Itália e o Arquivo da Casa de Louriçal: Personagens e Colecções num Arquivo de Família

Share Embed


Descrição do Produto

ITÁLIA E O ARQUIVO DA CASA DE LOURIÇAL: PERSONAGENS E COLECÇÕES NUM ARQUIVO DE FAMÍLIA TIAGO HENRIQUES* MIGUEL RIBEIRO PEDRAS**

RESUMO As relações entre Portugal e Itália remontam à génese da própria fundação nacional. Num percurso que se mescla com a História da Nação Portuguesa, os membros da Casa de Louriçal foram, ao longo dos séculos estabelecendo relações, trocando correspondência e visitando esse país para lá dos Alpes, deixando para a posteridade esse testemunho de uma convivência próxima nos documentos, imagens e colecções que hoje formam o seu Arquivo. No presente trabalho pretende-se identificar e compreender as relações de uma família portuguesa com os Estados e pessoas que atravessaram a História da península itálica, tendo como base o seu acervo particular. PALAVRAS-CHAVE: Arquivo de Família; Casa de Louriçal; História da Diplomacia; Relações Luso-Italianas

ABSTRACT The relations between Portugal and Italy go back to the beginnings of the Portuguese kingdom itself. Throughout the centuries, the members of the House of Louriçal established relations with the transalpine country by exchanging letters and visiting the land, leaving for posterity a testimony of close acquaintanceship in the several documents, images and collections that comprise its Archive. The aim of this paper is to identify and understand the relations of the Louriçal household with the people and states of the Italian Peninsula using, for that intent, it own private collections. KEYWORDS: Family Archive; House of Louriçal; History of Diplomacy; Luso-Italian relations

* Responsável pelo Arquivo da Casa de Louriçal ** Investigador do Instituto de História Contemporânea (FSCH-UNL)

94 TIAGO HENRIQUES & MIGUEL RIBEIRO PEDRAS

1. O ARQUIVO DA CASA DE LOURIÇAL O Arquivo da Casa de Louriçal é assim designado, não só por ser esta a Casa onde todos os outros ramos da família entroncam, mas também por ser a base onde os restantes fundos foram incorporados. O arquivo é um sistema de informação integrado, mantendo-se vivo na sua capital essência de reunir documentação familiar, bem como, no contínuo enriquecimento e expansão das coleções. Na sua fase inicial ter-se-á conservado nas antigas casas de residência de D. Henrique de Menezes1, segundo Senhor do Louriçal2, localizadas na vila do mesmo nome, no Concelho de Pombal. Actualmente, o núcleo de relevância histórica do arquivo conserva-se em Sintra, onde a família reside, enquanto que, outros núcleos se mantêm depositados nos seus locais de produção. O solar que existiu no Louriçal terá sido utilizado até à morte de D. Luis Eusébio Maria de Menezes da Silveira3, quarto Marquês de Louriçal, não sendo suficientemente claro a partir de que momento deixou de ser produzida documentação na vila do Louriçal para a gestão do património da Casa. Encontramos diferentes notícias que referem a existência daquela residência naquela vila da diocese de Coimbra, em diversas fontes entre o século XVII e XIX4. D. Henrique de Menezes (1496-1526), segundo Senhor do Louriçal, Comendador de Mendo-Marques, Santiago do Cacém e de Penamacor. Foi Governador do Estado Português da Índia, onde veio a morrer em Cananor, de onde veio a ser transferido para a Capela Mor do Convento de Nossa Senhora da Graça de Lisboa. Teve o seu retrato pintado por Tiziano Vecellio. 2 Manuel de Almeida Correa, Elogio funebre na morte do Senhor D. Fernando de Menezes Filho do Illustrissimo e Excelentissimo Senhor D. Luiz Carlos de Menezes, Marquez do Louriçal, e segunda vez Viso-Rey da India: Com a Varonia Historica, e Genealogica dos Menezes da sua illustre familia, Lisboa, Na Officina dos Herd. de Antonio Pedrozo Galraõ, 1742, p. 46. Na verdade o autor da obra é D. Francisco Xavier José de Menezes, quarto Conde da Ericeira, como informa D. José Barbosa, Elogio do Illustrissimo e Excelentissimo Senhor D. Francisco Xavier Joze de Menezes, IV Conde da Ericeira, Lisboa, Officina de Ignacio Rodrigues, 1745, p. 92 3 D. Luís Eusébio Maria de Menezes da Silveira (1780-1844), quarto Marquês de Louriçal, oitavo Conde da Ericeira, Comendador da Ordem de Cristo e Coudel-Mor da Casa Real. Foi capitão de Infantaria e ajudante do tenente-general D. António Soares de Noronha, do Duque de Lafões e major do EstadoMaior de onde pediu demissão em 1820. No ano de 1826 foi nomeado Par do Reino. 4 D. Luís de Menezes (terceiro Conde da Ericeira), Historia de Portugal Restaurado: Offerecida ao 1

ITÁLIA E O ARQUIVO DA CASA DE LOURIÇAL: PERSONAGENS E COLECÇÕES NUM ARQUIVO DE FAMÍLIA

95

Os restantes fundos que o arquivo possui, são igualmente denominados por Arquivo da Casa de Louriçal, ainda que os produtores de documentação possam provir de outros ramos da família, sem relações de consanguinidade directa.

1.1 O Arquivo e Livraria da Casa de Louriçal A união de D. Fernando de Menezes5, em ano que se ignora, com D. Isabel de Castro e Andrada6, mulher de grande virtude e insigne poeta, que teve D. Henrique de Menezes7 por intercessão milagrosa aos 54 anos8, fez com que o Serenissimo Principe Dom Pedro Nosso Senhor / Escritta por Dom Luis de Menezes Conde da Eryceira, do Conselho de Estado de S. Alteza, Seu Vêdor da Fazenda, & Governador das Armas da Provincia de Tras os Montes, &C, Lisboa, Na Officina de Antonio Pedrozo Galrão, 1710, p. 115; Arquivo da Casa de Lourical (=ACL), Administração / Louriçal (gaveta 1) / maço 86 / n.º 3, f. 2., Pertence a Louriçal esta Escritura pois por ela se fez a troca de 2 moinhos, e um serrado da Ribeira sitas no Lugar do Couto do Louriçal; e se celebrou a dita troca entre Antonio de Almeida de Castel Branco, e o Conde da Ericeira em o ano de 1663; D. Francisco Xavier José de Menezes (quarto Conde da Ericeira), Henriqueida: Poema heroico com advertencias preliminares das regras da poesia epica, argumentos, e notas, Lisboa, Na Officina de Antonio Isidoro da Fonseca, 1741, p. 102; ANTT, Manuscritos da Livraria n.º 2524, sem numeração de fólios, Atestação do quarto Conde da Ericeira a favor das virtudes da Venerável Madre Maria do Lado; ACL, Correspondência / Mosteiro do Louriçal / pasta 28 / nº 5, Carta endereçada a D. Joaquina de Lorena e Menezes, quarta Marquesa de Louriçal, remetida pela Abadessa Soror Maria de Santa Ana a 7 de Junho de 1822. Este documento foi exibido na exposição “Marquezes de Louriçal, memórias de uma Casa…” realizada no Arquivo Histórico Municipal de Pombal no ano 2009. Veja-se Ofélia de Paiva Monteiro; Joaquim Eusébio; Tiago Henriques; Miguel Metello de Seixas, O Mosteiro do Louriçal durante a Terceira Invasão Francesa, Bruxelas, Orfeu, livraria portuguesa e galega, 2011, p. 51. 5 D. Fernando de Menezes (1540-1613), quarto Senhor do Louriçal e Comendador de Santa Cristina de Serzedelo, por morte do seu irmão D. Simão de Menezes que foi morto na batalha de Alcácer-Quibir em 1578. Após a morte do Cardeal D. Henrique perdeu muitos dos bens da sua Casa por se ter recusado a aceitar as promessas de Filipe I de Portugal. Foi Capitão Geral de Trás-os-Montes e do Conselho do Rei. 6 Filha de Fernão d´Álvares de Andrade/Álvaro Peres de Andrade (os dois nomes surgem na diferente bibliografia consultada), chefe dos Andradas em Portugal de Portugal, descedente legitimo dos Condes de Andrada, e Vilalva em Galiza, que depois se unio com a dos Condes de Lemos, que procediam da Real Casa de Bragança. Foi do Conselho de El Rei, Comendador de S. Pedro de Torres Vedras, e Senhor do opulento Morgado da Anunciada, Padroeiro da capela mor, e colaterais desta igreja, e Convento de Religiosas de S Domingos, que seu Pai fundou, e o magnifico palacio, que está vizinho, in M. Correa — Elogio funebre…, p. 49; também é dito pelo Pe. António Carvalho da Costa in Corografia portugueza, e descripçam topografica do famoso reyno de Portugal, tomo III, Lisboa, Na Officina Real Deslandesiana, 1712, p. 418, que Fernão d´Álvares de Andrade era descendente dos Condes de Andrade da Galiza o que supomos ser falso, sustentamos esta ideia por uma escritura de encampação datada de 1460, que se conserva no arquivo e que lhe atribui uma filiação mais modesta. 7 D. Henrique de Menezes (1590-1633), quinto Senhor do Louriçal, Comendador de Santa Cristina de Serzedelo. Distinguiu-se na restauração da Baía, e defendeu os interesses dos portugueses contra os holandeses em vários combates navais. 8 M. Correa — Elogio funebre…, p. 50. A sepultura de D. Isabel de Castro de Andrada ainda pode ser

96 TIAGO HENRIQUES & MIGUEL RIBEIRO PEDRAS

palácio dos Andradas, fundado pelo sogro de D. Fernando de Menezes entrasse em posse da Casa de Louriçal. Simultaneamente, esta união criou as condições para que parte do arquivo tenha sido deslocado para Lisboa onde deveria passar a servir na gestão dos bens patrimoniais da Casa. Até ao momento ainda não detectámos qualquer referência que permita datar, precisamente, esta deslocação do arquivo. A fama do gabinete de curiosidades existente no palácio, a par da livraria, ultrapassava fronteiras, eram considerados os melhores de Portugal9 e como informou Antoine Joseph Dezallier d’Argenville, “On distinguoit encore à Lisbonne le cabinet du feu Comte d´Ericera, Chef de l´Académie de cette Ville & pére du Viceroi des Indes orientales. Outre sa bibliothèque & les médailles qui étoient en grand nombre, il possédoit en histoire naturelle des choses rares & meriotoient d´être recherchées par les amateurs”10. António Caetano de Sousa acrescenta, sobre a livraria, que “fazemos esta breve memória das suas excelentes virtudes, também por gratidão ao acolhimento, que devem à grandeza do seu ânimo todos os estudiosos, pois nele acham asilo, e direcção, franqueando liberalmente a todos a sua grande, e numerosa Livraria, com tal modo que fica sendo própria para o estudo de todos os que aplicam, vendo-a sempre pronta, e a ele com benignidade para os encaminhar, e com generoso ânimo emprestar os livros sem reserva dos melhores, e mais raros11.”

Alguns meses após a morte D. Francisco Xavier de Menezes12, quarto Conde da Ericeira, foi publicado um aviso na Gazeta de Lisboa, no qual se informava que

vista na igreja matriz da vila do Louriçal. 9 Júlio Martínez Almoyna;, J. A. Viera Lemos; Luís de Pina, La lengua española en la literatura portuguesa, Madrid, s. n., 1968, p. 242; J. Castro — Mappa de Portugal…, vol. III, p. 170. 10 Antoine Joseph Dezallier D´Argenville, La conchyliologie ou histoire naturelle des coquilles de mer, d´eau douce, terrestres et fossiles, Troisieme Édition, Paris, Chez Guillaume De Bure fils aîné, 1780, p. 320 11 António Caetano de Sousa, Historia Genealogica da Casa Real Portuguesa, tomo V ,Lisboa, Officina Sylviana, 1738, p. 377. O texto refere-se ao quarto Conde da Ericeira. 12 D. Francisco Xavier José de Menezes (1673-1743), quarto Conde da Ericeira, sétimo Senhor do Louriçal. Foi um dos mais cultos espíritos do seu tempo, tendo dado continuidade às tradições intelectuais da família, tendo-se notabilizado igualmente nos campos de batalha. Foi membro da Arcádia de Roma e da Royal Society de Londres e um dos membros fundadores da Real Academia da História, fundada por D. João V.

ITÁLIA E O ARQUIVO DA CASA DE LOURIÇAL: PERSONAGENS E COLECÇÕES NUM ARQUIVO DE FAMÍLIA

97

O Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor Marquês do Louriçal faz aviso a todos os que tiverem livros pertencentes à sua livraria, que os queiram mandar entregar em sua casa por todo o mês de Abril deste ano a Filipe José da Gama; porque passado este termo, determina tirar carta de excomunhão contra as pessoas, que lhos não mandarem entregar13.

A livraria, bem como o arquivo que existiram em Lisboa, localizavam-se no actual quarteirão da Anunciada - aproximadamente no local que actualmente corresponde à Rua dos Condes, provindo esta toponímia do facto de ali terem residido os Condes da Ericeira, Povolide14 e de Rio Maior. No piso térreo do palácio da Anunciada, junto à escadaria que levava ao piso superior, situavam-se “as casas” onde estava instalado o arquivo e a livraria15. Arquivo e livraria estariam repartidos por vários compartimentos, totalizando pelo menos cinco salas, sendo possível alcançar esta contagem - não tendo subsistido plantas do edifício - pelos números de inventário dos livros e manuscritos que sobreviveram ao incêndio que sobreveio ao terramoto. A relação entre o número de salas e os números de inventário, estabelece-se a partir do primeiro número, que geralmente surge nos documentos que ainda possuem alguma indicação de número de inventário anterior a 1755, que é seguida da letra correspondente à estante, e ao número individual de cada documento. Estima-se que existissem cerca de dezoito mil volumes, no entanto, não existem fontes suficientes que possam estabelecer em definitivo os números apontados nas diferentes obras que os referem16. Entre o número dos códices que Gazeta de Lisboa, nº 14, Lisboa, Na Officina de Luiz Jozé Correa Lemos, 1744, p. 272 No Arquivo da Casa de Louriçal existe o Título primordial antigo do Emprazamento em 3 vidas que fizeram o Doutor Manuel Alves, e sua Mulher Inês Casada à Sé de Lisboa para fundar a propriedade que Levantou nas terras em que está fundado este Palácio do Senhor Conde de Povolide em o Ano de 1561 17 de Janeiro, ACL, Administração / Fazendas de Lisboa e seus termos (gaveta 2) / n.º 9. Actualmente, o palácio que existe neste local encontra-se ocupado pelo Ateneu Comercial de Lisboa, na rua das Portas de Santo Antão. 15 Conde de Sabugosa, Gente d´algo, Lisboa, Typographia do Annuario Commercial, 1918, p. 301. 16 A quantidade de livros enumerados de que temos conhecimento não fazem distinção entre livraria e arquivo. Ao terceiro Conde da Ericeira são atribuídos dezoito mil exemplares na obra de Angelina Vidal, Lisboa Antiga e Lisboa Moderna: Elementos Históricos da sua Evolução, Lisboa, Typografia da Gazeta de Lisboa, 1900, p. 53; em Ofélia Paiva Monteiro,— No Alvorecer do Iluminismo em Portugal…, p. 194, são atribuídos quinze mil exemplares; em Arthur Askins; Cristina Sobral; Isabel Almeida, Examinar os manuscritos das Livrarias Particulares: Obra do Conde da Ericeira, Lisboa, Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos: Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, 2012, p. 17 é dito que o quarto Conde da Ericeira juntou à livraria que já existia mais quinze mil volumes; afirma Inocêncio Francisco da Silva, Diccionario bibliographico portuguez: estudos applicaveis a Portugal e ao Brasil, vol. III, Lisboa, 13 14

98 TIAGO HENRIQUES & MIGUEL RIBEIRO PEDRAS

existiriam antes do Terramoto, conservavam-se obras do maior interesse, tendo sido a sua grande maioria destruídas pelo incêndio. Entre estas contavam-se a Vida do Imperador Carlos V autógrafa do próprio, um herbário iluminado que pertenceu ao Rei da Hungria Matias Corvino denominado Livro das plantas naturais17, portulanos dos primeiros navegadores18, o catálogo da biblioteca de Louis XV em cinco volumes luxuosamente encadernados, e vinte e um volumes de estampas, oferecidos por Louis XV19, assim como outros tantos milhares de manuscritos versando as mais diversas matérias. Entre a documentação então existente, estavam guardadas na Anunciada, as cento e quarenta e cinco obras descritas na Bibliotheca Ericeiriana20, fruto do labor de D. Francisco Xavier, quarto Conde da Ericeira, que ofereceu à Royal Society o copioso índice, quer das Obras que foram escritas pelos meus Maiores, quer das que no presente são dadas à luz: aí, como verás, o fulgor da nobre fama resplandece também para a beleza das donzelas e para a modéstia das senhoras. Fatigado do trabalho de revisão, deixei de lado as reflexões e os opúsculos de muitos21.

Como convencionado pela historiografia moderna, afirma-se em diferentes estudos que o antigo Arquivo da Casa de Louriçal, assim como a livraria, pereceram inteiramente com o incêndio subsequente ao terramoto, tal informação é desprovida de fundamento e não corresponde à verdade22. Com efeito, importa alegar a este respeito que Júlio de Castilho teve acesso a documentos e livros resgatados do incêndio, e seu pai, António Feliciano de Castilho, foi possuidor de pelo menos dois volumes impressos, como testemunha a sua assinatura autógrafa Impr. Nacional, 1859, p. 85, que a livraria foi aumentada com mais quinze mil volumes sobre os que já existiam; em João Carlos Pires Brigola, Colecções Gabinetes e Museus em Portugal no século XVIII, p. 70 apenas refere que tinha mais de quinze mil volumes. 17 C. Sabugosa, Gente…, p. 301. 18 O Recreio: Jornal das Famílias. Lisboa: Imprensa Nacional, 1839, p. 142; 19 Brás José Rebelo Leite, Encomio funebre na morte do Ilustrissimo e Excelentissimo Senhor D. Francisco Jozé de Menezes, quarto Conde da Ericeira, Lisboa, Na Officina de Jozé da Silva da Natividade, 1744), p. 18; A. Askins; C. Sobral; I. Almeida, Examinar…, p. 18. 20 D. Francisco Xavier de Menezes, “Bibliotheca Ericeiriana” in HENRIQUEIDA e ainda D. José Barbosa,— Elogio do Illustrissimo…, p. 79 a 102. 21 ACL, Cartas (gaveta 19) / maço 1 / nº 3, Carta de D. Francisco Xavier de Menezes, quarto Conde da Ericeira à Royal Society. Devemos a tradução do latim para o português à Prof.ª Doutora Carlota Urbano de Miranda. 22 Uma das fontes prováveis que terá dado difusão a esta ideia terá sido I. F. da Silva, Diccionario bibliographico…, p. 85, tendo sido esta ideia repetidamente divulgada até à exaustão, surgindo inclusivamente reproduzida nas últimas publicações a que temos tido acesso e que referem a questão.

ITÁLIA E O ARQUIVO DA CASA DE LOURIÇAL: PERSONAGENS E COLECÇÕES NUM ARQUIVO DE FAMÍLIA

99

nas guardas dos mesmos23. Parece-nos inadequado que, na actualidade, académicos tenham tomado contacto com alguns dos salvados do palácio da Anunciada e subscrevam, apesar disso, as afirmações feitas no passado, contrariadas por José Coelho da Silva e António José Delgado, oficiais da Casa de Louriçal na segunda metade do século XVIII.24 Nos danos impostos ao arquivo em 1755, incluem-se a quase totalidade dos fundos documentais da Casa dos Marqueses de Cascais25 e dos Condes das Sarzedas26 que haviam sido incorporados por via dos casamentos de D. Francisco Xavier Rafael de Menezes27, segundo Marquês de Louriçal, e do quarto Conde da Ericeira respectivamente.

1.2 Organização funcional do Arquivo da Casa de Louriçal O estabelecimento da ordem e inventariação da documentação que foi iniciada em vida de D. Henrique de Menezes28, terceiro Marquês de Louriçal, ter-se-á Os dois volumes autografados por Castilho estão incorporados na livraria da Casa de Louriçal, e tal como os restantes livros que sobreviveram ao incêndio da livraria do palácio, apresentam fortes marcas de incêndio nas encadernações, e manchas de água. 24 ACL, Administração / Cartas (gaveta 23) / AJD / nº 2, Cartas do Senhor Marquês D. Henrique a António José Delgado, e deste para o dito Senhor e de Amaro Barão sobre objectos de Sua Casa; ANTT, Gavetas, Gav. 25, mç. 2, n.º 7, f., Cópia da capa e portada do livro que mandou fazer o Conde de Vimioso para os cantos de Luís de Camões e do retrato do poeta. 25 Afirmação sustentada pelo que a documentação confirma. Podemos supor que o arquivo já haveria sido retirado do palácio do Couto de S. Mateus, junto do Poço do Borratém, e teria sido transferido para o palácio de Cascais. Acerca deste assunto veja-se Arquivo de Cascais: História, Memória, Património; Coord. João Miguel Henriques, Maria Conceição Santos, Cascais : Câmara Municipal de Cascais Departamento de Inovação e Comunicação, 2015, pp. 121-139. 26 Não dispomos de informação suficiente sobre o que tenha sucedido ao arquivo Sarzedas, atendendo a que actualmente apenas dispomos de documentação inventariada relativa à administração dos bens que ainda existiam nos anos posteriores ao terramoto, estando a documentação anterior reduzida a um único maço com a cota ACL, Administração / Externos - Sarzedas (gaveta 10) / maço 45. 27 D. Francisco Xavier Rafael de Menezes (1711-1780), segundo Marquês de Louriçal, sexto Conde da Ericeira, nono Senhor do Louriçal, terceiro Senhor de Ansião, Senhor do Morgado da Anunciada e dos da Casa de Sarzedas, etc. Não se tendo destacado no campo das ciências e das letras, foi Capitão-General do Reino do Algarve e governador da Torre de S. Julião da Barra. 28 D. Henrique de Menezes e Toledo (1727-1787), terceiro Marquês de Louriçal, sétimo Conde da Ericeira, décimo Senhor do Louriçal, quarto Senhor de Ansião, Senhor do Morgado da Anunciada, etc. Herdou a Casa por morte do seu irmão, que ao fim do terceiro casamento não deixou descendência. D. Henrique de Menezes inicialmente destinado à carreira eclesiástica, foi cónego e monsenhor da Santa Basílica Patriarcal de Lisboa, e mais tarde exerceu funções como diplomata, funções que manteve após o abandono do estado eclesiástico para casar com a sobrinha, D. Maria da Glória da Cunha e Menezes. Foi gentil-homem da Câmara de D. Maria I, cavaleiro do Tosão de Ouro de Espanha, enviado extraordinário e ministro plenipotenciário em Turim e Roma, tendo terminado a carreira como embaixador em Madrid 23

100 TIAGO HENRIQUES & MIGUEL RIBEIRO PEDRAS

estendido por alguns anos, como testemunham as placas de cartão impresso (com uma gramática decorativa neoclássica), com as indicações dos maços que nesse período foram agrupados em pastas devidamente numeradas, e identificados de forma sistemática. A organização funcional por gavetas e maços foi respeitada integralmente até aos nossos dias, e são disso exemplo os documentos identificados pelas cotas: Casa, Administração, Eclesiásticos, Particulares, Correspondência ou Cartas, Tratados e Externos. Cada uma das divisões agrupa os maços, e cada documento contido no maço é numerado individualmente, este modelo de organização apenas se verifica no fundo Louriçal29, como já foi dito, integrado no que é a integralidade do Arquivo da Casa de Louriçal actualmente - no entanto não podemos deixar de referir que na grande maioria dos casos, se verifica que os maços foram truncados, e a localização de muita documentação foi definitivamente perdida com as várias mudanças de espaço e as más condições em que a documentação foi acondicionada. Os restantes fundos possuem diferentes sistemas de identificação de documentos dependendo do período em que foram incorporados, e dos ramos familiares que os produziram. Pelo anteriormente exposto se justifica a ausência de uniformidade no todo do Cartório da Casa - que como já ficou dito, desde o século XIX não é sujeito a um inventário geral, tendo deixado de ser uma prioridade a ordenação e descrição documental que se verifica ter existido na primeira metade do século XVIII. A documentação incorporada após a morte do terceiro Marquês de Louriçal, até aos dias de hoje, é descrita nos maços das Incorporações, onde se reúne toda documentação que possua qualquer relação com a Casa de Louriçal e se encontre dispersa. Actualmente o Arquivo da Casa de Louriçal não se encontra inventariado na sua totalidade, encontra-se disperso por vários contadores, gavetas e caixas. Apenas uma pequena parcela, que diz respeito à correspondência familiar da segunda metade do século XIX e alguns fundos que mereceram tratamento prioritário por se encontrarem em suportes que apresentavam avançado estado de deterioração, ou pela sua importância para a memória histórica familiar, se encontram devidamente inventariados e acondicionados.

onde negociou o casamento de D. João VI e de D. Carlota Joaquina. 29 Tem como data extrema 1830, e é único e exclusivo deste fundo.

ITÁLIA E O ARQUIVO DA CASA DE LOURIÇAL: PERSONAGENS E COLECÇÕES NUM ARQUIVO DE FAMÍLIA

101

Exceptuando a documentação produzida pelos Condes da Ericeira/Marqueses de Louriçal, o arquivo possuí documentos com produtores bastante diversificados. Salientamos ainda a existência de colecções de mapas, plantas topográficas, projectos de arquitectura, projectos de artes decorativas portugueses30 e estrangeiros31, heráldica32 e genealogia, pergaminhos, documentação avulsa, assim como diversos álbuns fotográficos33. Entre os fundos iconográficos salientam-se pelo seu interesse parte do espólio fotográfico pessoal do primeiro Marquês de Soveral, que conta com cerca de duzentas entradas de inventário, e um conjunto de negativos sobre vidro, parcialmente inéditos, com vistas de Sintra.34 Toda a documentação de arquivo, assim como os volumes da livraria, estão identificados com a marca de posse da família, ainda que possam ter sido incorporados recentemente. A marca de posse, à semelhança de arquivo público, possuí o monograma da família soto-posto de um coronel. A tinta utilizada no carimbo para os manuscritos e livros permite datar aproximadamente a sua entrada no arquivo, ou a ocasião em que foram sujeitos a inventário. Pode ser verificada a existência de três carimbos distintos, muito semelhantes entre si, com cores negra, azul e encarnada. Livros e manuscritos incorporados, ou inventariados, em datas posteriores a 2010, possuem marca de posse com a mesma tinta utilizada pelo Arquivo Nacional da Torre do Tombo: Black Actinic Ink #125, fornecida pela PEL, Preservation Equipments. A conservação dos manuscritos, gravuras e fotografia está a cargo de Isabel Zarazúa Astigarraga e Veja-se por exemplo Sabina de Cavi (ed. lit.), Fuensanta García de la Torre (hom.), Dibujo y ornamento: trazas y dibujos de artes decorativas entre Portugal, España, Italia, Malta y Grecia: estudios en honor de Fuensanta García de la Torre $ØSEPCB%JQVUBDJØO1SPWJODJBMEF$ØSEPCB%F-VDB  Q 31 Entre estes, destacamos dois desenhos que possuem as etiquetas que atestam a sua exibição na Exposição Universal de Paris de 1889. Os espécimenes são de Charles Bajoles, aluno da École Régionale des Beaux Arts de Nancy, e representam vistas de elementos de arquitectura de ordem dórica em perspectiva. 32 Veja-se Jorge de Oliveira e Sousa, Armorial - Dictionnaire Fabuleux de L´Héraldique, Bruxelas, Orfeu, librairie portugaise et galicienne, 2013, as ilustrações de abertura de todos os capítulos da obra são provenientes dos fundo heráldico existente no arquivo. 33 Entre os álbuns que se encontram por inventariação e identificação, conserva-se um conjunto de retratos em formato de carte de visite com cerca de cem entradas de inventário com membros da corte otomana na segunda metade do século XIX. Veja-se também Miguel Boim, Sintra Lendária - Histórias e Lendas do Monte da Lua, Miguel Boim e Zéfiro, 2014, pp. 11; 15; 113, etc; e ainda Jorge de Oliveira e Sousa; José Lima; Amadeu Lopes Sabino; Paulo Castilho, Histórias de Monserrate, s. l., Assírio e Alvim, 2011, pp. 15; 17, etc. 34 Todas as chapas de vidro se encontram reveladas e em formato digital na Fundação CulturSintra a instâncias do Arquitecto João da Cruz Alves. 30

102 TIAGO HENRIQUES & MIGUEL RIBEIRO PEDRAS

Miguel J. L. Lourenço. O restauro de encadernações está a cargo do atelier Traça Pombalina - Vasco Antunes. Actualmente podem ser encontrados depósitos e doações de documentos provenientes do Arquivo da Casa de Louriçal nas seguintes instituições: t t t t t t t t t t t t t

Arquivo Histórico Nacional de España;35 Arquivo Histórico Municipal de Cascais;36 Arquivo Histórico Municipal de Sintra;37 Arquivo Nacional da Torre do Tombo;38 Congregação das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena;39 Mosteiro de Nossa Senhora da Boa Esperança de Montalvo, OSC;40 Museu Francisco Tavares Proença Júnior - Castelo Branco;41 Museu Marquês de Pombal;42 Museu Nacional de Arqueologia - Lisboa;43 Nasjonalbiblioteket - National Library of Norway;44 Palácio Nacional de Queluz;45 Palácio e Quinta da Regaleira - Fundação CulturSintra;46 Real Academia de la Historia - Madrid;47

35 Foi parcialmente doado ao Arquivo Histórico Nacional de Espanha, no ano 2011, um total de dezassete caixas de documentos provenientes do fundo da Embaixada e Consulado de Espanha em Lisboa (séc. XVIII a XX). 36 Documentação avulsa relativa aos Marqueses de Cascais. Este depósito foi efectuado ao abrigo do Programa de Recuperação de Arquivos e Documentos de Interesse Municipal, descrito como Fundo Cascais no Arquivo da Casa de Louriçal. 37 Documentos avulsos. 38 Cópia digital de um índice do arquivo dos Condes de Óbidos, Sabugal e Palma, com o código de referência PT/TT/CSI/003/0001. 39 Correspondência autógrafa de D. Teresa de Saldanha de Oliveira e Sousa, fundadora da Congregação. 40 Documentos avulsos com interesse para a história do mosteiro. 41 Cópia de nomeações do Bispo de Castelo-Branco, D. Joaquim José de Miranda Coutinho. 42 A integralidade do fundo pombalino que existia no Arquivo da Casa de Louriçal passou à posse do Município de Pombal em Maio de 2016. 43 Correspondência do Dr. José Leite de Vasconcellos. 44 Documentos avulsos. 45 Este depósito consta de duas pinturas a óleo sobre papel, e o libreto das festas dadas pelo 3º Marquês de Louriçal em Madrid em 1785. Actualmente expostas no “Quarto de D. Carlota Joaquina”, no Palácio Nacional de Queluz. 46 Conjunto de negativos em vidro com vistas do Palácio e Quinta da Regaleira, e um negativo que representa as obras do Dr. Augusto de Carvalho Monteiro no Santuário da Peninha de Sintra. 47 Um documento relativo à Inquisição espanhola.

ITÁLIA E O ARQUIVO DA CASA DE LOURIÇAL: PERSONAGENS E COLECÇÕES NUM ARQUIVO DE FAMÍLIA

t t

103

Real Mosteiro do Desagravo do Santíssimo Sacramento do Louriçal, OSC;48 RIKSARKIVET - The National Archives of Norway;49

Presumimos que desde as primeiras organizações funcionais do arquivo após o terramoto de 1755, e alguma reorganização sistemática realizada na década de 1780, não tenham sido levadas a cabo quaisquer campanhas de inventariação ou organização de documentos do fundo Louriçal, não obstante, esta situação não se verifica com outros fundos existentes no arquivo. A acumulação de documentos e a sua posterior dispersão pelo mobiliário e pelas diferentes residências também não terá sido alheia à fragmentação de alguns dos fundos. A organização que a documentação actualmente apresenta é uma tentativa aproximada de reconstrução arquivística, pelos antigos números de inventário, nos diferentes fundos que constituem a totalidade do Arquivo da Casa de Louriçal. O arquivo encontra-se em fase de inventariação e de tratamento de conservação e restauro, com a intenção de futuramente ser divulgado pelos meios que se considerarem adequados, já sendo possível neste momento consultar integralmente alguns fundos disponíveis em formato digital nas instituições supracitadas, com as quais se estabeleceram protocolos.

2. ITÁLIA E O ARQUIVO DA CASA DE LOURIÇAL 2.1 A Família O Arquivo da Casa de Louriçal é vasto, não apenas no número de documentos, mas também no conteúdo. Revelar a presença italiana no Arquivo constituiu um processo complexo uma vez que não existe neste acervo aquilo a que se possa chamar uma colecção italiana, estando os documentos referentes àquele país dispersos entre maços, colecções e, claro, manuscritos avulsos. No entanto, com as devidas leituras e pesquisas é notório, de entre a colecção Louriçal, os estreitos laços que a família manteve, ao longo de séculos, com o papado, principados e Documentação avulsa e cópias de documentação com interesse para a história da Venerável Madre Maria do Lado, fundadora do Real Mosteiro do Desagravo do Santíssimo sacramento do Louriçal. 49 Documentos avulsos com interesse para a história norueguesa e um selo para documentação datado da segunda metade do século XIX. 48

104 TIAGO HENRIQUES & MIGUEL RIBEIRO PEDRAS

demais famílias italianas e, com a sua união, com o próprio reino de Itália. A família esteve sempre, de alguma forma, ligada à península itálica, fosse através de viagens, de correspondência trocada com italianos e até por encomendas de arte. Tal facto é-nos revelado, por exemplo, pela encomenda efectuada por D. Luís de Menezes50, terceiro conde da Ericeira, a Ercole Ferrata, discípulo de Gian Lorenzo Bernini: a «Fonte de Neptuno».51 Esta composição escultórica, de onde se destacam as armas dos Menezes, esteve originalmente no Palácio da Anunciada. Embora na Anunciada o célebre terramoto de 1755 tenha deixado cicatrizes, a fonte resistiu-lhe, encontrando-se actualmente no Palácio Nacional de Queluz. Da proximidade entre a família e Itália chega-nos outra prova viva, através de um dos testamentos de D. Luís de Menezes52, primeiro marquês de Louriçal, no qual é mencionado que o seu padre capelão em Goa, D. Carlos José Fidelis, era italiano.53 Contudo, e indubitavelmente, a mais estreita relação entre os Menezes da Casa de Louriçal e Itália, deu-se aquando da chegada de D. Henrique, terceiro Marquês de Louriçal, a terras transalpinas. Ao serviço do Reino de Portugal, D. Henrique de Menezes, ocuparia o cargo de ministro plenipotenciário em Turim e Roma. Desta forma, o maior corpo documental referente a Itália que se conserva no Arquivo da Casa de Louriçal é, naturalmente, referente ao diplomata, e às funções que ocupou nas duas cidades italianas. 50 D. Luís de Menezes (1632-1690), terceiro Conde da Ericeira, sexto Senhor do Louriçal, primeiro Senhor de Ansião, Comendador de S. Martinho de Frazão, S. Cipriano da Angueira e S. Bartolomeu da Covilhã. Foi governador das armas de Trás-os-Montes e distinguiu-se nas guerras da Restauração, o que lhe valeu o Senhorio de Ansião, tendo mais tarde redigido um dos mais importantes trabalhos relativos a esse período histórico, o Portugal Restaurado. Foi um dos homens mais cultos do seu tempo, e na crise que levou à deposição de D. Afonso VI tomou o partido do Infante D. Pedro. Em 1675 regressou a Lisboa, vindo a ser escolhido para deputado da Junta dos Três Estados tendo também sido nomeado Vedor da Fazenda da repartição dos Armazéns e Armadas. No exercício dos postos para os quais foi nomeado, apoiou as ideias mercantilistas que Jean-Baptiste Colbert, ministro de Luís XIV de França, introduzidas em Portugal por Duarte Ribeiro de Macedo, nas quais se inscrevem as medidas legislativas anti-sumptuárias. 51 Veja-se Angela Delaforce, Jennifer Montagu, Paulo Varela Gomes, Miguel Soromenho “A Fountain by Gianlorenzo Bernini and Ercole Ferrata in Portugal”, The Burlington Magazine, 140 (Dez. 1998), pp. 804-811 e a versão portuguesa Angela Delaforce, Jennifer Montagu, Paulo Varela Gomes, Miguel Soromenho “Uma fonte de Gianlorenzo Bernini e Ercole Ferrata em Portugal” in João Belo Rodeia (Dir.), Património Estudos, 2003, pp. 144-152; 52 D. Luís Carlos Ignácio Xavier de Menezes (1689-1742), primeiro Marquês de Louriçal, quinto Conde da Ericeira. Homem de grandes interesses intelectuais e brilhante carreira militar, teve a honra em duas ocasiões exercer as funções de Vice-Rei do Estado português da Índia onde morreu ao serviço de D. João V. 53 ACL, Particulares, Testamentos e Certidões de Baptismo, e de óbito de alguns Senhores da Ex.ma Caza do Louriçal, maço 12.º, n.º 3; Veja-se também Jacintho Caetano Barreto Miranda, Quadros historicos de Goa: Tentativa histórica, Volume III, Margão, Typographia do Ultramar, 1865, p. 18.

ITÁLIA E O ARQUIVO DA CASA DE LOURIÇAL: PERSONAGENS E COLECÇÕES NUM ARQUIVO DE FAMÍLIA

105

Da correspondência do terceiro marquês de Louriçal tanto em Turim como em Roma os assuntos pessoais são os que tomam maior protagonismo, encontrandose ocasionalmente referências a Itália, naturais, pela sua permanência naquele país, sendo que, comumente, são referências sem importância maior, mas que ainda assim permitem vislumbrar um quotidiano nas cidades que Louriçal habitou, como é o caso de uma carta de 1775 enviada de Turim para Portugal na qual D. Henrique relata o seguinte: "RVJ TØ TF GBMB EP OPWP 1BQB  B 4FDSFUBSJB EPT #SFWFT GPJ DPOGFSJEB BP Eminentíssimo Conti, ele dará boa conta de si porque quanto a mim é a melhor cabeça que tem o Colégio eminentíssimo. Para o matrimónio do príncipe do Piemonte se fazem as mais luzidas disposições, não só na Sabóia aonde esta corte estará quatro meses, mas para a pública entrada que os esposos farão na capital. Eu devo ir àquela província fazer a corte a Suas Majestades, e na volta farei como os mais minha figura, as festas nesta ocasião serão brilhantíssimas, estas funções são de muita despesa, e eu só farei o que me mandarem faça.54

Da vida de D. Henrique de Menezes em Itália seria impossível não mencionar João Piaggio55, destacando-se um maço denominado “Correspondência de João Piaggio com o Senhor marquês de Louriçal D. Henrique estando por Embaixador em Roma”. Neste maço são tratados todos os assuntos que dizem respeito aos fundos necessários para a sustentação da casa e família em Roma, assim como dos encargos da embaixada. Na verdade, embora o título do maço sugira o contrário, encontramos neste um diminuto volume de correspondência, sendo a sua maioria composta por contas relativas aos gastos de D. Henrique em terras italianas. O seu interesse, contudo, não diminui, sendo possível através destas relações notar os custos da vida quotidiana em Turim, como também os encargos da transferência do terceiro marquês de Louriçal para a cidade de Roma e da sua estadia em Génova, onde terá pernoitado aquando da sua viagem para os Estados Pontifícios. Como era usual, João Piaggio remetia a D. Henrique os róis de dívidas por conta de jornadas e outros custos da Casa, como podemos constatar num documento datado de 1778, onde se lê: Rol, ou seja Distinta de que consta a Equipagem recebida de Turim pertencente ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor ACL, Turim, 1775, doc. n.º 3 - 4 de março de 1775 – Carta de D. Henrique de Menezes a destinatário incerto. 55 João Piaggio (1733-1817), Cônsul de Portugal em Génova. 54

106 TIAGO HENRIQUES & MIGUEL RIBEIRO PEDRAS

D. Henrique de Menezes M. P. de S. M. F. destinado à Corte de Roma, e mais barris de vinho, e açúcar recebido de Lisboa.56

FIG. 1 — Documentação enviada por João Piaggio a D. Henrique de Menezes

Chegado a Roma e no decorrer do exercício das suas funções D. Henrique estabelece uma relação de amizade com Pio VI, com quem se correspondeu. Desconhece-se até que ponto seriam próximos, mas D. Henrique de Menezes, referindo-se a Sua Santidade, menciona numa carta “o meu amigo Pio VI”.57 Acredita-se, porém, que, decorrente dessa amizade, fossem concedidos à Casa de Louriçal um considerável número de indultos e breves, todos assinados pelo cardeal Rezzonico.58 De entre os vários existentes, destacamos dois:

ACL, Correspondência de João Piaggio com o Senhor Marquês do Louriçal D. Henrique estando por Embaixador em Roma, doc. n.º 15. 57 ACL, Correspondência, Maço 18, n.º 7. 58 Giovanni Baptista Rezzonico (1740-1783), nasceu na família Rezzonico de Veneza, de onde era proveniente o Papa Clemente XIII, tio de Giovanni Baptista. Iniciou os seus estudos no Colégio Romano dos jesuítas, em Roma. Em 1760 foi nomeado camareiro privado de Sua Santidade, e no ano seguinte passou a servir no Tribunal da Assinatura Apostólica, e pouco tempo depois recebeu das mãos do tio as insígnias de Protonotário Apostólico ad honorem. Clemente XIV concedeu-lhe a nomeação de mordomo do Palácio Apostólico. Ocupou diversos cargos da cúria, e ter-se-á encarregue pessoalmente de muitos dos assuntos que diziam respeito a Portugal. 56

ITÁLIA E O ARQUIVO DA CASA DE LOURIÇAL: PERSONAGENS E COLECÇÕES NUM ARQUIVO DE FAMÍLIA

107

t Breve do Papa Pio VI, para o Ex.mo Marquês de Louriçal D. Henrique de Menezes poder ter Oratório nas Casas da sua residência; e celebrar-se ele Missa em todas as festividades do ano à excepção da Páscoa, Pentecostes, e Natal; datado de Roma a 26 de Fevereiro de 1779.59 t Indulto do Papa Pio VI para o Ex.mo Marquês de Louriçal D. Henrique de Menezes Ministro Plenipotenciário de Portugal junto da Santa Sé, poder mandar celebrar missa no seu Oratório Privado dois dias cada semana pelas almas de seus Pais e Parentes; Datado de Roma de 10 de Março de 1779.60 Mais tarde, aquando na sua nomeação para embaixador em Madrid, outro indulto ser-lhe-ia concedido, desta feita, uma autorização para que pudesse “ter Oratório Privado em Madrid, onde se achava Embaixador pela Corte de Portugal”, com data de 25 de Fevereiro de 1782.61 D. Henrique acabaria os seus dias como Embaixador e Ministro Plenipotenciário na Corte espanhola, perpetuando-se na História como o responsável pelo matrimónio de D. Carlota Joaquina e o futuro rei D. João VI, em 1785. Seguindo as recentes abordagens historiográficas, que procuram relacionar os objectos e documentos existentes nos arquivos, podemos também citar como exemplo uma carta de Manuel Joaquim de Sousa, procurador da Casa de Louriçal, em Lisboa, na qual nos informa que alguns amigos da família, “estavam persuadidos EFBDIBSFNBRVJ
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.