anos e 50 a 72 anos. As pessoas puderam apontar mais de uma opção. A pesquisa foi conduzida antes das enchentes de janeiro de 2016, de modo que enchentes não estavam entre os problemas ambientais mais frequentemente apontados pela população. Entre os adultos de 30-49 anos, um terço não soube escolher entre as opções, enquanto outros percebiam o desmatamento como um sério problema ambiental. A cidade tem recorrentes de incêndios criminosos, apresenta médias de temperaturas elevadas e não tem o plantio de árvores como uma ação permanente, de forma que a arborização urbana foi apontada como um fator importante. Um outro fator que pode esclarecer a resposta negativa quanto aos problemas ambientais feita por pessoas de 30 a 49 anos (Figura 2), é o receio que alguns cidadãos têm em relação a perderem oportunidade de trabalho com o estabelecimento do parque industrial. Nos últimos anos, incentivos fiscais trouxeram empreendimentos que absorvem a mão-de-obra que praticamente ocupava o setor de serviços. Foram bem recebidos pela população. Dessa forma, temem desferir qualquer crítica que seja dirigida ao atual modelo industrial experimentado pela cidade (Figura 3).

Figura 3 – Respostas para a pergunta: Você observa algum impacto negativo das atividades industriais sobre sua qualidade devida?

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No entanto, quando podem se expressar em função de aspectos que não tocam as indústrias, relatam o quanto perturbado está o ambiente, principalmente na área de proteção permanente ligada ao rio. Isso pode ser percebido quando as pessoas foram questionadas sobre o estado atual da mata ciliar. Independentemente da faixa etária, a maioria reconheceu a ausência de mata ciliar (Figura 4). A cultura do café foi o motivo da substituição da mata na região da microbacia de Três Rios. Não havia vocação conservacionista no histórico de atividade econômica, de modo que a ocupação das margens dos rios foi o menor problema das cidades nessa região. A carência de planejamento urbano e territorial

Figura 4 – Como as pessoas avaliaram o estado de conservação da mata ciliar. Após uma breve explicação, foram convidados a avaliar como péssimo, ruim, regular, bom e excelente.

Consultados acerca do conhecimento sobre algum acidente ambiental que houvesse afetado a vida das pessoas, os mais jovens sinalizaram positivamente (Figura 5). Provavelmente, em função de um acidente mais recente e altamente impactante. Em 2008, houve derrame de endossulfan, uma substância tóxica, na cidade à montante de Três Rios, em Resende.

Figura 5 – Você soube de algum acidente ambiental que ocorreu em Três Rios?

O derrame de endossulfan em 2008 deixou toda microrregião sem abastecimento de água. As pessoas correram ao supermercado e fizeram estoques de água mineral em suas casas. Houve falta de água e uma grave ameaça à vida dos habitantes, o que é perceptível ao se traçar a linha do tempo através dos documentos apreciados. A principal fonte foi o Entre-Rios

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Jornal. Nele, a tentativa de se minimizar o grave acidente reconhecido no relatório do órgão fiscalizador estadual – INEA (Instituto Estadual do Ambiente) – pode ser observada nas chamadas sobre o caso (Figura 6).

Figura 6 – Notícias veiculadas como suspeita de contaminação, sobre o derrame de endossulfan à montante do Rio Paraíba do Sul. A área destinada à notícia diminuiu ao longo do tempo.

Inicialmente, o acidente apareceu como suspeita de contaminação. Ao ser assumido pela empresa de Resende, a notícia recebeu um espaço reduzido. Posteriormente, ao anunciar o corte do abastecimento d’água, outros fatos positivos, essencialmente políticos, ganharam destaque (Figura 7).

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Figura 7 – Notícias veiculadas no Entre-Rios Jornal sobre o derrame de endossulfan à montante do Rio Paraíba do Sul. A área destinada à notícia diminuiu ao longo do tempo.

4. Discussão A população atribuiu a poluição hídrica à concentração do crescimento urbano próximo as áreas das margens dos rios. Relataram a excessiva utilização do solo através da especulação imobiliária e a substituição da mata ciliar por ocupações irregulares. Tais relatos apontavam para falta de planejamento territorial e urbano associada à carência de políticas públicas que observem a conservação dos recursos naturais. Faria et al. (2013) apresentaram os relatos da população urbana de Três Rios sobre a arborização urbana. Um dos benefícios apontados foi a melhoria da qualidade do ar. Essa percepção ambiental apresentou associações benéficas à presença de árvores, apesar de terem identificado malefícios pela falta de planejamento e manutenção das espécies. O crescimento urbano apresentou-se sem mudança de paradigma. Embora o desenvolvimento tivesse chegado à cidade através de novos empreendimentos, o comportamento em relação ao Rio Paraíba do Sul foi mantido como no passado. Talvez o volume das águas, o histórico de acidentes ambientais contornados, ou a falta da cultura conservacionista tenham sido determinantes para o agravamento dos impactos decorrentes da ocupação das margens. Atualmente, o volume das águas ainda impressiona. No entanto, a manutenção do rio como ponto de lançamento de efluentes provenientes de empresas ou de esgoto doméstico deve obrigar os gestores a monitorarem com maior frequência e acurácia a qualidade da água de abastecimento.

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Em relação ao abastecimento, a maioria das pessoas atestou como excelente ou bom o serviço prestado pela concessionária. Por outro lado, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2008) o tratamento de esgoto existia em apenas uma unidade domiciliada em Três Rios, o que confirmou a reprovação dos populares em relação ao lançamento de efluentes sem tratamento no rio. Os pontos de crescimento populacional impulsionaram o atendimento à legislação vigente, que trata do abastecimento e o saneamento básico como um direito universal, conforme a transcrição da Lei nº 11445 de 05/01/2007 / PL - Poder Legislativo Federal - a seguir. Art. 2º Os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base nos seguintes princípios fundamentais: I - universalização do acesso; II - integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e resultados; III - abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente; IV - disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e de manejo das águas pluviais adequados à saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio público e privado; (Brasil, 2007)

No entanto, os investimentos em saneamento básico permitiram que se atingisse somente 46 % dos domicílios brasileiros, segundo a organização Trata Brasil (2016). A partir do presente trabalho foi possível perceber que os entrevistados jovens (entre 17-29 anos) e os adultos entre 30 e 49 anos sinalizaram reflexões significativas em relação ao entorno. Quando questionados sobre o Rio Paraíba do Sul, no entanto, a grande maioria entre todas as faixas etárias notaram uma mudança no rio, sendo que comumente as opiniões convergiam para a sua atual vazão consideravelmente baixa ou a elevada poluição do rio. E, por fim, quando questionados sobre o conhecimento acerca de algum acidente ambiental em Três Rios, um número reduzido de pessoas mostrou conhecimento sobre isso, sendo que as opiniões divergiram entre o acidente iniciado na cidade de Resende em 2008 e que atingiu Três Rios, além das queimadas. 5. Conclusões As questões ambientais são tratadas na cidade de Três Rios com cautela pela população de adultos. Isso se deve ao recente estabelecimento de indústrias e pequenas hidrelétricas ao longo do rio, o que representou absorção de mão-de-obra da cidade. Naturalmente, houve ênfase em relação aos benefícios trazidos pelas companhias. Outro destaque foi a pesquisa em textos jornalísticos sobre o acidente de 2008, a partir do derrame da substância endossulfan à montante do rio, na cidade de Resende. Os documentos minimizavam o impacto do acidente apesar de a população ter sofrido suspensão de abastecimento de água e das atividades de pesca. Por outro lado, pessoas muito jovens e mais velhos referiram-se à poluição, ao comprometimento da mata ciliar e à falta de planejamento urbano. A percepção dessa população em relação ao uso do rio Paraíba do Sul passa pela oportunidade de convívio social até a pesca. Ainda assim, os moradores reconhecem a perda de qualidade da água e o comprometimento da cobertura vegetal A visão das pessoas mais jovens acerca dos problemas ambientais envolvendo o rio Paraíba do Sul e as alterações da paisagem foi destacada neste trabalho. Acredita-se que possam ser agentes de transformação dos 61

impactos negativos, devido ao crescimento urbano acelerado e não planejado no entorno dos rios. Apesar de a

Referências Brasil, LEI Nº 11.445, DE 5 DE JANEIRO DE 2007 dispõe sobre as diretrizes nacionais para o saneamento básico. Acessado em http://www.tratabrasil.org.br/lei-do-saneamento, em 14/04/2015 Domingues, R. Ordenamento territorial, governança e a transposição de águas do São Francisco: uma perspectiva. Revista de Geografia e Ordenamento do Território, (8), 51-74. https://dx.doi.org/10.17127/got/2015.8.004 Faria, D. C. F.; Duarte, J. M. de A.; Pinto, D. M. P.e Almeida, F. S. ARBORIZAÇÃO URBANA NO MUNICÍPIO DE TRÊS RIOS-RJ: ESPÉCIES UTILIZADAS E A PERCEPÇÃO DE SEUS BENEFÍCIOS PELA POPULAÇÃO (2013). REVSBAU, Piracicaba – SP, v.8, n.2, p58 - 67 FERRÃO, J. O ordenamento do território como política pública. Fundação Caloustre Gulbenkian – Serviço de educação de bolsas. Lisboa. 2011. Gomes, O. V. de O., Marques, E. D., Souza, M. D. C. de e Silva-Filho, E. V. da, 2013. Influência antrópica nas águas superficiais da cidade de Três Rios, (RJ). Geochimica Brasiliensis 27(1): 77-86. Gonçalves, R. S., Sampaio, R. e Bitar, N. P., 2013. AAlma das Coisas: patrimônios, materialidade e ressonância. Mauad Editora Ltda. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Censo demográfico 2010. [cited 2016 May 19]. Available from: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/perfil.php?codmun= 330600&search=rio-de-janeiro|tres-rios. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2008. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. 218 p.Acompanha 1 CD-ROM. Disponível em: (accessed in 14.04.2016) Oliveira, D. N. de; Milward-de Azevedo, J. A., 2015. Dinâmica do Crescimento Urbanoindustrial do Município de Três Rios/ RJ: notas sobre os impactos ambientais e vulnerabilidade social. Revista Espacios, nº 20, vol. 36, pág. 16. Silva, A. F., 2015. Patrimônio Cultural e Paisagem em sua Significação Espacial. Geotemas, Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte, Brasil, v.5, n.2, p.19-29, jul./dez

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B - Repensar os fundamentos dos sistemas económicos



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O COMÉRCIO INTERNACIONAL DE TECNOLOGIAS AMBIENTAIS: Inserção do Brasil e da China

Esta dissertação analisa o comércio internacional de tecnologias ambientais entre os anos de 2002 e 2013 com quatro objetivos: (1) analisar o padrão de comércio internacional para averiguar a hipótese de existência de um padrão Norte-Sul, em que os países membros da OCDE, representado por países desenvolvidos, lideram as exportações e os países não membros da OCDE, representado por países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, praticamente se limitam à condição de importadores de tecnologias ambientais; (2) analisar a inserção do Brasil no comércio internacional de tecnologias ambientais, em especial o desempenho da sua balança de comércio nesse segmento; (3) de modo semelhante e para fins de comparação com o Brasil, analisar a inserção da China no comércio internacional de tecnologias ambientais; e (4) verificar o grau de proteção tarifária sobre a importação de bens ambientais do grupo de países da OCDE comparado ao grupo de países não membros da OCDE, com destaque para os dados do Brasil e da China, a fim de conferir se houve uma liberalização do comércio desses bens. Os resultados deste estudo evidenciam a manutenção, em termos agregados, do padrão Norte-Sul do comércio internacional de tecnologias ambientais, mas o cenário começa a mudar em razão da ascensão da China e do declínio da participação dos EUA e do Japão nesse comércio. Já o Brasil aprofundou o seu déficit comercial em bens ambientais nesse período. No tocante ao grau de proteção tarifária, os países desenvolvidos mantêm tarifas médias de importação reduzidas se comparadas àquelas aplicadas pelos países em desenvolvimento. A China mantém uma média de tarifas de importação muito semelhante àquelas aplicadas pelos países em desenvolvimento. Já o Brasil aplica tarifas médias de importação muito superiores àquelas praticadas pela China, o que pode justificar sua pouca representatividade no comércio internacional de tecnologias ambientais.

Palavras-chave: tecnologia ambiental; bens ambientais; comércio e meio ambiente; Rodada Doha.

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Os ecotributos como fomento para utilização sustentável da água nas cidades: análise do Imposto sobre a Propriedade Urbana “Verde” Tainara Penedo1, Josieni Barros2 1

Universidade Católica de Santos, Av. Conselheiro Nébias, 589/595, Santos/SP, Brasil, CEP 11015-001, [email protected] 2

Universidade Católica de Santos, Av. Conselheiro Nébias, 589/595, Santos/SP, Brasil, CEP 11015-001, [email protected] Resumo Nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal são dotados de autonomia legislativa, da qual decorrem as suas competências tributárias, qual seja, a possibilidade de instituírem seus próprios tributos. Considerando que os tributos, além de serem a principal fonte de receita estatal, podem servir de estímulo ou desestímulo a determinadas condutas sociais, pela chamada extrafiscalidade, justifica-se saber se institucionalmente também podem ser utilizados com viés na proteção e preservação do meio ambiente. A extrafiscalidade possibilita a utilização de tributos com função diversa da arrecadatória, seja coibindo condutas indesejáveis pelo Estado, seja estimulando práticas almejadas da população que se sujeita àquela tributação. Partindo do pressuposto que um dos princípios constitucionais que norteiam a ordem econômica brasileira é a defesa do meio ambiente, inclusive com a necessidade de tratamento diferenciado dos produtos e serviços, conforme o impacto ambiental, poderíamos justificar a possibilidade extrafiscal de se diferenciar os bens e serviços tributáveis, pelo argumento ambiental explanado. A partir do argumento da possibilidade constitucional dos chamados ecotributos no Brasil, bem como a competência legislativa municipal para instituir o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), justifica a pesquisa no sentido de verificar a existência de um IPTU verde, com o objetivo de compreender em que medida este imposto pode contribuir para o desenvolvimento sustentável e, especificamente, para a utilização sustentável da água nos centros urbanos. O método utilizado foi a pesquisa bibliográfica e legislativa, para examinar, primeiramente, a existência jurídica do IPTU verde, passando à constatação da sua implementação nos municípios do Estado de São Paulo e, em sequência, identificando quais deles usam como parâmetro para o benefício fiscal o uso sustentável da água pelos imóveis urbanos. A metodologia foi a abordagem dedutiva, partindo do conceito constitucional de proteção ambiental, para identificar a possibilidade jurídica dos ecotributos e justificar a criação de IPTU verde nas cidades, passando então à constatação da existência efetiva do referido imposto para promoção de práticas sustentáveis pelos proprietários dos imóveis urbanos tributados. Dessa verificação, que pretendia demonstrar ser o IPTU verde um importante aliado no fomento de práticas de uso sustentável da água nos centros urbanos, concluímos que, seja por falta de ampla publicidade do benefício implementado pelos municípios ou por entraves burocráticos na legislação que dificultam a obtenção do benefício fiscal, ou ainda, pelo ínfimo incentivo que conferem os municípios, os resultados obtidos não são satisfatórios. A superação desses entraves políticos-legislativos poderiam refletir no sucesso do IPTU verde, que é importante mecanismo para minimizar o problema da falta de água das cidades. Palavras-chave: Autonomia municipal, ecotributo, IPTU, desenvolvimento sustentável, água. 1. Introdução

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Nos dias atuais, as questões tributária e ambiental ganham destaque. Se, por um lado, o sistema tributário brasileiro carece de reforma, por outro, os problemas ambientais têm se agravado. Como se sabe, a carga tributária no país é alta, assim como se acentuam as mudanças climáticas decorrentes, principalmente, do aumento da temperatura média do planeta, da alteração do regime de chuvas e da redução da biodiversidade. Nesse cenário, insere-se a tributação ambiental (ou ecotributação), que tem como um de seus objetivos oferecer, através dos tributos, incentivos àqueles que adotarem condutas favoráveis ao meio ambiente e, assim, preservá-lo. Segundo o relatório BRUNDTLAND (NOSSO FUTURO COMUM, 1987), temos elementos que caracterizam e delimitam a noção de desenvolvimento sustentável, qual seja, no cenário das necessidades humanas e do crescimento populacional, a base de recursos naturais deve ser considerada sob a ótica da sua exaustão e poluição e para isso há que se ter uma inovação das bases tecnológicas, no sentido de se tornar cada vez mais limpa, eficiente e segura, garantindo-se que esta relação economia-ecologia consiga perseverar para as gerações futuras. Inúmeros documentos internacionais declaram a necessidade de se implementar na política estatal a proteção ambiental. Com a Declaração de Estocolmo (1972), verifica-se que os Estados, apesar de terem soberania na apropriação de seus recursos naturais, devem observar e minimizar os impactos ambientais que esta apropriação ocasionaria. E é assim que através das políticas públicas, econômicas e tributárias, se espera a atuação estatal: implementando mecanismos na proteção do meio ambiente. Recentemente, em 2015, cumprindo a agenda 30 da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS/2012), foram publicados os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) no sentido de se elaborar e ampliar as estratégias para tal desenvolvimento, com a edição de 17 objetivos e 169 metas (goals), dentre elas a implementação de cidades e comunidades sustentáveis (objetivo 11) e as parcerias em prol das metas (objetivo 17). É para atender aos anseios ditados pelo desenvolvimento sustentável e o cumprimento das metas assumidas internacionalmente que o Estado deverá harmonizar o desenvolvimento de sua política econômica com o incremento da sua política ambiental, posto que uma efetiva proteção do meio ambiente seja capaz de propiciar uma verdadeira eficiência econômica para o Estado brasileiro. O intuito é evitar que os diversos custos com o passivo ambiental retornem para o país, considerando que na hipótese da ocorrência de prejuízos ambientais seriam necessários vultosos investimentos para corrigir as distorções ocasionadas ao meio ambiente (GRANZIERA, 2014). Com esta pesquisa, adentramos ao campo do direito tributário ambiental, examinando a extrafiscalidade e seus parâmetros de aplicação, bem como a sua relação com as questões atinentes ao meio ambiente; tem-se como objetivo desse exame a demonstração da possibilidade de se conceder benefícios fiscais, tais como descontos, para o estímulo de práticas ambientalmente desejáveis. Em seguida, estudamos o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU e sua hipótese de incidência, analisando minuciosamente a possibilidade da sua implementação em benefício do meio ambiente. Nesse sentido, verificamos a implementação, ou não, desse IPTU verde em alguns municípios do Estado de São Paulo para comprovar que é possível associar padrões de desenvolvimento econômico com proteção ambiental. Por fim, buscamos entender o desenvolvimento sustentável e verificamos em que medida o IPTU verde pode ser utilizado como mecanismo de utilização sustentável da água.

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2. Métodos Para verificação da possibilidade jurídica do IPTU verde e em que medida a concessão de incentivos fiscais neste imposto pode ou não estimular os proprietários de imóveis urbanos a adotar práticas sustentáveis no uso da água em seus imóveis, faz-se necessário primeiramente definir que os ecotributos são uma política tributária possível dentro do sistema jurídico brasileiro para então verificar, na legislação que cria e estipula os parâmetros para a tributação da propriedade urbana, como a extrafiscalidade pode ser indutora dessa conduta sustentável pelo cidadão. 2.1. Direito tributário ambiental e ecotributos O Direito Tributário e o Direito Ambiental são ramos do Direito Público que, conjugados, dão origem à tributação ambiental ou ecotributação. Trata-se de um campo de estudo que desponta no mundo jurídico como uma alternativa eficaz de estimular condutas voltadas à proteção e preservação do meio ambiente. COSTA (2012) afirma que: A ligação entre as disciplinas dá-se mediante o emprego dos chamados tributos ambientais, isto é, vocacionados ao atingimento de propósitos voltados à preservação do meio ambiente bem como mediante tributos que, mesmo sem terem sido instituídos com essa finalidade, podem ser utilizados para modular condutas a ela afinadas. Em outras palavras, o tributo é utilizado como instrumento de defesa do meio ambiente, podendo ser considerado tributo de finalidade fiscal ou extrafiscal, a depender de seu caráter. Esclarece MODÉ (2006): A primeira finalidade visa à obtenção de receitas que serão aplicadas em ações que promovam a defesa do meio ambiente. A segunda finalidade, por sua vez, tem por objetivo induzir comportamentos que, na visão do Estado, sejam ambientalmente desejáveis ou de menor poder ofensivo ao meio ambiente. Neste caso, o contribuinte, através da concessão de benefícios tributários, é estimulado a adotar condutas que favoreçam o meio ambiente, especialmente aquelas que se voltem à sua proteção. Note-se que o artigo 225, da Constituição da República Federativa do Brasil, disserta que o meio ambiente é o bem essencial à sadia qualidade de vida. Assim, é fundamental que permaneça em equilíbrio para proporcionar qualidade de vida a todos. Isso porque a vida em ambiente não sadio gera transtornos aos indivíduos de ordem física e psicológica, fazendo-se necessária a garantia de um equilíbrio para a promoção de uma boa qualidade de vida. Hodiernamente, não se pode afirmar que o equilíbrio esteja sendo mantido. Muito embora o Poder Público e os ambientalistas se esforcem para conscientizar a população, verifica-se que o estado de poluição e degradação ambiental tem se agravado. Nesse contexto, o ecotributo ou tributo ambiental merece crédito, eis que tem por escopo favorecer o meio ambiente, seja ele urbano ou rural. Importante mecanismo para a existência da tributação ambiental é a extrafiscalidade, que propicia o estímulo de determinados comportamentos por parte dos contribuintes e tem ganhado espaço quando o assunto é o meio ambiente, através do ecotributo ou tributo ambiental.

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Nas palavras de SABBAG (2014), “a extrafiscalidade tem assim se revelado um poderoso expediente a serviço do Estado, quer quando pretende inibir condutas indesejáveis, quer quando almeja estimular comportamentos salutares”. Poderia se cogitar que a tributação ambiental dá ensejo à elevação da carga tributária daqueles que deixassem de adotar práticas ambientalmente benéficas, por conta da receita pública que deixaria de se arrecadar. No entanto, como adiante se verá, não há que se falar no aumento da carga tributária, tendo em vista que os estímulos concedidos compensam as despesas públicas suportadas. Ademais, impende ressalvar que a principal proposta do instituto é o desenvolvimento de política de incentivos fiscais em benefício do meio ambiente. “Se o Estado abre mão de seu crédito, exigindo em contrapartida certos compromissos de preservação, estar-se-á diante de dupla vantagem” (NUNES, 2005). Isso porque não só o meio ambiente é favorecido, como também o contribuinte fica satisfeito com o proveito obtido em decorrência do benefício tributário concedido. É sabido que a carga tributária brasileira é considerada alta. Consoante dados publicados pela OECD (Organization for Economic Cooperation and Development), o país possui a maior carga de impostos da América Latina (MOREIRA, 2015). Desse modo, é correto afirmar que a tributação ambiental também se presta a garantir ao contribuinte vantagem financeira, uma vez que o seu envolvimento em ações ambientalmente desejáveis resultará em incentivos fiscais. Registre-se que o artigo 170, da Constituição da República Federativa do Brasil, impõe à tributação, enquanto meio de implementação de política econômica, essencialmente a observância da defesa do meio ambiente. Isso porque o artigo 170, inciso VI, da Constituição Brasileira, expressamente dispõe que: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) Além disso, o artigo 225, § 1º, da Constituição Brasileira, atribui ao Poder Público o dever de zelar pelo meio ambiente, reservando-lhe diversas incumbências a fim de assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente. Tais disposições constitucionais corroboram a ecotributação, sendo certo que esta pode ser implementada em qualquer ente federativo – União, Estados, Municípios e Distrito Federal – e pode ter por objeto quaisquer tributos. No presente trabalho, o foco operou-se no estudo de um imposto, de competência municipal, que pode ser destinado a fins ambientalmente desejáveis no meio urbano: o IPTU. 2.2. O IPTU verde Assim como os demais tributos, o IPTU pode ser utilizado como mecanismo de incentivo aos contribuintes à adoção de condutas ambientalmente desejáveis. Apesar de ser um imposto eminentemente fiscal, é aplicável ao IPTU a extrafiscalidade com vistas ao estímulo de práticas favoráveis ao meio ambiente. Com efeito, o artigo 156, § 1º, II, da Constituição da República Federativa do Brasil, faculta aos Municípios a estipulação legal de alíquotas diferenciadas de acordo com a localização e o uso do imóvel.

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Nessa linha de raciocínio, o legislador municipal poderia sopesar a classificação dada aos imóveis e impor alíquotas menores aos contribuintes que se propusessem a preencher determinados requisitos legais voltados à preservação ambiental. Isso porque a Constituição Brasileira não veda a utilização de alíquotas diferenciadas para fins ambientais, dando margem à implementação do chamado IPTU verde. Sendo assim, o poder público fomenta a proteção do meio ambiente, bem essencial à vida, e satisfaz os contribuintes, concedendo-lhes vantagem financeira. Note-se que a variação de alíquotas não é a única possiblidade. O Município pode manter inalterada a alíquota e optar pela concessão de desconto ao contribuinte no valor final do IPTU. Como a concessão de benefício tributário constitui renúncia fiscal, faz-se necessário observar os ditames da Lei n. 101/2000, que cuida da responsabilidade na gestão fiscal. O artigo 11, da referida lei, estabelece: Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação. Nessa lógica, a concessão de eventuais benefícios resultaria em um déficit na arrecadação tributária e equivaleria a uma perda de receita pública, o que é inconcebível. Entretanto, não há que se falar em perda de receita quando um benefício tributário é concedido em razão de ações ambientalmente desejáveis, porquanto ocorre espécie de compensação com as despesas que o Poder Público eventualmente teria para proteção, preservação e recuperação do meio ambiente. Do exposto, vê-se que a tributação ambiental respeita os preceitos de renúncia fiscal existentes na Lei n. 101/2000, conquanto que se indique e comprove a efetiva compensação das despesas com os benefícios concedidos, de sorte que não há óbice à instituição do IPTU verde. Inclusive, é grande a dificuldade técnica de se efetivar o ajuste orçamentário, seja pela impossibilidade de se quantificar os contribuintes que adeririam ao IPTU verde, seja pela impossibilidade de se prever os gastos que eventualmente seriam gerados para recuperação ambiental, o que tampouco obsta a concessão dos incentivos fiscais em análise. 2.3 Sustentabilidade e a água É cediço que a água é o recurso natural mais precioso. Ela é necessária para o consumo, para a produção e o preparo de alimentos, para o saneamento, limpeza e higiene pessoal, para a geração de energia e para outros fins igualmente importantes. Para o Dicionário Houaiss, o termo “água” significa “substância (H2O) líquida e incolor, insípida e inodora, essencial para a vida da maior parte dos organismos vivos e excelente solvente para muitas outras substâncias; óxido de hidrogênio”. Cobre 70% (setenta por cento) da superfície do planeta e é imprescindível à existência de vida humana, animal e vegetal na Terra. Tamanha é a importância da água que entre 60% (sessenta por cento) e 70% (setenta por cento) do organismo humano é composto dessa substância. Na dicção de FACHIN e SILVA, a água é “o microbem ambiental que oferece condição essencial para a existência da vida no Planeta Terra. Não obstante ser micro, é tão macro que, sem ela, fauna e flora, atmosfera e solo não existiriam”. No mesmo sentido, GRANZIERA (2014) diz que “a disponibilidade hídrica é condição básica para a sobrevivência dos homens, dos animais e das plantas. A água, combinada com

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a terra, produz plantas e florestas as quais, por seu turno, são indispensáveis à manutenção da vida humana e animal”. Trata de um recurso indispensável não só à subsistência humana, como também ao desenvolvimento das mais diversas atividades, sobretudo as econômicas. A título de nota, importa destacar que a “água” não pode ser confundida com os “recursos hídricos”. A água constitui um elemento natural de nosso planeta, assim como o petróleo. Como elemento natural, não é um recurso, nem possui qualquer valor econômico. É somente a partir do momento em que se torna necessário a uma destinação específica, de interesse para as atividades exercidas pelo homem, que esse elemento pode ser considerado como recurso. (GRANZIERA, 2014) Por todas estas razões, uma das moções do desenvolvimento sustentável é o fomento à adequada gestão da água, garantindo-se, assim, a preservação de um recurso vital que é esgotável e já se encontra em escassez. Todavia, o consumo de água tem se elevado e, se não houver um equilíbrio entre a demanda e a oferta, o mundo deverá enfrentar um déficit global de água. É o que consta do Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos (2015). A previsão é que, em 2050, o aumento da demanda hídrica corresponda a 55% (cinquenta e cinco por cento), em razão do crescimento dos setores industrial e de energia termoelétrica e, também, em razão do uso doméstico inconsequente. Em contrapartida, até 2030, as reservas hídricas podem encolher 40% (quarenta por cento). Nesse contexto, fala-se em potencial crise mundial de água, sendo premente a utilização racional desse recurso vital, para o fim de se adequar o seu uso à sustentabilidade. A Declaração Universal dos Direitos da Água (1992), em seu artigo 1º, classifica a água como patrimônio do planeta e estabelece, no artigo 3º, que “deve ser manipulada com racionalidade, precaução e parcimônia”. Demais disso, o artigo 7º, da mesma declaração, preconiza que: A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral, sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração da qualidade das reservas atualmente disponíveis. Isso porque, tal como o artigo 4º, da referida declaração, dispõe, “o equilíbrio e o futuro do nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra”. Nessa perspectiva, a Conferência das Nações Unidas para a Água (1977) e a Conferência Internacional sobre Água e Meio Ambiente (1992) reconheceram e debruçaramse sobre a problemática da água, aliando-a à sustentabilidade através do um programa de ação denominado “A Água e o Desenvolvimento Sustentável”. Na Conferência Internacional sobre Água e Meio Ambiente, ocorrida em Dublin, na Irlanda, foram estabelecidos quatro princípios, dentre os quais se destaca o segundo, o qual afirma que “o desenvolvimento e a gestão da água devem basear-se numa abordagem participada a todos os níveis, envolvendo utilizadores, planejadores e decisores políticos”. No ordenamento jurídico brasileiro, vige a Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Mormente, os objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos são assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água e a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, com vistas ao desenvolvimento sustentável (artigo 2º).

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Portanto, tem-se que é perfeitamente possível conciliar a sustentabilidade com a gestão da água, cabendo ao Poder Público desenvolver políticas públicas de conscientização e incentivo. Insta realçar que a água e o desenvolvimento sustentável podem ser grandes aliados nos centros urbanos, onde o desperdício e a poluição da água são tão comuns quanto em outros locais, bastando a promoção do equilíbrio entre o desenvolvimento das atividades econômicas e o uso comedido da água. A propósito, a Conferência Internacional sobre Água e Desenvolvimento Sustentável (1998), que ocorreu em Paris, enfatizou que a água doce é essencial ao desenvolvimento sustentável e à vida, tendo valores sociais, econômicos e ambientais, os quais estão interligados e são dependentes entre si (GRANZIERA, 2014). Merece destaque, ainda, a Conferência Internacional sobre Água Doce (2001), cuja sede foi Bonn, que considerou a água um dos pilares da sustentabilidade e apontou a sua importância para a sociedade, a economia e o meio ambiente. 3. Resultados e Discussão Considerando que a tributação ambiental se apresenta como um meio de estimular os contribuintes a adotarem condutas ambientalmente desejáveis, é admissível que seja combinada com a sustentabilidade. Admite-se, ainda, que a tributação ambiental seja voltada, especificamente, à utilização sustentável da água, a fim de que aqueles que implementarem mecanismos de economia e aproveitamento de água se beneficiem de incentivos fiscais. Mais do que isso, é legítimo que o IPTU verde constitua verdadeiro mecanismo de influência no uso sustentável da água, para o fim de estimular que aqueles que detenham a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel situado em zona urbana façam o uso racional desse recurso vital. Em contrapartida, os contribuintes seriam favorecidos com descontos no tributo, os quais poderiam ser através da diferenciação de alíquotas ou da redução no valor final do imposto. Alguns Municípios no estado de São Paulo já instituíram o IPTU verde, como, por exemplo, Guarulhos, Campinas, Sorocaba, São Vicente, Santos, Araraquara, Ubatuba, Americana, Tietê, Campos do Jordão e Barretos. Na atualidade, existem inúmeros inventos que permitem a economia de água nos centros urbanos, como a instalação de banheiros secos, a criação de chuveiros a vapor, a dessalinização da água do mar para consumo, o tratamento do esgoto doméstico e diversas técnicas de aproveitamento e reuso. Dentre outras medidas, o IPTU verde é eficaz, principalmente nas residências, para instigar o aproveitamento da água da chuva, da água dos aparelhos de ar-condicionado e da água do banho e da pia. Dessa forma, passaremos a tratar de cada uma dessas medidas de uso sustentável nas residências, ponderando os seus benefícios para o meio ambiente. 3.1 Aproveitamento da água da chuva Por certo, uma das principais ações para economia de água é a instalação de mecanismo de aproveitamento da água da chuva. É simples e eficiente. Basicamente, o interessado deve implantar um sistema de coleta da água da chuva no telhado através das calhas, as quais direcionarão a água diretamente para um tanque ou uma cisterna, como demonstra a figura73 a seguir. 73

EBAH. Disponível a partir do site , acessado em 01/09/2015.

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Uma vez realizada a coleta da água, o seu uso pode ser direcionado para as mais diversas finalidades, como à lavagem de calçadas e quintais, à limpeza de carros e motos, às descargas sanitárias e, até mesmo, à irrigação de plantas e gramados. Em que pese a água seja imprópria para o consumo humano, ela é limpa e pode ser aproveitada, propiciando a economia financeira e o atendimento às propostas do desenvolvimento sustentável. Impende ressaltar que é possível a instalação de filtros para que, antes do escoamento na cisterna, os detritos sejam retidos e as sujeiras do telhado não se misturem com a água. Ademais, há de se notar que existe a possibilidade de o sistema de captação de água da chuva ser implementado em edifícios, sejam residenciais ou não. 3.2 Aproveitamento da água dos aparelhos de ar-condicionado Dadas as mudanças climáticas e a elevação da temperatura média do planeta, o calor se intensificou e o uso dos aparelhos de ar-condicionado aumentou consideravelmente. O Diário de Pernambuco (2015), em notícia divulgada, aponta que, somente para a China, foram vendidas 64 milhões de unidades de aparelhos de ar-condicionado no ano de 2013. Nesse sentido, foram desenvolvidas técnicas para a coleta da água condensada do arcondicionado e o seu aproveitamento, semelhantemente ao que ocorre com a água da chuva. Para tanto, basta a criação de um sistema de drenagem que possibilite a captação da água eliminada com a condensação e o seu armazenamento em um reservatório apropriado, o que é acessível e de baixo custo, conforme informações divulgadas no site do NE10 (2015). Destaque-se que a condensação é um processo em que há a transformação de substância no estado gasoso para o estado líquido. No caso da condensação em aparelho de ar-condicionado, consiste na transformação da umidade do ar existente no ambiente refrigerado em água. Em tempo, cabe mencionar que não só particulares como também empresas aderiram ao mecanismo de aproveitamento de água dos aparelhos de ar-condicionado, utilizando-a para a limpeza externa e a irrigação de jardins. 3.3 Aproveitamento da água do banho e da pia O aproveitamento dá água do banho consiste em outro recurso sustentável, de fácil instalação e recomendável para a economia doméstica de água.

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Registre-se que, em se tratando de reuso, existem dois tipos de água: a “negra” e a “cinza”. A água “negra” contém resíduos sólidos e efluentes fecais, apresentando grande concentração de agentes bacterianos. É aquela eliminada pelo vaso sanitário e pela pia da cozinha. Por outro lado, a água “cinza” não possui resíduos sólidos, nem efluentes fecais. Assim sendo, não concentra bactérias e pode vir a ser reutilizada. É o caso da água do banho, da pia do banheiro, da máquina de lavar e do tanque. A água do banho pode ser usada na irrigação de jardins, na lavagem de pisos e veículos automotores. No entanto, o emprego nas descargas dos vasos sanitários é mais comum, pois contribui para uma economia equivalente a 30% (trinta por cento) de água potável, como sugere a imagem74 que segue.

Ademais, também é possível o direcionamento da água da pia do banheiro para as descargas sanitárias, como na ilustração abaixo, em que a água da pia é filtrada, fica depositada no lavabo e, quando necessário, é bombeada para o tanque do vaso, como na figura75 abaixo.

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CULTURA MIX. Disponível a partir do site , acessado em 01/09/2015. 75 ECODESENVOLVIMENTO. Disponível a partir do site , acessado em 01/09/2015.

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Em consulta às legislações dos Municípios citados, vislumbra-se que as leis municipais de Guarulhos, Ubatuba e Sorocaba contemplam a hipótese de implantação de sistemas de captação da água da chuva e de reuso de água. Tais normas definem a captação da água da chuva como sistema que capte água da chuva e armazene em reservatórios para utilização do próprio imóvel. No que toca ao reuso de água, conceituam como a utilização, após o devido tratamento, das águas residuais provenientes do próprio imóvel, para atividades que não exijam que a mesma seja potável. Critica-se o fato de a lei de Guarulhos conceder somente 3% (três por cento) de desconto no IPTU aos contribuintes que adotarem esses sistemas, enquanto a lei de Sorocaba dispõe que o desconto deve ser de 10% (dez por cento). Ubatuba, por sua vez, deixou a critério do poder executivo a fixação dos patamares desse desconto. Demais disso, faz-se a crítica ao Município de São Vicente, que dispõe que a diminuição no consumo de água pode acarretar a redução de alíquota em até 0,3% (três décimos percentuais), bem como ao Município de São Carlos, que sequer prevê a concessão de incentivos fiscais no IPTU àqueles que aderirem à utilização sustentável da água. A despeito disso, tem-se que o IPTU verde é um excelente incentivo para o uso sustentável da água, sendo inúmeros os mecanismos existentes que permitem a sua economia e reaproveitamento. Da análise das leis dos Municípios de Guarulhos, Sorocaba e Ubatuba, infere-se que o legislador se preocupa com a utilização adequada da água. Inclusive, o Município de Sorocaba se sobressai com a concessão de 10% (dez por cento) de desconto, no valor do IPTU, àqueles que se dedicarem à instalação de sistemas de captação da água da chuva e de reuso da água. 5. Conclusões A essência da tributação ambiental é encorajar os contribuintes a aderirem práticas ambientalmente sustentáveis por meio da concessão de incentivos fiscais. Nesse diapasão, a extrafiscalidade se apresenta como um instrumento de grande relevância para estimular os contribuintes a alcançarem a finalidade pretendida mediante uma contraprestação do Poder Público. A despeito de ser admitida no ordenamento jurídico vigente, em especial na Constituição Federal, observa-se que a ecotributação ainda encontra entraves. Vê-se que esse mecanismo de incentivo tributário não se propagou, sendo pouquíssimos os entes federativos que se propuseram a instituir tributos ambientais em razão das dificuldades de operacionalização e fiscalização.

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Ainda assim, o IPTU verde é uma possibilidade jurídica e tem ganhado espaço no cenário nacional. Muitos Municípios já o instituíram, enquanto outros sequer cogitam a sua implementação. A questão é que os incentivos são reduzidos e os quesitos vagos, bem como há um déficit na divulgação, sendo certo que a maioria dos contribuintes desconhece as vantagens que estão ao seu alcance. Nos casos em que os incentivos são moderados, são muitas as exigências, o que desestimula o engajamento dos atores sociais e, por via de consequência, inviabiliza o favorecimento do meio ambiente. Com a concessão do benefício fiscal, surge a dificuldade no ajuste fiscal, que é imprescindível a fim de se evitar o déficit na arrecadação tributária, e na demonstração da correlata compensação. Com efeito, a sustentabilidade está claramente ligada à gestão racional da água. Nesse sentido, é admissível que as políticas de tributação ambiental se voltem à utilização sustentável desse elemento. Considerando que os mecanismos de sua utilização sustentável, especificamente, são de simples instalação e de baixo custo, uma política de tributação ambiental equilibrada propiciaria o envolvimento da sociedade na economia de água. Não se pode olvidar que, certamente, haveria uma dificuldade na fiscalização dessas medidas tributárias, o que tampouco pode servir de justificativa para a sua não implementação. Em matéria de tributação ambiental, é de rigor o enfoque em suas consequências, as quais são invariavelmente superiores a quaisquer obstáculos que possam surgir. Destarte, faz-se necessário o investimento em campanhas de conscientização ambiental e ampla divulgação das vantagens à população, difundindo-se os benefícios da tributação sob a perspectiva ambiental. Referências CÂMARA MUNICIPAL DE GUARULHOS. Disponível a partir do site , acessado em 07/08/2015. CÂMARA MUNICIPAL DE SANTOS. Disponível a partir do site , acessado em 28/10/2015. CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO CARLOS. Disponível a partir do site , acessado em 14/08/2015. CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO VICENTE. Disponível a partir do site , acessado em 15/08/2015. CÂMARA MUNICIPAL DE SOROCABA. Disponível a partir do site , acessado em 12/08/2015. COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2ª ed. Rio de Janeiro: FGV,1991, p. 49. COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. CULTURA MIX. Disponível a partir do site , acessado em 01/09/2015.

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Impacto dos mecanismos de compartilhamento de benefícios de usinas hidrelétricas no desenvolvimento de seus municípios afetados Sérgio Pulice (USP - Universidade de São Paulo) Cláudia Okamoto (Universidade de São Paulo) Dr. Evandro Mateus Moretto (USP - Universidade de São Paulo) As usinas hidrelétricas são empreendimentos responsáveis pela mobilização de intensos recursos financeiros, recursos naturais e força de trabalho, além de geradores de importantes impactos ambientais negativos na escala local onde se inserem, os quais conformam o próprio percurso de desenvolvimento das localidades afetadas. Como forma de compensar tais déficits no desenvolvimento local, o Brasil possui mecanismos de compartilhamento de benefícios que destinam mensalmente recursos financeiros aos municípios diretamente afetados, quais sejam: a compensação financeira pelo uso dos recursos hídricos e parte do imposto auferido pela geração de energia elétrica (ICMS). Considerando que estes mecanismos possuem arranjos institucionais diferentes entre si, mas padronizados para toda a escala nacional, o objetivo do presente trabalho é verificar os efeitos de tais mecanismos de compartilhamento de benefícios em relação ao desenvolvimento dos municípios afetados. De forma geral, é possível inferir que existam associações entre incrementos nos valores recebidos por ambos mecanismos de compartilhamento de benefícios e incrementos no desenvolvimento dos municípios diretamente afetados. Porém, em função de diferenças nos arranjos institucionais dos mecanismos de compartilhamento de benefícios, é possível também inferir que estas associações sejam mais significativas entre incrementos nos valores do ICMS e incrementos no desenvolvimento local, considerando que este mecanismo possui regras formais mais sólidas para o seu uso e para avaliações ex-post por auditorias governamentais. Para isso, foram identificados todos os municípios brasileiros diretamente afetados por 170 hidrelétricas com capacidade instalada igual ou superior a 30 MW, os valores de compensação financeira e do ICMS que cada um deste municípios que recebe, além de 256 indicadores de desenvolvimento humano produzidos pelos órgãos estatísticos brasileiros. Por fim, foram realizadas análises estatísticas de correlação entre cada um dos mecanismos e cada um dos indicadores de desenvolvimento. A partir dos resultados obtidos para a escala nacional brasileira, verificou-se a inexistência de padrão de associações estatísticas significativas de ambos os mecanismos de compartilhamento de benefícios em relação aos indicadores de desenvolvimento, ainda que para algumas usinas hidrelétricas isoladas tenha sido verificado melhores desempenhos de desenvolvimento para os municípios recebedores de ICMS. A inexistência de associações estatísticas na escala nacional revela, inicialmente, que não há um efeito progressivo no desenvolvimento dos municípios em função de incrementos progressivos dos valores dos mecanismos de compartilhamento de benefícios, sugerindo que ambos os instrumentos não estejam funcionando como compensação dos déficits de desenvolvimento local gerados pelas hidrelétricas na escala nacional. Além disso, o fato de não haver diferença de efeitos entre ambos mecanismos no o desenvolvimento local sugere ainda que ambos comportam-se nacionalmente da mesma forma, apesar de haver diferenças padronizadas nacionalmente entre seus arranjos de regras formais. Por fim, o fato de haver evidências empíricas em hidrelétricas isoladas que indicam melhores desempenhos de desenvolvimento em alguns municípios recebedores de ICMS sugere, à luz da teoria da economia institucional, que a efetividade dos mecanismos pode ser menos dependente das regras formais nacionais e mais dependente das regras informais que regem o desenvolvimento de localidade. Palavras – Chave: Desenvolvimento local; Compensação Financeiras; Imposto; Instituições; Regras Formais

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Energia e Desenvolvimento na África sub-sahariana: na procura de caminhos para reduzir a pobreza energética Mohamed Ahmed(1), Carla M. B. P. Oliveira (1,2), Fernando J. P. Caetano (1,2)

(1) Universidade Aberta, R. da Escola Politécnica, 147, 1269-001 Lisboa, Portugal (2) Centro de Química Estrutural, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal Embora possua grandes jazigos de energias fósseis e potencialidades naturais a nível de fontes de energias renováveis, África sofre da maior taxa de Pobreza Energética (PE) mundial: entre 80 a 90% das famílias africanas dependem da biomassa para cozinhar e aquecer-se e, neste contexto, a OMS estima que a poluição interna nas habitações provoca, anualmente, 1.5 milhões de mortes, dos quais 400 mil ocorrem na África a sul do Sahara (excetuando a República da África do Sul). No presente contexto a PE é definida como a ausência de escolhas suficientes que permitam acesso a serviços energéticos adequados, a preços comportáveis, fiáveis, eficazes e sustentáveis em termos ambientais e com vista a sustentar o desenvolvimento económico e humano. O não acesso a serviços energéticos adequados tem consequências negativas diretas para as populações, nomeadamente ao nível da saúde, educação, ambiente, produção agrícola, segurança alimentar.... Ao longo de décadas foram testados vários modelos de desenvolvimento pelos governos e instituições internacionais conceituadas e a Pobreza Energéticanão só continua como, em alguns casos até se tem agravado. Este trabalho procura caracterizar os contornos e a perceção do fenómeno da PE na Mauritânia e, acessoriamente nalguns países vizinhos da banda sahelo-sahariana, que vai das ilhas de Cabo Verde e atravessa o continente até à Etiópia na parte leste, nomeadamente no Senegal. A Mauritânia, enquanto estado independente, têm pouco mais de meio século de história que,no presente trabalho e dentro da análise que pretendemos efetuar, pode ser dividido, no que às políticas de desenvolvimento dizem respeito, em 4 estádios: i) imediatamente após a independência (1960 a 1973) caracterizado por políticas de gestão corrente e lançamento das bases de um Estado moderno; ii) período de 10 anos entre 1973 e 1983,caracterizado por grandes secas com consequências dramáticas do ponto de vista humano e socioeconómico; iii) período pós seca, entre 1984 e finais dos anos 90, caracterizado por uma economia controlada externamente pelo FMI e BM através dos Programas de Reajustamento; iv) início do séc. XXI, até aos dias de hoje, caracterizado por uma relativa recuperação da economia, com taxas de crescimento económico importantes, maior consciência a nível do ambiente e da necessidade de políticas de mitigação dos efeitos das alterações climáticas. O trabalho procura sistematizar algumas das causas do insucesso – ou muito limitado sucesso - dos modelos de desenvolvimento experimentados a partir de finais dos anos 1970, em particular os programas implementados a partir de meados dos anos 80 e, ainda, na sequência de uma caracterização da conjuntura socioeconómica, dos riscos naturais e dos efeitos das mudanças climáticas próprios da região assim como da avaliação crítica das políticas públicas de desenvolvimento, tentar-se-ãoapontar algumas pistas que possam contribuir para inverter o ciclo endémico da pobreza, em particular na sua vertente energética particularmente ao nível do acesso universal e da qualidade e fiabilidade dessa energia.

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Palavras-chave: desenvolvimento sustentável, pobreza energética, alterações climáticas, transição energética, energias tradicionais.

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Instituições e estruturas de governança para o desenvolvimento sustentável Políticas Públicas para o Desenvolvimento Sustentável Public Politics for the Sustainable Development Carla Abrantkoski Rister76 Resumo O tema do desenvolvimento tem sido exaustivamente estudado sob o prisma econômico, sendo enfocado somente mais recentemente pela ciência jurídica, a partir da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos, aprovada na 18ª. Conferência de Chefes de Estado e Governo, reunida no Quênia em 1981. Ocorre que a teoria econômica tem sido excessivamente influenciada por matrizes teóricas anglo-saxônicas, sendo que, de tal sorte, alguns problemas estranhos às preocupações econômicas do mundo desenvolvido podem ter passado ao largo de tais estudos. Nesse contexto, os problemas específicos do desenvolvimento africano, latino-americano e indiano merecem abordagem diferenciada. Sob o ponto de vista das economias desenvolvidas, a preocupação maior tem sido a discussão sobre o funcionamento mais eficiente e produtivo do mercado, através de considerações concentradas no aumento da riqueza total, sem considerações redistributivas. Trata-se da teoria neoclássica. Mencione-se ainda o grupo de estudiosos que, sem negar a teoria clássica focada no bom funcionamento dos mercados, fundou a difundida escola da nova economia institucional, focando seu campo de estudos nas instituições sociais, tendo como representante maior North, que vincula o desenvolvimento econômico ao desenvolvimento das instituições. Já um terceiro grupo de economistas, embora trabalhando individualmente, dedicou-se a temas envolvendo questões de pobreza e desenvolvimento, procurando destacar a importância dos valores dentro da teoria econômica, como Amartya Sen, que propugnou por uma revisão ética do conceito de racionalidade econômica. Hoje há praticamente um consenso de que não se chega ao desenvolvimento por curtas ações, sabese que é um processo de longo prazo, induzido por políticas públicas ou programas de ação governamental em três áreas principais: econômica, social e política. O aspecto econômico engloba o crescimento endógeno e sustentado da produção de bens e serviços, nos termos do que assevera Fábio Konder Comparato. O caráter endógeno decorreria do fato de ser fundado em fatores internos de produção e não predominantemente em recursos do exterior. Já o crescimento sustentável decorreria da sua obtenção não por meio da destruição de bens insubstituíveis. O crescimento está mais pautado em variáveis de cunho quantitativo, enquanto o desenvolvimento vincula-se a parâmetros qualitativos, tendo o conceito de desenvolvimento sustentável sido detalhado no informe Brundtland, apresentado em 1987 pela Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento da ONU. Ocorre que a ênfase ambiental de não destruição de bens insubstituíveis somente poderá ser dada se houver incentivo econômico ou se forem destinados recursos para tanto, seja através de políticas extrafiscais, seja de incentivo direto. Abstract

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Professora Doutora em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP), Juíza Federal, Professora de Direito Tributário, Econômico e Constitucional, integrante do Grupo Novos Direitos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Brasil. 83

Development has been exhaustively studied under the Economy optic, and being focused judicially only recently by the African Charter on Human and People’s Rights, approved by the 18th Assembly of Head of State and Government, set in Kenya in 1981. The economic theory has been excessively influenced by theoretical Anglo-Saxon grounds, a perspective that has caused some unique problems from the developing world to be ignored. In this context, the specific problems regarding African, Latin-American and Indian development deserve a different approach. Under the viewpoint of the developed economies, the major concern has been the increase of efficiency and production, throughout mainly on the increase of the total wealth, without considering redistribution. This is the neoclassic theory. It also mentions the study group that, without denying classic theory focused on the well-behavior of the markets, has funded the widespread academy of the new institutional economy. They focus their field of study on social institutions, and their biggest representative is North, who unites the economic development to the institutional development. Though working individually, a third group of economists including Indian economist Amartya Sen, has dedicated themselves to themes that involve poverty issues and development. They seek to pinpoint the importance of values inside economic theory that has spread an ethical review of the concepts of economic rationality. Nowadays, it is practically common sense that it is impossible to conquer development by short-term actions. It is known it a long-term process, led by public politics or governmental action programs in three major areas: economic, social and political. The economic aspect involves the endogenous growth and it sustains the production of goods and services, in terms of what Fábio Konder Comparato agreed. The endogenous facet was due to the fact of being funded by intern production factors and not predominantly in exterior resources. The sustainable growth was not caused by the destruction of irreplaceable goods. The growth is funded in quantitative variables, meanwhile development is more related to qualitative parameters. This happens when sustainable development becomes a concept in the Brundtland Commission, in 1987 presented by the United Nations. The non-destruction environmental emphasis of irreplaceable goods can only be given if there is economic incentive or if has been designated as such, through extrafiscal politics or by direct incentive. Palavras-chave: Legislação.

Desenvolvimento

Sustentável,

Ordem

Econômica,

Extrafiscalidade,

Key-words: Sustainable Development, Economical Order, Extrafiscality, Legislation. 1. Introdução O desenvolvimento tem sido tratado predominantemente sob a ótica econômica, sendo a abordagem jurídica por vezes incipiente. Tal vertente do denominado Direito ao Desenvolvimento o considera inicialmente como um direito dos povos, dentro da classificação tradicional em termos geracionais, como um direito de solidariedade ou de fraternidade. Foi previsto na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos aprovada no Quênia em 1981, que consiste no primeiro documento normativo internacional a conferir direitos aos povos, nos planos interno e internacional. Existem várias abordagens possíveis para a concretização de tal direito, que carece de conceituação teórica, seja sob o prisma do Direito Internacional ou sob a ótica do Direito Comparado, de modo a integrar o conceito do Direito ao Desenvolvimento, trazendo os elementos necessários para que a regulação econômica seja conformadora do desenvolvimento econômico e social e não um obstáculo ou entrave a ele.

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Define-se o Direito Econômico, com base no critério de Washington Peluso Albino de Souza como “o ramo do Direito, composto e que tem por objeto regulamentar as medidas de política econômica referentes às relações e interesses individuais e coletivos, harmonizando-as - pelo princípio da ‘economicidade’ – com a ideologia adotada na ordem jurídica” [GRAU, EROS ROBERTO77]. Acerca de tais ideologias possíveis de serem adotadas no âmbito econômico, cabe lembrar que os economistas liberais mencionam que o homem não é um bom administrador de interesses comunitários, mas em termos de interesses próprios ninguém é melhor do que ele e, ao maximizar seus interesses próprios, sem intervenção externa, mais eficiente se torna a sociedade. De modo que, num ambiente competitivo o individualismo tenderia a servir ao bem comum. A eficiência econômica consistiria no instrumento mais importante para o desenvolvimento dos mercados [NETO, SILVEIRA78]. Verificou-se, no entanto, que o paradigma liberal não conseguiu atender satisfatoriamente alguns setores industriais, que tiveram de ser absorvidos ou desenvolvidos pelo Estado, a exemplo dos monopólios naturais, em que as economias de escala são poderosas, os investimentos levam um tempo muito longo para maturação, fazendo com que o modelo privado tenha dificuldades para sobreviver. Assim, em infraestrutura e serviços públicos (como aço, mineração, construção naval, petroquímica, energia, suprimento de água, transportes), a experiência mostrou que o paradigma liberal produziu resultados medíocres [COUTINHO, LUCIANO79]. Já o direito internacional do desenvolvimento teria por objetivo procurar soluções para as questões apresentadas pela diferença econômica entre os diversos Estados e se distingue do Direito ao Desenvolvimento, não havendo consenso doutrinário em relação ao primeiro de que se trata de direito autônomo ou de um ramo do Direito Internacional Público [RISTER, CARLA80]. Considerando as dificuldades de se conciliar o tempo do fato econômico com o tempo das normas jurídicas, note-se que a evolução do direito se processa em velocidade relativamente mais lenta do que aquela em que se processa a evolução dos fatos sociais e econômicos, cujo dinamismo tem sido ainda mais intensificado pelos recursos tecnológicos da informática, da internet e do processamento de dados à distância, que torna algumas operações financeiras quase que instantâneas. Há consenso entre alguns economistas como North e Amartya Sen de que processos de desenvolvimento dependem de instituições e valores. A grande pergunta consiste justamente em buscar o sentido para o qual devem apontar essas instituições e valores. O conceito de Direito ao Desenvolvimento evoluiu desde sua primeira utilização por Keba M’Baye em 1971, até ser consagrado como um dos direitos fundamentais, na Conferência de Viena de 1993, no âmbito das Nações Unidas. 77

GRAU, Eros Roberto. A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988, Malheiros Editores, São Paulo, 2015, p. 149. 78 SILVEIRA NETO, Octacílio dos Santos, A livre concorrência e a livre-iniciativa como instrumentos de promoção do desenvolvimento – A função estabilizadora da intervenção do Estado no domínio econômico, Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 11, n. 42, abr/jun 2013, p. 126. 79 COUTINHO, Luciano G., Regulation and Development: Reflections in the aftermath of neoliberalism, Revista DIREITO GV, ESPECIAL 1, 2005, p. 283. 80 RISTER, Carla Abrantkoski, Direito ao Desenvolvimento, Antecedentes, Significados e Consequências, Renovar, Rio de Janeiro, 2007, p. 68-69. 85

Segundo Amartya Sen81, dentro desta visão inicial, os desenvolvimentos humanos seriam melhor concebidos como um conjunto de pretensões éticas que não podem ser identificadas com direitos legalmente exigíveis. Além das dificuldades apontadas quanto à concretização desse direito, o desenvolvimento poderá apresentar-se em conflito com outras variáveis também visadas pela política econômica, como a estabilidade monetária, em face da demanda colossal de recursos que, em grande parte, sairão dos cofres públicos. Como exemplo, o objetivo da preservação ecológica em oposição ao desenvolvimento industrial, quando as agressões ambientais desdobrar-se-iam em proporções na maior parte das vezes superiores ao próprio incremento de bem-estar trazido pelo processo de desenvolvimento [NUSDEO82]. Quem dará essas balizas ao modelo de desenvolvimento a ser implementado será justamente o sistema jurídico, através da Constituição Federal, dos Tratados Internacionais celebrados e das leis esparsas. 2. Métodos Com o presente trabalho pretende-se demonstrar em que sentido as instituições e as estruturas de governança devem apontar, para tornar possível algo que vem sendo concretizado de maneira muito lenta, a partir das primeiras menções ao termo sustentabilidade, que já há algum tempo vem sendo abordado em documentos legais no âmbito das Nações Unidas. Para tanto, a presente pesquisa se deu de forma qualitativa, partindo-se da análise do tema sob o prisma da Carta Magna brasileira de 1988, apontando e buscando os instrumentos e as ferramentas através dos quais as políticas de desenvolvimento sustentável poderão ser implementadas. Trazendo elementos doutrinários, tenciona-se unir o plano jurídico ao plano prático de elaboração e consecução das políticas públicas. 3. Resultados e Discussão O Desenvolvimento na Ordem Econômica e suas externalidades A Constituição Federal brasileira de 1988 tratou com especial atenção o tema do desenvolvimento, erigindo-o, inclusive, a objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, a saber, a garantia do desenvolvimento nacional (art. 3º, inc. II). Nessa perspectiva, o legislador constituinte brasileiro preocupou-se em assegurar em diversas passagens a necessidade do estímulo ao desenvolvimento, em suas mais amplas perspectivas, pois, cônscio da realidade nacional, vislumbrou-o como importante instrumento de erradicação da pobreza e da marginalização, bem assim de redução das desigualdades sociais e regionais (estes últimos objetivos constantes do art. 3º, inciso III, da C.F./88). Isso por que o desenvolvimento também atua no sentido de promover o bem-estar social. O Brasil detém território de proporções continentais, com ampla diversidade econômica e social. Políticas eventualmente necessárias ao incremento do desenvolvimento nas regiões norte e nordeste não são as mesmas no sudeste, centro-oeste e sul, justamente por serem regiões muito diferentes entre si.

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SEN, Amartya, Desenvolvimento como liberdade, Companhia das Letras, São Paulo, 2000, p. 264. 82 NUSDEO, Fabio, Um retrospecto e algumas perspectivas. In: SALOMÃO FILHO, Calixto, Regulação da atividade econômica, Malheiros Editores, São Paulo, 2008, p. 18-23. 86

Não vem de hoje a preocupação de nosso legislador constituinte com o desenvolvimento, uma vez que constituições anteriores já o asseguravam. Nem poderia ser diferente, já que o Brasil encontra-se na condição de país em desenvolvimento há muitos anos. Em que pesem a sua situação de proeminência mundial em termos de Produto Interno Bruto e algumas melhorias nos índices econômicos e sociais até o início da primeira década do presente século, o Brasil encontra-se em situação acanhada no tocante ao desenvolvimento, se se considerar os índices qualitativos e de desigualdade, havendo longa estrada a ser percorrida. Além de ter erigido a objetivo fundamental o desenvolvimento nacional, o legislador constituinte também se preocupou em sistematizar a ordem econômica brasileira, delineando os princípios a nortear todos os agentes econômicos, públicos e privados. E assim o fez destacando a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, primando pela busca da existência digna, conforme ditames da justiça social (art. 170). E ainda destacou os seguintes princípios a serem observados: I - soberania nacional; II propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; e IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. À vista dos princípios acima dispostos, vislumbrou-se a opção do legislador constituinte em situar a atividade econômica no modo de produção capitalista, posto que alicerçada na livre iniciativa e na livre concorrência. Além disso, reservou ao Estado brasileiro excepcionais hipóteses de atuação na ordem econômica mediante exploração direta da atividade econômica em casos de imperativos da segurança nacional ou de relevante interesse coletivo (art. 173); ou atuando como agente normativo ou regulador da atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este último determinante para o poder público e indicativo para o setor privado (art. 174). Qualquer que seja o grau de desenvolvimento em que a nação se encontra, o sistema de produção capitalista pressupõe a maximização dos resultados, pois inerente a sua própria organização, circunstância que, por vezes, pode provisionar recursos de forma ineficiente na sociedade, ocasionando as chamadas falhas de mercado. Nesse escopo, a fim de acomodar o mercado e o necessário desenvolvimento econômico com outros preceitos Constitucionais, notadamente a defesa do meio ambiente, o Estado deverá intervir na ordem econômica. Tal intervenção se dá no sentido de coibir abusos e de preservar a livre concorrência de quaisquer interferências, abuso este do poder econômico que poderia levar à dominação dos mercados e ao aumento arbitrário dos lucros. Assim, a Constituição é capitalista, mas a liberdade de iniciativa somente é admitida enquanto exercida no interesse da justiça social e confere prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado. Desta feita, apesar de a Constituição ser capitalista, abre caminho à transformação da sociedade [GRAU, EROS ROBERTO83].

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SILVA, José Afonso da. In: GRAU, Eros Roberto. A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988, Malheiros Editores, São Paulo, 2015, p. 187-188. 87

Desta feita, tanto a busca pelo desenvolvimento como o modo de produção capitalista podem produzir, inegavelmente, resultados que afetam diretamente terceiros que não os diretamente envolvidos. Nesse caso, surgem as chamadas externalidades, que podem negativas, ou positivas. As negativas causam impacto nocivo a terceiros, enquanto que as positivas lhes trazem benefícios. Ocorre que em certos casos numa mesma atividade podem concorrer ambos os resultados. Exemplificativamente, pode-se destacar a instalação de parque fabril em certa localidade, o que, a princípio, promoverá o desenvolvimento, com a criação de empregos, através de crescimento da economia local. Todavia, por hipótese, caso as fábricas instaladas causem poluição ao ar, produzirão, ainda, uma externalidade ambiental negativa. Nessa acomodação de hipóteses, conforme expressa determinação constitucional, deverá o Estado intervir. O Desenvolvimento Sustentável e a Proteção ao Meio Ambiente No tocante à defesa do meio ambiente, a Constituição brasileira de 1988 inovou em relação às Cartas anteriores, na medida em que foi a primeira a tratar da matéria. À luz dos princípios aprovados na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, ocorrida em Estocolmo em 1972, bem assim à vista da evolução das tratativas mundiais, em face da efetiva constatação da deterioração do meio ambiente pela atuação predatória do homem, o Brasil, que em um primeiro momento opôs-se aos acordos globais, uma vez que se encontrava em franco processo de desenvolvimento cujas estratégias e diretivas foram concebidas pelo regime militar então vigente, finalmente com a Constituinte de 1988 interiorizou os preceitos e preocupações mundiais sobre a necessidade da defesa do meio ambiente. Um dos principais princípios destacados pela conhecida Convenção de Estocolmo previu que o homem possui direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras (Princípio I). Nessa Convenção começou-se a falar em ecodesenvolvimento, que pode ser considerado um embrião do termo desenvolvimento sustentável: “O conceito de Ecodesenvolvimento foi introduzido por Maurice Strong, Secretário da Conferência de Estocolmo (Raynaut e Zanoni, 1993), e largamente difundido por Ignacy Sachs, a partir de 1974 (Godard, 1991). Na definição dada por Sachs, citada por Raynaut e Zanoni (1993, p. 7), para um determinado país ou região o Ecodesenvolvimento significa o "desenvolvimento endógeno e dependente de suas próprias forças, tendo por objetivo responder problemática da harmonização dos objetivos sociais e econômicos do desenvolvimento com uma gestão ecologicamente prudente dos recursos e do meio" [FILHO, GILBERTO MONTIBELLER84]. Após, em 1983, a ONU nomeou a então Primeira Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, para comandar a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, vindo a apresentar em 1987 o conhecido Nosso Futuro Comum, ou Relatório Brundtland. A partir desse momento, passou-se a utilizar o termo desenvolvimento 84

FILHO, Gilberto Montibeller. ECODESENVOLVIMENTO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, CONCEITOS E PRINCÍPIOS, Textos de Economia, Florianópolis, 1993, v. 4, a. 1, p. 131-142. 88

sustentável, este compreendido “como as atuais gerações satisfazem as suas necessidades sem, no entanto, comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades”. Destaque-se que tais primados foram internalizados em nosso ordenamento jurídico pelo Constituinte de 1988, passando a albergar: o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida; impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput, CF/88). E, ainda, a Constituição em tais preceitos também elencou as formas de efetivação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Destaque-se que a CF/88 em seu art. 225, § 1º, expressamente dispôs acerca do papel do Poder Público para assegurar a efetividade desse direito: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. Essas, portanto, foram as premissas definidas pelo Constituinte e consistem naquelas a serem perseguidas para a concretização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Algumas situações, por sua especificidade, foram expressamente destacadas: aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei (art. 225, § 2º); a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais (art. 225, § 4º); são indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais (art. 225, § 5º); e as usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas (art. 225, § 6º). Além das mencionadas acima, expressamente consignou que as pessoas físicas e jurídicas são responsáveis penal e administrativamente pelas condutas lesivas ao meio ambiente, além da obrigação de reparar o dano (art. 225, § 3º). Aqui, trata-se da constitucionalização do princípio do poluidor pagador. A propósito, o art. 225 da CF/88, em linhas gerais, consagrou princípios objeto de discussões nos mais diversos órgãos multilaterais, consagrados, inclusive, em acordos internacionais, quais sejam o da prevenção, o do poluidor pagador, bem assim da necessidade da promoção de campanhas de educação ambiental. Além dessas hipóteses expressamente previstas, o legislador constituinte, como já destacado, previu dentre os princípios norteadores da ordem econômica a defesa do

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meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação (art. 170, inc. VI). A par disso, previu as hipóteses ou situações em que o Estado deverá atuar na atividade econômica, a fim de corrigir eventuais falhas do mercado, pois não se atua dentro de um mercado de concorrência perfeita, antes, ao contrário, atua-se no mercado imperfeito e real. Dizendo de outro modo, a CF/88 antevê na organização da atividade econômica falhas a serem evitadas ou, quando detectadas posteriormente, corrigidas pelo Estado, na forma dos arts. 173 e 174 já destacados. A interferência do Estado no domínio econômico se dará: “(...) de três modos; a saber, (R) ora dar-se-á através de seu ‘“poder de polícia’”, isto é, mediante leis e atos administrativos expedidos para executálas, como ‘“agente normativo e regulador da atividade econômica’”, caso no qual exercerá funções de ‘“fiscalização’” e em que o ‘“planejamento’” que conceber será meramente ‘“indicativo para o setor privado’” e ‘“determinante para o setor público’”, tudo conforme prevê o art. 174; ora fará (b) mediante incentivos à iniciativa privada (também supostos no art. 174), estimulando com favores fiscais; e ora (c) ele próprio, em casos excepcionais (...), atuará empresarialmente no setor, mediante pessoas que cria para tal fim” [BANDEIRA DE MELLO, CELSO ANTONIO85]. Por ora, não se pretende abordar aqui a forma de manejo do meio ambiente com as atuações Estatais de repressão, penal ou administrativa, tampouco da esfera reparatória (art. 225, § 3º, CF/88), mas sim de políticas públicas indutivas da iniciativa privada à proteção do meio ambiente, notadamente, vocacionadas ao estímulo das externalidades positivas. No tocante às externalidades negativas geradas ao meio ambiente pelo desenvolvimento da atividade econômica, o tema deve ser melhor estudado em seara própria, já que existem propostas no sentido de serem criados mecanismos para que os responsáveis as internalizem na cadeia de produção, assumindo seus efeitos, reproduzindo, efetivamente, o real custo do bem ou do serviço produzido. Ou, ainda, através de maiores investimentos em educação ambiental, conscientizando a população acerca da cadeia produtiva, exigindo informações dos produtores sobre eventuais externalidades negativas, evitando informações assimétricas, concedendo-se informação ao consumidor final para que ele possa exercer em sua plenitude o poder de escolha do produto. Nesse caso, possuem papel importante as certificadoras ambientais, com a aposição de selos ambientais nos produtos, destacando determinadas qualidades na gestão da cadeia de produção. Todavia, tais medidas no Brasil ainda se apresentam em fase inicial, havendo muito por fazer nessa seara. De um lado, temos país com inaceitável percentual de pessoas de baixa renda, que acabam privilegiando suas compras pelo critério preço, direcionando-as aos produtos mais baratos. A par disso, os responsáveis pela produção de bens ou serviços que, sabedores dessa triste realidade, não se preocupam em investir na melhoria contínua da cadeia produtiva com vistas a minorar os efeitos nocivos ao meio ambiente, pois isso geraria, num primeiro momento, maiores custos do produto ou bem final, tornando-o menos competitivo. 85 MELLO,

Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores, São Paulo, 1997, p. 434-435. 90

Ademais, pode parecer um exagero se falar em políticas públicas específicas à proteção do meio ambiente, quer as de incentivo ao consumo de produtos certificados ambientalmente, quer aquelas tributárias (mediante incentivo via diminuição de alíquota de determinados produtos ou combustíveis renováveis), vez que se está num país com quase metade da população sem coleta de esgoto, segundo dados do Ministério das Cidades, bem assim com mais de 40 % (quarenta por cento) dos resíduos sólidos produzidos sem destinação adequada, segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE - de 2013.86 No entanto, deve-se começar a atuar nesse sentido, até que o país chegue num nível de desenvolvimento social em que a população venha a adquirir o hábito de cobrar das autoridades a prática dessa política estatal de proteção ambiental, o que somente ocorrerá após o incremento de políticas públicas educacionais em matéria ambiental, conforme a Constituição preconiza. Tal se deve ao fato de que, diante da constatação da lógica do capitalismo de maximização dos lucros, em que tais ações protetivas não surgirão espontaneamente, ganham enorme relevo políticas públicas indutivas de comportamentos da atividade econômica, estimulando ações voltadas à melhoria do meio ambiente, em observância aos primados constitucionais. Políticas tributário-ambientais e a extrafiscalidade De regra, a política tributária sempre esteve fortemente atrelada ao seu caráter arrecadatório, objetivando custear as atividades estatais. O Estado, seja lá a dimensão de sua organização, necessita arrecadar recursos a fim de custear seu funcionamento. E assim o fará, de regra, com a instituição de tributos dentro dos respectivos campos de atuação constitucional estipulados para cada um dos entes federados, considerada uma estrutura de Estado federal. Nessa perspectiva, temse o caráter fiscal dos tributos, posto que diretamente relacionados com o custeio das despesas do Estado. Todavia, os tributos podem prestar-se a outras finalidades. Com efeito, quando o Estado intervém na economia a fim de corrigir as já aludidas falhas de mercado ou as externalidades negativas, buscando estimular ou desestimular determinadas atividades, temse a natureza extrafiscal dos tributos. De outro turno, pode-se, ainda, falar em parafiscalidade, quando o tributo visa a custear atividades que a princípio seriam do interesse do Estado, mas que ele não tem condições de exerce-las diretamente, sendo desenvolvidas por outros entes. Diz-se que se trata de um tributo com finalidade extrafiscal quando os efeitos extrafiscais são não apenas uma decorrência secundária da tributação, mas deliberadamente pretendidos pelo legislador que utiliza do tributo como instrumento para dissuadir ou estimular determinadas condutas [PAULSEN, LEANDRO87]. Nesse sentido, a extrafiscalidade não está atrelada à criação de novos tributos, mas sim na utilização das espécies tributárias existentes para direcionar as atividades dos atores econômicos e sociais, a fim de alcançar ações previamente desejadas e planejadas pelo Estado. Nas palavras de Edson Saleme e de Maria Luiza Machado Granziera: 86

Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais - (ABRELPE), Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, 2013. 87 PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2014, p. 27. 91

“A intervenção do Estado – englobando todos os entes federativos – no domínio econômico por indução está relacionada à função de incentivo, que está prevista nos arts. 170 e 174 da Constituição Federal de 1988 (CF/88). Nessa modalidade, o Poder Público estabelece regras orientadoras ou mesmo diretivas e não cogentes, sendo que a indução pode ser negativa ou positiva. Na área ambiental, uma das formas de indução positiva é o incentivo fiscal que motiva o contribuinte a praticar atividades de menor impacto ambiental, estimulando, e. g., condutas não poluidoras. Podemos falar, então, de extrafiscalidade. Ainda no campo da indução positiva, existem os incentivos creditícios e financeiros. Em relação à indução negativa, podemos mencionar a fixação de alíquotas elevadas, e aqui falamos de fiscalidade, o que também se traduz em captação de recursos, pelo Estado, que serão destinados ao financiamento de projetos em prol do ambiente” (destaquei).88 Desta feita, mesmo cuidando de ações motivadas para corrigir desvios do mercado, estão atreladas a todos os princípios constitucionais e legais aplicáveis aos tributos. Ora, nenhuma matéria Constitucional é estanque, descontextualizada, mas sim organizada e integrante de conjunto de princípios e regras interligados. Como alhures destacado, no trato ambiental, os motivos ensejadores das ações movidas pelo poder público devem estar atrelados aos princípios norteadores pela Carta Magna, notadamente, aos prescritos no art. 225. Assim, não basta ao manejo das espécies tributárias existentes a utilização de motivação genérica de defesa do meio ambiente, na medida em que a causa ensejadora do tributo tem de encontrar lastro de validade no ordenamento jurídico, quer constitucional, quer legal, sob pena de desvirtuamento de finalidade. Nesse particular, importa destacar: “(...) precisa vir demonstrado o nexo causal entre a materialidade tributária e demais elementos da regra-matriz tributária e a potencialidade de afetação ambiental, a motivar qualquer tratamento diverso, sob pena de derivar para o discriminatório, ao não se identificar o critério de tratamento similar entre sujeitos que se encontrem em situação equivalente, com absoluta transparência e objetividade nos procedimentos. Quer dizer, precisa vir demonstrado o vínculo entre o “motivo constitucional” (preservação e conservação do meio ambiente) com o exercício da competência tributária” [TORRES, HELENO TAVEIRA89]. Ora, para o Poder Público a motivação dos atos é a regra, não podendo ser diferente no tocante a políticas extrafiscais ambientais, independentemente de eventual nobreza do fim buscado, para não se resvalar em arbitrariedades. Não por outra razão a importância do planejamento para a administração pública, na medida em que nessa seara somente o planejamento conduz à eficiência (esta última considerada no caput do art. 37 da CF/88), sendo ele determinante para o setor público, nas palavras do próprio art. 174 da CF/88, entendendo-se o termo determinante 88 SALEME,

Edson Ricardo; GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Incentivos Creditícios na Lei de Resíduos Sólidos: A Indução por Planos Nacionais, Regionais, Estaduais e Municipais, In: BECHARA, Erica (Org.). Aspectos Relevantes da Política Nacional de Resíduos Sólidos, Editora Atlas, 2013. p. 257-258.

89

TORRES, Heleno Taveira, Direito Tributário Ambiental, Malheiro Editores, p. 103-104.

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como vinculante. Ações tomadas inopinadamente devem ser afastadas da boa gestão pública, pois, invariavelmente, alcançam mais adiante resultados nocivos, no mais das vezes irreversíveis. A extrafiscalidade ambiental vem sendo estudada no mundo há muito tempo nos mais variados fóruns, tendo sido criada agenda voltada a estudar os resultados do contato do homem com o meio ambiente, notadamente, sua degradação. Chegou-se à conclusão da necessidade de mudança de rota do caminho até então trilhado, uma vez que alguns resultados degenerativos do meio ambiente alcançados já se tornaram irreversíveis, inclusive com extinção de animais. Ademais, verificou-se que a relação predatória com o meio ambiente não consiste em fato local, estanque, mas sim com capilaridade regional e global, alcançando efeitos econômicos negativos de igual envergadura. Nesse cenário, conclui-se ser indispensável a modificação de políticas ambientais até então adotadas, com a criação de mecanismos voltados a garantir meio ambiente ecologicamente equilibrado, dentro de uma perspectiva de desenvolvimento sustentável. Como destacado por James Marins e Jeferson Teodorovicz: “Portanto, a política fiscal contemporânea (seja na concepção clássica ou anticíclica) que nos interessa, é aquela que serve aos ideais de desenvolvimento. Mas a visão que temos de desenvolvimento é variável conforme a perspectiva tradicional que se tenha sobre esse termo, ou a mais atual. Se a ideia de desenvolvimento é a tradicional, estaremos falando da noção de desenvolvimento manifestada pelos objetivos precipuamente econômicos (BALEEIRO, 1975, p. 102; HICKS, 1967, p. 75-56; DUE, 1974, p. 16-17), como o crescimento econômico, a estabilização dos preços, a aceleração do progresso, etc. Por outro lado, vimos que a sustentabilidade proporcionou a rediscussão da noção de desenvolvimento, que, não se esquecendo do aspecto econômico, também vincula a noção de sustentabilidade, ou, em melhores termos, o desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento sustentável é aquele que não se limita aos objetivos econômicos, avançando sobre as perspectivas econômicas e apontando objetivos na esfera social (novamente) e ambiental. Essas novas perspectivas servem tanto para estender a discussão do desenvolvimento às políticas sociais (renovadas) e ambientais, como também servem de freios de uma política de desenvolvimento que almeje o objetivo econômico pura e simplesmente. Por isso, sustentar, tornar o desenvolvimento sustentável para as gerações futuras. Se o desmatamento é inevitável para o desenvolvimento, que ele seja feito atendendo a objetivos ambientalmente orientados, que podem ser, p. ex., a vinculação do agente em garantir o reflorestamento futuro dessas mesmas áreas, ou, em outra situação, garantir que o desenvolvimento esteja atendendo a objetivos de índole social, visando proporcionar melhores condições de saúde, condições de emprego, educação, assistência social, enfim, diversos pontos que interessam diretamente à sociedade”.90

90

MARINS, James; e TEODOROVICZ, Jeferson. RUMO À EXTRAFISCALIDADE SOCIOAMBIENTAL: TRIBUTAÇÃO DIANTE DO DESAFIO SOCIAL E AMBIENTAL CONTEMPORÂNEO, Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional, Academia Brasileira de Direito Constitucional, p. 184-185.

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Nessa perspectiva, cuidando da extrafiscalidade ambiental, a Agência Europeia do Ambiente elaborou amplo estudo acerca da implementação e reconhecida eficácia das denominadas taxas ambientais, destacando-se as seguintes passagens: “2.Neste relatório, identificaram-se e analisaram-se estudos de avaliação de 16 taxas ambientais. Dentro das suas limitações, estes estudos mostram que estas taxas parecem ter sido ambientalmente eficazes (alcançando os seus objectivos ambientais) e cumprido esses objectivos com um custo razoável. São exemplos de taxas particularmente bem-sucedidas os impostos sobre o dióxido de enxofre e os óxidos de azoto, na Suécia, sobre os resíduos tóxicos, na Alemanha, a poluição dos recursos hídricos, nos Países Baixos, e a diferenciação fiscal entre os combustíveis com chumbo e o combustível diesel "verde", na Suécia. (...) Taxas ambientais para quê? As principais razões para a utilização das taxas ambientais são as seguintes: • são instrumentos particularmente eficazes para a internalização das externalidades, isto J, para a incorporação dos custos dos serviços e dos danos ambientais (e respectiva reparação) directamente nos preços dos bens, serviços e actividades que estão na sua origem, contribuindo para a aplicação do princípio do poluidor-pagador e para a integração das políticas ambientais nas políticas económicas; • podem proporcionar incentivos, tanto aos consumidores como aos

produtores, para que alterem o seu comportamento no sentido de uma utilização dos recursos mais eficientes do ponto de vista ecológico"; para estimular a inovação e as mudanças estruturais e reforçar o cumprimento das leis; • podem gerar receitas susceptíveis de serem utilizadas no financiamento

ambiental e/ou para reduzir os impostos sobre o trabalho, o capital e a poupança; • podem ser instrumentos políticos particularmente eficazes para enfrentar

as actuais prioridades ambientais, geradas por fontes de poluição "difusas" como as emissões dos transportes (incluindo os transportes aéreos e marítimos), os resíduos (por exemplo, embalagens e pilhas) e as substancias químicas utilizadas na agricultura (por exemplo, pesticidas e fertilizantes)”.91

Em que pese a agenda global acerca da necessidade de mudança de perspectiva no enfrentamento do problema da degradação do meio ambiente, o Brasil vem adotando algumas políticas nesse sentido, ainda que possam ser consideradas tímidas e bastante aquém daquelas que seriam desejáveis ou que poderiam ser implementadas como políticas de Estado de maneira continuada e duradoura.

91

Taxas Ambientais: Implementacão e eficácia ambiental, Agência Europeia do Ambiente, Dinamarca, 2008, p. 6-

7.

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Como destacado por Carlos Eduardo Peralta Montero92, o Brasil encontra-se na 18ª posição entre as 21 maiores economias mundiais na aplicação de incentivos fiscais para incrementar atividades econômicas sustentáveis. É certo que existem algumas ações isoladas que têm sido adotadas por alguns Entes Federados. Contudo, a partir das conclusões e recomendações das mais variadas agências globais, o que se pretende é que a agenda ambiental seja tratada como política de Estado integrada, com planejamento de ações de curto, médio e longo prazo, com resultados medidos, com aferição de eficácia e correção de rumos. Nessa esteira, o papel da extrafiscalidade ambiental ganha relevo, pois é fato notório o reconhecimento da ineficácia das políticas até então adotadas para se deter a deterioração do meio ambiente, seja ele o natural, seja ele no âmbito das grandes aglomerações urbanas. A partir da perspectiva da necessidade de concretização do desenvolvimento sustentável, a fim de alcançar os atores da atividade econômica, não só para corrigir as falhas de mercado, no sentido alocativo de recursos, mas, também, para adotar postura colaborativa com o meio ambiente, mostra-se imperativo o Estado atuar em políticas interventivas estimulando os organismos sociais a praticar ou deixar de praticar certas atividades, aqui, no caso, através de ações de estímulos/desestímulos, incentivos ou desincentivos a determinadas condutas, sejam eles econômicos ou tributários. O uso da extrafiscalidade para os tributos em espécie Como assinalado, o poder público pela extrafiscalidade buscará estimular a prática de determinadas atividades econômicas, tendo como finalidade a proteção do meio ambiente, desde que inserido no espectro de finalidades constitucionalmente previstas (art. 170 e seus incisos, c/c art. 225, ambos, da CF/88). Nos termos do art. 3º do Código Tributário Nacional - CTN, “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Como acima disposto, o CTN expressamente dispôs que tributo não constitui sanção por ato ilícito. Importante ressaltar esse aspecto, pois a responsabilização penal ou administrativa, bem assim as indenizações por atos perpetrados (art. 225, § 3º, CF/88), não consistem em políticas extrafiscais, já que estas últimas se utilizam de normas dispositivas e não impositivas (caracterizadas pelo universo da sanção), sendo que nessa seara se procura estimular os atores econômicos à prática de ações positivas em face do meio ambiente e não a puni-los por condutas já praticadas. A Constituição de 1988 estabeleceu nos arts. 145 e seguintes a matriz de competências tributárias dos entes federados, tendo estipulado em tal dispositivo que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: impostos; taxas; e contribuição de melhoria (incs. I a III).

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MONTERO, Carlos Eduardo Peralta. Reforma fiscal verde e desenvolvimento sustentável: Tributação Ambiental no Brasil. Perspectivas, In: DE CARLI, Ana Alice; COSTA, Leonardo de Andrade; e RIBEIRO, Ricardo Lodi, organizadores, Tributação e sustentabilidade ambiental, FGV Editora, p. 133.

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Ademais, previu a CF/88 que, exclusivamente, a União Federal poderá instituir empréstimos compulsórios (art. 148), nos casos de despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência, ou nos casos de necessidade de investimentos públicos de caráter urgente e de relevante interesse nacional. Da mesma forma somente a União poderá instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas (art. 149, caput). Determinou, ainda, que os Estados, Distrito Federal e os Municípios instituam contribuições previdenciárias de seus servidores para o custeio dos respectivos regimes de previdência (§ 1º do art. 149 da CF/88). Por fim, estabeleceu que os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição destinada ao custeio de iluminação pública (art. 149-A, CF/88). Dos impostos da União, elencou a CF/88 os seguintes (art. 153): importação de produtos estrangeiros; exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; renda e proventos de qualquer natureza; produtos industrializados; operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; propriedade territorial rural; grandes fortunas, nos termos de lei complementar. Para os Estados e Distrito Federal, reservou os seguintes (art. 155 da CF/88): transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; e propriedade de veículos automotores. Por fim, aos Municípios, destacou os que seguem (art. 156, incs. I a III): propriedade predial e territorial urbana; transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; serviços de qualquer natureza. Já o Distrito Federal possui competência para instituir tanto tributos de competência dos Municípios quanto dos Estados. Antes de adentrar nas experiências nacionais no tocante à extrafiscalidade ambiental, não é demais lembrar que o Brasil vem elaborando há anos várias propostas de reforma tributária e se ressente, já que nenhuma delas foi aprovada globalmente, sendo aprovadas no mais das vezes desonerações pontuais e/ou alterações na sistemática de cobrança de alguns tributos, aumento de alíquotas etc. Deveras, nosso sistema vigente não consegue mais responder às atuais demandas econômicas, onerando de forma desigual os contribuintes, pessoas físicas e jurídicas, com arcabouço normativo extremamente complexo e ineficiente, sendo certo que a carga tributária crescente acaba por impedir o desenvolvimento econômico, o que, por sua vez, retroalimenta o sistema mediante quedas sucessivas de arrecadação. Ademais, recentes políticas erráticas de incentivos concentrados em determinados setores da economia, objetivando aumento do consumo interno, provocou endividamento das famílias, sem que pudesse apresentar reflexos positivos à economia nacional, além de provocar sensível renúncia fiscal por parte do poder público. Desta feita, antes mesmo de ações açodadas no tocante à política tributária, torna-se necessário, primeiramente, planejar as ações com vistas a resultados de médio e longo prazo. No entanto, não basta somente planejar, há que se implementar as políticas e avaliar-se os resultados, promovendo eventuais correções de rumos que se fizerem necessárias, sob pena de ocasionar prejuízos à população irrecuperáveis.

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Nessa esteira, cabe perquirir o que se pretende obter na área ambiental. Como antes assinalado, a Constituição já definiu o caminho a ser perseguido, em seu art. 225, da CF/88, em matéria de defesa do meio ambiente, trazendo o fundamento de validade das políticas públicas, incluídas as tributárias. Dentro de nosso complexo sistema tributário vigente, com as inúmeras espécies previstas, importa destacar aquelas de maior vocação no tocante ao estímulo às externalidades positivas, sem pretender esgotar o assunto. No tocante aos impostos de competência federal de Importação e de Exportação, cuida-se de tributos com extrafiscalidade latente, uma vez que possuem marcante viés de regulação da atividade econômica, notadamente, direcionados à garantia e à promoção do desenvolvimento econômico. Todavia, além dessa característica, lembre-se que a defesa do meio ambiente está diretamente imbricada com a Ordem Econômica, na medida em que constitui um de seus princípios informadores, nos termos da própria Carta Magna (inc. VI, art. 170), a referendar que sejam utilizados tais impostos com a finalidade de protege-lo e não de degrada-lo ainda mais, estimulando-se a importação de produtos que impactam positivamente sobre o meio ambiente, bem como de máquinas e equipamentos que possam atuar no sentido de controle da poluição e no tratamento dos resíduos sólidos. Nessa parte, cuida destacar: “O princípio da defesa do meio ambiente conforma a ordem econômica (mundo do ser), informando substancialmente os princípios da garantia do desenvolvimento e do pleno emprego. Além de objetivo, em si, é instrumento necessário – e indispensável – à realização do fim dessa ordem, o de assegurar a todos existência digna. Nutre também, ademais, os ditames da justiça social. O desenvolvimento nacional que cumpre realizar, um dos objetivos da República Federativa do Brasil, e o pleno emprego que impende assegurar supõem economia autossustentada, suficientemente equilibrada para permitir ao homem reencontrar-se consigo próprio, como ser humano e não apenas como um dado ou índice econômico” [GRAU, EROS ROBERTO].93 Assim, seria recomendável e desejável que se utilizassem os impostos de importação e de exportação pela União para estimular atividades voltadas à promoção do meio ambiente e ao desincentivo de atividades poluidoras ou que possam degrada-lo. No tocante ao Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR), o manejo desse tributo para fins extrafiscais ambientais poderia ter papel muito além daquele atualmente utilizado pelo poder público. Segundo dados divulgados na Agência Brasil, espera-se que no ano de 2016 28,5 milhões de contribuintes pessoas físicas façam o envio da declaração do imposto de renda, tratando-se, em termos numéricos, de um dos principais impostos da União.94 Como já assinalado, um dos vetores constitucionais de defesa do meio ambiente refere-se à promoção da educação ambiental (art. 225, § 1º, inc. VI). Assim, dentro 93 GRAU,

Eros Roberto. A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988, Malheiros Editores, São Paulo, 2015, p. 250-251.

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Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-02/receita-comeca-receber-declaracoesdo-ir-2016-na-terca-feira.

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da linha de extrafiscalidade aludida, poder-se-ia promover tais ações de conscientização e educação ambiental, utilizando-se o imposto de renda mediante a permissão aos contribuintes do abatimento no cálculo do imposto de renda dos valores efetivamente gastos com tais práticas ambientais legalmente estabelecidas, com intuito de incentivá-las. Na verdade, o que se buscaria com tal política seria a conscientização dos contribuintes acerca da importância da defesa ao meio ambiente, conduzindo tal processo a um quadro em que os consumidores finais pudessem ter mais informações no tocante à escolha de produtos e serviços ambientalmente adequados, forçando a cadeia produtiva a se direcionar para esses objetivos, ao invés de focar somente na redução dos custos de produção. Claro que todos os tributos poderiam ter esse papel, mas se destaca o imposto de renda pelo número de envolvidos, especialmente as pessoas jurídicas. Todavia, no Brasil as ações nesse sentido são muito tímidas, predominando, basicamente, a natureza arrecadatória deste imposto, bem assim com voltas ao papel extrafiscal de desenvolvimento regional e de distribuição de riqueza. Pode-se citar como exemplo da iniciativa brasileira a possibilidade de dedução do imposto de renda nos casos de empreendimentos de florestamentos e reflorestamentos então previstos na Lei n. 5.106/1966. Quanto ao Imposto Incidente sobre Produtos Industrializados (IPI), devido a sua expressa previsão constitucional da seletividade (inc. I, § 3º, art. 153, CF/88), pode vir a ter papel importante na diminuição das chamadas externalidades negativas. Tal princípio da seletividade está diretamente ligado à essencialidade do produto. Há expressa previsão constitucional do princípio informador da atividade econômica de defesa do meio ambiente, que prescreve, expressamente, que deverá ser concedido tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços (inc. VI, art. 170, CF/88). Nessa esteira, conforme uma interpretação sistemática, resta clara a possibilidade de associação entre a defesa do meio ambiente através do imposto sobre produtos industrializados, utilizando seu caráter extrafiscal. No Brasil, tivemos exemplos nos anos de 1990 e seguintes de incentivo à fabricação de veículos automotores, objetivando, precipuamente, a diminuição da dependência de combustíveis fósseis, com o incremento da indústria sucroalcooleira, ocasionando diminuição na emissão de poluentes ao meio ambiente. Outro exemplo que pode ser destacado é a Lei n. 9.478/97, que dispôs acerca da política energética nacional, com alterações promovidas pela Lei n. 11.097/2005, que, dentre outras providências, buscou introduzir o biodiesel na matriz energética brasileira, bem assim a Lei n. 12.490/2011, que dispôs sobre a redução de emissão de poluentes por veículos automotores, e outras providências. A aludida lei que tratou da política energética nacional trouxe, de pronto, os seguintes princípios e objetivos destacados (art. 1º): proteger o meio ambiente e promover a conservação de energia (inc. IV); incrementar, em bases econômicas, a utilização do gás natural (inc. VI); utilizar fontes alternativas de energia, mediante o aproveitamento econômico dos insumos disponíveis e das tecnologias aplicáveis (inc. VIII); incrementar, em bases econômicas, sociais e ambientais, a participação dos biocombustíveis na matriz energética nacional (inc. XII); garantir o fornecimento de biocombustíveis em todo o território nacional (inc. XIII); incentivar a geração de energia elétrica a partir da biomassa e de subprodutos da produção de biocombustíveis, em razão do seu caráter limpo, renovável e complementar à fonte hidráulica (inc. XIV); fomentar a pesquisa e o desenvolvimento relacionados à energia

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renovável (inc. XVII); e mitigar as emissões de gases causadores de efeito estufa e de poluentes nos setores de energia e de transportes, inclusive com o uso de biocombustíveis (inc. XVIII). Como se pode depreender, reportada legislação foi bem específica quanto à necessidade de modificação da matriz energética nacional, haja vista os efeitos nocivos ao meio ambiente da emissão de gases geradores do efeito estufa. No que toca precipuamente ao estímulo da utilização do biodiesel no Brasil, como alternativa energética mais adequada à defesa do meio ambiente, desde sua primeira regulamentação pelo Decreto n. 5.298/2004 até o Decreto n. 7.660/2011, sempre foi destacado tratamento diferenciado, com alíquotas inferiores de imposto sobre produtos industrializados. No que toca ao Imposto sobre a Propriedade Rural (ITR), a CF/88 estabeleceu que deverá ser progressivo, a fim de desestimular propriedades improdutivas (inc. I, § 4º, art. 153). Definiu, ainda, que a propriedade rural deve cumprir sua função social, sob pena de desapropriação (art. 184, caput), esta compreendida quando não atende aos seguintes requisitos (art. 186, incs. I a IV): aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Ora, restou claro que um dos requisitos à correta utilização da propriedade rural é a preservação do meio ambiente. Assim, coube ao legislador infraconstitucional dosar o caráter progressivo do ITR em face, também, do modo de utilização da propriedade, premiando com intuito extrafiscal propriedades com manejo adequado de suas reservas ambientais, bem assim cobrando alíquotas maiores do tributo, no caso de má utilização, podendo, inclusive, decretar a desapropriação como medida extrema. A CF/88 prevê, ainda, no § 4º, do art. 177, que a lei que instituir a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), relativas às atividades de importação de petróleo, e derivados, gás natural e derivados e álcool, setores da atividade econômica que produzem reconhecidos danos ao meio ambiente, deverá estipular uma série de requisitos. Dentre esses, importa destacar que restou definido que as alíquotas pelos produtos ou usos de reportados combustíveis poderão ser diferenciadas, bem assim que os recursos arrecadados deverão ser destinados, dentre outros, a financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás. A Lei n. 10.336/2001, que regulamentou o art. 177, da CF/88, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 33/2001, veio a instituir a Cide. Como instrumento extrafiscal ambiental, estabeleceu reportado diploma normativo alíquotas diferenciadas entre diversos combustíveis (gasolina, diesel, querosene de aviação, outros querosenes, óleos combustíveis com alto teor de enxofre, óleos combustíveis com baixo teor de enxofre, gás liquefeito de petróleo e álcool etílico combustível), objetivando induzir o consumo de combustíveis sabidamente menos poluentes, instituindo a menor alíquota aquela referente ao álcool etílico combustível, fonte que, além de renovável, possui menor emissão de gases poluentes. É de se destacar que o biodiesel não foi incluído no rol de combustíveis tributados.

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Quanto ao Imposto Incidente sobre a Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), a saber, de competência dos Estados, a exemplo do imposto sobre produtos industrializados, considerando-se o princípio da seletividade em face da essencialidade das mercadorias ou prestações de serviços (inc. III, § 2º, art. 155, CF/88), podem ter destacada função extrafiscal ambiental, pelos mesmos fundamentos já delineados. Nesse aspecto, inúmeros Estados Brasileiros adotam alíquotas diferenciadas buscando estimular a utilização de fontes de combustíveis menos poluentes. No tocante ao ICMS, a CF/88 estabeleceu na parte de repartições das receitas tributárias que os Municípios possuem 25% (vinte e cinco por cento) do total arrecadado pelos Estados. Desses 25% (vinte e cinco por cento), três quartos, no mínimo, das operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação realizadas em seu território deverão ser creditadas aos Municípios. O restante de um quarto será creditado de acordo com o que dispuser lei estadual, ou, no caso dos territórios, lei federal. A partir dessa determinação constitucional, os Estados brasileiros começaram a instituir o chamado ICMS ecológico, que não se trata de instituição de um novo imposto, mas sim da adoção de instrumentos de incentivos aos Municípios para a implementação de medidas protetivas ao meio ambiente. No caso do Estado de São Paulo, a Lei n. 8.510/93 estabeleceu percentual de até 0,5% (meio por cento) do montante que o Município pode fazer jus, percentual esse calculado com base na manutenção de unidades de conservação. A fim de delinear a unidade de conservação foram criados os seguintes pesos: Estações Ecológicas - Peso 1,0 (um); Reservas Biológicas - Peso 1,0 (um); Parques Estaduais - Peso 0,8 (oito décimos); Zonas de Vida Silvestre em Áreas de Proteção Ambiental (ZVS em APA’s) - Peso 0,5 (cinco décimos); Reservas Florestais - Peso 0,2 (dois décimos); Áreas de Proteção Ambiental (APA’s) Peso 0,1 (um décimo); e Áreas Naturais Tombadas Peso 0,1 (um décimo). Ou seja, a parcela de um quarto que o Município recebe, 0,5% (meio por cento) será calculada com base nesse critério. Outro imposto estadual que pode vir a exercer caráter extrafiscal ambiental é o de Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), na medida em que, como já adotado por muitos Estados brasileiros, adotam-se alíquotas inferiores para veículos automotores que utilizem combustíveis menos poluentes. No Estado de São Paulo, exemplificativamente, pela Lei n. 13.296/2008, restou conferida alíquota diferenciada a veículos que utilizarem motor para funcionar, exclusivamente, com os seguintes combustíveis: álcool, gás natural veicular ou eletricidade, ainda que combinados entre si (art. 9º, inc. III). No tocante aos impostos Municipais, destaque-se, inicialmente, o Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), que, em razão da função social da propriedade, possui progressividade em face da não edificação, subutilização ou não utilização (§ 4º, art. 182, CF/88). A fim de parametrizar os comandos constitucionais a trato da matéria, foi editada a Lei n. 10.257/2001, que estabeleceu diretrizes gerais da política urbana nacional.

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De início, em seu art. 1º, parágrafo único, dispõe que a lei ora denominada de Estatuto da Cidade estabeleça normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. A seguir define as diretrizes da política urbana destacando, em inúmeras passagens, a necessidade de ações voltadas à defesa do meio ambiente. Assim, o tributo em questão guarda significativo potencial de execução de políticas extrafiscais ambientais, podendo regrar sua progressividade em face da função social da propriedade, esta informada, também, pela necessária defesa do meio ambiente. No tocante ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), a CF/88 estabelece que compete aos Municípios sua instituição, com a observância do que definido em Lei Complementar (inc. III do art. 156), que veio a ser atendido com a edição da Lei Complementar n. 116/2003. Reportado diploma normativo, estabeleceu, em lista anexa, todas as atividades a ser tributadas, deixando, todavia, de estabelecer as alíquotas mínimas que poderiam ser instituídas pelas respectivas Leis Municipais, definindo a alíquota máxima de 5% (cinco por cento), nos termos do inciso II, do art. 8º da LC n. 116/2003. No que toca à alíquota mínima, a Emenda Constitucional n. 37/2002, que alterou os Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, estabeleceu que, enquanto lei complementar não disciplinar o disposto nos incisos I e III do art. 156 da Constituição Federal, a alíquota mínima será de 2% (dois por cento), excetuados serviços até então previstos no Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968 (art. 88, inc. I do ADCT). Nessa esteira, poderão as municipalidades manejar as alíquotas mínimas e máximas, a fim de estimular atividades voltadas à defesa do meio ambiente. Ademais, lembre-se, uma vez mais, que a própria CF/88 consagrou a defesa do meio ambiente como princípio informador da atividade econômica, inclusive, mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação (inciso VI do art. 170), pelo que tal princípio deve ser interpretado com o art. 225, bem como à luz do Sistema Tributário Nacional, através dos dispositivos retro mencionados, de modo a torná-lo importante aliado na proteção ambiental, que, em última análise, irá refletir-se no bem-estar social e na concretização do desenvolvimento sustentável. 4. Conclusões Com base no objetivo proposto de apresentação de soluções com vistas à concretização do desenvolvimento sustentável, pretendeu-se trazer algumas medidas de cunho prático nesse sentido, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, segundo uma perspectiva constitucional e legal. Algumas políticas públicas no âmbito econômico passam pelo incentivo direto à elaboração de produtos certificados ambientalmente, bem como pela promoção da conscientização dos consumidores no tocante à educação ambiental. É urgente a necessidade de implementação de tais políticas de modo globalmente considerado na cadeia produtiva, já que políticas isoladas e pontuais tendem a se anular mutuamente. Importante apontar para o fato de que tais políticas devem ser de Estado e não de governo, a fim de que sobrevivam ao período curto dos mandatos legislativos e à alternância do poder, em que muitas vezes se interrompem virtuosas políticas anteriores por

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motivos egoísticos, sem que o planejamento prepondere, sendo ele fundamental ao Estado em matéria ambiental. Por fim, procurou-se apontar no campo tributário terreno fértil à extrafiscalidade em prol do desenvolvimento sustentável e à proteção do meio ambiente natural e urbano. Trata-se de um sistema complexo do ponto de vista tributário, mas que poderia ser melhorado mediante a consideração os objetivos propostos pelo texto constitucional em matéria ambiental, sendo certo que todas essas medidas não dispensam, antes ao contrário, requerem minudente análise prévia, planejamento e eventuais correções de rumos e ajustes, visando a seu aperfeiçoamento e a sua efetividade, o que somente será possível a partir da sua implementação, de molde a que não sejam eventualmente descontinuadas e/ou abandonadas. A mera interrupção de políticas ambientalmente sustentáveis e a falta de critérios técnicos e jurídicos para os ajustes poderão levar a atrasos inaceitáveis e a retrocessos definitivos e por vezes essa descontinuidade acabará por permitir danos severos ao meio ambiente. Referências Bibliográficas Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais - (ABRELPE), Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, 2013. COUTINHO, Luciano G., Regulation and Development: Reflections in the aftermath of neoliberalism, Revista DIREITO GV, ESPECIAL 1, 2005. FILHO, Gilberto Montibeller. ECODESENVOLVIMENTO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, CONCEITOS E PRINCÍPIOS, Textos de Economia, Florianópolis, 1993. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, Malheiros, 2015. MARINS, James; e TEODOROVICZ, Jeferson. RUMO À EXTRAFISCALIDADE SOCIOAMBIENTAL: TRIBUTAÇÃO DIANTE DO DESAFIO SOCIAL E AMBIENTAL CONTEMPORÂNEO, Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional, Academia Brasileira de Direito Constitucional. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores, São Paulo, 1997. MONTERO, Carlos Eduardo Peralta. Reforma fiscal verde e desenvolvimento sustentável: Tributação Ambiental no Brasil. Perspectivas, In: DE CARLI, Ana Alice; COSTA, Leonardo de Andrade; e RIBEIRO, Ricardo Lodi, organizadores, Tributação e sustentabilidade ambiental, FGV Editora. NUSDEO, Fabio, Um retrospecto e algumas perspectivas. In: SALOMÃO FILHO, Calixto, Regulação da atividade econômica, Malheiros Editores, São Paulo, 2008. PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2014. RISTER, Carla Abrantkoski, Direito ao Desenvolvimento, Antecedentes, Significados e Consequências, Renovar, Rio de Janeiro, 2007. SALEME, Edson Ricardo; e GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Incentivos Creditícios na Lei de Resíduos Sólidos: A Indução por Planos Nacionais, Regionais, Estaduais e Municipais, In: BECHARA, Erica (Org.). Aspectos Relevantes da Política Nacional de Resíduos Sólidos, Editora Atlas, 2013.

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Produção agrícola de commodities e (in) sustentabilidade: desafios, pressões e limites no cerrado brasileiro Johnny Herberthy Martins Ferreira1, Maria do Socorro Lira Monteiro2, Vivianny Martins Ferreira3 1

Universidade Federal do Piauí (UFPI) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFMA) - Brasil, “Bolsista da CAPES – Brasil”, [email protected] 2

Universidade Federal do Piauí (UFPI) - Brasil, [email protected]

3

Instituto Federal de Educação, [email protected]

Ciência

e

Tecnologia

(IFMA)

-

Brasil,

RESUMO O Brasil tem se destacado na produção e exportação de commodities agrícolas, especialmente em relação à soja que é uma oleaginosa rica em proteínas e importante para a nutrição animal. Algumas cidades brasileiras tem como base econômica principal a produção agrícola em grande escala, como por exemplo, as cidades de Balsas e Uruçuí que são grandes polos de produção de soja dos cerrados do Maranhão e Piauí, respectivamente. No entanto, as commodities agrícolas produzidas no Brasil, sobretudo a soja, se configuram em foco de contestação no âmbito ambiental, por conformar-se ao mesmo tempo, como fonte de riqueza para a nação em termos econômicos e como indutora de impactos negativos ao meio ambiente. De maneira geral, no nordeste do Brasil ainda se tem mais de dois milhões de hectares propícios à expansão agropecuária e que provavelmente serão utilizados para a expansão da produção de commodities agrícolas, sendo necessário, neste caso, um planejamento mais efetivo desse processo. Portanto, este artigo, de caráter teórico, busca fazer uma análise panorâmica da produção da soja no cerrado brasileiro, em especial no território do Matopiba (considerado a última fronteira agrícola do país), com base nos impactos ambientais e iniciativas institucionais que buscam a preservação do bioma cerrado e a sustentabilidade ambiental. Em termos de procedimentos metodológicos, trata-se de uma revisão de literatura que envolve estudos sobre: o bioma cerrado; a expansão da soja no cerrado; os efeitos ambientais; e as ações práticas de sustentabilidade promovidas por diferentes instituições. Como resultados e conclusões, frisa-se que a produção das commodities agrícolas no Brasil tem provocado grandes perdas à biodiversidade e aos ecossistemas. Patenteia-se que esse cenário é derivado da produção de commodities agrícolas que se assenta num processo produtivo de pouco planejamento em quesito ambiental. Ainda assim, é possível identificar algumas iniciativas que visam à preservação do bioma e práticas produtivas mais responsáveis, ainda que em pequena amplitude. Palavras-chave: Cerrado, Soja, Matopiba, Impacto Ambiental, Sustentabilidade. 1. Introdução A questão do agronegócio no Brasil vem despertando o interesse de pesquisadores e várias instituições que analisam o crescimento econômico dos países e/ou regiões agrícolas e também os aspectos ambientais inerentes ao agronegócio. Nessa conjuntura, um paradoxo impera na questão da busca do crescimento econômico através do agronegócio no Brasil. De um lado, está o processo de produção agrícola de commodities, um setor que gera divisas ao Estado; de outro, está à questão da preservação ambiental como condição natural da sobrevivência humana e outros seres vivos.

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Nesse contexto, tem-se como exemplo a produção da soja, que do ponto de vista econômico, é um dos mais importantes produtos de exportação do país, ocupando posição de destaque na pauta de exportações como grande captador de divisas estrangeiras já que se caracteriza, essencialmente, como monocultura de exportação (Queiroz, 2004). A soja está plenamente inserida no mercado internacional. De acordo com a USDA (2014), no ciclo de 2013/2014, os EUA, o Brasil e a Argentina, foram responsáveis por 81,4% de toda a produção mundial de soja, e a China, por 64,3% de todas as importações mundiais desse grão. No entanto, para o seu cultivo é preciso grandes extensões de terras propícias ao plantio e colheita do grão e, consequentemente, há a necessidade de desmatamento e o uso de máquinas e produtos químicos no processo de produção que muitas das vezes acarreta sérios problemas ambientais. Nesse aspecto, destaca-se que o cerrado brasileiro tem uma relação direta com o cultivo da soja. Conforme a Embrapa (2013), no Brasil o bioma cerrado conforma-se na principal área de cultivo de soja, sendo responsável por mais de 63% da produção nacional, que o caracteriza como a grande fronteira agrícola do Brasil. Contudo, ao mesmo tempo em que se reconhece a relevância da exploração da soja para o crescimento das economias regionais, Aguiar e Monteiro (2007) comentam a ocorrência de impactos negativos como consequência dessa expansão da fronteira agrícola, como por exemplo: o aprofundamento da desigualdade social, resultante da concentração da geração de riquezas; a degradação ambiental, exemplificada pela redução das espécies de plantas e animais; a degradação do solo; entre outros. Nesse aspecto, a pergunta que se faz é: qual o panorama ambiental do cerrado brasileiro, em especial na região do Matopiba, em detrimento do cultivo de commodities, sobretudo o da soja? Sendo assim, este artigo tem como objetivo abordar o panorama ambiental do cerrado brasileiro, em especial da região do Matopiba, a partir do cultivo da soja. Para tanto, este trabalho se justifica pelo fato de que no Nordeste do Brasil, região onde também se encontra o bioma cerrado, ainda se tem mais de dois milhões de hectares propícios à expansão agropecuária e que provavelmente serão utilizados para a expansão da produção da soja, sendo necessário um planejamento mais efetivo em relação ao processo de uso e preservação do bioma. 2. Método Para a elaboração do artigo, foram utilizados estudos que tratam: do bioma cerrado; da expansão da soja no cerrado; dos efeitos ambientais; e das ações práticas de defesa e sustentabilidade promovidas por diferentes instituições. Portanto, trata-se de um estudo teórico. De acordo com Baffi (2010), a pesquisa teórica não implica imediata intervenção na realidade, mas nem por isso deixa de ser importante, pois seu papel é decisivo na criação de condições para a intervenção. Os resultados serão apresentados e discutidos de acordo com o objetivo proposto no trabalho. 3. Resultados e Discussão 3.1 O bioma cerrado e a expansão do cultivo de commodities O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro, sendo superado em área apenas pela Amazônia. Ocupa 21% do território nacional e é considerado a última fronteira agrícola do país. O bioma dos Cerrados está localizado em grande parte do Brasil Central. Na Figura 1, pode-se observar a localização dos Cerrados no mapa do Brasil. Em virtude de suas características geográficas que possui a planura necessária à mecanização, a tendência é que a produção brasileira de soja se concentre cada vez mais na região de cerrado. Aguiar e Monteiro (2005) comentam que os cerrados eram considerados improdutivos até a década de 1960, uma vez que os tipos de solos em geral são bastante ácidos, com alto teor de alumínio e ferro, tornando-o nutricionalmente pouco férteis para a

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agricultura. Todavia, essa constatação foi sendo modificada à proporção que as pesquisas agronômicas indicavam que, com o uso de tecnologias apropriadas (tal como a correção do solo), as potencialidades da área eram aptas à exploração. Para suplantar esses problemas, atualmente ocorre a utilização de calcário e adubação do solo, os tornando mais aptos para um bom cultivo de grãos.

Figura 1: Área Original dos Cerrados- Brasil Central Fonte: Frederico (2013)

Vale ressaltar que, o rápido crescimento da produção de soja no Brasil não ocorreu a partir de anos anteriores próximos. Ela começou na década de 1960, e em menos de 20 anos, a soja se tornou a safra de grãos mais importante do Brasil. Desde os anos 1970, o aumento da demanda mundial por proteína expandiu o comércio internacional de produtos de soja (Silva et al., 2010). Dito isto, a produção da soja (Glycinemax) no Brasil vem apresentando ciclos de expansão acelerada a partir dos anos sessenta. A produção passou de 206 mil toneladas em 1960 para 1,056 milhão em 1969. No ano de 2003, foram colhidas 51,4 milhões de toneladas, correspondentes a 26% da produção mundial de soja e a 41% da produção brasileira de grãos (Schlesinger, 2004). Atualmente, a soja é um dos grãos mais comercializados no mundo. Os principais produtores são o Brasil e os Estados Unidos e os principais compradores são a China e países da Europa. A soja pode ser comercializada na forma de grãos, farelo ou óleo. O farelo de soja é um componente importante da alimentação animal, pois é um insumo das rações, enquanto o óleo de soja pode ser utilizado para o uso dos biocombustíveis e alimentação (Cavalcanti e Guedes, 2015). Como consequência, a área destinada ao cultivo deste grão vem aumentando anualmente em todo o mundo. Com isso, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (United States Department of Agriculture - USDA), a área plantada de soja no mundo passou de 81,48 milhões de hectares na safra 2002/03 para 108,55 milhões na safra 2012/13, o que representa um incremento de 33% na década (Cavalcanti e Guedes, 2015). Portanto, as monoculturas para exportação vêm sendo cultivadas de forma crescente. Isso faz da soja um dos produtos da maior relevância para a economia brasileira e possivelmente uma das culturas que apresentaram crescimentos mais expressivos no cultivo e no segmento agroindustrial (Barbosa e Assumpção, 2001). No ciclo 2012/13 o Brasil teve uma safra recorde de soja e foi o maior produtor mundial do grão. Contudo, devido aos problemas de infraestrutura logística e mau planejamento do

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escoamento da produção, esta vantagem na produtividade não se refletiu em um preço mais barato do grão no cenário internacional. Sendo assim, a produtividade da produção foi prejudicada pelo escoamento deficiente (Cavalcanti e Guedes, 2015). Contudo, tendo em vista a necessidade de novas áreas para a produção da soja, o governo brasileiro cria então o território do Matopiba caracterizado pela expansão de uma fronteira agrícola baseada em tecnologias modernas de alta produtividade. 3.2 A criação do Matopiba A expressão Matopiba resulta de um acrônimo criado com as iniciais dos estados brasileiros do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Foi o decreto 8.447 de 6 de maio de 2015 que oficializou o Matopiba como uma região, que passa a contar com um plano de desenvolvimento agropecuário específico e uma superintendência de desenvolvimento, sob o comando do Ministério da Agricultura do Brasil. A delimitação territorial do Matopiba se baseia em uma série de critérios elaborados pelo Grupo de Inteligência Territorial e Estratégica GITE da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa. A Figura 2 evidencia a delimitação territorial do Matopiba proposta pela Embrapa, que inclui 31 microrregiões do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Figura 2: Delimitação territorial do MATOPIBA e as 31 microrregiões geográficas do IBGE que o compões. Fonte: Embrapa/GITE 2015

O território do Matopiba é uma área de 73,07 milhões de hectares dividida entre os estados do Maranhão (33%), Tocantins (38%, a totalidade do território do estado), Piauí (11%) e Bahia (18%) (Santos, 2015). Tabela 1: Matopiba em números

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Fonte: Embrapa/GITE 2015

Conforme dados apresentados na Tabela 1, o Matopiba é composto por 337 municípios dos estados que compõem o território. A entrada oficial do Matopiba no mapa da economia do Brasil se deve sobretudo ao vertiginoso crescimento da produção de grãos, particularmente de soja, que a região apresentou nas últimas duas décadas (Sá et al., 2015). Ocupando, atualmente, a quarta posição na produção de grãos do Brasil, a região já é responsável por aproximadamente 10% da produção de soja e 15% da produção do milho nacional e sua localização é privilegiada em termos da proximidade da infraestrutura para escoamento da produção (Esquerdo et al., 2015). Há duas décadas, somente na Bahia já havia sido iniciado o plantio da soja. No Maranhão a produção de soja era insignificante e nos estados do Piauí e Tocantins nem havia produção. E é exatamente nas áreas de ocupação recente que mais cresce a produção de soja (Esquerdo et al., 2015). De acordo com as projeções do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), até a safra 2021/22, a área total cultivada com grãos deverá atingir 7,7 milhões de hectares na região compreendida pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (Aguiar et al., 2013). No Matopiba, considerada a última fronteira de expansão de lavouras do Brasil, ainda há cerca de 7 a 10 milhões de hectares de chapadões de terras férteis cobertos com Cerrado. Caso estas áreas sejam convertidas para a produção de soja, milho ou cana-de-açúcar podem ser gerados benefícios sociais e econômicos importantes para tais regiões (Aguiar et al, 2013). Em contrapartida, o bioma corre o risco de sofrer impactos ambientais irreversíveis, caso não haja um plano eficaz de ocupação para o cultivo de grãos e que consiga ao mesmo tempo permitir o desenvolvimento econômico com preservação ambiental. 3.3 Os impactos ambientais do agronegócio no cerrado De acordo com Ratter et al. (1997), a agricultura moderna foi desenvolvida no cerrado para a produção de soja, milho, arroz, etc. Isso mostra que as intensões do desenvolvimento tecnológico na agricultura ocorreu principalmente para beneficiar as monoculturas para a exportação. E isso tem como palco o cerrado brasileiro, que precisa inevitavelmente de um pacto dos grandes produtores e instituições envolvidas para que se busquem alternativas menos impactantes ambientalmente. Em 2005, Klink e Machad já comentavam que apesar de territorialmente menor que a Amazônia, as taxas de desmatamento no Cerrado têm sido historicamente superiores àquela e o esforço de conservação do bioma é muito inferior ao da Amazônia: apenas 2,2% da área do Cerrado se encontravam legalmente protegida. Como agravante, segundo Aguiar e Monteiro (2005), o modelo agrícola desenvolvido nos Cerrados, resultante da modernização, baseado na monocultura da soja, utiliza-se de muitos

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insumos agrícolas, sobretudo os agrotóxicos, para garantir uma alta eficiência no processo produtivo e retorno econômico. Isso mostra que a degradação ambiental no Brasil e, em especial no Cerrado, decorrente da exploração da agropecuária, tem transformado consideravelmente o seu perfil, resultando em excesso de desmatamento, compactação do solo, erosão, assoreamento de rios, contaminação da água subterrânea, e perda de biodiversidade, com reflexos sobre todo o ecossistema (Cunha et al., 2008). Ainda assim, algumas iniciativas buscam a preservação e ações agrícolas mais responsáveis no cerrado. 3.4 As iniciativas e ações institucionais com vistas à sustentabilidade As muitas mudanças ocorridas nas paisagens do Cerrado e o status de ameaça de sua biodiversidade têm provocado o surgimento de pressões e de iniciativas de conservação por diferentes instituições.

109

Klink e Machado (2005), já destacavam algumas dessas ações, como por exemplo: • •

• •



A Rede Cerrado (uma rede de ONGs) foi estabelecida para promover localmente a adoção de práticas para o uso sustentável dos recursos naturais; Governos estaduais, como o de Goiás, trabalharam para a criação de áreas protegidas e ampliação e consolidação da rede existente de unidades de conservação, particularmente com o objetivo de se estabelecer corredores ecológicos; A Conservação Internacional (CI-Brasil), a The Nature Conservancy (TNC) e a WWFBrasil possuem programas especificamente voltados para a conservação do Cerrado; O Banco Mundial propôs um amplo zoneamento ecológico-econômico (World Bank, 2003) para estimular o apoio de agências nacionais e internacionais para a conservação e o desenvolvimento racional da região; O programa de pequenos projetos (PPP) que conta com recursos do Global Environment Facility (GEF) e apoio do PNUD-Brasil, promove ações de ONGs locais e pequenas comunidades rurais do Cerrado que buscam o uso sustentável dos recursos naturais (Klink e Machado, 2005).

No entanto verifica-se que, no momento, não há precisamente ações voltadas para a região do Matopiba. O que ha, especificamente nos estado do Maranhão e Piauí, é uma iniciativa em relação à certificação da soja (soja responsável) encabeçada pela Fapcen - Fundação de apoio à pesquisa do corredor de exportação norte. A Fapcen é uma instituição presente em Balsas (MA), uma cidade que representa uma das regiões de maior produção de soja no território do Matopiba. Essa certificação (Figura 3) é desenvolvida pela “Round Table on Responsible Soy” (RTRS), uma organização da sociedade civil que promove a produção, processamento e comercialização responsável da soja em nível global. Tem como missão: “Promover que a soja atual e futura seja produzida de maneira sustentável para diminuir os impactos sociais e ambientais, mantendo ou melhorando o nível econômico para o produtor, através de: o desenvolvimento, a implementação e a verificação de um padrão global; e o compromisso dos stakeholders envolvidos na cadeia de valor da soja” (RTRS, 2016).

Figura 3: Logomarca RTRS Fonte: RTRS, 2016

Com vista ao impacto ambiental do cultivo de soja no Brasil e no mundo, produtores membros da “Round Table Responsible Soy Association” criaram um protocolo para a produção responsável de soja. Eles buscam desenvolver atividades que gerem impactos positivos socioambientalmente, ou seja, devem seguir normas de cultivo que incluem boas práticas agrícolas e respeito às leis ambientais e trabalhistas de cada país produtor. Os 140 membros da RTRS, que respondem atualmente por cerca de 40% da produção mundial de soja, discutem a certificação da produção como maneira de garantir que o cultivo de soja crescerá nas próximas décadas sem prejudicar o meio ambiente (RTRS, 2016).

110

O padrão RTRS para a produção responsável de soja inclui requisitos que visam à manutenção de áreas de alto valor de conservação, implantação de melhoras práticas de gestão, condições justas de trabalho, e respeito às reivindicações de posse de terras. O padrão é aplicável para diferentes propósitos, tais como alimentação animal, consumo humano, e produção de biocombustíveis (RTRS, 2016). Países como Holanda, Bélgica e Suíça têm metas de comprar somente grão com este certificado. Por meio de mesas redondas entre os membros chegou-se a acordos de quais seriam as melhores formas de produção responsável da soja, envolvendo mais de 100 critérios em cinco princípios: 1. Cumprimento legal e boas práticas empresariais 2. Condições de trabalhos responsáveis 3. Relações comunitárias responsáveis 4. Responsabilidade ambiental 5. Práticas agrícolas adequadas Ainda assim, existem muitas críticas e desconfianças em relação a essa certificação. Apesar de ser uma iniciativa que busca princípios socioambientais importantes, ainda é uma certificação que, pelo menos no Matopiba, a adesão por parte dos produtores é baixa. Por se tratar de um nicho de mercado, a soja certificada que é vendida apenas para alguns grupos de compradores da Europa, ainda não se tornou atraente para muitos produtores da região que acabam por vender os grãos para o mercado interno ou externo que não exigem tal certificação. 5. Conclusão A discussão acerca do tema deste trabalho indica que apesar da grande produtividade agrícola de commodities, esta se apresenta dissociada das questões mais amplas inerentes ao meio ambiente, bem como a ausência de modelos nas gestões ou práticas ambientais que integre os conceitos de produtividade e preservação ambiental. O que se há são iniciativas que precisam ser amplamente inseridas em todo contexto produtivo da soja e que realmente ofereçam práticas ambientalmente sustentáveis, mesmo que seja na produção de commodities. Portanto, é preciso mudanças ou medidas alternativas que busquem uma atividade agrícola sustentável e que seja incorporada na preservação do cerrado brasileiro. Conforme Esquerdo (et al., 2015), a atual dinâmica de expansão e de intensificação da atividade agrícola no Matopiba é uma oportunidade para a implantação de processos baseados nas asserções da sustentabilidade, através da formulação e implantação de políticas públicas que crescimento produtivo e conservação dos recursos naturais de um bioma que é reconhecido como um dos mais importantes, em termos de biodiversidade do planeta. Referências Aguiar, T. D. J. A., & Monteiro, M. D. S. L. (2005). Modelo agrícola e desenvol modelo agrícola e desenvolvimento sustentável: a ocupação do cerrado piauiense. Ambiente & Sociedade, 8(2). Baffi, M. A. T. (2010). Modalidades de pesquisa: um estudo introdutório. Pedagogia em Foco: Petrópolis.

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112

Valorização das práticas agroextrativistas e construção social de mercados: perspectivas para a sustentabilidade do bioma Cerrado

Stéphane Guéneau¹, Janaína Deane de Abreu Sá Diniz², Mônica Celeida Rabelo Nogueira², Carlos José Sousa Passos² ¹ Centre de coopération internationale en recherche agronomique pour le développement, Unité mixte de recherche Marchés, organisations, institutions et stratégies d’acteurs, (CIRAD UMR MOISA) e Universidade de Brasília, Centro de desenvolvimento sustentável (UnB-CDS) ² Universidade de Brasília, Faculdade de Planaltina (UnB-FUP) Resumo Localizado no centro do Brasil, o bioma Cerrado abrange cerca de um quarto da área do país, sendo considerado como a savana tropical mais rica do mundo. Possui uma flora de mais de 12 000 espécies, das quais quase 40% são endêmicas. Entretanto, tem sofrido profundas mudanças relacionadas à conversão de cerca da metade de sua vegetação original em monoculturas agrícolas, plantações florestais industriais e pastagens, além de muitas áreas remanescentes já se encontrarem bastante perturbadas. Enquanto o agronegócio avança, a atividade agroextrativista no Cerrado - que combina agricultura e o extrativismo de espécies nativas do bioma - ainda é pouco valorizada, embora conhecida como uma importante ferramenta de uso sustentável do bioma. A presente pesquisa, de caráter exploratório, buscou identificar as principais restrições econômicas, políticas, legais e institucionais que impedem uma melhor valorização desses produtos. O quadro analítico usado na pesquisa vem da sociologia econômica, mais especificamente focada na construção social dos mercados. A metodologia, qualitativa, foi baseada em observações das feiras e principais pontos de vendas nas regiões de Mambaí, Chapada dos Veadeiros e Pirenópolis no estado de Goiás, além de Brasília no Distrito Federal. Mais de 30 entrevistas semiestruturadas foram realizadas nos assentamentos e comunidades da região, tendo sido complementadas por entrevistas das principais cooperativas, responsáveis das lojas de vendas das cidades de Brasília e Goiânia e das administrações locais responsáveis pela implementação de políticas públicas de fomento à comercialização dos produtos agroextrativistas. Os resultados apresentam um mapeamento inicial dos principais obstáculos para a construção social dos mercados dos produtos da biodiversidade do Cerrado nesta região específica. Em termos sociais e econômicos, observa-se uma grande dificuldade de consolidação de organizações coletivas. As políticas públicas focadas no agroextrativismo do Cerrado se mostram ainda incipientes e com pouca diferenciação dos produtos sustentáveis (marcas, indicações geográficas ou selos específicos). É grande a dificuldade para registrar novos produtos, além da falta de apoio à comercialização (através da organização de feiras, compras públicas, assistência técnica às comunidades para atingir o mercado formal). Esses resultados demonstram uma grande diferença da organização produtiva das cadeias agroextrativistas no Cerrado, em relação às cadeias extrativistas da Amazônia, que tendem a se concentrar em um único produto e com foco em mercados externos. Além de ser uma atividade complementar à agricultura familiar, o agroextrativismo no Cerrado cobre uma grande variedade de produtos nativos que são coletados em propriedades tanto privadas como públicas. Essa análise reforça a necessidade de aplicar, no Cerrado, instrumentos diferenciados daqueles dispositivos que vem sendo implementados na Amazônia. É importante se aprofundar as pesquisas nesse sentido, com maior atenção à integração entre as políticas públicas locais e nacionais voltadas ao Cerrado, destacando-se as suas especificidades com relação a outros biomas, uma vez que o próprio Governo Federal prioriza o agronegócio no Cerrado, em detrimento de outras atividades tradicionais das comunidades locais. 113

Palavras-chave: Cerrado, sustentabilidade, agroextrativismo, valorização, mercado.

114

Empregos verdes no Brasil: Uma análise da dinâmica regional entre 2007 e 2014

1

Stela Luiza de Mattos Ansanelli, 2Luiz Henrique Bispo Santos, 3Luciana Togeiro de Almeida 1

Departamento de Economia/FCLAr UNESP ([email protected])

2

Graduação em Economia/ FCLAr UNESP ([email protected])

3

Departamento de Economia/FCLAr UNESP ([email protected])

Resumo A geração de postos de trabalho é importante fator do crescimento econômico, contudo, considerando os efeitos negativos que as atividades econômicas têm gerado sobre o meio ambiente, importa saber onde estão alocados esses empregos. Os empregos verdes são postos de trabalho criados em diversas atividades que possuem impactos, diretos ou indiretos, positivos sobre o meio ambiente. Estes cresceram 35% entre 2007 e 2014 no Brasil, mas como o país apresenta grande diversidade ambiental e econômica, é necessário realizar uma investigação da dinâmica regional desse crescimento. Com este objetivo, nesta pesquisa foi utilizado o método shift-share e decomposto o crescimento do emprego nas regiões entre componentes nacional, setorial, regional e alocativo. Verificou-se que, apesar da maioria do emprego verde concentrar-se no Sudeste, as Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste têm apresentado vantagens significativas nos segmentos de energia renovável e saneamento. Estas evidências sugerem que vem ocorrendo um avanço ou desconcentração de atividades voltadas à preservação ambiental, bem como postos de trabalho em direção às Regiões menos favorecidas do Brasil. Palavras-chave: Emprego, Economia Verde, Regional. 1. Introdução O emprego é motor indispensável do crescimento econômico, pois cria demanda, estimula produção, incentiva novas contratações e assim sucessivamente. A história econômica conta que o fomento da demanda efetiva, via geração de postos de trabalho, significou a reversão de períodos de crise econômica. Contudo, sabe-se também que o crescimento econômico indiscriminado, especialmente baseado em atividades industriais construiu um cenário catastrófico no que se refere ao meio ambiente. A ascensão da Economia Verde, por outro lado, fornece oportunidades de ganhos duplos: proteção ambiental e crescimento de postos de trabalhos vinculados às atividades de preservação ambiental. A Economia Verde, conforme UNEP (2008), significa uma economia com crescente bem estar social e capital humano com queda significativa de riscos ambientais e ecológicos no sentido de alcançar o desenvolvimento sustentável e a redução da pobreza. Este conceito engloba práticas econômicas ambientalmente adequadas e socialmente equitativas.. Emprego verde são postos de trabalho gerados a partir de atividades associadas à conservação ambiental e se tornou o símbolo de uma economia baseada em novos padrões de consumo e produção, que exigem um redirecionamento para as atividades produtivas que respeitem a restrição imposta pelo meio ambiente. Segundo a OIT (2009), principal referência metodológica e empírica para o Brasil, a análise do emprego verde se divide em dois grupos: o das atividades que contribuem para a 115

redução do efeito estufa e para a preservação da qualidade ambiental (produção, manejo, geração e distribuição de energia, saneamento, transporte coletivo, telecomunicações, entre outras) e o das atividades extrativas que dependem da qualidade ambiental (extração mineral e indústria de base, construção, agricultura, pecuária, pesca, entre outras). Observa-se que emprego verde, portanto, pode estar alocado em quaisquer atividades, como na agricultura, indústria, construção civil, instalação e manutenção, bem como em atividades científicas, técnicas, administrativas e de serviços que tenham, direta ou indiretamente, impactos ambientais positivos. É preciso observar que este conceito está vinculado ao de emprego decente, entendido aqui como aquele que garante proteção social e jurídica ao trabalhador. Todos os postos de trabalho contabilizados no relatório da OIT consideraram o trabalho decente como pré-condição para o emprego verde. A peculiaridade da definição da OIT é que esta não se relaciona a cargos ou a perfis profissionais específicos, mas sim a postos de trabalho em setores econômicos que possuem impactos ambientais positivos concretos. Por essa especificidade e por constituir uma referência internacional e nacional, disponibilizando uma classificação de atividades econômicas passível de ser pesquisada nas bases de dados nacionais, o relatório da OIT constitui o recorte da análise deste trabalho. No Brasil, a evolução das atividades econômicas se deu de forma periférica, bastante dependente do setor externo e altamente predatória do ponto de vista ambiental. O Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), símbolo do desenvolvimento industrial planejando, privilegiou a emergência de setores como metal mecânico, minerais não metálicos, papel e celulose, material para transporte e petroquímico. Ao fazer isso, o Brasil incorporou padrões tecnológicos avançados, mas ultrapassados quanto ao meio ambiente, com poucos elementos tecnológicos de tratamento, reciclagem e processamento (Barcellos, 2001). Entretanto, nos últimos anos as atividades ambientais ganharam espaço em nossa economia, promovendo a criação de ocupações ambientalmente amigáveis. De acordo com OIT (2009), as atividades verdes empregaram mais de 2,5 milhões trabalhadores em 2008, o que representou 6,73% do emprego formal no Brasil. De lá para 2014, conforme dados do MTE (2015), o emprego verde cresceu cerca de 35%, mas esse aumento provavelmente não ocorreu de forma simultânea em todas as regiões. Esta suposição é natural, visto que o Brasil é um país continental com uma ampla diversidade em termos de atividades econômicas e características ambientais. A Região Norte, por exemplo, é responsável por 35% do potencial hidrelétrico do país e é o solo da floresta Amazônica; no Nordeste, apesar dos problemas com a seca, vem ocorrendo elevados investimentos em energia eólica respondendo por 85% da produção no Brasil e no Sudeste temos a maior concentração da atividade industrial e populacional da nação (IBGE, 2015; ANEEL, 2015; ABEEÓLICA, 2015). O objetivo deste trabalho é investigar a dinâmica do emprego verde no Brasil entre 2007 e 2014 a partir de uma ótica regional. Ou seja, serão analisados os componentes do crescimento do emprego verde em cada região do país, de modo a qualificar as vantagens e desvantagens das áreas geográficas e setores de atividade por meio do método shift-share. Tal metodologia, embora não explique os fatores determinantes, permite identificar os elementos responsáveis pelo destaque de certa área geográfica na taxa de crescimento do emprego (ou outra variável econômica) entre dois períodos de tempo, se a dinâmica da nação, do setor ou da região em si. Uma pesquisa com esta dimensão é importante por atualizar e aprofundar o estudo da OIT (2009) no que diz respeito ao Brasil, bem como por fornecer elementos para discussão dos fatores determinantes do emprego verde no País.

116

2. Métodos Para a realização da análise da dinâmica do emprego verde nas regiões do Brasil foi utilizado o método shift-share ou diferencial estrutural. Esta técnica é comum na área da Economia Regional e permite analisar e comparar indicadores econômicos dentro e entre áreas de referências. Parte da evidência de que o crescimento de alguma variável, no caso em questão o emprego, em um setor é maior ou menor do que em outros setores, bem como em algumas regiões do que em outras. Isto ocorre ou porque há preponderância de setores mais dinâmicos em certas regiões ou porque esta região tem participação crescente na distribuição do emprego na área de referência (Caçador e Monte, 2013). O crescimento do emprego em uma área é decomposto em três componentes nacional, estrutural ou setorial e regional ou competitivo – entre dois momentos do tempo. Desta forma, não é uma teoria explicativa do crescimento, mas um método que identifica os componentes deste crescimento (Caçador e Monte, 2013). Na literatura alguns problemas foram levantados. O principal deles foi não considerar a interdependência entre os componentes, especialmente entre a composição industrial e a estrutura regional. Na versão reformulada, Esteban-Marquillas (1972) revisou o efeito regional para separar o componente setorial do regional introduzindo os conceitos de emprego homotético (*) no Efeito Competitivo e de efeito alocação (Monte e Silva et al., 2013). Esta versão encontra-se detalhada a seguir: ∆𝐸 = 𝐸𝑁!" + 𝐸𝑆!" + 𝐸𝐶!"∗ + 𝐸𝐴!"

(1)

Onde: Efeito Nacional 𝐸𝑁!" = 𝐸!" ∗ 𝑟!

(2)

Efeito Setorial ou Estrutural 𝐸𝑆!" = 𝐸!" ∗ 𝑟!" − 𝑟!

(3)

∗ Efeito Competitivo ou Regional 𝐸𝐶!"∗ = 𝐸!" ∗ 𝑟!" − 𝑟!"

(4)

∗ Efeito Alocação 𝐸𝐴𝑖𝑗 = 𝐸!" − 𝐸!" ∗ 𝑟!" − 𝑟!"

(5)

∗ Emprego Homotético 𝐸!" =

! ! !!" ∗!!"

!!

(6)

Sendo E número total de empregados, i o setor, j a região, n nacional, r taxa de crescimento entre dois momentos específicos, 0 ano inicial e Rj o emprego em todos os setores da região. Para os propósitos desta pesquisa, o setor i é representado pelas atividades que compõem o emprego verde, conforme definidas pela OIT. O efeito nacional 𝐸𝑁!" representa o montante de emprego do setor i na região j, caso este acompanhasse o crescimento do emprego total da nação. Se, por exemplo, a variação real (taxa de crescimento entre o ano inicial e final) do emprego na região for inferior ao o efeito nacional, isso significa que o emprego na região cresceu menos do que o emprego da nação no mesmo período. Além disso, ele informa as principais forças condutoras do emprego em cada região: quanto maior, mais dependente é o emprego das decisões federais. O componente setorial ou estrutural 𝐸𝑆!" é dado pela diferença entre o crescimento do emprego no setor i na nação e o emprego total na nação. Sendo positivo, a região possui uma estrutura industrial favorável e o setor na região é mais dinâmico do que em nível nacional.

117

O efeito competitivo (ou regional) homotético 𝐸𝐶!"∗ fornece uma medida da vantagem ou desvantagem comparativa de uma região em comparação com a nação no setor i. Ele consiste na diferença entre o crescimento do emprego no setor i dentro da região e o setor i no país. Se o efeito competitivo for positivo, a região tem vantagens locacionais e intrínsecas ∗ ao setor. Nesta versão o emprego homotético 𝐸!" é incorporado no efeito competitivo para livrá-lo da influência estrutural regional e encerrar sua interdependência com o efeito setorial. ∗ O emprego homotético 𝐸!" representa a magnitude que assumiria o emprego no setor i na região j se considerasse idêntica estrutura produtiva entre a região e a nação. Junto do efeito competitivo, o efeito alocação 𝐸𝐴𝑖𝑗 mostra se a região está se especializando em setores nos quais tem ou não uma vantagem comparativa. Quanto maior o efeito alocação, melhor é a distribuição regional do emprego entre diferentes setores. Com relação à base de dados, foi pesquisado o número total de empregados formais em 31 de dezembro de cada ano no site do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE) para as atividades verdes descritas pela OIT e classificadas pelos códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0) do IBGE. São 76 atividades (CNAE), agrupadas em seis segmentos: A) Produção e manejo florestal; B) Geração e distribuição de energia renovável; C) Saneamento, gestão de resíduos e riscos ambientais; D) Manutenção, reparação e recuperação de produtos e materiais; E) Transporte coletivo e alternativo ao rodoviário e aeroviário; e F) Telecomunicações e teleatendimento. Os detalhes dessas atividades encontram-se no Anexo. O período selecionado foi de 2007 a 2014, uma vez que a revisão mais recente da CNAE foi feita em 2007. 3. Resultados e Discussão O emprego verde total no Brasil, conforme divulgado pelo relatório da OIT, foi cerca de 2,5 milhões em 2008, 6,73% do emprego nacional. Desde 2007, como pode ser observado na Tabela 1, houve um crescimento de 35% no número total de empregos verdes, no entanto, a participação no total nacional se manteve em torno de 6,6%. Aparentemente essa evidência sugere que o crescimento do emprego verde acompanhou o da nação como um todo. Tabela 1 – Emprego verde no Brasil entre 2007 e 2014, total e participação no emprego total Ano 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Emprego verde

2484799

2653059

2719651

2906579

3104655

3231630

3302477

(%) total

6,6

6,73

6,6

6,59

6,7

6,8

6,7

do

2014 3367766 6,7

Fonte: OIT (2009) e MTE (2015).

Com relação aos segmentos, a partir de 2007 os destaques em termos de crescimento foram dados pelos subsetores de telecomunicações, reparos e transportes, conforme Tabela 2. A produção e manejo florestal e geração e distribuição de energias renováveis tiveram os piores desempenhos. Exemplos dessas atividades se encontram no Anexo. Esta evidência chama a atenção para a necessidade de ações públicas voltadas a dois principais problemas ambientais do Brasil: desmatamento e crise energética.

118

Tabela 2 – Crescimento do emprego verde no Brasil por segmentos entre 2007 e 2014, em % tomando 2007 como ano base Segmento/ano

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

A

100

95,86

89,84

102,1

106,55

101

95,2

95,8

B

100

108,28

111,14

114,7

121

120

117,5

114,5

C

100

103,78

110,75

115

112,9

122

130,5

131,9

D

100

107,05

109,9

112,54

134,05

141,65

141,37

144,6

E

100

104,8

108,06

112,74

119,5

124,36

128,85

131,3

F

100

114,97

116,15

130

147,94

160

169,33

180,7

Segmentos: A) Produção e manejo florestal; B) Geração e distribuição de energia renovável; C) Saneamento, gestão de resíduos e riscos ambientais; D) Manutenção, reparação e recuperação de produtos e materiais; E) Transporte coletivo e alternativo ao rodoviário e aeroviário; e F) Telecomunicações e teleatendimento. Fonte: OIT (2009) e MTE (2015).

A Tabela 3 identifica a distribuição regional do emprego verde no Brasil. A região Sudeste concentrou mais de 50% da geração desses tipos de postos de trabalho no Brasil no período. Entretanto, deve-se observar que as regiões Sudeste e Sul mostraram queda desta participação, em contrapartida à ascensão das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. A aplicação da metodologia shift-share permitiu investigar mais profundamente essa diferença de comportamento no crescimento do emprego verde entre as regiões, fornecendo algumas hipóteses explicativas.

Tabela 3 – Distribuição Regional do Emprego Verde no Brasil em 2007 e 2014 Região/Ano

2007 total

2014 % do total

total

Variação (%) % do total

2007-2014

Norte

102133

4,11

168737

5,01

65

Nordeste

396800

15,97

584035

17,34

47

Sudeste

1417518

57,05

1872609

55,60

32

Sul

381991

15,37

473665

14,06

23

Centro-Oeste

186357

7,50

268720

7,98

44

Total

2484799

100

3367766

100

35

Fonte: OIT (2009) e MTE (2015).

Os resultados da aplicação do modelo se encontram nas tabelas 4, 5 e 6. Observando o efeito nacional na Tabela 4, verifica-se que ele foi responsável pela maior parte da variação do emprego verde na maioria das regiões, sobretudo Sul e Sudeste. Podemos interpretar essas evidências, como sugerem Silva e Monte (2011), que os resultados do emprego verde nessas regiões são determinados principalmente por decisões tomadas no âmbito federal, e não no regional.

119

Além disso, o componente nacional representa o montante que o emprego verde em cada região teria aumentado se tivesse crescido à mesma taxa que o emprego total do país, que foi de aproximadamente 32% no período. Verificou-se que o crescimento do emprego verde nas regiões Sul e Sudeste esteve bem distante do que se estes acompanhassem o crescimento do setor no Brasil – efeito nacional. No entanto, a região Norte apresentou um crescimento superior ao efeito nacional, 65% contra 48%, e a Região Nordeste um desempenho próximo da média. Tabela 4 – Análise shift-share do crescimento do emprego verde nas regiões brasileiras, 2007 - 2014 Regiões

Variação

Efeitos (%)

(%)

Nacional

Setorial

Competitivo

Norte

65

48,78

17,65

Nordeste

47

67,42

Sudeste

32

Sul CentroOeste

1

Alocação

Total

42,44

-8,88

100

15,35

18,85

-1,61

100

99,09

-15,21

14,68

1,44

100

23

132,56

-1,35

-35,11

3,89

100

44

71,98

20,35

8,29

-0,62

100

(1) Emprego Competitivo homotético ou regional. Fonte: OIT (2009) e MTE (2015).

Com relação ao efeito setorial, a variação foi negativa para Sudeste e Sul, embora sejam regiões nas quais, historicamente, concentram as atividades econômicas do país. Uma análise setorial, como apresentada pela Tabela 5, sugere que tem havido maior crescimento em atividades cujo emprego regional ainda possui baixa participação, e vice-versa. As Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste tiveram maiores taxas de crescimento do emprego em energias renováveis, saneamento, manutenção e reparos e telecomunicações, apesar da baixa concentração do emprego regional nesses setores. No Norte, a taxa de crescimento do segmento energético foi de 205%, no Nordeste o emprego nas telecomunicações cresceu 263% e no Centro-Oeste, o destaque foi 92% em saneamento. Por sua vez, as Regiões Sudeste e Sul obtiveram as piores taxas de crescimento nos segmentos com maior concentração de emprego, com exceção de transportes e manejo florestal. Ou seja, aparentemente tem ocorrido um avanço ou mesmo uma desconcentração das atividades verdes em direção às Regiões menos desenvolvidas do país. O efeito competitivo é uma medida da variação do emprego verde na região e a variação do emprego verde no Brasil (área de referência). Uma variação negativa indica que esta região apresenta desvantagem comparativa em relação à área de referência. No período observado isso ocorreu apenas com a região Sul. Todas as outras regiões apresentaram resultados positivos e, portanto, evidências de vantagens comparativas, com destaque para as regiões Norte e Nordeste. Assim, como aponta Caçador e Monte (2013), podemos considerar que regiões com estes indicadores possuem características endógenas que favorecem a atração de setores mais dinâmicos ou induzem uma expansão mais rápida em alguns setores. Por fim, o efeito alocação é uma medida de especialização. Como observado, o efeito alocação, outro componente do efeito competitivo, foi positivo para as regiões com piores desempenhos nos outros indicadores: novamente, Sudeste e Sul. Observa-se que a região

120

Sul tem se especializado em atividades verdes, nas quais possui desvantagem comparativa, o que exige uma pesquisa específica. Tabela 5 – Participação do emprego das Regiões em cada segmento (total acumulado do período) e taxa de crescimento do emprego das Regiões em cada segmento entre 2007 e 2014, em % A

B

C

D

E

F

Região

Parti c

Cres c.

Parti c

Cres c.

Parti c

Cres c.

Parti c

Cres c.

Parti c

Cres c.

Parti c

Cres c.

Norte

7,92

-17

7,91

205

4,07

41

3,37

85

5,40

20

0,84

149

Nordest e

16,3 4

-10

19,6 8

6

19,5 3

29

12,7 8

56

15,9 0

29

14,7 9

263

Sudest e

46,2 6

2

45,9 3

6

55,6 6

28

55,4 8

37

58,4 9

36

69,3 0

55

Sul

20,9 9

-16

12,9 1

-6

14,6 8

29

20,0 7

37

14,5 5

31

8,95

63

CentroOeste

8,50

26

13,5 7

25

6,07

92

8,29

91

5,65

8

6,12

99

Total

100

100

100

100

100

100

Segmentos: A) Produção e manejo florestal; B) Geração e distribuição de energia renovável; C) Saneamento, gestão de resíduos e de riscos ambientais; D) Manutenção, reparação e recuperação de produtos e materiais; E) Transportes coletivos e alternativos ao rodoviário e aeroviário e F) Telecomunicações e tele atendimento. Fonte: OIT (2009) e MTE (2015).

De modo a aprofundar a análise do efeito competitivo homotético, a Tabela 6 apresenta quais Regiões possuem maiores e menores vantagens comparativas por segmentos do emprego verde. Confirmando a análise anterior, Norte é a única que possui vantagens regionais no segmento de energias renováveis, mas o pior desempenho na produção e manejo florestal, provavelmente por conta do desmatamento da floresta Amazônica. As Regiões Centro-Oeste e Sudeste, respectivamente, apresentaram vantagens em atividades de saneamento e, no setor de transportes, o destaque foi a Sudeste. A Região Sul apresentou um desempenho semelhante ao do Nordeste, o que sugere que o problema destas regiões pode ser setorial e não exclusivamente regional. Tabela 6 – Efeito competitivo homotético das regiões por segmentos de atividade, 2007 – 2014. A

B

C

D

E

F

Norte

77894,8

208209,3

-3587,65

53905,07

-30157,4

136040,6

Nordeste

-214253

-145032

-42404,7

73876,95

-43935,1

973756,3

Sudeste

-322511

-269437

9516,284

134578,9

113413,3

358698,6

Sul

-203602

-158995

-10255,6

24563,52

-1025,09

133299,5

CentroOeste

28865,5

-31570,7

102606,1

100378,4

-66797,8

118180,7

121

Segmentos A) Produção e manejo florestal; B) Geração e distribuição de energia renovável; C) Saneamento, gestão de resíduos e de riscos ambientais; D) Manutenção, reparação e recuperação de produtos e materiais; E) Transportes coletivos e alternativos ao rodoviário e aeroviário e F) Telecomunicações e tele atendimento. Fonte: OIT (2009) e MTE (2015).

5. Conclusões O objetivo deste artigo foi aprofundar o estudo sobre empregos verdes no Brasil realizado pela OIT em 2008, a partir de uma análise da dinâmica regional do crescimento entre 2007 e 2014. Verificou-se que ocorreu um crescimento de 35% do emprego verde no Brasil, mas de forma desigual entre as Regiões. Apesar de praticamente todas as atividades verdes se concentrarem no Sudeste e Sul, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste foram as que apresentaram maiores vantagens no crescimento do emprego verde, tanto em termos setoriais como locacionais. A Região Norte se destacou na geração de postos de trabalho em fontes alternativas de energia, como hidrelétrica, biocombustível e gás. Entretanto, deve-se ressaltar sua elevada desvantagem em termos de produção e manejo florestal, ainda gritante em comparação às outras regiões e à nação. A Região Centro-Oeste apresentou vantagens na área de saneamento. Em contrapartida, os piores indicadores estiveram na Região Sul, o que exige uma pesquisa específica. Estas evidências sugerem que vem ocorrendo um avanço ou desconcentração de atividades voltadas à preservação ambiental, bem como postos de trabalho, do Sudeste em direção às Regiões menos favorecidas do Brasil. Ou seja, a distribuição regional do emprego verde no Brasil no período 2007-2014 indica o potencial da economia verde para promover desconcentração regional das atividades econômicas contribuindo para a redução das históricas desigualdades regionais do país. Como sugestão de novas pesquisas, os resultados deste estudo constitui um primeiro passo na discussão dos fatores determinantes do emprego verde nas regiões brasileiras, a saber: Quais têm sido as políticas industriais e ambientais nacionais e estaduais do período voltadas às atividades ambientais? Têm contribuído para a geração das vantagens setoriais e locais? Em quais regiões e segmentos das atividades constituintes do emprego verde vem sendo realizada a maior parte dos investimentos? Por que a Região Sul apresentou resultados negativos? Referências ABEEÓLICA. Associação Brasileira de Energia Eólica: acessado em 10 de dezembro de 2015. ANEEL. Agência Nacional de Energia Elétrica: acessado em 10 de dezembro de 2015. Bakker, L. B.; Young, C. E. F., 2011. Caracterização do Emprego Verde no Brasil. In: Anais do IX Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica. Barcellos, F. C., 2001. A Indústria Nacional e seu Potencial Poluidor. In: Anais do IV Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica EcoEco, 2001. Disponível em: https://www.ecoeco.org.br/conteudo/publicacoes/encontros/iv_en/mesa2/4.pdf. Acesso em: 04/11/15 Caçador, S.B.; Monte, E. Z., 2013. Crescimento do emprego no Espírito Santo: uma análise shift-share (2001-2010). Pesquisa e Debate, v. 24, n.2 (44), pag. 197-219. Esteban-Marquillas J. M Reinterpretationof Shift-Share Analysis,1972. Regional Science and Urban Economics. [S.l.], v. 2, n. 3, p. 249-55.

122

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Disponível em: . Acesso em maio de 2015. Monte, P. A., Silva, J. A. R., Gonçalves, M. F. 2013 A Dinâmica do Emprego na Região Nordeste no Período 2000 a 2009. Revista Econômica do Nordeste, v.44, n.1, pag. 9-26. MTE. Ministério do Trabalho e do Emprego: Disponível em Acesso em 01 de dezembro de 2015. OIT - Organização Internacional do Trabalho Escritório no Brasil, 2009. Empregos Verdes no Brasil: Quantos são, onde estão e como evoluirão nos próximos anos. Rademaekers, K., van der Laan, J., Widerberg, O., Zaki, S., Klassens, E., Smith, M., Steenkamp, C., 2012.The number of jobs dependent on the environment and resource efficiency improvements. Final Report, ECORYS : Rotterdam. Silva, J. A. R., Monte, P. A., 2011. Dinâmica regional e setorial do emprego no Brasil: 1997 a 2007. Revista de Economia, v. 37, n. 2 (ano 35), p.80-108, maio/ago. UNEP. United Nations Environment Programme, 2008. Background Paper on Green Jobs. ANEXO CNAE 2.0

Descrição

A

Produção e manejo florestal

0142-3

Produção de mudas e outras formas de propagação vegetal

0210-1

Produção florestal - florestas plantadas

0220-9

Produção florestal - florestas nativas

0230-6

Atividades de apoio à produção florestal

8130-3

Atividades paisagísticas

9103-1

Atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental

B

Geração e distribuição de energias renováveis

0113-0

Cultivo de cana de açúcar

1931-4

Fabricação de álcool

1932-2

Fabricação de biocombustíveis, exceto álcool

3511-5

Geração de energia elétrica

3512-3

Transmissão de energia elétrica

3513-1

Comércio atacadista de energia elétrica

3514-0

Distribuição de energia elétrica

3520-4

Produção de gás; processamento de gás natural; distribuição de combustíveis gasosos por redes urbanas

4221-9

Obras para geração e distribuição de energia elétrica

C

Saneamento, gestão de resíduos e de riscos ambientais

123

2825-9

Fabricação de máquinas e equipamentos para saneamento básico e ambiental

3600-6

Captação, tratamento e distribuição de água

3701-1

Gestão de redes de esgoto

3702-9

Atividades relacionadas a esgoto, exceto a gestão de redes

3811-4

Coleta de resíduos não perigosos

3812-2

Coleta de resíduos perigosos

3821-1

Tratamento e disposição de resíduos não perigosos

3822-0

Tratamento e disposição de resíduos perigosos

3900-5

Descontaminação e outros serviços de gestão de resíduos

4222-7

Construção de redes de abastecimento de água, coleta de esgoto e construções correlatas

8425-6

Defesa Civil

D

Manutenção, reparação e recuperação de produtos e materiais

2212-9

Reforma de pneumáticos usados

2950-6

Recondicionamento e recuperação de motores para veículos

3311-2

Manutenção e reparação de tanques, reservatórios metálicos e caldeiras, exceto para veículos

3312-1

Manutenção e reparação de equipamentos eletrônicos

3313-9

Manutenção e reparação de máquinas e equip. elétricos

3314-7

Manutenção e reparação de máq. e equip. da ind. mecânica

3315-5

Manutenção e reparação de veículos ferroviários

3316-3

Manutenção e reparação de aeronaves

3317-1

Manutenção e reparação de embarcações

3319-8

Manutenção e reparação de equipamentos e produtos não especificados anteriormente

3831-9

Recuperação de materiais metálicos

3832-7

Recuperação de materiais plásticos

3839-4

Recuperação de materiais não especificados anteriormente

4520-0

Manutenção e reparação de veículos automotores

4543-9

Manutenção e reparação de motocicletas

4687-7

Comércio atacadista de resíduos e sucatas

4785-7

Comércio varejista de artigos usados

9511-8

Reparação e manutenção de computadores e de equip. perif.

9512-6

Reparação e manutenção de equipamentos de comunicação

9521-5

Reparação e manutenção de equipamentos eletroeletrônicos de uso pessoal e doméstico

124

9529-1

Reparação e manutenção de objetos e equipamentos pessoais e domésticos não especificados anteriormente

E

Transportes coletivos e alternativos ao rodoviário e aeroviário

3011-3

Construção de embarcações e estruturas flutuantes

3031-8

Fabricação de locomotivas, vagões e outros materiais rodantes

3032-6

Fabricação de peças e acessórios para veículos ferroviários

3092-0

Fabricação de bicicletas e triciclos não motorizados

4223-5

Construção de redes de transportes por dutos, exceto para água e esgoto

4291-0

Obras portuárias, marítimas e fluviais

4911-6

Transporte ferroviário de carga

4912-4

Transporte metroferroviário de passageiros

4921-3

Transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal e em região metropolitana

4922-1

Transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, intermunicipal, interestadual e internacional

4924-8

Transporte escolar

4929-9

Transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, e outros transportes rodoviários não especificados anteriormente

4940-0

Transporte dutoviário

5011-4

Transporte marítimo de cabotagem

5012-2

Transporte marítimo de longo curso

5021-1

Transporte por navegação interior de carga

5022-0

Transporte por navegação interior de passageiros em linhas regulares

5030-1

Navegação de apoio

5091-2

Transporte por navegação de travessia

5099-0

Transportes aquaviários não especificados anteriormente

5222-2

Terminais rodoviários e ferroviários

5231-1

Gestão de portos e terminais

5232-0

Atividades de agenciamento marítimo

5239-7

Atividades auxiliares dos transportes aquaviários não especific. anteriorm.

F

Telecomunicações e tele-atendimento

6110-8

Telecomunicações por fio

6120-5

Telecomunicações sem fio

6130-2

Telecomunicações por satélite

6190-6

Outras atividades de telecomunicações

8220-2

Atividades de tele-atendimento

125

Total Fonte: OIT (2009)

126

As vantagens (ou desvantagens) comparativas das exportações brasileiras de bens ambientais: uma comparação entre três propostas de classificações internacionais

1

Stela Luiza de Mattos Ansanelli, 2Letícia da Silva Faria, 3Luciana Togeiro de Almeida

1

Departamento de Economia/FCLAr UNESP ([email protected])

2

Graduação em Economia/ FCLAr UNESP ([email protected])

3

Departamento de Economia/FCLAr UNESP ([email protected])

O mercado mundial de bens e serviços ambientais tem crescido significativamente, passando de US$550 bilhões em 2003 para mais de US$600 bilhões esperados em 2010 (ALMEIDA, PRESSER, 2006). Apesar da maioria deste valor se concentrar nos países desenvolvidos, os países em desenvolvimento apresentaram potencial significativo, pois a taxa de crescimento anual nesses mercados foi de 7% a 12% entre 2000 e 2010. A tarifa média de importação de bens ambientais é maior nos países em desenvolvimento do que nos desenvolvidos - entre 10% e 15% para os primeiros contra 0% e 5% para os segundos (SIMON, 2014). Neste cenário, em 2001 a Declaração da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) determinou a queda de barreiras comerciais sobre estes bens, mas as negociações se encontram num impasse por causa da ausência de definição, divergência de interesses e existência de listas sugeridas de bens ambientais. Há três listas principais: da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (APEC) e da OMC. Como nos países em desenvolvimento esta indústria é nascente e nos países desenvolvidos, estabelecida, a liberalização de bens ambientais tem um caráter unilateral (SIMON, 2014). Diante da expectativa de perdas para os países em desenvolvimento, é de extrema importância que se discuta os possíveis impactos da liberalização de bens ambientais a partir do enfoque das listas. Em qual das listas o Brasil, por exemplo, têm tido mais vantagens (ou desvantagens) comparativas em suas exportações para o mundo? Para tanto, foram calculados os Índices de Vantagens Comparativas Reveladas (IVCR) das exportações brasileiras para o mundo para cada lista no período de 2002 a 2013 a partir da base de dados COMTRADE. Sendo o IVCR = (Xij / Xi)/( Xwj/ Xw), onde X valor das exportações em dólares, j produto, i país e w mundo. O índice varia de 0 a 1: quanto mais próximo de 1 maiores as vantagens. Os resultados mostraram que o Brasil possui desvantagens relativas nas exportações de bens ambientais para o mundo, pois são inferiores a 0,3 no período. Comparando as três listas, a da OCDE apresenta menores desvantagens, em torno de 0,2, enquanto as da APEC e OMC resultaram em índices de 0,13 e 0,15, em média, respectivamente. Isto ocorre porque a OCDE é a única a incluir o etanol como bem ambiental. Estas evidências apontam para perdas comerciais significativas decorrentes da liberalização de bens ambientais, que seriam intensificadas caso seja orientada pelas listas da APEC e OMC. Palavras-chave: bens ambientais, Brasil, liberalização. Referências ALMEIDA, L.T; PRESSER, M. F. Bens e serviços ambientais e as negociações na OMC. Revista Iberoamericana de Economía Ecológica, vol. 5, 2006, p. 1-11. SIMON, C. M. Bens e Serviços Ambientais nas Agendas Legislativa e da Diplomacia Comercial: do Nominalismo ao Pragmatismo. Brasília: Núcleo de Estudos e

127

Pesquisas/CONLEG/Senado, mar./2014 (Texto para Discussão nº 145). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 18 mar. 2014.

128

Co-produção e o Pacto do Rio: novos mecanismos para o desenvolvimento urbano sustentável

Eduarda La Rocque1, Petras Shelton-Zumpano2 1

Pacto do Rio, [email protected]

2

University of East [email protected]

London,

Sustainability

Research

Institute,

[email protected],

Resumo Para avaliar a validade da teoria da co-produção em um contexto urbano brasileiro dois estudos de caso sobre inovação institucional no Rio de Janeiro foram comparados: uma parceria público-privada participativa chamada Pacto do Rio e o fundo de investimento socioambiental proposto pelo banco BNDES. Os casos servem para testar a hipótese de que a participação da sociedade civil na co-produção de bens públicos pode otimizar a relação entre custos e benefícios. Indicadores quantitativos e qualitativos de desempenho e de coprodução foram examinados. Foram encontradas evidências de que as duas inovações institucionais de fato otimizaram serviços públicos mas os resultados também sugerem que a falta de confiança é uma barreira severa para a cooperação intersetorial. Isto aponta para a importância dos indicadores de confiança, capital social, risco reputacional e soft power, ainda pouco utilizados em avaliações de impacto. Palavras-chave: Co-produção, Rio de Janeiro, desenvolvimento urbano, inovação, impacto.

129

C - Cidades sustentáveis



130

Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa da Cidade de Salvador, Bahia, Brasil: o caso do setor de resíduos Thiago das Virgens1 e Celio Andrade2 1

Universidade Federal da Bahia, Brasil, [email protected]

2

Universidade Federal da Bahia, Brasil, [email protected]

Resumo As cidades ocupam importante papel no enfrentamento das Mudanças Climáticas, por serem a unidade básica do desenvolvimento econômico e gestão administrativa, por concentrar grande parte da população humana e ser um dos maiores emissores de Gases de Efeito Estufa (GEE). Compreender as emissões em escala municipal, por meio da elaboração de inventários de emissões de GEE, consiste na primeira ação para a transição em direção a uma economia de baixo carbono. Neste contexto, em 2014, o Global Protocol for CommunityScale Greenhouse Gas Emission Inventories (GPC) foi publicado para ser uma metodologia de cálculo e reporte de emissões de GEE em escala municipal. Desta forma, em dezembro de 2014, capitaneado pela World Resources Institute (WRI), o GPC foi adotado para a elaboração do 1º Inventário de Emissões de GEE da cidade de Salvador, capital do Estado da Bahia-Brasil, tendo 2013 como ano-base. Este artigo objetiva discutir o processo de elaboração e os resultados do inventário de emissões de GEE da cidade de Salvador-Bahia. Para tanto, realizou-se revisão bibliográfica, pesquisa documental e entrevistas com os atores envolvidos na execução do inventário: PANGEA Capital, Local Governments for Sustainability (ICLEI), WRI e Prefeitura Municipal de Salvador (PMS). Os resultados apontaram que, em 2013, a cidade de Salvador, com 2.902.927 habitantes, emitiu 1.454.344 tCO2e de emissões biogênicas e 3.698.964 tCO2e, oriundos dos setores energia estacionária, transporte e resíduos. Considerando o reporte por escopo do GPC, tem-se que 88% dessas emissões são de escopo 1, 10% do escopo 2 e 2% do escopo 3. Quanto ao reporte por emissões induzidas têm-se 3.661.647 tCO2e. As emissões totais de GEE por setor foram de 74% de transporte, 18% de energia estacionária e 8% de resíduos. Constatou-se que as emissões por habitante de Salvador são menores do que cidades como Rio de Janeiro e Recife. Como oportunidades de melhorias, têm-se: abranger outras emissões de escopo 3, visto que foi considerado somente as oriundas do tratamento de resíduos de serviço de saúde; quantificar as emissões de possíveis outros fornecedores que realizam tratamento térmico dos resíduos gerados na cidade; quantificar as emissões oriundas da destinação final de resíduos industriais e especiais. Por fim, este artigo visa preencher parte da lacuna existente a respeito das emissões de GEE das cidades brasileiras, uma vez que no país grande parte de suas cidades e Estados, inclusive a Bahia, ainda desconhece suas contribuições por não disporem de inventários de emissões de GEE. Palavras-chave: Inventário de Emissões de GEE, GPC, Cidade de Salvador, Brasil. 1. Introdução As cidades ocupam importante papel para o enfrentamento das mudanças climáticas, bem como para o desenvolvimento de uma economia de baixo carbono. Elas são a unidade básica do desenvolvimento econômico e gestão administrativa e concentram grande parte da população humana, sendo um dos maiores contribuintes para as emissões de carbono (Lu et al., 2015). No Japão, por exemplo, 50% das emissões de CO2 são atribuídas às atividades desenvolvidas nas cidades (Japão, 2011). Já, na China, os trinta e cinco municípios mais

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importantes em termos econômicos contribuíram com 40% das emissões de CO2 no ano de 2006 (Dhakal, 2009). As cidades dispõem de diversos processos, atividades e serviços que contribuem para as emissões de GEE, tais como: consumo de energia, sistemas de transportes, atividades industriais e agrícolas, o uso e modificação do solo e a geração de resíduos. As emissões oriundas dos resíduos nas cidades decorrem de sua incineração, dos tratamentos biológicos e de efluentes (CH4 e N2O) e da decomposição dos resíduos orgânicos quando são aterrados (CH4), sendo este um dos principais contribuintes para a intensificação do efeito estufa (Castrejón-Godínez et al., 2015; Scharff e Jacobs, 2006). Lou e Nair (2009) atentam que as emissões de GEE tendem a aumentar nos países em desenvolvimento, em função das ações de substituição dos vazadouros a céu aberto existentes por aterros sanitários (Bogner et al., 2007). Essa tendência pode ser percebida no Brasil, mediante as diretrizes da Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, para extinguir os vazadouros a céu aberto e destinar adequadamente os resíduos sólidos, os quais, em 2013, apenas 58,26% (110.232 t/dia) dos resíduos coletados foram dispostos em aterros sanitários. Portanto, face ao potencial de emissão de GEE, aos impactos negativos das mudanças do clima e aos esforços globais para mitigar as alterações climáticas, compreender as emissões em escala municipal é indispensável para a transição em direção a uma economia menos poluente (Hoornweg et al., 2011; Papageorgiou et al., 2009; Ramaswami et al., 2008, Bufoni et al. (2014); Antognazza, Caserinie Grosso (2011); Aljaradin e Persson, 2012). Neste sentido, a elaboração de inventários de emissões de GEE consiste na primeira ação para o planejamento da redução e remoção das emissões, podendo, inclusive, destacar áreas de maior preocupação para a cidade (Ibrahim et al., 2013). Os inventários permitem gerir os riscos climáticos, construir cenários futuros de emissões e, principalmente, direcionar as ações e políticas públicas para responder às mudanças do clima (Abreu et al., 2014; Carloni, 2012; Feam, 2008; Sugar, 2010). Têm-se diversos métodos para elaborar inventários de emissões de GEE em escala municipal, incluindo a Analise de Ciclo de Vida (ACV) e contabilidade baseado no consumo (Davis e Caldeira, 2010; Ramaswami et al., 2008). A United Nations Environment Programme (UNEP), em 2010, publicou o International Standard for Determining Greenhouse Gas Emissions for Cities, encorajando as cidades com mais de um milhão de habitantes a inventariar suas emissões de GEE. No entanto, a adoção de diferentes métodos e abordagens pode dificultar a comparação das emissões entre as cidades e suscitar dúvidas quanto à confiabilidade e segurança das informações. Neste sentido, o GHG Protocol do WRI, juntamente com a rede C40 Cities Climate Leadership Group e o ICLEI publicaram, em 2014, o GPC. O GPC consiste numa metodologia de cálculo e reporte de emissões de GEE em escala municipal, visando harmonizar as abordagens e melhorar a qualidade e a aplicabilidade das metodologias para os inventários de GEE em escala municipal, tendo como base o GHG Protocol e as diretrizes para a elaboração de inventários nacionais, de 2006, do Intergovernmental Panel for Climate Change (IPCC) (WRI, 2014). Na fase piloto do GPC, as cidades de Goiânia, Belo Horizonte e Rio de Janeiro foram inventariadas, em conjunto com outras trinta e duas, estre elas: Londres, Lima, Melbourne, Quioto, Buenos Aires, Cidade do México e Durban. Já na versão Beta, o GPC foi aplicado em setenta e oito cidades, a exemplo de Recife, Fortaleza, Florianópolis, Vitória, Toronto, Miami, Oslo e Quito (WRI, 2014). Após a publicação do documento final, em 2014, a metodologia foi adotada na elaboração do 1º Inventário de Emissões de GEE de Salvador, capital do Estado

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da Bahia, pertencente à região Nordeste do Brasil, capitaneado pela WRI, com incentivos do Governo Britânico, tendo 2013 como ano-base. Ante ao exposto, este artigo objetiva apresentar e discutir o processo de elaboração e os resultados do inventário de emissões de GEE da Cidade de Salvador/Bahia, com foco no Setor Resíduos. A escolha deste Setor reside na sua importância para a emissão de CO2, CH4 e N2O, advindos do tratamento de resíduos sólidos, efluentes sanitários e industriais, para os quais poderão ser desenvolvidos e implantadas tecnologias de baixo carbono, estratégias para a redução da geração de resíduos, aproveitamento da fração orgânica e dos materiais recicláveis, gerando benefícios ambientais, sociais e econômicos. Ademais, este artigo também visa preencher parte da lacuna existente a respeito das emissões de GEE das cidades brasileiras, uma vez que no País grande parte de suas cidades e Estados, inclusive a Bahia, ainda desconhece suas contribuições por não disporem de inventários de emissões de GEE. 2. Métodos Para a consecução dos objetivos deste artigo, foi realizada pesquisa documental e revisão da literatura técnica e científica atinente aos temas de estudo, notadamente, dos documentos disponibilizados pela PMS, pelos prepostos do ICLEI, PANGEA Capital e da WRI. Ademais, em outubro de 2015, foram realizadas entrevistas com representantes das equipes de coordenação e técnica responsáveis pela elaboração do Inventário de Emissões dos GEE de Salvador/Bahia, a dizer: PANGEA Capital, ICLEI, WRI e PMS. O inventário de emissões da cidade de Salvador, capital do Estado da Bahia, foi elaborado em conformidade com a metodologia do GPC, entre 2014 e 2015, tendo 2013 como anobase. Uma das etapas iniciais para elaboração do mesmo, foi a identificação das instituiçõeschave para a obtenção dos dados necessários com o apoio dos técnicos da Secretaria Municipal Cidade Sustentável (SECIS) da PMS. Foram identificadas oito instituições, as quais foram capacitadas na metodologia de cálculo e reporte de emissões de GEE com base no GPC: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Bahia Transferência e Tratamento de Resíduos Ltda. (BATTRE), Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (COELBA), Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A. (EMBASA), Superintendência de Trânsito de Salvador (TRANSALVADOR), Companhia de Gás da Bahia (BAHIAGÁS), Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO), SERQUIP Tratamento de Resíduos LTDA, atual Stericycle Gestão Ambiental Simões Filho. Desta forma, as instituições-chave passaram a cooperar com o desenvolvimento do inventário de Salvador, a partir da compreensão da importância e dimensão do trabalho e dos principais aspectos metodológicos do GPC. Este, por sua vez, é uma metodologia de cálculo e reporte de emissões de GEE para escala municipal, que pode ser aplicada em quaisquer cidades no mundo. Conforme (World Resources Institute, 2014), o GPC tem como princípios: •

Relevância: o inventário deve refletir de forma apropriada as emissões de GEE do governo e deve ser organizado de modo a refletir as áreas sob as quais a prefeitura exerça controle e possua responsabilidade.



Abrangência: todos os GEE e as atividades que causam emissões dentro das fronteiras escolhidas para o inventário devem ser contabilizadas, cujas exclusões devem ser justificadas.



Consistência: devem ser empregadas metodologias consistentes para a identificação das fronteiras, coleta e análise dos dados e quantificação das emissões.



Transparência: as questões relevantes devem ser consideradas e documentadas de maneira objetiva e coerente, a fim de possibilitar o rastreamento para as futuras

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revisões e replicações. As fontes de dados e hipóteses assumidas no inventário devem ser disponibilizadas. •

Exatidão: a quantificação das emissões de GEE não devem ser sistematicamente sub ou supervalorizadas.

A metodologia em comento é baseada no GHG Protocol e no 2006 Guidelines for National Greenhouse Gas Inventories, do Panel for Climate Change (IPCC). Esta, por sua vez, é a principal metodologia para elaboração de inventários nacionais de emissões de GEE oriundos de atividades antropogênicas. Com isso, os inventários municipais elaborados com o GPC podem ser agregados em níveis subnacionais e nacionais, cujas emissões deverão ser classificadas considerando os seguintes setores e subsetores: •

Energia estacionária: edifícios residenciais; edifícios comerciais e institucionais; indústrias de manufatura e construção; indústria de energia; atividades agrícolas, florestais e de pesca; fontes não especificadas; emissões fugitivas de mineração, processamento, armazenamento e transporte do carvão e emissões fugitivas de sistemas de óleo e gás natural.



Transporte: terrestre; ferroviário; hidroviário; aviação; off-road transportation.



Resíduos: resíduos sólidos; tratamentos biológicos; incineração e tratamento de efluentes líquidos.



Processos industriais e uso de produtos: processos industriais e uso de produtos.



Agricultura, florestas e uso da terra: pecuária; uso da terra; emissões de não-CO2



Outros de Escopo 3.

As atividades dos setores e subsetores podem ocorrer dentro ou fora dos limites do município. Considerando o local onde elas ocorrem, as emissões são agrupadas em três escopos, conforme apresentado na figura 1.

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Figura 1. Escopos adotados na metodologia do GPC Fonte: WRI (2014)

Assim, no Inventário de Salvador, as emissões ocorridas dentro das fronteiras geográficas da cidade foram enquadradas no Escopo 1. No Escopo 2, foram abarcadas as emissões indiretas oriundas da geração da energia elétrica e térmica consumida dentro das fronteiras geográficas do município, cujas emissões ocorrem dentro ou fora de Salvador. Por fim, no Escopo 3, compreendeu todas a demais emissões indiretas não relatadas no Escopo 2, as quais não ocorrem nos limites geográficos da cidade. Conforme metodologia do GPC, apenas os Escopos 1 e 2 são de relatos obrigatórios no Inventário. Ademais, o carbono biogênico, ou biomassa, cujas emissões são consideradas neutras em termos de impactos, também é de relato obrigatório, mas deve ser separado dos demais escopos. Quanto a forma de reporte das emissões, o GPC possibilita duas formas, uma por escopo e outra por emissões induzidas, ambas foram adotadas no Inventário de Salvador. A primeira, abrange todas as emissões de GEE, considerando as emissões dos escopos 1, 2 e 3. Já, no reporte por emissões induzidas, são consideradas as emissões atribuídas às atividades de Salvador, podendo ser: •

BASIC – considera as fontes de emissão: energia estacionária, transportes e resíduos.



BASIC+ – além das previstas na BASIC, considera fontes básicas, processos industriais e uso de produtos, agricultura, florestas e uso da terra, perdas e distribuição de energia e transporte transfronteiriço.

Vale destacar que no inventário de Salvador, foi adotado o método BASIC, por abranger as principais fontes de emissão existentes na cidade. Não se contemplou os setores “Processo Industrial e uso de produtos” e “Agricultura, florestas e uso da terra”, uma vez que, segundo a PMS, as emissões destes setores não são relevantes dada a ausência de grandes indústrias ou polos industriais, bem como de atividades agrícolas de grande porte e da irrelevante taxa de desmatamento do município no ano de 2013, ano base do Inventário. De posse dos dados necessários, estes foram convertidos em valores de emissão de GEE, utilizando-se Fatores de Emissão (FE) coerentes com a realidade brasileira, classificados como do Tier 2 pelo IPCC (2006). Já, para os casos em que não foram identificados valores específicos e confiáveis para o Brasil, foram adotados FE default, Tier 1, divulgados por organizações voltadas para a área de mudanças climáticas. O Nível 3 ou Tier 3, não foi adotado no Inventário de emissões de Salvador. Vale ressaltar que, conforme Almeida (2011) e IPCC (2006), os Tiers 2 e 3 são os mais complexos, por requerer informações mais detalhadas e específicas e permitir abordagens mais avançadas e, portanto, apresentam uma maior precisão: •

Nível 1 ou Tier 1: são diretos e calculam as emissões por meio da fórmula básica citada, utilizando estatísticas disponíveis em combinação com fatores de emissão padrão e parâmetros adicionais fornecidos, e, por isto, devem ser exequíveis para todos os países.



Nível 2 ou Tier 2, também denominado nível intermediário: são utilizados fatores de emissão específicos de tecnologias ou do país.



Nível 3 ou Tier 3: mais exigente e complexo, por utilizar métodos com maior nível de sofisticação, como por exemplo a modelagem matemática (Almeida, 2011; IPCC, 2006).

As Tabelas 1, 2, 3, 4 e 5 apresentam os Fatores de Emissão considerados no Inventário de Salvador, os quais foram obtidos no PANGEA Capital e pela EMBASA.

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Tabela 1. Fatores de Emissão Setor Energia Estacionária Poder inferior

Combustível

calorífico Massa específica 3

Fator de (kg/TJ)

emissão Fator de (kg/litro)

emissão

(kcal/kg) (kg/m )

CO2

CH4

N 2O

CO2

CH4

N 2O

10.100

840

74.100

3

0,6

2,63

0,00011

0,00002

9.000

880

70.800

3

0,6

2,35

0,00010

0,00002

Gás natural seco 11.892 - residencial

0,74

56.100

5

0,1

2,06694

0,00018

0,000004

Gás natural seco 11.892 - institucional

0,74

56.100

5

0,1

2,06694

0,00018

0,000004

Gás natural seco 11.892 - manufatura

0,74

56.100

1

0,1

2,06694

0,00004

0,000004

GLP - residencial 11.100

552,00

63.100

5

0,1

2.932,48

0,23237

0,004647

Óleo combustível 9.590 - energia

1.000

77.400

3

0,6

3,11

0,00012

0,00002

Óleo diesel energia

-

Biodiesel energia

-

Fonte: Strumpf (2015)

Tabela 2. Fatores de Emissão para Setor Transporte Poder calorífico inferior

Massa específica

Fator de (kg/TJ)

(kcal/kg)

(kg/m3)

CO2

CH4

N 2O

CO2

CH4

N 2O

Óleo diesel

10.100

840

74.100

3,9

3,9

2,67100

0,00014

0,00014

Biodiesel

9.000

880

70.800

0,0

0,0

2,49907

0,00000

0,00000

Gasolina

10.400

740

69.300

25,0

8,0

2,26900

0,00081

0,00026

Etanol anidro

6.750

791

68.933

0,0

0,0

1,23300

0,00000

0,00000

Etanol hidratado

6.300

809

68.933

18,0

0,0

1,17800

0,00038

0,00000

Combustível

emissão

Fator de emissão (kg/litro)

136

Querosene de aviação

10.400

799

-

-

-

2,47327

0,00000

0,00000

Gasolina de aviação

10.600

726

-

-

-

2,23200

0,00002

0,00006

Óleo combustível

9.590

1.000

-

-

-

3,11723

0,00000

0,00000

Gás Natural Veicular

8.800

-

-

-

-

1,99900

0,00339

0,00011

Fonte: Strumpf (2015)

Tabela 3. Fatores de Emissão para Setor Energia Fator de emissão (ton CO2/MWh): 0,096033 Jan.

Fev.

Mar.

Abr.

Mai.

Jun.

Jul.

Ago.

Set.

Out.

Nov.

Dez.

0,1151 0,1090 0,0981 0,0959 0,1151 0,1079 0,0838 0,0833 0,0840 0,0831 0,0930 0,0841 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Fonte: Strumpf (2015) Tabela 4. Fatores de Emissão para Setor Resíduos Fator de emissão para incineração de Resíduos de Serviços de Saúde (CO2) Tipo de resíduo

Emissão de CO2 (tCO2/t de resíduo)

Resíduo de serviços de saúde

228

Fator de emissão para incineração de resíduos perigosos (N2O) Tipo de resíduo

Tipo de incineração

Emissão de N2O (kg N2O/t de resíduo)

Resíduo Industrial

Todos

0,1

Fonte: Strumpf (2015)

Vale destacar que a equipe de elaboração do inventário de Salvador validou os cálculos de emissões de GEE realizados pelas empresas BATTRE e EMBASA. A Tabela 6, abaixo, apresenta os parâmetros e fatores de emissão adotados nas estimativas de emissões de GEE do esgotamento sanitário de Salvador feitas pela EMBASA. Não foi possível obter os mesmos dados para a BATTRE. Tabela 5. Fatores de Emissão (FE) considerados pela EMBASA conforme IPCC 2006

137

Bo Produção máxima de CH4 Parâmetro

0,6 kgDBO5

Fator de correção do metano (MCF) para diferentes Anexo B: DAFA: 0,8 tipos de tratamento de esgoto. Indicação o grau em que Lagoa rasa: 0,2 o sistema é anaeróbico.

FE de CH4 (Bo..MCF)

FE de N2O

DAFA

0,48 Kg CH4/kg DBO

Lagoa rasa

0,12 Kg CH4/kg DBO

Efluente bruto lançado no rio

0,06 Kg CH4/kg DBO

Águas Residuais

0,005 kgN2O-N/kgN

Fonte: Bahia (2015)

Com isso, utilizando a estrutura de cálculo de emissões de GEE, conforme figura 2, no qual considera os dados de atividades, os fatores de emissões supracitados e os GWPs atinentes aos GEE inventariados e publicados no Quarto Relatório do IPCC, conforme Tabela 6, foram reportadas as emissões em toneladas de CO2 equivalente (tCO2e). Tabela 6. GWP (4º relatório do IPCC) GEE

CO2

CH4

N 2O

HFCs

PFCs

SF6

GWP

1

25

298

140 – 11.700 6.500 – 9.200 23.900

NF3 17.200

Fonte: Salvador (2015)

Figura 2. Estrutura de cálculo de emissões Fonte: Strumpf (2015)

3. Resultados e Discussão 3.1. Caracterização do Município de Salvador e do Setor Resíduos A Cidade de Salvador, capital do Estado da Bahia, está localizada na região Nordeste do Brasil, com limites geográficos apresentados na figura 3. A cidade representa o polo aglutinador da Região Metropolitana de Salvador (RMS), constituída por 13 municípios, a dizer: Camaçari, Candeias, Dias D’Ávila, Itaparica, Lauro de Freitas, Madre de Deus, Mata de São João, Pojuca, Salvador, São Francisco do Conde, São Sebastião do Passé, Simões Filho e Vera Cruz (Salvador, 2012).

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Figura 3. Limites geográficos do município de Salvador/Bahia Fonte: Google Maps (2015)

Salvador dispõe de uma área territorial de 692,819 km2, e uma população estimada de 2.921.087 habitantes em 2015, com densidade demográfica de 3.859,44 hab./Km2 (Brasil, 2015; Salvador, 2012). Consoante com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2012, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita a preço corrente foi de R$ 14.705,51, sendo que 84% do PIB provieram do setor de serviços, seguido por indústria (16%) e agropecuária (0,1%), sendo responsável por 23,7% do PIB do Estado da Bahia (SEI, 2012). Quanto à prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, em Salvador, a EMBASA é a responsável pelos mesmos. Conforme o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) de 2010, o atendimento urbano dos serviços de esgotamento sanitário de Salvador alcançou o índice de 82,92% (Salvador, 2010). Os efluentes das diversas bacias de esgotamento sanitário são encaminhados para a Estação de Condicionamento Prévio de Esgotos (ECP) antes de serem despejados no oceano por emissários submarinos. Em janeiro de 2015, os serviços de esgotamento sanitário continuavam a inexistir para cerca 19,9% da população da cidade de Salvador ou para mais de 600 mil habitantes, bem como sugere que parte dos 80% sob cobertura dos serviços de esgotamento lança inadequadamente seus esgotos em redes de drenagem pluvial ou diretamente sobre trechos dos rios (Fonseca, 2015). A EMBASA corrobora ao sustentar que a cobertura pelos serviços de esgotamento sanitário na cidade de Salvador é de 79,3%, atualmente. Vale destacar que os esgotos coletados nas redes coletoras individuais, antes de serem lançados para cursos d’águas e rios que cortam Salvador, recebem tratamento com tanques inhoff, reatores anaeróbicos, lagoas de estabilização facultativas e aeradas, valos de oxidação e lodo ativado. Ainda, consoante com o PMSB supracitado, em 2010, a EMBASA operava um total de 74 ETE de sistemas de conjuntos habitacionais e 4.229 fossas individuais (Salvador, 2010). Já, no que se refere à gestão do sistema de limpeza urbana e manejo dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), conforme o Plano Básico de Limpeza Urbana (PBLU) de 2012, em Salvador, o regime é misto e composto pelos seguintes entes: •

Secretaria Municipal de Ordem Pública (SEMOP): órgão responsável pela limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos. Detém 100% desses serviços.



Empresa de Limpeza Urbana do Salvador (LIMPURB): empresa pública responsável, entre outros, pela definição de políticas, fiscalização e controle dos serviços das empresas privadas transportadoras de resíduos de responsabilidade do gerador e da empresa concessionária responsável pela operação do Aterro Sanitário Metropolitano Centro (ASMC) e da Estação de Transbordo.

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Bahia Transporte e Tratamento de Resíduos S.A (BATTRE): empresa concessionária responsável pela implantação, operação e manutenção do ASMC e da Estação de Transbordo.



Star Ambiental LTDA: empresa responsável pela instalação de sanitários portáteis químicos.



Consórcio Salvador Saneamento Ambiental (SSA): formado pelas empresas Viva Ambiental e Serviços LTDA; Jotagê Engenharia S.A.; Torre Empreendimentos Rurais e Construção LTDA e Revita Engenharia S.A., responsável pela execução da terceirização de 100% dos serviços de coleta e transporte dos RSU.



Agência Reguladora e Fiscalizadora dos Serviços de Limpeza Urbana e Manejo de Resíduos Sólidos de Salvador (ARSAL): criada pela Lei nº 7.394, de 28 de dezembro de 2007, mas ainda não regulamentada.



Fundo Municipal de Limpeza Urbana (FMLU): responsável pelo custeio dos serviços de limpeza urbana de Salvador.

Todos os resíduos domiciliares coletados em Salvador são encaminhados para a Estação de Transbordo-Via Regional ou diretamente para o ASMC. Além dos resíduos de Salvador, que corresponde a 92% da quantidade de resíduos aterrados, o ASMC recebe os resíduos gerados em Lauro de Freitas (7%) e em Simões Filho (1%). O chorume gerado pelo ASMC é encaminhado para tratamento e destinação final pela Empresa de Proteção Ambiental (CETREL), situada na cidade de Camaçari (Salvador, 2012). Ademais, o ASMC dispõe da Usina Termoverde, operada pelo Grupo SOLVI, que coleta e processa o CH4 e o CO2, oriundos pela decomposição dos resíduos dispostos no aterro, para a geração de energia. Os Resíduos de Demolição e Construção (RDC) gerados em Salvador devem ser encaminhados para o aterro privado da Revita Engenharia, ao passo que os Resíduos Sólidos Vegetais (RSV), constituídos de capina, roçagem, poda de árvores e limpeza de feiras públicas, conforme modelo tecnológico adotado pela PMS, deveriam ser encaminhados para a Unidade de Compostagem, localizada no Parque Socioambiental de Canabrava, a qual está atualmente desativada. Conforme o PBLU, de 2012, foram gerados 827.631 t/ano de resíduos sólidos em Salvador, cuja geração per capita foi de 1,10 kg/hab.dia. Ainda de acordo com esse Plano, em um estudo realizado pela LIMPURB, em 2010, concluiu-se que a matéria orgânica representava 42,14% dos resíduos coletados em Salvador, estando aqui incluídos os resíduos de feiras livres, podas de árvores, entre outros orgânicos. Ainda, 17,26% dos resíduos coletados na cidade foram plásticos moles, 8,31% foram papel, 11,75% de rejeitos e 46,11% de materiais potencialmente recicláveis. Apesar do potencial para compostagem e reciclagem dos RSU em Salvador, os dados de 2013, extraídos do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), apontaram que a taxa de cobertura da coleta seletiva porta-a-porta em relação à população urbana de Salvador foi de apenas 1,25% e que a unidade de compostagem de Salvador não estava em operação. Portanto, os resíduos sólidos são encaminhados indistintamente para a disposição final, o que além de contribuir para o incremento das emissões de GEE em função da decomposição da fração orgânica, implica na aceleração do fim da vida útil do aterro sanitário e em perdas sociais e econômicas. A situação de Salvador converge com a realidade de outras cidades típicas de países em desenvolvimento. Para Bogner et al. (2008), nestes países, o crescimento populacional, a prosperidade econômica e o processo de urbanização, tornam a coleta, reciclagem, tratamento e a eliminação adequada dos resíduos e efluentes um grande desafio para os municípios.

140

3.2. O Inventário de Emissões de GEE de Salvador/BA, com ênfase no Setor Resíduos O inventário de emissões de GEE apontou que, em 2013, a cidade de Salvador emitiu 3.698.964 tCO2e, além de 1.454.344 tCO2e de emissões biogênicas. Considerando o reporte por Escopo do GPC, tem-se que: 88%, ou 3.242.166 tCO2e, corresponderam as emissões de Escopo 1; 10%, ou 366.395 tCO2e, foram emissões do Escopo 2 e 2%, ou 90.402 tCO2e, corresponderam as emissões de Escopo 3. Logo, grande parte dos GEE emitidos está dentro dos limites geográficos da cidade. Quanto ao reporte das Emissões Induzidas, considerando a opção pelo método BASIC, em 2013, foram emitidos um total de 3.661.647 tCO2e. Quanto à adoção desse método, Roberto Strumpf, da PANGEA Capital, sustentou que esta escolha foi bastante coerente, considerando o primeiro esforço da cidade em inventariar suas emissões de GEE, além dos setores energia estacionária, transporte e resíduos terem sido considerados os mais relevantes pela PMS, face às atividades e serviços desenvolvidos na cidade. A seguir, a Tabela 7, apresenta as emissões pelas duas abordagens de reporte previstas no GPC.

Tabela 7. Emissões de GEE de Salvador, em 2013, por escopo e por emissões induzidas, em tCO 2e

Emissões biogênicas

Total por emissões induzidas

Total por escopo

Resíduos

Transporte

Energia estacionária

Setor Escopo 1

Escopo 2 Escopo 3

Outras emissões BASIC de Escopo 3

303.734

366.395

a

b

670.129

21

Energia gerada enviada ao GRID

-

-

-

-

-

Todas emissões

as

2.729.700

-

a

b

2.729.700

832.263

Gerado Cidade

na

205.218

-

90.402

b

261.818

551.767

-

-

-

-

70.293

Uso de energia

Gerado fora da 3.515 cidade

141

Total

3.242.166

Total

3.698.964

366.395

90.402

3.661.647

1.454.344

a. Informações não levantadas, por não haver atividades e/ou emissões relevantes no município. b. Não foram coletados dados para outras emissões de escopo 3. O reporte não é obrigatório.

Fonte: Salvador (2015)

Conforme os resultados apresentados na Tabela 7, o Setor Transporte foi o principal emissor de GEE em 2013, com 2.729.700 tCO2e, correspondendo a 74% das emissões, seguido pelo Setor Energia Estacionária com 670.129 tCO2e, abarcando 18% das emissões e, por fim, pelo Setor Resíduos com 299.135 tCO2e, com 8% de participação nas emissões. Constata-se que o total por emissões induzida, pelo Método BASIC, é menor que o total por Escopo, uma vez que 11,3% dos resíduos dispostos no ASMC são originados em outras cidades e dispostos em Salvador, cujas emissões não são consideradas nesse método. Quanto às emissões biogênicas, o Setor Resíduos contribuiu com quase 43% destas emissões, notadamente, a partir da queima do metano gerado na decomposição dos resíduos, liberando o CO2 biogênico. Vale destacar que para as atividades consideradas no Inventário de Emissões de GEE de Salvador não foram contabilizadas as emissões de HFC, PFC, SF6 e NF3. A seguir, são discutidos os resultados do inventário de Salvador com enfoque para o Setor Resíduos. Neste sentido, a Tabela 8 apresenta os dados de atividades usados para os cálculos, bem como as emissões de GEE por Setor Resíduos e seus subsetores para o ano de 2013. Neste ano, foram dispostos no ASMC 840.443 toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU), bem como 107.069 toneladas de resíduos gerados fora da cidade, mas aterrados em Salvador, correspondendo a 11,3% do total. Destaca-se que os dados de atividades do Inventário de Emissões de GEE de Salvador divergem do Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos de 2013, disponível no SNIS. Neste documento, tem-se que, em 2013, o ASMC recebeu um total de 914.099,60 toneladas de resíduos oriundos da cidade de Salvador, 87.918,70 toneladas da cidade de Lauro de Freitas e 25.491,80 toneladas da cidade de Simões Filho. Portanto, tem-se como oportunidade de melhoria a validação e consolidação dos dados com os sistemas de informações oficiais disponíveis.

Emissões de GEE (t)

CH4

N 2O

Total CO2e

CO2e

III

Biomassa

Resíduos

90.391 552

550

299.135

622.060

III.1

Fonte de emissão

Consumo em 2013 (t)

Resíduos Sólidos

-

-

-

31.103

622.060

III.1.1

Referência GPC Escopo

Tabela 8. Dados de Atividades e as Emissões por tipo de GEE do Setor Resíduos e seus subsetores

Resíduos sólidos gerados e 1 dispostos em aterro sanitário 840.443 dentro dos limites da cidade

-

-

-

27.588,38

551.767

CO2

142

III.1.3 III.3

-

3.514,64

70.293

Incineração

90.391 -

0

90.402

-

90.391 -

0,04

90.402

-

550

177.630

-

III.3.2

-

Resíduos sólidos gerados dentro dos limites da cidade, 3 mas incinerados fora dos 396,45 seus limites (resíduos hospitalares)

III.4

-

Tratamento de efluentes líquidos

III.4.1

Resíduos sólidos gerados fora dos limites da cidade 1 mas dispostos em aterro 107.069 sanitário dentro dos limites da cidade

Geração de efluentes 1 líquidos dentro dos limites da cidade

552

Com tratamento

-

-

467,63 479,63 154.620,5

-

Sem tratamento

-

-

84,78

-

70,1

23.009,3

Fonte: Strumpf (2015)

De acordo com a Tabela 8, foram submetidos a tratamento térmico por incineração 396,45 toneladas de Resíduos de Serviços de Saúde (RSS), emitindo 90.402,4 tCO2e. Destaca-se que as emissões oriundas dos RSS são as únicas de Escopo 3 consideradas no Inventário. Vale destacar que as emissões calculadas consideraram apenas os RSS destinados para tratamento térmico por incineração executado por uma única empresa, a Stericycle Gestão Ambiental Simões Filho. No entanto, os geradores de RSS de Salvador podem possuir outros fornecedores para a realização dos serviços de incineração, cujas contribuições eventualmente não foram contabilizadas. Por conveniente, ressalta-se que o SNIS não dispõe da massa de RSS coletada per capita em 2013 para Salvador, cujo dado poderia também ser utilizado para melhorar o cálculo das emissões. As possíveis emissões oriundas dos tratamentos de resíduos industriais gerados em Salvador no ano-base não foram contabilizadas no inventário, a exemplo do tratamento de óleos lubrificantes, resíduos contaminados por óleos e graxas, fluidos de cortes, tintas, entre outros, os quais são demandas pela construção civil, empresas de manutenção mecânica, de usinagem e oficinas mecânicas do município. Neste sentido, avaliar e determinar os provedores dos serviços de tratamento de RSS e resíduos industriais gerados no município de Salvador, notadamente, que realizam incineração e coprocessamento, bem como quantificar suas contribuições nas emissões de GEE, podem ser consideradas oportunidades de melhorias para os futuros inventários de Salvador. Ainda, consoante com a Tabela 8 não houve tratamento biológico de resíduos sólidos no ano-base. Em relação ao tratamento de efluentes líquidos, não foram identificados na ferramenta de cálculo do Inventário de Salvador os dados dessas atividades no período avaliado. Quanto a isto, o representante da PANGEA Capital, esclareceu que os quantitativos de emissões de CH4 e N2O dos efluentes gerados e tratados, dentro dos limites geográficos de Salvador, foram diretamente obtidos da EMBASA, a qual estimou as emissões de GEE para o setor de esgotamento sanitário de Salvador, para o ano de 2013, em conformidade com a metodologia do IPCC 2006. Para os cálculos, a EMBASA considerou a coleta, condicionamento prévio, disposição oceânica via emissários submarinos, sistemas independentes de conjuntos

143

habitacionais e loteamentos, bem como as emissões decorrentes dos efluentes sanitários da população ainda não atendida pelo Sistema de Esgotamento Sanitário de Salvador, que via de regra são lançados nos corpos d’água urbanos (Bahia, 2015). As Tabelas 9, 10, 11 e 12, a seguir, apresentam os dados e os cálculos das emissões de GEE realizados pela EMBASA. Tabela 9. População atendida por tipo de tratamento de esgoto em Salvador/Bahia, em 2013 Tratamento - 2013

População (hab.) - 2013

SES principal (ECP/Emissário)

2.123.430

Digestor Anaeróbio de Fluxo Ascendente (DAFA) 112.436 144.767 Lagoa Rasa

32.331

Sistemas Aeróbios

17.050

Total

2.285.247

Fonte: Bahia (2015)

Tabela 10. Parâmetros utilizados e cálculo das emissões de CH4 do esgotamento sanitário de Salvador/Bahia, em 2013 Parâmetro

Descrição

TOW

Total de matéria orgânica nas águas calculado Kg. DBO/ano residuárias no ano do inventário

IPCC 2006

População

População atendida pelos sistemas de 144.767 esgotamento sanitário independentes.

hab.

EMBASA

DBO5

Demanda Bioquímica de Oxigênio

g/hab.dia

IPCC 2006

I

Fator de correção para DBO industrial 1,25 adicional despejado nos esgotos

Emissão CH4 Emissões de CH4 em 2013

Valor

50

Unidade

Fonte

IPCC 2006

calculado kg CH4/ano

IPCC 2006

S

Componente orgânico que foi removido 0 como lodo em 2013.

U

Fração da população na faixa de renda Anexo D: -----em 2013. 0,59

IPCC 2006

T

Grau de utilização do tratamento para Anexo D: -----cada grupo de renda 0,4

IPCC 2006

R

Quantidade de CH4 recuperado no ano 0 de 2013.

EMBASA

Equação:

P.DBO5.0,001.I.365

TOW:

3.302.497 Kg.DBO/ano

kg CH4/ano

kg CH4/ano

EMBASA

144

Equação: [∑(U.T.EF)](TOW-S)-R ∑(U.T. EF): 0,1416 Emissão CH4: 467,63 tCH4 Fonte: Bahia (2015)

Tabela 11. Parâmetros utilizados e cálculo das emissões de N2O do esgotamento sanitário de Salvador/Bahia, em 2013 Parâmetro

Descrição

Valor

Unidade

Fonte

Nefluente

Quantidade anual nitrogênio no efluente

calculado

kg N/ano

IPCC 2006

População

População atendida pelos sistemas de Esgotamento Sanitário

2.285.247

hab.

EMBASA

Per capita Proteína

Consumo per capita anual de proteína

95,4

Kg/hab.ano

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

EFefluente

Fator de emissão

0,005

kg N2O - N / kg N

IPCC 2006

FNPR

Fração de Nitrogênio

0,16

Kg N/Kg proteína

IPCC 2006

FNON-CON

Fator de proteína adicionada à água residuária não consumida

1,4

-

IPCC 2006

F IND-COM

Fator industrial e comercial de proteína descarregada para o sistema de esgotamento sanitário

1,25

-

Nlodo

Nitrogênio removido no lodo

0,0

kg N/ano

44/28

Fator de conversão de kg N2O - N / kg N para kg N2O

Emissões N 2O

Emissões de óxido nitroso em 2013

de

calculado

kg N/ano

IPCC 2006 IPCC 2006

IPCC 2006

Equação: Nefluente = (P.ProtC.FNP.FPNC. FDIP) – NLODO Nefluente: 61.043.517,86 kg N/ano Equação: Nefluente. EFefluente . 44/28 Emissões N2O: 479,63 tN2O Fonte: Bahia (2015)

145

Tabela 12. Parâmetros utilizados e cálculo das emissões de CH4 e N2O referentes ao efluentes sanitários lançados nos rios de Salvador/Bahia, em 2013 Parâmetro

Descrição

Valor

Unidade

Fonte

TOW

Total de matéria orgânica nas águas residuárias no ano do inventário

calculado

Kg. DBO/ano

IPCC 2006

População

População não atendida sistema de tratamento esgotamento sanitário

524.895

hab.

EMBASA

MCF

Fator de correção do metano (MCF) para diferentes tipo de tratamento de esgoto adotado. Assim, é uma indicação do grau em que o sistema é anaeróbico

-

IPCC 2006

pelo de

Anexo B: Efluente bruto lançado no rio: 0,1

Equação: P.DBO5.0,001.I.365 Emissão CH4

TOW: 11.974.167 Kg.DBO/ano Equação: [∑(U.T.EF)].(TOW-S)-R Emissão CH4: 84,78 tCH4 Equação: (P . ProtC . FNP . FPNC . FDIP) - NLODO

Emissão N 2O

Nefluente: 14.020.995 kg N/ano Equação: Nefluente . EFefluente. 44/28 Emissão N2O: 70,10 tN2O

Fonte: Bahia (2015)

Com base nos dados apresentados nas Tabelas 9, 10, 11 e 12 acima, as estimativas de emissões referentes aos efluentes tratados, em 2013, foram de 467,63 tCH4 e 479,63 tN2O e, para os efluentes brutos lançados nos rios da cidade foram de 84,78 tCH4 e 70,10 tN2O. De acordo com a Tabela 8, essas estimativas foram validadas pela equipe de elaboração do inventário de Salvador, a qual utilizou como dados de entrada para calcular as emissões de CO2e. Analogamente, para os RSU gerados dentro e fora dos limites geográficos de Salvador, mas dispostos no ASMC, o inventário de emissões dessa cidade também validou e adotou os quantitativos de emissões de GEE calculados pela BATTRE oriundos do seu inventário corporativo. Outro ponto a ser considerado é o tratamento do chorume gerado no aterro sanitário, uma vez que o mesmo é tratado pela Cetrel S.A., empresa especializada no tratamento de resíduos e efluentes, localizada no Polo Industrial do município de Camaçari/Bahia e que, posteriormente, é destinado para o oceano, por meio de emissário submarino. Desta forma, tendo em vista os princípios do GPC, recomenda-se que no Inventário de Emissões seja esclarecido se nas emissões reportadas contemplam o tratamento do chorume. Igualmente, é pertinente que no inventário contenha claramente os setores e subsetores que tiveram seus quantitativos de emissão de GEE calculados/obtidos por outros estudos e fontes, como ocorreu com a EMBASA e BATTRE.

146

Conforme a Tabela 8, constata-se que no setor resíduos, 59% das emissões são provenientes do tratamento de efluentes líquidos, 30% da incineração e 11% dos resíduos sólidos dispostos no aterro sanitário. Em 2013, estimou-se que Salvador seria responsável por 0,47% das emissões brasileiras e 7,58% das emissões baianas para o setor de resíduos Vale destacar que no Brasil e na Bahia as estimativas também apontam que, em 2013, a disposição final de resíduos foi o maior emissor, seguido por tratamento de efluentes domésticos, tratamento de efluentes industriais e, por fim, incineração de resíduos, o que diverge do perfil de emissão do setor resíduos da cidade de Salvador (SEEG, 2015). Ainda, os resultados do Inventario de Salvador em comparação com o inventário de emissões de GEE da cidade de Recife/PE, de 2012, apontam que o Setor Resíduos em Salvador emitiu menos GEE do que na cidade pernambucana. Em Recife, as atividades de disposição e incineração de resíduos emitiram, em 2012, 601.390 tCO2e, o que corresponde a 0,39 tCO2e/hab.ano, ao passo que em Salvador, para as mesmas atividades, foram emitidas 121.505 tCO2e, ou seja, 0,072 tCO2e/hab.ano, em 2013. As emissões oriundas do Setor Resíduos em Recife/PE são predominantemente de Escopo 3, uma vez que o aterro sanitário está localizado fora dos limites geográficos do município. Já, os serviços de incineração foram classificados como Escopo 1, ao contrário da realidade de Salvador. O Inventário de Emissões da Cidade de Recife/PE não obteve os dados necessários para estimar as emissões provenientes da coleta e tratamento de efluentes líquidos. Alguns fatores podem contribuir para a diferença existente nas emissões per capita das cidades Salvador e Recife, a exemplo do percentual de participação da fração orgânica dos resíduos coletados. Na capital pernambucana, em 2012, estimou-se que 70% dos resíduos domiciliares coletados foram matéria orgânica, ao passo que em Salvador, conforme estudo realizado, em 2010, esse percentual fica em tono de 42%. Ainda, vale destacar que o aterro que recebe os resíduos de Recife não recupera o metano gerado, diferente do ASMC que recebe os resíduos de Salvador, que dispõe da Usina Termoverde a qual coleta e processa o CH4 e o CO2, reduzindo as emissões de metano para a atmosfera. Em relação ao inventário de emissões de GEE da cidade do Rio de Janeiro/RJ, de 2012, as emissões do Setor Resíduos também são predominantemente do Escopo 3, em função dos resíduos gerados na cidade serem tratados fora dos limites geográficos da cidade. Conforme o inventário, o Setor de Resíduos no Rio de Janeiro, em 2012, emitiu o 2.330.830 tCO2e, deste 1.706.580 tCO2e são oriundos dos resíduos sólidos, que por sua vez contabilizou: resíduos sólidos urbanos, aterro controlado, aterro sanitário, compostagem, RSS, incineração e resíduos industriais, e 624.260 tCO2e correspondem aos esgotos domésticos, comerciais e industriais. Vale destacar que os serviços de incineração corresponderam a 440 tCO2e. Portanto, no Rio de Janeiro, em 2012, a disposição final dos resíduos sólidos é o principal emissor de GEE do Setor Resíduos, correspondendo a 70% das emissões. No que toca a emissão per capita, considerando as atividades de tratamento, disposição final e incineração de resíduos, em 2012, foi 0,27 tCO2e/hab.ano, também superior à da cidade de Salvador. De acordo com as entrevistas realizadas com os representantes do ICLEI, PANGEA Capital e WRI, a elaboração do inventário da cidade de Salvador transcorreu de forma eficiente e dentro do planejado, dado o engajamento da PMS e dos demais atores envolvidos para a consecução dos objetivos. Para eles, os resultados do Inventário de emissões de Salvador estão dentro do esperado, em função das características socioeconômicas e ambientais do município. Assim, como principais oportunidades de melhorias têm-se o aprimoramento do sistema de coleta de dados de atividades municipais, a inclusão de outras fontes de emissão de Escopo 3, além do desenvolvimento de indicadores de performance específicos relacionados à emissão de GEE, a fim de monitorar o impacto de projetos e programa de gestão nas emissões de Salvador.

147

Já vem sendo discutida no Brasil a criação de lei específica que remeta diretamente a um plano de redução de emissões de GEE para os resíduos sólidos e aterros. Isto contribui para tornar o aprimoramento do inventário de GEE de Salvador ainda mais relevante, principalmente, por possibilitar um melhor planejamento para o alcance de uma economia de baixo carbono (ABRELPE, 2013). Embora o Setor Resíduos seja responsável por 8% do total das emissões de GEE em 2013, ele não pode ser negligenciado, uma vez que as cidades deverão envidar esforços para reduzirem suas emissões. Neste sentido, Bogner et al. (2008) sustentam que há um potencial significativo para acelerar a redução direta de emissões de GEE a partir dos resíduos. Para eles, a ACV pode ser uma importante ferramenta para identificar os impactos diretos e indiretos das tecnologias e políticas de gestão de resíduos, o que pode ser considerado na gestão ambiental de Salvador.

5. Conclusões Os resultados do Inventário de Emissões de GEE de Salvador, apontaram que não houve emissões de HFC, PFC, SF6 e NF3 para as atividades avaliadas, sendo os setores Energia Estacionária, Transporte e Resíduos os mais relevantes para serem inventariados, face às atividades e serviços desenvolvidos na cidade. No que tange as emissões em carbono equivalente, o setor transporte foi o principal emissor de GEE, seguido pelo setor energia estacionária e, por fim, pelos resíduos, que por sua vez emitiu 299.135 tCO2e, correspondendo a 8% de participação nas emissões. Das emissões do setor resíduos, 59% foram provenientes do tratamento de efluentes líquidos, 30% da incineração e 11% dos resíduos sólidos dispostos em aterro sanitário. Em comparação com as cidades de Recife e Rio de Janeiro, as emissões de Salvador, per capita, são menores e em maior parte de Escopo 1, uma vez que o a disposição final de resíduos está contido nos limites geográficos da cidade, diferentemente das cidades de Recife e Rio de Janeiro. Foram identificadas algumas oportunidades de melhorias, tais como: melhor caracterizar a cidade e os setores inventariados; aprimorar o sistema de coleta de dados de atividades municipais; determinar os provedores dos serviços de tratamento de RSS e resíduos industriais gerados no município de Salvador e quantificar suas contribuições nas emissões de GEE; validar e consolidar os dados de atividades com os sistemas de informações oficiais disponíveis; abranger outras emissões de escopo 3; quantificar as emissões oriundas da destinação final de resíduos industriais e especiais e dispor de forma claramente os setores e subsetores que tiveram seus quantitativos de emissão de GEE calculados por outros estudos e fontes, como ocorreu com a EMBASA e BATTRE. Por fim, com a elaboração do Inventário de Emissões de GEE, a cidade de Salvador se destacou no cenário da Bahia e do Brasil, uma vez que grande parte dos municípios baianos e brasileiros ainda não inventariou as suas emissões. Desta forma, com os resultados de seu Inventário, a cidade de Salvador pode desenvolver e implantar práticas de redução e mitigação dos GEE de forma mais eficiente e efetiva, rumo a uma economia de baixo carbono. Quanto a isso, considerando os resultados do inventário do Setor Resíduos, a PMS, em conjunto com os demais atores envolvidos, poderá fomentar o desenvolvimento e implantação de mecanismos e regulamentos que tornam as organizações corresponsáveis pela gestão dos resíduos gerados, fortalecer práticas para a redução da geração dos resíduos, incentivar a implantação de tecnologias limpas e/ou alternativas à disposição final em aterros (compostagem, incineração); incentivar e melhorar a participação social na gestão e gerenciamento dos resíduos, a qual deve ser abrangente, integrada e participativa.

148

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Urbana



Revisão

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O ordenamento do território na cidade da Praia e a resiliência a inundações e cheias Luzia Mendes Oliveira Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, [email protected] Resumo As alterações climáticas (AC) têm-se manifestado através da maior frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como inundações e cheias, provocando graves prejuízos socioeconómicos e ambientais. Os espaços urbanos são cada vez mais vulneráveis aos impactos das AC, dado o crescimento populacional e a ocupação de zonas de risco, particularmente no que concerne à edificação de habitações e infraestruturas, que por um lado impermeabilizam grandes áreas de infiltração e por outro alteram os cursos de água, impedindo uma eficiente drenagem pluvial e reduzindo, assim, a respetiva capacidade adaptativa às cheias. A cidade da Praia, a maior de Cabo Verde em extensão territorial e dimensão populacional, tem tido um crescimento acelerado, com consequências negativas como o défice de saneamento básico e habitacional, a escassez de água, problemas de saúde pública, exclusão social, poluição do ar e sonora, ou ainda elevados riscos de a população ser afetada por desastres naturais. Neste sentido, torna-se pertinente que a nível da Política Pública do Ordenamento do Território (PPOT) sejam definidos instrumentos capazes de dotar a cidade de um quadro regulamentar de uso do solo que promova a geração de oportunidades de desenvolvimento e permita aumentar a resiliência às AC. Este estudo pretende analisar a capacidade adaptativa às inundações e cheias na cidade da Praia, centrando-se no aspeto da urbanização/habitação. Nota-se a prevalência da construção de habitações clandestinas, edificadas em zonas de risco, colocando em causa a vida das pessoas e aumentando, assim, o risco de as populações serem severamente afetadas pelo fenómeno das inundações por cheias. Face a tal problemática, a cidade torna-se cada vez menos resiliente a este fenómeno, que pode causar desastres se não forem acauteladas as medidas que possam mitigá-lo. Do estudo, conclui-se que a cidade da Praia possui uma elevada vulnerabilidade a inundações e cheias devido a chuvas torrenciais. Fatores naturais e antrópicos têm contribuído para agravar o problema. O desenvolvimento da PPOT no município, embora tardio, tem contribuído para mitigar o impacto dos riscos às cheias. Perante as vulnerabilidades, torna-se necessário reforçar os mecanismos que possam contribuir para a melhoria das condições de vida da população rural, de modo a diminuir a pressão sobre os centros urbanos e, consequentemente, aumentar a resiliência Igualmente, é fundamental que a PPOT do município seja acompanhada por outras iniciativas e instrumentos, com envolvimento ativo de outros stakeholders e, sempre que possível, atualizá-los e monitorizá-los. Finalmente, há necessidade de coordenação e avaliação da eficácia das diversas intervenções desenvolvidas com vista à minimização do défice habitacional no município. Palavras-chave: Alterações climáticas, adaptação, cheias, inundações, urbanização.

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1. INTRODUÇÃO As alterações climáticas constituem um dos grandes desafios ambientais do presente século. Elas têm-se manifestado através da variabilidade climática e da maior frequência e intensidade de eventos meteorológicos (ciclones, ondas de calor, chuvas torrenciais) e climáticos (secas) extremos (IPCC, 2012; Emanuel, 2013), provocando graves prejuízos socioeconómicos e ambientais. A severidade e a magnitude dos impactos dos fenómenos extremos sobre os sistemas naturais e humanos dependem não só das suas intensidades, mas também do grau de vulnerabilidade desses sistemas. A vulnerabilidade às AC refere-se ao grau de suscetibilidade dos sistemas (natural ou social) a efeitos adversos, considerando o seu nível de exposição ao clima, a sua sensibilidade e, por fim, a sua capacidade de adaptação (Santos, 2012). Quanto maior for a vulnerabilidade menor será a resiliência, isto é, a capacidade de se recuperar e retomar as mesmas funções após um determinado impacto (IPCC, 2007). Os impactos adversos causados pelas AC podem assumir tanto pequenas proporções em termos de nível e escala, como chegar a intensidades mais elevadas (desastres e catástrofes). Segundo o IPCC (2012), quando estes produzem danos generalizados e causam alterações graves no funcionamento normal das comunidades ou sociedades são considerados catástrofes. Sendo o risco uma função que depende da perigosidade, exposição, vulnerabilidade e resiliência, uma das formas de abordagem da gestão de riscos de desastres relacionados com as AC dirige-se aos graus de redução de exposição e de vulnerabilidade, de modo a aumentar a resiliência aos potenciais impactos adversos (IPCC, 2012). Embora muitos riscos possam não ser eliminados na sua totalidade, eles podem ser evitados. Daí que o ordenamento do território (OT) surja como uma ferramenta útil na prevenção dos respetivos riscos e no desenvolvimento da resiliência (Bulkely, 2009), nas suas mais variadas formas de intervenção, para enfrentar as ameaças provocadas pelas AC: urbanização; política habitacional; ordenamento da orla costeira; ordenamento e gestão das bacias hidrográficas; gestão dos riscos de cheias e inundações. Relativamente às inundações e cheias nos centros urbanos, elas resultam da conjugação de um conjunto de fatores naturais com as práticas pouco sustentáveis do uso de solo, particularmente no que tange à edificação das infraestruturas e outros equipamentos urbanos, que por um lado impermeabilizam grandes áreas de infiltração e por outro alteram os cursos de água, impedindo uma eficiente drenagem pluvial. Sendo assim, aumenta a vulnerabilidade e, consequentemente, a respetiva capacidade adaptativa. Por isso, o OT pode ser muito importante no seu controlo e previsão, bem como na prevenção dos potenciais riscos associados. Esta pesquisa colocou enfâse nos aspetos da urbanização e da política habitacional na cidade da Praia, a maior de Cabo Verde em extensão territorial e dimensão populacional, que a nível da urbanização tem tido uma expansão acelerada a partir de 1975, trazendo, com isso, várias consequências como o défice de saneamento básico e habitacional, a escassez da água, problemas de saúde pública, exclusão social, poluição do ar e sonora, e elevados riscos da população ser afetada por catástrofes naturais, concretamente, inundações por chuvas torrenciais. No que diz respeito à modelação dos assentamentos como uma das várias formas de intervenção do OT, ela deve envolver não só um quadro regulamentar e legislativo para o

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desenvolvimento do uso do solo, mas também recursos institucionais e sociais através dos quais cada estrutura é implementada, alterada e transformada (Davoudi, Crawford e Mehmood, 2009). Entende-se, pois, que a forma como são planeados e os seus impactos sobre a utilização dos recursos naturais bem como os níveis de emissão de gases com efeito estufa devem considerar um conjunto de varáveis, incluindo: as tecnologias de construção; o mercado de terras e propriedades; os investimentos estratégicos das instituições públicas e privados; as políticas públicas relacionadas, por exemplo, com o planeamento das habitações, dos transportes, do ambiente e das tributações; as normas sociais e culturais; as escolhas dos estilos de vida individuais e dos comportamentos (Davoudi, Crawford e Mehmood, 2009). Neste sentido, torna-se pertinente que a nível da política pública de OT sejam definidos instrumentos capazes de dotar os centros urbanos de um quadro regulamentar de uso dos solos, promover valores éticos como “a sustentabilidade ambiental, justiça social, participação cívica e processos de deliberação” (Ferrão, 2011, pág.50), bem como gerar oportunidades de desenvolvimento. Só assim é possível compreender como a PPOT poderá contribuir para minimizar os efeitos das AC. Este texto encontra-se estruturado da seguinte forma: para além da introdução, no ponto 2 expor uma breve descrição da metodologia utilizada, para no ponto 3 apresentar-se os resultados e a discussão da pesquisa centrada na cidade da Praia, onde se faz o enquadramento analítico do caso de estudo, se analisa a problemática da urbanização/política habitacional e a influência que estas têm no combate às inundações e cheias, e se procura uma explicação para os fatores que contribuem para a vulnerabilidade às cheias no caso em estudo. É analisado, ainda, o papel que o OT na cidade da Praia desempenha para a minimização do problema das cheias. No último capítulo apresentam-se as principais conclusões e recomendações. 2. OBJETIVOS E METODOLOGIA O objeto de estudo é a cidade da Praia (Praia urbana), na medida em que se pretende responder a duas questões de partida: será que a PPOT do município tem permitido fazer face à problemática de adaptação às AC na componente de minimização das cheias? Para além do OT, existem outras iniciativas/medidas desenvolvidas no município que possam/tenham contribuído para aumentar a capacidade adaptativa às cheias, especificamente relacionadas com a habitação social, um dos domínios mais afectados pelo risco das cheias? Para responder a estas questões, esta pesquisa baseou-se na revisão bibliográfica de vários documentos relacionados com a temática (AC e OT), incluindo o Plano Diretor Municipal (PDM) da Praia, com o objetivo de verificar se este, na sua elaboração, levou em conta o problema das AC, mais concretamente os riscos de inundação por cheias. A existência de alguns estudos sobre a problemática das habitações e das inundações no caso em estudo foi também importante para esta pesquisa. Para uma maior compreensão e contextualização do presente estudo de caso, recorreu-se a algumas fotografias que ilustram a realidade atual habitacional e a mapas de localização e de risco, que ajudam a compreender a dimensão da problemática.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. Enquadramento

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A cidade da Praia localiza-se na parte sul da ilha de Santiago. Ocupa uma área de 102,6 km2 e ainda 6 hectares do ilhéu de Santa Maria (150m mais a sul). A altitude máxima é 435 m, em Monte Vaca. Trata-se de uma cidade costeira, densamente povoada (fig. 1) e com grande potencial de crescimento populacional, com uma extensão de costa de 46 km acrescida de 1.800 m do perímetro litoral do ilhéu Santa Maria. Geomorfologicamente, é formada por um conjunto de elevações (sobretudo na parte norte), planaltos ou achadas, vales e zonas planas no interior e no litoral (Moniz, 2006; CMP, 2011).

Figura 1: Localização geográfica da Cidade da Praia Fonte: Wikipédia

Segundo o quadro estratigráfico da Praia (Serralheiro, 1976), as unidades geológicas são caracterizadas por formações antigas e recentes, tais como: dos Flamengos (lr); Órgãos (CB); Complexo Eruptivo do Pico de Antónia (PA); Complexo Eruptivo Interno Antigo (CA) e Sedimentares Recentes (Q). Estas duas últimas possuem unidades cujos materiais são desagregados, portanto muito suscetíveis à erosão hídrica e aos riscos de desabamento, e constituem uma boa parte das encostas e vales. De acordo com a carta hidrogeológica, cerca de 28km2 correspondem a áreas de fraca infiltração, 67km2 de infiltração média e 6km2 de alta infiltração. Encontra-se delimitada por cinco bacias hidrográficas (fig.2) e estruturada por uma rede intensa de treze grandes ribeiras, de aproximadamente 500 km, que nascem a partir das elevações e desembocam na zona baixa da cidade. A maior bacia (Trindade) tem origem no monte Pico d’Antónia, o ponto mais elevado da ilha (1394 m), onde ocorre a maior parte das precipitações, o que faz com que esta bacia receba uma grande parte das cheias, cujo volume é estimado em 3.500.000 m3/ano ( CPM, 2011).

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Figura 2: Bacias hidrográficas do município da cidade da Praia (adaptado) Fonte: CMP, 2011. Escala 1/25,0000

Somente três bacias hidrográficas drenam a cidade da Praia (1-Trindade, 4-Palmarejo Grande e 5-Curral Velho). No conjunto possuem cerca de 1.213 linhas de água, cujo tempo de concentração é muito reduzido ( 35ºC) e pela ocorrência de concentrações de ozono superiores a 200 µg.m-3.

ALTERAÇÃO CLIMÁTICA

ONDA DE CALOR - PORTO

ONDA DE CALOR - CONSTITUIÇÃO

3 km 1 km

res.9 km

res.200 m

Figura 2. Esquema da modelação conduzida para simulação das ondas de calor.

A onda de calor selecionada foi então simulada através das diferentes vertentes de modelação implementadas no projeto CLICURB, esquematizadas na Figura 2: i) ii)

modelação meteorológica, de fluxos energéticos e da qualidade do ar, para os 6 cenários definidos, na área urbana do Porto, com uma resolução espacial de 200 m por 200 m; modelação meteorológica, para o cenário-base e cenários 2, para a zona da Rua da Constituição na cidade do Porto (onde foi instalada a torre de medição de fluxos), com uma resolução espacial de 2 m por 2 m.

A modelação meteorológica com o modelo WRF conduzida para a área urbana do Porto com uma resolução espacial de 200 m teve como condições iniciais e de fronteira os resultados das simulações de alteração climática para a onda de calor selecionada em Marta-Almeida et al.(2016). A modelação da qualidade do ar com o modelo CAMx foi conduzida para cada um dos cenários definidos, tendo como dados meteorológicos de entrada os resultados das simulações do modelo WRF, e seguindo a metodologia descrita em Sá et al. (2016). Relativamente à modelação de fluxos energéticos a escolha recaiu no modelo SUEWS – The Surface Urban Energy Water Balance Scheme, desenvolvido pela Universidade de Reading (UK), que permite simular a radiação urbana e balanços de energia e de água. No projeto CLICURB os resultados do modelo SUEWS foram validados com dados medidos em duas áreas distintas: área urbana (Porto) e área suburbana (Aveiro), visto ter sido a primeira aplicação do modelo em Portugal. Os resultados obtidos permitiram concluir que o SUEWS reproduz o perfil horário do fluxo do calor latente e sensível em ambas as áreas de estudo, assim para a onda de calor seguiu-se a mesma metodologia apresentada na validação (Rafael et al., submetido). A modelação meteorológica para a Rua da Constituição foi realizada com o modelo VADIS (pollutant DISpersion in the atmosphere underVAriable wind conditions) modelo do tipo CFD (Computational Fluid Dynamics) desenvolvido pelo Departamento de Ambiente e

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Ordenamento da Universidade de Aveiro. O modelo apresenta um esquema de funcionamento modular, i.e. um sistema de modelação composto por dois módulos: o FLOW, que tem por base uma aproximação euleriana para resolução das equações de Navier-Stokes da Camada Limite Atmosférica para simular o escoamento, e o DISPER de cálculo lagrangeano da trajetória de partículas, para o cálculo da dispersão. O VADIS foi avaliado desde as primeiras aplicações através de comparações com medições em túnel de vento e em sítio urbano real (BORREGO et al., 2003; AMORIM et al., 2013 a), b)) e por comparação com resultados de outros modelos CFD, como por exemplo o modelo Fluent (AMORIM et al., 2013a). De entre as diversas aplicações, o VADIS foi utilizado para a simulação do escoamento atmosférico e análise dos efeitos térmicos da radiação solar no escoamento atmosférico. Neste contexto, a performance do modelo foi avaliada através da comparação com medições em túnel de vento discutidas em RICHARDS et al. (2006) e DIMITROVA et al. (2009). A modelação meteorológica com o VADIS tem uma resolução espacial horizontal de 2 m e a resolução vertical de 1m no interior da canópia. O modelo teve como condições iniciais e de fronteira os resultados das simulações do modelo WRF para aquela zona. Modelação física Em zonas urbanas as condições microclimáticas e as características morfológicas regulam o conforto pedonal e a qualidade do ar local. O conforto pedonal está relacionado com o bemestar das populações e pode ser definido como a capacidade para um indivíduo desempenhar atividades exteriores, como passear na rua ou estar sentado numa esplanada, sem que o vento influencie o seu conforto. Por sua vez, a qualidade do ar é fortemente influenciada pelos ventos, em particular a orientação relativa dos edifícios urbanos e a sua altura. Os escoamentos atmosféricos urbanos são extremamente complexos, consequência da sua elevada turbulência, sendo frequentes a formação de vórtices turbulentos e acelerações em ruas flanqueadas por edifícios altos. De modo a observar o comportamento dos ventos e seus efeitos sobre edifícios ou zonas urbanas, o recurso à modelação física em túnel de vento é muito frequente. No âmbito do projeto CLICURB analisou-se a influência da alteração do uso do solo sobre o conforto eólico e na qualidade do ar em zona urbana criada com base na Rua da Constituição, no Porto. Com esta finalidade, realizou-se um estudo de microescala em túnel de vento do efeito da substituição de uma zona edificada, por uma área verde. Os ensaios foram realizados no túnel de vento com maiores dimensões do Laboratório de Aerodinâmica da Atmosfera do Departamento de Ambiente e Ordenamento da Universidade de Aveiro. Com um comprimento total de 12 m e secção de testes de 6,5 x 1,5 x 1 m, é um túnel de vento do tipo ambiental, tipicamente empregue em estudos de escoamentos em camada limite atmosférica à escala local (Figura 3a)). A área de estudo para os ensaios corresponde à zona urbana centrada na Rua da Constituição, destacada a amarelo na Figura 3b).

183

Figura 3. Túnel de vento do Departamento de Ambiente e Ordenamento e b) área de estudo utilizada para os ensaios experimentais.

Para a realização dos trabalhos construiu-se uma maquete representativa da área de estudo, à escala 1:250, correspondente a uma extensão geográfica horizontal de aproximadamente 360 m, representada na Figura 4a). A forma circular da maquete, com diâmetro de 1,45 m, permite a simulação de ventos oriundos de qualquer direção.

a)

b)

Figura 4. Maquete representativa da área de estudo na configuração atual (R) e após a substituição de 2 quarteirões edificados por áreas verdes (b).

Foram criados 2 domínios de estudo: um domínio referência, baseado na configuração atual da zona, e um domínio alternativo conceptual, no qual os maiores quarteirões de edifícios do domínio referência são substituídos por espaços verdes flanqueados por árvores. A simulação do domínio de estudo conceptual implicou a troca dos edifícios da maquete por espaços verdes. Na Figura 4b) apresenta-se uma perspetiva destas zonas da maquete, após a substituição. A modelação física do conforto eólico e da qualidade do ar para ambos os 184

domínios de estudo, passou pela colocação da maquete na secção de testes do túnel de vento e sua correta orientação perante o vento incidente. Para cada um dos domínios de estudo, foram criados 15 cenários meteorológicos médios baseados nos resultados da simulação numérica realizada com modelo WRF. Estes correspondem a 3 velocidades médias típicas (3,5, 7 e 9 m/s), para cada uma das 3 direções do vento incidente (em ângulo meteorológico, por ordem de frequência: 270°, 130° e 0°), correspondendo a aproximadamente 16% do tempo. Com vista a estabelecer comparações com o episódio da onda de calor, simulado numericamente com o modelo CFD VADIS, foi criado um cenário adicional com velocidade de entrada no domínio de estudo de 5,6 m/s e ângulo meteorológico de 279º. O efeito aerodinâmico das árvores dos domínios de estudo foi simulado através de anéis de malha metálica porosa dispostos com espaçamento uniforme entre si. Segundo esta metodologia cada anel, representa um conjunto de árvores. Foram criadas 3 gamas de altura representativas de árvore presentes no domínio (entre 6 e 14m). As medições da velocidade do vento em 8 pontos distintos da maquete foram efetuadas com um anemómetro de fio quente. Os campos de velocidade do vento em torno da maquete foram medidos com a técnica de velocimetria por imagens de partículas (PIV, do inglês Particle Image Velocimetry). A medição da velocidade numa posição de referência a jusante da secção de testes foi efetuada com tubo de Pitot.

3. Resultados Área urbana do Porto Nesta secção são apresentados os resultados relativos à onda de calor selecionada na área urbana do Porto (24 a 26 de Julho de 2049). Analisou-se o efeito da aplicação das medidas de resiliência (cenários 1 a 5) na variação da temperatura à superfície (definida a 2 m de altura), qualidade do ar e fluxos de calor, considerando como referência uma simulação base que não inclui medidas de resiliência. Em termos de temperatura, foram analisados os campos da temperatura média (média aritmética das temperaturas horárias da duração da onda de calor) e da temperatura máxima calculada como a média das temperaturas máximas (assumidas como ocorrendo entre as 13 e as 15 horas) de cada dia da onda de calor. A Figura 5 apresenta os resultados obtidos para a temperatura média, sendo claro que todas as medidas de resiliência testadas promovem uma diminuição da temperatura média à superfície. No entanto, as medidas mais eficazes são a inclusão de telhados verdes e a combinação do aumento das áreas verdes urbanas com telhados verdes, ou com telhados brancos.

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a) Temperatura média para o cenário base

b) ΔT (Telhados verdes – base)

c) ΔT (Telhados brancos – base)

d) ΔT (Áreas verdes – base)

e) ΔT (Telhados verdes e áreas verdes – base)

f) ΔT (Telhados brancos e áreas verdes – base)

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Figura 5. Temperatura média obtida para a onda de calor no cenário base (R) e diferenças na temperatura média à superfície entre cada cenário testado e o cenário base (b) a (f) (as linhas a verde indicam as principais áreas verdes simuladas).

É de realçar que as diferenças na temperatura média são relativamente modestas, não ultrapassando 0,5 ⁰C. A eficácia destas medidas de resiliência será mais notória, e mais relevante para o conforto térmico da população urbana, nos extremos máximos da temperatura. Assim, a Figura 6 apresenta o mesmo tipo de análise agora para a temperatura máxima.

a) Temperatura máxima para o cenário base

c) ΔT (Telhados brancos – base)

b) ΔT (Telhados verdes – base)

d) ΔT (Áreas verdes – base)

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e) ΔT (Telhados verdes e áreas verdes – base)

f) ΔT (Telhados brancos e áreas verdes – base)

Figura 6. Temperatura máxima obtida para a onda de calor no cenário base (R) e diferenças na temperatura média à superfície entre cada cenário testado e o cenário base (b) a (f) (as linhas a verde indicam as principais áreas verdes simuladas).

A Figura 6 revela que as medidas de resiliência testadas conseguem reduzir a temperatura máxima até 1ºC. Em termos da qualidade do ar, procedeu-se a uma análise das concentrações de ozono considerando o cenário sem a aplicação de medidas de resiliência (cenário base) e os cinco cenários de resiliência definidos. A Figura 7 apresenta as diferenças dos campos de concentração de ozono entre os cenários com medidas de resiliência e o cenário base para as concentrações máximas de ozono durante a onda de calor.

a) ΔO3 (Telhados verdes – base)

b) Δ O3 (Telhados brancos – base)

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c) Δ O3 (Áreas verdes – base)

d) Δ O3 (Telhados verdes e áreas verdes – base)

e) Δ O3 (Telhados brancos e áreas verdes – base)

Figura 7. Diferenças na concentração temperatura média à superfície entre cada cenário testado e o cenário base (b) a (f) (as linhas a verde indicam as principais áreas verdes simuladas).

A Figura 7 demostra que todos os cenários apresentam uma redução de pelo menos 10 µg.m3 na concentração horária de ozono quando são aplicadas as medidas de resiliência selecionadas, obtendo-se a maior redução com a aplicação de telhados verdes, atingindo uma redução na concentração de quase 30 µg.m-3.

189

Relativamente à modelação dos fluxos de energia para a onda de calor selecionada (24 a 26 de Julho de 2049), as medidas de resiliência foram avaliadas, considerando como referência uma simulação de base que não inclui nenhuma medida de resiliência, para todas as componentes do balanço de energia. Na Figura 8 apresentam-se apenas os resultados para o fluxo de calor latente.

a) ΔQE (Telhados brancos – base)

b) ΔQE (Áreas verdes – base)

c) ΔQE (Telhados brancos e Áreas verdes – base)

Figura 8. Diferenças no fluxo de calor latente entre cada cenário testado e o cenário base (R) a (c).

Rua da Constituição Apresentam-se seguidamente os resultados relativos à onda de calor selecionada na zona da Rua da Constituição, Porto. A análise baseou-se no efeito, à microescala, da aplicação de uma medida de resiliência (cenário 2 – 75% de telha- dos verdes) na variação da temperatura à superfície (2 m), comparando com a simulação sem medida de resiliência. Analisaram-se os campos da temperatura média às 15 horas de um dia da onda de calor.

190

O campo de temperaturas foi inicializado com os resultados do WRF. Apresentam-se na tabela 1 os dados de entrada utilizados nas simulações (relativamente à temperatura). Tabela 1. Temperaturas de inicialização utilizadas nas simulações à microescala. À temperatura inicial é dada pelo modelo WRF, enquanto as temperaturas dos telhados, edifícios e árvores são definidos com base na literatura.

Temperatura inicial (k)

Temperatura dos Temperatura telhados (k) edifícios (k)

Base

306,4

331,4

321,4

Telhados verdes

305,4

290,2

297,2

dos

Na Figura 9 mostram-se os resultados de simulação dos campos de temperatura com o modelo VADIS, apresentados como diferenças entre o cenário de resiliência e o cenário base.

Figura 9. Diferenças na temperatura média à superfície entre o cenário de resiliência testado e o cenário base.

4. Discussão Dos resultados apresentados para a temperatura pode-se concluir que a aplicação de telhados verdes é a medida com mais eficácia. Os efeitos da evapotranspiração e menores albedos deste tipo de cobertura produzem maiores impactos na redução da temperatura do que a simples redução do albedo, ainda que maior que no caso das coberturas verdes (telhados brancos). Tanto as coberturas verdes como as brancas foram distribuídas quase uniformemente pela malha urbana, pelo que a redução de temperatura daí resultante também se verifica praticamente uniforme na malha urbana. Ao contrário, a inclusão de áreas verdes urbanas, mais localizadas, origina efeitos mais localizados do que as restantes medidas de resiliência. No entanto, realça-se que o aumento das zonas verdes urbanas irá afetar também as zonas envolventes: o gradiente de pressão resultante da diferença de temperaturas “zona verde-área envolvente” irá originar a adveção de ar frio (resultante da diminuição do calor

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sensível) da zona verde para as áreas envolventes, a chamada park breeze (OKE et al. 1989). Assim, a inclusão de zonas verdes em tecido urbano irá não só amenizar as temperaturas extremas na própria zona verde mas também na área envolvente. Estas características são visíveis nas figuras 5 (temperatura média) e 6 (temperatura máxima), onde é notória a advecção de ar frio para Sudeste. Este efeito é conhecido como “park cool islands” (SPRONKEN-SMITH 1998, OKE 1982). Relativamente aos efeitos das medidas de resiliência na qualidade do ar, é visível pela Figura 7 que todos os cenários apresentam uma redução de pelo menos 10 µg.m-3 na concentração horária de ozono quando são aplicadas as medidas de resiliência selecionadas. Os cenários 2 e 4 são os que apresentam uma maior redução, mas como este último é uma combinação dos cenários 1 e 2, percebe-se assim que a medida de resiliência com maior contribuição para a redução da concentração horária de O3 é a aplicação de telhados verdes, atingindo uma redução na concentração de quase 30 µg.m-3. Estes resultados são concordantes com os resultados obtidos anteriormente para a temperatura média e máxima. Para além disso, a redução de temperatura vai induzir uma menor produção fotoquímica de ozono durante o transporte de precursores (que é feito na direção do escoamento), o que justifica a localização das maiores manchas de redução de O3 mais afastada e mais intensa na zona Este do domínio. Em termos das variações nos fluxos energéticos, uma vez que o fluxo de calor latente está diretamente relacionado com o processo de evaporação, resultante da presença de água e temperaturas apropriadas bem como pela existência de vegetação, no cenário em que se considera a duplicação de áreas verdes verifica-se um aumento na ordem de 250 W.m-2 do fluxo de calor latente. Este resultado significa que é utilizada uma maior proporção da radiação solar global no processo evaporativo, pelo que se podem tirar duas conclusões: i) face à relação existente entre o fluxo de calor sensível e o fluxo de calor latente (traduzida matematicamente pela razão de Bowen), o aumento da magnitude de QE implica uma redução de QH (redução máxima de -375 W.m-2 obtido na combinação de medidas telhados brancos e duplicação de áreas verdes), o que contribuirá para uma redução da energia libertada para a atmosfera e consequentemente para uma redução da temperatura; e ii) o aumento de QE promove um arrefecimento da superfície e um aumento da humidade superficial. Por outro lado, um aumento da taxa de evaporação significa maior quantidade de água a ser introduzida no sistema ficando disponível para precipitar, o que num cenário de alteração climática, em que é espectável uma redução da precipitação, poderá ser uma medida chave para mitigar os constrangimentos associados à reduzida disponibilidade de água. No entanto, a introdução de telhados brancos não produz qualquer variação no fluxo de calor latente, pelo que, quando combinadas com as medidas (telhado brancos + duplicação de áreas verdes) o efeito observado resulta apenas da introdução de áreas verdes. Mas, a introdução de telhados brancos, e o consequente aumento de albedo, é absorvida menor radiação solar pelas superfícies, o que promove a redução do fluxo de calor do solo (uma redução máxima de cerca de 200 W.m-2) (mapas não apresentados). A redução do fluxo de calor do solo irá contribuir para uma redução da temperatura à superfície. É ainda de salientar que não se verificaram quaisquer variações no fluxo de calor antropogénico (mapas não apresentados) decorrentes das medidas aplicadas, uma vez que não foram introduzidas alterações no consumo energético dos sistemas de climatização associadas à redução da temperatura média.

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Da análise local, com o modelo VADIS, para a Rua da Constituição, verifica-se pela Figura 9 que a medida de resiliência testada resulta em reduções de temperatura que atingem máximos de 6⁰C (em localizações pontuais, junto aos edifícios), mas variando entre 0 e 2⁰C na maior parte do domínio estudado. Os resultados obtidos permitem concluir que, perante os pressupostos assumidos no que diz respeito ao aquecimento/arrefecimento de telhados e edifícios, os telhados verdes são uma medida de resiliência eficiente, face à previsão de aumento das ondas de calor em clima futuro. De notar que os resultados obtidos são fortemente dependentes dos pressupostos iniciais no que diz respeito às temperaturas atingidas pelos telhados e edifícios nas diferentes situações. O trabalho futuro nesta temática incidirá em vários testes de sensibilidade à alteração de temperaturas iniciais, para que se possam obter conclusões definitivas. 5. Conclusões Dado o aumento esperado da frequência de ondas de calor e intensidade nas projeções do clima futuro, a investigação das medidas de resiliência e sua eficácia para mitigar as mudanças no metabolismo urbano, é de grande importância para as partes interessadas de planejamento urbano e decisores. Os resultados revelam que todos os cenários testados conduzem a um aumento da resiliência da cidade do Porto às AC, promovendo a redução da temperatura, da energia libertada para atmosfera (calor latente) e das concentrações de ozono. Das medidas testadas é a aplicação de telhados verdes que resulta em maiores benefícios, sendo o cenário com os melhores resultados aquele que combina esta medida com o aumento das zonas verdes urbanas. Uma das principais saídas do projeto CLICURB é o atlas urbano (http://atlas-clicurb.pt/), onde o cidadão pode encontrar as projeções futuras em termos de clima, fluxos e qualidade do ar em Portugal e no Porto área urbana. Agradecimentos Os autores agradecem o apoio financeiro do projecto CLICURB “Qualidade da atmosfera urbana, alterações climáticas e resiliência” (EXCL/AAG-MAA/0383/2012), fincanciado pelos Fundos Europeus, através do programa operacional fatores de competitividade – COMPETE, e por fundos nacionais, através da Fundação para a Ciência e Tecnologia (PEstC/MAR/LA0017/2013). Um agardecimento ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior pela bolsa de doutoramento de Sandra Rafael (SFRH/BD/103184/2014) e de Ana Patricia Fernandes (SFRH/BD/86307/2012). Referências Amorim, J.H., Rodrigues, V., Tavares, R., Valente, J., Borrego, C. 2013a. CFD modelling of the aerodynamic effect of trees on urban air pollution dispersion. Science of the Total Environment. ISSN 0048- 9697. Vol. 461–462, p. 541-551. Amorim, J.H., Valente, J., Cascão, P., Pimentel, C., Miranda, A.I.; Borrego, C. 2013b. Pedestrian exposure to air pollution in cities: modelling the effect of roadside trees. Advances in Meteorology. ISSN 1687-9317. Vol.2013. Bell, R., Berghage, R., Doshi, H., Goo, R., Hitchcock D., Lewis M., Liptan T., Liu K., Mcpherson G., Nowak D., Peck S., Scholz-barth K., Sonne J., Taube B.; Velazquez, L., Wolf

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Por uma Cidade Sustentável: Compreender a Evolução da Paisagem Alimentar de Lisboa Mariana Sanchez Salvador1 1

CICS.NOVA – Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (FCSH-UNL), [email protected] Resumo No último século, com o aumento exponencial da população mundial, a sua progressiva urbanização e a alteração dos hábitos alimentares, temos assistido à intensificação das actividades de construção e de produção alimentar. Megacidades cada vez mais densas e extensas contrastam com vastos territórios dedicados à produção alimentar intensiva, como campos de monoculturas, estufas e pastagens. O impacto destas actividades tem-se repercutido no planeta, transformando a paisagem e uso do solo, alterando o clima, reduzindo a biodiversidade e consumindo recursos naturais. À medida que estes processos se intensificam, Urbano e Rural tornam-se realidades cada vez mais distantes, física e funcionalmente, rompendo a sua ligação ancestral de interdependência. Complexas redes de distribuição globais tornam-se no único elo de ligação entre as cidades e seus territórios de produção alimentar, um elo frágil que coloca cidades como Lisboa numa situação de grande dependência de externalidades para garantir a alimentação dos seus habitantes. Esta é, no entanto, uma realidade recente. Até meados do século XX, uma parte significativa do abastecimento alimentar de Lisboa provinha de uma cintura produtiva local, actualmente correspondente a diversas áreas urbanas e peri-urbanas. A própria forma da cidade desenvolveu-se em estreita proximidade com o território e o seu potencial produtivo, bem como as restantes componentes do seu Sistema Alimentar. A comida era parte intrínseca da cidade. Neste contexto, e perante as perspectivas de crescimento populacional e urbano, torna-se imperativo repensar a relação das Cidades com os seus Sistemas Alimentares de abastecimento, de forma a conceber modelos mais sustentáveis e resilientes. A presente investigação propõe-se contribuir para o reequacionamento desta dinâmica através do estudo da evolução da Paisagem Alimentar de Lisboa — a materialização física, no espaço, das actividades ligadas ao Sistema Alimentar — durante o último século. Serão descritos os Conceitos fundamentais para esta investigação e a Metodologia adoptada. Entendendo-se a Paisagem como um palimpsesto, resultante da sobreposição de diferentes camadas naturais, físicas e culturais, para o estudo da Paisagem Alimentar serão mapeados e sobrepostos os espaços correspondentes às diferentes etapas da Produção, Distribuição e Comercialização alimentar, em cada momento estudado, potenciando comparações e leituras cruzadas. Para tal, privilegiar-se-á a Cartografia Histórica como fonte primária de informação, assumida como síntese da forma urbana, complementada por outras fontes. Será também apresentada uma primeira evolução da Paisagem Alimentar de Lisboa, através de sínteses de três momentoschave, que permitirão fazer uma aproximação aos resultados expectáveis nesta investigação. Se as cidades e as suas paisagens alimentares são importantes materializações da civilização, decorrendo de um leque vasto de factores inerentes às sua configuração — económicos, tecnológicos, ecológicos, culturais, religiosos e sociais, entre outros — então compreender e trabalhar sobre a sua relação pode repercutir em todos eles. Constituindo-se como base de fundamentação histórica e teórica, o desenvolvimento desta investigação pode potenciar acções e projectos futuros, não apenas relativos ao planeamento urbano, mas também à segurança alimentar, para a concepção de uma cidade mais sustentável e resiliente.

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Palavras-chave: Paisagem Alimentar, Sistema Alimentar Urbano, Cidades Sustentáveis, Lisboa.

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Bairros Mais Sustentáveis: Estudo das ‘Novas Formas’ de Ocupação em João Pessoa, Paraíba, Brasil Geovany J. A. da Silva¹ 1

Pós-Doutorando pela Faculdade de Arquitetura, Universidade de Lisboa – FA-ULisboa, Portugal. Docente da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Brasil, Programa de PósGraduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU-UFPB, Brasil) e Programa de PósGraduação em Engenharia Civil e Ambiental (PPGECAM-UFPB, Brasil). E-mail: [email protected] Resumo Este artigo se constitui em um resumo das pesquisas de pós-doutoramento realizadas na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, e objetiva investigar os elementos configuracionais (espaciais e dimensionáveis) capazes de proporcionar um desenho urbano mais sustentável, tendo como foco a análise aplicada à cidade de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba, Brasil. A forma urbana, o uso, a densidade, a acessibilidade, os equipamentos, traduzidos por meio de métodos de análise quanti-qualitativos, mensurados a partir de critérios multivariáveis e multiescalares, são capazes de configurar espaços potencializadores dos aspectos da sustentabilidade urbana. Utilizou-se para isso a análise de 6 bairros por meio de amostras espaciais, mapeadas por imagem de satélite e de digitalização 3D, em dois períodos (2005 a 2015), possibilitando verificar a mudança dos indicadores urbanos. Foram mensurados indicadores urbanísticos espaciais diversos (índice de aproveitamento, taxa de ocupação, índice de espaços livres, gabaritos, etc.), aplicados numa Matriz Espacial (Spacematrix), bem como computado o quantitativo de uso residencial e não residencial nas quadras urbanas, no nível do pedestre (ìndicador de uso misto MXI) e sobre o total de área construída (índicador de uso misto IUM, desenvolvido especificamente para este estudo). Verificou-se que dentre as amostras urbanas, há uma diversidade tipomorfológica que apontam problemas urbanos recorrentes, tais como Centro Histórico em processo de esvaziamento e monofuncional, como áreas periféricas ricas que alternam verticalização ou dipersão exacerbadas de condomínios fechados e segregados da cidade. Assim, há em João Pessoa bairros que se aproximam dos indicadores espaciais e de usos de cidades europeias, como também, bairros de dispersão e baixa densidade similares às cidades norte-americanas. Palavras-Chave: Bairros Mais Sustentáveis, Sustentabilidade Urbana, Cidades Brasileiras e da América Latina, Cidade de João Pessoa-PB. 1. Introdução Em um mundo cada vez mais urbano, as cidades tendem a produzir mais espaços para a vida e convívio humano neste século, em especial, nos países em desenvolvimento, estes que enfrentam, por exemplo, a dispersão e a verticalização exacerbada de formas edificadas que, em muitos casos, propiciam consideráveis perdas de qualidade de vida e impactos ambientais. Em princípio, além da pesquisa da literatura de referência ao tema, buscou-se analisar os casos recorrentes na Europa e América Latina (incluindo casos brasileiros), para em seguida determinar os aspectos (elementos configuracionais) capazes de potencializar a qualidade urbana em casos aplicados na cidade de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba, Brasil. Tomou-se como princípio investigar os bairros já consolidados desta capital (no total de 6 bairros entre 2005 a 2015), bem como as novas áreas em expansão e verticalização, para que se apontassem critérios espaciais e dimensionáveis desfavoráveis e,

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ao mesmo tempo, produzissem alternativas e novos cenários para intervenções urbanas mais sustentáveis. Esta pesquisa traz contributos ao estado da arte, tendo em vista a sua replicabilidade para os casos urbanos brasileiros, bem como das cidades da América Latina, tendo em vista a proposta de um método capaz de incorporar critérios espaciais mensuráveis conforme as determinantes e condicionantes de cada bairro, cidade ou região. Correlacionar a análise quantitativa do espaço urbano ocupado por meio de ídices urbanísticos e áreas de ocupação, com índices de usos residenciais e não residenciais (portanto, de uso misto), são as diretrizes principais norteadas por este estudo. A partir desses dados foram elaborados e aplicados os Índices de Uso Misto e a Matriz Espacial, como estudo aplicado quanti-qualitativo. Busca-se, com isso, instrumentalizar a participação do arquiteto e urbanista no desenho e planejamento urbano, seja de áreas da cidade já consolidadas, ou para novas áreas em processo de urbanização, pois entende-se que nesse interim os atores econômicos e políticos acabam acabam dominando e determinando os rumos das cidades, à revelia da qualidade, da sustentabilidade, da urbanidade e da arquitetura e urbanismo.

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2. Método A pesquisa se traduz por um viés hipotético-dedutivo, no qual se verificou a existência de novas formas urbanas (verticalizadas e dispersas, conforme cada bairro) que têm sido edificadas na cidade de João Pessoa, Estado da Paraíba, região Nordeste do Brasil. E que por outro lado, a ausência de um controle da governança local e do planejamento urbano, por meio de indicadores ou mapeamentos específicos, possibilitaram que esses modelos morfológicos tivessem refletido em impactos ambientais, e até mesmo de convívio comunitário nesses bairros, uns por baixa densidade (construída e populacional), noutros por muros, pouca visibilidade e acesso à rua, ou pela monofuncionalidade espacial. A partir disso, definiu-se uma abordagem quantitativa, mensurando-se 12 parcelas urbanas edificadas em 6 bairros por meio de mapeamentos de imagens de satélite (2005 e 2015), corroborados por trajetos via street view e visitas locais. Foram coletados dados referentes: (R) Uso e Ocupação do Solo (Tipos Residenciais e Não Residenciais), Índices Urbanísticos e de Ocupação, Área Construída ao nível do Térreo e Total Verticalizada. E, a partir destes, os demais indicadores foram calculados em planilhas e representadas em gráficos. Os cálculos principais realizados em 6 bairros de João Pessoa, entre 2005 a 2015 foram: 1. Índice de Uso Misto - IUM (desenvolvido nesta pesquisa), verifica o uso residencial e não-residencial em toda a área edificada, e o Mixed-Use Index - MXI (desenvolvido por Van den Hoek em 2008), que verifica o uso residencial e não-residencial no pavimento térreo, portanto, ao nível da rua; 2. Análise por Matriz Espacial (método Spacematrix de Pont & Haupt, 2009). No qual se verifica as relações formais e espaciais e seus princiapis indicadores espaciais (Índice de Aproveitamento, Taxa de Ocupação, Índice de Espaços Abertos e Gabarito Médio dos edifícios), visualizados num gráfico e comparados entre si. Por meio destes, foi possível verificar os cenários urbanos percorridos na última década, e possibilitar novos elementos qualitativos ao desenho urbano futuro para a região e bairros da cidade de João Pessoa. 3. Resultados 3.1 Índices de Uso Misto: procedimentos de análise Decerto que a forma de ocupação das cidades é um dos principais indicadores de sustentabilidade, como aponta Silva (2011). Planejar e controlar a morfologia urbana é uma estratégia essencial para a obtenção de indicadores urbanos qualitativos e, a qualidade de vida hoje é um elemento vital para a economia urbana e à atração de investimentos frente a competição das cidades na economia regional e global. Espaços mais compactos, coesos, de alto senso comunitário e convívio, com disponibilidade de áreas públicas e seguros aos pedestres tendem a ser mais valorizados, e para identificá-los ou mesmo planejá-los, deve-se transformar as características da urbanidade desejada em dados quantitativos mensuráveis e comparáveis. Um critério recorrente à forma urbana e ao espaço edificado é a disponibilidade de usos em uma determinada área urbana: região, cidade, bairro, quadra ou mesmo edifício. Neste

200

quesito, optou-se por avaliar a disponibilidade percentual de usos mistos em um conjunto de quadras selecionados por amostras aleatórias no tecido do bairro. O Índice de Uso Misto (IUM), ou MXI (Mixed-Use Index) desenvolvido por Van den Hoek (2008), segue alguns princípios capazes de sintetizar as características urbanas em dados quantitativos e espaciais. Esse procedimento pode apresentar limitações, mas não invalida a sua aplicação e teste na busca de se quantificar atributos qualitativos do espaço, e em seguida, adequá-los para o desenho urbano e planejamento. Definir, caracterizar e identificar o que é o uso misto no espaço urbano, bem como estabelecer métodos de análise e instrumentalização para o planejamento são desafios impares aos urbanistas atuais. É possível ainda estabelecer paralelos entre o uso misto e outros índices urbanísticos, tais como Índice de Aproveitamento do Solo (Floor Space Index - FSI), Taxa de Ocupação (Ground Space Index - GSI) e Índice de Espaços Abertos (Open Space Ratio - OSR), o que torna a análise do uso misto mais coerente com relação à ocupação espacial em uma parcela, bairro ou setor urbano. Estes índices referem-se aos aspectos físicos de planejamento e projetos, como a área do sítio, o tamanho da projeção da área de piso dos edifícios, a pegada de edifícios, o tamanho do espaço público e da quantidade de andares (gabarito). Contudo, não podem ter um valor preditivo quanto à urbanidade (esta muito mais vinculada à qualidade e tipos de usos – mistos – dos edifícios e partes urbanas). Na figura 01 a seguir, a realização de ambientes de uso misto é representada como um processo cíclico, onde são identificados os aspectos substanciais de uso misto e circunscritos aos aspectos complementares onde eles pertencem: fatores, atores, programa, projeto e efeitos. A interação entre esses reinos cria o contexto em que o ambiente de uso misto origina, assim como seus benefícios e malefícios (Quadro 01).

Figura 01 Atores e Fatores para o desenvolvimento urbano do uso misto. Fonte: Autor (2016) adaptado de Van den Hoek (2008).

Quadro 01 A discussão acerca dos prós e contras do uso misto. ARGUMENTOS E OBSTÁCULOS CONCERNENTES AO DESENVOLVIMENTO DE USO MISTO

Favoráveis

Contrários

1 Ambientes funcionalmente diversos criam vivacidade e

1 Devido ao desempenho econômico e às diferentes abordagens

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acomodam convenientemente o espectro de atividades humanas diárias.

de desenvolvimento são necessárias para as áreas de trabalho e de habitação, resultando em uma separação geográfica.

2 Ao misturar habitação e trabalho, o trânsito humano é induzido a toda hora, resultando em ambientes mais controlados, eficientes e seguros.

2 É muito raro encontrar conhecimento desenvolvido sobre a interação de diferentes funções e programas, seja para uma pessoa ou dentro de uma entidade comercial ou corporativa.

3 A Presença de funções para habitantes, trabalho e lazer podem aumentar o potencial para as instalações destinadas aos consumidores e às perspectivas empresariais diversas.

3 Desenvolvedores-consumidores e os usuários finais primários sempre têm muito receio de que a presença de outras atividades podem fazer mal aos valores imobiliários de suas propriedades. Uso misto é visto como um risco.

4 Funções diferentes resultam em diferentes tipos de construção, resultando em uma maior diferenciação espacial, diversidade e riqueza formal.

4 Os formuladores de políticas têm medo de sugerir/apresentar o uso misto como um princípio porque é mais difícil de controlar e gerir o seu desenvolvimento.

5 O uso misto leva à otimização do uso da terra, utilizando-se de vias, espaços públicos e estacionamentos tanto para trabalho como para a vida durante o dia e à noite.

5 Remanescentes modernistas da cidade funcional levam ao predomínio da separação em processos de desenvolvimento.

6 O ‘mix’ de usos em ambientes de alta densidade reduz potencialmente os tráfegos pendulares, aumenta o potencial para o transporte público e, por este meio, contribui para a sustentabilidade.

6 Documentos de planeamento legal não podem lidar adequadamente com as categorias de uso misto. Uma descrição de instrumentação está em falta.

7 Ambientes de uso misto são mais sustentáveis, uma vez que podem mudar de forma incremental, transformando funções em edifícios individuais ao longo do tempo.

7 A perspectiva de uso misto está relacionada aos atores, ao fazer planos diferentes os distintos atores envolvidos estão falando coisas divergentes em diferentes escalas.

8 O desenvolvimento de uso misto oferece uma flexibilidade nas estratégias de desenvolvimento, porque a habitação e escritórios podem ser trocados (ou alternados) ao longo do tempo e conforme as exigências do mercado.

Fonte: Autor (2016) adaptado de Van den Hoek (2008).

O mapeamento do uso misto de determinada parcela ou área urbana carece de uma definição clara quanto o que é uso residencial e não residencial. Assim, desenvolveu-se o quadro 02 a seguir: Quadro 02 Funções urbanas misturáveis e não misturáveis.

TRÊS CLASSES DE ALGUMAS FUNÇÕES URBANAS PASSÍVEIS DE USOS MISTOS 1. Não Habitacionais

Produção de Energia

Não Misturável (Não-Mixável)

Gestão de Resíduos Produção Industrial e Fabril Porto Aeroporto Distribuição e Logística de Produtos Refinaria de Petróleo Etc 2. Não Habitacional

Escritórios

Misturável (Mixável)

Artes e Ofícios Varejo Restaurantes Bares Hotel

202

Lazer Segurança Saúde Comunicação e Mídia Religião Educação Esporte Lavanderia Comércio Mercado e Mercearia Frutaria e Carnes Etc. 3. Habitacional

Apartamentos

Misturável (Mixável)

Casas geminadas Casas isoladas Vilas Flats Quitinetes Etc.

Fonte: Fonte: Autor (2016) adaptado de Van den Hoek (2008).

A caracterização desses critérios de usos entre os critérios misturáveis às porções residenciais da cidade obedeceu a subdivisão de áreas por meio do IUM, definidos na Figura 02.

203

Figura 02 Exemplos das 12 situações construtivas a serem simplificadas nas análises do Índice de Uso Misto (IUM) desta pesquisa conforme adaptações metodológicas. De A a J, os índices são proporcionais à área construída, K e L são considerados situações-ótimas, por isso detém o mesmo IUM. A diferença entre o IUM e o MXI, é que o primeiro considera a escala vertical, e o segundo mensura apenas o nível térreo. Fonte: Autor (2016)

A partir desses exemplos, entende-se que o Índice de Uso Misto (IUM ou MXI, em inglês) variam de 0 a 100, do total da área a ser analisada. Desta maneira: IUM ou IMX = 100, portanto, 100% da área sendo apenas residencial; IUM ou IMX = 0, portanto, apenas uso não residencial; Considerando que o adequado é um IUM ou IMX=50 (que indica 50/50 residencial e não residencial).

Decerto um bairro que estabelece uso misto com funções complementares, em uma densidade populacional adequada e projetado para a escala do pedestre estabelece atmosfera compatível para maior ocorrência da urbanidade. Como procedimento de simplificação metodológica, o MXI desenvolvido por Van den Hoek (2008) utiliza a mensuração de construções habitacionais e não habitacionais no nível térreo, como forma de análise padronizada das parcelas urbanas, que possuem tamanhos e índices urbanos diversos, pois o cálculo se realiza ao nível do piso térreo (pedonal). O que esta pesquisa buscou realizar é a correlação da quantificação do uso misto com o índice de aproveitamento dos edifícios e uma aproximação mais real à área verticalizada do conjunto urbano selecionado. Essa adequação de método foi possível por meio de síntese dos tipo-

204

morfológicos mais recorrentes e seus respectivos usos tanto na projeção do edifício sobre o solo, quanto em altura, como exemplificado em 12 situações edificadas mais recorrentes. 3.2 Seleção das Amostras Para uma análise mais apurada sobre os processos de ocupação do solo urbano de João Pessoa, adotou-se o critério de seleção das áreas conforme as seguintes características: I.

Bairros e quadras em processo de ocupação intensa (verticalização e/ou dispersão) ou de esvaziamento (centro urbano mais antigo); Ênfase habitacional e, se possível, com uso misto; Regiões com desenvolvimento em três períodos: (R) colonial, (B) após os anos de 1970, e em especial, (C) na última década (2005 a 2015); Aplicação de análises quantitativas e qualitativas em amostras em dois recortes espaciais entre 1 a 10ha, e conjunto de 2 a 4 quadras.

II. III. IV.

A partir desses critérios destacados, separou-se as seguintes amostras nos respectivos bairros, destacados na Figura 03: 1. 2. 3. 4. 5. 6.

Altiplano (ocupação iniciada no final do séc. XX); Centro (ocupação a partir do séc. XVI); Cidade Verde (ocupação após séc. XXI); Manaíra (ocupação iniciada no final do séc. XX); Tambaú (ocupação iniciada no final do séc. XX); Portal do Sol (ocupação recente, menos de uma década);

205

4

5

2

1 6

3

Figura 03 Localização das amostras no contexto urbano de João Pessoa-PB, Brasil: Altiplano (1), Centro (2), Cidade Verde (3), Manaíra (4), Tambaú (5) e Portal do Sol (6). Fonte: Autor (2016)

3.3 Resultados das análises realizadas: índices espaciais e de uso misto verificados As 12 amostras foram mapeadas nos 6 bairros, com o intuito de projetar um cenário entre 2005 a 2015, período no qual João Pessoa, assim como as maiores cidades brasileiras, passaram por um intenso processo de dispersão e verticalização urbana, face à pujança da construção civil e mercado imobiliário nesse período. Nas figuras 04 e 05 estão apresentadas as imagens de satélite correspondente aos bairros em dois períodos, assim como as áreas específicas mapeadas, sendo posteriormente aplicadas o IUM e MXI (2005 e 2015).

206

Figura 04 As amostras urbanas (3 bairros) e a aplicação de índice de uso misto. Fonte: Autor (2016)

207

Figura 05 As amostras urbanas (3 bairros) e a aplicação de índice de uso misto. Fonte: Autor (2016)

A síntese dos dados relativos aos indicadores urbanos seguem nas tabelas 01 e 02. A partir destes se aplicou os indicadores (IUM e MXI) e visualização na Matriz Espacial. Tabela 01 Mapeamento Espacial em 12 amostras (2005 e 2015), na cidade de João Pessoa-PB.





IUM [M²]

ANO

BAIRRO

AR

ANR

GAB

ACT

AT

AA

TO

2005

Altiplano

9.431,04

0,00

2,0

9.431,04

25.230,54

30.030,36

4.715,52

2015

Altiplano

155.528,00

0,00

26,9

155.528,00

25.230,54

30.030,36

5.780,14

2005

Centro

2.548,07

31.659,00

1,7

34.207,07

22.973,84

33.117,93

20.285,07

2015

Centro

2.548,07

31.659,00

1,7

34.207,07

22.973,84

33.117,93

20.285,07

2005

Cidade Verde 2

3.870,38

0,00

1,0

3.870,38

14.721,48

18.884,45

3.870,38

2015

Cidade Verde 2

4.431,57

702,23

1,1

5.133,80

14.721,48

18.884,45

4.753,60

2005

Manaíra

19.323,60

7.743,20

2,7

27.066,80

19.291,06

27.707,16

10.033,40

2015

Manaíra

19.897,77

8.948,40

2,9

28.846,17

19.291,06

27.707,16

10.100,10

2005

Tambaú

92.208,04

2.065,00

5,8

94.273,04

39.553,49

50.478,15

16.348,26

2015

Tambaú

120.021,68

4.669,83

6,7

124.691,51

39.553,49

50.478,15

18.570,91

2005

Portal do Sol

0,00

0,00

0,0

0,00

0,00

58.927,80

0,00

2015

Portal do Sol

19.486,94

0,00

2,0

19.486,94

46.552,99

58.927,80

9.743,47



Nomenclatura: IUM (Índice de Uso Misto), AR (Área Residencial com pavimentos), ANR (Área não Residencial), GAB

208

(Gabarito Médio dos Edifícios – Nº de Pavimentos), ACT (Área Construída Total), AT (Área Total do Terreno Ocupável), AA (Área Total da Amostra com vias), TO (Taxa de Ocupação Edificada). Fonte: Autor (2016)

Tabela 02 Índice de Uso Misto (IUM) e Mixed-Use Index (MXI) em 12 amostras (2005 e 2015).



ANO BAIRRO

ÍNDICE DIMENSIONAL

USO MISTO

AR*

IEA

IA

TO %

IUM

MXI

2005

Altiplano

4.715,52

2,18

0,37

0,19

100

100

2015

Altiplano

5.780,14

0,13

6,16

0,23

100

100

2005

Centro

1.334,23

0,08

1,49

0,88

7

7

2015

Centro

1.334,23

0,08

1,49

0,88

7

7

2005

Cidade Verde 2

3.870,38

2,80

0,26

0,26

100

100

2015

Cidade Verde 2

4.051,37

1,94

0,35

0,32

86

85

2005

Manaíra

6.211,15

0,34

1,40

0,52

71

62

2015

Manaíra

5.697,68

0,32

1,50

0,52

69

56

2005

Tambaú

14.283,27

0,25

2,38

0,41

98

87

2015

Tambaú

13.901,10

0,17

3,15

0,47

96

75

Portal do Sol

0,00

0,00

0,00

0,00

0

0

Portal do Sol

9.743,47

1,89

0,42

0,21

100

100

2005 2015

AR* - Área Residencial do pavimento térreo. Os índices dimensionais (em azul), mais o GAB, foram utilizados na Matriz Espacial (Método Spacematrix). IEA (Índice de Espaços Abertos), IA (Índice de Aproveitamento) e TO (Taxa de Ocupação). Fonte: Autor (2016)

MXI

Uso residencial/não residencial do primeiro pavimento (Térreo)

IUM

Uso residencial/não residencial em toda área construída (ACT)

Fonte: Autor (2016).

Quanto aos índices de uso misto, os bairros mais próximos ao litoral praiano de João Pessoa receberam maiores notas e, portanto, melhores índices de uso misto, com destaque para o bairro Manaíra (IUM=69 e MXI=56 em 2015) com o melhor indicador, e com melhoria nos últimos 10 anos. A amostra do bairro Tambaú (IUM=96 e MXI=75 em 2015) é o segundo melhor neste indicador MXI (ou seja, no nível da rua há mais misto de usos), mas de ênfase residencial e maior verticalização (o dobro de IA, TO e GAB em relação a Manaíra), faz com que o IUM seja alto, perdendo a eficiência do uso misto na média construída total. Isso se dá, em partes, pela legislação que limita o potencial de verticalização na orla de João Pessoa a cada 100 m da costa litorânea (limite de até 4 pisos na orla). Essa limitação deixa de existir após 500m da linha do oceano, o que explica a grande verticalização na amostra de Tambaú que se localiza após essa faixa de proteção. Cabe controlar a disposição desses usos para que se mantenha o equilíbrio entre residencial e não residencial. O Centro (IUM=7 e MXI=7) histórico é um caso preocupante, em intenso processo de esvaziamento habitacional nas últimas décadas, obteve o menor IUM e MXI (com 7). Área de ênfase comercial, o que proporciona um trânsito de pessoas durante o dia, e um quase completo esvaziamento à noite. Essa dinâmica é impeditiva para a atração de novos usos, como o residencial, caso não haja um investimento ou planejamento específico. Em geral, os

209

centros históricos de cidades da Europa (como Amsterdam, Barcelona e Paris), apresentam os melhores indicadores de uso misto (próximos à 50/50). Altiplano (IUM=100 e MXI=100) e Portal do Sol (IUM=100 e MXI=100) são dois casos extremos de bairros periféricos, pois os dois são exemplos de condomínio de alta renda, que ocupam grandes áreas urbanas rodeadas por muros e sem comércios. Enquanto o Altiplano é extremamente verticalizado em um bairro que há 10 anos era de grandes residências térreas, o Portal do Sol é um condomínio de casas até 2 pisos, de baixa densidade populacional, e ausente de relação de urbanidade com o entorno. Obtiveram as piores notas de uso misto, limite máximo de 100% residencial. Por fim, o Cidade Verde (IUM=100 a 86, e MXI=100 a 85), que também é um bairro periférico (o mais distante do centro entre as amostras escolhidas), de baixa renda, e segue um modelo monofuncional dos programas de habitação popular brasileiro. Ausente de projeto de arquitetura, mas que obteve uma melhoria do IUM (100 para 86) e MXI (100 para 85) nos últimos 10 anos, em decorrência do aparecimento de comércios e outros usos em meio às residências. Na Figura 06 é possível verificar a evolução/estabilidade dos índices entre 2005 e 2015 para as amostras dos bairros analisados.

Figura 06 Diagrama de Uso Misto para os indicadores IUM e MXI nas 6 amostras de bairros. Fonte: Autor (2016).

3.4 Matriz Espacial Aprojeção da matriz espacial é uma importante ferramenta para visualizar os dados quantificados em relação a forma das parcelas urbanas analisadas. Apoiado no procedimento desenvolvido por Pont & Haupt (2009 e 2010), por meio do Spacematrix (Figura 07), no qual se correlaciona os aspectos referentes ao espaço urbano, a densidade e a forma, por meio deste procedimento, possibilita-se uma análise quanti-qualitativa, incorporando propriedades físicas na análise de aspectos de qualidade de usos e convívio no espaço. Por exemplo, pode-se a partir da matriz espacial, propor ajustes nos potenciais urbanísticos para que assim permita maior urbanidade espacial em bairros com poucas pessoas nas ruas.

210

Figura 07 Matriz Espacial dos 6 bairros analisados. Fonte: Autor (2016)

O gráfico demonstra que os bairros apresentam característica bastante díspares, inclusive quanto à projeção/estagnação de alguns índices urbanísticos nos últimos 10 anos. Assim, cabe fazer uma avaliação dos resultados por bairro: •

Bairro Altiplano (1) – Foi o bairro que mais sofreu alteração quanto ao índice de aproveitamento na última década, saindo de 0,37 para 6,16, isso resultou num impacto muito acentuado na paisagem urbana. Todavia, a taxa de ocupação variou muito pouco, em virtude do modelo de torres altas (de 24 até 38 pavimentos) locadas em meio a amplos espaços verdes e de lazer no térreo. Esse é um modelo de alta especulação imobiliária que deveria ser evitado, pois, dentre os inúmeros agravantes, condensa as pessoas de forma inadequada, e esvazia o uso das ruas locais e o senso de urbanidade. Alterações na legislação urbana no final de 2007 viabilizaram a alta verticalização, sem a necessária discussão com a sociedade.



Centro (2), Área Histórica – Foi selecionada a região do Varadouro, no Centro de origem colonial da cidade de João Pessoa que, não por acaso, é uma área com pouca habitação e em processo de degradação e desvalorização contínua. A alteração dos indicadores urbanos não se verificou, pois a especulação imobiliária é pouco atuante nas áreas mais antigas da cidade.



Cidade Verde (3) – É um bairro de ocupação recente, periférico, e de baixa renda. Assim, não há atuação do mercado imobiliário sobre as ocupações, mas uma reorganização espacial das casas conforme as novas necessidades (aumento de cômodos, incremento de comércio, surgimento de novos serviços, etc). Isso resultou na evolução da TO.



Manaíra (4) e Tambaú (5) – Em termos formais e espacias, foram os bairros que apresentaram os melhores indicadores. Sendo que Tambaú está passando por um processo mais acentuado de substituição de residêcnias térreas por edificações bastante verticalizadas (de até 23 pavimentos). Manaíra tende a seguir numa dinâmica até 4 ou 6 pavimentos nessa região, pois há uma legilação urbana específica e, como demonstrado, benéfica para o lugar.

211



Portal do Sol (6) – Área de ocupação recente, a única sem uso urbano antes de 2005 dentre as amostras, pois seu loteamento iniciou em 2009. Contudo, é uma ocupação de alta renda, habitacional, em condomínio fechado por muros. Em termos formais, como aponta na matriz, é bastente questionável, de urbanidade nula, e de baixa densidade populacional e edificada que se traduz na ocupação de extensas porções de terra urbana.

4. Discussões A correlação entre o uso misto e a forma construída é uma importante ferramenta no entendimento dos aspectos urbanos, pois são capazes de traduzir elementos relativos à vida e à qualidade urbana em critérios quantitativos mensuráveis e comparáveis. Nesse âmbito, julga-se que dentre as amostras dos 6 bairros escolhidos, os que apresentaram melhores indicadores de uso misto, coincidentemente, resultaram em melhores indicadores espaciais, como se pôde verificar em Manaíra e Tambaú. A continuidade das análises se faz necessária, para mais amostras em maiores áreas, para se verificar com maior precisão os processos urbanos e seus impactos no presente e futuro da cidade de João Pessoa. A correlação estabelecida também aponta modelos de urbanização indesejáveis, mas que todavia, estão em intenso processo de expansão e construção. A crítica urbana já aponta essa tendência preocupante, entretanto com poucos dados físicos no espaço. Assim, o que esta pesquisa busca realizar é uma atuação mais direta, com dados quantitativos, desses impactos urbanos sobre a qualidade de vida nos bairros. Esse procedimento deve ser adotado no embate pela tomada de decisões da gestão pública urbana, já que esta, pouco informada desses critérios espaciais, acaba por alterar as legislações vislumbrando facilitações para o mercado imobiliário e construção civil, sem o necessário controle de seus impactos e desempenhos espaciais e para a qualidade de vida. Quanto ao uso misto, algumas particularidades são recorrentes em João Pessoa, que se distinguem das cidades europeias por exemplo, tendo em vista que nestes países as áreas centrais e históricas tendem a ser de uso misto próximo a 50%, com forte presença de pessoas e de habitações. Em João Pessoa, a amostra do Centro Histórico foi a área de mais baixa presença habitacional. Para Van den Hoek (2008) é possível converter espaços monofuncionais de escritórios em locais de uso misto, face à preferência desse perfil de trabalhadores em habitar próximo aos locais de trabalho e em bairros com maior dinamismo urbano. Tomando como exemplo a cidade de Amsterdam, Países Baixos, o autor destaca que a proporção adequada para maior urbanidade é a relação de 50/50 de áreas habitacionais e não residenciais. É o que geralmente ocorre em centros urbanos tradicionais da Europa, como o de Amsterdam e em outro bom exemplo de urbanidade e uso misto como Barcelona.

5. Conclusões A almejada sustentabilidade perpassa pelo desenho das cidades, e para isso, repensar as formas de ocupação urbana por meio de indicadores e índices mais eficientes podem potencializar o uso da cidade de uma forma mais coerente, com menos poluição, menos transporte automotivo, menos consumo energético e de recursos, maior vitalidade e qualidade ambiental. A forma da cidade é, assim, um elemento primordial nesse processo de desenho de cidades mais sustentáveis, ao passo que ela pode determinar espaços mais densos, com qualidade e diversidade de usos, aproximando trabalho, lazer e habitação.

212

O arquiteto e urbanista deve participar do processo de planejamento urbano com ferramentas que o apoie no embate com políticos, investidores, economistas, sociólogos, enfim, capacitado a partir do seu ofício de “desenhar cidades”, porém amparados por dados e informações quanti-qualitativas. Essa pesquisa versa sobre esses dois pontos, a sustentabilidade urbana e as ferramentas de análise da performance urbana. As limitações da pesquisa foram minimizadas com as novas ferramentas computacionais de desenho (CAD/SIG), cálculo de áreas (Planilhas de Cálculo) e imagem que possibilitaram a medição da área urbana por meio de imagens de satélite e uso de street view (Google Map 2016). Entretanto, cabe aprofundar as análises e testar esses procedimentos em mais amostras e, talvez, num maior universo de quadras, o que demanda tempo e mais trabalho. Também é possível cruzar essas informações com a densidade populacional (real e projetada), custos, dentre outros critérios que possam determinar opções mais ou menos viáveis de desenho urbano. Trabalhos futuros poderão ampliar essa discussão. O artigo traz uma breve contribuição ao Estado da Arte, ao nível que testa métodos consolidados no urbanismo (como o Spacematrix), métodos menos conhecidos como o MXI (Mixed-Use Index), e apresenta uma alternativa própria de medição do uso misto, o IMU (Índice de Uso Misto), que considera a área construída total. Por conseguinte, essa combinação de procedimentos metodológicos experimentais se mostrou eficiente e passível de novas análises. Agradecimentos Agradeço ao apoio da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) do Brasil pelo apoio financeiro concedido à pesquisa “Sustentabilidade aplicada ao Projeto de Arquitetura e Urbanismo”, em andamento na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa (março de 2015 a agosto de 2016). Agradeço ao apoio da Prof. Drª. Tania B. Ramos95, desta mesma instituição, na tutoria desta pesquisa. Agradecimento à Universidade Federal da Paraíba e ao curso de Arquitetura e Urbanismo, instituição na qual sou docente, por autorizar o desenvolvimento desta pesquisa. Referências Acioly, C. e Davidson, F. (1998). Densidade Urbana: um instrumento de planejamento e gestão urbana, / tradução Claudio Acioly, Rio de Janeiro, Mauad. Alexander, Christopher. (1966). A city is not a tree. Design, London: Council of Industrial Design, n° 206, 1966. Alexander, Christopher; Ishikawa, Sara; Silverstein, Murray (2013). Uma linguagem de Padrões / A Pattern Language. Porto Alegre: Bookman, 2013. Bertaud, A. (2001). Metropolis: A Measure of the Spatial Organization of 7 Large Cities, In Alain Bertaud Web Page. Bertaud, A. (2011). The Spatial Structure of Cities: International Examples of the Interaction of Government, Topography and Markets, In Alain Bertaud Web Page. Bertaud, A.; Malpezzi, S. (2003). The Spatial Distribution of Population in 48 World Cities: Implications for Economies in Transition, In Alain Bertaud Web Page. Professora Doutora da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa– FA-ULisboa, Portugal. E-mail: [email protected]

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215

A Cidade em Dispersão: Impactos, Custos e Perspectivas

Geovany J. A. da Silva¹, 1

Pós-Doutorando pela Faculdade de Arquitetura, Universidade de Lisboa – FA-ULisboa,

Portugal. Docente da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Brasil, Programa de PósGraduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU-UFPB, Brasil) e Programa de PósGraduação em Engenharia Civil e Ambiental (PPGECAM-UFPB, Brasil). E-mail: [email protected] Resumo Neste artigo serão apresentadas algumas teorias sobre a gênese do denominado espalhamento urbano (urban sprawl ou sprawl city) em cidades norte-americanas e europeias, para, posteriormente, demonstrar alguns desmembramentos ou reproduções no Brasil (e no contexto latino-americano) deste fenômeno de construção do espaço urbano, finalizando com os principais questionamentos conceituais e contrapropostas urbanísticas. Deste modo, este trabalho busca situar a problemática e suas origens, recorrendo à literatura específica e consultando dados diversos à procura de elementos que contextualizem e demonstrem as especificidades do fenômeno urbano conforme as condicionantes em cada região, sua gênese e desmembramentos posteriores. Assim sendo, a análise dos processos de produção e reprodução do urbano, aqui efetuada, se apresenta de forma mais qualitativa do que quantitativa na maioria dos casos apresentados, pois as distinções e determinantes são extremamente singulares e específicas, não cabendo, nessa conjuntura, a comparação direta das especificidades entre o urbano europeu96, norte-americano ou latino-americano face às diversas relações econômicas, sociais, históricas, culturais, políticas e ambientais características para cada realidade e seu respectivo lócus. Foram analisados aspectos referentes a estudos de mobilidade urbana relacionados à eficiência, custos e impactos, mapeados, quantificados e mensurados. Todavia, estudos de casos desse âmbito, mesmo que em regiões mais ricas e ditas desenvolvidas, podem apontar caminhos (ou descaminhos) pelos quais as cidades brasileiras e latino-americanas tendem a passar, e a enfrentar problemas similares, tendo em vista que o processo de dispersão urbana, de baixa densidade (decrescente, em relação às áreas urbanas centrais), de ênfase automotiva, verificando a alocação de condomínios unifamiliares nas periferias urbanas, são aspectos recorrentes em diversas cidades da América Latina. No Brasil, como se sabe, este fenômeno de expansão urbana iniciado na segunda metade do século XX, agora se acentua com o aumento do poder aquisitivo da população em geral, ao acesso de programas habitacionais diversos e às linhas de crédito que, além da casa e bens de consumo, permitiram que as cidades recebessem uma quantidade exponencialmente maior, ano a ano, de automóveis. E é especialmente nestes apontamentos críticos que este artigo buscou se debruçar. Palavras-chave: Dispersão Urbana; Ciclo de Dependência Automotiva; Custo da Dispersão Urbana; Custos de Habitação e Transporte; Impactos das Cidades Dispersas.

Há, conforme estudos de morfologia e densidade urbana, recorrência de padrões ocupacionais menos densos em cidades anglo-saxônicas (norte-americanas, inglesas, sul africanas e oceânicas) do que em cidades eurolatinas (europa do sul) e latino-americanas.

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1. Introdução Neste artigo serão apresentadas algumas teorias sobre a gênese do denominado espalhamento urbano (urban sprawl ou sprawl city), para, posteriormente, demonstrar alguns desmembramentos ou reproduções no Brasil (e no contexto latino-americano) deste fenômeno de construção do espaço urbano, finalizando com os principais questionamentos conceituais e contrapropostas urbanísticas. Deste modo, este trabalho busca situar a problemática e suas origens, recorrendo à literatura específica e consultando dados diversos à procura de elementos que contextualizem e demonstrem as especificidades do fenômeno urbano conforme as condicionantes em cada região, sua gênese e desmembramentos posteriores. Assim sendo, a análise dos processos de produção e reprodução do urbano, aqui efetuada, se apresenta de forma mais qualitativa do que quantitativa na maioria dos casos apresentados, pois as distinções e determinantes são extremamente singulares e específicas, não cabendo, nessa conjuntura, a comparação direta das especificidades entre o urbano europeu97, norte-americano ou latino-americano face às diversas relações econômicas, sociais, históricas, culturais, políticas e ambientais características para cada realidade e seu respectivo lócus. Todavia, estudos de casos desse âmbito, mesmo que em regiões mais ricas e ditas desenvolvidas, podem apontar caminhos (ou descaminhos) pelos quais as cidades brasileiras tendem a passar, e a enfrentar problemas similares, tendo em vista que o processo de dispersão urbana, de baixa densidade (decrescente, em relação às áreas urbanas centrais), de ênfase automotiva, verificando a alocação de condomínios unifamiliares nas periferias urbanas, são aspectos recorrentes em diversas cidades da América Latina. No Brasil, como se sabe, este fenômeno de expansão urbana iniciado na segunda metade do século XX, agora se acentua com o aumento do poder aquisitivo da população em geral, ao acesso de programas habitacionais diversos e às linhas de crédito que, além da casa e bens de consumo, permitiram que as cidades recebessem uma quantidade exponencialmente maior, ano a ano, de automóveis. E é especialmente nestes apontamentos críticos que os capítulos a seguir buscaram se debruçar. 2. Métodos Este trabalho investiga, por meio de uma abordagem exploratória dedutiva e de referencial, as pesquisas realizadas em cidades norte-americanas sobre a dispersão urbana, e a seguir, os desmembramentos da urbanização recente nas cidades brasileiras. O processo, portanto, decorre da análise teórica e técnica, síntese dos fenômenos e processos, e as resultantes urbanísticas. Para tanto, realizou-se os seguintes procedimentos: 1. Levantamento de Referencial teórico sobre o tema; 2. Análise de mapeamentos e imagens de satélite, com quantificação espacial da dispersão urbana e densidade; 3. Compilação de dados e cruzamento com as discussões teóricas; 4. Análise, Síntese e Crítica – apontamentos futuros e tendencial para o quadro urbano brasileiro.

Há, conforme estudos de morfologia e densidade urbana, recorrência de padrões ocupacionais menos densos em cidades anglo-saxônicas (norte-americanas, inglesas, sul africanas e oceânicas) do que em cidades eurolatinas (europa do sul) e latino-americanas.

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3. Resultados 3.1 Análise sobre o fenômeno do espalhamento urbano (urban sprawl / sprawl city): a difusão do modelo de espalhamento urbano e seus impactos (...) Da mesma forma que o elevador tornou possível a existência do arranha-céu, o automóvel possibilitou que os cidadãos vivessem longe dos centros urbanos. Ele viabilizou a compartimentação das atividades cotidianas, segregando escritórios, lojas e casas. E quanto maiores as cidades, mais antieconômico era expandir o sistema de transporte público, e mais dependentes de seus carros ficavam os cidadãos. (Rogers, 2005: 35) A expansão urbana – dada em modelo de espalhamento ou em dispersão urbana – (Urban Sprawl), é um fenômeno de origem pós-industrial e se relaciona diretamente com os aspectos culturais da era contemporânea. Constituiu-se num modelo urbano que tem evoluído ao longo da história do urbanismo dos últimos três séculos, decorrente da necessidade de se ordenar o território das cidades em expansão, principalmente, após a Revolução Industrial do século XVIII. Contudo, este fenômeno tem desmembramentos regionais distintos, conforme a interpretação dos conceitos, novas formulações teóricas agregadas ao projeto urbano e às necessidades emergentes. Se nos EUA e Europa tal fenômeno inicia nessa época e se consolida na primeira metade do século XX, com a apropriação do conceito modernista de circulação como prioridade na ordenação das cidades e constituição viária, nas cidades latino-americanas ou em países em desenvolvimento, este fenômeno obedece a condicionantes específicas e partidárias de outro tempo e de outra socioeconomia, reverberando em formas distintas conforme as origens da corrente e nível de industrialização e urbanização de cada região e país, mas em especial, decorrente do embate entre o público e o privado sobre esse processo urbano. Todavia, nas duas vertentes de cidade dispersa, a do mundo desenvolvido e a do mundo em desenvolvimento, constituem espaços fragmentados na cidade, tanto em seu caráter morfológico, quanto nas questões socioeconômicas e ambientais (Figura 1).

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Figura 1 Projeção da população urbana mundial (por continente) em três períodos: 1950, 2007 e 2030. Elaboração: Geovany Silva (2015) / Fonte: Dados da United Nations: World Urbanization Prospects (2006).

Se nos países desenvolvidos – principalmente nos EUA e Canadá, na América do Norte, e Inglaterra, na Europa Ocidental – assiste-se a uma ocupação dos subúrbios pela classe social de maior poder aquisitivo, em busca da união entre campo e cidade, idealizada por Ebenezer Howard em sua cidade-jardim; nos países em desenvolvimento como o Brasil, México, Colômbia, Argentina, Índia, China, entre outros, há, de modo geral, uma apropriação do subúrbio pelas classes menos favorecidas da sociedade, resultando na constituição de grandes ocupações em áreas irregulares. Algumas vezes, nestes países, o subúrbio é disputado por ricos e pobres em seu processo de ocupação, em outros casos, há uma completa dissociação espacial entre o subúrbio dos ricos e dos pobres. Nos EUA, já no início do século XXI, metade da população morava em subúrbios, constituindo, assim, a grande nação suburbana, cujas características são a de uso da terra por meio da baixa densidade, a forte dependência do automóvel para circulação – e consequente ênfase a um complexo e extenso sistema viário automotivo –, a segregação de usos da terra e perda de oportunidades econômicas por alguns grupos, especialmente no interior das cidades (antigos centros urbanos), de distribuição espacial difusa, generalizada e residencial-familiar (Figuras 2 e 3).

Figura 2 Espalhamento da cidade de Atlanta (fundada em 1840) e demais regiões incluindo Cobb, Douglas, Fulton, Gwinnett, DeKalb, Clayton e Rockdale. À esquerda, em 1973, com 1,4 milhões de habitantes em 201 mil acres e, à direita, em 1992, com 2,3 milhões em 375 mil acres de terra urbana. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Auch, Taylor & Acevedo (2004: 10-11).

Para Frumkin (2001), em seu trabalho intitulado de “Urban Sprawl and Public Health”, há uma relação direta entre a saúde pública e a expansão urbana. Esta tem como característica o rápido espalhamento geográfico das áreas metropolitanas, estabelecendo padrões morfológicos construtivos de baixa densidade, segregação de usos e ocupação do solo distintos, forte dependência de viagens de automóvel e consequente construção extensiva de autopistas, construção de bairros e arquiteturas indutoras de homogeneidade

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socioeconômica, transferência de investimento de capital e oportunidade econômica do centro da cidade para a periferia, além de uma relativa fragilidade de planejamento urbano regional, face ao sistema oneroso, fragmentado e desarticulado. Cabe ainda destacar que os custos econômicos, ambientais e sociais da expansão têm sido amplamente debatidos, mas as implicações à saúde têm recebido menos atenção. Os impactos diretos da dependência de automóvel, para o autor, se situam entre: a poluição do ar, acidentes automobilísticos, lesões e mortes de pedestres. Os efeitos que se relacionam com os padrões de uso da terra e que tipificam a expansão são: a diminuição da atividade física, as ameaças à quantidade e qualidade da água e o aumento e/ou intensificação do fenômeno urbano de ilha de calor. Há, ainda, os efeitos de saúde mental e social que são mediados pelas dimensões sociais da expansão e/ou espalhamento urbano.

Figura 3 Espalhamento urbano de Boston (fundado em 1630) e demais regiões, incluindo os condados de Essex, Suffolk, Norfolk, Middlesex e Worcester. À esquerda, em 1973, com 4 milhões de habitantes em 330 mil acres e, à direita, em 1992, com 4,06 milhões em 489 mil acres de terra urbana. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Auch, Taylor & Acevedo (2004: 12-13).

Em 1814, quando o serviço ferroviário a vapor começou a funcionar em Nova York, entre Manhattan, o centro urbano, e Brooklyn, a área suburbana, tornou-se possível uma locomoção espacial mais eficiente entre centro e periferia da cidade. Assim, os subúrbios continuaram a se desenvolver lentamente, contudo, de forma constante durante os séculos XIX e início do XX, graças ao avanço dos transportes, como trens e bondes, bem como às inovações dos primeiros promotores imobiliários e à vontade da população em viver na denominada “pastoral tranquility” (Frumkin, 2001: 03), ao invés da miséria e intenso impacto ambiental dos centros urbanos. Este cenário se repetiu nas grandes cidades norteamericanas durante o período citado. Todavia, é com o advento do automóvel de maneira mais acessível à população, que o processo de suburbanização se acentua excessivamente durante a segunda metade do século XX, resultando em um cenário atual em que a cada dois norte-americanos, um vive em subúrbio (Figura 4).

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Nos últimos anos a rápida expansão das áreas metropolitanas tem sido identificada como “urban sprawl” (termo referente à expansão ou ao espalhamento urbano), que se traduz num complexo padrão de uso e ocupação do solo, conectado por um intrincado sistema de transporte correspondido pelo desenvolvimento socioeconômico vivenciado, especialmente, na segunda metade do século XX. Enquanto as cidades se estendem até as zonas rurais, grandes extensões de terra se reproduzem na área urbana em baixa densidade, configurando um modelo de parcelamento urbano disperso e de alto custo de implementação e manutenção. Usos distintos são agrupados como forma de funcionalizar a dispersão urbana, estabelecendo conjuntos rígidos, monofuncionais, de habitações, lojas, escritórios, hospitais, escolas, indústrias, parques de lazer e espaços públicos (parques, praças e equipamentos urbanos), mantidos separados uns dos outros e regulamentados pelo planejamento urbano e leis de zoneamento. Frumkin (2001: 03) destaca que “Extensive roads need to be constructed, and most trips, even to buy a newspaper or a quart of milk, require driving a car.” (Figura 5).

Figura 4 Região de Toronto, província de Ontario, Canadá, nas imediações da Avenida Kipling. Os bairros da região apresentam subdivisão (ou parcelamento) muito similares entre si, e foram constituídos por volta da segunda metade do século XX (a imagem é de 1960). A figura exemplifica o padrão de crescimento típico da última metade do século XX, dependente do automóvel e de gasolina barata, para a época. Fonte: Keith Schneider (2005) / Disponível em: . Acesso em: 03/08/2010.

Nesse modelo de cidade dispersa, o deslocamento pendular98 passa a ser um ponto-chave para a manutenção do sistema urbano. Assim, são construídas extensivas estradas para possibilitar as viagens constantes e diárias a ser realizada pelos habitantes urbanos, estabelecendo uma grande dependência em relação ao automóvel. Nos conjuntos habitacionais suburbanos há um agrupamento homogêneo em aspectos arquitetônicos, étnicos ou socioeconômicos, estabelecendo-se espaços humanos similares entre si, conforme o nível de renda ou modo de vida e, de certa forma, monótonos. Se comparados com cidades Os deslocamentos pendulares são caracterizados como um tipo de mobilidade populacional intraurbana, sendo mais intensos em áreas de maior concentração da população. Tornaram-se um importante aspecto a ser considerado na dinâmica urbana metropolitana nas últimas décadas. Também constituem uma dimensão da organização e da alocação das atividades econômicas, pois são mediados pela confluência dos processos de transformação do espaço urbano, e derivados, em grande parte, da sua forma de expansão e de ocupação pela população, além da relação com a distribuição das funções urbanas. (ÂNTICO, 2005)

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menores ou às cidades tradicionais seculares, ficam explicitas as distinções espaciais e morfológicas das cidades dispersas, que induzem, inclusive, a modelos comportamentais e de vida distintos aos da cidade compacta, esta de maior diversidade, coesão social e humana. Ainda há na dispersão urbana um deslocamento dos investimentos de capital e oportunidades econômicas entre o centro e a periferia, e o planejamento urbano e sua coordenação são relativamente frágeis no controle das disparidades espaciais em face da força especulativa e imobiliária sobre o território. A dispersão urbana induz à formação de uma rede de circulação entre regiões e cidades próximas, fazendo com que seus habitantes busquem alternativas de moradias mais baratas ou de maior qualidade, muitas vezes, em cidades vizinhas, induzindo a uma dependência ainda maior do transporte entre trabalho, casa, lazer, serviços.

Figura 5 O Ciclo de Dependência Automotiva nos sistemas urbanos, caracteriza que a dinâmica urbana está focada na circulação, armazenamento e aquisição de automóveis, e estes induzem o planejamento e uso do solo em virtude de suas características de transporte. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Litman (2002) e Colby (2006).

Nos EUA, a mudança para os subúrbios se traduziu numa preferência de estilo de vida, contudo, essa transformação demográfica, comportamental e espacial refletiu drasticamente no meio ambiente e na saúde do norte-americano. A forte dependência do automóvel é um dos fatores mais impactantes, traduzidos pelo aumento da poluição do ar, acidentes automobilísticos, lesões e mortes de pedestres. Outros fatores decorrem dos padrões de uso da terra que tipificam a expansão: a diminuição da atividade física, as ameaças à quantidade de água e o aumento significativo da ilha de calor urbano. Por fim, alguns efeitos de saúde

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pública – mental e de capital social – são decorrentes das dimensões sociais de expansão urbana. A saúde ambiental individual é bastante conhecida nos modelos de dispersão e dependência de automóvel, porém, a avaliação dos impactos dentro de um aspecto mais amplo do fenômeno de expansão, incluindo o uso da terra, transporte, projeto e planejamento urbano e regional, tem sido a “propriedade intelectual” de engenheiros e urbanistas, mas a saúde pública, dentro desse campo de análise, não apresentou políticas de orientação e ordenação dos efeitos, ou quadros científico-intelectual que atestassem seus impactos. Este é o legado dos séculos XIX e XX, quando a saúde pública se sobrepõe ao urbano e ao planejamento, determinando quadros socioeconômicos e humanos característicos, contudo, a dispersão urbana sempre se associa a dois fenômenos: o crescimento populacional e a urbanização generalizada (Frumkin, 2001: 04). Os estudos atuais apontam para uma relação da expansão urbana entre o desenvolvimento de um modelo de ocupação de baixa densidade e a dependência automotiva. Por exemplo, na área metropolitana de Atlanta, uma das exemplificações extremas de cidades dispersas no mundo, há uma média de 35,1 milhas per capita de circulação diária, porém, em cidades mais densas há uma diminuição considerável no índice de circulação per capita diária, como nos casos de: Filadélfia, com 16,7 milhas per capita; Chicago, com 19,7 milhas per capita; e São Francisco com 21,1 milhas per capita. Por outro lado, os veículos motorizados são uma das principais fontes de poluição do ar em áreas urbanas, mesmo com as mudanças tecnológicas dos sistemas de emissão e catalisadores em caminhões e automóveis, o grande aumento da quantidade de veículos, de potência e desempenho, e quantidade de milhas percorridas diariamente, per capita, tem resultado no aumento considerável da emissão de gases como o monóxido de carbono, dióxido de carbono, óxido de nitrogênio, partículas em suspensão e hidrocarbonetos na atmosfera. O óxido de nitrogênio e hidrocarboneto, na presença de luz solar, reagem e formam o ozônio, outro importante gás componente do efeito estufa. Segundo Frumkin (2001: 06), nos EUA, as fontes automotivas (caminhões e carros) são responsáveis por cerca de 30% das emissões de óxido de nitrogênio e 30% de hidrocarbonetos, sendo que na década de 1990 aumentou em 18% a emissão total de gases causadores do efeito estufa. Todavia, esses percentuais podem aumentar para áreas urbanas mais dependentes do automóvel, a exemplo de Atlanta, cujo percentual de emissão de óxido de nitrogênio está em torno de 58% e de 47% para hidrocarbonetos, face à grande circulação de caminhões e automóveis, porém, deve-se considerar que há uma cadeia logística de armazenamento e distribuição de combustível que não é considerada nos estudos realizados, notabilizando um impacto ambiental muito maior em todo o sistema urbano. Os efeitos dos gases emitidos por veículos motorizados são bastante conhecidos, sendo o ozônio um gás de alta irritabilidade das vias respiratórias, assim como as demais partículas em suspensão. O dióxido de carbono, por sua vez, como produto final resultante da queima de combustíveis fósseis como a gasolina e diesel, é o principal gás causador do efeito estufa, respondendo por cerca de 80% do Potencial de Aquecimento Global (Global Warming Potential - GWP). Os veículos a motor também emitem grandes quantidades de gases como o metano, óxido de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis. Nesse sentido, entende-se que há uma relação direta entre a expansão urbana e a saúde respiratória, pois o espalhamento ou dispersão do tecido urbano está associado aos altos níveis/necessidades de deslocamento pendular e mobilidade espacial com o aumento das distâncias entre o trabalho, o lazer e a residência. Muito embora ainda esteja em curso a pesquisa sobre a fisiopatologia da exposição à poluição atmosférica e problemas correlatos, há ainda estudos acerca de métodos preventivos que possam induzir a uma melhora na qualidade de vida urbana. No campo técnico, as pesquisas avançam na produção de veículos com baixos índices de

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emissão – a exemplo do automóvel movido à eletricidade ou de sistema híbrido –, uso de biocombustíveis e tecnologias limpas na indústria automotiva e em toda cadeia produtiva que envolve a circulação e transporte. Contudo, no campo do urbanismo (em especial, do desenho urbano) as pesquisas devem apontar melhores modelos de uso e ocupação do solo e de planejamento e projeto urbano dentro da noção de sustentabilidade urbana, densificação e aumento da coesão social por meio da forma construída, minimizando a dependência dos automóveis, estabelecendo menores distâncias de deslocamento pendular e não apenas mudando a matriz energética do sistema. Por outro lado, a pesquisa comportamental deve induzir aos meios de conscientização e promoção de educação ambiental coletiva, para que haja uma postura social coesa no sentido de buscar o consumo consciente, equilibrado e menos dependente do automóvel. Atualmente, cerca de 40 mil mortes são provocadas por acidentes envolvendo o trânsito nos EUA, e este número regrediu lentamente, quando nas últimas quatro décadas se repetia a quantidade de 50 mil vidas em média perdidas, ano a ano. Acidentes de automóvel é a principal causa de mortalidade entre a faixa de 1 a 24 anos de vida, responsáveis também por 3,4 milhões de feridos não-fatais, totalizando ao sistema de saúde cerca de US$ 200 bi anuais. Ações como legislação e fiscalização severas, melhorias no sistema e tecnologias de segurança dos automóveis, bem como de melhores infraestruturas viárias e sinalização contabilizaram as recentes reduções na mortalidade, contudo, ainda muito elevada. Há uma complexa relação entre a expansão urbana e os acidentes com veículos pois, aplicando de forma simplista o fato de que mais condução significa maior exposição aos perigos da estrada, tem-se uma maior probabilidade de acidentes envolvendo veículos motorizados: “The relationship between sprawl and motor vehicle crashes is complex. At the simplest level, more driving means greater exposure to the dangers of the road, translating to a higher probability of a motor vehicle crash.” (Frumkin, 2001: 08). As estradas suburbanas estabelecem uma combinação perigosa para os motoristas e pedestres, pois associam alta velocidade, volume de tráfego elevado, frequentes pontos de desaceleração e frenagem e, principalmente em áreas comerciais ou acessos de vias comerciais, há uma mescla de saídas e entradas de veículos pesados e leves, configurando pontos conflitantes de trânsito. Frequentemente, no modelo urbano disperso, há equipamentos urbanos como escolas, hospitais ou ainda bairros inteiros intersecionados por vias principais de alta velocidade, exigindo redutores de velocidade, semáforos, rotatórias e faixas de pedestre bem sinalizadas, o que determina um quadro conflituoso entre o caminhar e o deslocamento pendular motorizado por rodovias e estradas suburbanas. Nos EUA, os dados fornecidos pela National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA, 2000) não analisam separadamente as rodovias urbanas e suburbanas conforme a sua hierarquia, mas totalizam os acidentes fatais em duas categorias: as rodovias urbanas (com cerca de 60% das mortes) e as rurais (com aproximadamente 40%). Porém, os estudos da NHTSA permitem comparar a relação entre o índice de mortalidade automotiva por cidade, e pôde-se avaliar que em cidades mais densas e compactas, geralmente com uso extensivo de transporte público, têm menores taxas de mortalidade por acidente automotivo para motoristas e passageiros (excluem-se neste estudo os pedestres). Assim, conforme a NHTSA (2000), há um índice de mortalidade para as seguintes cidades norte-americanas (para cada 100 mil habitantes): 2,65 em Nova York; 6,98 para Filadélfia; 5,57 para Chicago; 2,54 para São Francisco; e 4,17 para Portland. Se comparadas com as cidades de maiores taxas como: Houston com 9,97; Phoenix com 12,55; Dallas com 11,53; Tampa com 10,65; e Atlanta com 11,21; todas de maior dispersão urbana espacial. Contudo, há exceções como Los Angeles com 4,85 e Detroit com 10,88 (Ver Tabela 01).

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Tabela 1 Comparação entre a mortalidade de motoristas/passageiros e de pedestres, conforme as densidades urbanas de algumas cidades norte-americanas. CIDADES NORTE AMERICANAS

MORTALIDADE DE MOTORISTA/ PASSAGEIRO

MORTALIDADE DE PEDESTRE

ÁREA

POPULAÇÃO

(em km²)

(Nº de habit. / em 2008)

(a cada 100.000 hab.)

DENSIDADE URBANA (hab./km²)

(a cada 100.000 hab.)

Nova York

2,65

2,21

1.214,4

8.391.881

6.910

Chicago

5,57

2,25

606,2

2.853.114

4.707

Filadélfia

6,98

2,40

369,4

1.463.281

3.961

Los Angeles

4,85

2,64

1.290,6

3.831.868

2.969

Detroit

10,88*

5,18*

370, 2

916.952

2.477

Atlanta

11,21

5,72

343,0

537.958

1.568

Portland

4,17

2,98

376,5

556.370

1.478

Houston

9,97

2,54*

1.558,0

2.257.926

1.449

São Francisco

2,54

3,49

600,7

808.976

1.347

Dallas

11,53

3,99

997,1

1.298.816

1.303

Phoenix

12,55

4,21

1.230,5

1.512.986

1.230

Tampa

10,65

5,72

441,9

326.519

739

* Exceções nos casos estudados. Fonte: Geovany J. A. Silva (2010)/ Dados: Frumkin (2001) e NHTSA (2000).

As políticas urbanas podem se associar às leis de trânsito, com o intuito de salvaguardar vidas humanas, como a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança que reduz drasticamente o índice de vítimas fatais em acidentes, contudo, o fator de risco negligenciado é a diminuição do simples fato de dirigir, ou da necessidade de deslocamento como redução da exposição ao problema. A diminuição da necessidade de dirigir e dos quilômetros percorridos por pessoa condiciona, geralmente, à diminuição de mortes em acidentes nas vias urbanas (Frumkin, 2001). Nos Estados Unidos, os automóveis causam cerca de 6 mil mortes e 110 mil feridos entre pedestres, anualmente, sendo que estes representam uma em cada oito mortes fatais no trânsito. Um caso típico é o de Atlanta, que passou por um processo de dispersão urbana nas últimas décadas e, proporcionalmente, houve um aumento de mortes de pedestres de forma contínua e acima do índice de crescimento da população, não acompanhando a ligeira diminuição das taxas nacionais. O modelo de dispersão urbana exigiu de Atlanta a construção de um sistema viário complexo para atender a demanda por deslocamento, configurado por pistas múltiplas de alta velocidade, sem calçadas, com longas distâncias entre os cruzamentos ou travessias e num tecido urbano repleto de estabelecimentos comerciais e apartamentos. Assim sendo, pode-se observar na Tabela 1 que há uma repetição no padrão de mortes a cada 100 mil habitantes tanto para pedestres, quanto para motoristas e passageiros. Entende-se que muitos são os fatores que determinam a elevação do número de mortes no trânsito, incluindo a combinação entre a direção e o uso de bebidas alcoólicas sem a necessária fiscalização e punição rigorosa, a iluminação e sinalização adequadas, o comportamento de motoristas e pedestres face à educação e postura no trânsito, como

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também a alta velocidade, a pouca ênfase ao transporte público ou a hostilidade aos pedestres e ciclistas no desenho da cidade dispersa em favorecimento de autopistas para o automóvel. Todavia, além do ganho na saúde da população pelo simples fato de poder optar entre a bicicleta ou caminhada em detrimento do automóvel para se deslocar na cidade, é essencial o estabelecimento de infraestrutura compatível e qualitativa, com calçadas e ciclovias seguras, arborizadas, sinalizadas, enfim, atrativas. Nesse intuito, as políticas públicas exercem o principal papel de agente urbano legal, determinando o zoneamento e uso e ocupação do solo, bem como financiando e incentivando a adoção de modelos e sistemas urbanos alternativos de circulação, diminuindo as distâncias e a dispersão urbana. 3.2 Análise de Impactos da Dispersão Urbana no Ambiente O uso e ocupação do solo e os padrões de deslocamento estão associados entre si, pois se distintos usos de terra estiverem separados entre grandes distâncias, e havendo maior acessibilidade e facilidade de deslocamento entre as rodovias do que pelas calçadas e ciclovias, certamente as pessoas deixarão de optar pelo caminhar ou pela bicicleta em favor do automóvel. Esse aumento dos percursos implica, ainda, no encarecimento do transporte público, devido ao aumento das distâncias e diminuição do volume de usuários a serem atendidos numa linha de ônibus, por exemplo, já que os “destinos” estão dispersos no território e não concentrados em lugares comuns como numa cidade compacta tradicional. Quanto aos deslocamentos, na Holanda, 30% das viagens são feitas em bicicletas, 18% a pé, já na Inglaterra é 8% e 12%, respectivamente (Pucher, 1997). Todavia, nos Estados Unidos, 1% das viagens é feita em bicicletas e 9% a pé. Vale ressalta que aproximadamente 25% de todas as viagens nos EUA percorrem menos de 1,6 Km, mas destas, cerca de 75% são feitas por carros particulares (Koplan, 1999). Esses exemplos apontam que é possível optar por um meio de transporte alternativo ao automotivo, desde que essa opção seja amparada numa política e desenho urbano consciente das necessidades e benefícios para a qualidade da vida urbana. Além desses fatores, o desenho urbano pode condicionar à atividade física e à coesão social a partir da diversidade, sobreposição de usos e funções e compacidade dos espaços, podendo-se estabelecer a relação entre a saúde da população, atividades físicas e modelos de desenho urbano. O espalhamento urbano exerce, também, grande impacto ambiental em vários aspectos, desde a produção e reprodução urbana até a manutenção de todo o sistema ao longo do tempo. Assim, extensas áreas verdes dão espaço às superfícies impermeáveis, gerando impactos nos biomas, fauna e flora regional. Quanto aos recursos ambientais, a poluição advinda da larga emissão de gases – seja na produção industrial, de energia ou circulação automotiva –, produção de resíduos sólidos e líquidos, que crescem ano a ano, constitui um panorama crônico na produção de cidades contemporâneas. Além desses fatores críticos, há, ainda, o impacto da impermeabilização do solo na drenagem urbana, manutenção dos aquíferos subterrâneos ou mesmo no aparecimento de áreas inundáveis em períodos de maior precipitação, determinando problemas de difícil solução quando se relaciona impermeabilização crescente do solo em áreas inadequadas e sistemas de escoamento e drenagem insuficientes. Nas cidades americanas, estudos demonstram que, em média, cerca de 4% da precipitação em pastagens subdesenvolvidas são perdidas por escoamento superficial, enquanto que na área suburbana esse percentual cresce para 15% (Stephenson, 1994). Assim, com menos recarga dos aquíferos subterrâneos, as comunidades dependentes desse recurso poderão sofrer escassez no futuro. Nos Estados Unidos, aproximadamente metade das comunidades dependem de águas subterrâneas para seu abastecimento. No Brasil, segundo o IBGE/SIDRA (2000), 15,58% dos domicílios são abastecidos por poços ou nascentes (com sistema público ou privado), totalizando em mais de 7 mil domicílios e atendendo a quase 30 milhões de pessoas. Por volta de 76% da população brasileira é atendida por rede geral de abastecimento. 226

Nas cidades brasileiras, assistiu-se durante a segunda metade do século XX a impermeabilização de extensas áreas, canalização de rios e córregos, sem estudos técnicos ou mesmo respeito aos ciclos hidrológicos anuais, em correspondência a necessidade de se ocupar ao máximo as áreas urbanas. Os impactos são perceptíveis em muitas cidades, mas principalmente nos grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Fortaleza e Belo Horizonte, cidades estas que ultrapassam a casa dos 2 milhões de habitantes e que conjuntamente somam uma população de quase 28 milhões de pessoas (CNM e IBGE, 2010). Deve-se considerar que o adensamento populacional e construtivo em meio urbano, além de influenciar na elevação por demanda de água, também influência em sua qualidade, haja vista a elevação, entre outros, do número de fontes poluentes advindas dos usos urbanos. Evidências de pesquisas sugerem que o espalhamento urbano contribui para a ocorrência desses problemas de maneira específica. Dentro da noção de poluição da água, sua qualidade pode ser afetada de diversas formas. Para Frumkin (2001: 14-15) existem as fontes pontuais (point sources) de poluição da água como fábricas, usinas de tratamento de esgotos e instalações similares, mais fáceis de serem controladas; e as fontes não-pontuais (non-point source) de poluição da água, estas que surgem como a principal ameaça à qualidade dos recursos hídricos e são de difícil controle. As fontes não-pontuais agem quando a chuva ou a neve derretida se move sobre a superfície impermeabilizada, carreando contaminantes e depositando-os em reservatórios naturais superficiais (lagos, rios, pântanos, águas costeiras, mar e oceanos), como também nas águas subterrâneas. Uma grande parcela da contaminação de fontes não-pontuais se dá no campo, em terras agrícolas, devido ao uso de fertilizantes, herbicidas e inseticidas. Contudo, uma crescente fonte de poluição “não-pontual” nas cidades provém de óleos, graxas, químicos tóxicos provenientes das vias, estacionamentos ou outras superfícies similares, e sedimentos provenientes de canteiros de obra inadequados, ou em áreas desmatadas que sofrem erosão para córregos e rios. Estudos do movimento dos hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (Van Metre, Mahler & Furlong, 2000), zinco (Callender & Rice, 2000) e resíduos orgânicos (Dierberg, 1991) sugerem que o desenvolvimento suburbano está associado com a carga elevada desses contaminantes nas águas superficiais em sua proximidade. Outro efeito inerente ao processo de urbanização é a denominada formação de “ilha de calor” (The “heat island” effect). Para Romero (2000: 20), existem vários fatores que podem influenciar na formação de ilha de calor urbana, pois as condicionantes climáticas são determinadas por fatores climáticos globais (radiação solar, latitude, altitude, ventos, massas de água e terra) e fatores climáticos locais (topografia, vegetação, superfície do solo). Entendem-se como elementos climáticos: a temperatura, a umidade do ar, as precipitações e o movimento do ar. Segundo Detwyler (1974) apud Romero (2000: 36), existem três alterações principais ocasionadas pela urbanização:

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1. Mudança da superfície física da terra, decorrente da densa construção e pavimentação, proporcionando a impermeabilização do solo, aumentando a capacidade térmica e a rugosidade e, conseguintemente, alterando a movimentação do ar; 2. Aumento da capacidade armazenadora de calor com a diminuição do albedo;

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Ilha de Calor é uma anomalia térmica que resulta no aumento da temperatura do ar urbano em relação às outras áreas vizinhas, configurando um bolsão térmico na cidade. A substituição dos materiais naturais pelos espaços edificados, circulação de veículos automotores e circulação intensa provocam mudanças nas características da atmosfera local. Por isso podemos observar o aumento de temperatura nos grandes centros, fenômeno chamado de ilha de calor. Os efeitos da ilha de calor são bons exemplos das modificações causadas pelo homem na atmosfera urbana. Podemos observar que a ilha de calor costuma atingir maiores temperaturas quando o céu está limpo e claro e o vento calmo (CPTEC/INPE, 2007).

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3. Emissão de contaminantes que aumentam o ciclo de precipitações e modificam a transparência da atmosfera. Romero (2000: 36) destaca que esses três fatores associados ao fluxo material de energia, produzem um balanço térmico especial nos centros urbanos, que é visível em muitas cidades: o domo urbano. Por sua vez, esse domo possui um fluxo de ar característico que define um bolsão de temperatura mais elevada na área urbana do que em seu entorno, caracterizando assim o denominado efeito de “ilha de calor” (Figura 6).

Figura 6 O perfil do efeito da ilha de calor (estudo/esboço), relacionando as temperaturas em °F (variações entre 85 a 92°F) ao fim da tarde, conforme o uso do solo (rural, residencial suburbano, comercial, centro da cidade, residencial urbano, parque, residencial suburbano e, por fim, terra rural). Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Global Hydrology and Climate Center, University of Alabama at Huntsville and National Aeronautics and Space Administration. Disponível em: . Acesso em: 10/08/2010.

Torna-se importante destacar que nas análises de Detwyler & Marcus (1972), que comparam a mudança média dos elementos climáticos causados pela urbanização em relação ao entorno rural, nota-se que nas cidades os índices de radiação solar global é menor (de 15 a 20%), as temperaturas maiores (entre 0,5 e 1ºC), a ventilação é menor (20 a 30%), a presença de contaminantes é maior (10 vezes mais), a precipitação é maior (5 a 10%), há uma maior cobertura atmosférica do sol (5 a 10%), e a umidade relativa é menor (2% a menos no verão e 8% a menos no inverno). Nos estudos de Frumkin (2001: 15), constatou-se que em dias quentes as áreas urbanas podem atingir entre 13 a 14ºC a mais que nas áreas circundantes. Para o autor, o efeito da ilha de calor é causado por dois fatores: a presença de superfícies escuras (exemplo das pavimentações asfálticas ou coberturas e revestimentos dos edifícios) com maiores capacidades de absorção de calor (radiação infravermelha), nas quais essas superfícies podem atingir entre 10 a 21ºC a mais que em áreas circunvizinhas; e em segundo lugar a ausência de áreas verdes nas áreas urbanas, diminuindo o volume de áreas sombreadas e o arrefecimento térmico provocado pelo processo de evapotranspiração das plantas. Portanto, a expansão urbana também condiciona a um espalhamento proporcional da ilha de calor, tanto em dimensões espaciais como em relação à sua intensidade, dependendo das interferências climáticas e geográficas, associadas à impermeabilização, edificação,

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construção de autopistas, ausência de verde urbano ou presença de água (esta que, conforme o clima, pode atuar mais ou menos no aquecimento urbano) (Oke, 1973). Frumkin (Id.) ressalta que na cidade dispersa, com a expansão da área metropolitana e aumento das distâncias de viagens por automóvel, há a combustão de mais combustível e, consequentemente, maior emissão de gases e poluentes contribuintes no aquecimento urbano, podendo intensificar a ação da ilha de calor em uma extensão cada vez maior. Assim, não só a morfologia das áreas metropolitanas proporciona a formação de ilha de calor, mas o sistema de circulação e emissão de gases de efeito estufa também contribui para o agravamento climático. Essas constatações são notadas nas cidades a partir do acompanhamento das temperaturas em estações climáticas, que demonstram em todo o mundo a comprovação do aumento da temperatura de forma proporcional em relação ao processo de crescimento da urbanização (Gaffen & Ross, 1998; Gallo et al, 1999). São inúmeros os fatores de risco proporcionados pela exposição excessiva ao calor, decorrentes de insolação, ondas de calor, influência dos raios solares nas pessoas (especialmente o ultravioleta), ou mesmo o aquecimento proporcionado pelo aumento da exposição das superfícies ao infravermelho, entre outros. Contudo, o calor também exerce efeitos indiretos na saúde, principalmente em virtude do aumento da poluição do ar, pois à medida que a temperatura aumenta, há uma acentuação drástica no consumo de sistemas de condicionamento de ar e demanda por energia para subsidiar esse acréscimo. Frumkin (2001: 19) ressalta que nos EUA, a maioria das usinas de produção energética utilizam-se da queima de combustíveis fósseis como o carvão e o petróleo, associando ao aumento de emissões de poluentes como o dióxido de carbono, SOx (dióxido de enxofre ou SO2), NOx (dióxido de nitrogênio ou NO2) e gases tóxicos, e a decorrente formação de ozônio, hidrocarbonetos100, etc., reforçada pelo calor. Assim, quanto à saúde dos seres vivos, há a acentuação de efeitos diretos e indiretos da expansão urbana com relação clima. Porém, uma das motivações principais para esse movimento urbano em direção aos subúrbios em países desenvolvidos foi o acesso à natureza, pois a dispersão urbana possibilita espaços excedentes de áreas verdes nas quais a flora e a fauna tende a se fixar, ao contrário das áreas urbanas centrais e mais densas. Pode-se associar a esse aspecto a busca pela qualidade de vida não só ambiental, mas da população que procura sair da agitação da vida urbana e que, neste sentido, certamente o subúrbio pode proporcionar benefícios à saúde mental e física ao estilo de vida suburbano. Contudo, o custo ambiental e de saúde mental cobra seu pedágio nos aspectos decorrentes da necessidade de deslocamento e stress no transporte dentro de uma cidade dispersa e de forma distinta, de acordo com cada faixa etária (Duany; Plater-Zyberk & Speck, 2001). 4. Discussão: 4.1 Impactos da Dispersão Urbana na Saúde das Pessoas e as Injustiças das Periferias A dependência do automóvel na cidade dispersa decorre da necessidade de deslocamento pendular diário entre a moradia e o trabalho proporcionando o denominado “stress pendular” (commuting stress). Pontua-se, ainda, que para as pessoas de uma família e seus diversos trajetos na cidade, o uso de apenas um automóvel ou meio de locomoção pode se tornar inviável devido aos distintos destinos, horários e/ou necessidades numa malha urbana espalhada e de baixa densidade. Isto tende a tornar a dependência do automóvel individual ainda mais impositiva e crônica, sobrecarregando o sistema de tráfego de forma crescente, Composto químico binário de átomos de carbono e hidrogênio. O hidrocarboneto líquido (óleo mineral e petróleo – “óleo de pedra”) e gasoso (gás natural) são fontes importantes de combustível mineral (carvão, petróleo, gás natural etc), bem como agregados na produção de plásticos, ceras, solventes e óleos. Contudo, para a poluição urbana, esses compostos podem associar-se com o NOx e a luz solar, contribuindo para a formação do ozônio troposférico.

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pois o aumento do número de automóveis no trânsito leva à dificuldade de locomoção do sistema como um todo, fazendo com que a população deixe de optar pelo transporte coletivo devido à sua ineficiência de deslocamento. Implícitos nesse cenário encontram-se fatores que comprometem a saúde e a qualidade de vida. Há algumas décadas os estudiosos da psique humana e da neurologia têm demonstrado interesse sobre o efeito do trânsito urbano no comportamento e qualidade de vida humana. Assim, identificou-se a relação com problemas de saúde (Koslowsky, Kluger & Reich, 1995) e violência decorrente do stress causado pelo trânsito nas grandes cidades. Dores musculares e físicas, doenças cardiovasculares, psicopatias diversas, entre outras enfermidades decorrentes dos congestionamentos e stress diário do trânsito, é o preço pago pelo estilo de vida suburbano de um modelo urbano do “sonho americano” reproduzido pelas grandes cidades pelo mundo. O aumento das horas despendidas no trânsito das cidades alterou o comportamento humano e as relações familiares. As ruas congestionadas proporcionam às pessoas situações extremas de convívio, causando o que alguns pesquisadores denominam de “raiva no trânsito” (road rage), sendo este um comportamento recente e distinto das infrações comuns de trânsito. Diversos fatores podem contribuir para a ocorrência de violências no trânsito, determinadas por questões de deficiência de infraestrutura, sinalização ou congestionamentos, como também relações socioculturais, comportamentais, de rotinas diárias e, até mesmo, climáticas, porém, a raiva no trânsito apresenta particularidades comportamentais vinculadas ao stress no final do dia. Conforme os estudos realizados por Bryant & Mohai (1992), Bullard (2000), e a Commission for Racial Justice, este último expresso por meio do documento intitulado “Toxic Wastes and Race in the United States”, constatou-se que nas últimas décadas as pessoas pobres e membros de grupos minoritários são desproporcionalmente expostos a riscos ambientais; o que confirma as evidências já noticiadas todos os dias na mídia, o que constitui num contrassenso à sustentabilidade urbana e regional tão almejada para as cidades contemporâneas. De fato, a expansão urbana segrega e priva a parcela mais pobre de oportunidades econômicas proporcionais, tendo em vista que seu acesso à cidade se dá conforme o poder de consumo e custeio do território. No momento em que postos de trabalho, lojas, escritórios, boas escolas e outros recursos urbanos migram para fora do centro da cidade, a pobreza fica concentrada nos bairros deixados para trás (Frumkin, 2001: 22; Wilson, 1987 e 1996; Frey & Fielding, 1995; Squires, 1994; Jargowsky, 1998). Contudo, muitas pesquisas buscam traduzir e relacionar a relação entre o impacto da pobreza urbana sobre a saúde das pessoas, a exemplo de Adler et al (1999), Adler & Ostrove (1999), Feinstein (1993), Kaplan et al (1987), Wilkinson (1986), entre outros. Assim, entende-se, conforme a literatura especializada, que na medida em que a expansão urbana agrava os processos de segregação, assim como a pobreza e a exclusão social, proporcionalmente verifica-se (pelo menos para alguns grupos de pessoas) que há uma contribuição para o aumento da incidência de doenças e mortalidade (esta última manifestada em diversas formas e aspectos) (Mohai & Bryant, 1992; Perlin et al, 1992; National Heart, Lung, And Blood Institute Working Group, 1995; Metzger et al, 1995; Litonjua et al, 1999; Wing, 1993). 4.2 O custo da dispersão urbana No caso brasileiro, optar por cidades compactas, diversas e mais coesas socioeconomicamente, pode trazer à sociedade uma mudança na forma das relações de cidadania e participação social. Pois, numa cidade densa, as diferenças devem ser avaliadas e traduzidas em prol do coletivo, ao passo que na cidade dispersa as diferenças são

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ignoradas, muitas vezes, por não fazerem parte da realidade diária do conjunto urbano e, em especial, à realidade dos que controlam e determinam as políticas públicas e aplicação dos recursos na cidade. Sob esse aspecto, e compreendendo o histórico da política e da economia brasileira, cabe a pergunta: seria a cidade compacta desejável aos gestores públicos? A relação entre custos de transporte e habitação para diferentes áreas da cidade pode ser um indicador do impacto econômico do espalhamento na subsistência de uma família. Assim, mensura-se o quanto dos recursos é empregado para custear uma moradia e se locomover pela cidade por família, já que tais recursos poderiam estar sendo aplicados em estudo, qualificação profissional, lazer, enfim, na melhoria da qualidade de vida e inserção socioeconômica das pessoas. A Figura 7 apresenta um estudo para os EUA no qual há uma relação bem clara entre a localização da família na cidade (no centro, próximo a outros centros de emprego e longe de centros de emprego) em relação ao transporte e moradia. Para as famílias com renda inferior (entre US$ 20 mil a US$ 35mil), os que moram no centro (22%) e, por conseguinte, os que moram próximo do local de trabalho (31%), gastam menos recursos com transporte, proporcionalmente, em relação aos que moram afastados do centro e longe do trabalho (37%). Quanto ao custo com habitação, quase que se torna imperceptível a diferença percentual para os três grupos. No total dos custos, os que moram no centro gastam 54% da renda com habitação e transporte, enquanto que os que moram perto do emprego gastam 66%, e os que moram longe 70%. Para as famílias de renda maior (entre US$ 35 mil a US$ 50 mil), há discrepância maior no total dos custos, sendo 39% da renda (16% transporte e 23% habitação) para os que moram na área central, para os que moram próximo ao trabalho 49% (23% transporte e 26% habitação) e, para os que moram distante do trabalho 51% (26% transporte e 25% habitação). Ou seja, quanto menor a renda, menos recursos há para investir em lazer e qualificação profissional conforme se habita áreas mais periféricas da cidade, o que é um dado importante para a estruturação de igualdade socioespacial e socioeconômica para uma cidade.

À esquerda, há uma relação entre o custo de transporte e moradia para famílias com renda entre US$ 20 mil e US$ 35 mil, conforme a localização urbana (cetro da cidade, próximo a outros centros de emprego, longe de centros de emprego). E, à direita, custo de transporte para famílias com renda de US$ 35 mil e US$ 50 mil, nas mesmas variáveis.

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Figura 7 Renda gasta em habitação e transporte. O gráfico apresenta dados de um estudo, publicado pelo Center for Housing Policy e National Housing Conference, nos EUA. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015)

Se for analisada a tendência de aumento do preço dos combustíveis face à escassez do petróleo no mercado e/ou especulação comercial do produto, acompanhando-se o aumento do valor agregado desse mineral nas últimas décadas, percebe-se que a relação de custo de transporte tem se tornado mais onerosa para a dinâmica urbana. Assim, compreende-se a necessidade de se repensar a forma de circulação com a utilização de fontes alternativas de energia alternativas e mais baratas para o funcionamento do sistema de tráfego urbano, mesmo que pelo viés econômico. Outra questão importante é o processo de desvalorização e obsolescência das áreas centrais, que oferta nessas regiões imóveis cada vez mais acessíveis, ao passo que novas regiões imobiliárias e especulativas, distantes dos centros e caras, tendem a manter custos superiores para habitações. Conforme o estudo intitulado de “Windfall For All: How Connected, Convenient Neightborhoods, Can Protect Our Climate and Safeguard California’s Economy”, realizado na Califórnia em 2009 sob a coordenação de Stuart Cohen, diretor executivo da TransForm Works, foi demonstrado que os moradores das quatro áreas metropolitanas (Sul da Califórnia, Área de São Francisco Bay, San Diego e Sacramento) poderiam economizar cerca de US$ 31 bi ao ano, ou US$ 3.850 em média por usuário-família/ano, caso vivessem em áreas mais densas, em zonas urbanas mais coesas e próximas de corredores de trânsito. Na área da Baia de São Francisco (Bay Area), onde as pessoas gastam em média US$ 8.000 anuais por veículo, a população custeia um total de US$ 34 bi por ano em transporte pessoal automotivo, enquanto que os gastos com transporte público são de US$ 4,6 bi com trânsito e manutenção de estradas (Figuras 8 e 9).

Figura 8 Benefícios do transporte público para as despesas domésticas e poluição. Quanto maior o acesso ao transporte público, menor o volume de emissão de CO2 e gastos com circulação. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de CNT, 2009/Windfall For All, 2009.

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Figura 9 Conforme o estudo, “Não importa o combustível, pois dirigir sempre será caro”, já que a maior parte dos custos automotivos está na propriedade do veículo e manutenção, com 81%. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de CNT, 2009/Windfall For All, 2009.

Além desse fato, soma-se ao uso do automóvel individual o dobro da emissão de poluentes em comparação com o transporte público coletivo, resultando numa proporcionalidade per capita muito maior. O relatório da CNT (2009) aponta que os custos de combustível estão condicionados a uma pequena parcela (19%), em relação ao custo total de manutenção (10%) e de propriedade (71%) do veículo, notabilizando que a corrida por automóveis híbridos ou elétricos não amortizaria drasticamente a maior parte dos custos com transporte para as famílias. Assim, entende-se que os preceitos do Novo Urbanismo de aproximar as distâncias entre moradia, lazer e trabalho, bem como a densificação das áreas e diversificação de usos dos espaços são as melhores alternativas de planejamento urbano e regional sustentável. Estuda-se, entre as várias ações: o uso eficiente da terra, o mix e o equilíbrio de usos, o transporte pedestre e alternativo, a criação de uma “taxa de impacto climático” sobre o uso de combustíveis para incentivar o transporte público, com a adoção de alternativas de circulação ou mesmo a aquisição de automóveis elétricos ou híbridos. A conciliação entre planejamento urbano e regional e o desenho urbano é uma necessidade, nem sempre adotada (principalmente, nos países em desenvolvimento), para a estruturação de políticas sólidas que tenham como foco a sustentabilidade urbana. Para essa realização, é necessária a aplicação de estudos técnicos específicos, associados às pesquisas, análises in loco, acompanhamento dos cenários dinâmicos da cidade, adoção de tecnologias da informação, coleta e compilação de dados urbanos e ambientais consistentes, que produzam ferramentas de interpretação da realidade urbana e formulação de políticas coerentes com o lugar. Em geral, as famílias de maior renda gastam em torno de 12% a mais em habitação e transporte no subúrbio do que em áreas centrais. As de menor renda gastam em média 16% a mais em bairros periféricos do que os habitantes do centro urbano. Definitivamente, morar longe do centro urbano é mais caro, pois se opta nas áreas suburbanas por habitações mais espaçosas e confortáveis (com preços equivalentes ou, na maioria das vezes, superiores) que as da área central, porém se gasta mais com transporte e deslocamento entre trabalho, lazer, escola, serviços, etc. Quanto ao impacto ambiental, pondera-se que em grande parte das áreas suburbanas emitem o dobro de CO2 per capita, notabilizando um prejuízo ambiental muito maior, mas que, muitas vezes, não é percebido nos bairros dispersos, porém sim no conjunto urbano como um todo. Em resposta aos impactos da dispersão urbana na economia das famílias e meio ambiente, as cidades que se preocupam com a qualidade de vida de sua população sempre associam gestão democrática e participativa ao processo de planejamento urbano e regional. Nesse sentido, existem bons exemplos de políticas urbanas que buscam interpretar a cidade e formular

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ferramentas legais norteadoras e condizentes com as especificidades regionais. O estudo “The Boston Regional Challenge”101, realizado pelo Urban Land Institute apresenta uma metodologia de interpretação interessante, tendo em vista a aplicação de ferramentas de geoprocessamento e georreferenciamento parametrizadas às informações socioeconômicas e ambientais. O estudo busca analisar também os custos e impactos com habitação e transporte sobre áreas residenciais, bairros e meio ambiente. A participação da comunidade e conscientização é uma tradição da política urbana norteamericana, assim, há uma intensa divulgação dos estudos técnicos, ao nível que foi disponibilizado às pessoas que habitam Boston e região102, este ano, a possibilidade de estimar o custo dos cidadãos, individualmente, a partir de seu endereço, acessando o site do projeto The Boston Regional Challenge 103. (Figura 10)

Figura 10 Relação entre os custos com habitação e transporte na área de Boston, com os respectivos percentuais. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Urban Land Institute (2010:07).

Na referida área de análise entre as 18 sub-regiões de Boston e entorno urbano, totalizando 2,7 milhões de famílias, foi diagnosticado o agregado familiar típico corresponde a mais de US$ 22 mil anual como despesas de habitação, o que representa em média 35% da renda total das famílias que é de US$ 68.036,00. Combinando-se os gastos com transporte anual por família, que é de US$ 12 mil, tem-se o montante de 54% da renda média familiar comprometida nesses dois quesitos: moradia e circulação. Comparados com outros estudos similares realizados nos EUA, como na Baía de São Francisco e Washington D.C., com 59% e 47% respectivamente, Boston se situa no padrão dessas duas importantes regiões, todavia, os custos com habitação estão muito superiores à média nacional. (Figuras 11 e 12)

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The Boston Regional Challenge: Examining the Costs and Impacts of Housing and Transportation on Area Residents, their Neighborhoods, and the Environment. Urban Land Institute / Center for Housing Policy / CNT. Washington, DC: Urban Land Institute, 2010. Disponível em: . Acesso em: 03/09/2010. 102 Este relatório analisa os custos combinados de alojamento e transporte para os bairros, cidades e vilas ao longo de uma área de estudo para Boston e região, esta que se estende ao sul de Providence, Rhode Island, a oeste de Worcester, Massachusetts, e nordeste para Dover e New Hampshire. 103 Disponível em:

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1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 11 Custos habitacionais para proprietários e locatários, sendo: 1. Pelo menos 10% abaixo da média; 2. Dentro de 10% da média; e 3. Pelo menos 10% acima da média. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Urban Land Institute (2010:11)

Os custos médios para proprietários e inquilinos de domicílios são mais elevados em muitas cidades e vilas dentro da Rota 128, incluindo a cidade de Boston, entre as comunidades da Rota 128 e a Rodovia Interestadual 495 (I-495), em comunidades típicas da MetroWest (Figura 13). Além dessa área, denominadas como comunidades de alto custo habitacional e mais próximas do centro urbano principal da cidade de Boston, os custos com transporte são proporcionalmente menores, minimizando ou até invertendo as vantagens das economias possibilitadas pela redução dos preços com habitação nas áreas mais periféricas em detrimento do exagerado aumento com gastos em transporte, entre o ir e vir das famílias para o trabalho, escola, entretenimento, compras, etc. Perdendo-se, assim, tempo precioso no trânsito e impactando consideravelmente o meio ambiente com o aumento das emissões de gases provenientes da queima de combustível fóssil de automóveis. Por outro lado, o relatório aponta que áreas com bom acesso a transportes públicos, empregos e amenidades próximas não somente podem combinar economias entre habitação e transporte, como também minimiza a emissão de gases de efeito estufa, proporcionando um ambiente mais qualitativo e sustentável para o futuro.

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1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 12 Custos com transporte, vias comunitárias e polos de trabalho principais. ABAIXO DA MÉDIA DEVIDO A: Bons acessos a postos de Trabalho e Trânsito; Características das Famílias. ACIMA DA MÉDIA DEVIDO A: O acesso limitado a postos Trabalho e Trânsito; Características das Famílias; Combinação de Acessos e Características das Famílias. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Urban Land Institute (2010:12).

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1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 13 Custos Combinados entre Transporte e Habitação. Destaque para a Cidade de Boston, Providence e South Coast. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Urban Land Institute (2010:15).

Conforme a combinação de custos entre transporte e habitação (Figuras 13 e 14), destacase no conjunto a área da cidade de Boston e região da Rota 128, que mesmo com o metro/quadrado mais valorizado compensa pela acessibilidade viária e proximidade com postos de emprego, minimizando o impacto no custo com deslocamento viário. As regiões de Previdence e South Coast são beneficiadas pelas características das famílias e ao menos custo habitações da região. Grande parte das regiões à um raio de 10 a 20 milhas do perímetro de Boston apresentam custos elevados face à dependência de deslocamento intensivo associado à um custo de uso e ocupação do solo bastante elevado. O estudo demonstra que a região da cidade de Boston possui um custo final reduzido em relação às demais áreas, pois apresenta um menor custo de moradia e, principalmente, de transporte. Por outro lado, há áreas com maiores taxas de especulação imobiliária, como também, em decorrência da distância de serviços, equipamentos urbanos, comércios e postos de trabalho, a dependência automotiva resulta em altos custos de transporte.

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Figura 14 Variações Regionais entre os custos de transporte e moradia, e conforme o percentual participante na renda por região. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Urban Land Institute (2010:16-17).Esse nível de compreensão dos fenômenos territoriais só é possível por meio

da parametrização das informações junto à um processo de mapeamento das áreas, destacando-se assim a importância do geoprocessamento nos estudos urbanos e de planejamento territorial. Em contrapartida, as regiões do MetroWest Norte e Sul são as mais caras face ao alto custo do uso e ocupação do solo, refletindo na especulação imobiliária exacerbada e conjeturando em impactos no custo de moradias. Contudo, o cruzamento dos custos quando comparados com o percentual de influência na renda média das regiões (neste caso, acima de 55%) apontam para o maior impacto no orçamento das famílias residentes para South Coast (de menor renda média), Marrimack Valley, Providence, Brockton e Cidade de Boston – todas com a maior relação percentual dos custos sobre a renda (Figuras 15).

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Figura 15 Carga de Custo Combinado – Comparativo à média da área de estudo: Abaixo da Média (55% da renda). Fonte: Geovany J. A. Silva (2015) adaptado de Urban Land Institute (2010:18)

A relação entre custo do solo, das habitações e deslocamento diário (transporte), além do custo ambiental de desgaste, poluição e reposição dos sistemas ambientais são critérios ainda pouco trabalhados nos estudos de cidades dispersas. Mensurar esses impactos e seus respectivos custos reais, em diversos âmbitos e escalas da cadeia e rede urbana, podem ser critérios decisivos para a tomada de decisões de planejamento urbano para o futuro. Ademais, a leitura das particularidades no processo de planejamento urbano e regional é vital para a minimização dos entraves socioeconômicos e ambientais de desenvolvimento sustentável, para tanto, não se deve encarar a cidade, seus bairros e lugares como meros dados estatísticos gerais, quantitativos e tecnocráticos, mais sim com características e informações específicas e pormenorizadas, de âmbito qualitativos, especialmente.

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Figura 16 À esquerda, disparidades socioeconômicas e socioespaciais no Brasil - Cidade de São Paulo-SP na atualidade. À direita, Terraços depredados no Cairo, Egito. Exemplos de baixa qualidade de vida em grandes cidades em desenvolvimento. Fontes: e UN-HABITAT (2008: 122) / Fotografia: Sandra vom Stein/iStockphoto.

5. Conclusões Compreende-se os efeitos nefastos do espalhamento urbano frente à emissão de gases estufa, maiores índices de acidentes no trânsito, o custo habitacional, o custo de transporte e, consequentemente, à qualidade de vida e de comprometimento da renda das famílias. Infelizmente, no caso brasileiro, não há muitos estudos específicos que ponderem tais relações socioeconômicas, de saneamento e saúde, e ambientais ao processo de espalhamento urbano, já que grande parte do urbano periférico nas grandes cidades sequer é considerada como pedaços da cidade face ao estado de “ilegalidade” das periferias. Contudo, as periferias continuam a se espalhar e, nas últimas décadas, não tem sido fenômenos localizados apenas nos grandes centros urbanos brasileiros, mas também nas cidades médias e pequenas. A compreensão desses desmembramentos locais deve ser interpretada pela gestão territorial por meio de ferramentas de acompanhamento da performance urbana e, por conseguinte, a aplicação e teste de ferramentas legais regulamentadoras capazes de traduzir a complexidade dos processos espaciais do urbano, transformando o planejamento urbano e regional numa ferramenta de ordenação do território, e não apenas de política ou politização urbana. Relacionar os impactos urbanos da dispersão e da baixa densidade à forma urbana e à qualidade ambiental das cidades é o papel do Arquiteto e Urbanista. E é nesse escopo técnico-teórico que estes devem atuar no embate de ideias sobre a política urbana atual frente políticos, economistas, geógrafos, cientistas sociais. A conjuntura urbana dos EUA foi objeto de estudo elencado nesta etapa de pesquisa devido a sua condição de gênese da dispersão urbana como fenômeno de um modelo de cidade configurado para o espalhamento e circulação automotiva (e sua consequente dependência) na maioria dos casos, sob a égide do discurso imobiliário das cidades-jardins nos moldes da especulação imobiliária norte-americana. A vitalidade econômica advinda do pós-guerra em meados do século passado, as questões culturais e de consumo, os modelos ideológicos de mercado, entre outros fatores, transformaram o caso norte-americano num cenário extremo de cidade dispersa, neste que o Novo Urbanismo vem tentando romper desde a década de 1980 com novas alternativas de dinamização urbana, diversificação e intensificação de usos e funções no solo urbano, aumento de densidade e coesão social, entre outros aspectos. Desmembramentos desse modelo de dispersão se deram principalmente no Canadá, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul (que não por acaso possuem laços culturais e econômicos com os EUA e Bretanha), países nos quais as principais cidades estão sempre 240

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presentes nos gráficos de grande dependência automotiva, consumo de combustível e emissão de gases estufa em escala mundial. Cidades estas também classificadas como de urbanismo anglo-saxão. Os modelos europeus, principalmente da porção centro-sul, por sua vez, apesar de diversificados enquanto densidade e mobilidade, em geral, apresentam maior densidade e menor dependência automotiva que os sistemas urbanos norteamericanos e ingleses. Contudo, a semelhança entre esses casos é a vitalidade econômica que resulta em grandes investimentos urbanos para cerca de 20% da população mundial que vive em países desenvolvidos. Os outros 80% da população mundial, que se encontra em países menos desenvolvidos, não dispõem de recursos financeiros, técnicos e humanos e, conseguintemente, não desfrutam da mesma qualidade de vida que as cidades em países desenvolvidos. Por outro lado, nem sempre o modelo urbano adotado decorre de uma morfologia mais compacta ou, menos ainda, de um planejamento urbano adequado à realidade e ao lugar. As cidades dos países em desenvolvimento, especialmente as do Brasil e da América Latina, reproduzem um urbanismo recente de dispersão e de baixa densidade em geral, porém, muito mais pela falta de previsão e planejamento do que por alguma intenção ideológica, seja ela cultural, socioeconômica ou política – exceto em alguns casos particulares, como a construção de Brasília e de bairros modernistas ao longo dos anos de 1960 a 1070. A escassez de recursos para assentamentos de baixa renda torna o problema crônico, ao passo que não há planejamento, fiscalização ou contenção da dispersão urbana, as cidades tendem a se tornar cada vez mais caras, dependentes de mais infraestrutura, intensificando-se assim os problemas de mobilidade, coesão social, obsolescência de áreas centrais, etc. Porém, cabe ressaltar que no âmbito urbano da América Latina, há uma diversidade morfológica considerável, que contemplam as distintas gêneses coloniais (espanholas, francesas, inglesas, holandesas), bem como questões geográficas, socioeconômicas e socioculturais específicas. Assim, qualquer generalização nesse âmbito, deve ser tratada com muita cautela e critério científico. Todavia, no Brasil e em muitos cenários urbanos das cidades sul-americanas, verifica-se a reprodução dessas análises e associações entre espaço urbano disperso e a redução da qualidade de vida, em especial, com relação ao declínio da saúde conforme o grau de exclusão econômica. Por outro lado, as áreas urbanas centrais, providas de infraestruturas, equipamentos, conectadas aos postos de trabalhos e bem atendidas por transportes públicos têm se tornado regiões em processo de desvalorização em grande parte das cidades latino-americanas. A valorização de novas áreas impulsiona um mercado imobiliário relevante para a economia, mas perverso nas relações socioespaciais e de segregação de classes. Segregação esta que potencializa o aumento das crises urbanas, da violência, dos custos urbanos das prefeituras, da carência de equipamentos e infraestruturas próximos à residência, dos impactos à saúde e ambiente urbano. A gestão urbana deve, assim, atuar incisivamente no controle e planejamento das ações especulativas para o benefício das cidades, sob pena de se perder o tempo-social e os recursos, ainda disponíveis (mesmo que deficitários), para a promoção da boa qualidade de vida urbana futura, tendo em vista os cenários de estabilização populacional, envelhecimento etário e de redução de recursos nas próximas duas ou três décadas. O grande processo de produção e reprodução do urbano vivenciado na maioria dos países em desenvolvimento a partir da segunda metade do século XX, juntamente com os processos de industrialização e metropolização, estabeleceu em muitas das grandes cidades a dissociação entre o espalhamento urbano e as políticas e gestão territoriais. Portanto, uma grande parcela da população se viu não assistida pela gestão pública, face aos grandes índices de aumento demográficos e migrações, encarecimento dos sistemas urbanos e, na grande maioria, o acompanhamento e distribuição desproporcional dos recursos públicos urbanos. Os desmembramentos desse processo de desarticulação entre a política urbana e a cidade resultam no surgimento de grandes massas habitacionais 241

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irregulares e à margem do legalismo urbanístico institucional de estado, desprovidas de infraestrutura e dissociadas dos sistemas urbanos vigentes, porém, fornecedora de mão de obra e serviços baratos à cidade legal (ou oficial) (Figura 17).

Figura 17 À esquerda, a Favela da Rocinha no Rio de Janeiro e, à direita, a cidade de Bogotá, Colômbia. Em ambos os exemplos ilustrados há a sobreposição da cidade informal à cidade formal e legalizada. Fonte: , (2009). Acesso em: 10/08/2014.

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Requalificação urbana e mobilidade sustentável em Salvador/Bahia/Brasil Francisco Rocha1, Maria Ramos2 1

Universidade Federal da Bahia (UFBA) – Escola Politécnica

2

Universidade do Porto (UP) – Faculdade de Economia (FEP)

Resumo O trabalho apresenta a experiência de requalificação e mobilidade sustentável no bairro da Barra em Salvador/Bahia/Brasil. Salvador, primeira capital do Brasil e capital do estado da Bahia, é a terceira cidade do país em população, com quase 3 milhões de habitantes, e vivencia uma crescente degradação dos espaços públicos. O bairro da Barra é um espaço monumento, patrimônio cultural da cidade, local onde chegou o primeiro governador geral português do Brasil, em 1549, área de realização de grandes eventos festivos da cidade, especialmente o carnaval, em processo de desvalorização do patrimônio físico e natural e com alto fluxo de veículos de passagem. O projeto visa recuperar e transformar a Barra em área de alta qualidade de vida e de maior atratividade, tanto para os cidadãos como para o segmento turístico, através de intervenções urbanísticas, de gestão e organização do território, que promovam mudanças físicas e estabeleçam regras de utilização do espaço urbano e condições para implementação e continuidade do processo de transformação planejado. Além disso, o projeto procura priorizar os modos não-motorizados e incorporar os critérios do que se considera um bom espaço público dentro do conceito de “cidade para as pessoas”, inclusiva e sustentável, entre os quais: proteção contra o tráfego, segurança nos espaços para caminhadas e permanência, escala humana que viabilize a observação, o convívio, o exercício físico e a possibilidade de aproveitar o clima e ter boas experiências sensoriais. O projeto prevê, ainda, a racionalização das infra estruturas urbanas, o dimensionamento para as procuras constantes e as eventuais (grandes eventos) e a modernização de serviços públicos urbanos. As obras de implantação do projeto foram concluídas em agosto de 2014, e a sua efetivação representou um marco no processo de requalificação dos espaços da orla marítima de Salvador, embora tenha gerado muitos debates e questionamentos. Por isso, os seus impactos continuam sendo discutidos e avaliados com os moradores do bairro e a comunidade baiana no sentido de realizar possíveis ajustes, procurando melhorar a qualidade de vida da população e a requalificação urbana, sem aumentar a degradação ambiental e contribuir para o desenvolvimento local, com a participação das pessoas que aí vivem. As políticas e os instrumentos de planeamento urbano devem promover planos de mobilidade urbana e programas que atendam as populações, especialmente carenciadas, tendo em conta os aspetos ambientais. Num contexto de globalização, cidades de todo o mundo enfrentam atualmente desafios societais importantes, procurando soluções inovadoras e promovendo sinergias para definir os melhores caminhos para uma urbanização sustentável.

Palavras-chave: cidades sustentáveis, mobilidade urbana sustentável, requalificação urbana, urbanização sustentável, espaços compartilhados.

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Crise do planejamento territorial e urbano? Por um “outro” urbanismo ecológico e popular com sustentabilidade urbana Luis Delgado Zorraquino PROURB/Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, FAU / Universidade Federal de Rio de Janeiro, UFRJ. Brasil. Departamento de Urbanismo y Ordenación del Territorio DUYOT/Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Madrid, ETSAM/Universidad Politécnica de Madrid, UPM. España. [email protected] Resumo Vários autores e intelectuais estariam nos alertando que atravessamos uma grave crise civilizatória. Os antropólogos já estão falando de uma nova era, o Antropoceno, caracterizada pelo impacto devastador do metabolismo da sociedade urbano-agro-industrial sobre a casca geológica e a atmosfera terrestre. Neste contexto, os territórios urbanos teriam uma importante responsabilidade no chamado de Planeta Favela. Acumulam-se imensos problemas sociais e igualmente problemas ambientais, devido a contradição entre o metabolismo urbano e o metabolismo natural. Assim, também poderíamos falar de uma crise urbana e de uma crise do Urbanismo e da Planificação Territorial. Seria necessário reconhecer a complexidade do fenômeno urbano e a necessidade da interdisciplinaridade das diversas ciências que convergem no urbanismo mediante a incorporação do que hoje se denomina de paradigma ecológico. Surgem deste contexto propostas de um Urbanismo das varias ecologias, com base no paradigma ecológico e nas práticas vinculadas aos valores e a ética de uma sustentabilidade urbana, social e ecológica. Aparecem disciplinas hibridas com a ecologia como ciência de síntese, entre as que se destaca a agro ecologia, vinculada com a história ambiental, que analisa as contradições entre o metabolismo social e o metabolismo da natureza. Uma definição acurada de sustentabilidade abarca teoricamente todos os aspectos da vida e todos os territórios do planeta. É holística e vincula, indissoluvelmente, o local com o global. É ecológica e estabelece a grave contradição entre o funcionamento do ecossistema e metabolismo de Gaia, e o ecossistema e metabolismo social. Os setores fundamentais do metabolismo urbano – água, energia, resíduos e emissões – têm uma grande responsabilidade na pegada ecológica. Os objetivos básicos seriam: - Procurar a adaptação do ecossistema e metabolismo urbano ao ecossistema e metabolismo da biosfera para reduzir a pegada ecológica, - Reduzir, reutilizar e usar materiais com ciclo de vida de baixo consumo energético. - Reutilizar o patrimônio urbano existente mediante as obras de reabilitação. - Reduzir o impacto ambiental dos edifícios novos e reabilitados mediante sua adequação ao clima local. Considerar os altos consumos energéticos derivados da manutenção e uso dos edifícios. Os conteúdos básicos da sustentabilidade urbana seriam: - Sustentabilidade da vida social e cultural, como um direito humano fundamental. - Sustentabilidade ambiental para preservar a biocapacidade do território. - Sustentabilidade econômica para maximizar social e ambientalmente os recursos econômicos. - Sustentabilidade de gestão e de participação de toda a população. - Sustentabilidade urbana, atuando e preservando os contextos urbanos existentes. O Urbanismo chamado das varias ecologias, se vincula transversalmente com os conceitos da “sustentabilidade urbana ecológica”, de “regeneração ou reabilitação urbana ecológica” e da prática do “urbanismo e arquitetura ecológicos”. Um outro urbanismo, que superando a atual mercantilização especulativa da cidade contemporânea, retorne suas origens, procurando a escala humana e a habitabilidade dos edifícios, dos espaços públicos e a relação simbiótica entre os humanos a cidade e a natureza.

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Palavras-chave: Crise urbana. Crise do planejamento territorial. urbana. Metabolismo urbano. Arquitetura e urbanismo ecológicos



Sustentabilidade

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D - Pressões e limites dos ecossistemas



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A Contribuição do Comércio Justo de Produtos Artesanais para o Desenvolvimento Local Sustentável: Um Estudo dos Grupos Produtivos das Cidades de Camaragibe e Gravatá em Pernambuco.

REGO, Márcio PERNAMBUCO).

Waked

de

Moraes

(UNIVERSIDADE

CATÓLICA

DE

Esta pesquisa avalia a contribuição do comércio justo de produtos artesanais para o desenvolvimento local sustentável, focando no estudo dos grupos produtivos das cidades de Camaragibe e Gravatá em Pernambuco que nos últimos quatro anos exportaram pelo menos uma vez por meio de empresas de comércio justo. Descreve o conceito e princípios do comércio justo e desenvolvimento local sustentável estabelecendo a relação entre eles. Aborda a situação geral do comércio justo de produtos artesanais brasileiros, o ambiente atual das organizações e atores de comercio justo de produtos artesanais. Analisa a conformidade dos grupos produtivos com os princípios do Comércio Justo; a percepção dos artesãos sobre a melhoria de vida após o início da prática do comércio justo; a contribuição da prática do Comércio Justo para o desenvolvimento local sustentável e os principais problemas enfrentados pelos grupos produtivos. Finalmente, propõe sugestões para os problemas identificados dentre os quais se destacam a ausência de capital de giro, a dificuldade de acesso a mercado, a dificuldade na administração e atendimento aos produtores, a pouca participação em fóruns ou articulações de comércio justo ou solidário, o descontrole da produção e das vendas, a deficiência nas instalações e organização dos espaços, e a dificuldade na construção dos preços dos produtos. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica tendo como objetos teóricos o Comércio Justo e Desenvolvimento Local Sustentável, tendo como referências os conceitos mundialmente aceitos sobre a prática de Comércio Justo, bem como a literatura, as pesquisas e artigos científicos mais recentes sobre Desenvolvimento Sustentável, que serviram como pressupostos para a pesquisa de campo exploratória que aconteceu por meio de entrevistas, observação direta e aplicação de questionários com uma resposta de 76,4% dos 157 beneficiários diretos integrantes dos grupos pesquisados. A pesquisa concluiu que apesar dos desafios e problemas enfrentados, o Comércio Justo de produtos artesanais tem uma relevante contribuição para o Desenvolvimento Local Sustentável, mostrando-se uma boa estratégia de combate à pobreza, de geração de oportunidades de emprego e renda que, ao mesmo tempo, preserva e respeita o meio ambiente, promove a igualdade de gêneros, a valorização e a inclusão dos pequenos grupos produtivos no mercado, a valorização da cultura local, bem como a melhoria da qualidade de vida dos respectivos produtores. Palavras-chave: Comércio Justo. Desenvolvimento sustentável. Artesanato.

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A cegueira do óbvio: a importância dos serviços ecossistêmicos para o bemestar humano Melca Rabelo1, Laudemira Rabelo2, Patrícia Lima3, George Freire2 1

Núcleo Interdisciplinar de Sustentabilidade e Áreas Costeiras. Homepage: nisacs.wordpress.com Universidade Federal do Ceará. Centro de Ciências - Bloco 902, Campus do PICI - CEP 60.455-760 - Fortaleza, Ceará, Brasil. Email: [email protected] 2

Núcleo Interdisciplinar de Sustentabilidade e Áreas Costeiras. Universidade Federal do Ceará. Centro de Ciências - Bloco 902, Campus do PICI - CEP 60.455-760 - Fortaleza, Ceará, Brasil. Emails: [email protected]; [email protected] 3

Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Universidade Federal do Ceará. Campus do Pici, Bloco 902 - CEP 60455-970 – Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: [email protected] ResumoDiante da crise ambiental global, os ecossistemas tornam-se cada vez mais vulneráveis, e consequentemente os benefícios por eles ofertados, conhecidos como serviços ecossistêmicos. Os Serviços Ecossistêmicos influenciam de maneira direta e indireta a promoção de bem-estar humano. Seus benefícios atravessam fronteiras, mas a sua produção pode acontecer de maneira local, cujo processo ainda é pouco entendido pelos cientistas. Durante anos, têm sido negligenciados, principalmente pelos países com pouco conhecimento sobre sua própria biodiversidade. Porém, o desafio de se conviver em um planeta finito e com uma população mundial cada vez maior anuncia um cenário em que o impacto crescente sobre o uso dos recursos naturais impulsionará a necessidade de se investir em uma gestão eficiente sobre sua alocação. O objetivo geral da pesquisa foi propor um conjunto de indicadores que retrate, pela perspectiva do desenvolvimento sustentável, a importância da inserção dos serviços ecossistêmicos de provisão na mensuração do bemestar em áreas degradadas. Essa relação traz em si o óbvio: a importância dos serviços ecossistêmicos para o bem-estar humano. Baseando-se em uma releitura de Prescott-Allen (2001) e adaptando para a realidade local, foram desenvolvidos dois índices: Índice de BemEstar Humano (IBEH) e Índice de Bem-Estar Ecossistêmico (IBEE). O IBEH é composto por cinco dimensões (Saúde e População, Riqueza das Famílias, Conhecimento e Cultura, Comunidade e Equidade) e quinze indicadores, enquanto o IBEE é constituído por cinco dimensões (Terra, Água, Ar, Biodiversidade e Uso dos Recursos) e sete indicadores gerando assim um framework que reproduz o seu estado e suas inter-relações. A validação do IBEH e do IBEE foi realizada na comunidade do Sítio do Brum localizado no bioma Caatinga no estado do Ceará, Brasil. Desconhecido para muitos, a Caatinga está em acelerado processo de degradação intensificado pela má gestão dos recursos ambientais bem como pelas condições climáticas da região. Como principais resultados o uso de índices e indicadores em serviços ecossistêmicos conseguiu capturar a relação entre os serviços ecossistêmicos e o bem-estar humano, além de validar a capacidade dos indicadores escolhidos descreverem os sistemas sócio-ecossistêmicos e a sua interação. A escolha da aplicação dos índices em um bioma degradado e por diversas vezes pouco valorizado, como a Caatinga, revelou não somente a importância do impacto das ações antrópicas neste tipo de bioma, mas o véu que os cobre. Identificou-se uma comunidade que compreende sua realidade, almeja mudanças, possui visão de futuro coletiva, mas não possui capacidade de provocar mudanças. Embora não seja fácil agir em função das preocupações intergeracionais, mudanças somente ocorrerão quando as avaliações de serviços ecossistêmicos englobarem também as pessoas, algo que por sua vez envolve motivações e limites cognitivos na aquisição e processamento de informações, essencial

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para garantir o bem-estar das gerações presentes e futuras, abordagem sugerida pelo framework em questão apresentado. Palavras-Chaves: 1.Indicadores Ecossistêmicos 5. Caatinga.

2.Escala

local

3.Bem-estar

Humano

4.Serviços

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Análise do potencial invasor das espécies exóticas: contribuição à Gestão em áreas portuárias Andrea Karla Pereira da Silva1, Múcio Luiz Banja Fernandes2, Raisa Arruda de Oliveira2 1

Universidade de Pernambuco, Av. Sport Club do Recife, 252, bloco C, 4º andar, Madalena – CEP: 50750-500 – Recife, Pernambuco, Brasil. E_mail: [email protected] 2

Universidade de Pernambuco, Av. Sport Club do Recife, 252, bloco C, 4º andar, Madalena – CEP: 50750-500 – Recife, Pernambuco, Brasil. E_mail: [email protected] ³ Universidade de Pernambuco, Av. Sport Club do Recife, 252, bloco C, 4º andar, Madalena – CEP: 50750-500 – Recife, Pernambuco, Brasil. E_mail: [email protected] Resumo A expansão das fronteiras no mercado marítimo com grande movimentação de navios torna as zonas portuárias as áreas costeiras mais susceptíveis à introdução de espécies exóticas, elevando a vulnerabilidade da biota local, sendo necessário o monitoramento contínuo da biodiversidade, com acompanhamento da dinâmica e interação ecológicas da comunidade biológica local com aquela alienígena. Espécies exóticas invasoras são aquelas que foram introduzidas fora da sua região de origem, e sua permanência causa impactos negativos sobre a biota local, o ambiente, e/ou sobre a sociedade, produzindo danos na economia ou na saúde humana. Na gestão de áreas portuárias é imprescindível o conhecimento sobre o potencial invasor das espécies exóticas a fim de prevenir danos, e estabelecer meios de controle e erradicação evitando assim, impactos de proporções imensuráveis. Nesse contexto, o presente estudo traz como objetivo avaliar o potencial invasor das espécies exóticas introduzidas, detectadas e estabelecidas através do estudo dos fatores antrópicos, biológicos, ecológicos e biogeográficos que influenciam na introdução das mesmas; e elencar medidas preventivas possíveis ao estabelecimento da bioinvasão. O estudo apresenta uma abordagem qualitativa, de caráter descritivo e exploratório, sobre espécies exóticas, à luz da Ecologia de Invasão, realizado a partir de pesquisa bibliográfica e documental. Os resultados apontam a ocorrência de um conjunto de espécies exóticas com ocorrência comum em portos do mundo inteiro, caracterizando uma fauna e flora tipicamente portuária. As espécies exóticas podem não apresentar comportamento invasor mas se são espécies exóticas detectadas com manifestação de comportamento nocivo, será potencialmente invasora. O potencial invasor é menor entre espécies exóticas estabelecidas que mesmo apresentando históricco de nocividade em outros locais, não tenham apresentado ao longo do tempo tal comportamento no local estudado. Palavras-chave: Espécies exóticas 1, água de lastro 2, Ecologia da Invasão 3, Gestão portuária 4, comportamento invasor 5. 253

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1. Introdução O Brasil se destaca na biodiversidade, quando comparado com outras regiões do planeta. Sua grande extensão territorial, incluindo a sua diversidade geográfica e climática, auxilia para que o país tenha 15% - 20% das 1,5 milhão de espécies descritas na Terra (Lewinsohn e Prado, 2002). Esta biodiversidade vem passando por diversas ameaças devido à deterioração da qualidade ambiental dos ecossistemas aquáticos e terrestres, resultado de atividades antrópicas como incêndios e queimadas, fragmentação e perda de habitat, introdução de espécies invasoras, poluição e mudanças climáticas. Portanto, pode levar à redução populacional de espécies e/ou aumento da densidade de outras e favorecer o estabelecimento de espécies exóticas (Haddad e Prado, 2005). Para Farrapeira (2011); Silva (2003); Silva et al. (2004) os impactos antrópicos, sejam intencionais ou não, são situações antigas e que se dão através de movimentações de espécies como animais de estimação e ornamentais, maricultura, controle biológico, nas construções de canais, portos, diques e comportas, formando corredores oceânicos e permitindo novas bioinvasões. Essas espécies podem também ser transportadas através da água de lastro – termo utilizado para definir um tipo de material usado para dar estabilidade nas embarcações – (Leal Neto, 2007), podem provocar a invasão de organismos bentônicos no ambiente receptor. Nas operações portuárias a água de lastro pode carregar milhares de espécies exóticas que são transportadas nos porões das embarcações e depois de serem transferidas de um local para o outro, são introduzidas em habitats que lhes são diferentes, trazendo impacto ao meio ambiente, à Economia dos países e à Saúde pública (Brasil, 2009). De acordo com Melo (2012); Oliveira (2011); Souza (2010) a “Bioinvasão” significa a introdução e estabelecimento de espécies em regiões fora da sua área de ocorrência natural. Esse processo pode ameaçar as espécies nativas, resultando num desequilíbrio do ecossistema, sendo relevante uma análise prévia sobre a biota local e os riscos ambientais, a fim de servir como ferramenta primordial na Gestão Ambiental portuária. Nos estudos da Ecologia da Invasão, para a Gestão dos impactos de espécies marinhas invasoras é importante compreender os processos de dispersão natural e das possíveis interações destes com aqueles derivados da atividade humana. Quando uma espécie exótica já está estabelecida, a sua erradicação é difícil e dispendiosa. Por isso a melhor forma de prevenção é através da utilização de protocolos de análise de risco, que incluam parâmetros ambientais, o investimento em Educação

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Ambiental e a conscientização pública, que também são estratégias eficazes (Loureiro, 2013). Dessa forma a presente pesquisa representa uma ferramenta importanmte para elucidar conceitos e auxiliar processos de gestão portuária com vistas ao monitoramento e controle de espécies exóticas invasoras em caráter preventivo. 2. Métodos Como base para o estudo foi utilizado o método de coleta indireta de dados, através de pesquisa bibliográfica e documental, no intuito de levantar diversas informações sobre a temática, buscando não apenas repetir assuntos já descritos, mas desenvolvendo uma forma de examiná-los através de um enfoque ou abordagem original (Marconi e Lakatos, 2010). De acordo com o método, houve uma busca por publicações dentro do período de busca escolhido, assim como a seleção e a classificação das mesmas em termos de evidência científica, de forma sistemática e padronizada, tendo o rigor metodológico da presente revisão, a fim de revisar e discutir sobre os objetivos da pesquisa.

2.1 Critérios para seleção de artigos Bases de dados As buscas foram realizadas em cinco bases de dados bibliográficas: SciElo, Management of Biological Invasions, International Journal of research on Biological Invasions in Aquatic Ecosystems. ResearchGate e no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior do Governo Federal – CAPES. Ao finalizar, as pesquisas em cada base, as referências repetidas foram excluídas.

Recorte Temporal Foram selecionados artigos publicados nos últimos 20 anos, entre 1996 e 2015

Idiomas Foram selecionados artigos escritos em inglês, português ou espanhol.

Escolha de Descritores Na formatação de indexação na base de dados bibliográficos, procurou-se pela busca de vocabulário controlado (descritores). Os termos Áreas portuárias e Espécies 255

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exóticas foram combinados com: Bioinvasão, Ecologia da Invasão, Biogeografia de espécies exóticas, Biologia de espécies exóticas, fatores antrópicos da bioinvasão; água de lastro, gestão de portos, nas três línguas escolhidas. As combinações obtidas permitiram a formação de tópicos que constituíram os capítulos descritos nos resultados e discussão apresentados no presente artigo. 3. Resultados e Discussões

3.1 Impacto das espécies exóticas em áreas portuárias As espécies exóticas também chamadas alienígenas, estrangeiras, não nativas ou não indígenas, são conhecidas por ingressarem em locais diferentes do seu limite natural, podendo encontrar condições favoráveis para sua presença, competindo com espécies nativas pelo uso dos recursos naturais e muitas vezes promovendo um comportamento invasor, ameaçando os Ecossistemas, a Economia e a Saúde humana (Brasil, 2009; Cowie, 2004; Farrapeira, 2011; Hulme e Bremner, 2006; Gherardi et al, 2011; Imo, 2014; Medeiros et al, 2004; Oliveira, 2011; Silva et al, 2004). A transferência das espécies se dá de diversas maneiras, dentre elas pela ação antrópica, através da bioincrustação em navios, embarcações recreativas, consolidação de substratos artificiais, rafting e água de lastro (Espinola e Júlio Junior, 2008; Imo, 2014; Loureiro, 2013; Stohlgren et al, 2008; Sousa et al 2011). Para Pereira e Gomes-Soares (2009) o domínio bentônico possui uma série de representatividade de animais exóticos registrados, por causa do transporte larval e formas de dispersão. Nestas zonas portuárias, os ambientes marinhos são muito usados para o transporte de diversas mercadorias (Koeler e Asmus, 2010), tornando suscetíveis aos impactos negativos de todas as naturezas: física, química e biológica, desde o processo de instalação até a operação de suas atividades. De acordo com Cognetti e Maltagliati (2000), as espécies estuarinas se caracterizam por possuir grande tolerância à variação das condições ambientais como salinidade, oxigênio e alta adaptação ecológica e fisiológica, que conforme Hewitt et al (2004), lhes asseguram sucesso na introdução em novas localidades e mostram uma maior densidade de organismos e diversidade de espécies introduzidas. É narrado em Brasil (2009) que a dificuldade na Gestão da água de lastro é mundial. Órgãos internacionais vêm trabalhando no desenvolvimento de ferramentas, na tentativa, através de acordos, tratados e convenções, diminuir a probabilidade da ocorrência da bioinvasão e das contaminações ocorridas. Ainda na Gestão da água de lastro, uma das grandes dificuldades nas pesquisas científicas é a compreensão dos processos de 256

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dispersão natural e interações destes com aqueles provenientes da atividade humana, que são objetos de estudo da Biogeografia. Isso porque no ambiente oceânico as barreiras físicas e ecológicas que delimitam as regiões de extensão natural de uma espécie marinha são menos marcadas quando comparadas com o ambiente terrestre. Na ausência das barreiras naturais, e favorecida pela ação antrópica, como o deslastreamento de navios, a introdução de espécies exóticas em áreas portuárias eleva os riscos de invasão e, consequentemente de impactos sobre o ambiente costeiro. Na intenção de coordenar as atividades sobre às invasões biológicas por água de lastro de navios, foi originado o programa internacional GLOBALLAST (Global Ballast Water Management Program) (Procopiak et al, 2006). No centro australiano (Centre for Research on Introduced Marine Pests – CRIMP) foi elaborado, em 1996, estudos de levantamento faunístico de espécies exóticas, aplicado em 34 portos do país e atualizado em 2014 (Imo, 2014). A Comissão Europeia está desenvolvendo uma estratégia de mitigação e controle das espécies invasoras, chamada de Estratégia para a Biodiversidade na União Européia para 2020. Os Açores, em Portugal, organizaram um workshop tendo a intenção de divulgar e analisar o máximo de conhecimentos científicos na área de Bioinvasão, a buscando reunir especialistas, entidades oficiais, ONGs e público em geral para desenvolver linhas gerais de planos a curto, médio e longo prazos em relação aos animais invasores da área (Elias e Gabriel, 2011). Quando a bioinvasão de uma espécie ocorre, os esforços para a erradicação dela são dispendiosos e muitas vezes ineficazes, principalmente quando se trata de espécies marinhas (Cowie, 2004). Johnson e Padilla (1996) afirma que ao estudar o processo de bioinvasão, pode-se auxiliar na previsão do nível de dispersão e direção da espécie invasora, concentrar os esforços em áreas mais críticas e adquirir conhecimentos de sua biologia e dos mecanismos de dispersão, a fim de evitar futuras bioinvasões. No trabalho de Loureiro (2013) é colocado que o Brasil, diferentemente dos Açores, a problemática da bioinvasão ainda não é colocada como prioridade. O Brasil detém mais de 15% de plantas e animais do planeta, também muitos dos ambientes conservados. É contraditório e chama a atenção de forma urgente, afinal o país necessita do transporte marítimo pois é um fator propulsor da Economia, fazendo-se necessário observar os impactos positivos e negativos gerados pelos portos. Silva et al (2004) abre espaço para uma discussão à cerca desse tema, relatando que há estudos elaborados pelas Universidades públicas e Marinha do Brasil, através do Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira em união com a norma da Autoridade Marítima, NORMAN-20, dando um passo à frente do cuidado com a bioinvasão no país. Porém não há uma “eficiência” na Gestão efetiva do problema, além de poucos recursos, enfraquecendo o sistema. O país controla a água de lastro através da Agência Nacional de Vigilância 257

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Sanitária – ANVISA, o Ministério da Saúde e a Marinha do Brasil, com o intuito de responsabilidade na inspeção das condições sanitárias dos navios, no cuidado com as normas, diretrizes e tratados internacionais sobre o mesmo (Brasil, 2009; Pereira, 2012; Silva et al 2004). Ludsin e Wolfe (2001) afirmam que do ponto de vista econômico, os custos associados com introduções de espécies têm sido elevados. Por outro lado, os impactos econômicos com o controle e erradicação das espécies exóticas são tambem muito altos (Pimentel et al 2001). Daí pode-se refletir o impacto que causa nos setores sustentáveis e a importância de medidas de controle e análise de risco para uma gestão preventiva quanto ao gerenciamento dos mecanismos de introdução e manutenção de espécies exóticas invasoras nos portos. Quanto aos impactos ambientais, a bioinvasão demonstra seu grande potencial de modificar os sistemas naturais e podem alterar processos ecológicos relevantes como o ciclo da água, de energia e/ou de nutrientes, contribuindo para a introdução em áreas não nativas onde pode gerar extinção local e substituição de espécies autóctones, substituição de espécies e outros danos irreparáveis aos ambientes e à biodiversidade, prejudicando inclusive os serviços da natureza (serviços ecológicos ecossistêmicos). Leão et al (2011) comenta que das mais de 47 mil espécies avaliadas quanto ao risco de extinção em escala global, pouco mais de um terço - 36% corre riscos reais de desaparecer caso as ameaças à biodiversidade não sejam controladas. Já Lopes et al (2009) afirmaram que desde o ano de 1600 as espécies exóticas invasoras contribuíram com 39% das extinções de animais cujas causas são conhecidas. Para Anderson et al (2009); Byers et al. (2002); Silva et al (2004) e Zaiko et al (2014), ao trabalhar com espécies exóticas inferem a necessidade de conhecimentos prévios das possíveis vias de introdução e dispersão, através das Ciências da Biogeografia, Ecologia da Invasão e Bioecologia, além de detectar precocemente e monitorar o potencial de invasão, olhando o risco representado em seu estabelecimento.

3.2 Classificação das espécies exóticas, aspectos biogeográficos

De acordo com Farrapeira et al (2007); Farrapeira (2011); Oliveira (2011); Silva et al (2004); Silva (2003) as espécies exóticas são organismos ou material biológico pertinente de propagar animais, incluindo semente, ovos, esporos, entre outros que entram em um ecossistema sem registro anterior. Fernandes e Proença (2005) e Lonhart (2009) afirmam que, assim que ocorre a introdução, as espécies invasoras podem causar impactos variados 258

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em proporção e tipos, inclusive interferindo nas relações tróficas da teia alimentar, pois competem com espécies nativas por espaço e alimentação e podem introduzir substâncias tóxicas ou doenças que afetam os organismos residentes. Lages (2003) diz que as principais características que conferem a habilidade para as espécies serem consideradas bioinvasoras são: o tipo de reprodução, taxa de crescimento, dispersão e a resistência das populações após o estabelecimento destas espécies. Farrapeira et. al (2010) comentam que em uma única visita de uma embarcação com espécies incrustadas no casco em fase de reprodução seria suficiente para introduzir uma nova espécie para a área. As áreas portuárias são ambientes mais suscetíveis para o sucesso da colonização, devido aos pontos de descarga da água de lastro e por serem áreas fechadas. Quando os portos têm a carga e descarga ecologicamente parecidas, o risco de introdução é grande, onde as dragagens e drenagens mudam o regime hidrográfico, abrindo espaço para a colonização de novas espécies, porque também é um ambiente alterado criando oportunidades em diversos nichos (Davidson et al., 2008; Farrapeira et al., 2007; Farrapeira et al., 2010; 2011; Godwin, 2003; Gollsch, 1999; Fofonoff et al., 2003; Lages, 2003; Lonhart, 2009; Lopes et al., 2009; Orensanz et al., 2002; Peterson et al., 2003; Ruiz et al., 2000a; 2000b; Silva et al, 2004; Santos e Lamonica, 2008; Tilman, 2004; Streftaris et al, 2005). A Biogeoografia é uma ciência interdisciplinar, que se preocupa com a história dos seres vivos e sua distribuição geográfica no espaço, sendo dividida em biogeografia histórica e ecológica (Crisci et al, 2000; Morrone, 2004). Embora tenha complexidade e vastidão conceitual – metodológica, existem áreas pouco estudadas, como a Biogeografia marinha (Morrone, 2004). A pesquisa de Hadju e van Soest (1997) aponta a dificuldade de estudar essa área de forma descritiva e exploratória, não através do subjetivo e da história. Como ressaltado pelo autor, o acúmulo de conhecimentos em biologia marinha ainda é escasso,

principalmente

devido

à

grande

extensão

territorial

dos

oceanos,

sua

tridimensionalidade e à hostilidade de alguns ambientes, os quais dificultam as atividades observacionais humanas, tais como, as regiões de profundidade e de mar aberto. Atualmente, os estudos em biogeografia marinha concentram-se, em sua maioria, na caracterização de padrões de distribuição geográfica (Anderson et al., 2009; Gibbons et al., 2010a, b) Ainda no artigo de Gibbons et al. (2010 a) foi relacionado dados quantitativos de riqueza, distribuição geográfica e estratégias de ciclo de vida dentre os Hydrozoa e foi diagnosticado que os táxons holoplanctônicos têm maiores capacidades de dispersão em relação aos bentônicos. Logo em seguida o mesmo pesquisador (Gibbons et al., 2010 b) usou os dados de presença e ausência de espécies de Hydrozoa entre diferentes 259

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estratégias de ciclo de vida desse grupo e concluiu que os táxons holoplanctônicos possuem menos estrutura biogeográfica em relação aos táxons bentônicos. Ambos os estudos corroboram o paradigma clássico marinho da maior distribuição geográfica em grupos com maior potencial dispersivo. Já no trabalho de Oliveira (2011) foi utilizado a Biogeografia com a Ecologia da invasão, cruzou-se as características do padrão de correntes na América do Sul, do Nordeste do Brasil, com a Bioecologia e classificações/status biogeográficos das espécies. A infraclasse Cirripedia, por exemplo, constroi um ambiente propício para se desenvolver e reproduzir, com alta temperatura, salinidade, alimento em suspensão, substrato, auxiliando na estratégia evolutiva das espécies, pois são hermafroditas. De acordo com as pesquisas de Heds (2005); Myers (1997); Myers e Lowry (2009); Garraffoni et al (2006) e Lucas et al (2005) os regimes de correntes e frentes oceânicas, diferenças na temperatura, salinidade, profundidade, gradientes latitudinais, relevo e composição de fundo, até nas diferentes comunidades que se fixam de acordo com os fatores abióticos de cada região. Levando em conta a preocupação com as espécies invasoras e a temática da Sustentabilidade dentro da presente pesquisa, Lourie e Vicent (2004) abordam e discorrem cinco principais áreas nas quais a biogeografia pode ajudar nos estudos de conservação: (1) mapas de distribuição geográfica das espécies; (2) modelos de distribuição; (3) classificações biológicas adequadas para a identificação de áreas; (4) identificação dos processos que determinam e mantêm as distribuições das espécies e (5) ferramentas adequadas para analisar os dados, e todas estas se aplicam ao ambiente marinho. Para efeito de esclarecimento, alguns conceitos baseados nas discussões de Baker et al (2004); Brasil (2009), Chapman e Carlton (1991); Clarke et al (2003); Carlton (1996); Carlton (2009); Farrapeira (2011); Lopes e Villac (2009) referentes aos aspectos biogeográficos são tratados a fim de elucidar as relações e o entendimento da importância dessa ciência junto à Ecologia da invasão na busca pelo potencial das espécies bioinvasoras: Espécie exótica: Registrada fora de sua área de distribuição original. No Brasil, as espécies exóticas são encontradas em áreas fora dos limites de sua bioregião, como resultado de transferências intencionais ou não, muitas vezes até por barreiras naturais. Contida: Quando a espécie exótica é encontrada em ambientes artificiais controlados, por exemplo em tanques de água de lastro, quando cultivamos a espécie para meios científicos.

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Encontrada em ambiente natural: Refere-se a espécie exótica que foi detectada em ambiente natural, contudo sem aumento posterior de sua dispersão ou abundância, ou que não tenha sido encontrado registros sobre a situação populacional da espécie. Estabelecida: É quando foi introduzida, conseguiu reproduzir e tiver seu ciclo completo na natureza, com sinal provável de que teve aumento populacional ao longo do tempo em uma região, até então sem apresentar problemas ecológicos ou socioeconômicos visíveis; Invasora: Refere-se à espécie estabelecida que tenha abundância ou dispersão geográfica que prejudica na capacidade de sobrevivência de outras espécies em uma grande região geográfica ou mesmo em uma área específica. Pode causar impactos grandes em atividades sócio-econômicas ou na saúde humana. O termo “espécie invasora potencial” pode ser referido e enquadrado na classificação de espécie “contida”, “detectada” e “estabelecida”, conforme o risco de invasividade que a mesma apresente. Espécie nativa: vive na sua região de origem; No Brasil, as espécies nativas são espécies endêmicas do Brasil ou originadas de regiões do norte da América Central em fronteira com o oceano Atlântico. Especie Criptogênica: Espécie com origem biogeográfica desconhecida ou incerta, sendo assim considerada quando não tem evidências claras de que a espécie é nativa ou exótica. Espínola e Júlio Junior (2007) discutem sobre a terminologia inserida na definição de espécies introduzidas que pode eventualmente levar a uma carência de definições operacionais, confundindo a interpretação dos paradigmas relacionados com o processo de invasão.

De acordo com os autores o crescimento das populações biogeográficas e a

dispersão na nova área, deverá ser tomado em consideração para evitar interpretações equivocadas. A maioria dos modelos apresentados são incorporados nos mesmos paradigmas para explicar os estados do processo de invasão (chegada, estabelecimento e invasão); No entanto, cada modelo tem seus próprios conceitos. Muitos autores consideram tanto as características das espécies invasivas, tais como as características dos ambientes invadidos para explicar o sucesso das espécies e estabelecimento. O uso de conceitos claros, bem estabelecidos e não subjetivos de espécies introduzidas e invasoras e seus derivados é crucial para unificar os paradigmas do processo de invasão. O termo espécie alóctone é bem empregado no artigo de Carlton (2009); Reise et al (2006) e Serafin e Henkes (2013) quando a espécie é originária de outra região geográfica, porém pertence ao mesmo domínio zoogeográfico, como por exemplo, é do mesmo país, 261

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mas não ocorre originalmente na mesma região. Embora outros meios responsáveis pela transferência de organismos, entre áreas marítimas geograficamente afastadas tenham sido identificados, a água de lastro está entre os mais importantes. A Ecologia da Invasão é um subcampo dentro da Ecologia que analisa os organismos invasores, os fatores extrínsecos e intrínsecos a cada espécie que determinam o fracasso ou sucesso de uma espécie ao deixar uma região doadora e ocupar o ambiente destinatário (Carlton, 1996; Leão et al, 2011; Ludsin e Wolfe (2001). Dentro deste subcampo temos a pesquisa de Lages (2003) e Zaiko et al (2014) que defenderam as hipóteses de que divergentes fases da invasão podem ser analisadas com base nas características da população do invasor e no tamanho do impacto ambiental; que as condições ambientais semelhantes a bioinvasão poderá otimizar em um padrão similar em termos de magnitude do impacto e sequência de fases de invasão; e que não há evidências onde o progresso na invasão de um organismo no ecossistema esteja relacionado com impactos típicos para cada uma das fases da invasão.apresentam três fases diferentes de Invasão: (1) surgimento e expansão inicial; (2) surto; (3) acomodação. No surto é mostrado em três fases diferentes: a expansão tardia, abundância de pico e declínio precoce. Na chegada do animal, há pouco impacto sobre o ecossistema, com pequenos indivíduos e ignorando o fator tempo, porque o período de introdução da espécie é desconhecido e depende da capacidade do recrutamento das gerações sucessivas. A fase surto é enfática nos interesses dos gestores e formuladores de políticas, mais ainda se as invasões trazem impactos ambientais ou socais significativos, dando motivo de preocupação (Reis et al, 2006). A expansão tardia apresenta espécies em diferentes fases de desenvolvimento com biomassa individual baixa combinado com alta abundância devido ao recrutamento. As evidências qualitativas típicas do estágio de surto são as presenças de indivíduos jovens em elevada abundãncia e a ocorrencia de organismos em outras áreas proximas ao ponto de origem da invasão. Depois dessa fase a população declina e entra numa fase de estabilização ou acomodação. A acomodação não implica num estágio que indique o final do processo de invasão. Portanto qualquer espécie exótica que já mostrou sua capacidade de expandir deve ser monitorada em relação suscetitibilidade de um novo surto. A magnitude do impacto está relacionada com a abundância das espécies invasoras; para isso é necessário lançar mão de metodologias para estudos de longo prazo, que sugere uma análise continuada da bioinvasão. O mesmo autor ressalta que a avaliação continuada é uma forma eficaz que fornece informações continuamente atualizadas sobre o processo da bioinvasão. Ela é muito importante para a gestão das áreas portuárias porque as espécies exóticas invasoras muitas vezes não são notadas no ambiente receptor até que

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seus impactos se tornam aparentes, devido aos pouco frequentes monitoramentos ou a escassez de estudos na fase inicial de invasão. Assim, a bioinvasão segue silenciosa e quando o invasor é notado, já causou impactos negativos no ambiente (Simberloff e Rejmánek, 2011). É dificil inferir se uma espécie alienígena vai se tornar invasora ou permanecer inócua, portanto Zaiko et al, (2014) consideram necessárias medidas de gestão numa fase precoce, uma vez que é difícil estabelecer se a dinâmica do processo de invasão vai se instalar ou não. Para os autores o conhecimento sobre as fases do processo de invasão não será importante se não estiverem acompanhados das informações acerca do potencial e magnitude dos impactos que a bioinvasão pode causar em cada fase do processo, corroborando com a presente pesquisa científica e com as idéias dos autores Carlton (1996); Espínola e Júlio Junior (2007); Lopes e Villac (2009); Strayer e Malcom (2006); Pech et al (2002) e Moore e Tjornbo. (2012). Com isso, percebe-se que há uma diversidade de critérios e de opiniões muitas vezes subjetivas, por parte dos especialistas, sobre a situação populacional das espécies invasoras; e a complexa dinâmica de dispersão dessas espécies, que são entraves nos estudos da Ecologia da invasão, que requer o estabelecimento de contato direto com os principais especialistas, para discussão dos critérios e a obtenção de um consenso possível sobre o status populacional da distribuição dessas espécies. É preciso mais estudos que possam levantar essas características.

3.3 Estudos bioecológicos das espécies exóticas Com o respaldo da revisão da literatura sobre espécies exóticas e sua Bioecologia, é possível traçar um perfil de potencialidades e vulnerabilidades, partes que em associação com a Biogeografia e Ecologia da Invasão podem ajudar nos trabalhos de análise do potencial das espécies invasoras. A bioincrustação é o desenvolvimento de uma comunidade bentônica formada por organismos incrustantes, algas e animais que se fixam em substratos naturais ou artificiais submersos. Adicionalmente surgem outros invertebrados bentônicos sedentários de movimentação esporádica ou lenta, ou de hábito tubícola, escavador e perfurador (Baker et al, 2004). Fatores bióticos (presença de adultos, predadores e competidores por espaço) e abióticos como luminosidade, temperatura, salinidade, rugosidade do substrato e sedimentação que influenciam nos padrões de recrutamento, induzindo ou inibindo o assentamento, características químicas no substrato também podem exercer ação atrativa para os organismos bentônicos no processo de recrutamento e também na sucessão (Melo, 2012).

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De acordo com Carlton (1996) e Fernandes (2005), o processo de invasão e o seu sucesso raramente está envolvido com algum parâmetro ambiental. Para o autor, “o palco da história de vida do colonizador inclui seu repertório reprodutivo”; o tamanho da população inoculante; o metabolismo; a variabilidade genética dos colonizantes; a natureza química e física do ambiente; recursos tróficos; a diversidade de espécies residentes, concorrentes, predadores, parasitas; as escalas e intervalos de distúrbio físico e biológico; tamanho mínimo do habitat; e uma série de outras variáveis que podem mediar a maioria dos eventos de invasão. A pesquisa de Kremer (2014) segue o caminho de Carlton (1996) e apresenta a predação como um fator ecológico determinante para a estruturação de comunidades marinhas incrustantes. Para a autora, há uma menor abundância de espécies introduzidas nas placas sujeitas à predação. Desta forma, o estudo de Kremer corrobora a hipótese de que a predação é um importante fator regulador das populações de espécies exóticas, porém não é capaz de impedir a entrada ou extinguir suas populações. Outros fatores extrínsecos a serem considerados são a disponibilidade de espaço para o recrutamento e a disponibilidade de alimento. “O espaço vazio e o alimento são os principais fatores limitantes de comunidades incrustantes” (KREMER, 2014, p.21), em que há uma forte competição local por espaço. O mesmo autor estudou o efeito da predação sobre espécies exóticas invasoras em quatro portos do Brasil e atestou que a predação é uma importante ferramenta para o controle e mitigação da invasão por espécies exóticas no ambiente marinho. Loureiro (2013) em sua dissertação comentou que o período de reprodução, recrutamento e a maturidade sexual oscilam baseados no ciclo hidrológico e outras características ambientais como a temperatura e a pluviosidade. Essas características adequam a bioecologia do animal aos locais onde se estabelece e assim garante sucesso reprodutivo. Muitos crustáceos invasores podem modificar profundamente o local colonizado e sua grande capacidade de gerar impacto se deve principalmente ao complexo papel desempenhado pelas espécies na estrutura trófica dos ambientes colonizados, onde seu estabelecimento traz efeitos em cascata capazes de mudar o fluxo de energia e nutrientes, as funções ecossistêmicas e seu funcionamento. Wright et al (2010) discorre que a resposta de espécies nativas para as espécies invasoras é importante para determinar a extensão do impacto invasor. Espécies nativas podem responder a espécies invasoras através de alterações comportamentais e morfológicas. Resposta comportamental de fauna nativa para predadores invasivos, como a redução da atividade e taxas de alimentação e aumento do uso de refúgios, dependerá da capacidade de fauna nativa para detectar predadores invasores. Espécies invasoras podem formar habitats invasivas representar também uma grande perturbação para muitos 264

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ecossistemas naturais. Estas espécies são muitas vezes consideradas engenheiros do ecossistema ou espécie de fundação por causa da maneira que eles modificam o ambiente abiótico e influenciam na organização comunitária. Além disso, as grandes mudanças abióticas causadas por espécies invasoras podem provocar mudanças comportamentais em fauna nativa. Embora espécies nativas frequentemente co-ocorram com espécies invasoras, há muitos exemplos de espécies de fauna nativas sendo menos abundante e demonstrando que alguma fauna nativa evita essas espécies invasorass, preferindo espécies nativas como habitat. Abordando o comportamento de invasividade de algumas espécies, Lages (2003) expõe que há espécies invasoras que podem secretam substâncias secundárias com considerável toxicidade, atuando como agente alelopático e são eficzes para o estabelecimento e permanência no ambiente invadido, auxiliando na conquista por novos substratos, na defesa contra predadores. Por exemplo, diversas espécies de invertebrados marinhos secretam substâncias químicas como defesa contra potenciais predadores, no entanto não se tem conhecimento quanto a essas toxinas. Se são genéticas ou ambientalmente controladas ou resultantes de aspectos evolutivos, históricos ou ecológicos. Outros autoires defendem ideias que convergem para a construção do potencial de uma espécie e de interpretar o cenário e o impacto em grupos ambientais (Fernandes, 2005; Mckindsey et al, 2007; Silva, 2003; Stachowicz et al, 2002a;b ; Troell et al, 2003; Vitousek et al, 1996; 1997; Whitney e Gabler, 2008). Espínola e Julio Junior (2007) explorou evidências de que a alteração do regime de perturbação pode ser o efeito mais profundo que uma espécie ou grupo funcional pode ter sobre a estrutura e função do ecossistema. Segundo Melo (2012) a pluviosidade a diminuição da salinidade são fatores abióticos que não influenciaram no recrutamento nem na sucessão dos organismos e o impacto ambiental na movimentação de sedimentos, alterando a qualidade da água, relocando sedimentos, causam mortalidade em animais filtradores exercendo maior influência sobre a comunidade incrustante. O trabalho de Muniz et al. (2005) acrescenta que a circulação das correntes na bacia portuária originam a mistura completa das águas e deixa o ambiente homogêneo. Como fator intrínseco que favorece a bioinvasão, Ferreira (2004) está a capacidade de dispersão, permitindo longos deslocamentos, transportando organismos de um lugar a outro por ação humana por meio de água de lastro ou fixados em casco de embarcações. As ascídias são eficientes colonizadoras de novas localidades, adaptando-se bem às condições ambientais do novo ambiente, competindo e dominando estes locais por ausência de seu predador natural, e com isso comprometendo a sobrevivência de espécies nativas.

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Para Menge e Sutherland (1987) apud Ferreira (2004), a determinação da proporção da variância de cada um dos componentes estruturais da comunidade pode ser atribuída a cada um dos processos físicos ou biológicos envolvidos. Silva (2003) e Lotufo (2005) já haviam referenciado o efeito do hidrodinamismo sobre o estabelecimento da comunidade incrustante, e da preferência das ascídias por áreas mais abrigadas. Áreas marinhas antropizadas são vulneráveis à introdução de espécies exóticas, pondo em risco os ecossistemas naturais adjacentes (Rocha e Bonnet, 2008). Os bentos desempenham efeito estruturador, regulando ou modificando a maioria dos processos físicos, químicos e biológicos (Wittenberg e Cock 2001). Estes organismos possuem espécies comercialmente importantes de moluscos e crustáceos, além de servirem como fonte de alimento para peixes de interesse econômico (Soares et al, 1996). Apesar da necessidade das dragagens, nem sempre a riqueza (biótica e abiótica) do substrato oceânico é utilizada de forma sustentável. Mais precisamente, a macrofauna bêntica é formado por pequenos animais com tamanho entre 0,5 e 2 mm. As dragagens, de uma maneira geral, provocam uma diminuição no número de espécies e indivíduos, frequentemente envolvendo alterações nos padrões de dinâmica e distribuição dos bentos. Em um ambiente alterado, as espécies oportunistas são as primeiras a colonizarem o local, ocupando rapidamente as áreas perturbadas (SOARES et al., 1996). Alguns estudos demonstram que as comunidades macrofaunais tipicamente de habitats estressados, são mais resilientes (possuem maior capacidade para adaptação) se comparadas a ambientes mais estáveis, onde nos primeiros o tempo de recuperação foi de 9 meses em média e em ambientes estáveis demorou de um a quatro anos para recobrar as comunidades originais (Bolam e Ress, 2003). Nesse sentido, sempre que uma espécie exótica é identificada, faz-se necessária a realização de estudos aprofundados que expliquem sua ocorrência. Os primeiros registros não podem induzir à definição da espécie exótica como invasora, pois tal comportamento pode não se manifestar em todas as áreas onde foi introduzida. O fator tempo, ambiente e estratégias adaptativas são fundamentais para definição de uma espécie introduzida como invasora. É necessátrio lançar mão de um referencial e de características necessárias que devem ser confirmadas para atestar se uma espécie exótica é invasora. Muitas vezes a detecção de ocorrência de uma espécie exótica pode caracterizar um evento pontual e somente a continuidade no monitoramento pode conduzir à definição do status de estabelecida; a partir daí, será possivel analisar o potencial invasor, considerando critérios biológicos como os apontados por Lopes et al (2009) que relatam a competição por espaço, luz ou alimento; a predação, o parasitismo e a toxicidade

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relacionados com modificações nas interações ecológicas e em processos biogeoquímicos causados pelas introduções biológicas.

5. Conclusões O potencial invasor é menor entre espécies exóticas estabelecidas que mesmo apresentando histórico de nocividade em outros locais, não tenham apresentado ao longo do tempo tal comportamento no local estudado. Espécies exóticas detectadas com manifestação de comportamento nocivo, são espécies potencialmente invasoras A detecção precoce da introdução de uma espécie exótica é fundamental para a tomada de decisão numa restão portuária que prioriza a prevenção, evitando assim maiores complicações com o efeito da bioinvasão. É necessário o monitoramento contínuo das espécies exóticas detectadas e estabelecida nos portos para acompanhamento do seu comportamento no ambiente, com atençaõ à qualquer mudança no status populacional diante de im compotamento invasor como estrategia na gestão portuaria. O controle por parte dos orgãos fiscalizadosres das embarcações é fundamental, evitando o deslastreamento e limpeza de cascos de embarcações qie fazer o trafego maritimo internacional, com o objetivo de evitar novas introduções de especies exóticas nas zonas portuarias É fundamental o monitoramento nas areas do entorno das zonas portuarias paraa companhar a s comunidades biológicas a fim de verificar possiveis dispersões de especies exoticas restritas a zona portuaria (contidas) para outros ambientes, de modo a expandir os impactos nos ambientes naturais. Portanto, uma metodologia eficiente e econômica para ser utilizada no tratamento da invasão biológica é a prevenção, investir em medidas que evitem novas introduções e impeçam a disseminação da espécie. Os Órgãos que representam o manejo das espécies exóticas e o poder público brasileiro devem se unificar, fortalecer políticas públicas do mesmo e capacitar profissionais nessa área, priorizando o desenvolvimento e eficiência de cooperação, tanto em nível nacional quanto internacional, trocando experiências e conhecimentos. É válido salientar, ainda, que para avaliar os impactos que as espécies

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Manejo de Espécies Exóticas Invasoras como Ferramenta de Gestão Sustentável: A Responsabilidade Ambiental Na Implementação de Políticas Públicas em Áreas Portuárias Andrea Silva1, Everthon Xavier2, Múcio Fernandes2, Marcos Meira2 1

Universidade de Pernambuco, [email protected].

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Universidade de Pernambuco, [email protected].

[email protected];

[email protected];

Resumo Desde o processo de instalação até a operação de suas atividades, as áreas portuárias são ambientes sujeitos aos impactos físicos, químicos e biológicos. Entre os impactos nas operações portuárias, os danos relacionados com a bioinvasão são preocupantes, pois as consequências são sistêmicas e comprometem a sociedade, a economia e o ambiente natural do entorno. A bioinvasão é a introdução e estabelecimento de espécies em regiões fora da sua área de ocorrência natural. As espécies exóticas quando se tornam nocivas, ameaçam as espécies nativas, causando desequilíbrio do ecossistema, sendo denominadas invasoras, e elas podem ser introduzidas de diversas formas, intencionalmente ou não. As interferências causadas por essas espécies em um ambiente demoram para serem detectadas e, além disso, o fluxo de embarcações dependem de acordos de vários países, exigindo ações de ordem global. Sendo assim, faz-se necessário conhecer as espécies exóticas invasoras de uma região portuária, no que se refere aos seus locais de origem e as possíveis rotas de dispersão até seu estabelecimento nas áreas receptoras, bem como as principais políticas existentes ao nível local, nacional e mundial, voltadas para um melhor manejo dessas espécies. Nesse contexto, o objetivo desse trabalho foi realizar um estudo sobre as espécies exóticas invasoras e as políticas públicas voltadas para as mesmas. A pesquisa apresenta o estudo sobre espécies exóticas invasoras em portos brasileiros com uma abordagem qualitativa, de caráter descritivo e exploratório, sobre espécies exóticas, à luz da Ecologia de Invasão e das Políticas Públicas Portuárias. Para tal, foi utilizado o método de coleta indireta de dados, através de pesquisa bibliográfica e documental, demonstrando que apesar de existirem normatizações internacionais atualizadas que norteiam o gerenciamento da bioinvasão, as políticas públicas nacionais voltadas diretamente para o monitoramento, controle e erradicação de espécies exóticas invasoras são insuficientes, o que se faz necessária a inclusão de normas e definição de órgãos com maior capacidade técnica para a gestão do objeto em tela, tendo em vista o grande fluxo de transportes marítimos nos portos brasileiros, ameaçando o equilíbrio ambiental e, consequentemente, repercutindo sobre o desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: Bioinvasão; Gestão de portos; Água de lastro.

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1. Introdução

Os ambientes costeiros e marinhos estão entre as regiões que mais sofrem com os impactos ambientais decorrentes do processo de ocupação humana, desta forma, as regiões litorâneas tendem a possuir uma maior densidade populacional que as regiões mais internas dos continentes. Aproximadamente um terço da população brasileira habita a beiramar (Freire, 2002), e essa expansão exige que infraestruturas e atividades econômicas estejam concentradas, progressivamente, nessas regiões. Dessa forma os portos marítimos atraem também indústrias e serviços para seu entorno, pressionando ainda mais os ecossistemas costeiros, como relata Estache e Rus (2003) que definem os portos como locais de transferência de mercadorias, de transporte, com mercados multifuncionais e áreas industriais. Desde o processo de instalação até a operação de suas atividades, as áreas portuárias são ambientes sujeitos a diversos impactos ambientais. Causando assim, um processo de degradação devido ao aumento da pressão sobre os recursos naturais e a capacidade limitada desses ambientes de se recuperarem (Asmus et al., 2004). Dentre os impactos provenientes das operações portuárias, os danos relacionados com a bioinvasão são importantes para a gestão dos portos, pois suas consequências são sistêmicas e comprometem a sociedade, a economia e o ambiente natural do entorno. A bioinvasão é a introdução e estabelecimento de espécies em regiões fora da sua área de ocorrência natural (Souza, 2010). Esse processo pode ameaçar as espécies nativas, resultando num desequilíbrio do ecossistema. Sendo necessários diversos mecanismos e ferramentas exclusivos na gestão das áreas portuárias. Os estudos da Ecologia da Invasão para a gestão dos impactos de espécies marinhas invasoras são necessários, pois possibilitam entender os processos de dispersão natural e as possíveis interações destes com aqueles derivados da atividade humana. Diante deste contexto, o presente trabalho busca realizar um estudo sobre a bioinvasão nos portos, como subsídio para melhoria da gestão portuária e dos ambientes costeiros associados, conhecendo as políticas públicas voltadas para o manejo de espécies exóticas invasoras em áreas de influência dos portos nos contextos nacional e global. A revisão documental e bibliográfica realizada permitiu analisar a evolução da gestão portuária através das relações entre o transporte marítimo e o meio ambiente, analisando os mecanismos regulatórios nas políticas públicas globais e nacionais brasileiras, que convergem para o manejo de espécies exóticas em áreas portuárias e as repercussões destas no desenvolvimento sustentável. 2. Métodos Para o desenvolvimento desse estudo, foi utilizado o método de coleta indireta de dados, através de pesquisa bibliográfica e documental, visando o levantamento de diversas informações sobre a temática, buscando não apenas repetir assuntos já descritos, porém, desenvolvendo uma maneira de examiná-los através de um novo enfoque ou abordagem (Marconi e Lakatos, 2010).

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Através desse método, houve uma busca por publicações dentro do período de busca estabelecido, assim como a seleção e a classificação das mesmas em termos de evidência científica, de forma sistemática e padronizada, assegurando o rigor metodológico da presente revisão. Os documentos nacionais e internacionais compilados foram somados ao material bibliográfico e permitiram a análise das políticas públicas para subsidiar a execução do presente artigo. 2.1 Critérios para seleção de artigos 2.1.1 Bases de dados As buscas foram realizadas em cinco bases de dados bibliográficas: SciElo, Management of Biological Invasions, International Journal of research on Biological Invasions in Aquatic Ecosystems, ResearchGate e Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Governo Federal – Capes. Ao finalizar, as pesquisas em cada base, as referências repetidas foram excluídas. 2.1.2 Recorte Temporal Foram selecionados artigos publicados entre 2000 e 2015 (incluindo aqueles disponíveis online em 2015 que poderiam ser publicados em 2016). 2.1.3 Idiomas Foram selecionados artigos escritos em inglês, português e espanhol. 2.1.4 Escolha de Descritores No processo de indexação na base de dados bibliográficos, optou-se pela busca de vocabulário controlado (descritores). Os termos Áreas portuárias e Manejo de espécies exóticas foram combinados com: bioinvasão, espécies invasoras, gestão portuária, gestão sustentável, responsabilidade ambiental, políticas públicas; água de lastro, gestão de portos, nas três línguas escolhidas. As combinações obtidas permitiram a formação de tópicos que constituíram os capítulos descritos nos resultados e discussão apresentados no presente artigo. 3. Resultados e Discussão 3.1 Das grandes navegações aos portos modernos: as relações entre o transporte marítimo e o meio ambiente

Desde a Antiguidade, o espaço marítimo vem sendo utilizado para o transporte de diversas mercadorias, devido ao aumento das rotas e das inovações tecnológicas dos navios, observa-se o comprometimento da qualidade das águas, provocando assim, impactos ao meio ambiente. O transporte marítimo está intimamente ligado à utilização das diferentes áreas ou das instalações portuárias, e segundo Van Nierkerk (2005), vem se configurando como um dos motores primordiais da economia mundial, movimentando mais de 80% das mercadorias do mundo. 277

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Desta forma, é possível perceber a importância dos impactos, positivos ou negativos, gerados pelas áreas portuárias nos aspectos econômico-financeiro e socioambiental, fazendo com que a eficiência dos portos e do transporte marítimo seja essencial no crescimento e desenvolvimento econômico e social dos países (Crucey, 2006; Giner e Ripoll, 2009). No Brasil, considera-se que o sistema portuário teve seu início no processo de colonização portuguesa, durante a implantação das capitanias hereditárias, devido às navegações marítimas serem o principal modal difusor das conquistas territoriais no século XV (Reis, 2011). Desta forma, os portos são considerados sistemas altamente complexos, inseridos em sistemas ambientais, sociais e econômicos ainda mais complexos. De acordo com Estache e Rus (2003), podemos caracterizar os portos como locais de transferência entre diversos modais de transporte, lá existem mercados multifuncionais e áreas industriais, onde as cargas estão em trânsito mas também são manufaturadas, manipuladas e distribuídas, que necessitam de sistemas e equipe com qualificação adequada. 3.1.1 Políticas públicas e gestão ambiental portuária Segundo Kitzmann e Asmus (2006), a gestão ambiental é o conjunto de programas e práticas administrativas e operacionais voltados à proteção do ambiente, a saúde e a segurança de trabalhadores, usuários e comunidades. Essas ferramentas, se bem aplicadas, podem ser consideradas um diferencial competitivo em diversos setores da economia. Assim, observa-se a importância desses procedimentos em diversas localidades, principalmente em áreas portuárias. O grande desafio está em aliar as práticas de gestão ambiental às políticas públicas de controle dos impactos das atividades portuárias no que se refere ao monitoramento da introdução e efeitos sinérgicos das espécies invasoras nos ambientes costeiros, pois isso é fundamental ao desenvolvimento sustentável. De acordo com Porto e Teixeira (2002), essa “visão ambiental” ainda está longe de ser incorporada no dia-a-dia do porto. Analisando a Lei Nº 12.815/2013 (Brasil, 2013), que dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União, de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários; observa-se que, diferente de todas as legislações criadas até então, esta aborda a questão ambiental em seu capítulo VIII, citando a importância do monitoramento. Porém, assim como em alguns locais, poucas empresas de um complexo portuário realmente tratam as questões ambientais nas fases de operação, diminuindo assim os riscos ambientais. É possível notar que a negligência com o transporte marítimo pode causar diversos distúrbios no ambiente marinho, por causa disso, fazem-se necessárias legislações específicas para seu controle. O decreto 1.530/1995 institui a entrada em vigor da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Brasil, 1995), e define a poluição do meio marinho ou estuarino como a introdução pelo homem, de forma direta ou indireta de substâncias ou de energia de modo a provocar efeitos nocivos, tais como danos aos recursos vivos e à vida marinha, riscos à saúde do homem, entrave às atividades marítimas, incluindo a pesca e as outras utilizações legítimas do mar, alteração da qualidade da água do mar, no que se refere à sua utilização, e deterioração das áreas de lazer. Incluindo, portanto, a introdução de espécies nocivas. Antes da criação de órgão internacionais, vários países começaram a adotar medidas individuais visando à eliminação dos riscos causados pela introdução de espécies exóticas através da água de lastro dos navios. Mas essas medidas internas não eram eficazes pois os problemas ambientais relacionados com a invasão de espécies não-nativas devido à água de lastro das embarcações, acabam envolvendo relações internacionais 278

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(CNUMAD, 1972). Mas de acordo com Vianna e Corradi (2007), é necessária uma visão internacionalista dos três agentes envolvidos: O agente transportador, que leva o material biológico de um local a outro; o Estado receptor, que sofrerá as maiores consequências da introdução desse material; e um outro Estado (nem transportador, nem receptor) que seja atingido pelos efeitos da disseminação desse material; para analisar cada situação. Assim, na tentativa de controlar os problemas decorrentes da bioinvasão, que vêm se agravando nos últimos anos, existe uma mobilização mundial sobre a temática, e a partir daí foram criadas diversas recomendações e regulamentações, por organizações internacionais e pelas autoridades locais de cada país, como medida de mitigação desse problema. A International Maritime Organization - IMO (2004) ocupa lugar de destaque entre essas organizações. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar - CNUDM, ocorrida em 1982, foi um dos primeiros dispositivos na legislação internacional a tratar do problema específico da bioinvasão provocada pelo transporte da água de lastro. O Decreto de Lei 1.530, de 22 de junho de 1995 (Brasil, 1995), oriundo da CNUDM, trata em seu artigo 196 sobre a responsabilidade dos Estados em tomar todas as medidas necessárias para prevenir, reduzir e controlar a poluição no ambiente marinho e a introdução intencional ou acidental de espécies marinhas, novas ou exóticas. Apesar da importância da CNUDM, o órgão responsável pelas orientações e diretrizes para o manejo da água de lastro é a International Maritime Organization - IMO, padronizando todos os elos da indústria marítima, incluindo a pesca, os portos, a navegação e a produção naval. Em outubro de 1983, a IMO instituiu a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios - MARPOL, que deu origem ao Comitê de Segurança Marítima - MSC e ao Comitê de Proteção ao Meio Ambiente Marinho - MEPC. Na resolução MEPC.50(31) (MEPC, 1991), foram traçadas diretrizes internacionais para a prevenção da introdução de espécies exóticas, provenientes da água utilizada como lastro e dos sedimentos nela contidos. Após a Rio-92, os Estados adotaram medidas propostas nesta resolução e como resultado foi instituída a resolução A.774(18) (IMO, 1993), essa resolução influenciou o MSC a emitir em 1997 orientações relativas aos aspectos de segurança no que tange à troca de água de lastro no mar. Desta forma, em 1997 a IMO adotou, por meio da Resolução A.868(20) (IMO,1997), as diretrizes para o controle e gerenciamento da água de lastro dos navios. O documento resume orientações técnicas e científicas que auxiliam os Estados Membros da IMO, com o objetivo de minimizar a transferência de organismos aquáticos nocivos e agentes patogênicos, inclusive pedindo que esses Estados empreendessem ações urgentes para aplicar essas diretrizes, com o propósito de minimizar os danos provenientes da água de lastro. As alterações ocorridas no meio ambiente, sejam elas por meio de eventos naturais ou não, são preocupações recorrentes aos órgãos públicos. A Constituição Federal no Brasil (1988) estabelece, no Artigo 255, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo este bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, restando ao poder público e à população o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981 (Brasil, 1981), que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, fala das condições do desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana. Ainda considera o meio ambiente como um patrimônio público, que deve ser protegido, tendo em vista o uso coletivo, alertando para a necessidade de racionalização, planejamento, proteção e controle dos diferentes ecossistemas e dos recursos ambientais, assim como a recuperação de áreas degradadas. A partir desta lei, foram institucionalizados diversos órgãos federais, estaduais e municipais. 279

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Todas as atividades que ocorrem no porto encontram-se sob um controle estatal e internacional, que tem a finalidade de exercer a função de gerir e fiscalizar essas áreas portuárias. Sendo essa uma das competências listadas na Lei Nº 12.815 de 05 de junho de 2013 (Brasil, 2013), que trata da exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários: § 1o Compete à administração do porto organizado, denominada autoridade portuária: (…) VI – fiscalizar a operação portuária, zelando pela realização das atividades com regularidade, eficiência, segurança e respeito ao meio ambiente; (...) Sendo assim, sobre o que diz respeito às espécies exóticas invasoras, cabe aos órgãos públicos fiscalizarem a maior porta de entrada delas nos portos: a água de lastro. Mas devidio ao risco de entrada de organismos patógenos por essa via marítima, o Governo Federal entregou ao Ministerio da Saúde a responsabilidade no gerenciamento da água de lastro, que hoje é monitorada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Diante da competência maior que abrange tanto a regulação sanitária quanto a regulação econômica do mercado como a responsabilidade pela coordenação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), de forma integrada com outros órgãos públicos relacionados direta ou indiretamente ao setor saúde, a ANVISA, acaba por não priorizar as ações gerenciais necessárias ao controle eficiente da água de lastro nos portos brasileiros. Se manuseada da maneira correta, a água de lastro não apresenta nenhum risco ao meio ambiente, porém devido à problemática que pode resultar de seu uso, foram criadas legislações específicas para o seu uso e descarte, entre as quais destaca-se a Lei 9966 de 28 de abril de 2000 (Brasil, 2000), que cita em seus artigos 4º, 15º, 16º e 18º sobre suas formas de manuseio, e ainda: Art. 21. As circunstâncias em que a descarga, em águas sob jurisdição nacional, de óleo e substâncias nocivas ou perigosas, ou misturas que os contenham, de água de lastro e de outros resíduos poluentes for autorizada não desobrigam o responsável de reparar os danos causados ao meio ambiente e de indenizar as atividades econômicas e o patrimônio público e privado pelos prejuízos decorrentes dessa descarga. Também se destaca a norma RDC 72/2009 (ANVISA, 2009), que traz na seção VI as recomendações para o manuseio da água de lastro: Art. 62. Quando houver recomendação específica ou evidência de risco sanitário em determinada área geográfica, o lançamento de água de lastro captada nestas áreas, em águas sob jurisdição nacional, deve ocorrer após análise e autorização da autoridade sanitária. Art. 63. Toda embarcação, a critério da autoridade sanitária, está sujeita a coleta de amostra de água de lastro para análise, com vistas à identificação da presença de agentes nocivos e patogênicos e indicadores físicos e componentes químicos. (...) Assim para atingir esse parâmetro de respeito e proteção ao meio ambiente, são necessárias ferramentas como a gestão ambiental. De acordo com Kitzmann e Asumus (2006), a gestão ambiental é o conjunto de programas e práticas administrativas e operacionais volta à proteção do meio ambiente e à saúde e segurança dos trabalhadores, usuários e a comunidade. 3.1.2 A problemática da água de lastro Em áreas portuárias, é possível observar diversos e frequentes danos ambientais decorrentes da navegação marítima, por meio do derramamento de vários tipos de óleo, 280

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operações portuárias e resíduos sólidos diversos. Porém dentre todos os problemas oriundos da atividade portuária, destaca-se o deslastreamento de navios no mar territorial e nas águas interiores ou instalações portuárias (Obregon; Fabriz, 2015). A IMO define o gerenciamento da água de lastro como sendo processos físicos, químicos e biológicos, sejam individualmente ou em combinação, para remover, tornar inofensiva ou evitar a captação ou descarga dos organismos aquáticos nocivos e agentes patogênicos encontrados na água de lastro ou em sedimentos nela contidos. O gerenciamento adequado da agua de lastro é tratado pela IMO como a principal medida de controle à entrada de espécies exóticas nos portos e por isso criou o Programa GloBallast (2008-2016) para sustentar o impulso global no combate ao problema da água de lastro e para catalisar parcerias globais inovadoras para desenvolver soluções, visando ajudar os países em desenvolvimento a reduzir a transferência de organismos aquáticos nocivos em água de lastro de navios; aumentar as capacidades do governo e de gestão portuária; instigar reformas legais, políticas e institucionais a nível nacional; desenvolver mecanismos para a sustentabilidade; conduzir a coordenação regional e cooperação; estimular os esforços globais para desenvolver soluções de tecnologia; e melhorar a gestão e informação trocando conhecimento global para apoiar iniciativas de biossegurança marinha. A água que possui partículas suspensas e é levada a bordo, para o controle do trim, calado, estabilidade ou tensões do navio é a água de lastro (Camacho, 2003), essas águas podem ser coletadas em estuários e portos em diversas áreas do mundo, podendo levar organismos exóticos e patogênicos. Devido ao grande número de rotas e navegações realizado todo ano, estimava-se que eram transferidos cerca de 10 bilhões de toneladas de água de lastro (Carmo, 2006). De acordo com Carlton e Geller (2003), aproximadamente 3.000 espécies de animais e plantas eram transportadas por dia em todo mundo, aproximadamente 50.000 organismos zooplanctônicos e 10 milhões de organismos fitoplanctônticos sendo encontrados em cada metro cúbico de água. Com o incremento do mercado internacional e o advento da globalização, esse volume de agua de lastro e consequentemente transporte de organismos entre oceanos e mares do mundo inteiro têm aumentado consideravelmente. Durante a Rio 92, evento organizado pela Organização das Nações Unidas – ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, houve a elaboração da Agenda 21, que dentre diversas intenções no documento, em seu capítulo 17, sugere a adoção de normas apropriadas sobre à descarga de água de lastro, com vistas a impedir a disseminação de organismos invasores (CNUMAD, 1992). A IMO também, juntamente com outros orgãos, elaboraram no âmbito do Programa GloBallast o Guidance on Port Biological Baseline Surveys (IMO, 2014a) e o Guide to Ballast Water Treatment Systems (IMO, 2014b), que são publicações que servem como orientação para aqueles que estão planejando a realizar de um estudo no contexto da Gestão da Água de Lastro. Sendo utilizado como guia para os impedir a transferência espécies exóticas invasoras na água de lastro dos navios de um ambiente marinho a outro (IMO, 2014a). Todas estas medidas visam evitar a invasão de espécies em áreas portuárias. 3.2 A bioinvasão em áreas portuárias Espécies exóticas invasoras são aquelas encontradas fora da sua área de distribuição geográfica atual, oferecendo ameaça às espécies naturais já estabelecidas, que por sua vez causam desequilíbrio do ecossistema. Elas podem ser introduzidas de diversas formas, intencionalmente ou não: através da água de lastro, incrustações em cascos de embarcações, aquicultura, aquarismo e nas atividades de pesca (Farrapeira et al., 2007). 281

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Segundo Silva e Souza (2004), a incrustação em cascos de navios é a responsável por um grande número de introduções de espécies marinhas ao longo do tempo, entretanto, a descarga da água de lastro é potencialmente a mais importante. Para Collyer (2007) basta que o invasor seja pequeno o suficiente para passar através dos filtros da rede e das bombas de lastro, como os microrganismos, bactérias, ovos, cistos, larvas e até pequenos invertebrados de diversas espécies. Sendo assim, nos estudos sobre a bioinvasão para a gestão dos impactos causados por espécies marinhas invasoras é necessário entender os processos de dispersão natural e as possíveis interações destes animais com os ambientes criados pelo homem. São diversos os danos ambientais e socioeconômicos em ecossistemas marinhos, que podem ser atribuídos como consequência do processo de invasão de espécies exóticas, sendo a perda da biodiversidade uma das principais causas de impacto em zonas costeiras (Leão et al., 2011). Fernandes e Proença (2005) e Lonhart (2009) afirmam que, assim que ocorre a introdução, as espécies invasoras podem causar impactos variados em proporção e tipos, inclusive interferindo nas relações tróficas da teia alimentar, pois competem com espécies nativas por espaço e alimentação e podem introduzir substâncias tóxicas ou doenças que afetam os organismos residentes. De acordo com Lopes, Villac e Schaeffer-Novelli (2009), as interferências causadas por espécies invasoras em um ambiente podem passar despercebidas por décadas, o que dificulta o controle das mesmas. Segundo o Ministério do Meio Ambiente do Brasil (2006), as espécies exóticas invasoras são consideradas a segunda maior causa de extinção de espécies no planeta, afetando diretamente a biodiversidade, a economia e a saúde humana. Existem critérios e parâmetros definidos para uma espécie exótica se tornar invasora. Para Lages (2003), as principais características que conferem a habilidade para as espécies serem consideradas invasoras são: o tipo de reprodução, taxa de crescimento, dispersão e a resistência das populações após o estabelecimento destas espécies. Em áreas portuárias, uma das maiores ameaças ao meio ambiente é representada pela introdução e estabelecimento dessas espécies. Desde o séc. XVII, 39% de todos os animais extintos tiveram contribuição de alguma espécie invasora; os prejuízos causados são sentidos não só na biodiversidade e no ecossistema, mais também na economia (Lopes, 2009). A ocorrência de espécies exóticas invasoras, é um crescente fenômeno global, que afeta as áreas ambientais e socioeconômicas de uma região. Ultimamente esta situação tem sido agravada a intensificação das vias de risco e mudanças nos padrões de comércio, que aumentaram a conectividade global (Mack et al., 2000). Assim, tornou-se fácil o transporte de uma espécie de um lugar a um outro, que naturalmente ela não teria acesso. As estruturas artificiais marinhas, como cais, portos, marinas e além dos cascos dos navios e outras embarcações, representam novos habitats que permitem a muitos dessas novas espécies se proliferarem e se propagarem (Ruiz et al., 2009). E, combinado a ausência de ferramentas de gestão de espécies exóticas invasoras, há tempos atrás, resultaram na proliferação de algumas espécies em diversos portos do mundo. Segundo Collyer (2007), quando ocorre um acidente como poluição marinha por óleo, por exemplo, existem medidas para combater imediatamente o problema, no entanto, danos ocasionados por organismos exóticos podem ser irreversíveis, uma vez que muitos destes organismos não se encontram no habitat no qual foram inseridos. Por isso, a bioinvasão constitui a segunda causa mundial de perda de diversidade biológica, perdendo apenas para a conversão direta de ambientes naturais (Wittenberg e Cock, 2001). 282

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No entanto, atualmente, já existem novas ferramentas para avaliar os riscos das espécies exóticas invasoras e até erradicá-las (Keller e Drake, 2009). Segundo o Ministério do Meio Ambiente do Brasil (MMA, 2006), as técnicas utilizadas para a erradicação, contenção ou controle devem ser seguras para os seres humanos, para o meio ambiente e também, aceitáveis eticamente pelos interessados nas áreas afetadas pelas espécies exóticas invasoras. Sendo assim, as medidas mitigatórias, devem ser aplicadas logo nos primeiros estágios da invasão. A maioria das soluções para o controle de pragas marinhas, envolvem técnicas manuais que dependem de mergulhadores, através de remoções, e tratamentos físicos ou químicos (Hewitt et al., 2005), que possuem eficácia limitada ou temporária. 4. Conclusões A gestão portuária no Brasil é reativa quando trata das responsabilidades no controle de introdução de espécies exóticas. Frente a esse panorama, as instituições governamentais vêm buscando subsídios baseados em evidências científicas para adoção de políticas públicas que possam minimizar a carga da bioinvasão através dos portos no Brasil. Apesar de existirem normatizações internacionais que norteiam o gerenciamento da bioinvasão, não existem mecanismos de políticas públicas locais eficazes, voltadas diretamente para o controle e erradicação de espécies invasoras, o que se faz necessário devido ao grande fluxo de transportes marítimos nos portos brasileiros, além de melhores mecanismos como medidas de precaução, já que os danos associados a bioinvasão podem ser irreversíveis É necessário priorizar iniciativas que possam buscar técnicas e metodologias de prevenção da invasão de espécies exóticas em áreas portuárias, que vem através da água de lastro. Minimizando assim possíveis problemas entre países. Conjuntamente com estes estudos sugeridos, faz-se necessário um programa de gestão ambiental eficiente para reforçar o trabalho dos gestores públicos e empresários das regiões portuárias brasileiras. Torna-se urgente reavaliar as competências dos órgãos responsáveis pelo monitoramento da água de lastro no Brasil, hoje vinculado a um órgão do ministério da saúde, a ANVISA, afim de aproximar essa competência de órgãos com maior capacidade técnica para desenvolver tais medidas gerenciais. Referências

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O verde no meio do caos: A experiência de comunidades tradicionais no Recife/PE e caminhos sustentáveis para adaptação às mudanças climáticas. Rômulo Lima Silva de Góis

(R)

, João Vitor Gobis Verges

(b)

(R)

PDACPDS, FCT/UNL, Capes Foundation, Processo nº 1471-13-9, [email protected]

(b)

PDACPDS, FC/UL, Capes Foundation, Processo nº 9719-13-0, [email protected]

Resumo

Objetiva-se com o artigo assinalar formas de interações socioambientais como medida de adaptação às mudanças climáticas e de redução da vulnerabilidade em comunidades socialmente sensíveis a cenários climáticos futuros. O IPCC e o PBMC, dois grandes órgãos nas escalas mundial e nacional sobre mudanças do clima, através de projeções de temperatura derivadas dos modelos globais, preveem aumento de temperatura durante as próximas décadas. Através de corte territorial específico são apontadas problemáticas ambientais enfrentadas pela cidade de Recife/Brasil. Parte-se das comunidades tradicionais, utilizando-se a conceituação estabelecida pelo Decreto Federal nº 6040 de 7 de fevereiro de 2000. Na cidade mencionada foi possível dialogar com representantes de comunidades ribeirinhas e colônia de pescadores que utilizam práticas de interação com o meio ambiente voltadas para preservação e desenvolvimento de atividade socioeconômica sustentável. Desenvolve-se a problemática utilizando aportes conceituais em diálogo com dados primários colhidos em pesquisa de campo. Foram utilizados, também, questionários direcionados para três clusters: representantes da sociedade civil, representantes do poder legislativo e representantes do poder executivo. Os questionários foram constituídos por duas partes, uma com perguntas fechadas e outra com perguntas abertas, respondidas através de entrevista em profundidade, sendo possível depois da aplicação dos mesmos ponderar resultados quantitativos e qualitativos. Utilizou-se de revisão bibliográfica para discutir conceituações sobre sustentabilidade e vulnerabilidade social. Observa-se que as ações tomadas pelas comunidades se aproximam de indicações de trabalhos científicos e políticos, como o caso da PNUMA-ONU, que possibilitam construções de resiliências que potencializam suas afirmações futuras. Defende-se, através de exemplificações, que o conhecimento tradicional das comunidades averiguadas associado a projetos socioambientais em andamento podem constituir caminho adaptativo as mudanças climáticas e de inclusão social, resultando da análise das atividades desenvolvidas pelas comunidades tradicionais e dos dados coletados numa conclusão abalizada em relação de causa/efeito que evidencia um caráter conservacionista para áreas de mangues, de manejo e produção sustentáveis de crustáceos e de conscientização e responsabilidade com meio ambiente. Recomenda-se conduzir e pensar políticas públicas que gerem a adaptação dos atingidos às mudanças climáticas e no âmbito científico investir em pesquisas futuras direcionadas a escolha de alternativas com a finalidade de reduzir ao máximo os impactos à população atingida.

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Palavras chave: Mundanças Climáticas; Desenvolvimento Sustentável; Medidas de Adaptação; Vulnerabilidade social.

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Pressões urbanas e suas implicações sobre a sustentabilidade da pesca artesanal em Recife, Nordeste do Brasil Simone Ferreira Teixeira1, Susmara Silva Campos2 1

Mestrado em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável – FCAP/UPE; Laboratório de Etnoecologia e Ecologia de Peixes Tropicais – ICB/UPE, [email protected] 2

Laboratório de Etnoecologia e Ecologia de Peixes Tropicais – ICB/UPE; Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco - IFPE, [email protected] Resumo A zona costeira possui importante função socioeconômica como fonte de recursos naturais e serviços ecossistêmicos, ressaltada, no nordeste do Brasil, pelos manguezais. Por seu valor econômico e paisagístico, a região costeira é alvo do desenvolvimento urbano, impactando as comunidades de pescadores artesanais. As comunidades pesqueiras urbanas, além da depleção dos recursos pesqueiros, enfrentam problemas urbanos e impactos antropogênicos que afetam a sustentabilidade da pesca. O objetivo deste trabalho foi levantar as pressões antrópicas sobre a comunidade de pescadores artesanais de Recife, inferindo seus reflexos na sustentabilidade da pesca. O bairro de Brasília Teimosa está inserido em Recife, capital de Pernambuco, margeado pelo estuário da Bacia do Pina, onde se encontra o Porto de Recife, e pelo Oceano Atlântico, com uma extensa linha de recifes de corais. Este bairro possui 65,4 ha, sendo considerado uma Zona Especial de Interesse Social, que são áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda. Nesse bairro encontram-se pescadores artesanais estuarinos/marinhos e marisqueiras, que pescam/coletam através de uma diversidade de embarcações e artefatos de pesca, em variados territórios de pesca. Os registros dos estressores antrópicos sobre Brasília Teimosa vêm sendo listados, desde 2004, através de observação in loco e análise documental, tanto na margem da comunidade pesqueira, como ao longo do baixo rio Capibaribe, devido à influência de seus impactos sobre o estuário. Os dados levantados foram analisados quanto às consequências e efeitos na sustentabilidade da pesca na área. A perda de territórios de pesca, como portos e locais de desembarque e bancos de moluscos, é consequência de estressores como pressões imobiliária e comercial, dragagens e assoreamento do rio/estuário e turismo. A perda de locais de desembarque interfere no escoamento do produto, afetando negativamente a renda líquida. As dragagens e o assoreamento ocasionaram a perda de habitats naturais, com redução dos estoques de moluscos, exigindo maior esforço de pesca para manutenção da produção pesqueira, e a ressuspensão de metais pesados ocasiona a contaminação dos pescados. As pressões imobiliária e comercial também provocaram impactos ecológicos, como o desmatamento do manguezal adjacente, provocando diminuição da área berçário para estoques de peixes jovens, moluscos e caranguejos. O desenvolvimento turístico provocou a realocação de famílias para áreas distantes da margem do estuário, que deixaram de ter a pesca como fonte de renda, devido à distância e gastos com deslocamento. Outro estressor importante foi a poluição do estuário por efluentes domésticos, hospitalares e industriais, afetando diretamente o habitat dos pescados alvo. A poluição das águas também causa problemas laborais como doenças de pele e ginecológicas nas marisqueiras. Através do levantamento das pressões urbanas, pode-se inferir que os impactos antrópicos urbanos vêm afetando 289

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negativamente a pesca em Recife, comprometendo a continuidade da comunidade pesqueira urbana de Brasília Teimosa. Os estressores antrópicos compilados por esse trabalho são relevantes para subsidiar os órgãos governamentais regulamentadores a elaborarem políticas públicas integradas que considerem os impactos urbanos negativos sobre as comunidades pesqueiras artesanais, visando minimizar ou dirimir as pressões antrópicas sobre as áreas costeiras para a manutenção da sustentabilidade da pesca artesanal. Palavras-chave: estressores antrópicos, sustentabilidade da pesca, pescadores artesanais, catadores de moluscos, nordeste do Brasil. 1. Introdução As zonas costeiras são espaços complexos, com características naturais específicas, possuindo ecossistemas diversificados, de grande importância ambiental e ecológica, sendo áreas de grandes riquezas naturais e serviços ecossistêmicos. A zona costeira do nordeste do Brasil apresenta vários estuários de pequena extensão marginados por manguezais e formação de recifes de corais, que se estendem por cerca de 3.000 km. Esses ecossistemas abrigam a maior diversidade da ictiofauna em ambientes marinhos (Ferreira et al., 2001), e são de grande importância ecológica, econômica e social para a região, pois abrigam estoques pesqueiros importantes que contribuem para a subsistência de várias comunidades costeiras tradicionais (Scherer et al., 2010), tanto de pescadores como de coletores de moluscos (marisqueiras). Devido às suas características, as zonas costeiras ocupam uma posição estratégica no intercâmbio comercial, concentrando atividades portuárias, favorecendo o assentamento de cidades e indústrias e oferecendo inúmeros atrativos de lazer para grandes aglomerados urbanos (Rebouças et al., 2006). A grande urbanização e ocupação das áreas costeiras provocam pressões urbanas e geram impactos antrópicos negativos como, emissão de resíduos domésticos e industriais, poluição dos cursos d’água associados, aterro de manguezais, especulações imobiliárias, diminuição do espaço de moradia e trabalho, turismo desordenado e exclusão social. Estas pressões têm provocado queda da produtividade natural dos ecossistemas costeiros e da própria pesca (Vasconcellos et al., 2007), causando degradação ambiental e perda da qualidade de vida das comunidades ribeirinhas (Marcelino et al., 2005), acarretando na redução de diversos produtos marinhos e estuarinos, diminuição das áreas e territórios de pesca, com perda de locais de embarque/desembarque e de pesqueiros. As pescarias, na região nordeste, são principalmente artesanais, caracterizadas pela alta diversidade de espécies, baixa abundância (Castello, 2010), elevado valor comercial (Lessa et al., 2009) e capturas por meio de pescarias multiespecíficas. O uso de tecnologias é pouco desenvolvido, os desembarques são descentralizados e há falta de assistência técnica e carência de infra-estrutura, da produção à comercialização (Lessa et al., 2009). A coleta de moluscos ou mariscagem é uma das atividades de subsistência mais comuns nos manguezais nordestinos, sendo uma prática de pesca tradicional extrativista e concentrada na periferia das capitais, cidades e municípios próximos a estuários. Ocorre durante todo o ano, tendo como base econômica a mão de obra familiar ou grupo de vizinhança, composta principalmente por mulheres e crianças, utilizando instrumentos de produção simples, embarcação de pequeno porte e disponibilidade do recurso a ser explorado (Nishida et al., 290

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2008; Souza et al. 2010). As marisqueiras são grupos economicamente marginais, extremamente pobres e pouco reconhecidos entre outros pescadores artesanais. Assim, além dos problemas relacionados diretamente à pesca, os pescadores e marisqueiras de áreas urbanas precisam lidar com as pressões antrópicas próprias de áreas urbanas sobre os ecossistemas, os recursos vivos e seus territórios de pesca. O objeto de estudo deste trabalho foram os pescadores artesanais marinhos e estuarinos da comunidade de Brasília Teimosa, localizada em Recife, capital de Pernambuco, principal comunidade pesqueira artesanal do estado, composta por pescadores e marisqueiras. Considerando que as comunidades pesqueiras urbanas vêm sendo afetadas pelas pressões urbanas devido aos impactos antrópicos negativos próprios das zonas costeiras, este trabalho teve como objetivo realizar o levantamento, por meio de observação in loco e relatos dos pescadores/marisqueiras e de documentos, dos efeitos da urbanização sobre as principais atividades da comunidade de Brasília Teimosa e que podem comprometer a perpetuação e sustentabilidade da pesca artesanal marinha e estuarina em áreas urbanas. 2. Métodos 2.1 Área de estudo A cidade de Recife, capital do estado de Pernambuco, está inserida em uma das maiores regiões metropolitanas do Brasil (IBGE, 2010), sendo a área mais densamente povoada do estado (Araújo et al., 2007). A região apresenta grande diversidade de ecossistemas costeiros, como praias, rios, manguezais, matas e mananciais, que lhe proporciona características peculiares. A pesca urbana é realizada na própria cidade, entrecortada por manguezais e ambientes aquáticos, e no seu entorno, onde a tradicionalidade da pesca artesanal convive com a exclusão social causada pela crescente urbanização (Pedrosa et al., 2013). O bairro de Brasília Teimosa é uma península triangular, com 65,4 ha de área, limitado a noroeste pela Bacia do Pina, a leste pelo Oceano Atlântico, e a sudoeste, pela Avenida Engenheiro Antônio de Góes, no Bairro do Pina (Figura 1). O bairro é uma das invasões urbanas mais antigas de Recife, que teve sua ocupação oficializada em 1956. Atualmente tem 18.334 habitantes (IBGE, 2013), representando uma densidade populacional de 280,34 hab/ha, sendo vizinho dos bairros de Boa Viagem e Pina, áreas de grande especulação imobiliária. Segundo a Lei de Uso e Ocupação do Solo da cidade do Recife nº 16.176/96 (Prefeitura da Cidade de Recife, 2016), Brasília Teimosa é categorizada como uma Zona Especial de Interesse Social, que são áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda, com carência ou ausência de infra-estrutura básica e passível de urbanização.

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Figura 1. Localização da área de estudo na região metropolitana de Recife, Pernambuco, Brasil (destacado em vermelho o bairro de Brasília Teimosa).

Por sua origem pesqueira e proximidade aos recursos hídricos, grande parte da população do bairro pratica a atividade pesqueira, tanto no estuário da Bacia do Pina, como no mar aberto, sendo essencial para a economia e subsistência da comunidade. Em 2005, Brasília Teimosa representou a quinta maior produção de pescados capturados no Estado, de um total de 34 comunidades pesqueiras pesquisadas (CEPENE, 2007).

2.2 População de estudo A população estudada é representada pela comunidade tradicional de pescadores e marisqueiras que habitam Brasília Teimosa e oriundas de outras localidades, a fim de utilizar a área interna da Bacia do Pina e o Oceano Atlântico, para realizarem suas atividades pesqueiras. Segundo o Decreto nº 6.040 (Brasil, 2016), comunidades tradicionais são “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”.

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Estes pescadores, apesar de estarem inseridos em um meio altamente urbanizado, apresentam práticas de pesca que vem sendo transmitidas por gerações, especialmente de pai para filho (Mariz et al., 2014), conferindo-lhes este caráter de comunidade tradicional.

2.3 Levantamento e análise dos dados Os dados analisados foram baseados em observações in loco e nos relatos dos pescadores e marisqueiras, que pescam na área estuarina da Bacia do Pina e no mar, durante projetos de pesquisas desenvolvidos pelo Laboratório de Etnoecologia e Ecologia de Peixes Tropicais/UPE, na comunidade de pescadores de Brasília Teimosa, e ao longo da margem do baixo rio Capibaribe, em seu percurso pela cidade de Recife, desde 2004. Também foram realizadas buscas e análises documentais baseadas em registros documentais escritos, numéricos ou estatísticos disponibilizados em sites da internet (Google, Google Academico, Scielo, Web of Science e IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]), para subsidiar as observações e relatos. Os dados observados foram compilados e analisados qualitativamente de forma descritiva, sendo levantados os estressores antrópicos negativos que interferem na atividade pesqueira, bem como as adaptações que estes trabalhadores tiveram que adotar face aos impactos em sua atividade e as implicações desses estressores sobre a sustentabilidade da pesca. 3. Resultados e Discussão A comunidade pesqueira de Brasília Teimosa está inserida em uma área altamente urbanizada de Recife, onde os pescadores e marisqueiras são afetados pela grande pressão urbana e interferências antrópicas, tanto no continente como nos ecossistemas aquáticos adjacentes, interferindo sobremaneira na sustentabilidade da pesca local. O acompanhamento das atividades pesqueiras e das mudanças sofridas por essa comunidade vem sendo registrado desde 2004 pelas autoras, e apontam para alguns estressores antrópicos que vem afetando a pesca e a dinâmica da comunidade para se adequar a essas mudanças, objetivando perpetuar a atividade pesqueira local e sua própria subsistência. Na tabela 1 é apresento um resumo dos principais estressores, suas consequências e interferência sobre a sustentabilidade pesqueira.

Tabela 1. Estressores antrópicos que afetam a pesca na comunidade de Brasília Teimosa, em Recife, Pernambuco, Brasil, e suas consequências para a sustentabilidade pesqueira. Estressores

Pressão imobiliária

Consequências

Perda de territórios de pesca e de locais de desembarque

Alternativas para a Interferência na sustentabilidade manutenção da pesqueira atividade Busca por novos portos

Busca por novos Desmatamento e territórios de aterramento do manguezal pesca com redução de habitats

Aumento de gastos, afetando negativamente a renda líquida Redução dos estoques de pescados pela perda dos habitats naturais

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naturais Realocação de famílias para novas moradias distantes do estuário e dos locais de pesca Perda de territórios de pesca e de locais de desembarque

Turismo

Desmatamento e aterramento do manguezal com redução de habitats naturais

-

-

Busca por novos portos

Exclusão da atividade pesqueira

Busca por novos territórios de pesca

Aumento de gastos afetando negativamente a renda líquida Redução dos estoques de pescados

Poluição Realocação de famílias para novas moradias distantes do estuário e dos locais de pesca Perda de habitats naturais e modificação do tipo de substrato Dragagem

-

Busca por novos Maiores gastos com deslocamento locais de coleta aos novos pesqueiros afetando a de moluscos renda líquida

Perda de territórios de pesca

Aumento do esforço de pesca, para manter a mesma produtividade

Ressuspensão de metais pesados

Contaminação dos pescados por metais pesados, em especial os moluscos

Perda de habitats naturais Busca por novos e modificação do tipo de locais de coleta substrato Assoreamento

Perda de territórios de pesca

Contaminação dos pescados Problemas de saúde, em especial, das marisqueiras

Redução dos estoques de pescados Maiores gastos de deslocamento e menor renda líquida mensal Aumento do esforço de pesca, para manter a mesma produtividade

Contaminação do sedimento e da água Poluição

-

Redução dos dias trabalhados no mês afetando negativamente a renda mensal -

Aumento a posteriori do esforço de pesca como compensação aos dias não trabalhados

3. 1 Pressão imobiliária No Brasil, as regiões costeiras são alvo de rápida ocupação e crescimento populacional devido à grande variedade de ambientes naturais e localização privilegiada, provocando um

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acelerado desenvolvimento econômico, associado a graves danos ambientais (Morais, 2009). No Nordeste, pressões como especulação imobiliária tem levado a queda da produtividade natural dos ecossistemas costeiros e da produção pesqueira comprometendo a manutenção das comunidades pesqueiras urbanas (Teixeira et al., 2016a). Em Pernambuco, a zona costeira tem sido bastante visada, especialmente nos últimos 30 anos, com expressiva valorização urbana, onde as atividades antropogênicas estão contribuindo para a destruição de muitas zonas de praia. Com o contínuo desenvolvimento urbano, as áreas residenciais, industriais, comerciais e de lazer, foram gradativamente substituindo as áreas de pescadores (Manso et al. 2006). Em Recife este cenário não é diferente, onde o bairro de Brasília Teimosa e suas adjacências são alvo de enorme pressão imobiliária, com grandes empreendimentos residencais, empresariais, shopping center e intervenções viárias, como a Via Mangue. Estas ocupações imobiliárias acarretam em perda de territórios de pesca e de locais de desembarque, desmatamento e aterramento do mangue, com redução de habitats naturais, e realocação dos moradores do bairro. Com a perda dos territórios de pesca, os pescadores necessitam buscar novos pesqueiros para manter a produtividade e, consequentemente, sua fonte de renda. Isto requer maior deslocamento para novas áreas, frequentemente gerando maior custo, como por ex. o gasto com o óleo diesel para percorrer maiores áreas, e desgaste laboral para os pescadores e marisqueiras, além da perda dos habitats naturais dos recursos pesqueiros. Além disto, o Programa Recife Sem Palafitas transferiu, em 2004, as famílias da orla de Brasília Teimosa, formada principalmente por marisqueiras, para outro bairro distante da áreas de pesca, resultando no abandono da atividade, pois não tinham condições de pagar os custos diários de transporte (Castilho e Leandro, 2012). Nas praias urbanas de João Pessoa, Paraíba, estado vizinho a Pernambuco, também foi observada a ocupação de áreas de pescadores por empreendimentos imobiliários e comerciais, comprometendo a permanência dos pescadores na área litorânea (Araújo et al 2014). As pressões imobiliárias estão também relacionadas com a expansão turística, já que muitos empreendimentos e ações na zona costeira são para favorecer e incentivar o turismo. 3. 2 Turismo No Brasil, a maior incidência turística é na zona costeira, acarretando na multiplicação de complexos imobiliários, balneários e marinas (Becker, 2001). Assim, o turismo é um importante impulsionador da ocupação litorânea no Brasil, provocando a transformação das áreas costeiras originais. O crescimento demográfico exponencial e a explosão desordenada do turismo aceleraram a sua descaracterização, já irreversível em alguns setores de praiais de vários municípios (Manso et al., 2006). Como a região nordeste possui grande variedade de ecossistemas e belezas naturais, é alvo de intensa atividade turística, acarretando alta vulnerabilidade natural (Morais, 2009). Em Recife, o bairro de Brasília Teimosa está inserido entre dois pontos turísticos da cidade: as praias do Pina e Boa Viagem e o Parque das Esculturas de Francisco Brennand, e em 295

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frente ao Terminal Marítimo de Passageiros do Porto do Recife. Estas características expõem essa comunidade a grandes pressões imobiliárias visando às atividades turísticas. Com isto, a comunidade pesqueira enfrenta a perda de espaços territoriais de trabalho e de moradia, como abordado no item 3.1. Assim como em Recife, o litoral de João Pessoa contêm ecossistemas bastante produtivos, que são a base das atividades econômicas de muitos pescadores artesanais. Segundo Morais (2009), estes ecossistemas também estão expostos a vários conflitos de usos, como o turismo, que aumentam a sua degradação, diminuindo a qualidade ambiental e, consequentemente, a qualidade de vida das comunidades. O turismo poderia ser uma fonte de renda e valorização dos aspectos culturais e históricos dessas comunidades tradicionais, mas, da forma como vem sendo promovido, torna-se mais uma das causas de sua decadência, evidenciando a conversão do patrimônio natural em ambientes antropizados. Nesse molde habitual, os prováveis impactos do turismo são os riscos de um crescimento das desigualdades, exclusão, poluição, degradação ambiental, sem trazer os benefícios para a região (Becker, 2001). 3. 3 Dragagem e Assoreamento O rio Capibaribe desemboca na Bacia do Pina, juntamente com outros importantes rios como o Beberibe, que contribuem para o aporte de sedimentos e lama contribuindo sobremaneira para o assoreamento do leito da Bacia. Na desembocadura desta Bacia são encontrados o Porto do Recife S. A., que atua em operação comercial desde 1918 (Porto do Recife, 2016), e mais atualmente tem-se o Terminal Marítimo de Passageiros, inaugurado em 2013 (Porto do Recife, 2016), sendo um dos legados da Copa do Mundo FIFA 2014, a fim de atender a demanda de navios turísticos nacionais e internacionais. Com o fluxo constante de navios de grande porte e com tancagem elevada dos navios comerciais esta área necessita periodicamente de dragagens para manter a profundidade necessária para a navegabilidade e atracação dos navios. Também em função da Copa do Mundo FIFA 2014 foi implantado o projeto Rios da Gente, que previa a navegabilidade do rio Capibaribe em um trecho de 13,9 Km, propiciando um novo modal para a cidade. Para a efetivação desse projeto, havia a necessidade de se dragar 17 km de rio, sendo que foi iniciada a dragagem do rio, mas a mesma não foi finalizada, bem como não foi instalada nenhuma estação de embarque e desembarque de passageiros. Contudo, durante as dragagens foram retirados do leito do rio toneladas de sedimento com metais pesados que ficaram biodisponíveis na coluna d´água e que foram descartados de modo inadequado sendo que, posteriormente, com as chuvas, parte desse material tóxico retornou ao rio. Essas atividades de dragagem e o assoreamento constante do rio propiciam a modificação do tipo de substrato e perda de habitats naturais e, consequentemente, a perda de territórios de pesca. Além disso, a dragagem dos sedimentos propiciou a ressuspensão de metais pesados e disponibilizou este material inorgânico para a biota, contaminando esses organismos, em especial os filtradores, como os moluscos. Ao redor do mundo é observado a presença de altas concentrações de metais pesados em moluscos como observado por Wang (2013), em áreas costeiras do Sul da China. Cadena-Cárdenas et al. (2009) também citam a presença de Zinco, Ferro, Manganês, Cádmio e Níquel em moluscos ao longo do Golfo da Califórnia, no México. No nordeste do Brasil, em Salvador, que é uma metrópole 296

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densamente povoada, também foi observado valores de Zinco acima do permitido nas ostras Crassostrea rhyzophorae, que habitam a Baía de Todos os Santos (Amado-Filho et al., 2008), que assim como em Recife é uma zona portuária e turística e que necessita de frequentes dragagens. Essas atividades fazem com que os pescadores tenham que aumentar o esforço de pesca e até mesmo ter que vir a buscar novos locais de pesca, devido a redução dos estoques pela perda dos habitats naturais fazendo com que os mesmos tenham maiores gastos com deslocamento e consequentemente menor renda líquida mensal, bem como há a contaminação dos pescados que são comercializados sem nehuma fiscalização sanitária. 3. 4 Poluição Na região metropolitana de Recife, a poluição das águas é principalmente causada por efluentes domésticos, industriais, hospitalares e resíduos sólidos, além dos metais pesados do sedimento, que ficam em ressuspensão devido às dragagens. Em Brasília Teimosa, a poluição das águas adjacentes afeta diretamente as marisqueiras, que coletam moluscos bivalves na Bacia do Pina, por seu contato direto com o sedimento e a água durantes as atividades laborais. A qualidade dos moluscos na região está relacionada com a presença de bactérias, vírus, parasitas e poluentes químicos na água, que são ingeridos por filtração, contaminando os moluscos e, consequentemente os consumidores, principalmente se consumidos in natura (Teixeira et al., 2016b). Um dos principais pesqueiros de moluscos na Bacia do Pina é a Coroa do Passarinho (Souza et al., 2010), onde foi registrada a presença de espécies das bactérias Vibrio e Aeromonas e de espécies do grupo coliformes no marisquinho Anomalocardia flexuosa e na unha-de-velho Tagelus plebeius (Pinto, 2012). A bactéria Aeromonas é considerada um indicador de contaminação fecal (Marcel et al., 2002), e como na Bacia do Pina desaguam vários rios que recebem efluentes domésticos sem tratamento adequado e dejetos despejados diretamente pela população do entorno, a presença desta bactéria já foi detectada nos moluscos. As marisqueiras de Brasília Teimosa relataram que a poluição do estuário e o lixo (resíduos sólidos) são os principais impactos causadores da redução dos estoques dos moluscos bivalvos (Souza et al., 2010). As marisqueiras dos estuários urbanos do Rio Paraíba, João Pessoa, Paraíba (Silva et al., 2011) e da Ilha da Maré, Salvador, Bahia (Carvalho, 2013) citaram a poluição das águas como uma das razões para a diminuição dos pescados. Quando comparados os relatos de membros de duas comunidades pesqueiras de Pernambuco, a comunidade urbana do Bode, em Recife, e a comunidade rural de Rio Formoso, os problemas ambientais foram determinantes para a maioria dos moradores do Bode (54,9%), pois a poluição diminui a produtividade pesqueira nos estuários e aumenta os problemas de saúde na comunidade (Pedrosa et al. 2013). A poluição das águas e sedimento também é responsável pelos riscos de doenças a que as marisqueiras estão expostas como tétano, cólera, “fungos-de-maré”, coceiras e doenças ginecológicas, como observado pelas autoras, em Brasília Teimosa. O acometimento de doenças interfere nos dias trabalhados que, muitas vezes precisam ser compensados posteriormente para não comprometer a renda familiar, aumentando o esforço de pesca sobre os bancos naturais.

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4. Conclusões O levantamento das pressões urbanas na área costeira de Recife demonstrou que os impactos antrópicos urbanos advindos da pressão imobiliária, turismo, dragagem, assoreamento e poluição vêm afetando negativamente a pesca artesanal em Recife, comprometendo as atividades pesqueiras, a renda e a própria continuidade da comunidade pesqueira urbana de Brasília Teimosa. Como a comunidade está inserida em um local altamente visado pelo mercado imobiliário e pelo turismo, a perspectiva da manutenção e sustentabilidade da pesca está bastante comprometida, caso não sejam elaborados e executados programas específicos para esta área. A compilação desses estressores antrópicos e suas implicações para a zona costeira de Brasília Teimosa, para a pesca artesanal e para os pescadores e marisqueiras é de grande relevância para subsidiar os órgãos governamentais regulamentadores a elaborarem políticas públicas integradas que considerem os impactos urbanos negativos sobre as comunidades pesqueiras artesanais, visando minimizar ou dirimir as pressões antrópicas sobre as áreas costeiras para a manutenção das comunidades e da sustentabilidade da pesca artesanal. Referências Araújo, I.X., Sassi, R., Lima, E.R.V. 2014. Pescadores Artesanais e pressão imobiliária urbana: Qual o destino dessas comunidades tradicionais? Journal of Integrated Coastal Zone Management, 14(3), 429-446. Araújo, M.C., Souza, S.T., Chagas, A.C.O., Barbosa, S.C.T., Costa, M.F. 2007. Análise da ocupação urbana das praias de Pernambuco, Brasil. Revista da Gestão Costeira Integrada, 7(2), 97-104. Becker, B.K. 2001. Políticas e planejamento do turismo no Brasil. Caderno Virtual de Turismo, 1(1), 1-7. Brasil. 2016. Decreto nº 6.040, de 07 de Fevereiro de 2007. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm (accessed 14.04.2016). Carvalho, I.G.S. 2013. A percepção do pescador artesanal e da marisqueira sobre os seus direitos a um meio ambiente de trabalho saudável e as normas do direito ambiental do trabalho brasileiro. (Dissertação). Universidade Federal da Bahia. Castello, J. 2010. O futuro da pesca da aquicultura marinha no Brasil: a pesca costeira. Ciência e Cultura, 62(3), 32–5. Castilho, C.J.M., Leandro, P.R.F. 2012. Políticas públicas e (re) produção sustentável do espaço urbano: “Programa Recife Sem Palafitas” – seus benefícios e sua natureza social. ACTA Geográfica, 6(13), 33-58. CEPENE. 2007. Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Nordeste – Boletim estatístico da pesca marítima e estuarina do Nordeste do Brasil – 2005. Tamandaré, PE: CEPENE, 217p.

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O papel da comunicação social na abordagem do risco de cheias em Moçambique nas comunidades de Mugeliwa, Messalo e Megaruma - Cabo Delgado Arsília Maiela1, Luísa Almeida2, Octávio Muangelo1, Jorge Trindade3, Filomena Amador4, Teresa Firmino5, 1

Universidade Católica de Moçambique, [email protected]

2

Universidade Católica de Moçambique, [email protected]

3

Universidade Católica de Moçambique, [email protected]

3

Universidade Aberta e Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, [email protected] 4

Universidade Aberta e Instituto de Ciências da Terra (Polo Universidade do Porto) [email protected] 5

Jornal Público, [email protected]

Em Moçambique as cheias correspondem a um risco natural de grande importância e com grande impacto no quotidiano das populações. Segundo a base de dados global de cheias Dartmouth, entre 1999 e 2010 registaram-se 1 259 óbitos associados a este fenómeno. No mesmo período, o número total de pessoas afetadas foi de 2 360 400, ou 11% da população recenciada em 2007, e a área total acumulada afectada pelas cheias correspondeu a 2 079 676 km2, ou seja, a 259% da área total do país. Em 2013 e 2014 as cheias afetaram mais de 177 mil pessoas e causaram 50 mortos essencialmente nas províncias do centro e norte. Em particular, no norte de Moçambique, na Província de Cabo Delgado, as cheias ocorreram nos rios Messalo, Montepuez e Megaruma e no transbordo do rio Lúrio e do rio Mugeliwa, afluente deste último rio, onde alagaram propriedades agrícolas, destruíram casas, pontes e alguns rios transbordaram provocando mortes e desaparecidos. Afetaram principalmente as comunidades locais de Mugeliwa, Messalo, Metuge e Megaruma que vivem nos leitos de cheia que utilizam para a prática de diversas atividades como: a agricultura, a pesca, a queima de carvão e o corte de mangal. A situação de catástrofe no norte de Moçambique levou o governo a decretar ”alerta vermelho” por considerar que a situação como ”muito crítica”. Na sequência desta medida os órgãos de comunicação social, as radios locais, emitiram o sinal de “alerta vermelho” em línguas locais para as comunidades abandonarem as zonas baixas e deslocarem-se para assentamentos seguros. O objetivo desta pesquisa é compreender a forma como a problemática do risco de cheias é abordada na comunicação social. Neste contexto, surge a seguinte pergunta de partida: Até que ponto os órgãos de comunicação social têm vindo a informar as comunidades locais que vivem nas zonas baixas dos rios da necessidade de trocarem estes locais por zonas de assentamentos seguros? A pesquisarevela-se importante porque aborda o papel da comunicação social como umveículo de transmissão de alerta às comunidades locais. Para efetivação desta investigação optou-se por uma abordagem qualitativa e de caráter exploratório. Para a recolha de dados foram usados os seguintes instrumentos: a entrevista 301

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e a análise de conteúdo. Os resultados já alcançados permitem compreender os motivos que levam as comunidades locais de Mugeliwa, Messalo, Metuge e Megaruma a viverem em zonas de risco, os quais estão relacionados com o exercício de atividades agrícolas, de pesca, o corte do mangal e produção de carvão vegetal, assim como o comércio. As cheias com a dimensão de calaminadade que ocorreram em 2013/14 parecem ser um fenómeno novo para estas comunidades, numa faixa etária inferior aos 40 anos, que se debatem com dificuldades em lidar com a situação. Neste âmbito, seria desejável que a comunicação social assumir uma contribuição mais proativa no período chuvoso, com mensagens em língua locais (macua, muani, maconde e swahili) de modo a que as comunidades locais comecem a abandonar as zonas de risco de forma atempada.

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AS ÁGUAS DE ALUVIÃO NO CONTEXTO DA SUSTENTABILIDADE HÍDRICA DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO Ricardo Augusto Pessoa Braga – Professor da Universidade Federal de Pernambuco e Presidente da Associação Águas do Nordeste (Brasil)

O Semiárido brasileiro situa-se na região Nordeste, com cerca de 980 mil Km2 e 23 milhões de habitantes, sendo uma das regiões semiáridas mais populosas do mundo. Caracteriza-se por pluviosidade média de 700 mm/ano, com chuvas concentradas em apenas três meses, alta insolação e grande evaporação potencial. Além dos ciclos anuais de chuva e estiagem, ocorrem variações interanuais, decorrentes sobretudo do fenômeno El Niño, ocasião em que ocorre aquecimento maior da superfície do Oceano Pacífico. A última seca ainda está em curso, iniciada em 2012 e estendida até 2016. Diante do quadro de mudanças climáticas no Planeta, com previsão de se acentuar o aquecimento global neste século XXI, a vulnerabilidade hídrica aumenta mais, uma vez que os modelos de previsão climática sugerem intensificação dos eventos extremos de seca e de estiagens prolongadas no bioma Caatinga. Já o solo é predominantemente raso e de baixa infiltração devido à presença do terreno cristalino, embora ocorram algumas manchas de formação sedimentar. Durante as chuvas ocorrem as enxurradas, provocando enchentes, enquanto nas estiagens desaparece o escoamento de base nos cursos d’água, resultando em rios e riachos intermitentes, à exceção dos rios São Francisco e Parnaíba. As enxurradas arrastam solos argilo-arenosos que sedimentam no leito dos cursos d’água, formando durante a estiagem os chamados rios secos. Embora a água desapareça da superfície, uma parte infiltra no sedimento, mantendose protegida da evaporação. A população rural então explora este manancial hídrico, escavando poços rasos até atingir o nível freático, sendo usado como recurso estratégico, sobretudo nos períodos de seca, recorrentes na região. Todavia, a exploração mecanizada dessas areias de aluvião para a construção civil tem gerado conflitos de usos e reduzido a sustentabilidade hídrica local. Nesse contexto, o objetivo da pesquisa foi avaliar as condições limite para exploração da areia sem prejudicar o manancial hídrico freático. A área escolhida para a pesquisa foi às margens do rio Capibaribe, no seu segmento superior, situação em que atravessa o Semiárido, no município de Santa Cruz do Capibaribe. Para tanto foi instalado pluviômetro e tanque evaporimétrico, para mensurar a pluviosidade e a evaporação potencial local, e um experimento para conhecer a perda de água por evaporação em diversas profundidades das camadas de areia, em simulação do leito seco do rio. Verificou-se que, no período de observações em 2014/15, a evaporação potencial correspondeu a cinco vezes a precipitação, evidenciando situação de grande déficit hídrico. Nessas condições, a exploração de areia que atingir o freático, exporá a superfície líquida a intensa evaporação, dissipando para a atmosfera a água que seria utilizada pelo morador rural para a sua subsistência. Outra conclusão importante foi responder o quanto de coluna de areia seca deve-se garantir acima do freático, evitando esta perda. Verificou-se que, nas condições estudadas, a coluna mínima é de 60 centímetros. Isto significa que é possível compatibilizar os dois usos do rio seco - captação de água do nível freático e exploração de areia - desde que esta não ultrapasse o limite de profundidade assinalado, evitando reduzir a já baixa sustentabilidade hídrica local.

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Determinação de Índice de Qualidade da Sustentabilidade de um Destino Turístico: o caso da Ilha de Fernando de Noronha, Brasil104

Elidomar Alcoforado2, Ana Claudia Costa Gomes3 2

Universidade do Algarve, [email protected] 3

Universidade

Federal

de

Pernambuco,

Universidade Federal de Pernambuco, [email protected]

Resumo O objetivo deste artigo é desenvolver um índice de qualidade de sustentabilidade de destino turístico e aplicá-lo à Ilha de Fernando de Noronha, Brasil. Os estudos da sustentabilidade no turismo e nos destinos turísticos tem se avultado nas duas últimas décadas. A visão de sustentabilidade do turismo reside no fato de usar os recursos atuais, garantindo o usufruto para as gerações futuras, focando na tríade ambiente, sociedade e economia. Ou seja, a atividade turística deve promover um crescimento econômico para a comunidade local, sem perda de sua identidade sociocultural, evitando-se, ainda, danos ao ambiente (UNEP & UNWTO, 2005), minimizando, assim, os efeitos da externalidade negativa da atividade turística. Para isso, deve-se ter em mente que o turismo sustentável não é uma tipologia de turismo, mas um modo de agir, uma filosofia, algo que permeia toda a atividade turística, atingindo, desta maneira, a todos os atores envolvidos com a atividade turística, seja a comunidade, sejam os turistas, o mercado, órgãos governamentais, órgãos nãogovernamentais, entre outros (Ruhanen, 2013). Baseia-se, assim, numa visão conservacionista, tendo esta perspectiva acompanhado o homem desde a antiguidade, mas com o advento da pós-modernidade, ações conservacionistas são mais exigidas na intervenção do homem no meio ambiente e na vida em comunidade (Hardy, Beeton, & Pearson, 2002). A definição de um Índice de Qualidade da Sustentabilidade de um Destino Turístico (IQSDT) se apresenta como útil para o consumidor, que terá um parâmetro para a escolha do destino turístico, para o trade turístico, que terá em paralelo o seu destino comparativamente a outros, para os órgãos de gerenciamento dos destinos turísticos, no que tange à gestão de recursos financeiros e ações estratégicas para o turismo, para órgãos de financiamento e investidores do setor turístico, bem como para os stakeholders do destino, que terão um instrumento que identifique gaps, carências e pontos de melhoria da atividade. Como a sustentabilidade alicerça-se na tríade ambiental, sócio-cultural e econômica, um índice de qualidade que contemple estes vetores permitirá traçar um estudo comparativo com outros destinos e identificar carências no destino estudado. A metodologia baseou-se em abordagem quantitativa, gerando um índice a partir dos fatores relevantes de sustentabilidade para o local escolhido, neste caso, a Ilha de Fernando de Noronha, utilizando-se do software estatístico SPSS. Os resultados mostraram que há uma discrepância em relação aos componentes de sustentabilidade observados na Ilha, nomeadamente, os aspectos ambientais, que denotaram bons índices, vis a vis os tópicos econômicos e sócio-culturais, que apresentaram baixos índices de sustentabilidade, conotando um cariz fragmentado e dissonante do destino turístico Fernando de Noronha, no que concerne à sustentabilidade, a partir dos índices determinados. Palavras-chave: Índice. Sustentabilidade. Destino Turístico. Fernando de Noronha.

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Trabalho realizado com apoio do Projeto Fellow Mundus, Erasmus Mundus, Comissão Europeia. 304

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Mídias para disseminação e preservação do conhecimento de índios brasileiros: Uma busca pela sustentabilidade do saber tradicional

Marinilse Netto1, Antonio Waldimir Leopoldino da Silva2, Francisco Antonio Pereira Fialho3, Christianne Coelho de Souza Reinisch Coelho4 1

Professora da Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó. Avenida Atílio Fontana, 591E – Bairro Efapi – CEP 89809-000 – Chapecó-SC – Brasil. [email protected]. 2

Professor da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Rua Beloni Trombeta Zanin, 680E – Bairro Santo Antonio – CEP 89815-630 – Chapecó-SC – Brasil. [email protected]. 3

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Rua Engenheiro Agronômo Andrei Cristian Ferreira, s/n – Bairro Trindade – CEP 88040-900 – Florianópolis-SC – Brasil. [email protected]. 4

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Rua Engenheiro Agronômo Andrei Cristian Ferreira, s/n – Bairro Trindade – CEP 88040-900 – Florianópolis-SC – Brasil. [email protected]. Resumo Populações indígenas brasileiras, atualmente, vêm encontrando novas formas de lidar com a realidade social, usam as tecnologias para estender seus vínculos, e a Internet como um lugar onde expõem e reivindicam suas principais demandas. Ao fazer uso da Internet e na interação com variados recursos tecnológicos, entre eles, as redes sociais, povos indígenas brasileiros buscam tornarem-se visíveis perante a sociedade. Mais do que isso, lutar pela garantia de seus direitos. Este trabalho apresenta um estudo que objetiva identificar como as mídias digitais e a Internet podem contribuir para a preservação e a disseminação do conhecimento de povos indígenas brasileiros. O estudo foi conduzido mediante pesquisas bibliográfica, documental e de campo. Por meio da etnografia virtual foram analisados cinco cibermeios de populações indígenas brasileiras, sendo dois deles em profundidade, os quais constituem o contexto deste trabalho. Foram realizadas entrevistas com gestores, produtores de conteúdos e utilizadores dos cibermeios e selecionados sessenta e nove conteúdos digitais, submetidos à técnica da Análise de Conteúdo. Os procedimentos permitiram a identificação de como se dá a disseminação e a preservação do conhecimento tradicional indígena (CTI) em formato digital, e qual o papel das mídias nestes processos. A partir das análises dos conteúdos e tendo as entrevistas como suporte, procedeu-se uma avaliação com a aplicação do método SWOT, adaptado aos fins e condições do contexto analisado. Este procedimento produziu uma ampla visão dos pontos fortes e fracos que cercam o uso de mídias digitais e Internet, constituindo elementos que podem auxiliar na melhoria dos processos empregados para disseminação e preservação do CTI. As contribuições desta pesquisa acompanham outras pesquisas realizadas no país que entendem que a preservação do conhecimento tradicional é uma medida que garantirá que um sistema completo e complexo de conhecimentos não se perca por completo, o que pode beneficiar não somente as populações que o detém, mas a sociedade como um todo. 305

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Palavras-Chave: Conhecimento Tradicional Indígena, Disseminação, Mídias Digitais e Internet, Populações Tradicionais e Indígenas, Preservação.

1. Introdução Há em nosso país, imensa diversidade sociocultural, a qual se expressa em uma pluralidade de saberes, línguas, crenças, comportamentos, modos de vida de populações tradicionais. Esses grupos, além de contribuírem para a riqueza sociocultural do país, desempenham importante função na proteção da biodiversidade e dos conhecimentos específicos sobre os recursos naturais (SANTILLI, 2003). Albagli (2005, p.18) afirma que essas populações possuem conhecimentos, práticas de subsistência adequadas ao meio em que vivem e representam o papel de “guardiães do patrimônio biogenético do planeta.” São responsáveis pela preservação e proteção ambiental (ICSU, 2002) e “seus conhecimentos apresentam laços indissolúveis com o território, definindo deste modo sua cosmovisão, e conseqüentemente sua identidade cultural” (GERMAN-CASTELLI, 2004, p.208). No caso brasileiro, podem ser citados como exemplos de grupos tradicionais, as populações ribeirinhas, quilombolas, indígenas, caboclos, pescadores artesanais, entre outros. O conhecimento dotado de características específicas e situado em territórios e/ou populações que mantêm modos tradicionais de organização social e de subsistência tem sido denominado ‘conhecimento tradicional’, ‘leigo’, ‘local’, ‘autóctone’, ‘indígena ou aborígene’, entre outras designações (UNESCO, 2004; FAILING et al., 2007). A literatura comumente se refere a essas designações, como sinônimos. Este trabalho adota a definição de conhecimento tradicional (CT) registrado pelo International Council for Science (ICSU): Um corpo cumulativo de conhecimento, know-how, práticas e representações mantidas e desenvolvidas por pessoas com prolongadas histórias de interação com o ambiente natural. Estes sofisticados conjuntos e entendimentos, interpretações e sentidos são parte e parcela de um complexo cultural que engloba sistemas de linguagem, nomenclatura e classificação, práticas relativas ao uso de recursos, rituais, espiritualidade e visão de mundo. (ICSU, 2002, p.09). German-Castelli (2004) afirma que o conhecimento tradicional desempenha papel-chave na conservação e uso sustentável da biodiversidade, e também em áreas vitais, como segurança alimentar, desenvolvimento da agricultura e tratamentos medicinais. Para World Bank (1998), o conhecimento oriundo das práticas tradicionais tem desempenhado e continua a desempenhar importante papel na vida diária de uma vasta maioria da população, já que é essencial para a segurança alimentar e a saúde de milhões de pessoas nos países em desenvolvimento. Desse modo, deve ser preservado, valorizado e transmitido às gerações futuras. (UNESCO, 2004, p.05). O CT é visto como fundamental nas discussões sobre desenvolvimento sócio-econômico, sustentabilidade e redução da pobreza e, uma vez preservado e disseminado, pode ser fonte de criatividade para os processos contemporâneos de conhecimento e inovação, 306

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expõe Rahman (2000). Zanirato e Ribeiro (2007) e Pretty (2011) reconhecem e evidenciam o valor do conhecimento oriundo de comunidades que vivem sob um sistema tradicional como herança para a humanidade. Na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (ECO-92), o Brasil firmou a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), a qual recomendava medidas para garantir a conservação da biodiversidade, bem como seu uso sustentável. (CDB, 2000). Contudo, ainda que os grupos tradicionais tenham sido reconhecidos como detentores de conhecimentos importantes para a conservação da biodiversidade e consequente futuro da vida humana na terra, a sociedade moderna ocidental, em geral, não tem reconhecido seu valor de forma significativa e justa. Tampouco reconhece qualquer obrigação associada a seus usos, consentido passivamente com sua perda através da destruição dos ecossistemas e seus valores culturais. Por suas especificidades e necessidades, populações tradicionais e indígenas brasileiras são marginalizadas na sociedade e no processo de formulação de políticas públicas. A erosão do CT entendida como sua transformação ou perda, é um fato mundialmente reconhecido (GERMAN-CASTELLI; WILKINSON, 2002; KUMARI, 2003; ALBAGLI, 2005; MONDO et al., 2007; ETIENDEM et al., 2011). Como fatores que implicam em perdas ou transformação do conhecimento tradicional de populações tradicionais e indígenas brasileiras estão: ações de políticas governamentais não condizentes com a realidade e as necessidades das comunidades (SANTILLI, 2005); exclusão social (CUNHA, 2008); etnoturismo (SENA; CHAVEIRO, 2013), êxodo dos jovens (NOGUEIRA; SASSI, 2007; COSTA, 2010); conflitos por posse/perda de terra (ARRUDA, 1999; GALLOIS, 2000); modelo de progresso desenvolvimentista (PRETO et al., 2011; ABREU; NUNES, 2012). A transmissão do conhecimento tradicional, usualmente verbal pode (e deve) ser feita por outros meios, novas mídias (WORLD BANK, 1998). A Carta de São Luís do Maranhão (2001) propõe a criação de bancos de dados de seus conhecimentos. Esta é uma medida proposta também por World Bank (1998), Agrawal (2002), Sukula (2006) e Lwoga (2011). As tecnologias de memória chegaram aos povos indígenas brasileiros do Xingu no século XIX, porém, “foi só recentemente que os índios começaram a tomar essa tecnologia em suas mãos”, desenvolvendo habilidades para usá-las “ao mesmo tempo em que aprendem a ler e a escrever” (FAUSTO; FRANCHETO, 2011, p.76). Pereira (2012, p.17), enfatiza: “as interações com interfaces e arquiteturas digitais e as trocas entre universos culturais distintos, sobrepondo as fronteiras geográficas, estimulam o aparecimento de novas e reconhecidas identidades étnicas.” Segundo Figueiredo (2014), os audiovisuais estimulam as novas gerações a resgatar a sua tradição e desse modo, dar continuidade aos seus saberes, bem como modos sustentáveis de vida. 2. Métodos A etnografia virtual foi escolhida para a condução da pesquisa. Segundo Hine (2004), esta pode ser usada para desenvolver a percepção do sentido da tecnologia e dos espaços socioculturais que são por ela estudadas. É preciso perceber a Internet “como um contexto cultural”, por isso, a etnografia virtual tem espaço assegurado nas pesquisas onde os

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objetivos incluem saber “o que as pessoas estão realmente fazendo com a tecnologia”, diz Hine (2004, p.76). Utilizou-se pesquisa bibliográfica, análise de sites de representação indígena brasileira, os cibermeios indígenas conforme Pereira (2012) e Figueiredo (2014), com coleta de dados (textos e vídeos) e entrevistas semiestruturadas. Primeiramente, buscou-se identificar o status de aproximação de populações tradicionais e indígenas com as midias na web. Selecionaram-se cincoenta ambientes virtuais, sendo: vinte e nove sites; dezesseis blogs e cinco web rádios. Destes, sete são de propriedade de populações tradicionais e quarenta e três são de propriedade de populações indígenas, representando, 86% do total de meios virtuais pesquisados. Esta representatividade definiu a pesquisa para as populações indígenas brasileiras. Na sequência, selecionaram-se cinco cibermeios indígenas, a partir dos seguintes critérios: (R) sites de representação indígena com vínculo a uma Organização Não Governamental (ONG), Associação ou Instituto; (b) com estreita relação com a comunidade de origem; (c) sites com atualizações sistemáticas; (d) sites que representam um coletivo de pessoas, que possuem um projeto cujas ações e conteúdos postados promovem, entre outros desdobramentos, a participação e a interlocução entre sujeitos indígenas e não indígenas e; (e) sites que indicaram, por seus conteúdos e postagens, estreita relação com o espaço físico e a sua comunidade, cujas postagens e conteúdos estão disponíveis. Por meio de um instrumento de descrição e análise, foram investigados os cibermeios Índios Online, Pelas Mulheres Indígenas, Associação de Jovens Indígenas de Dourados, Vídeos nas Aldeias e Índio Educa. Ressalta-se que os dois últimos foram analisados em profundidade, com coleta de dados e entrevistas que consubstanciam as análises apresentadas neste trabalho. Seguiu-se um roteiro de acompanhamento por cinco meses, com navegação diária nos primeiros três meses e semanal nos últimos dois meses. Atribuiu-se atenção especial à exploração do cibermeio, sua arquitetura, funcionalidade, com foco em seus conteúdos. Os estudos de Creswell (2010) e Gil (2011) nortearam as entrevistas semiestruturadas, elaboradas a partir de um roteiro o qual foi validado com dois especialistas (indígena e não indígena) que atuam em cibermeios indígenas. Foram definidas três categorias de informantes: Gestores: sujeitos que administram o ambiente virtual; Produtores: atuam diretamente na produção de conteúdos digitais (técnicos de imagem, de som, etc) e; Utilizadores: acessam o ambiente virtual, buscam informação, realizam postagens e interagem com os conteúdos e sujeitos dos cibermeios. A etapa de coleta de dados nos cibermeios teve como objetivo identificar elementos que contribuem para a preservação e a disseminação de conhecimentos indígenas em meios digitais e Internet, percebendo como esta dinâmica pode representar o fortalecimento da sua identidade e cultura. No total, foram coletados vinte textos e quarenta e nove audiovisuais, totalizando sessenta e nove conteúdos analisados. Ao analisar na íntegra os textos e audiovisuais, deu-se especial atenção às temáticas que se repetiam, destacando, segundo Minayo (2000), temas, ou índices segundo Bauer (2008), a partir dos objetivos da pesquisa. As argumentações estão fundamentadas na análise dos materiais selecionados e ancoradas pela revisão de literatura realizada.

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Optou-se pela associação da etnografia virtual, da Análise de Conteúdo (AC) e da SWOT. A combinação multimétodos (FRAGOSO et al., 2011) reforça e desvela o caráter epistêmico da presente pesquisa. No contexto da pesquisa, a AC segundo Bauer (2008) e Chizzotti (2008) permitiu extrair as categorias e elementos de análise a partir dos conteúdos selecionados, ou seja, preservação e disseminação do conhecimento e uso das mídias digitais e Internet. A matriz SWOT é utilizada para a análise de ambientes internos e externos com o objetivo de obter um sistemático apoio para situações de decisão (GHAZINOORY et al., 2011). Colabora, neste trabalho, identificando as fortalezas, fraquezas, oportunidades e ameaças que podem envolver o uso de mídias digitais e a Internet para a disseminação e preservação do CTI brasileiro. 3. Resultados e Discussão Para Geng et al. (2008), a disseminação do conhecimento busca por meios e métodos que levem o conhecimento, de quem ou do que o detém, para quem o necessita, de modo que este seja assimilado e compartilhado. Segundo Green et al. (2009, p.152) a disseminação refere-se a “esforços conscientes” para a difusão de “ideias, políticas e práticas”, para diferentes audiências e, para Tan e Wang (2009), o processo de disseminação do conhecimento pode ocorrer por meios formais e informais. Ao reunir os principais conceitos dos estudos citados e, estabelecendo relações com o contexto pesquisado, entende-se, disseminação do conhecimento indígena como uma categoria que abarca ações conscientes que incluem a transferência e a mobilidade de tipos de conhecimentos, entre diferentes populações indígenas, bem como entre populações indígenas e não indígenas, por meio de variados tipos de intercâmbios e trocas. Conforme análises as populações indígenas brasileiras convivem, atualmente, com modos tradicionais e contemporâneos de disseminação do conhecimento. O intercâmbio e as trocas culturais significam para esses povos possibilidades de interação com outros povos indígenas e com não indígenas, permitindo, neste sentido, também o contato com outros tipos de conhecimentos. Os indígenas têm a percepção de que seus conhecimentos constituem-se a partir de características próprias e que estas estão relacionadas a um contexto étnico ou, ainda, local. Há, entre os conteúdos analisados, registro da importância do CTI e de suas contribuições em inúmeros campos de estudo e aplicação. O uso das mídias no registro de seus rituais, cerimônias, cantos, ritos de miração, acervo de plantas usadas para cura, entre outras práticas, contribuem para sua preservação e disseminação. Especificamente sobre os conteúdos disponíveis no cibermeio Índio Educa, identificou-se que, de modo didático, os mesmos foram produzidos com a intenção de gerar diálogo, primeiramente, dentro da comunidade indígena, sobre as principais questões que envolvem a falta de conhecimento (ou informações distorcidas), sobre a sua história ao longo dos séculos, como vivem na atualidade e quais são suas principais reivindicações e demandas. Há textos que buscam desmistificar a imagem do indígena brasileiro que, ainda neste século, é mostrada em livros didáticos na forma de narrativas romantizadas, ideológicas e, por vezes, descontextualizadas. A cultura indígena brasileira, quando referida em livros didáticos, é tratada, de modo estereotipado, e em situação de inferioridade em relação à cultura dominante. No imaginário popular o indígena ainda é retratado de forma dicotômica, como “aquele que é naturalmente 309

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puro e selvagem” e que habita a mata, e, “aquele que não é mais índio”, pois usa roupas, aparelhos eletrônicos e fala a língua dos brancos. Pode-se dizer, portanto, que ao refletir, significações e conceitos sobre a cultura indígena e suas principais questões, os conteúdos transformam-se em objetos de disseminação do conhecimento. Os conteúdos são acessíveis e recomendados para as escolas indígenas, e indicados para espaços educacionais não indígenas. Assim, a disseminação do conhecimento indígena acontece também no uso que os professores indígenas e não indígenas fazem dos conteúdos. Nas múltiplas interações, reforçam a identidade indígena e recriam a sua imagem dizem Gallois e Carelli (2010) e Lima e Vieira (2012). Segundo Silva e Cavalcanti (2009, p. 02), geram possibilidades de “reinventarem a si próprios e a sua cultura”. Segundo Figueiredo (2014, p.131), um dos objetivos da produção de conteúdos é “minimizar os estereótipos ou preconceitos existentes na sociedade em relação aos Povos Originários.” A questão educacional é um tema presente no escopo do projeto Vídeo nas Aldeias, desde os anos de 1990. Em 2010, o livro “Cineastas Indígenas – um outro olhar: Guia para professores e alunos”, uma realização do Vídeo nas Aldeias e do projeto Cultura Viva, estende os estudos sobre a temática aos alunos do ensino médio. Também em 2010, o Ministério da Educação (MEC) determinou às Universidades e Institutos Federais do Brasil a criação de grupos de educação tutorial em nível de graduação, exclusivos à formação de estudantes indígenas. Por meio desta política, constituiu-se uma proposta de institucionalização no que concerne à educação superior indígena brasileira. Nos conteúdos do cibermeio Vídeo nas Aldeias, ganha força a importância para o uso de equipamentos em produções audiovisuais. As ações de registro de seus saberes e práticas são estendidas para outras comunidades e aldeias brasileiras, formando redes, onde cresce o volume de conteúdos de autoria indígena, ao passo que há novos sujeitos interessados no domínio das tecnologias e assim, demonstram sua capacidade no uso e na criação de conhecimento (AGUILAR, 2012). Os produtores participam de capacitação para o uso das tecnologias em oficinas promovidas pelo cibermeio e, em outros locais, por iniciativa própria. A disseminação do conhecimento indígena ocorre também na circulação dos audiovisuais em festivais e eventos no Brasil e exterior. Os conteúdos mostram a relação entre o passado (mitos, hábitos, cerimônias) e o presente (preocupação com a preservação e disseminação de seus conhecimentos) e constituem-se esforços coletivos, mediados por grupos indígenas e não indígenas. Esse acervo documental também representa meios de interação (trocas, intercâmbios, ações conscientes) e diálogos entre sujeitos e culturas. Entre os canais de disseminação similares aos dois cibermeios estão as ações desenvolvidas no cotidiano de comunidades e aldeias, os intercâmbios virtuais gerados pela divulgação e disponibilização dos conteúdos na Internet e as trocas entre diferentes grupos, em espaços formais e informais. Outro canal de disseminação são os espaços nos cibermeios, destinados para interação e acesso aos conteúdos. No Índio Educa a gestão faz as mediações, respondendo as postagens e, se for o caso, indicando novas fontes de consultas e pesquisa. Na visão deste trabalho, a “preservação do conhecimento” é vista como um conjunto de ações necessárias para salvaguardar, recuperar ou ainda impedir a perda de tipos de conhecimentos que, ao longo do tempo, constituíram-se como meios de sobrevivência e de identificação de determinado grupo social e que, reconhecidamente, possuem valor cultural, histórico e/ou, ainda, econômico. 310

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O conhecimento tradicional ou local é ancorado firmemente na experiência do lugar, e, como tal, tende a lidar com coisas particulares, segundo Failing et al. (2007). O lugar primordial de referência do saber indígena é a comunidade (SANTANA, 2009, p.48-49). Contudo, excluise a visão do CTI como algo “inflexível”, “estático” ou “fixo”, comprometido ou preso a determinado local, período ou época (DIEGUES; ARRUDA, 2001; SÁEZ, 2001; GERMANCASTELLI; WILKINSON, 2002; GERMAN-CASTELLI, 2004; ALBAGLI, 2005). Estudos mostram que populações tradicionais e indígenas passam por um processo irreversível de mudanças, oscilando entre a continuidade de seus modos peculiares de vida (resistência) e a assimilação de novos hábitos (SILVA; CAVALCANTE, 2009; GALLOIS, CARELLI, 2010; AGUILAR, 2012). Nesta dinâmica, elementos culturais tradicionais estão sendo reelaborados, de acordo com as suas demandas sociais e econômicas atuais, os quais refletem a necessidade e o desejo de dar visibilidade aos seus conteúdos simbólicos e suas identidades étnicas (BUCCHIONI, 2009). São, para Pereira (2012, p.52) “práticas de significação em constante transformação.” No cibermeio Índio Educa há conteúdos que trazem à tona a situação que vivem em comunidades e aldeias, revelando as condições de algumas comunidades de povos indígenas Guarani Mbya da região Sul do país. As “Reservas”, comunidades que estão próximas a grandes centros urbanos e rodovias, ficam vulneráveis aos modos de vida adquiridos com a cultura não indígena. Além disso, não há floresta, não há rio, espaços que possibilitam o exercício da tradição e sobrevivência. Esses povos têm conseguido manter sua língua materna, mas o mesmo não acontece com outros referenciais culturais nativos. O estado de pobreza e de dependência com a cultura envolvente denuncia a negligência do Estado e a falta da real implementação de políticas públicas destinadas às suas principais necessidades. O preconceito que sofrem aumenta a violência na própria comunidade e fora dela. Segundo Colaço (2013), filmar os próprios rituais significa, para povos indígenas brasileiros, reativá-los, difundi-los, interpretá-los e a preservação, nesta visão, possui o sentido de “guardar a tradição” para mostrar às futuras gerações. As produções de autoria indígena buscam recontar a história e, nesse curso, promover meios de preservação, de memória, identidade cultural e valorização do CTI. Há preocupação quanto a valorização e a afirmação da identidade das crianças e jovens indígenas, pois situações de discriminação e desvalorização são constantes e agem na negação à sua identidade cultural. Lima e Vieira (2012, p. 03) dizem que “os índios reforçam a sua identidade na internet, motivados principalmente pelo ativismo como projeto político relevante”, divulgando, revitalizando e reinventando sua identidade étnica. Pode-se dizer que a preservação de seus conhecimentos está intimamente vinculada às questões de valorização, continuidade de modos próprios de organização cultural e subsistência. A reinvenção das narrativas (SILVA; CAVALCANTI, 2009), processo desencadeado pelo crescente uso das tecnologias por grupos indígenas, pode ser vista como uma experiência eficiente de reativar e difundir saberes em via de erosão ou perda, fato evidenciado pelo crescente número de vídeos produzidos e compartilhados em redes sociais e no YouTube. Ressalta-se que no formato digital os conteúdos indígenas podem ser lidos por diferentes pessoas, de diferentes línguas e culturas e as narrativas tornam-se fluidas, possibilitam interação entre diferentes sujeitos, além de novos discursos sobre elas. Este processo reflete o que Lemos (2009) define como desterritorialização, pois, segundo o autor, a

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cibercultura dá condições e oportunidade para que as pessoas produzam e possam compartilhar coisas. Entende-se que as mídias atuais possuem propriedades para capturar, sistematizar, criar, produzir, armazenar e distribuir conteúdos em diferentes formatos. O uso das mídias e da Internet na dimensão cultural e social do indivíduo evidenciam novos modos de relação entre seres humanos e a tecnologia, que, por sua vez, ampliam os espaços de interação, colaboração e criação de conhecimento (LÉVY,1999; SANTAELLA, 2007, 2009; LEMOS, 2009; RUDIGER, 2011). Especialmente em comunidades indígenas, as mídias e a Internet têm sido usadas conforme Pereira (2012, p.46), pela “capacidade expressiva das imagens de englobar o fundamental da comunicação indígena: a oralidade e a corporalidade.” As mídias atuais segundo Aguilar (2012), servem como apoio para a prática de suas expressões e reforço da identidade. Percebe-se, portanto, que nos cibermeios Índio Educa e do Vídeo nas Aldeias, o uso das mídias significa meios de comunicação e interação, formação e profissionalização e registro e documentação (guarda) do conhecimento indígena. Como sujeitos protagonistas do uso de mídias, têm-se duas categorias: os ‘Realizadores Indígenas’ (Vídeo nas Aldeias) e os ‘Administradores Indígenas’ (Índio Educa). Para Tavares (2012, p.91) o protagonismo indígena representa “o início de uma mudança histórica na articulação dos povos indígenas enquanto atores sociais independentes”, pois segundo Pereira (2012, p.18) há a “participação de indígenas enquanto usuários e produtores de conteúdo de informação.” Segundo Figueiredo (2014), a apropriação e uso das tecnologias e da Internet significa um meio de fortalecimento de sua atuação frente à sociedade não indígena, de protagonismo social e, conforme Lima e Vieira (2012), de seus direitos. Ainda para Gallois e Carelli (2010), as novas modalidades de representação envolvem a reconstrução de sua autoimagem. O protagonismo é exercido, mais recentemente, por lideranças indígenas com formação universitária. Conforme Freitas (2015, p.10) as ações de pesquisa e extensão que os jovens indígenas protagonizam nos meios acadêmicos se estendem às suas comunidades e, numa dinâmica circular, envolve diferentes grupos de sujeitos e especialidades, “como pesquisadores, estudantes não indígenas, servidores técnico administrativos, mas também xamãs, lideranças e professores indígenas bilíngues”. Os indígenas universitários constituem-se, a seu modo, agentes mediadores e novos circuitos de informação e conhecimento para seu povo. “Forma-se assim uma geração de intelectuais indígenas, socialmente legitimados para a recriação da história e interpretação contínua de aspectos da tradição” (MONTE, 2002, p.103). No caso do estudo em questão, as mídias digitais estão no centro de um processo que podemos indicar como “quebra de paradigma”. Então, para Canevacci (2012, p.69), rompem-se as barreiras entre “quem representa e quem é representado, entre quem filma e quem é filmado, quem narra e quem é narrado, quem enquadra e quem é enquadrado.” Em outra direção, as mídias sociais, ou redes sociais são vistos como espaços que potencializam o exercício da livre comunicação, oportunizam a expressão de opinião individual, a mobilização coletiva e a denúncia, como um poderoso canal de divulgação de múltiplas e variadas informações. Costa (2010, p.06) diz que “a mídia não é apenas um

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suporte tecnológico, mas uma instituição responsável por criar uma lógica no mundo (...), pois influencia “as relações sociais ou até cria novas formas de sociabilidade.” Segundo Recuero (2009, p.10), “a Internet permite que essas informações permaneçam no ciberespaço, proporcionando que as redes não apenas difundam, mas igualmente discutam essas informações”, pois como diz Mota (2010, p.39), “a Internet surge como um mosaico de oportunidade para a ética civil e para os direitos humanos”. Na aproximação com as mídias digitais e a Internet, as ações indígenas não estão limitadas a aprender e usar a tecnologia, trata-se, pois, de um processo que os mobiliza de forma global, envolvendo as dimensões perceptivas, interpretativas e expressivas do seu universo. Ressalta-se que o correto armazenamento de dados, informações e conhecimentos referentes ao universo tradicional indígena oportuniza torná-los acessíveis a outras culturas, para novas gerações e uma permanente e rica fonte para novos estudos. Há, nos conteúdos dos cibermeios Índio Educa e Vídeo nas Aldeias demonstrações conscientes de práticas de cidadania e ativismo. Pode-se dizer que os cibermeios se configuram como espaços de empoderamento político e cultural, de disseminação de conteúdos que se revelam como manifestos que pretendem, em diálogo com a sociedade civil, denunciar o preconceito e a discriminação que sofrem, bem como buscar aliados na luta por direitos garantidos pela Constituição brasileira, entre eles, a terra. Na visão de Lima e Vieira (2012, p.13), os cibermeios indígenas “se propõem a serem espaços onde muitas destas categorias de ativismo cibernético podem ser identificadas com facilidade, nas suas várias seções, bem como se configuram em espaços de construção de identidades e preservação de uma memória das tradições indígenas”. Para Mota (2010, p. 31), “a combinação da Internet e do ciberativismo tem o potencial de conferir poder aos ativistas e às comunidades indígenas de provocar a erosão das fronteiras geográficas ao alcançar pessoas em todos os cantos do mundo”. Buscam estabelecer laços com a sociedade não indígena e ganham aliados na criação de uma rede de mobilização virtual, recebendo estímulo e apoio de diferentes dimensões da sociedade. No espaço Internet, surge a categoria “seguidores”, composta por indígenas e não indígenas que apoiam a causa, buscam compreender suas principais implicações na sociedade brasileira e colaboram, sobretudo, compartilhando e disseminando as notícias, textos e vídeos. Na medida em que o ativismo virtual dissemina aspectos da cultura e tradição, articuladas à questão da identidade, os indígenas buscam superar velhos rótulos, contradizem a imagem do “índio genérico e objeto do passado” (LIMA; VIEIRA, 2012, p.01), e “mostram-se agora visíveis em sua diversidade” (PEREIRA, 2012, p.96). Como agentes de mudanças, sobretudo, firmam sua resistência a uma sociedade que persiste em enquadrá-los a partir de um modelo, e, somado a isso, que não os reconhece como cidadãos. O ciberativismo praticado pelos povos indígenas tem como importante elemento ações de resistência e valorização de seus sistemas culturais, espirituais e políticos. Em manifestos divulgam que a garantia, por direito, de seus territórios tradicionais inclui a necessidade da criação de mecanismos que possam gerar autonomia e sustentabilidade, porque deles dependem a sobrevivência de seus povos. A comunicação digital permite-lhes desenvolver estratégias de atuação “originais”, onde buscam “direito à voz e acesso ao conhecimento” (PEREIRA, 2012, p.264). As tecnologias estão no centro da mediação entre “vozes indígenas” e as “culturas hegemônicas” (ABDELMONEIM, 2002, p.44). 313

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Ao percorrerem o espaço Internet, os indígenas “saem” da dimensão “local”, transitam pela dimensão social não indígena e encontram no mundo virtual o espaço para amplificar vozes que repercutem seus anseios e conflitos locais. Tem-se, desse modo, uma circularidade comunicativa e informativa, em que a experiência com as mídias e a Internet resulta em novos modos de ser e estar no mundo, de autorrepresentação, de discursos e práticas sociais. Por fim, Abdel-Moneim (2002, p.44) salienta a importância e necessidade da “construção de alianças através das fronteiras de etnia, gênero, classe da sociedade civil de maneira que possam promover o nascimento de instituições sociais e políticas mais democráticas e justas”. 3.1 – Matriz SWOT do contexto analisado A matriz SWOT foi estabelecida por meio da visão de um coletivo de pessoas intimamente relacionadas ao tema, incluindo os entrevistados – que forneceram sua percepção experiencial – e a própria pesquisadora, que contribuiu com um posicionamento científico, tendo por base seu contato com a realidade em estudo. Reuniu-se uma visão interna, proveniente de sujeitos fortemente envolvidos com a questão (os entrevistados), e uma visão externa, essencialmente analítica, oriunda da pesquisadora. A composição final da matriz espelha a visão da autora na condição de interpretadora dos conteúdos e posicionamentos colocados, não tendo sido fruto de uma discussão e consolidação em grupo. Para construir a matriz, foram empregados dois instrumentos: (R) a AC realizada sobre o teor das entrevistas, usando, como categorias de análise, os próprios elementos “fortalezas”, “fraquezas”, “oportunidades” e “ameaças”; e (b) a AC elaborada a partir da avaliação dos cibermeios. A tabela 1 registra o contexto investigado.

Tabela 1 – Fortalezas, fraquezas, oportunidades e ameaças identificadas no uso de mídias digitais por populações indígenas brasileiras FORTALEZAS

FRAQUEZAS

[+] INTERNO • Os cibermeios apresentam conteúdos variados e de fácil visualização. Permitem navegação entre links ou seções; • Existência de um projeto e de especialistas em diferentes áreas do conhecimento que amparam e direcionam suas ações; • Características especialmente focadas em um contexto ou tema, que não se repetem em outros cibermeios; • Atuação na produção e “guarda” de conteúdos voltados para a preservação e disseminação do conhecimento tradicional indígena; • Promoção de espaços de compartilhamento e divulgação de conteúdos que manifestam as suas principais demandas, contribuindo para a criação de um “lugar” para o protagonismo indígena;

[-] INTERNO • Falta de recursos humanos para alimentar, digitalizar conteúdos e atualizar os cibermeios; • Insuficiente domínio da língua portuguesa, especialmente na forma escrita, identificado no contato com alguns informantes indígenas; • Necessidade de domínio de novos códigos, gerada pelo uso das tecnologias; • Deficiência nos cibermeios para contato e interação com o público externo; • Pouca interação entre os diferentes sujeitos (quem posta e quem visualiza) os conteúdos nos cibermeios; • Falta de recursos para manutenção e/ou compra de equipamentos; • Problemas e limites de acesso ao sinal de Internet; • Dificuldade de acordo/negociação entre comunidades indígenas para o registro e disseminação de seus conhecimentos; 314

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• Estímulo e promoção de capacitação para o uso das tecnologias na produção textual e audiovisual; • Acordos e alianças com comunidades indígenas e não indígenas; • Produção, compartilhamento e disseminação de materiais direcionados para a educação indígena e não indígena; • Criação de meios de capacitação para a produção de audiovisuais. Há valorização do “Cineasta Indígena”; • Preocupação com o registro e circulação de determinados tipos de conhecimento indígena. Dois mecanismos de disseminação: interno e público.

• Carência de recursos financeiros para formação continuada para o uso das mídias digitais; • Carência ou inexistência de sistemas de armazenamento dos conteúdos digitais produzidos.

OPORTUNIDADES

AMEAÇAS

[+] EXTERNO • Mobilização (virtual/física) para suas principais reivindicações via Internet; • Maior intercâmbio e trocas com outros povos e culturas. Diálogo com a sociedade; • Valorização dos registros audiovisuais por parte de lideranças indígenas; • Participação em eventos, festivais nacionais e internacionais; • Profissionalização no uso das mídias digitais e Internet; • Maior oferta (barateamento) de equipamentos, como celulares, gera meios populares de captação de imagens e sons; • Meios de atuação, presença e de protagonismo social e autoafirmação da identidade indígena. Ativismo indígena; • Formação de uma rede articulada, de produção, disseminação e uso de materiais didáticos focados em questões indígenas (Recurso Educacional Aberto); • Criação de um Observatório do Conhecimento Indígena.

[-] EXTERNO • Dificuldade na obtenção (captação) de recursos financeiros em políticas públicas ou outras instâncias; • Permanente dependência financeira externa para a gestão do projeto e do cibermeio; • Uso não adequado da Internet (redes sociais) por jovens; • Mercantilização do conhecimento tradicional; • Desinteresse das novas gerações pela continuidade de atividades que incluem seu universo material e imaterial; • Substituição (crescente e em larga escala) de formas tradicionais de disseminação e preservação do CT; • Perda de conhecimento tradicional; • Falta de pesquisa no âmbito acadêmico sobre armazenamento e disseminação do conhecimento indígena.

A análise mostra que o uso das mídias e da Internet por populações indígenas, demonstra, em seu âmbito interno, os seguintes pontos fortes ou fortalezas: Os cibermeios analisados possuem uma estrutura simples, permitem navegação entre links e seções e ao acesso aos seus conteúdos que refletem a realidade atual de indígenas brasileiros. Há empenho de diferentes especialistas na gestão dos projetos que “amparam” os cibermeios, pois estes são resultados de ações institucionais.

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Evidenciam-se o forte engajamento para questões que buscam reconstruir a imagem indígena (Índio Educa), e foco na formação de produtores ou cineastas indígenas, com incentivo para capacitação e participação em eventos e intercâmbios culturais (Vídeo nas Aldeias). Por suas características e temáticas apresentadas, pode-se dizer, em análise global sobre o universo indígena na cibercultura, os cibermeios tornam-se complementares. Propiciam e favorecem a criação de um “lugar” para o exercício do protagonismo social e é a partir da atuação e visibilidade de suas produções que os indígenas produtores passam a ser mais valorizados por suas comunidades ou aldeias. Entretanto, importante mencionar, há preocupação e cuidado com tipos de conhecimentos que, codificados em meios digitais, devem circular somente em comunidades indígenas. Quanto às fraquezas, a análise verificou, conforme citam os gestores entrevistados, os dois cibermeios passam por dificuldades de gestão e continuidade das ações. Outra questão refere-se à cultura tecnológica, pois os indígenas necessitam dominar novos códigos, entre eles a linguagem escrita em idioma não indígena. Muitos indígenas brasileiros passaram da linguagem oral para a tecnológica, sem o domínio pleno da língua não indígena, escrita. Sobre a falta de interação com os cibermeios, tal questão pode estar vinculada à carência de pessoal para, rotineiramente, processar os dados e informações recebidas ou, ainda, por problemas técnicos e de operacionalidade interna dos cibermeios. Há relatos de que em algumas comunidades indígenas ocorrem dificuldades de negociação entre os sujeitos que desejam registrar imagens de tipos de conhecimento (por entender que há necessidade, uma vez que está em vias de serem perdidos), que estão restritos a determinadas pessoas ou grupos, os chamados “detentores de conhecimento”, pessoas mais velhas que relutam em passar adiante determinado conhecimento que possuem. Não foi identificado, de modo claro, sobre onde e como os conteúdos digitais estão sendo armazenados. Dessa forma, há possiblidade eminente da perda de conteúdos digitais produzidos e não armazenados adequadamente. No que se refere a oportunidades, a análise permitiu confirmar que o uso das mídias e da Internet por populações indígenas estão sujeitas a condições positivas oriundas do meio externo. O acesso e uso da Internet propicia a difusão da informação de modo rápido e os indígenas utilizam-na para divulgar eventos e mobilizações, além do contato com familiares que estão fora da comunidade. Com a visibilidade gerada pelas produções audiovisuais e Internet, cresce o interesse por parte de lideranças indígenas para a produção de audiovisuais no registro de seu cotidiano, suas festas ou cerimônias e, dessa forma, criam meios de preservação e disseminação de seus conhecimentos. O acesso externo a fontes de capacitação continuada para o uso das mídias digitais e Internet, participação em eventos internacionais, podem contribuir de modo significativo para a formação profissional dos indígenas. A renovação de lideranças indígenas inclui, mais recentemente, indígenas com formação universitária, gerando modificações nos espaços indígenas e em seu relacionamento com outras culturas. Ao se tornarem valorizados por seus parentes e pelo público externo (diferentes setores da sociedade), os indígenas explicitam suas principais necessidades e expectativas frente à sociedade não indígena. Criam espaços de mobilização para reivindicar o cumprimento e aplicação de leis que asseguram seus direitos. Ainda neste sentido, ampliam-se oportunidades de intercâmbio e trocas culturais, dando visibilidade às suas principais

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reivindicações e lutas em eventos nacionais e internacionais. As redes sociais são usadas para que os indígenas sejam “presentes” e ampliem as vozes da sua comunidade. Há, entre os gestores, a explícita intencionalidade de criação de novos e mais abrangentes meios de interação entre populações indígenas e não indígenas, como a formação de uma rede articulada entre populações indígenas brasileiras (e povos tradicionais de outros países), promovendo maior visibilidade, e que inclua meios de proteção e armazenamento de suas produções. Por outro lado, a análise permitiu confirmar que o uso das mídias e Internet por populações indígenas sofrem, também, ameaças: A dependência de instituições mantenedoras, ou ainda, a insuficiência de recursos financeiros, aliada à falta de pessoal capacitado para o cumprimento de suas demandas, pode gerar uma série de implicações na gestão dos projetos, até mesmo o rompimento de suas atividades. É comum que jovens indígenas busquem fora de suas comunidades e aldeias novas oportunidades de vida e sobrevivência. Na aproximação com o universo não indígena, estão em desvantagem, pois a discriminação e o preconceito que sofrem afloram nesses jovens, o desejo e a necessidade de sentir-se incluídos socialmente. Identificaram-se aspectos que evidenciam que há, entre grupos indígenas, pessoas que entendem o conhecimento tradicional com valor de “propriedade” e de “mercantilização”. Ao negociarem a transmissão do conhecimento, estão contrariando as bases que os têm mantido sob modos tradicionais e pode causar perdas irreparáveis em sua cultura. Salienta-se, por fim, que, o uso inadequado da Internet e das redes sociais por jovens indígenas pode gerar desinteresse pelo próprio universo cultural e cotidiano da sua comunidade ou aldeia. 5. Conclusões A lógica indígena tem sua tradição marcada pela transmissão dos conhecimentos de geração em geração. Essa consciência garantiu que conhecimentos seculares ainda neste século, constituam o universo de conhecimento indígena. Os registros audiovisuais constituem-se meios para preservação e disseminação do conhecimento indígena. Além da preservação e disseminação, há o claro interesse no uso das mídias digitais e Internet no fortalecimento da cultura indígena. O uso das mídias estendem as fronteiras das comunidades e aldeias, promove o contato e interação com outras culturas e grupos sociais e oferece meios para acessar os benefícios básicos como consulta a previdência ou assistência social, cursos na modalidade à distância, realização de pesquisas, contato com parentes de outras regiões do país, com grupos indígenas de várias partes do mundo. O uso e apropriação das tecnologias permite saber o que acontece no mundo, traz para a comunidade ou aldeia atualizações sobre as suas principais reinvindicações e lutas. Também proporciona aos jovens indígenas possibilidade de formação audiovisual, de autoria e de protagonismo. Ao refletir sobre o contexto apresentado, os fatores e segmentos que negligenciam as comunidades indígenas brasileiras e o valor de seus conhecimentos, esse trabalho contribui de modo a estimular o olhar para a diversidade, expondo um contexto investigativo que

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pode gerar novos conhecimentos sobre eles, sua visão de vida e a relação atual com a sociedade. Contribui com um registro que percebe a inclusão digital e o uso de mídias como direito à participação, sobretudo de autorrepresentação na sociedade do conhecimento, e não somente sua adaptação às exigências desta. Como evidenciado, o conjunto de conteúdos têm se voltado à valorização e documentação do CTI. Forma-se, neste sentido, um acervo de registros de caráter histórico originalmente contextualizado, e que pode ser usado por diferentes atores e mediações. Cabe ainda registrar que não se trata somente de produção de novos conteúdos, de sua preservação e disseminação, mas de uma mobilização que age em vários aspectos da cultura indígena. Referências Abdel-Moneim, S., G., 2002. O Ciborgue Zapatista: tecendo a poética virtual de resistência no Chiapas cibernético. Rev. Estud. Fem., v.10, n.1, p.39-64. Abreu, R., Nunes, N., L., 2012. Tecendo a tradição e valorizando o conhecimento tradicional na Amazônia: o caso da “linha do tucum”. Horizontes Antropológicos, ano 18, n. 38, p. 1543. Agrawal, A., 2002. Indigenous knowledge and the politics of classification. International Social Science Journal, v.54, n.173, p.287-297. Aguillar, A., 2012. Identidade/diversidade cultural no ciberespaço: práticas informacionais e de inclusão digital nas comunidades indígenas no Brasil. Inf. & Soc.:Est., v.22, n.1, p.121128. Albagli, S., 2005. Interesse global no saber local: a geopolítica da biodiversidade, in: Moreira, E., Belas, C., A., Barros, B. (Eds.), Seminário saber local/Interesse global: Propriedade intelectual, biodiversidade e conhecimento tradicional na Amazônia. CESUPA, MPEG, Belém, pp.17-27. Arruda, R., 1999. Populações tradicionais e a proteção dos recursos naturais em unidades de conservação. Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, Proceedings, v.1, p. 262-276. Bauer, M. W., 2008. Análise de conteúdo clássica: uma revisão, in: Bauer, W., Gaskell, G. (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Um manual prático. Vozes, Rio de Janeiro, pp. 189-217. Bucchioni, X., de A., 2009. Comunicação, visibilidade e vínculo: a presença indígena na virtualidade. Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Proceedings, p.01-14. Canevacci, M., 2012. A linha de pó: a cultura bororó entre tradição, mutação e autorepresentação. São Paulo: Annablume. CARTA de São Luís do Maranhão, dezembro de 2001. Disponível: http://www.biopirataria.org/artigos/carta_São_Luis_do_Maranhão.pdf. (Acesso 10.01.2014). CDB – A Convenção para Diversidade Biológica. 2000. Disponível: http://www.mma.gov.br/estruturas/sbf_chm_rbbio/_arquivos/cdbport_72.pdf. (Acesso 10.11.2012).

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Resolução de conflitos de vizinhança entre as populações e a indústria através do diálogo - O caso da zona costeira de Sines (Portugal) Álvaro António Pinheiro Barroqueiro 1, Sandra Sofia Ferreira da Silva Caeiro 2 1

Universidade Aberta, [email protected]

2

Universidade Aberta, Departamento de Ciências e Tecnologia, CENSE, Center for Environmental and Sustainability Research of Faculty of Science and Technology, [email protected] Abstract Os sistemas costeiros são por natureza ambientalmente frágeis. Porém, também a indústria tem preferência por se instalar em zonas litorais, pela facilidade de acesso às vias marítimas, sendo então necessária a existência nesses lugares de instalações portuárias. Por outro lado, a atividade industrial tem sempre associados impactes ambientais, motivo de contestação popular, nomeadamente em áreas onde as populações têm de conviver de perto com a indústria, como é o caso de Sines. O município de Sines, em Portugal, tradicionalmente ligado às atividades do mar e piscatórias, é um caso paradigmático onde este problema se faz sentir, com a oposição da população local à indústria vizinha. Praticamente no seu estado natural até ao início da década de 1970, a construção do complexo portuário e industrial na região, processo no qual a população não se viu envolvida, viria a mudar para sempre o modo de vida dos seus habitantes. Sabendo-se que o diálogo tem demonstrado bons resultados na resolução de conflitos de vizinhança, realizou-se um estudo de caso holístico, alargando-se o campo da investigação aos aspetos ambientais e sociais envolventes, para dar resposta às questões ‘como’ e ‘porquê’ da existência do conflito na região de Sines, contribuindo-se assim para o conhecimento dos fatores que condicionam os comportamentos individuais em matéria de ambiente, tendo em vista a implementação de plataformas de diálogo e a promoção da integração ambiental entre populações e a indústria. A recolha de informação baseou-se na análise documental, observação direta e consulta on-line em sites de dados institucionais, complementada por inquérito a duas amostras de conveniência, uma constituída por 55 atores sociais chave da população de Sines, com uma taxa de sucesso de 58%, e outra por um painel de oito empresas, que pela sua dimensão e atividade integram os aspetos ambientais e sociais críticos da indústria local, obtendo-se uma taxa de sucesso de 50%. Face aos resultados alcançados, ainda que situações de alteração das condições naturais tenham ocorrido num passado recente na região em estudo, não se pode afirmar que exista de facto um caso de poluição, sugerindo que as causas do conflito em Sines se prendem mais com razões sociais e culturais do que com o ambiente propriamente dito, verificando-se que o espaço social e a proximidade física e cognitiva têm um efeito modelador das atitudes individuais, e na construção da perceção do risco ambiental. Embora a existência do conflito em Sines seja uma realidade, este trabalho vem demonstrar a disponibilidade dos atores sociais de Sines para a colaboração na proteção do ambiente e da saúde pública, o que permite antecipar o sucesso na resolução do conflito em Sines através do diálogo. São todavia apontadas barreiras, que se prendem essencialmente com a falta de tempo ou oportunidade por parte da população, ou com o receio das empresas pela exposição à opinião pública. Neste campo, as autoridades locais têm um papel a desempenhar na integração ambiental 323

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das populações e a indústria, como facilitadoras do diálogo, criando-se assim novas oportunidades de gestão para o exercício de uma cidadania mais efetiva. Keywords: risco, integração, ambiental, facilitação, cidadania

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Agroecologia enxuta Sérgio Mancini1, Evandro Noro Fernandes2, Alessandro Augusto Rogick Athie3 1

Centro Universitário SENAC, Av. Eng. Eusébio Stevaux, 823 – São Paulo – SP – Brasil, [email protected] 2

Centro Universitário SENAC, Av. Eng. Eusébio Stevaux, 823 – São Paulo – SP – Brasil,

[email protected] 3

Centro Universitário SENAC, Av. Eng. Eusébio Stevaux, 823 – São Paulo – SP – Brasil,

[email protected]

Resumo As pequenas produções agrícolas são muito importantes para o desenvolvimento local regional sustentável, porém sofrem com a falta de competitividade em relação a grandes produções intensivas. Estudar formas de melhorar sua competitividade com sustentabilidade ambiental parece ser um grande desafio a ser enfrentado. Experiências no mundo como Agroecologia vêm trazendo elementos para enriquecer o manejo sustentável em propriedades familiares. E na indústria, técnicas de melhoria da produtividade, como ferramentas da produção enxuta, poderiam auxiliar no caminho do aumento da competitividade. Esse trabalho tem como objetivo mostrar o potencial de utilização de algumas técnicas do modelo de Produção Enxuta para a melhoria da competitividade, ao ser aplicado a essas pequenas propriedades familiares. Foram pesquisados na literatura os conceitos de Agroecologia, visitadas propriedades que praticam essa filosofia e foram utilizadas técnicas de Produção Enxuta numa pequena propriedade rural familiar na região de Parellheiros, Zona Sul do município de São Paulo, Brasil. Começou-se com o conceito de produção puxada, isto é, por demanda, consultaram-se as partes interessadas para determinar o conceito de valor para eles, foi feita uma análise de todos os processos utilizados na produção identificando-se etapas que agregam e que não agregam valor e foram relacionadas as oportunidades de melhoria. Como resultado verificou-se um potencial de grande aumento do volume de produção pelo estabelecimento de uma reunião com periodicidade trimestral com seu principal cliente para poder produzir por demanda. Além disso, de forma a minimizar as perdas por extremos climáticos impedindo-o de atender o volume demandado, buscar o desenvolvimento junto a instituições de ensino de estufas de baixo custo. Foram identificadas algumas perdas de tempo em atividades que não agregam valor que poderiam ser otimizadas com a aplicação de medidas de melhoria operacional possivelmente com alguma mecanização ou automação para liberar a mão-de-obra escassa 325

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para ser utilizada em outras atividades. Verificaram-se também possíveis ganhos de produtividade e qualidade na padronização das atividades pela falta de organização verificada. Essas medidas trariam o benefício de aumento de receita, diminuição do custo e melhoria da qualidade de vida. Dessa forma, conclui-se que as técnicas da Produção Enxuta tem grande potencial para melhorar a competitividade do negócio das pequenas propriedades rurais agroecológicas. Além disso, ao considerar a referência agroecológica, o conceito de valor é ampliado considerando-se valores socioambientais que nortearam toda a busca das melhorias e que poderiam ser sempre considerados para balizar os possíveis avanços ao se considerar a voz não só do cliente, mas também de principais partes interessadas no negócio.

Palavras-chave: Produção Sustentável, Ecologia Industrial, Agroecologia, Produção Enxuta e Verde 1. Introdução 1.1. Contexto e Justificativa Atualmente um dos grandes desafios da humanidade é buscar um desenvolvimento igualitário utilizando os recursos naturais de forma equilibrada e racional. A maioria das cadeias de produção vigentes se organiza de forma diversa dessa direção. A cadeia de alimentos é um grande exemplo dessa questão, onde pequenos produtores agrícolas, muito importantes nesse contexto, sofrem com a falta de competitividade quando comparados a produções intensivas que por sua vez, da forma como muitas são conduzidas, pela agricultura tradicional intensiva, comprometem o meio ambiente e assim a saúde e o futuro da humanidade. Estudar formas de se melhorar a competitividade dessas pequenas produções que organizadas de forma eficiente pudessem levar a um desenvolvimento regional sustentável poderia ser uma solução para esse desafio. 1.2. Argumentos da pesquisa Experiências em várias partes do mundo em Agroecologia, Ecologia Industrial e Ecoparques industriais têm trazido elementos favoráveis para essa hipótese. E estudar o potencial de melhoria de competitividade numa pequena produção agrícola, parece ser adequado para começar a avaliar esse potencial. A indústria tem como ferramentas de melhoria de competitividade, técnicas originadas de uma filosofia de produção da indústria japonesa de

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fabricação de automóveis, conhecida como Produção Enxuta, que visam basicamente a redução de desperdícios de toda a natureza e a padronização dos processos. 1.2.1. Agroecologia Segundo Gliessmann (2001), agroecologia trata da aplicação de princípios, conceitos e boas práticas ecológicas junto ao desenho e ao manejo de ecossistemas agrosustentáveis. Para Altieri (1989) pode-se entender agroecologia como uma ciência que estuda os agroecossistemas promovendo a integração de conhecimentos das áreas de agricultura, ecologia, economia e sociologia. Por outro lado Guzmán (2002) discorre que a agroecologia não constitui uma ciência, pois incorpora e apodera-se, em sua constituição, do conhecimento tradicional não científico. Para outros autores a Agroecologia é uma ciência inter e transdisciplinar em construção, que integra o conhecimento de diversas áreas do conhecimento científico ao conhecimento dito tradicional. Destaca-se com uma área correlata a Agricultura Orgânica que define o solo como um sistema vivo, que deve ser nutrido, de modo que não restrinja as atividades de organismos benéficos necessários à reciclagem de nutrientes e à produção de húmus (USDA, 1984). NEVES et al. (2000) considera que o enfoque holístico do sistema de produção orgânico permite o manejo da unidade de produção agrícola promovendo a agrobiodiversidade e os ciclos biológicos e com isso estimulando a sustentabilidade social, ambiental e econômica da unidade. Agrobiodiversidade funcional, dependente de soluções locais, que Bàrberi (2013) preconiza como um dos instrumentos para solução dos problemas globais agro ambientais. Os produtos orgânicos produzidos no Brasil são hortaliças, cereais, leguminosas, soja, açúcar e outros. A produção de animais ainda é pequena (Smolinski et al, 2011). Os produtores estão distribuídos nas regiões brasileiras segundo a figura 1.

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Figura 1 – Distribuição de Agricultores com agropecuária orgânica por regiões do Brasil – 2009. Fonte: Smolinski et al, 2011

Os orgânicos são produzidos sem a utilização de fertilizantes sintéticos solúveis, agrotóxicos e transgênicos. Portanto, são mais seguros para o consumo. No entanto, na sua produção são requeridos maiores cuidados, precisando de maior número de pessoas para poder realizar todas as tarefas requeridas e ainda observar com maior atenção as plantações contra as pragas. Esta é a razão da agricultura familiar ser mais adequada a esse tipo de agricultura. No Paraná a maioria das propriedades rurais não passa de 50 hectares (86%). Desta forma a produção orgânica seria uma boa alternativa para a agricultura familiar, para gerar maior renda e também propiciar condições mais saudáveis para esses agricultores (Smolinsk, 2011). 1.2.2. Ecologia Industrial e Ecoparques industriais A Ecologia Industrial identifica e propõe novos arranjos para os fluxos de energia e materiais em sistemas industriais; busca também a integração das atividades econômicas e a redução da degradação ambiental – demanda por recursos e poluição (Costa, 2002). Segundo Ferrão (2009): “A Ecologia Industrial baseia-se na metáfora que advém de retirar da análise do funcionamento dos ecossistemas naturais lições úteis para gerir melhor os sistemas industriais em sentido mais lato, ou seja, a sociedade que caracteriza as economias modernas e industrializadas.” Existe uma grande discussão se esta é uma nova ciência ou uma amálgama de diversas áreas que agrega conceitos multidisciplinares, aliados a Prevenção da Poluição, Produção Mais Limpa, Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, Responsabilidade Socioambiental, entre outros campos e cria uma nova proposta de reorganização das atividades industriais, entendidas dentro do espectro mais complexo e amplo das atividades econômicas, não restrito apenas ao setor industrial. No âmbito da ecologia industrial, o conceito de ecoparques industriais procura uma aproximação baseada na ecologia entre processos e projetos de parques industriais levando a um novo modelo com vantagens competitivas envolvendo trocas simbióticas de materiais, energia, água, produtos e serviços respeitando os limites socioambientais. É uma comunidade de negócios que procura melhorar o desempenho econômico e socioambiental em colaboração procurando benefícios coletivos que sejam maiores que a soma dos individuais. Alguns desses novos modelos de parques estão localizados nos Estados 328

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Unidos, na Holanda e na China. O de Kalundborg, na Dinamarca, é o mais famoso (Lowe, 2001). 1.2.3. Competitividade e Agroecologia A regulamentação da produção de orgânicos no Brasil avançou a partir da Lei 10.831 de dez de 2003 e do Decreto 6.223 de dez de 2007, definindo critérios conceituais sobre produção de base agroecológica a serem seguidos, formas de financiamento, cadastramento de produtores e formas de certificação. Um produto orgânico é reconhecido como tal através do selo brasileiro ou pela declaração de cadastro do produtor orgânico familiar que para ser concedida, exige auditoria para verificação do atendimento aos critérios estabelecidos (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 2016). A agricultura de orgânicos tem aumentado consideravelmente no mundo nos últimos anos, variando de 2 a 5% e a expectativa é de continuar aumentando. As regiões com maior área de agricultura orgânica são Oceania (17,3 milhões hectares, 40%) e Europa (11,6 milhões hectares, 27%). Depois vem América Latina (6,8 milhões hectares, 15%) Ásia (3,6 milhões hectares, 8%), América do Norte (3,1 milhões hectares, 7 %) e África (1,3 milhões hectares, 3%). Os países com maior área são Austrália (17,2 milhões hectares), Argentina (3,1 milhões hectares) e Estados Unidos (2,2 milhões hectares). Nos Estados Unidos, o mercado movimenta cerca de US$ 32 bilhões respondendo por 3 a 4% do mercado e não há produção para atender a demanda. Na Europa, movimenta US$ 29 bilhões ocupando 2 a 3% do mercado de alimentos. Comparada com a agricultura tradicional, a orgânica ainda corresponde a 1% das áreas cultivadas (Willer e Lernoud, 2012). O Brasil, em 2014, aparece nesse levantamento com 705.233 hectares. No último censo decenal agropecuário realizado no Brasil, em 2006, havia 5 mil produtores orgânicos. Atualmente são cerca de 8 mil e a área de produção está em torno de 1,5 milhão de hectares e o crescimento nos últimos cinco anos no setor está próximo de 46% (Ferreira, 2016). Portanto, há grande potencial de crescimento nesse mercado. O governo brasileiro tem um Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo, 2013). E o grande fator de competitividade hoje no mercado interno é o preço. E segundo Smolinsk et al (2011), ações como assessoria técnica visando diminuir os preços dos alimentos orgânicos tornando-os mais competitivos poderiam ser desenvolvidas para tornar os produtos orgânicos mais competitivos. A tecnologia, como por exemplo pesquisaram Arvanitis et al (2000) controlando por instrumentos estufas agrícolas, precisa chegar aos pequenos produtores rurais, obviamente à baixos custos. 1.2.4. Ferramentas da Produção Enxuta e Agroecologia 329

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O Sistema Toyota de Produção teve seu início em meados da década de 50 e com a crise do petróleo em 1973, a ascensão de algumas empresas japonesas fez com que o ocidente voltasse sua atenção para elas e esse novo modelo de produção, conhecido como Produção Enxuta (Lean Manufacturing) começou a se difundir. A partir da década de 80 houve grande propagação do modelo por várias empresas e de várias cadeias de produção inclusive de serviços. Uma empresa Enxuta é aquela que pode produzir e entregar qualquer produto ou serviço em qualquer prazo, com o menor custo e com qualidade que ultrapasse as expectativas dos clientes. Portanto, a aplicação de algumas dessas técnicas tem um potencial benefício em propriedades familiares agroecológicas. Obviamente a aplicação não é direta e simples como afirmam Andersson e Eklund (2014), havendo necessidade de adaptações à atividade que não é produção em massa de automóveis, mas nada que já não esteja sendo feito em vários setores, inclusive em serviços, com grandes resultados. Os objetivos tradicionais são de preço, qualidade, serviço, flexibilidade e pontualidade. Com a referência da Agroecologia é necessário serem considerados objetivos também socioambientais, advindos das várias partes interessadas. É um conjunto de requisitos. A Produção Enxuta tem cinco princípíos:

1- Especificar o valor: definir claramente qual o valor para o cliente 2- Identificar o fluxo do valor: identificar as atividades que agregam e não agregam valor e portanto tem que ser eliminadas (aqui usa-se uma ferramenta criada por Mike Rother e Shook em 1999: value stream mapping – VSM). 3- Criar fluxo: mapear o fluxo de valor, torná-lo contínuo de forma a passar a produzir por solicitação do cliente trabalhando só quando solicitado. É o Just in Time (JIT). 4- Puxar o fluxo: Produzir o bem ou serviço somente após a demanda do cliente fluxo acima na produção e não fazendo estoques. Esse sistema de produção ficou conhecido como produção puxada. Um cartão de controle para auxiliar visualmente esse processo foi criado chamado Kanban. 5- Perfeição: realizando os quatro princípios anteriores a empresa estará buscando a melhoria contínua que pode ser relacionado com o conceito de Kaizen.

Portanto, para atenderem com competitividade as demandas do mercado, as empresas devem diminuir seus desperdícios nas suas atividades, reduzindo as atividades que não agregam valor ao cliente final e estão presentes em toda a organização onde menos se espera. 330

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Os desperdícios causam perdas de qualidade, produtividade, custos, flexibilidade, tempo, pontualidade, qualidade de vida, impactos socioambientais e corroem a competitividade das empresas. Portanto, identificá-los é o primeiro desafio. Segundo a Optima (2016), os principais tipos de desperdício nos processos são: 1 – Excesso de Produção: Produzir mais produtos do que a demanda, geram estoques de alto valor e custos financeiros 2 – Espera: Ter uma estrutura ociosa e em espera de alguns recursos geram alto custo na operação 3 – Produtos Defeituosos: Quando os processos geram produtos ou serviços não conforme, criam um alto custo de retrabalho, refugo e perdas de materiais, energias, etc. 4 – Estoques Excessivos: Os estoques, sejam de matéria prima ou em processo, aumentam os custos da operação e reduzem a flexibilidade e o tempo do processo 5 – Processamento Deficiente: Processos pouco eficientes consomem muitos recursos para produzir gerando aumento nos custos de operação 6 – Excesso de Movimentação: Quando as pessoas tem que se movimentar muito além do necessário para realizar suas atividades acabam gerando perdas de produtividade 7 – Transporte Excessivo: Movimentar produtos entre as áreas e processos consome tempo, recursos e geram custos que reduzem a competitividade do processo 8 – Criatividade: A subutilização do talento, da criatividade, das competências das pessoas reduz a capacidade de inovação, transformação e de melhoria da organização comprometendo sua competitividade. Para identificar os desperdícios, deve-se analisar as atividades de um processo, e classificálas em dois grupos: As que Agregam Valor e Aquelas que Não Agregam Valor. Das atividades que não agregam valor, analisa-se quais são realmente necessárias e quais são desperdícios puros. Durante esse processo são identificadas as oportunidades de melhoria. Em processos de manufatura, em geral as atividades que agregam valor representam menos de 1% do tempo de processamento total. Em áreas administrativas as atividades que agregam valor representam de 10% a 20% do tempo de processamento (Optima, 2016).

1.3. Objetivo: Esse artigo pretende mostrar o potencial de utilização dessas técnicas da Produção Enxuta na melhoria da competitividade de pequenas propriedades agrícolas que trabalhem com a filosofia da Agroecologia.

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2. Métodos 2.1. Métodos e abordagens Com base nos conceitos de Agroecologia pesquisados na literatura foi visitada uma propriedade na região de Parelheiros - Igreja Messiânica – Solo Sagrado - que utiliza essa filosofia em sua produção, para conhecer na prática suas características. Foram entrevistados dois agrônomos especialistas na tecnologia de produção e visitada a produção local. Foi feita reunião com o poder público – Sub Prefeitura da regiao de Parelheiros, São Paulo para levantar as principais necessidades da região e o que eles consideravam como valor na questão das pequenas propriedades rurais. Além disso, participou-se de um evento com várias partes interessadas da região – proprietários rurais, ONGs, secretarias de governo, proprietários de pousadas, APAS – para conhecer os problemas e demandas da região. Depois, escolheu-se um pequeno produtor familiar que utilizasse a filosofia de Agroecologia e que tivesse um cliente principal para poder avaliar a sua relação com ele. Foi escolhida uma pequena propriedade rural e seu principal cliente, um restaurante messiânico voltado ao consumo de alimentos orgânicos, onde foi conduzido um experimento de campo. Começou-se, para a definição do escopo do trabalho, com uma reunião com o gerente do restaurante que passou todas as demandas que são feitas ao fornecedor, inclusive éticas, que a agroecologia atende. Tudo o que é valor para o cliente foi aqui levantado. Depois foi marcada uma visita à propriedade rural e acompanhou-se a produção em suas várias etapas e foi feita entrevista com o produtor. Nessa oportunidade, foi elaborado em conjunto com eles, o que na Produção Enxuta é chamado de Mapeamento do Processo de Valor (figura 2 - VSM). Escolheu-se uma cultura, a que mais é demandada para representar inicialmente seu processo: a alface. Analisando todos os processos de produção dentro do escopo determinado, buscou-se identificar as atividades que agregam valor; as que não agregam, mas são necessárias e as que não agregam valor. Foi-se anotando todos os problemas identificados e foi gerada uma lista de oportunidades de melhoria. Adotou-se como princípio, considerar que o produtor deveria produzir o que é demandado, isto é, um dos princípios da Produção Enxuta, a produção puxada. 2.2. Região da propriedade visita e descrição da propriedade A agricultura na zona sul de São Paulo que compreende as áreas das subprefeituras de Parelheiros e Capela do Socorro, abrangendo 25.000 hectares, protegida pela legislação estadual de proteção dos mananciais, ocupando a bacia hidrográfica do Capivari-Monos e 332

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parte das bacias Guarapiranga e Billings, ocorre em uma área com loteamentos irregulares e precários, predominantemente rural (Atlas Ambiental, 2002). As áreas agrícolas diagnosticadas pela casa da agricultura ecológica estão concentradas nos bairros de Gramado e Ponte Alta, onde estão as terras mais planas, nas bordas da Cratera da Colônia, em torno da planície aluvial e também na Barragem Billings. Observase, nestas localidades, uma exploração agrícola de maior escala, pois, além da horticultura, há floricultura com maior representatividade em termos financeiros, bem como as culturas anuais como milho e feijão. Os agricultores da região do estudo direcionam o cultivo para determinados produtos que tenham uma clientela específica. Assim, conseguem organizar-se enquanto produtores e comerciantes, e não entrarão em concorrência direta com produtores estabelecidos e especializados, no caso, os capitalizados e que produzem em uma escala bem maior. Neste sentido, essa busca por nichos específicos está presente no espaço rural paulistano, por suas especificidades, como: espaço reduzido e concorrência com o urbano e com produção em escala. E, essa tem sido a saída encontrada, favorecida principalmente pelas múltiplas possibilidades de demanda da metrópole. As propriedades rurais, da região do estudo desenvolvem atividades de cultivos para produção comercial, em conformidade com a demanda específica, atualmente para os produtos agroecológicos. Em sua maioria são os proprietários da terra que desenvolvem os cultivos, e também que fazem a entrega e comercialização dos produtos, como no caso do produtor em estudo. A propriedade em questão tem 4,7 hectares e se dedica a produção de hortaliças, raízes, legumes e frutas. Atende basicamente o restaurante em estudo e algumas feiras livres. 3. Resultados e Discussão O restaurante em estudo indicou como valores principais a serem atendidos, primeiro a utilização de produtos orgânicos e depois a pontualidade. O preço, segundo seu gerente, é indiferente, pois muitas vezes é até menor, contrariando alguns autores que afirmam que o preço do produto orgânico é impraticável. A qualidade é importante, mas segundo eles, a qualidade dos produtos do produtor desse estudo sempre foi bem melhor que a da Central de Abastecimento da região (CEASA). Apresenta maior durabilidade, melhor aparência, maior tamanho e sabor. O restaurante serve de 250 a 280 refeiçoes por dia. O restaurante tem uma demanda muito grande de tudo o que o produtor faz, mas ele não consegue atender, pois trabalha no modelo de vender o que tem, avisando uma semana antes do que dispõe. O restaurante também é atendido por um grande produtor orgânico com arroz, soja, trigo, feijão, ervilha, frango, carne e ovos; pela produção de algumas frutas e legumes do 333

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Solo Sagrado da Igreja Messiânica; e pelo produtor estudado nesse artigo, em hortaliças e o que mais ele tiver, normalmente abobrinha, chuchú e alguma fruta como caqui e morango. Aquilo que não é atendido por produtores orgânicos é atendido pelo CEASA com produtos de agricultura convencional. Sua demanda semanal de produtos orgânicos não é atendida, e muito menos a de eventos que ocorrem no restaurante, programados anualmente, e que envolvem de 5000 a 20.000 pessoas. Como relação ao produtor, ele é familiar, tem 4,7 hectares, trabalham em 5 pessoas e seu principal produto é a alface, cuja produção foi utilizada para nossa avaliação. Sua produção semanal para o restaurante é de 400 pés. Para se produzir 400 pés de alface por semana são necessários oito canteiros, pois o tempo total de produção é aproximadamente 60 dias. O produtor também produz para as feiras. Mas as quantidades são bem menores e a variedade é grande, mas a margem é maior. Seus principais insumos são: óleo de gergelim, cinza de madeira (K), pó de rocha (para correção do pH), esterco de codorna (N2) e composto de Fósforo. E do mapeamento do processo de valor no processo de produção de alface, pode-se resumir o resultado na figura 2 abaixo. As atividades em verde agregam valor e as em amarelo não agregam valor, mas são necessárias. Não foram colocadas algumas atividades que não agregam valor e não são necessárias, portanto, desperdício puro, como tempos de espera entre colheita e lavagem, seleção e embalagem, embalagem e expedição, que deverão ser objeto de estudo aprofundado, pois será necessário avaliá-las por várias vezes. Após esses estudos, um VSM futuro é feito eliminando-se esses desperdícios puros e de alguma forma também são trabalhadas as atividades em amarelo, para que prevaleçam as atividades que estão em verde, simplificando o fluxo, como se o processo fosse contínuo. Com relação às oportunidades de melhoria que estão em vermelho, constatou-se que se o produtor e seu principal cliente se reunirem com periodicidade trimestral, o agricultor poderá trabalhar por demanda e o volume de produção poderá ser muito aumentado trazendo um mehor resultado operacional e consequentemente melhorar sua competitividade. Além disso, a instalação de estufas de baixo custo diminuirá a perda de produção por extremos climáticos que são comuns ao longo do ano tornando o fornecimento mais firme além de permitir um trabalho em melhores condições climáticas melhorando a produtividade e melhorando a qualidade no trabalho. Há ainda perda de tempo em atividades que não agregam valor como na capina, na colheita e na pós-colheita que com o estudo mais aprofundado pode-se diminuir a utilização de mãode-obra, que por ser escassa, pode ser deslocada para outras atividades que agregam valor. São atividades que a aplicação de simples tecnologias de automação poderiam diminuir a elevada demanda de mão-de-obra necessária em tão pouco tempo para não comprometer a qualidade do produto. 334

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Perceberam-se também possíveis ganhos de produtividade e qualidade na organização para padronização das atividades. As propostas de melhorias potenciais que estão em vermelho, são potenciais, porque para implementação delas será necessário um aprofundamento maior no estudo da causa dos problemas e das possíveis soluções. A melhoria “perda de demanda por falta de programação puxada” é imediata. Basta eles se reunirem com aproximadamente três meses de antecedência que o produtor disse que pode direcionar melhor a produção para atender o restaurante. A melhoria “perda de produção por extremo climático” já está sendo estudada por uma Universidade, dando assessoria a este proprietário, como sugerido por Smolinsk (2011). As outras precisam de um maior acompanhamento para definição de ações. Notou-se também uma total ausência de controles por instrumentos. Todos são empíricos: umidade, radiação solar, vento, pH, tempo de maturação. Numa estufa controlada por instrumentos, como estudaram Arvanitis et al (2000), obviamente à baixo custo, pode-se ter ganhos em produtividade e qualidade resultando em competitividade.

Figura 2 – VSM atual da alface Essas considerações foram feitas para alface. Se forem feitas para todos os outros produtos o potencial de melhoria deve ser grande. A aplicação das ferramentas, como também constataram Andersson e Eklund (2014) em sua pesquisa aplicada à agricultura, não é tão simples, pois são necessárias adaptações,

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como por exemplo, a processos sem controle e cheio de incertezas como clima atmosférico, mas que de certa forma também tem paralelo com outro clima na indústria, o organizacional. 4. Conclusões Portanto, constatou-se que há um grande potencial nas ferramentas da Produção Enxuta para trazer benefícios de competitividade para essas pequenas propriedades rurais agroecológicas. Foi interessante aplicar as ferramentas considerando um referencial socioambiental e não só econômico, pois foi-se obrigado o tempo todo a pensar em questões mais amplas. Não dá para não se pensar numa organização regional que unisse todas as partes interessadas no desenvolvimento local, e principalmente os agricultores, num grande ecoparque industrial, o que poderia dar conta de resolver vários problemas que cada um tem isoladamente e trouxesse ganhos de competitividade para toda a rede. Referências Altieri, M. A. 1989. Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. 2. ed. Rio de Janeiro: PTA- FASE, 240 p. Andersson, Karin; Eklund, Jörgen; 2014. Work environment, Lean and Agriculture. HUMAN FACTORS IN ORGANIZATIONAL DESIGN AND MANAGEMENT – XI NORDIC ERGONOMICS SOCIETY ANNUAL CONFERENCE – 46. O. Broberg, N. Fallentin, P. Hasle, P.L. Jensen, A. Kabel, M.E. Larsen, T.Weller (Editors). Arvanitis, K. G. et al.; 2000. A. Multirate adaptive temperature control of greenhouses. Computers and Electronics in Agriculture, v.26, n.3, p.303-320. Atlas, 2002. Atlas Ambiental do Município de São Paulo. Disponível em < http://atlasambiental.prefeitura.sp.gov.br/?id=home>. Acesso em 03 mar 2016. Bàrberi, Paolo. Agriculture Biodiversity, Organic Farming, and New Crops. In Agriculture Sustainability: Progress and Prospects in Crop Research. Elsevier, 2013. Costa, M. M. 2002. Princípios de Ecologia Industrial. Aplicados à Sustentabilidade Ambiental e aos. Sistemas de Produção de Aço. Rio de. Janeiro. XIV, 257 p. Ferrão, P. C. 2009. Ecologia Industrial: Princípios e Ferramentas. Coleção Ensino da Ciência e da Tecnologia. N.º 29, Editora IST Press. 422 p. Ferreira, Ana Lúcia; 2016. Embrapa Agroecologia. Disponível em < https://www.embrapa.br/agrobiologia/pesquisa-e-desenvolvimento/agroecologia-e-producaoorganica> . Acesso em 17 mar 2016. Gliessmann, S. R.; 2001. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. 2. ed. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 658 p.

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Auto Abastecimento Olerícola Urbano como um Caminho para a Sustentabilidade: 105 Projeto Riortas da Cidade do Rio de Janeiro, Brasil .

Prof. Dr. Luiz Felipe Guanaes Rego Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-RIO 0055 21 35271462 [email protected]

Palavras chave: produção contínua de olerícolas, técnicas orgânicas de cultivo, hortas comunitárias, sustentabilidade urbana.

Resumo Considerando os complexos problemas do crescimento urbano do planeta e sua sustentabilidade, este artigo analisa o Projeto Muepo/Riortas desenvolvido pela PUC-Rio em parceria com a SNA e com a Superintendência de Meio Ambiente da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro durante os anos de 1989 a 1996. A partir de entrevistas com coordenadores e líderes comunitários que participaram do projeto e de relatórios técnicos produzidos pela Prefeitura e pela PUC-Rio foi possível descriminar os principais eixos de ação do projeto nas seguintes linhas: as questões políticas envolvidas, as questões de sustentabilidade produtiva do solo, as espécies utilizadas e a viabilidade econômica das hortas comunitárias. O projeto Muepo/Riortas abordou questões fundamentais como a necessidade de se utilizar ferramentas de planejamento que garantam no tempo a continuidade da produção diversificada de olerícolas e, em concomitância, mantenha e expanda a capacidade produtiva do solo através de técnicas orgânicas de cultivo. As metas quantitativas, em termos de número de hortas que o projeto implantou, ficaram muito aquém das 15 hortas comunitária planejadas. Foram implantadas duas unidades no período analisado: a Horta Comunitária Escola e a Horta Comunitária de Santa Cruz. Os resultados de produção da Horta Escola, que foi implantada na Escola de Horticultura Wenceslau Bello, compreendeu colheitas e comercialização comunitária de 250 sacolas semanais com 2,5 kg de olerícolas por dois anos ininterruptos. Esta produção foi suficiente para garantir a sustentabilidade econômica da horta. Por outro lado à Horta Comunitária de Santa Cruz, também do projeto, não conseguiu no período analisado, alcançar a viabilidade econômica a partir comercialização da produção na própria comunidade. As questões técnicas de planejamento e manejo do solo foram contempladas de forma eficiente no projeto. Por outro lado os mecanismos de empoderamento e participação coletiva no processo se mostraram ineficientes tanto na implantação física da horta como durante sua manutenção. O projeto estabeleceu novos paradigmas em relação às hortas comunitárias urbanas, devendo servir de base a novas pesquisas de cunho multidisciplinar contribuindo para soluções integrais que corroborem com a consolidação de cidades mais sustentáveis.

1. Introdução Na atualidade a relação entre o homem e a natureza vem demonstrando enormes desequilíbrios que se traduzem na alteração dos ciclos e estruturas naturais, a tal ponto que vários cientistas vêm cunhando um novo conceito caracterizando o impacto da humanidade sobre o meio como uma nova era geológica o Antropoceno (WALCACER et al, 2013).

105 Este artigo foi publicado em Inglês pelo autor em Habitat International 44, paginas

510-516, 2014. 338

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Nesta perspectiva é necessário enfatizar o processo planetário de adensamento das áreas urbanas e seus sistemas técnico-científicos de conexão. Em 2020, 50% da população do planeta estará vivendo em áreas urbanas (UNFPA, 20110). No Brasil a situação já expressa o futuro do planeta onde 80% da população já vivem em áreas urbanas (IBGE, 2009). As cidades tornaram-se problemáticas quando avaliadas pela sua eficiência em termos de gestão dos fluxos de energia necessários à sua própria existência. Energia em seu sentido amplo envolvendo as questões referentes ao abastecimento de insumos industriais, as produções agrícolas, aos descartes de todos os tipos além do uso efetivo da energia elétrica (VUUREN et al, 2012). Tão complexas quanto são as questões referentes a usos inadequados do solo urbano é a produção descontrolada de resíduos tanto orgânicos como industriais ambos passiveis de reciclagem ou reuso (LEMOS, 2013). As cidades demandam soluções integradoras que diminuam a entropia do sistema e que sinalizem na direção dos ciclos de troca de energia diminuindo sua agressão ao meio ambiente e estimulando a sustentabilidade do conjunto (LEFF, 2004). Enquanto unidades geradoras de convívio, as cidades devem participar de uma lógica onde, de forma global, tenhamos determinados os fluxos, seus desperdícios e inconsistências. As cidades devem manter de forma clara e transparente sua pegada ecológica, entendida como uma metodologia de contabilidade ambiental que avalia a pressão do consumo das populações humanas sobre os recursos naturais, em diferentes escalas, propiciando a participação do habitante urbano nas melhores opções e escolhas que equilibrem a relação da cidade com o seu meio (WACKERNAGEL e REES, 1996). Ações integradas que visem transformar milhares de toneladas de material orgânico produzido em meio urbano em adubo que poderá sustentar milhares de m² urbanos com produção de hortícolas tanto em hortas comunitárias urbanas e periurbanas como com a ocupação produtiva de telhados, devem ser avaliadas e testadas (FAO, 2012). O sistema atual técnico-científico-informacional que sustenta o abastecimento urbano de olerícolas ocorre a partir de áreas rurais distantes que direcionam a produção para os centros urbanos perfazendo grandes distancias com enormes gastos de energia. Dentro da cidade se ramificam para grandes centrais de abastecimento que se espalham por milhares de unidades de comercialização de todos os tamanhos. Neste nível de forma capilar se expandem abrangendo toda a população da cidade (ARAÚJO et al 2011). A unidade de comercialização rural é o hectare, com o cultivo de poucas culturas durante o ano, com rígidas especificações determinadas pela demanda do macro sistema de abastecimento urbano. Neste contexto a produção rural agrícola viável economicamente é baseada em tecnologia mecânica, irrigação técnica, adubos químicos, sementes manipuladas geneticamente, manejo baseado em agrotóxicos e mecanização com baixa absorção de mão de obra (ALBERGONI e PELAES, 2007). O meio urbano gera toneladas de resíduos orgânicos não aproveitados que são direcionados para aterros sanitários tornando um elemento poluidor considerável. Neste contexto as hortas comunitárias se acoplam à enorme produção de matéria orgânica gerada em meio urbano que se reciclada permitiria sustentar padrões orgânicos de cultivo a nível local com pouquíssimo deslocamento, contribuindo positivamente com o saldo de carbono emitido pelas cidades (MMA, 2012). A perspectiva urbana de produção de olerícolas demanda fatores específicos que a diferenciam enormemente da lógica produtiva tradicional rural. A produção urbana derivada de cultivos em jardins ou hortas comunitárias trabalha com a unidade m², cultivo diversificado baseado em grandes quantidades de matéria orgânica na forma de húmus. Um modelo urbano de produção de olerícolas necessitaria, portanto, de um sistema rebuscado de gerencia espacial da produção visando

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aperfeiçoar centenas de pequenas produções com o objetivo de abastecer uma única unidade de comercialização (REGO, 1996). A sustentabilidade do modelo planetária de agricultura, neste contexto incluindo as olerícolas, necessita de uma nova revolução verde que harmonize o aumento da produção com a proteção do meio ambiente e a farta absorção de mão de obra (REGO et al., 2013). Este artigo descreve uma pesquisa que objetivou avaliar o modelo de produção de olerícolas baseado em técnicas orgânicas de cultivo em ambiente urbano, desenvolvido, na década de 90, pelo departamento de Geografia da PUC-Rio em parceria com a Sociedade Nacional de Agricultura - SNA denominado projeto MUEPO. O projeto gerou um modelo urbano de produção orgânica de olerícolas em meio tropical que foi implantado pelo projeto Riortas da Superintendência de Meio Ambiente da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Esta avaliação ocorreu no contexto do projeto Riortas a partir das seguintes perspectivas: • Em relação aos métodos de organização da produção dentro de uma perspectiva de abastecimento local e sua viabilidade política. • Em relação à capacidade de produção continua dentro de pequenas e médias áreas urbanas a partir de técnicas especificas de cultivo orgânico. • Em relação às espécies utilizadas no sistema e o comportamento durante o ano. • Em relação à sustentabilidade econômica e social do sistema de produção urbana de olerícolas. Esta pesquisa se baseou na catalogação e avaliação dos relatórios técnicos produzidos durante os anos de 1988 a 1996 pela Superintendência de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro bem como através de monografias e relatórios técnicos em projetos de pesquisa desenvolvidos na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro sobre o tema. Também foram aplicadas entrevistas semiestruturadas com coordenadores dos projetos, professores envolvidos, bem como lideranças locais participantes na implantação do projeto. A título de discussão e analise serão considerados três períodos distintos dos projetos MUEPO e Riortas, focados em três diferentes hortas comunitárias. A primeira fase no contexto do projeto MUEPO onde se pesquisou o modelo operacional de produção orgânica urbana de olerícolas que ocorreu nas instalações da Horta Wenceslau Bello da Escola de horticultura Wenceslau Bello no período de 1989 a 1992, a segunda fase de treinamento e consolidação na Horta Comunitária Escola implantada pela Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro no período de 1993 a 1994, também na Escola de Horticultura Wenceslau Bello e, finalmente, uma terceira fase na Horta denominada Horta Comunitária de Santa Cruz implantada pelo projeto em parceria com a associação de moradores de Santa Cruz no período de 1995 a 1996.

2. Resultados 2.1. Caracterizações Institucionais do Projeto Muepo e do Projeto Riortas O projeto iniciou a partir da articulação do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUCRio com a Sociedade Nacional de Agricultura - SNA que estabeleceu um convênio em 1988 que disponibilizou as instalações da Escola de Horticultura Wenceslau Bello e seu corpo técnico visando desenvolver um modelo urbano ecológico de produção de olerícolas denominado projeto MUEPO. Em 1992 foi estabelecido um convenio entre PUC-RIO, a Sociedade Nacional de Agricultura e a Superintendência de Meio Ambiente do Município da Cidade do Rio de Janeiro visando à criação do projeto Riortas e a implantação de uma Horta Escola na Escola de Horticultura Wenceslau Bello a partir dos resultados alcançados com o projeto MUEPO. O projeto Rio Hortas foi estruturado a partir de uma horta, denominada Horta Comunitária Escola, que como um modelo seria repetido em todas as comunidades beneficiadas pelo projeto. Esta horta ocuparia uma área total de 2.500 metros quadrados, composta por 140 canteiros com um metro de 340

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largura por 10 metros de comprimento cada. A Horta Comunitária Escola foi planejada para produzir 250 sacolas por semana onde cada sacola permitiria o abastecimento de uma família de cinco pessoas com uma salada por dia. Através da comercialização das sacolas na própria comunidade a horta comunitária alcançaria a sustentabilidade econômica e através das técnicas orgânicas de cultivo a sustentabilidade produtiva dos solos da horta. Cada horta comunitária do projeto absorveria cinco funcionários denominados de hortelões comunitários, moradores locais que seriam selecionados pelas associações de moradores inscritos no projeto. A principal função da Horta Comunitária Escola, portanto foi possibilitar um treinamento em um modelo em escala real onde os alunos viveriam o dia a dia da produção de olerícolas. O curso técnico de hortelão comunitário teria uma carga horária de 600 horas com 400 horas práticas e 200 horas teóricas, ministradas por professores da Escola de Horticultura Wenceslau Bello e da PUC-Rio. O projeto Riortas previa a implantação de 15 hortas comunitárias envolvendo a construção da estrutura física das hortas (canteiros de alvenaria, irrigação, cerca, caminhos e galpão de lavagem), o treinamento dos hortelões e o financiamento dos primeiros meses de operação com aquisição de insumos e pagamento de funcionários.

2.2. Conceitos de planejamento de produção e manejo sustentável do solo O foco principal do projeto de MUEPO foi primeiramente estabelecer parâmetros que permitissem a organização de micro e médios espaços urbanos em ambiente tropical com atividades de cultivo que obtivesse como resultado produções contínuas semanais de olerícolas em quantidade e variedade pré-estabelecidos que gerassem sacolas de olerícolas comercializadas na comunidade garantindo a sustentabilidade econômica da horta. Ao mesmo tempo, através de técnicas orgânicas de manejo de solo garantir a sustentabilidade produtiva de uma área fixa de horta em meio urbano. Esses parâmetros desenvolvidos no projeto MUEPO, portanto envolveram perspectivas de planejamento de produção, tratos culturais e técnicas de cultivo orgânico. Os conceitos operacionais de planejamento, descritos a seguir, permitiram estabelecer um sistema de controle que viabilizou o modelo urbano ecológico de produção continua de olerícolas (BILLWILLER, 1989). • Módulo representa a menor unidade de plantio, delimitada por paredes laterais de 20 cm de altura com farta drenagem lateral com uma área fixa e identificada. Contém uma cultura principal com data de plantio e colheita determinados. O tamanho do módulo depende do número de pessoas a serem beneficiadas e a área disponível para a horta comunitária. O módulo é a unidade básica onde as técnicas orgânicas de cultivo são aplicadas. • Série de Tratos Culturais (FILGUEIRA, 1972) envolvem procedimentos culturais que ocorrem de acordo com a idade em semanas de uma hortaliça e estão vinculados a determinado módulo. A figura 1 apresenta as séries de tratos culturais das culturas da cenoura, da beterraba e da alface.

Figura 1 As series de tratos culturais das culturas da cenoura (ciclo de doze semanas), da beterraba (ciclo de dez semanas) e da alface (ciclo de sete semanas).

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Matriz de produção contínua é composta por um conjunto de módulos identificados onde ocorrerá a produção contínua. A figura 1A mostra o exemplo de uma matriz composta por seis canteiros de 1 metro de largura por seis metros de comprimento, com laterais rígidas com 20 cm de altura de tijolos (sem emboço) com farta drenagem lateral, compondo 36 módulos de 1m2 cada onde se visualiza por módulo as culturas da alface (ALF), da beterraba (BET) e da cenoura (CEN) e sua idade em semanas. No exemplo da figura 2B mostra na semana 23 os módulos que precisam ser manejados para manutenção da produção continua da horta derivado da série de tratos culturais das culturas da alface (ALF), da beterraba (BET) e da cenoura (CEN).

A figura 2A, a direita, representa uma matriz de produção continua composta por seis canteiros com seis metros quadrados por um metro de larguras, composta por 36 módulos de 1 m² na semana 23 do ano de 2000, onde se visualiza por módulo as culturas da alface (ALF), da beterraba (BET) e da cenoura (CEN) e sua idade em semanas. Na figura 2B, a esquerda, se visualiza as mesmas culturas e os tratos culturais derivado de sua idade em semana por módulo na semana 23 do ano 2000.



Sequência de produção contínua representa o conjunto de módulos necessários para compor uma sequência de plantios de determinada hortaliça que permita a colheita de um módulo da cultura por semana. O numero de módulos de uma sequência é fixo, mas sua posição e idade se alteram no tempo semanal. A figura 3 apresenta uma tabela que identifica os módulos que estão distribuídos na matriz da figura 2A de forma cronológica permitindo a visualização das sequências de produção contínua das culturas da alface, da beterraba e da cenoura e sua colheita assim na semana 23 serão colhidos os módulos D1, D5 e A1.

0 CEN F3

1

2

A2 B5

3

4

5

6

7

8

9

E1

C4

F6

D4

C6

E2

B2

E3

A6

E5

0

1

2

3

4

5

6

7

8

B3

B6

F2

E6

D3

E4

BET C5

10 11 12 13 14 C1 D1

9

10

A4 B1 C2 D5

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0 ALF A3

1

2

C3 A5

3 F4

4

5

6

7

D6 D2 B4 A1

Figura 3. Sequência de produção contínua representada pela distribuição espacial e temporal das culturas da cenoura, da beterraba e da alface referente na matriz de produção contínua definida na figura 2A e 2B na semana 23 do ano de 2000.

As técnicas de cultivo orgânicas se articulam ao sistema de planejamento a partir da unidade módulo, envolvendo diferentes técnicas que visam à expansão e manutenção da bioestrutura do solo. As técnicas de cultivo que balizaram o projeto e propiciaram a manutenção da capacidade produtiva do solo foram: • Retorno Sistemático de Matéria orgânica ao solo sem aração apenas distribuição superficial perfazendo mais de 80 Kl por metro quadrado ano de húmus curado. • Cobertura morta visa a manutenção constante de cobertura com restos de gramíneas (gramados urbanos) sobre o solo, integrado a sistemas direcionados de irrigação por módulo, pela idade e pela cultura, mantendo a temperatura do solo inferior a 34 graus. • Consorciações cultivo integrado dentro do módulo com uma cultura principal e culturas mais rápidas, como a alface e o rabanete, manutenção de bordas dos módulos com ervas e manejo integrado de ervas daninhas a partir da dominância da cultura principal. • Rotação de culturas organizadas por famílias botânicas assim num módulo necessariamente seriam cultivados três espécies de famílias diferentes para se cultivar novamente a mesma espécie. Assim num módulo se cultivaria a alface (chicoreácea) em seguida uma beterraba (quenopodiácea), uma cenoura (apiácea) e finalmente novamente uma alface.

2.3 Pesquisa e modelo de horta comunitária aplicada no Projeto Riortas As culturas utilizadas no projeto Riortas foram resultados de pesquisas operacionais desenvolvidas por alunos e professores no contexto do Projeto Muepo com a coordenação do Departamento de Geografia da PUC-RIO na Horta Wenceslau Bello que se encontrava na Escola de Horticultura Wenceslau Bello entre os anos de 1989 a 1990. A Horta Wenceslau Bello era composta por quarenta canteiros com laterais de tijolos de 1 m de largura por 12 metros de comprimento. Cada canteiro foi subdividido em módulos de 3 metros. Cada módulo foi identificado com um número compondo uma matriz de produção continua de olerícolas. Nesta matriz se implantou um sistema de cultivo e monitoramento que executou no primeiro ano o plantio mensal de 40 espécies de olerícolas, como descreve a tabela 1, perfazendo um total de 440 plantios. Tabela 1. Olerícolas pesquisadas no primeiro ano do Projeto MUEPO na horta da Escola de horticultura Wenceslau Bello. FAMÍLIAS

APIACEAS

VARIEDADES

FAMÍLIAS

VARIEDADES

cenoura de inverno CHICOREÁCEA

alface lisa de inverno

cenoura de verão

alface lisa de verão

salsa lisa

alface crespa

salsa crespa

chicória lisa

343

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BRASSICÁCEAS

rabanete redondo rabanete comprido

escarola LEGUMINOSAS

feijão vagem

mostarda lisa

ervilha

mostarda crespa

soja

rúcula

LILIÁCEAS

cebolinha

couve

cebola

agrião do seco

alho

repolho de inverno

alho porró

repolho de verão

QUENOPODIÁCEA beterraba

brócolis de inverno brócolis de verão

acelga SOLANÁCEAS

couve flor

tomate pimentão

CURCUBITÁCEAS abobora

berinjela

abobrinha

jiló

pepino

batata inglesa

maxixe GRAMINEAS

milho

Os resultados deste primeiro ano de plantios determinou o universo de 20 tipos de olerícolas tabela 2 que se mostraram mais aptas a serem cultivadas durante todo o ano. Basicamente as culturas de crescimento vegetativo de ciclo rápido, folhosas e raízes, como olerícolas das famílias das apiáceas, das brássicaceas e das quenopodiáceas, se mostraram resistentes e capazes de cultivo permanente durante o ano, com o controle rígido e especifico de irrigações e adubações orgânicas, bem como a partir da utilização de variedades adaptadas ao verão desenvolvidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, EMBRAPA. Tabela 2. Olerícolas escolhidas para calibrar o modelo de produção continua cultivadas durante dois anos na Horta da Escola de Horticultura Wenceslau Bello. FAMÍLIAS

APIACEAS

VARIEDADES

cenoura de inverno

FAMÍLIAS

VARIEDADES

CHICOREÁCEA

alface lisa de inverso

cenoura de verão

alface lisa de verão

salsa lisa

alface crespa

salsa crespa

chicória lisa

BRASSICÁCEAS rabanete redondo rabanete comprido mostarda lisa

escarola LILIÁCEAS

cebolinha alho porro

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mostarda crespa

QUENOPODIÁCEA beterraba

rúcula

acelga

couve agrião do seco As culturas de frutos de ciclo rápido como olerícolas pertencentes às famílias das solanáceas, das leguminosas e das cucurbitáceas se mostraram restritas a certas épocas do ano e com índices de produção por metro quadrado baixos, exigindo grandes quantidades de módulos para suprimento da demanda comunitária. Como o objetivo inicial foi alcançar uma produção continuam, estas culturas foram, neste momento, descartadas do projeto. No segundo ano e no terceiro ano foram executados na Horta Wenceslau Bello 52 plantios semanais de 20 espécies de olerícolas, como pode ser visto na tabela 2, perfazendo 2080 plantios, 1040 por ano, o que consolidou o modelo calibrando e adequando os tratos culturais, as técnicas orgânicas de cultivo e as sequencias de produção continua. Neste contexto, com o apoio do Instituto Annes Dias de Nutrição da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, se consolidou o conjunto de olerícolas e suas variâncias que comporiam as sacolas semanais compreendendo 2,5 kg em média por semana com cinco tipos de olerícolas: duas folhosas, duas raízes e condimentos como mostra a tabela 3. Tabela 3. Olerícolas e variâncias que compunham a sacola semanal na Horta Escola na Escola de Horticultura Wenceslau Bello e da Horta Comunitária de Santa Cruz.

TIPOS

VARIÂNCIAS

FOLHOSAS

alface lisa/ alface crespa

400

couve/chicória/acelga

250

mostarda/rúcula/agrião

200

cenoura/beterraba

800

nabo/rabanete

800

RAÍZES

CONDIMENTO

PESO gramas

salsa

25

cebolinha

25 TOTAL

2500

Os resultados dos experimentos operacionais ocorridos na Horta Wenceslau Bello se materializaram através na Horta Comunitária Escola implantada na Escola de Horticultura Wenceslau Bello. Estes resultados sugerem o potencial das Hortas Comunitárias em gerar abastecimento local a partir da produção de sacolas de olerícolas semanais e levanta a necessidade de se desenvolver novas técnicas no intuito de minorar os efeitos negativos de produção continua de olerícolas nos meses de verão bem como se expandir as culturas utilizadas no projeto.

3. Discussões As discussões decorrentes do trabalho de pesquisa que foram desenvolvidos estão divididos em quatro três níveis: o abastecimento local e sua viabilidade política, o cultivo orgânico e a 345

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sustentabilidade produtiva dos solos, as culturas utilizadas e a produção contínua e sua viabilidade econômica.

Abastecimento local e sua viabilidade política. O projeto Riortas se consolidou como um programa especial de governo da Superintendência de Meio Ambiente da Prefeitura da Cidade gerido pela Fundação Parques e Jardim responsável pela arborização e gerência das praças da cidade. As hortas comunitárias, de acordo com o convenio que criou o projeto, era definida como um dos elementos agregadores do processo de organização social local. O projeto foi lançado e mais de 100 comunidades se mostraram interessados em participar. Os inscritos, associações de moradores locais, foram avaliados pela perspectiva legal a partir de seus estatutos e eleições e por relações já consolidadas com outros órgãos do poder publico. Além de necessariamente existir na proximidade da comunidade áreas publicas municipais, estaduais ou federais ociosas e degradas que poderiam ser revitalizadas com as hortas. Esta ultima variável restringiu muito o universo das possíveis comunidades beneficiadas pelo projeto. A associação de moradores selecionada estabelecia um convenio com a prefeitura onde além de indicar membros locias que seriam os hortelões, administrava os recursos de capital de giro para início das atividades até que a horta iniciasse sua produção. As comunidades beneficiadas pelo projeto ocupavam áreas periurbanas, principalmente em função da área mínima de 2.500 metros quadrados, o que coincidiu com políticas publicas da década de 60 e 70 de remoção de comunidades da zona sul da cidade, para áreas na zona norte e oeste desocupadas (LEITE,2000). Inicialmente foram selecionadas 15 comunidades que seriam beneficiadas pelo projeto. O processo de avaliações e seleção das comunidades foi coordenado pela Superintendência de Meio Ambiente da Prefeitura da Cidade e deveria envolver articulações com outras unidades como as secretarias de saúde, urbanismo e educação, bem como com unidades da administração estadual e federal, neste caso, principalmente, na seleção de terrenos públicos perto das comunidades aptos a implantação das hortas comunitárias. Das comunidades selecionadas e treinadas no período em que o projeto foi avaliado apenas uma horta comunitária foi implantada, o que gerou enormes descontentamentos nas comunidades inscritas e um descrédito pelo sucesso da iniciativa que supunha, na sua proposta, a consolidação de uma rede de hortas facilitando a aquisição e gerência de insumos, produções em demasia ou deficitárias. Estas articulações entre os órgãos do poder publico se mostraram bastante complexas e pouco eficientes, em função dos enormes trâmites burocráticos e a falta clara de bases de dados compartilhadas que permitissem o cruzamento de informações, prevendo possíveis gargalos e soluções que garantissem a fluidez do processo. Os questionários aplicados nesta pesquisa levantaram situações que atestam essas inconsistências como, por exemplo, uma comunidade selecionada, engajada e treinada, com área publica disponível, mas sem ter fonte mínima de água que garantisse o cultivo de olerícolas. Nas próprias comunidades as avaliações também se mostraram pouco claras, em várias no processo de implantação do projeto surgiram outras associações de moradores locais, devidamente legalizadas, reivindicando a representatividade local. Este contexto sugere que as associações envolvidas com o projeto não conseguirem representar o coletivo e, consequentemente, tiveram dificuldades em articular o sistema de produção em todos os seus níveis. O período avaliado compreendeu duas administrações municipais. O projeto Riortas foi criado no terceiro ano do Governo do prefeito Marcelo Alencar, se implantou a Horta Comunitária Escola e foram selecionadas as 15 comunidades. O treinamento dos hortelões comunitários se iniciou. Com a entrada do novo prefeito Cesar Maia, em função da complexidade da própria mudança de governo, o 346

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projeto parou por um ano, o que gerou forte organização comunitária pelas comunidades beneficiadas reivindicando a continuidade do projeto. Continuidade esta que se mostrou bastante frágil viabilizando no governo seguinte apenas a Horta Comunitária de Santa Cruz. Em síntese o projeto com forte apelo técnico científico na produção contínua orgânico de olerícolas não contemplou instrumentos eficientes que permitissem o empoderamento da comunidade local na incorporação da horta como um bem coletivo, o que sugere a necessidade de novas pesquisas que permitam entender a percepção do grupo social ao novo bem coletivo, horta comunitária, e como que este bem pode contribuir para a melhoria efetiva da qualidade de vida do morador local.

Produção continua a partir de técnicas especificas de cultivo orgânico. A base do manejo das hortas do projeto foi à criação de condições de expansão e manutenção da saúde da bioestrutura do solo (PRIMAVESI, 1998) que se materializou nas técnicas orgânicas que foram aplicadas nos módulos da matriz de produção continua, em função da cultura e de sua série de tratos culturais. Os relatórios técnicos do projeto referentes à Horta Comunitária Escola permitiu avaliar a capacidade sustentável de produção do solo e, consequentemente, da qualidade física, química e biológica da bioestrutura, de forma indireta, através da produção de sacolas de olerícolas durante dois anos, compreendendo 104 semanas de colheita e comercialização comunitária. Assim durante os anos de 1992 a 1993 foram produzidas 250 sacolas por semana com peso médio de 2,5kg cada perfazendo 13 mil sacolas por ano. Os pesquisadores envolvidos na pesquisa não conseguiram ter acesso aos relatórios técnicos quantitativo da Horta Comunitária de Santa Cruz apenas os relatórios qualitativos. Na Horta Comunitária Escola as adubações baseadas em húmus foram produzidas na própria horta através de pilhas de compostagem com dois metros de largura por quatro de cumprimento. Estas pilhas foram montadas regularmente, a cada quinze dias. De acordo com os relatórios as pilhas utilizavam folhas caídas das árvores da escola como fonte de carbono e esterco bovino como fonte de nitrogênio também disponível. Esta mesma solução não pôde ser implantada na Horta Comunitária de Santa Cruz por falta de insumos. O projeto Riortas estava alicerçado em grande quantidade de matéria orgânica decomposta como base da adubação, portanto dependente das usinas de compostagem de matéria orgânica desenvolvidas pela Prefeitura da Cidade. As comunidades não tinham suficientes fontes, principalmente de carbono para manterem suas hortas comunitárias. O adubo produzido pelas usinas de compostagem se mostrou muito grossos com restos de vidro, plásticos e até seringas o que gerou acidentes no manuseio do solo como citado nos questionários aplicados aos hortelões comunitários. Posteriormente o adubo das usinas foi totalmente retirado do projeto em função de estudos que indicavam a presença de metais pesados no material (AZEVEDO, 2000). Outro aspecto que merece ser citado principalmente na Horta Comunitária de Santa Cruz foram os problemas de suprimento de restos de gramíneas secas como cobertura, uma das bases do manejo sustentável do solo. A fundação, Parques e Jardins, responsável pelo corte e direcionamento do material a aterros sanitários, teve dificuldades para organizar as entregas desse insumo, o que em muito gerou distúrbios de produção, principalmente, nos seis meses mais quentes do ano como ficou claro nas entrevistas com as lideranças comunitárias. O sucesso das técnicas de cultivo orgânico, verificado através da produção continua de sacolas semanais durante anos na Horta Comunitária Escola do projeto, contextualizado tanto nas entrevistas com os coordenadores do projeto como com as lideranças comunitárias, se fundamentaram na capacitação dos hortelões nos aspectos técnicos do manejo dentro do contexto de uma matriz de plantio.

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Em síntese o projeto confirmou a pertinência das técnicas orgânicas de cultivo na produção de olerícolas em área urbana, estabeleceu outro patamar na formação de mão de obra no contexto de hortas planejadas. O cultivo orgânico proposto como solução sustentável de manejo dos solos das hortas comunitárias baseados em grandes quantidades de matéria orgânica reciclada ficou inviável em função da incapacidade do poder público em gerenciar as usinas de compostagem da cidade do Rio de Janeiro tornando praticamente impossível de forma ampla a ocupação de áreas urbanas e periurbanas com hortas de produção contínua sustentável.

Sustentabilidade econômica das hortas comunitárias do projeto Riortas Dentre as principais metas estabelecidas pelo projeto Riortas, além das técnicas orgânicas de cultivo que visavam à sustentabilidade dos solos no sistema de produção de olerícolas, a sustentabilidade econômica das hortas comunitárias nortearam todo o sistema de produção e se configuraram nas sacolas que continham produtos que detinham um preço de mercado. Em contrapartida independente das variáveis que compõem o preço final das olerícolas encontradas no mercado, as olerícolas da horta comunitária necessitavam gerar receita para pagar seus custos de produção: hortelões e insumos, o que determinou o custo da sacola para a comunidade beneficiada pelo projeto e consequentemente se comercializada garantiria sua sustentabilidade econômica. Na pratica, considerando a produção alcançada de 250 sacolas por semana na Horta Comunitária Escola no período de 1992 a 1993 com os custos de quatro hortelões, um gerente e insumos, se verificou que o preço da sacola variou entre 20 % abaixo do preço de mercado no período de safra, inverno, a 80% abaixo do preço de mercado no período de verão. Como citado apesar da variância da produção da horta se alcançou as 250 sacolas durante todo o ano o que tornou o modelo viável economicamente. Estes resultados positivos foram alcançados na Horta Comunitária Escola que se encontra na Escola da Escola de Horticultura Wenceslau Bello que em função se sua centralidade no bairro e os vários visitantes e alunos que frequentam o espaço favoreceu a comercialização de todas as sacolas produzidas na horta. Apesar da produção das 250 sacolas semanais na Horta Comunitária Escola foram ininterruptos e constantes, também ficou confirmado um declínio na produção nos meses quentes do ano: de 20% em janeiro, 25% em fevereiro, 30 % em março e 20% em abril. Nos meses seguintes mais frescos a produção se estabilizou. Nos meses de junho, julho e agosto se geraram valores superiores ao peso de uma sacola em 20 %. Por outro lado a Horta Comunitária de Santa Cruz que foi implantada ao lado de uma creche comunitária em parceria coma associação de moradores e a Secretaria de Educação da prefeitura. Em termos práticos, apesar de não contarmos com relatórios quantitativos apenas qualitativos, 50% da produção eram consumidas diretamente pela própria creche, mantendo a função social da horta. Foram identificados problemas nas outras 150 sacolas que não conseguiam ser absorvidas totalmente pela comunidade. Apesar do preço vantajoso das sacolas em relação ao preço de mercado, valores culturais onde olerícolas não compunham o padrão de alimentação da população local dificultaram enormemente a sua comercialização. A Associação de Moradores de Santa Cruz buscou alternativas como mostrou as entrevistas com as lideranças locais que administravam a Horta Comunitária que envolvia a comercialização da produção em outra localidade. Esta iniciativa não pode ser implantada em função do caráter publico da horta que ocupava áreas publicas cedida a comunidade pela Prefeitura. Neste mesmo aspecto econômico o projeto apresentou um ponto muito negativo em relação à implantação física das hortas comunitárias. O orçamento do projeto apresentado pela PUC-RIO a prefeitura para a construção de uma horta comunitária envolvia basicamente tijolos, cimento, canos e cerca, além de um pequeno galpão para lavagem das olerícolas.

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A infraestrutura das hortas comunitárias do projeto Riortas, envolvendo canteiros, sistema irrigação e cercas de proteção, deveria ser construídas a partir de mutirões comunitários que além baratearem enormemente os custos das instalações, estimulariam a participação da comunidade processo como um todo, facilitando a mudança de costumes da população local em relação consumo de olerícolas estabelecendo uma vida mais saudável.

de de no ao

Em função de problemas que ocorreram na implantação de um projeto denominado Mutirão Florestal pela Prefeitura onde ocorreram vários problemas de usos indevidos dos recursos públicos, como citaram os coordenadores do projeto Riortas, no período do projeto, a Prefeitura optou por executar as hortas comunitárias pela Fundação Parques e Jardins que trabalhava com a contratação de empresas que impuseram um padrão de praça ao projeto envolvendo calçamentos, cerca de alambrado, galpão de alvenaria. Os custos administrativos consequentemente encareceram enormemente o projeto impedindo sua disseminação ampla entre outras comunidades locais. Em síntese o projeto sinalizou com a possibilidade da implantação de hortas comunitárias viáveis economicamente. Mas ao mesmo tempo o rigor das sacolas dificultou a comercialização das sacolas na comunidade. No aspecto das instalações físicas metodologias de participação comunitária devem ser implantadas visando o empoderamento da comunidade a sua horta comunitária.

4. Conclusão Soluções de problemas urbanos de abastecimento em olerícolas envolvendo: recuperação de áreas degradadas e ociosas, reciclagem de matéria orgânica e participação comunitária com baixa emissão de CO2, como propôs o projeto Rio Hortas, devem ser consideradas e estimuladas, cientes que o grande desafio depende de articulações multidisciplinares de pesquisa e extensão. O projeto Muepo, parceria entre a PUC-RIO e a SNA, teve sucesso em desenvolver os métodos de produção continua de olerícolas em meio urbano que demonstraram a necessidade de se estabelecer novos parâmetros de produção neste contexto. Assim se fez necessário à utilização de ferramentas de controle de atividades que garantissem a produção continua nas hortas comunitárias e, consequentemente, sua viabilidade social e econômica. O método também demonstrou a sustentabilidade produtiva dos solos a partir das técnicas orgânicas de cultivo em plantios intermitente em canteiros elevados nas hortas urbanas em função da continuidade da produção. O projeto Muepo demonstrou que tanto o planejamento de produção como as técnicas de cultivo orgânica aplicadas em ambiente urbano nas hortas comunitárias alteram completamente a estrutura atual dos tipos de insumos, maquinário e estratégias de irrigação desenvolvidas para o meio rural. Uma nova cadeia produtiva baseada na reciclagem de material urbano e com hortas ocupando pequenos espaços ociosos nas cidades construídas com alvenaria e sistemas finos de irrigação se fazem necessários. O tipo de treinamento também se altera as hortas diversificadas e de produção continua demandam mão de obra qualificada e instruída com pelo menos 500 horas de treinamento teórico e prático nestes tópicos. O projeto Riortas, convênio entre a PUC-Rio, a SNA e a prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, aplicou o método desenvolvido pelo projeto Muepo. Esta iniciativa, que no projeto original pretendia implantar 15 hortas comunitárias em 15 comunidades, conseguiu no período estudado implantar apenas duas hortas. Apesar do número reduzido e das dificuldades apresentadas neste trabalho ambas às hortas cumpriram seu papel de autoabastecimento comunitário baseada em técnicas de cultivo orgânica. Este trabalho avaliou o projeto Rio Hortas no período de 1989 a 1996. A partir de 1997 o projeto buscou novas parcerias que possibilitaram a implantação de algumas hortas comunitárias que merecem ser avaliadas e investigadas no futuro. Futuros trabalhos devem ser elaborados abordando as perspectivas simbólicas das hortas comunitárias, os métodos de participação no processo de planejamento, construção e manutenção da horta e a ampliação das culturas utilizadas. As técnicas de compostagem devem ser reavaliadas no 349

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contexto urbano e diferentes consorciações devem ser pesquisadas aumentando tanto a produção por metro quadrado como aumentando a capacidade dos solos decorrentes da estrutura biológico resultante.

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E - O papel da academia



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Ciência da Sustentabilidade – Abordagens de suas competências na pósgraduação do Brasil Laudemira Rabelo1, Melca Rabelo2, George Freire2 1

Núcleo Interdisciplinar de Sustentabilidade e Áreas Costeiras. Homepage: nisacs.wordpress.com Universidade Federal do Ceará. Centro de Ciências - Bloco 902, Campus do PICI - CEP 60.455-760 - Fortaleza, Ceará, Brasil. Email: [email protected] 2

Núcleo Interdisciplinar de Sustentabilidade e Áreas Costeiras. Universidade Federal do Ceará. Centro de Ciências - Bloco 902, Campus do PICI - CEP 60.455-760 - Fortaleza, Ceará, Brasil. Emails: [email protected] ; [email protected] Resumo A efetivação do desenvolvimento sustentável no ensino superior perpassa pela sua institucionalização nas universidades como princípio norteador. Assim, capacitar seus docentes visando à sustentabilidade vem como consequência e torna possível agregar novas competências aos currículos, de modo a formar profissionais comprometidos e conscientes com as problemáticas que inviabilizem a transição ao desenvolvimento sustentável. Essa pesquisa analisou a evolução de doze programas de pós-graduação de universidades públicas pioneiros na Ciência da Sustentabilidade no Brasil, no recorte temporal de 1998 a 2014. São apresentadas suas limitações e avanços, com especial atenção as competências formadas e ao fator multiplicador de práticas de desenvolvimento sustentável em sua organização. Para o cumprimento da pesquisa foram desenvolvidos 42 indicadores, alocados em nove dimensões: 1) Áreas prioritárias de conhecimento, 2) Dimensões da sustentabilidade, 3) Competências formadas, 4) Dimensões da interdisciplinaridade, 5) Pesquisas realizadas, 6) Fomento à pesquisa, 7) Comunicação da produção científica, 8) Legitimação científica e 9) Apropriação dos objetivos do desenvolvimento sustentável. Um Programa de Pós-Graduação tem como base a área de concentração e por sua vez linhas de pesquisas e competências a serem formadas para efetivar as investigações de temas-problemas. Neste raciocínio, os Programas analisados inseriram em seus currículos competências científicas para o desenvolvimento sustentável. Os mestrados analisados, primeiro degrau de uma pós-graduação no Brasil, incorporam, em sua maioria, competências normativas e sistêmicas, contudo sem aprofundamento nas bases teóricas da Ciência da Sustentabilidade. Esse fato permite falhas no entendimento conceitual do desenvolvimento sustentável e impossibilita contribuições teóricas brasileiras. Os doutorados analisados, em sua maioria, apresentam dificuldades em adequarem às competências estratégicas, antecipatórias e interpessoais. Competências para identificar o estado da sustentabilidade dos ecossistemas ou o impacto da exploração nos ecossistemas e conseqüências para as sociedades humanos foram pontos fortes nos programas investigados. O que demonstra uma difusão metodológica em ferramentas da sustentabilidade, principalmente para o estado do sistema. Entretanto é preciso ir além da análise do estado de um sistema. A falta de um arcabouço metodológico mais robusto restringe ações eficientes em países e comunidade pobres. Alguns dos programas analisados foram pioneiros na pós-graduação de suas universidades, sendo anteriores aos registros federais de avaliações da pós-graduação brasileira, iniciados em 1998. Esses programas surgiram interdisciplinares e mesmo em pleno funcionamento, poucos conseguiram influenciar a criação de novos programas na área interdisciplinar em suas 353

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instituições de origem. A disciplinaridade das universidades brasileiras torna-se, assim, fator limitante à implementação das competências que visem o desenvolvimento sustentável. Os mestres e doutores desses programas saem com competências mínimas para realizarem mudanças. Todavia, ao tentarem adentrar como um profissional sustentável, na mesma instituição que o formou, encontram a disciplinaridade como barreira e o desenvolvimento sustentável como uma boa ideia, mas não como um principio norteador a ser seguido. Palavras-chave: 1.Desenvolvimento Sustentável, 2.Interdisciplinaridade, 3. Instituição de Ensino Superior, 4. Pós-Graduação, 5. Competências.

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Rede de Estudos Ambientais de Países de Língua Portuguesa: Uma aposta na sustentabilidade

Manela Morais1, Lia Vasconcelos2, João Vianna3, Agatângelo Eduardo4, Carlos Lucas5, Judite Nascimento6, Maurício Sens7 1

Universidade de Évora, [email protected]

2

Universidade Nova de Lisboa, [email protected]

3

Universidade de Brasília, [email protected]

4

Universidade Agostinho Neto, [email protected]

5

Universidade Eduardo Mondlane, [email protected]

6

Universidade de Cabo Verde, [email protected]

7

Universidade Federal de Santa Catarina, Sens Mauricio
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