ISULPAR - A (IN)EXISTÊNCIA DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO NOS PROCESSOS DE TRÁFICO DE DROGAS

June 6, 2017 | Autor: Elton Alves Batista | Categoria: Drugs and drug culture, Direito Penal, Drug Trafficking, Seletividade Penal
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INSTITUTO SUPERIOR DO LITORAL DO PARANÁ

A (IN)EXISTÊNCIA DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO NOS PROCESSOS DE TRÁFICO

PARANAGUÁ/PR 2015

ELTON GUSTAVO ALVES BATISTA

A (IN)EXISTÊNCIA DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO NOS PROCESSOS DE TRÁFICO

Monografia Jurídica, apresentado ao Instituto Superior do Litoral do Paraná, como requisito parcial para obtenção do Grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Aknaton Toczek Souza

PARANAGUÁ 2015

INSTITUTO SUPERIOR DO LITORAL DO PARANÁ

DIREITO TERMO DE APROVAÇÃO ELTON GUSTAVO ALVES BATISTA

A (IN)EXISTÊNCIA DO PRINCíPIO IN DUBIO PRO REO NOS PROCESSOS DE TRÁFICO

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, no Instituto Superior do Litoral do Paraná – ISULPAR – pela Banca examinadora composta pelas seguintes Autoridades:

________________________________________ Prof. Aknaton Toczek Souza Orientador ________________________________________

________________________________________

PARANAGUÁ, DEZEMBRO DE 2015

A todos que conseguem interpretar o certo e o errado.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus, por sua infinita misericórdia, pois, mesmo eu sendo falho, não me desampara. Agradeço a minha mãe, pois não poderia ter uma melhor. Às minhas irmãs, Tássia e Amanda, por me apoiarem e quase sempre me ajudarem. À minha namorada, Bruna, pelo seu apoio, carinho e amor. Aos meus amigos, Leonardo, Mateus e Rodrigo, por me tolerarem no decorrer do curso e mostrarem o verdadeiro significado de amizade. Ao meu novo amigo Giovane, que, mesmo sem nada em troca, me apoio e ajudou. Ao meu amigo/orientador, Aknaton, que, apesar de me ignorar diversas vezes, foi peça essencial para a concretização deste trabalho.

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo verificar se a palavra do acusado, especificamente nos processos de tráfico, ainda possui alguma validade perante o poder judiciário, algo que deveria ser necessário para respeitar o contraditório e a ampla defesa nos processos criminais. Para que tal pesquisa se concretize, processos da 1ª Vara Criminal da Comarca de Paranaguá serão analisados, observando-se sempre os depoimentos de forma multilateral, além das características dos acusados. O grande problema, além da inobservância da palavra do acusado, ainda é o preconceito, pois nota-se que a lei é mais severa em relação às pessoas da baixa classe social e mais branda aos mais afortunados, o fato de punir apenas determinado tipo de pessoa acaba por gerar uma subcultura, ou seja, os já marginalizados continuarão sendo marginalizados e dificilmente sairão desse status, logo se faz necessária apresentar a ideia da subcultura criminal. Apesar do acusado já estar muitas vezes condenado antes mesmo de seu julgamento, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, LVII, só considera alguém culpado após sentença condenatória transitada em julgado, portanto tal preconceito mencionado violaria não só a Carta Magna do país, mas também o princípio in dubio pro reo e a presunção da inocência, fato que será discutido no decorrer deste trabalho. Palavras-chave: drogas; in dubio pro reo; proibicionismo; poder judiciário; tráfico.

As drogas já fazem parte de nossa cultura. [...] Da mesma forma que não podemos dizer que somos 'contra' a música, não podemos dizer que somos 'contra' as drogas. Michel Foucault

Sumário INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9 A VIAGEM SÓBRIA. UM ESTUDO SOBRE A CULTURA DAS DROGAS E SUA CRIMINALIZAÇÃO AO LONGO DO TEMPO........................................................... 11 BREVE HISTÓRICO........................................................................................... 12 DA LEGISLAÇÃO ATUAL NO BRASIL E NO MUNDO. ..................................... 20 GARANTIAS GARANTIDAS? O PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO E A PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA ................................................................................ 22 CONHECENDO O INIMIGO. UMA INTRODUÇÃO A SUBCULTURA CRIMINAL .. 25 SELF-TITLED ........................................................................................................... 28 J.B. de O. ............................................................................................................ 29 D.P.B. e W.B....................................................................................................... 30 J.F. de N. ........................................................................................................... 31 P.R. de S. ........................................................................................................... 32 V.L.E. ................................................................................................................. 33 M.S.M. ................................................................................................................ 34 N.P. de M.N. e C.S.L. ......................................................................................... 35 D.A.S. ................................................................................................................. 35 F. do C. .............................................................................................................. 36 N.A. dos S. ......................................................................................................... 36 L.V. de C. ............................................................................................................ 37 T. dos S. ............................................................................................................. 37 G.G.C. ................................................................................................................ 38 R.R.P. ................................................................................................................. 38 F.F. da V. ........................................................................................................... 39 NOTA FINAL ............................................................................................................. 41 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 44

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INTRODUÇÃO Este trabalho acadêmico visa demonstrar com clareza, através de pesquisa de campo, o olhar preconceituoso da sociedade, sob a égide das vistas específicas do policial no momento da prisão em flagrante de alguém portando de entorpecentes. Diz-se olhar preconceituoso, porque durante a prisão, numa pré-análise o policial, levando em conta elementos subjetivos, classifica aquele que está portando a droga como usuário ou traficante, ou seja, é o policial quem faz o juízo de valores durante o momento da prisão, fato relevante durante todo o deslinde processual, inclusive sendo fundamental para ser analisado em sentença. No primeiro capítulo, “A viagem sóbria. Um estudo sobre a cultura das drogas e sua criminalização ao longo do tempo”, trata de maneira breve sobre a utilização de substâncias psicoativas ao longo dos séculos, desde os primórdios da humanidade. Este capítulo é dividido em “Breve Histórico” que analisa o início da problemática que levou à proibição da utilização de algumas substâncias psicoativas; e “Da legislação atual no Brasil e no mundo” que mostra o histórico das leis proibicionistas destes psicoativos. O segundo capítulo, intitulado “Garantias garantidas? O princípio do in dubio pro reo e a presunção de inocência” abarca dois princípios fundamentais do processo penal, traçando e diferenciando o princípio do in dubio pro reo e o princípio da presunção de inocência. O capítulo terceiro, “Conhecendo o inimigo. Uma introdução à subcultura criminal” mostra a visão da sociedade atual em relação ao dito traficante de drogas. Quem

são

as

pessoas

identificadas

preconceituosamente

como

traficantes/criminosos. O quarto capítulo, “Self-Titled”, contém uma pesquisa de campo em processos oriundos da 1ª Vara Criminal de Paranaguá. Tal pesquisa reflete o panorama do preconceito arraigado nas sentenças que condenam aquele que portava entorpecentes como traficante (sem levar em cona o porquê de estarem comercializando entorpecentes ou não o absolverem como usuário).

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Este capítulo divide-se em 12 subtítulos, dos quais: “4.1 J.B.de O.”, o qual analisa de maneira específica umas das sentenças que fez parte da pesquisa principal, sendo o caso de um guarda municipal condenado por traficância; “4.2 D.P.B. e W.B”, outro caso de condenação por tráfico, sendo os condenados pai e filho, ambos com baixa escolaridade, moradores de um bairro longe do centro da cidade, com baixo poder aquisitivo; “4.3 J.F. de N.” que tem como condenado como traficante um pedreiro que negou ser traficante, mas confessou ser usuário; “4.4 P.R. de S.” o condenado por tráfico não tinha antecedentes e as únicas testemunhas do seu flagrante eram os próprios policiais; e demais subtítulos. Conclui-se, com este trabalho que há a marginalização pela sociedade das pessoas de classes menos favorecidas e com baixa escolaridade, as quais, na maioria das vezes, são vistas como bandidas, por utilizarem ou comercializarem substâncias entorpecentes. Mesmo o processo penal tendo como princípios o in dubio pro reo e a presunção de inocência, ainda assim, durante o processo criminal as provas utilizadas para a condenação destas pessoas se dão durante o flagrante feito pelos policiais, os quais utilizam critérios subjetivos para diferenciar o usuário do traficante e definem quem é bandido e quem é “doente”, sendo assim, a decisão de quem é o quê está nas mãos dos policiais e esta decisão define o olhar do juiz sobre eles.

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1 A VIAGEM SÓBRIA. UM ESTUDO SOBRE A CULTURA DAS DROGAS E SUA CRIMINALIZAÇÃO AO LONGO DO TEMPO Desde os primórdios da humanidade, momento em que o homem mal conseguia se comunicar com os seus semelhantes, as substâncias entorpecentes já eram utilizadas. De maneira óbvia não se tratavam das drogas das quais se tem conhecimento na sociedade atual, contudo, da mesma forma também possuíam efeitos psicoativos1. Sob este viés, é possível notar que mesmo sem ter conhecimento, os primeiros homens a pisar neste planeta, encontraram plantas psicoativas e fizeram uso delas para várias finalidades, dentre as quais: curar, caçar, ter contato com alguma divindade ou por puro prazer. A título exemplificativo, até mesmo os animais se utilizam de substâncias psicoativas. Veja-se o gato que, mesmo sendo considerado um ser irracional, identifica e usa algumas plantas, como a catnip, a qual tem capacidade alucinógena2. Logo, usar drogas está além de ser um hábito, está mais para um instinto básico de todos os animais, sejam eles racionais ou irracionais. Atualmente, devido à mídia demonizadora, que pinta algumas substâncias psicoativas específicas como maléficas para o ser humano, muitas pessoas acreditam que as drogas são apenas aquelas atreladas diretamente ao tráfico de narcóticos, porém se esquecem de que ao consumirem o cafezinho da tarde 3 também estão se utilizando de uma substância psicoativa. Mesmo 1

o

uso

de

MACRAE, Edward. Aspectos socioculturais do uso de drogas e políticas de redução de danos. Disponível em: http://www.neip.info/downloads/edward2.pdf acesso em 14/10/2015. 2 O catnip ou catmint (Nepeta cataria) é uma erva perene que pertence à família da menta (Labiatae) há muito tempo utilizado para problemas nervosos, dor de cabeça, histeria e insanidade nos anos de 1624 a 1689. Em felinos promove alterações comportamentais que lembram alucinações. O princípio ativo responsável por estes efeitos é a nepetalactona Desde alguns anos nosso grupo de pesquisa vem estudando os efeitos desta planta tendo encontrado efeitos estimulante suave e antidepressivo em modelos animais. RICCI, Esther Lopes. Disponível em: http://www.bv.fapesp.br/pt/bolsas/62464/avaliacao-dos-possiveis-efeitosantinociceptivos-do-oleo-essencial-do-catnip-nepeta-cataria-em-cam/ acesso em 14/10/2015. 3 São consideradas drogas lícitas qualquer substância que contenha álcool, nicotina, cafeína, medicamentos sem prescrições médicas, anorexígenos, anabolizantes e outros. Para ter conhecimento acerca das consequências promovidas pelas drogas lícitas pode-se iniciar relatando que ao depositar qualquer substância no organismo cria-se nesse, necessidades falsas, alterando todo o funcionamento físico e psíquico. Pois as drogas lícitas agem especialmente sobre o sistema nervoso e tem a capacidade de alterar todo o seu funcionamento. SANTOS, Rute Noemia de Souza; SANT’ANA, Débora de Mello Gonçales. Disponível em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ArqMudi/article/viewFile/24743/pdf_53 acesso em 15/10/2015.

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substâncias psicoativas estando intimamente arraigado à natureza dos seres, ainda assim criminaliza-se da comercialização e o consumo de alguns tipos de psicoativos. Sua criminalização se deu após várias investidas do Estado em prol de seus próprios interesses, algo que será explicado no decorrer deste capítulo. 1.1 BREVE HISTÓRICO A história das substâncias psicoativas, as chamadas drogas, teve seu inicio há muito tempo; e, segundo vários estudiosos o primeiro indício, com provas concretas, da criação de um entorpecente foi por volta do ano 8000 a.C. na China, onde era produzido um drinque fermentado feito de mel, arroz, uvas e cereja 4. Nas civilizações gregas e romanas, os habitantes utilizavam algumas plantas com efeitos psicoativos como a dormideira, o cânhamo, a beladona, a mandrágora, para fins medicinais, além do uso recreativo. Na Idade Média, as drogas ficaram com o papel terapêutico e medicinal, tendo em vista que no período da Inquisição era reprimida qualquer outro tipo de utilização para elas. Conforme Avelino5, no século XIX, os ingleses, unidos a outras potências coloniais europeias, e a China disputaram o controle comercial sobre o ópio, gerando duas guerras entre ambas as nações. Ainda durante o mesmo século, surge um grande marco na história das drogas, o inicio do proibicionismo6. Atualmente se atribui aos Estados Unidos da América o mérito pela proibição da utilização e comercialização das drogas, pois os grandes movimentos começaram por lá, entretanto não se pode afirmar que foram os pioneiros ao criminaliza-las, pois no Brasil, na data de 1830, houve uma proibição referente ao tema, assim, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro proibiu a venda e o uso do “pito do pango” 7. Apesar de inúmeras tentativas de proibir a venda e o consumo de drogas antes do despertar americano, só após os Estados Unidos se manifestarem claramente 4

SUPERINTERESSANTE, Edição nº 256, 2008. Victor Pereira Avelino: Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Goiás (2010). Especialização em Criminologia pela Universidade Federal de Goiás (2012). Atualmente atua como Delegado de Polícia Substituto na Instituição Polícia Civil do Estado de Goiás. 6 AVELINO, Victor Pereira. A evolução do consumo de drogas. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2439, 6 mar. 2010. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/14469 acesso em 19 out. 2015. 7 Ver DÓRIA, Rodrigues, 1958; p. 14. 5

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contra as drogas, é que houve uma repercussão mundial que perdura até a atualidade8. Conforme Rosa del Olmo9, durante o século XIX, o estudo sobre os entorpecentes já estava bastante avançado, de forma a contribuir muito para a medicina daquela época. O fato é que por trazer tantos benefícios, as drogas acabaram se popularizando por todas as classes sociais, sendo até mesmo comercializadas em farmácias de forma livre. Por outro lado, nos Estados Unidos, houve uma grande repercussão moral em torno dos efeitos psicoativos causados pelos entorpecentes, atribuindo a eles a agressividade das classes sociais menos abastadas, mais especificamente dos mexicanos, conhecidos por utilizarem a killer weed10. Por conta de inúmeras manifestações para a proibição das drogas, surgiu então o Partido Proibicionista em 1869 e a Liga Anti-Saloon – que defendia a moralidade por meio da proibição e apoiava, por exemplo, o fechamento de botecos para a diminuição do consumo de álcool - em 189311. Em 1909 ocorreu a conferência de Xangai, o primeiro grande encontro internacional com finalidade de discutir a limitação do comércio de entorpecentes (neste caso o ópio e seus derivados), o qual contou com a presença de 13 países e criou um alerta internacional a respeito das drogas. Cinco anos após a conferência em Xangai, os Estados Unidos aprovou a Lei Harrison, visando o controle sobre a produção e o fornecimento da cocaína, da morfina e do ópio, e realizou a Conferência Internacional do Ópio, que foi interrompida pela 1ª Guerra Mundial. Em 1919 eis houve o surgimento da famosa Lei Seca, marcando os Estados Unidos pela sua ineficácia, gerando índices de corrupção elevadíssimos em toda a sociedade, criando contrabandistas e abrindo as portas para os gangsteres. 8

Ver OLMO, Rosa del, 1990; p.26 e 27. Rosa del Olmo: Foi socióloga da Universidade de Wisconsin, mestre em Criminologia pela Universidade de Cambridge e doutorada em Ciências Sociais pela Universidade Central da Venezuela, exerceu o seu ensino na Universidade Central da Venezuela , assim como em universidades no México, Porto Rico e Estados Unidos. 10 Erva assassina; Apesar do nome se tratava da maconha. 11 Ver LABATE, Beatriz Caiuby, 2008; p. 93. 9

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O Volstead Act, mais conhecido como “A Lei Seca” visava, como o próprio nome sugere, proibir a produção, a comercialização e o armazenamento de bebidas alcoólicas12. Ela foi a primeira demonstração clara do fracasso do proibicionismo das drogas, pois, além de não conseguir atingir sua finalidade, acabou gerando um aumento significativo na criminalidade, pois, ao contrário do que se pretendia com a proibição, a supressão almejada do álcool não ocorreu. O que antes era uma prática comum, ou seja, a utilização de psicoativos passou a ser crime, logo é visível que o Estado criaram os seus criminosos. O grande mercado ilícito criado com a Lei Seca somente foi erradicado com o seu término em 1933, contudo apareceram novas leis proibicionistas em relação e consumo e comercialização de psicoativos, sendo que mais e mais deles foram proibidos. Portanto finalizaram-se as duas primeiras décadas do proibicionismo como um marco inicial negativo, algo que deveria ter sido levado em consideração, porém, a julgar pelo que se vive atualmente, não foi o que ocorreu, assim diz Labate13 e outros: Em outras palavras, o Proibicionismo, desde seus momentos iniciais entre as décadas de 1910 e 1930, foi um “fracasso” se levarmos em conta seus objetivos declarados, mas nem por isso deixou de ser expandido; não apenas nos Estados Unidos, como também em outros Estados, tomando espaço 14 nos foros internacionais do entre-guerras .

Nos anos cinquenta os entorpecentes ainda não eram uma grande preocupação, apesar de já terem tido sua comercialização debatida inclusive em algumas conferências internacionais. Nos Estados Unidos a droga ainda era atribuída aos delinquentes, às pessoas da baixa classe social e aos imigrantes, mais especificamente aos mexicanos. Na Inglaterra também se atribuía o consumo de droga aos imigrantes, desta vez aos africanos. Até mesmo na América Latina se associava o uso de drogas aos delinquentes. Por outro lado, devido a repercussão internacional que houve em Xangai e nas conferências posteriores, alguns especialistas representantes da Organização 12

Ver LABATE, Beatriz Caiuby, 2008; p. 93. Beatriz Caiuby Labate: Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (1996), mestrado em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (2000) e doutorado em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (2011). 14 Ver LABATE, Beatriz Caiuby, 2008; p. 94 e 95. 13

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Mundial de Saúde (OMS) e da Organização das Nações Unidas (ONU) passaram a propagar os malefícios das drogas, tornando-as um problema da saúde pública “Eram as primeiras tentativas de difundir internacionalmente os modelos éticojurídico e médico-sanitário para enfrentá-la”

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. Logo o termo de viciado e doente

seria substituído pelo de consumidor. Na década de sessenta houve um grande aumento do número dos consumidores de drogas, não sendo mais apenas consumidores os de classes inferiores, pois a partir deste ponto os usuários estavam presentes em todas as classes sociais, tudo isso como consequência dos grandes acontecimentos desta época nos Estados Unidos, a título de exemplo: A guerra do Vietnã, as manifestações de jovens, as manifestações dos negros, a revolução cubana, entre outros. De acordo com Rosa del Olmo: O problema da droga se apresentava como “uma luta entre o bem e o mal”, continuando com o estereótipo moral, com o qual a droga adquire perfis de “demônio”; mas sua tipologia se tornaria mais difusa e aterradora, criandose o pânico devido aos “vampiros” que estavam atacando tantos “filhos de boa família”. Os culpados tinham de estar fora do consenso e ser considerados “corruptores”, daí o fato de o discurso jurídico enfatizar na 16 época o estereótipo criminoso, para determinar responsabilidades .

A partir do momento em que as drogas afetaram grandemente as classes mais altas da sociedade, pensou-se em efetivamente criminaliza-las, tanto que até o distribuidor ficou conhecido como Pusher ou incitador17. Cabe salientar que o fornecedor era sempre pessoa da minoria, ou seja, já tinha um perfil traçado de delinquente. Diferentemente da década de cinquenta, os anos sessenta trouxeram um discurso híbrido a respeito dos usuários de drogas. Na década de cinquenta se falava em um modelo médico-sanitário, já na de sessenta, o modelo ético jurídico predominou, tanto que, nos Estados Unidos, mais precisamente em 1966, foi aprovado o Narcotic Addict Rehabilitation Act18 (NARA), que optava ao delinquente escolher sua punição, o sentenciado poderia escolher entre a prisão e o tratamento/reabilitação, marcando assim o inicio da propagação do estereótipo de 15

Ver OLMO, Rosa del, 1990; p. 30. Ver OLMO, Rosa del, 1990; p. 34. 17 O pequeno distribuidor seria visto como o incitador ao consumo, o chamado Pusher ou revendedor de rua. Este indivíduo geralmente provinha dos guetos, razão pela qual era fácil qualificá-lo de “delinquente” (OLMO, Rosa del, 1990; p. 34). 18 Lei de Reabilitação de Dependentes e Narcóticos. 16

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consumidor, outrora conhecido como dependente19. Importante ressaltar também que, nesta época, a erva assassina ou the killer weed passou por uma transição, passando a ser conhecida por the dropout drug20, tendo em vista que não era mais relacionada à agressividade, mas sim à falta de motivação e a passividade. Isso explicaria a falta de interesse dos jovens no The American Way of Life21 ou o Modo de Vida Americano, que seria o modelo ideal de vida a ser seguido, um exemplo dessa falta de empatia pelo modelo citado, foram os hippies. Sob este prisma, é possível averiguar os diversos rumos que as drogas tomaram em um curto período de tempo, levando em conta apenas a forma de como o ser humano lidou com ela, excluindo-se, provisoriamente, os seus aspectos físicos. Recapitulando, em suma, desde os primórdios da humanidade as drogas fizeram parte da cultura regional ou religiosa de todas as nações do globo, porém com o crescimento exponencial da sua utilização, no decorrer dos séculos, chamou a atenção de um grupo mais conservador da população, que viu os entorpecentes como algo prejudicial à sociedade. Tal grupo antidrogas que surgiu nos Estados Unidos fez com que as drogas, outrora vistas como algo comum, passassem a ser atribuídas hábito inerente das classes mais baixas da sociedade. Sob este viés houve o surgimento de uma subcultura, na qual se inseriram, além dos vocábulos “doente” ou “viciado”, as palavras “fornecedor” e “comprador” as quais se referiam as pessoas relacionadas ao comércio dos entorpecentes22. No final da década de sessenta, é interessante observar que em vários países da América Latina eram difundidas propagandas antidrogas norte americanas, ato que buscava unificar o pensamento dos demais com o dos Estados Unidos23.

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Ver OLMO, Rosa del, 1990; p. 34 e 35. A droga do excluído. 21 A representação de nação de novos ricos, bem cuidados, que valorizam bens de consumo e estilos de ser, os quais comprovam que “a vida vale a pena ser vivida”. CUNHA, Paulo Roberto Ferreira apud BELL, Bernard I. Crowd, 2014. Disponível em http://www.espm.br/download/Anais_Comunicon_2014/gts/gt_cinco/GT05_CUNHA.pdf acesso em 16/10/2015. 22 Ver OLMO, Rosa del, 1990. 23 É interessante lembrar porém que no final da década, mais especificamente em 1970, é lançada uma campanha antidrogas com conteúdo semelhante em vários países da América Latina, propaganda que vinha dos Estados Unidos através de suas embaixadas, provavelmente com a 20

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Nos anos setenta a heroína e a cocaína obtiveram um grande papel para afirmar a legitimidade de punir os envolvidos com drogas, tudo isso devido aos eventos históricos da época, como a guerra do Vietnã, por exemplo. O problema havia se agravado com a guerra do Vietnã, e os excombatentes consumiam não apenas maconha, mas também heroína, droga que até então se limitava aos guetos urbanos e não havia chegado 24 à juventude branca .

Perante da expansão cada vez maior do consumo, o presidente americano Nixon declarou guerra às drogas, qualificando a heroína como o “primeiro inimigo público não econômico”, fazendo então com que a droga, agora, mais do que nunca, fosse um perigo a ordem. Diante deste panorama que no qual o problema da heroína era tratado de forma unilateral, a culpa era atribuída ao usuário pelo consumo da substância, deixando de lado todo o comércio que girava em torno dos entorpecentes. Ressaltase que o usuário de heroína precisava se dedicar integralmente à causa para sustentar seu vício, tendo em vista o alto custo para o consumo da droga, a maioria dos consumidores se via obrigada a traficar a fim de obter meio para poder consumila, fato que explica o aumento significativo da criminalidade na época 25. Na década de oitenta, o termo doente deixa de ser utilizado definitivamente, tendo em vista que o usuário passou a ser considerado um cliente, ou seja, tornouse o próprio inimigo, papel que antes era da própria substância química, da própria droga. Um dos motivos para que ocorresse a transição do vocábulo, de doente para cliente, foi a Drug Enforcement Administration26 (DEA) descobrir o quão rentável estava sendo o tráfico de drogas, sendo desviado dos Estados Unidos um considerável montante em dinheiro, o qual o seu governo não tinha acesso para tributação. Essa movimentação econômica gigantesca era enviada para países como o Panamá e as Bahamas, e apenas serviram de impulso para os Estados

finalidade — tal como assinalaram vários autores — de incorporar os países da América Latina no processo antidrogas de uma maneira mais do que simbólica (OLMO, Rosa del, 1990; p. 37). 24 Ver OLMO, Rosa del, 1990; p. 39. 25 Ver OLMO, Rosa del, 1990; p. 39. 26 Agência governamental americana criada em 1973 para a repressão e controle de narcóticos.

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Unidos aprovarem definitivamente as leis de combate às drogas vigentes na atualidade27. Conforme Dieter28, na época o presidente americano Reagan reforçou a guerra contra as drogas, desta vez criando uma perseguição que até então nunca fora vista, aumentando o orçamento da DEA de 74.9 milhões para 359.5 milhões no período de 1973 a 1985. Seu objetivo principal era reduzir o número de traficantes, o que, consequentemente, diminuiria o mercado de drogas, fazendo com que o preço delas subisse, diminuindo também o número de usuários, que também seriam punidos por incentivar este comércio29. Houve ainda outros acordos e convenções destinados ao combate das drogas para o proibicionismo encontrar-se como está atualmente, como a Convenção Única de Nova York sobre Entorpecentes30 (1961), a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de Viena31 (1971) e a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas32 (1988). É no mínimo curioso observar a perda do foco desta guerra, de início o objetivo do combate ao tráfico era erradicar o consumo de drogas, entretanto, como na Lei Seca se observou, o fato de proibir a população de fazer algo não significa que ela não

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Ver OLMO, Rosa del; p. 55 e 56. Vitor Stegemann Dieter: Doutorando (PhD Candidate) no Doctorate in Cultural and Global Criminology; (DCGC) pelas Universidades de Kent (Inglaterra), Utrecht (Holanda), Hamburgo (Alemanha) e Budapeste (Hungria) (Set. 2015-em andamento). Mestre em Criminologia critica e sicurezza sociale; pela Univesità di Padova e Università di Bologna na Itália (UniPd/UniBo). (20142015). Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2012-2014). Bolsista da CAPES (2012-2014). Especialista em Criminologia, Direito Penal e Política Criminal pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC - Unicemp) (2013). Bacharel em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC (2011). Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET-Direito) (20082011). 29 DIETER, Vitor Stegemann, 2014; p. 60. 30 Esta convenção tem o objetivo de combater o abuso de drogas por meio de ações internacionais coordenadas. Existem duas formas de intervenção e controle que trabalham juntas: a primeira é a limitação da posse, do uso, da troca, da distribuição, da importação, da exportação, da manufatura e da produção de drogas exclusivas para uso médico e científico; a segunda é combater o tráfico de drogas por meio da cooperação internacional para deter e desencorajar os traficantes. Disponível em: http://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/drogas/marco-legal.html acessado em 16/10/2015. 31 Marca o controle da preparação, do uso e do comércio de psicotrópicos. Disponível em: http://www.imesc.sp.gov.br/infodrogas/convenc.htm acesso em 16/10/2015. 32 Foi a conclusão do tratado iniciado em 1971 (Viena). Disponível em http://www.imesc.sp.gov.br/infodrogas/convenc.htm acesso em 16/10/2015. 28

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fará. Logo, o que se vê nos dias de hoje é uma guerra fracassada, pois mesmo com a criminalização, o número de usuários, de traficantes, de vítimas só aumentou33. Em se tratando de Brasil, é curioso apontar que apenas em 1932, com a Consolidação das Leis Penais, o vocábulo “substância entorpecente” se integrou à legislação nacional, porém só foi colocado em pratica nos Decretos 780/1936 e 2953/1938, conforme Carvalho34 “somente a partir da década de 40 é que se pode verificar o surgimento de política proibicionista sistematizada”35. No Código Penal de 1940 o tráfico passou a ser punido nos termos do art. 281, conforme versa: Art. 281. Importar ou exportar, vender ou expor à venda, fornecer, ainda que a título gratuito, transportar, trazer consigo, ter em depósito, guardar, ministrar ou, de qualquer maneira, entregar a consumo substância entorpecente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; Pena -reclusão, de um a cinco anos, e multa, de dois a dez contos de réis.

Entretanto, apenas com a Ditadura Militar instaurada no Brasil é que a política antidrogas passa a ter um papel efetivo no âmbito nacional, sendo as substâncias entorpecentes consideradas inimigas dos militares36 (Convenção Única sobre Entorpecentes, e Decreto 54.216/1964). Na década de setenta chega a Lei 6.368/1976 a qual além de punir o tráfico, previa a detenção do usuário pelo período de 06 meses a dois anos, sendo posteriormente substituída pela vigente Lei de Tóxicos, 11.343/2006. Em 2006, surge a atual, apenas em face do tempo, não do conteúdo, Lei de Tóxicos (11.343/2006), pois, assim como as leis anteriores a respeito do assunto, ainda se criminaliza as práticas com relação às drogas. Essa nova lei brasileira em matéria de drogas, na realidade, é nova apenas no tempo, não trazendo qualquer alteração substancial, até porque, como aconteciam com aquelas duas outras leis por ela revogadas, suas novas ou repetidas regras naturalmente seguem as diretrizes dadas pelas 33

Ver LABATE, Beatriz Caiuby, 2008; p. 95. Salo de Carvalho: Professor Adjunto de Direito Penal, Departamento de Direito do Estado, Faculdade Nacional de Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Colaborador do curso de Pós-Graduação (Mestrado em Direito) da Universidade Federal de Santa Maria. "Visiting Professor" do Programa de Pós-Graduação em "Derechos Humanos y Desarrollo" da Universidad Pablo de Olavide (Sevilha, ES). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (1996). Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2000). Pós-Doutor em Criminologia pela Universidad Pompeu Fabra (Barcelona, ES) (2010). Pós-Doutor ("visiting researcher") em Criminologia (bolsa CNPq) pela Universitá di Bologna (Bologna, ITA) (2013-2014). Pós-Doutorando em Filosofia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). 35 Ver CARVALHO, Salo de, 2010; p. 12. 36 Ver KARPINSKI, Nara Line Caluf, 2013. 34

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proibicionistas convenções internacionais de que o Brasil, como quase 37 todos os demais Estados nacionais, é signatário .

1.2 DA LEGISLAÇÃO ATUAL NO BRASIL E NO MUNDO Diferente da sua antecessora, a Lei 11.343/2006 retira a punição do usuário, guardando apenas para o traficante o ódio estatal. O problema é que a Lei não define um critério específico para a diferenciação entre o usuário e o traficante, existe uma linha tênue entre o consumo e o comércio de entorpecentes. Essa linha tênue entre vendedor e consumidor gera um problema imenso ao poder judiciário, pois muitas vezes, o usuário acaba sendo enquadrado como traficante e o mais curioso é que praticamente as mesmas pessoas são sempre presas, sendo elas: o pobre, o negro, o viciado, o favelado, entre outros de classe social estigmatizada como inferior. Sob esta ótica, é possível que Cesare Lombroso38 estivesse certo em parte, pois hoje existe um perfil criminoso já traçado em neste país, mas do qual não se trata de aspectos físicos específicos (como o tamanho da mandíbula, por exemplo) predeterminantes para uma disposição ao crime, mas sim um perfil criminoso de minorias marginalizadas. Atualmente discute-se, e muito, sobre a descriminalização das drogas de modo geral, tanto para venda quanto para consumo. Em alguns países europeus consumo e até mesmo da comercialização de tais substâncias já estão liberadas a título de exemplo a Holanda e a Espanha, no entanto ainda existe grande receio, muitas vezes infundado, da sociedade para a descriminalização delas. Como citado anteriormente, os grandes manipuladores da criminalização estão por trás dos meios de comunicação em massa, manejando através da mídia as camadas menos instruídas da sociedade, utilizando-as como massa de manobra, ditando suas regras para os fins que lhes convierem 39. Desta forma, a mídia induz o pensamento coletivo de que as drogas estão intrinsicamente associadas a

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Ver LABATE, Beatriz Caiuby, 2008; p. 105. Cesare Lombroso foi um professor universitário e criminologista italiano, nascido em 06 de novembro de 1835, em Verona. Tornou-se mundialmente famoso por seus estudos e teorias no campo da caracterologia, ou a relação entre características físicas e mentais. 39 RONZANI, Telmo Mota e outros. Mídia e drogas: análise documental da mídia escrita brasileira sobre o tema entre 1999 e 2003, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232009000500016 acesso em 18/10/2015. 38

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favelados, periféricos e pessoas de baixa classe social, contudo, existem enormes cartéis movimentando um dos maiores mercados do Mundo, logo, o tráfico de drogas, não pode ser associado apenas as pessoas de inferiores níveis sociais. Vêse claramente que grandes traficantes de drogas estão tirando proveito da situação atual, bem como Al Capone40 na época da Lei Seca nos Estados Unidos, o mais coerente a se fazer seria a sua descriminalização. A legalização das drogas não permitiria apenas o fim dos cartéis gigantescos, como também preservaria a saúde dos usuários, afinal para que um produto seja comercializado legalmente, ele precisa de toda uma preparação e inspeção. Um exemplo claro dessa discrepância social em relação às drogas fica por conta das famosas “baladas”, é comum encontrar pessoas vendendo ecstasy em casas de show. Nestes casos, por se tratar de festas de pessoas abastadas, dificilmente há qualquer tipo de ação policial em alguma delas à procura por delinquentes. Por outro lado, nas favelas, onde não existem somente traficantes, mas sim toda uma população de moradores de diferentes profissões, raças e credos, há constante invasão policial à procura de drogas.

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Alphonse Capone: One of the most famous American gangsters, Al Capone, also known as "Scarface," rose to infamy as the leader of the Chicago mafia during the Prohibition era. Before being sent to Alcatraz Prison in 1931 from a tax evasion conviction, he had amassed a personal fortune estimated at $100 million and was responsible for countless murders (Um dos mais famosos gangsters americanos, Al Capone, também conhecido como “Scarface” subiu para a infâmia como líder da máfia de Chicago durante a era da proibição. Após ser enviado para a prisão de Alcatraz em 1931, a partir de uma convicção de evasão fiscal, foi estimado que ele acumulou uma fortuna de 100 milhões de dólares e foi responsável por incontáveis assassinatos). Disponível em: http://www.biography.com/people/al-capone-9237536 acesso em 18/10/2015.

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2 GARANTIAS GARANTIDAS? O PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO E A PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA O que se pretende com o princípio in dubio pro reo ou favor rei é evitar que um inocente seja punido, pois é preferível um criminoso solto, que um inocente preso. In dubio pro reo, significa: na dúvida a favor do réu; E como se observa em sua tradução, seu objetivo é absolver o acusado caso não hajam provas concretas para ligar a autoria e a materialidade. O Código de Processo Penal (CPP) brasileiro prevê o referido princípio de forma implícita em seu art. 386, mais especificamente nos incisos V, VI e VII: Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008); VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008). VII – não existir prova suficiente para a condenação. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008).

No Processo Penal, existem vários dispositivos para assegurar o princípio in dubio pro reo, como a proibição da reformatio in pejus41, os recursos privativos de defesa (embargos infringentes ou de nulidade), a revisão criminal42, a regra prevista para os tribunais recursais no art. 615, §1º, do CPP e a presunção da inocência 43, além da posição do Supremo Tribunal Federal sobre o mencionado: A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem. Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível – por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) – presumir-lhe a culpabilidade. É que ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da não culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento 41

Quando houver um recurso da sentença por parte da defesa, o réu não poderá ter sua pena agravada. 42 Art. 621 do Código de Processo Penal. 43 Ver TOURINHO, Fernando, 2011; p. 96.

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que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder 44 Judiciário .

Como não se pode falar em in dubio pro reo sem mencionar o princípio da presunção da inocência, sendo este previsto na carta magna brasileira, em seu art. 5º, inciso LVII, far-se-á sua breve explicação. LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

O princípio da presunção da inocência é uma garantia constitucional, sendo essencial para uma sociedade democrática. Foi concebida na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e visa assegurar que o acusado não seja penalizado antes da sentença, conforme o texto original, em seu art. 9º e sua tradução45: Tout homme étant présumé innocent juqu’a ce qui’il ait été declare coupable; s’il est jugé indispensable de l’arrêter, toute rigueur qui ne serait nécessaire pour s’assurer das personne, doit être sévèrement reprime par la loi (Todo homem é considerado inocente, até o momento em que, reconhecido como culpado, se for indispensável sua prisão todo rigor desnecessário, empregado para efetuá-la deve ser severamente reprimido pela lei).

Contudo, não se pode interpretar a presunção da inocência de forma literal, pois assim ninguém poderia ser processado. Apesar de existir semelhança entre a presunção da inocência e do in dubio pro reo não se pode confundi-los, isto porque o in dubio pro reo é englobado pela presunção da inocência, enquanto o primeiro visa a liberdade do acusado quando não haja provas concretas para sua condenação, o outro garante o direito do acusado de ser considerado inocente até que haja prova contrária, devendo ser penalizado apenas após a sentença condenatória transitada em julgado. Ainda que haja a existência do princípio da presunção da inocência, mesmo este estando previsto na Lei Maior do país, inúmeros magistrados insistem em lutar contra ele, preferindo culpar o réu até que haja prova contrária46. Prova do citado é o relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e da Organização dos Estados Americanos (OEA): 44

Habeas Corpus n.º 89.501/GO. Ver TOURINHO, Fernando, 2011; p. 89 e 90. 46 Ver TOURINHO, Fernando, 2011; p. 92. 45

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Esta realidade do uso excessivo da prisão preventiva* na Américas foi reconhecida em outras instâncias pela própria Organização dos Estados Americanos (OEA), como durante a Terceira Reunião de Autoridades Responsáveis pelas Políticas Penitenciárias e Carcerárias, na qual se fez referência ao “amplo uso da detenção preventiva”, chegando-se a estimar que, na região, “mais de 40% da população carcerária se encontra em 47 prisão preventiva ”.

Além do objetivo de se punir o réu apenas após sentença condenatória transitada em julgado e de não punir inocentes, faz-se necessária a presunção da inocência a fim de que se evite tal situação caótica, o seu desuso apenas gera mais despesa ao Estado e um sofrimento antecipado ao acusado (que neste ponto, ainda não foi condenado).

47

Relatório sobre o uso da prisão preventiva nas Américas – Introduções e Recomendações. Disponível em https://www.oas.org/pt/cidh/ppl/pdfs/Relatorio-PP-2013-pt.pdf acesso em 20/10/2015.

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3 CONHECENDO O INIMIGO. UMA INTRODUÇÃO A SUBCULTURA CRIMINAL Trata-se de um assunto importante o estudo sobre a subcultura no presente trabalho, pois há conexão entre a subcultura criminal e os acusados de tráfico. Existe um estereótipo já traçado do traficante, um perfil midiático, fato que remete a subcultura criminal. Os integrantes desta cultura estão lá devido a exclusão social e os “traficantes”, coincidentemente ou não, se encaixam perfeitamente no mesmo lugar. Conforme anteriormente citado, Cesare Lombroso, em seu estudo mais famoso, definiu características específicas inerentes aos criminosos: dentição anormal, irregularidade nos dedos, assimetria do rosto, orelhas grandes, etc. Chegando ao ponto de até a classificar o criminoso como uma subespécie da raça humana48. Apesar de não conseguir provar concretamente seus estudos, ele apenas errou em um aspecto para definir o delinquente, Lombroso apenas buscou características físicas minimalistas no criminoso, quando na conjuntura atual este é definido basicamente pela sua classe social. Conforme Zaccone49, a classe “traficante de drogas” é supostamente constituída por homens e mulheres de baixa classe social (pobres) e com baixa escolaridade. Essas mesmas pessoas são presas por serem encontradas portando consigo uma quantidade (sem um critério específico) de drogas e, na grande maioria dos casos, sem portar nenhuma arma, nem ter o apoio de qualquer "organização" ou gangue. O Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que o mercado negro criminal movimenta, por ano, cerca de 750 bilhões de dólares, sendo que desse montante 500 bilhões de dólares são devidos ao tráfico de drogas50. Vinculando

as

duas

informações supracitadas, constata-se que realmente não há uma conexão lógica, pois como podem pessoas miseráveis movimentar um mercado com tamanha proporção? Esta pergunta se responde pelo fato das pessoas detidas serem apenas 48

Ver LOMBROSO, Cesare, 2010. Orlando Zaccone D'Elia Filho: Delegado de polícia civil do Estado do Rio de Janeiro, Mestre em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes (2004), Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (2013), Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito e Processo Penal da Cândido Mendes e Professor de Criminologia da Academia de Polícia Civil Sílvio Terra. 50 Ver ZACCONE, Orlando, 2007; p.11 e 12. 49

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as ditas “mulas”51 e não os verdadeiros traficantes, entretanto a sociedade é bombardeada por inúmeras informações que a faz acreditar que o pobre coitado é o grande criminoso por trás de todo este esquema. Quando se fala em traficante de drogas, deve-se banir do pensamento estereotipo de Zé Pequeno52, essas pessoas de baixa classe social ligadas ao tráfico são meros peões neste jogo. No comando deste grande negócio é identificada, em seu aspecto político e legal, a figura do "narcotraficante", cujo estereótipo, construído pelo discurso oficial e divulgado pela mídia, aponta para o protótipo do criminoso organizado, violento, poderoso e enriquecido através da circulação ilegal desta mercadoria, conhecida em nossa legislação outrora como 53 "entorpecente" e hoje, genericamente, como "droga” .

O fato de se pensar no traficante ou qualquer outro criminoso como uma minoria da sociedade é um pensamento antigo, porquanto como se viu anteriormente na presente pesquisa, na década de sessenta, nos Estados Unidos, se atribuía aos estrangeiros o ato da delinquência54. Esse ato de marginalizar as minorias e os próprios criminosos acabou por criar a subcultura criminal. A subcultura é uma parte da cultura dominante, porém vive separada dela, tendo seu próprio sistema social de comportamento e valor55. Em suma, devido a exclusão social do individuo, seja ele um criminoso ou alguma minoria, obriga-o a andar com outros que se encontram na mesma situação, forçando-os a coabitar com verdadeiros criminosos, estes que tendem a partilhar seus conhecimentos criminais, logo, mesmo que o individuo não fosse criminoso, tende a se tornar um e caso já fosse, tende-se a continuar no crime e melhorar seus métodos. Salienta-se que a subcultura, bem como na cultura, se baseia em status, porém enquanto a cultura predominante exterioriza seu sucesso com roupas caras, carros, etc. a subcultura se baseia na carreira criminal do agente56. Conforme o citado, nota-se o ciclo vicioso existente criado pela própria sociedade. Esse preconceito instituído, querendo ou não, acaba por criar novos

51

Responsáveis pela venda de drogas no varejo. Ver ZACCONE, Orlando, 2007; p. 12. Personagem fictício do filme Cidade de Deus. 53 Ver ZACCONE, Orlando, 2007; p. 11. 54 Ver OLMO, Rosa del, 1990. 55 Ver SANTOS, Juarez Cirino dos, 2015; p. 50. 56 Ver SANTOS, Juarez Cirino dos, 2015; p. 50 e 51. 52

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delinquentes. No crime estudado no presente artigo, nota-se bem essa seletividade social, conforme Zaccone as castas inferiores são sempre flagradas, enquanto as superiores raramente sofrem punição57. Fato disso é uma grande prisão ou outra, como a do famoso traficante Fernandinho Beira-Mar58 por exemplo, enquanto de um lado existe um grande criminoso, ao lado existem milhares de mulas59. A justificação para a traficância das pessoas de baixa classe social é justamente uma melhor vida dentro da subcultura criminal, pois já são pessoas inferiorizadas/marginalizadas, e entre uma vida de conformismo - onde terão sempre o mínimo necessário para sobreviver - e uma vida criminosa - que proporcionará um status dentro de sua comunidade e consequentemente um conforto maior em sua vida - obviamente acabam por optar pelo desvio social. Portanto volta-se ao ciclo citado, se o Estado oferecesse condições para promover a igualdade entre as classes para que não houvesse essa exclusão social, provavelmente não seria assim.

57

Ver ZACCONE, Orlando, 2007; p. 11. Luiz Fernando da Costa, mais conhecido como Fernandinho Beira-Mar foi condenado duas vezes pela Justiça. Uma das condenações determinou que ele deveria cumprir 11 anos de prisão por tráfico de drogas, e outra de 21 anos por tráfico e formação de quadrilha. Beira-Mar também é acusado de lavagem de dinheiro, contrabando e associação para o tráfico internacional de drogas. Disponível em http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/quem-e-fernandinho-beira-maraqjc9t231qm6yo66c4q0frxvy acesso em 04/11/2015. 59 Ver ZACCONE, Orlando, 2007; p. 12. 58

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4 SELF-TITLED Nos capítulos anteriores, apresentou-se a história das drogas, bem como se expos sua criminalização, falou-se também sobre o princípio in dubio pro reo e a subcultura criminal, agora é chegada a hora de ligar estabelecer uma ligação lógica entre tudo já relatado. Como já fora visto, existe um preconceito arraigado quando se fala em drogas, pois as pessoas a associam sempre às minorias, e esse fato, acaba, infelizmente, atingindo também o poder judiciário. Na presente pesquisa, foram analisados casos reais em processos referentes ao aos crimes descritos na lei 11343/06, relacionados ao tráfico, todos eles provenientes da 1ª Vara Criminal da Comarca de Paranaguá e, adiantando a conclusão se percebe nitidamente que não fogem a regra de criminalizar os menos favorecidos. Além disso, é preciso fazer uma observação antes de prestar os dados: este estudo não tem como objetivo desacreditar ou desmerecer as autoridades dos poderes executivo ou judiciário, mas visa refletir sobre a referida situação e questionar. A pesquisa foi feita em processos iniciados entre o período compreendido de 2009 a 2015, sendo analisados 15 processos sentenciados aleatórios, tiveram-se as seguintes sentenças:

Sentenças 5% 0%

Condenatórias Desclassificatória 95%

Absolutórias

29

As

sentenças

condenatórias

somam

95%

do

total,

enquanto

as

desclassificatórias apenas 5%, infelizmente não foi encontrada nenhuma sentença absolutória para que se pudesse observar o critério para a absolvição do acusado. Cabe apontar que em todos os casos analisados a prisão dos acusados foi em flagrante, portanto em quase todos os processos apenas os policiais são testemunhas. 4.1 J.B. de O. No primeiro caso analisado, de 2009, um fato peculiar aconteceu, ao contrário ao que vem sendo dito até aqui, um guarda municipal é preso em flagrante após ter sido encontrado, em seu terreno, mais precisamente em uma vidraçaria que existia no local, portando a quantia aproximada de 1 kg da droga vulgarmente conhecida como crack. Só a título de curiosidade, analisando a lei municipal parnanguara 60 constata-se que a renda mensal de um guarda municipal não é sinônimo de uma vida confortável, pois seus rendimentos giram em torno de míseros R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), portanto talvez não tenha fugido tanto ao estereótipo de classe baixa. Voltando ao processo, o guarda municipal foi preso em flagrante por ter a referida droga encontrada em seu terreno, mediante mandato de busca e apreensão, ou seja, no dia da prisão e da apreensão só existiam policiais, algo que levou ao confronto no judiciário: Palavra dos policiais ou do acusado. Na sentença condenatória, a ilustre magistrada citou uma jurisprudência um tanto quanto imparcial: APELANTE: B.C.O. APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO. RELATOR: DES. LIDIO J. R. DE MACEDO. RECURSO DE APELAÇÃO. ECA. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO A TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES (ART. 33 DA LEI 11.343/2006). PROVAS INCONTESTES. - VALIDADE DOS DEPOIMENTOS POLICIAIS PRESTADOS SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO. AUSÊNCIA DE SUSPEIÇÃO. CONTRADIÇÃO NÃO VISLUMBRADA. PROVAS DEVIDAMENTE VALORADAS PELO JUÍZO MONOCRÁTICO. NÃO INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. SENTENÇA MANTIDA. - RECURSO NÃO PROVIDO. ECA3311.343 I. Em hipótese nenhuma, a contradição apontada pela defesa pode ser considerada apta a desconstituir os depoimentos idôneos e harmoniosos prestados pelos policiais militares, sob o crivo do contraditório e ainda, levando-se em conta, que nenhuma prova foi produzida pela defesa, acerca de serem os mesmos parciais ou suspeitos. II. Este Tribunal de Justiça, bem 60

Disponível em: https://leismunicipais.com.br/plano-de-cargos-e-carreiras-paranagua-pr acesso em 12/11/2015.

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como os demais Tribunais Estaduais e Superiores, há muito se pronunciam no sentido de ser atribuído valor probante aos depoimentos prestados por policiais, notadamente na fase judicial, como ocorre no presente caso. III. "Conforme entendimento desta Corte, o depoimento de policiais responsáveis pela prisão em flagrante do acusado constitui meio de prova idôneo a embasar o édito condenatório, mormente quando corroborado em Juízo, no âmbito do devido processo legal." (STJ. HC 217475/DF. Relator Ministro JORGE MUSSI. Quinta Turma. Julgado em 18/10/2011) IV. Entendo devidamente fundamentada a sentença singular, porquanto, suficientemente comprovado ter o adolescente praticado o ato infracional nos termos da exordial, não tendo o depoimento da testemunha Vanusa Aparecida Ribeiro dos Santos, logrado êxito em desconstituir os sólidos depoimentos policiais. (8747964 PR 874796-4 (Acórdão), Relator: Lidio José Rotoli de Macedo. Data de Julgamento: 29/03/2012, 2ª Câmara Criminal).

Lendo este acórdão nota-se o grande perigo social em que se vive hoje, pois então se alguns policiais militares prendem alguém na rua, plantam/colocam drogas nesta pessoa e prestam um depoimento uníssono e harmonioso, é o suficiente para uma condenação. Ainda cabe apontar os vários casos de corrupção dentro das corporações policiais, como aponta pesquisa feita pela Gazeta do Povo 61, bem como o recente caso no Rio Grande do Norte, onde 12 policiais militares foram presos62. O guarda municipal em questão (J.B. de O.), foi condenado a pena de 07 anos, 03 meses e 15 dias de reclusão, além da multa estipulada em 729 dias-multa, aproximadamente R$ 30.000,00, o que com o salário integral de guarda municipal durante dois anos não seria possível pagar. Salienta-se que durante a fase de instrução, um ex-colega de trabalho, o Investigador de Polícia E. de L. A. disse: “que durante o convívio com o réu o declarante não presenciou um acréscimo de patrimônio por parte deste;” Portanto, será impossível o condenado pagar tal quantia. 4.2 D.P.B. e W.B. No segundo processo analisado, também com sentença condenatória, se aplica ao que vem sendo dito desde o inicio nesse trabalho, pessoas de baixa classe social, moradores de locais longe do centro da cidade, baixa escolaridade, etc. No caso em questão, duas pessoas foram condenadas: um rapaz, com 18 anos na época dos fatos, e seu pai, com 41 anos na época dos fatos. Os dois moravam na Colônia Santa Rita, bairro afastado da área nobre; O filho possuía 2º grau de 61

Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/pms-toleram-corrupcao-doscolegas-05zhfvzmu40qwydz1u5e008jy acesso em 12/11/2015. 62 Disponível em: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/10/escutas-mostram-grupo-de-pmsrecebendo-ate-galinhas-como-propina.html acesso em 12/11/2015.

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escolaridade incompleto e não trabalhava, o pai estudou até a 5ª série e dizia ser mecânico; ambos foram presos em flagrante, dentro de casa, pois os militares encontraram em sua residência 60g de crack. D.P.B., o filho, assumiu a propriedade da droga, disse que seu pai não teria nada a ver com ela e também que não possuía condição de constituir advogado para sua defesa; W.B., o pai, disse que desconhecia que o filho era usuário, mas declinou ser o possuidor da droga em questão. Cabe apontar o depoimento da esposa de W.B. e mãe de D.P.B., ela conta quando interrogada em juízo que era manicure, vendia roupas e lingerie, bem como possuía um carrinho de cachorro quente, também informou que desconhecia que seu filho usava drogas, porém desconfiava de seu marido. Foram apreendidos, além da droga, um aparelho reprodutor de DVD, celulares, um par de walkie-talkies e a quantia aproximada de R$ 300,00, que os policiais acharam ter procedência duvidosa, a mãe, informou que nem sabia se alguns dos celulares funcionavam, pois morava ao lado do lixão e volte meia encontrava alguns objetos que não sabia se prestavam. Mas se parar pra pensar, será que é tão incomum assim ter um aparelho reprodutor de DVD em casa ou mais de um celular? Então quem possui um aparelho do tipo, deve ter no mínimo uma renda muito alta, assim não se cogitará a possibilidade do aparelho ter procedência duvidosa? Como se nota por todo o processo, são pessoas muito humildes, podem ter errado em tentar vender drogas para auferir algum lucro, mas era esse caminho ou simplesmente morrer e deixar a sociedade livre de mais marginais, pois o condenado W.B. é cadeirante e não consegue sequer escrever, devido a um acidente que sofreu e o fez perder alguns movimentos do corpo, e sua mulher, como citado a pouco, trabalhava com muitas coisas para sustentar a casa. As testemunhas, para não contrariar a história, apenas policiais. D.P.B. foi condenado a pena de 05 anos de reclusão em regime semiaberto e 500 dias-multa, já W.B. pegou 05 anos, 07 meses e 15 dias de reclusão, também em regime semiaberto, e 563 dias-multa. Para finalizar esse caso, salienta-se que ambos não tinham antecedentes criminais. 4.3 J.F. de N. Mais um caso comum, em 2012, J.F. de N. foi preso em flagrante quando supostamente vendia drogas na Vila Rute (bairro afastado do centro da cidade).

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Com o acusado foram apreendidos 2,8g de crack, 0,4g de cocaína e R$ 48,00. As testemunhas do processo? Policiais. Dois. J.F. de N. era pedreiro, disse ganhar R$ 600,00 por mês; Não possuía o 1º grau escolar completo; Morava na Rua 11, s/nº, na Vila Garcia. O acusado disse ser usuário de drogas, porém foi enquadrado como traficante. Para auxiliar na condenação foi usada uma jurisprudência do Ilustre Des. Rogério Coelho: “(...) Para caracterizar o crime de tráfico de drogas não é necessária a efetiva prática de atos de mercancia, bastando que o agente traga consigo a substância entorpecente, cuja destinação comercial se pode aferir pela quantidade e forma de acondicionamento. A simples alegação de que o réu possuía a droga para seu exclusivo uso, por si só, não constitui motivo para desclassificação do tráfico porque nada impede que o usuário, ou dependente, seja também traficante” (TJPR – 3ª CCr – Ap. Crime nº 419.512-2- Rel. Des. Rogério Coelho – j. em 13.12.07).

Portanto J.F. de N. não escapou de ser condenado às mesmas penas daquele traficante que anda armado, mata, comercializa etc. mesmo possuindo uma quantidade ínfima de drogas, talvez porque ele fosse pobre, talvez porque não possuía uma boa aparência. E se fosse trocado este condenado, pobre, semialfabetizado, por um universitário de classe média? Provavelmente ele seria apenas um usuário. Ao menos o juízo foi benevolente com o réu, o condenou apenas a 02 anos de reclusão em regime aberto e 200 dias-multa, aproximadamente R$ 5.200,00, talvez se o J.F. de N. deixar de comer e de prover o básico para sua família por alguns meses ele consiga pagar essa quantia em menos de 01 ano. 4.4 P.R. de S. O próximo processo também é de 2012, P.R. de S. foi preso em flagrante após, em sua casa, ter sido encontrada 225g de crack e 04 projéteis de uso restrito. O acusado fazia “serviços gerais”; Morava com a companheira e 05 filhos na Vila Guarani, casa sem número; Não possuía antecedentes criminais. O acusado negou a posse das drogas tanto na fase investigatória quanto em juízo, porém as palavras das testemunhas prevaleceram, e claro, elas são policiais. P.R. de S. foi condenado a pena de 09 anos e 03 meses de reclusão em regime fechado, e ao pagamento de 635 dias-multa. Um parêntese precisa ser aberto agora, pois em todos os processos até o presente momento as únicas testemunhas foram policiais. Por um lado, apesar da corrupção que não atinge somente as corporações policiais, não se pode

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desacreditar totalmente naqueles cuja missão é manter a ordem, mas por outro lado, o princípio da imparcialidade do juiz deve prevalecer assim como o contraditório, o acusado não pode ter sua voz suprimida pelo fato de seus acusadores terem um título. Tourinho cita: O juiz situa-se na relação processual entre as partes e acima delas (caráter substitutivo), fato que, aliado à circunstância de que ele não vai ao processo em nome próprio, nem em conflito de interesses com as partes, torna essencial a imparcialidade do julgador. Trata-se da capacidade subjetiva do órgão jurisdicional, um dos pressupostos para a constituição de uma relação processual válida. Para assegurar essa imparcialidade, a Constituição estipula garantias (art. 95), prescreve vedações (art. 95, parágrafo único) e proíbe juízes e tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII). Dessas regras decorre a de que ninguém pode ser julgado por órgão constituído após a 63 ocorrência do fato .

Portanto, se para um lado apenas está pendendo a balança da justiça, o princípio da imparcialidade deveria ser riscado da Lei e das doutrinas. E ainda, sobre a questão do contraditório: A importância do contraditório foi realçada com a recente reforma do Código de Processo Penal, a qual trouxe limitação ao livre convencimento do juiz na apreciação das provas, ao vedar a fundamentação da decisão com base exclusiva nos elementos informativos colhidos na investigação, exigindo-se prova produzida em contraditório judicial, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas (cf. art. 155, com a redação determinada pela Lei n. 11.690, de 9-6-2008). O legislador manteve, dessa forma, a interpretação jurisprudencial já outrora sedimentada, no sentido de que a prova do inquérito não bastaria exclusivamente para condenação, devendo ser confirmada por outras provas produzidas em contraditório judicial. 64 Ressalva a lei as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas .

O que foi visto até o momento, mesmo que de forma rasa, é que basicamente as provas colhidas na fase investigatória bastaram, pois a palavra do réu por si só não basta, ao contrário da dos policiais. 4.5 V.L.E. Próximo caso, ainda em 2012, duas pessoas foram presas em flagrante, após uma ronda policial, portando 4,3 g de crack, entretanto apenas uma delas foi denunciada, sendo esta V.L.E.. O acusado disse morar em outra cidade Ariquemes/PR; Era desempregado; As testemunhas são dois policias militares. Na fase investigatória, o acusado disse que, juntamente com o outro flagrado, compraram a droga de um terceiro, em contrapartida a outra pessoa com ele

63 64

Ver TOURINHO, Fernando, 2011; p. 64. Ver TOURINHO, Fernando, 2011; p. 64 e 65.

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flagrada disse que estava comprando drogas dele. Em juízo, os dois policiais contaram que os flagrados jogavam a culpa um no outro, fato que deixou a juíza do caso em dúvida quanto à autoria do tráfico, fazendo com que ela utilizasse o princípio in dubio pro reo para desclassificar o crime. Apesar não condenação por tráfico, a palavra dos policiais foi primordial para a desclassificação do crime, pois se eles apontassem para algum dos acusados, com toda a certeza este seria condenado, prova disso é um trecho da sentença: Não existe motivo para se colocar em dúvida a veracidade dos depoimentos prestados pelos policiais, até mesmo porque não há nos autos qualquer indício que possa desabonar os testemunhos deles. Com efeito, não restou comprovado fossem os policiais desafetos do acusado, tivessem hostil prevenção contra ele ou quisessem indevidamente prejudicá-lo. Por isso, a eficácia probatória dos testemunhos dos policiais não pode ser desconsiderada.

Portanto, diante desse trecho redigido pela nobre magistrada, percebe-se que enquanto o policial não dá uma prova de envolvimento com o réu ou ainda um histórico de má conduta, a palavra do policial ainda é verdade absoluta, pois ele não é suscetível a erro, a corrupção, a mentira ou a qualquer tipo de conduta reprovável, pois os policiais estão acima dos homens, são seres sobrenaturais responsáveis pela justiça. A questão não é desacreditar na palavra dos policiais, mas levar em consideração a do acusado também, afinal tanto a pessoa fardada como a pessoa algemada são meros seres humanos. 4.6 M.S.M. Em 2013, M.S.M., 23 anos, segundo a denúncia do Ministério Público, foi preso em flagrante ao fornecer a um menor 2g de cocaína e 55g de maconha e também ao tentar introduzir na cadeia local de Paranaguá 08 aparelhos celulares. O acusado não assumiu o fato o qual lhe foi imputado tanto na fase investigatória como na processual, entretanto não havia muita solução para o seu problema, afinal foi pego em flagrante tentando, juntamente a um adolescente, introduzir drogas e celulares na prisão. Claro que, ainda não foge a regra a questão dos policiais, se eles quisessem plantar os objetos apreendidos no condenado, poderiam, pois foram as únicas testemunhas do local. M.S.M. foi condenado a pena de 05 anos de reclusão e 499 dias-multa pelo crime de tráfico, mais 02 meses de detenção pela tentativa de enviar os celulares a cadeia.

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4.7 N.P. de M.N. e C.S.L. N.P. de M.N., desempregado, morador do bairro Emboguaçu, casa sem número. C.S.L. desempregado, morador do bairro Emboguaçu, casa sem número. Em 2013, os dois acima citados foram presos em flagrante após serem flagrados portando 01 pedra de crack pesando 0,6 g e 02 tabletes de maconha pesando 9,2 g, enquanto circulavam pelo bairro Morro da Cocada. Alguns pontos importantes para ressaltar neste momento, ambos eram desempregados, moradores de áreas distantes do centro da cidade, a “grande” quantidade de droga e o bairro Morro da Cocada como local do crime. As testemunhas do crime: dois policiais militares. Na fase investigatória, o primeiro condutor afirmou que estava em plantão, juntamente com seu companheiro, quando avistaram dois homens em atitude suspeita e os abordaram, o segundo condutor ratificou a versão do anterior; O acusado N.P. de M.N. preferiu manter o silêncio, já C.S.L. disse que era proprietário do crack, mas que era apenas para consumo e que os tabletes foram dispensados pelo outro flagrado; Em juízo, ambos disseram que só se conheciam de vista, que não mantinham uma relação de amizade, e também que os policiais colocaram a sacola com drogas em seus pés antes de os prenderem, com exceção do crack que C.S.L. assumiu a propriedade, tendo em vista seu vício. Os dois foram condenados, a magistrada levou em consideração a contradição dos fatos, bem como o depoimento claro dos policiais, entretanto eles poderiam ter sido coagidos a assumir a droga dentro da delegacia, afinal só existiam os réus e os policiais na hora do interrogatório. Ambos os condenados pegaram a pena de 04 anos e 02 meses de reclusão e 417 dias-multa, por uma pedra de crack e aproximadamente 10g de maconha, além do princípio in dubio pro reo, onde está a razoabilidade dessa pena? Os dois eram desempregados, terão os direitos políticos suspensos até o fim dos efeitos da condenação, ou seja, não conseguirão um trabalho com carteira assinada, ficarão com a ficha suja devido a este “grande” delito, isto remete a subcultura criminal, o próximo passo para os dois sobreviverem ao dia-a-dia será abraçar o crime. 4.8 D.A.S. D.A.S., 32 anos, desempregado, morador de Pontal do Paraná, foi preso em 2014 ao ser abordado portando aproximadamente 100g de maconha, 6g de cocaína

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e 8g de crack, além de portar uma arma de fogo de uso restrito e outra de uso permitido. Atipicamente o acusado foi flagrado no Centro da cidade. As testemunhas do crime são dois policiais militares. Na fase investigatória o acusado preferiu manter o silêncio, entretanto, em juízo o acusado contou que apenas a arma de uso permitido era sua. A versão do acusado não funcionou, tanto que ele foi condenado a pena de 10 anos, 09 meses e 15 dias de reclusão, além de 741 dias-multa. O estupro, em seu caput, prevê pena de 06 a 10 anos, D.A.S. não estuprou ninguém, porém será punido igualmente. 4.9 F. do C. Em 2014, no bairro Itiberê, F. do C. foi preso em flagrante após ter sido pego com aproximadamente 20g de crack; O acusado tinha 30 anos, era desempregado, possuía o 2º grau incompleto de escolaridade, morador do bairro Itiberê; Dessa vez o processo possui 04 testemunhas, dois policiais militares e duas testemunhas civis. Os condutores do flagrante contaram, na fase investigatória, que estavam em patrulhamento pelo bairro Itiberê, pois receberam algumas denúncias sobre um elemento vendendo drogas; As duas testemunhas disseram estar indo comer um lanche, quando foram abordados pelos policiais, mas nada de ilícito foi encontrado com eles, ainda contaram que viram F. do C. ser abordado, mas não viram se algo foi encontrado com ele, pois o acusado estava a uns 5 metros deles; O acusado alegou que a droga era para consumo próprio. Em juízo F. do C. ratificou o dito na fase investigatória, porém o magistrado levou em consideração o depoimento policial acerca da autoria. F. do C. foi condenado a pena de 06 anos, 06 meses e 22 dias de reclusão, e 657 dias-multa. 4.10 N.A. dos S. Neste caso, a acusada foi presa após ter sido flagrada com aproximadamente 12g de cocaína no interior da sua bolsa. N.A. dos S. era comerciante e moradora do bairro Vila Garcia, foi abordada no próprio bairro onde morava, numa lanchonete local. Na fase investigatória, os policiais contaram que faziam uma abordagem na lanchonete WN, quando a acusada correu para trás do local e tentou dispensar a bolsa que continha as drogas, já a acusada contou que a droga encontrada era para consumo próprio. Em juízo a acusada mudou sua versão, contou que comprou as

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drogas para seu marido, que era usuário; Ela também trouxe como testemunhas de defesa, uma vizinha e seu marido, que afirmou ser usuário e corroborou com a versão apresentada por ela em juízo, informando inclusive ser usuário de drogas. Devido a mudança de depoimentos a acusada foi condenada a pena de 04 anos e 02 meses de reclusão, bem como ao pagamento de 417 dias-multa. 4.11 L.V. de C. No

ano

de

2008

o

acusado

em

questão

foi

preso

por

manter

aproximadamente 300g de crack em depósito. Diferente dos casos anteriores, L.V. de C. foi preso pela polícia federal, havia já um inquérito em seu nome, algo que deveria ser comum nesses casos, ele não foi flagrado portando drogas ou abordado em uma batida policial por um bairro conhecido pela sua marginalidade. As duas testemunhas do ocorrido são policiais federais. Perante a autoridade policial o acusado confessou o crime de tráfico, entretanto em juízo disse que foi coagido a dizer isso, do contrário prenderiam sua mulher e a envolveriam no ocorrido; em tese de defesa alegou que era usuário de drogas e que, como convivia no meio de pessoas má índole era manipulado por elas, em decorrência de seu vício, que no caso em questão estava cuidando da casa para outro rapaz. Sua versão dos fatos não foi o suficiente para colocar em dúvida o juiz, diante disso recebeu a pena de 07 anos de reclusão em regime fechado e 700 dias-multa. 4.12 T. dos S. O acusado foi flagrado em 2015 portando 27g de cocaína e 450g de maconha, aproximadamente. T. dos S. tem 19 anos, era morador da Ilha dos Valadares. As testemunhas do processo são dois policiais militares. Diante das autoridades policiais o acusado confessou que teria comprado as drogas em Curitiba para revendê-las na Ilha das Peças, mas em juízo apresentou uma versão diferente, disse que passaria dois meses na referida Ilha e que estava levando a droga para consumir com os amigos. Diante da diversidade de depoimentos a magistrada declarou o acusado como culpado, lhe imputando a pena de 04 anos e 02 meses de reclusão, bem como a pena de multa no valor de 417 dias-multa.

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4.13 G.C.C. Em 2009, no bairro Nilson Neves, o acusado foi flagrado por dois policiais militares portando 1g de crack e 20g de maconha. G.C.C. era jardineiro e morava no bairro Nilson Neves. Em juízo o acusado alegou que a droga era para consumo próprio. No depoimento do primeiro condutor em juízo, o policial afirmou que estavam fazendo ronda, quando resolveram abordar o acusado e encontraram a droga num pequeno pote próximo a ele, afirmou ainda que abordaram outra pessoa, entretanto não havia drogas com esta última (sob esse viés então nem o acusado poderia ter sido flagrado, pois a droga também não estava com ele), por fim, enquanto abordava G.C.C. recebeu uma ligação anônima que dizia que existiam mais drogas na casa do abordado, então ele e seu companheiro foram até o local (sem um mandado de busca e apreensão), mas nada encontraram. O segundo condutor apresentou uma versão onde mais pessoas teriam sido abordadas, não se recordando se a droga estava com o acusado em questão ou próxima do local. Apesar da inconsistência no que foi dito pelos policiais militares o juízo entendeu como suficiente para a condenação, conforme um trecho da sentença: Nesse compasso, são robustas as provas produzidas na fase investigatória e processual demonstrando a materialidade e a autoria dos fatos. Partindose do pressuposto de que o acusado foi preso em flagrante por trazer consigo a droga, o crime está consumado, sendo suficientes os testemunhos dos policias, enriquecendo o conjunto probatório.

Não se pode falar em prova robusta nessa questão, só existem os depoimentos dos policiais e do réu, além de que os depoimentos policiais não apresentam qualquer solidez. Ao analisar esse caso, imagina-se o tipo de critério usado para diferenciar o traficante do usuário. G.C.C. foi condenado a 06 anos, 06 meses e 22 dias de reclusão em regime fechado, além de 657 dias-multa. 4.14 R.R.P. Em 2013, o acusado foi flagrado por dois policiais militares, portando 02 munições de uso permitido e aproximadamente 5g de crack, na vila Alboite. R.R.P. estava desempregado e morava no mesmo bairro em que foi preso, possuía 1º grau escolar incompleto. Afirmou as autoridades policiais que o crack apreendido era o que havia sobrado do que já tinha usado e que as duas munições havia ganhado de um terceiro. Ainda na fase investigatória, os dois policiais afirmaram que o flagrado

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disse ter comprado o crack e que a munição era pra se proteger, visto que estava sendo ameaçado. O réu, em juízo, afirmou, assim como na fase investigatória, que é usuário, que não estava vendendo a droga e que a munição havia trocado com um caminhoneiro, pois este havia lhe pedido para comprar drogas para ele. Mesmo com a quantidade inexpressiva de drogas o acusado foi condenado a pena de 06 anos e 02 meses de reclusão em regime semiaberto, e ao pagamento de 427 dias-multa. 4.15 F.F. da V. Em 2013, na casa do acusado F.F. da V. foram encontradas 223g de cocaína e 29g de crack, além de 09 buchas de maconha e 14 de cocaína, uma quantidade alta de drogas, fato que o levou a ser preso. As testemunhas do caso são dois policiais civis. O acusado tinha 30 anos, era autônomo e morador de do bairro Alexandra. Na fase investigatória o acusado assumiu a propriedade das drogas; Em juízo os policiais ratificaram o dito na fase anterior, já o acusado apresentou uma nova versão dos fatos: Na época dos fatos fui viajar com minha esposa para Foz do Iguaçu; na época nós estávamos vendendo cobertor, manta e etc; ela fez a compra, pegamos o carro e voltamos embora; chegando no pedágio de São Luiz do Purunã, fui abordado; eles falaram que eram policiais; eles perguntaram de onde eu estava vindo; eles revistaram o carro; tiraram todas as mantas do carro; falaram que não tinha nada dentro do carro; o policial perguntou se eu tinha droga dentro do carro e eu disse que não tinha; eles perguntaram se podia desmanchar o carro e eu disse que podia; eles desmontaram o carro e não encontraram nada; eles falaram que era para eu ir até a delegacia, pois eles iam passar o cachorro no carro; chegamos na delegacia e eu fiquei numa sala com 3 policiais; de repente desceu um policial que me abordou no pedágio e disse que eu estava preso; ele não falou nada e me levou pra cima; lá em cima, eles começaram a perguntar se eu tinha droga no carro; eu falei que não tinha; eles falaram que eu estava sendo investigado e eu disse que não tinha motivo para mentir; eles começaram a me bater e dar choque; eles perguntaram da droga e eu disse que não tinha droga nenhuma; e eles disseram que iriam fazer a mesma coisa com minha esposa; depois de meia hora esse “Carioca” voltou com a droga na mão; ele colocou em cima da mesa e perguntou se a droga era minha; eu disse que não e ele disse que a droga era minha e que eu iria ficar preso junto com minha namorada; ele me ameaçou a me bater de novo e a bater na minha mulher também; eles perguntaram se eu iria assumir a droga ou não; eu disse que não ia assumir a droga porque não era minha e de novo eles colocaram uma sacola na minha cabeça; eles iam começar a me torturar de novo, por isso assumi que a droga era minha; a droga que foi apreendida não era minha; só tinha cocaína na mesa; em nenhum momento eles desceram comigo para Paranaguá; fiquei 13 dias na delegacia; como eu estava sob tortura e ameaça, dei o depoimento na delegacia; eu assinei o depoimento sob pressão; nego os fatos; os policiais não foram na minha casa; eles apresentaram a droga na delegacia do DENARC; não conhecia os policiais; não tenho conhecimento das conversas de droga; não sei o motivo que a polícia está me perseguindo (...).

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Sua companheira e também testemunha de defesa, corroborou com essa versão: Nós fomos viajar para Foz do Iguaçu; nós fomos fazer compra porque eu sempre trabalhei com venda; o F. estava montando uma empresa também; nós fomos viajar pra lá para visitar alguns parentes meu; na volta pra cá fomos abordados no pedágio; o F. estava conduzindo o veículo; nós fomos pagar o pedágio e já nos mandaram descer do carro; começaram a revistar sem falar o motivo; começaram a desmontar o carro inteiro ali; ficamos ali aproximadamente por duas horas e logo depois nos levaram para a delegacia do DENARC; nós ficamos esperando na delegacia e depois de uma hora falaram para o F. subir numa sala; não foi achado nada no carro; depois que o Flavio foi levado para a delegacia os policiais bateram nele; dava para ouvir os gritos do F.; mais tarde, o F. desceu na sala que eu estava todo molhado e com o rosto todo machucado; o levaram para uma salinha e falaram que ele seria preso e apareceram com uma droga; falaram que se ele não assumisse aquela droga eles iriam me prender; não encontraram droga conosco; em nenhum momento ele foi retirado da delegacia quando nós fomos presos; tanto é que eles tiraram o dinheiro que estava com ele; tinha aproximadamente R$ 1.000,00; eles me deram R$ 100,00 para eu vir embora; não sabia que ele tinha mandado de prisão em aberto; não sabia que ele estava sendo monitorado (...).

Apesar de esta versão parecer muito fantasiosa, nada a impede de ser verídica, entretanto a nobre magistrada não se convenceu da história apresentada pelo réu e o condenou a pena de 06 anos, 10 meses e 15 dias de reclusão em regime fechado, e 688 dias-multa.

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5 NOTA FINAL As drogas fazem parte da cultura humana, independente do credo ou raça, estão presentes em nossa sociedade desde o princípio e estarão até o fim. Drogas são usadas como remédios, como alimento, como meios para completar contatar alguma divindade ou apenas por prazer. Com o grande aumento de seus usuários os países passaram a criminaliza-las, associando-as aos criminosos e marginais. Esse conceito perdura até hoje, pois praticamente só os menos favorecidos são punidos. Como fora observado é extremamente difícil uma absolvição por tráfico de drogas, pois a palavra do acusado nada vale para o poder judiciário. Nos casos estudados, que refletem apenas uma pequena parcela do drama vivido hoje no Brasil, se pode observar nitidamente que a justiça não é imparcial. Alguns dos casos apresentados seriam facilmente reconhecidos como tráfico, entretanto outros são passíveis de reflexão. Atualmente no Brasil se vive uma época de medo e descrédito, pois a corrupção e a criminalidade que estavam associadas apenas aos marginalizados, foi descoberta na nata mais alta da sociedade, ou seja, o país todo está corrompido. Apesar da corrupção atingir todos os níveis sociais, apenas os de classe inferiores são punidas, prova disso são os escândalos do Mensalão ou do rombo na Petrobrás. Nos casos analisados praticamente só se viu o “duelo” policiais contra os acusados. Mas olhando sobre a ótica do juiz, o mais certo parece confiar em um cidadão de bem com título de policial do que num maltrapilho. Ressalta-se que na maioria dos casos, os acusados não possuíam sequer o ensino médio completo, a maioria deles era desempregada e morava em bairros muito longínquos ao centro da cidade, bairros conhecidos por não serem muito seguros. Como já dito no início deste artigo, se os policiais parassem uma casa noturna para procurar por drogas, com certeza prenderiam muita gente, entretanto eles buscam o criminoso onde supostamente deve estar, afinal os criminosos devem estar exclusos da sociedade, formando assim sua própria subcultura.

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O presente artigo não desmerece o trabalho dos policiais, nem dos promotores, juízes ou advogados, mas questiona todo o trabalho feito para punir um cidadão. Como se pode prender alguém por 10 anos, tendo como base apenas o testemunho de dois policiais? Isso lhes dá autonomia para fazerem o que bem entenderem diante da sociedade, podem prender qualquer um pelo que quiserem, afinal sua palavra contra a do civil prevalecerá. E o magistrado, símbolo da justiça, como pode ser tão imparcial? Obviamente que o juiz é uma figura humana e suscetível a erros, entretanto desconsiderar totalmente a palavra do réu é algo que afeta toda a sociedade. Vale lembrar que o Direito Penal deve ser pautado em certezas, não em provas dispersas. Por fim, conclui-se que estamos diante de um ciclo, onde uma coisa está intrinsicamente ligada a outra, onde a única solução é a evolução e melhoria dos estado para com seus cidadãos. Veja-se, declaração universal dos direitos humanos dispõe em seu artigo 2º que diz: Art. 2°: todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação.

Bem como a Constituição da República Federativa Brasileira dispõe em seu artigo 5º: Art. 5º: todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].

Entretanto, nota-se que o disposto em lei está longe de ser o que ocorre na prática. Como apresentado neste trabalho, grande parte, se não a maioria, das pessoas que são presas pelo tráfico de drogas possuem características em comum, sendo elas: moradores periféricos, pessoas de classe baixa, que as definem como pré-dispostas a cometer tal ato ilícito. Essas pessoas, no intuito de alcançar os padrões de sucesso que a mídia estabelece, acabam optando por meios ilícitos para atingi-los, e com isso, acabam tornando-se peões no mundo das drogas, fantoches dos verdadeiros narcotraficantes. Se essas pessoas tivessem o amparo do Estado, ao invés de crescerem excluídos, lutando pelo mínimo de igualdade, segurança, e saúde, que lhes são assegurados em lei, ter-se-ia uma redução considerável no

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número de pessoas envolvidas com a criminalidade, pois não estariam encurraladas por um Estado corrupto e falho.

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