IX Congresso APS \"Educação, integração e equidade. Trajetos de jovens afrodescendentes no ensino superior\"

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Educação, integração e equidade Trajetos de jovens afrodescendentes no ensino superior Adriana Albuquerque, Sandra Mateus, Teresa Seabra e Cristina Roldão (CIES/ISCTE-IUL)

COM0205 - IX Congresso da Associação Portuguesa de Sociologia, Universidade do Algarve, Faro, 6-8 de Julho de 2016

1.1 Apresentação Projeto Caminhos escolares de jovens africanos (PALOP) que acedem ao ensino superior ACM/FEINPT (Novembro 2014 - Julho 2015) Teresa Seabra (coord.), Cristina Roldão, Sandra Mateus e Adriana Albuquerque (CIES-IUL) •

Objetivos: (1) caracterizar os percursos dos/as afrodescendentes no ensino superior; (2) conhecer os processos de construção desses percursos escolares;

(3) contribuir para uma intervenção mais informada no domínio da inclusão dos/as afrodescendentes. •

Abordagem metodológica multimétodo

(1) componente extensiva – análise de dados estatísticos de fontes secundárias (INE, DGEEC/OTES, RAIDES): construção do indicador “origem étnico-nacional” e de taxas de acesso ao ensino superior de jovens afrodescendentes (1991-2011) (2) componente intensiva – entrevistas biográficas a 17 jovens afrodescendentes no ensino superior português: retratos biográficos e tipologia de trajetos de contratendência

1.2 Problemática e construção do objeto Desigualdades educativas e descendentes de imigrantes (PALOP) • Desigualdades escolares associadas às origens étnico-nacionais, especialmente PALOP, no ensino básico e secundário (Casa-Nova, 2005; Marques et al., 2005 e 2007; Seabra, 2010; Mateus, 2014); • Reconfiguração social e étnico-nacional dos públicos do ensino superior, para além dos “estudantes em mobilidade” (Martins, Mauritti e Costa, 2007; Vieira, 2007; Machado et al., 2003; Oliveira et al., 2015) Trajetos improváveis ou de contratendência • Trajetos escolares de sucesso de jovens com origens sociais desfavorecidas (Costa e Lopes, 2008; Lahire, 1995; Roldão, 2011 e 2015) Objeto de estudo • Trajetórias de jovens afrodescendentes da classe trabalhadora que chegam ao ensino superior – Percursos e contextos escolares – Contextos residenciais – Dinâmicas familiares e origens sociais – Sociabilidades extrafamiliares e extra-escolares – Condições de entrada no ensino superior

1.3 Critérios de heterogeneidade da amostra 1 Origem Angolana

7

Aluna externa

3

ESEC Profissional

5

Artes & Humanidades

4

Ciências & Engenharia

8

ESEC geral: LH

2

ESEC geral: A

2

ESEC Recorrente / RVCC

3

Maiores de 23

1

Origem Mista

Rapazes

ESEC geral: CT

2

Ciências Sociais

Via geral de acesso

2

Origem CaboVerdiana

2 3

Raparigas

12 Embaixada

4 Origem SãoTomense

Origem Guineense

2

5

14

Via Ensino Secundário Origem étnico-nacional Regime de acesso ESUP

Saúde & Proteção

3

Área de estudo Sexo

2. Tipologia de trajetos de contratendência

Perfil 1: mobilização escolar das famílias Júlia (origem angolana, Ciências da Comunicação), Alda (origem cabo-verdiana, Engenharia Química e Biológica), Carolina (origem angolana, Serviço Social)

Características • Estratégias de controlo do quotidiano e sociabilidades (controlo de horários, regras negociadas); • Estratégias de evitamento de contextos de exclusão (escolha de escola fora do bairro); • Estratégias de investimento directamente escolar (explicações; apoio nos TPC; participação nas reuniões escolares, etc.); • Trajectos escolares tendencialmente mais lineares, mas vividos com ‘estranheza’ nas etapas mais avançadas. A minha mãe chateou-me muito uns dias antes [de entrar na escola], porque ela queria que eu fizesse o mesmo que a minha irmã, que quando entrou para a primária já sabia escrever o nome e eu também tive que saber (…) O meu pai quando chegava fazia questão de fazer muitas perguntas, o que é que aprendíamos, o que é que gostávamos, ficava todo contente por eu gostar de Matemática, porque o sonho dele era ser Engenheiro de Mecânica e achava que eu ia ser. (…) A minha mãe sempre foi às reuniões da escola e isso manteve-se até ao secundário. Júlia, origem angolana, Ciências da Comunicação [A minha mãe dizia-me:] Eu quero que tu tenhas responsabilidade suficiente de acordares cedo, e eu não quero que a tua vida seja aqui em volta do bairro. Há outras realidades. Há outros mundos. [Na escola fora do bairro] vais acordar cedo, vais apanhar o autocarro porque quando fores trabalhar também vai ser assim. Carolina, origem cabo-verdiana, Serviço Social

Perfil 2: recursos e relações extra-familiares Nuno (origem angolana e são-tomense, Ciências da Comunicação), Paula (origem angolana, Psicologia), Cíntia (origem angolana, Línguas e Literatura), Lucas (origem angolana, Estudos Europeus), Bruna (origem guineense e angolana, Tradução), Santiago (origem cabo-verdiana, Arte Multimédia)

Características • É em espaços exteriores ao quadro doméstico-familiar que estes jovens irão ter acesso a recursos e envolver-se em relações especialmente facilitadoras do sucesso escolar: (1) Projectos escolares e iniciativas de professores especialmente propícios à (re)construção do “sentido escolar”; (2) Relações de sociabilidade e atividades extra-curriculares; (3) Experiências profissionais em equipas especialmente incentivadoras do investimento na escola. • Trajectos escolares tendencialmente menos lineares e com inflexões. Uma professora de Educação Visual que foi a que me chamou mesmo a atenção quando me disse que eu tinha jeito para as artes, disse para investir nisso. Eu acho que sempre senti essa necessidade de validação por parte dos professores porque a minha mãe nunca ligou muito a isso. Eu chegar à minha mãe com uma negativa ou positiva, não era grande coisa. Paula, origem angolana, Psicologia Lembro-me de uma das frases que foi dita na reunião [de trabalho], foi que: “Este rapaz tem um potencial incrível” (...) basicamente, acabou por ser a minha terceira família, digamos assim. Nuno, origem angolana e santomense, Ciências da Comunicação

Perfil 3: vantagens relativas das origens sociais Elisa (origem angolana, Direito), Almesinda (origem são-tomense, Medicina), Vanda (origem guineense, Estudos Africanos), Ana (origem angolana e moçambicana, Engenharia Biológica), Raísa (origem angolana, Animação Social)

Características • Capital escolar médio ou elevado por parte dos pais e outros membros da família; • Franjas estabilizadas e qualificadas das classes populares; • Trajectórias de ‘reascenção’ social (famílias que no passado e no país de origem tinham uma posição social vantajosa): (1) Capital social na família alargada (como recurso e como modelo de referência); (2) Aspirações e expectativas escolares elevadas (forte mobilização escolar das famílias). • Trajectos escolares tendencialmente lineares e vividos com ‘familiaridade’. Era a minha mãe que impunha que nós tínhamos que estudar naquela hora e quando a mãe não estava lá pronto… a pessoa esquiva-se mas eu não, eu quando falava com a minha mãe a primeira coisa que ela me perguntava era “Como é que estão as notas?” e eu “’Estão boas” e eu nunca podia ter notas que não eram boas portanto eu sempre estudava quando era para estudar. Almesinda, origem são-tomense, Medicina - Na tua cabeça era normal ir para o ensino superior, ou isso apareceu de repente e tu decidiste? Não, eu acho que nem pensei muito, eu simplesmente…foi natural. Nunca parei muito tempo para pensar, vou ou não vou, ou vou trabalhar. Acho que sempre foi, ok, vamos continuar os estudos, vamos em frente. (…) Sempre foi, vamos sempre em frente. (…) Não sei se era óbvio. Mas também não foi uma coisa que apareceu de repente. (…) também influência dos pais, deles quererem que nós façamos o que eles não conseguiram fazer. Vanda, origem guineense, Estudos Africanos

Perfil 4: estratégias escolares de mobilidade internacional Rita (origem são-tomense, Gestão de Sistemas de Informação), Natacha (origem cabo-verdiana, Geografia), Manuela (origem cabo-verdiana, Sistemas e Tecnologias de Informação)

Características • Fragilidade socioeconómica; • Forte investimento pessoal das jovens (norteado em parte por lógicas de reagrupamento familiar); • Estudantes que migram com o objectivo de frequentar o ensino superior em Portugal: (1) Fazem cá o ensino secundário, antecipando dificuldades de acesso e de adaptação; (2) Não estão ao abrigo de iniciativas das embaixadas ou de programas de cooperação para o desenvolvimento. (3) Não reúnem os requisitos para beneficiar de bolsa de ação social no ensino superior • Trajectos escolares pouco lineares nas etapas avançadas dada a migração e respectivas dificuldades de integração. Estou aqui até hoje, mas com muito esforço. Até estou a pensar [parar os estudos] um ano, porque sem trabalho, e agora para conseguir conciliar trabalho com escola é muito difícil encontrar um trabalho que consiga conciliar. (…) O que eu consegui mesmo é [trabalho doméstico] interno, por isso também não posso só estudar. Rita, origem são-tomense, Gestão de Sistemas de Informação Só pensava em desistir, mas eu vim para cá com um sonho e com um objetivo (...) Descobri que havia um programa na Universidade de Lisboa que é o Consciência Social, fui com uma amiga que até hoje tem sido o meu apoio, e descobri que davam apoios sociais, como o passe, as propinas… (…) ando sempre de um lado para o outro à procura de apoios (…). Vou gerindo o dinheiro aos poucos. Natacha, origem cabo-verdiana, Geografia

3. Notas finais

3.1 Recomendações Estratégias pedagógicas anti-discriminatórias • Professores devem ser sensíveis à maneira como os seus comportamentos e atitudes deixam transparecer formas de racismo subtil, influenciando a autoconfiança, motivação e percurso escolar dos jovens afrodescendentes Para elas [colegas] serem negras era igual a serem burras e eu nunca pensei assim. (…) era muito deprimente, muitas pessoas que se achavam burras, os próprios professores achavam isso dos alunos e era mau ver isso, por acaso não gostei. - Os professores eram menos exigentes ou não? Sim, menos exigentes e os alunos não acreditavam neles, nem era uma turma malcomportada, mas nós chegamos lá e houve um professor que nos avisou logo que não íamos durar muito ali, na primeira aula. No final dos 3 anos, a turma tinha 9 alunos. Cíntia, perfil 2, origem angolana, Línguas e Literatura

Mais informação acerca dos apoios sociais, cursos, subsistemas e vias de acesso ao Ensino Superior • Escolas, associações e órgãos de governo locais deviam assumir essa responsabilidade [Lembro-me de] pensar sempre que era giro ir para a faculdade, mas que não há muita informação em relação às bolsas de estudo. (…). Tinha a ideia de sair do secundário, ir trabalhar para juntar dinheiro para a faculdade e depois é que vinha. (…) acho que há muito pouca informação, muito pouca mesmo. Principalmente para pessoas que tiveram vidas parecidas com a minha, que os pais não estudaram muito, não tem esse tipo de informação mesmo na escolha de escolher o curso no 9º ano, porque eu nem sabia que tínhamos que escolher cursos. (…) Acabei por ir para ciências, tive lá 2 anos e depois vim para Artes, escolhi um curso à toa. Até me lembro do A., que era o nosso colega, com cartões no dia da matrícula a escolher o curso a fazer “um-dóli-tá”. Paula, perfil 2, origem angolana, Psicologia

3.1 Recomendações Maior eficiência nos tempos de resposta das Bolsas de Ação Social • Calendários de concurso e atribuição de bolsas DGES são inadequados para quem se candidate em 2ª fase, ou para quem esteja em situação de carência extrema e não possa adiantar as primeiras prestações de propinas (nomeadamente no ato de matrícula) Mais respostas para a capacitação académica de alunos afrodescendentes /da classe trabalhadora • Ensino de métodos de estudo e pesquisa bibliográfica ainda no ensino secundário • Integração de maior componente científica e de preparação para os exames nacionais nas vias profissionalizantes do ensino secundário Maior representação das realidades e história africana no quotidiano escolar (ex.: manuais) • A história de África e das relações entre Portugal e as ex-colónias africanas estão quase ausentes do currículo, retratando o colonialismo de forma eufemística (“descobrimentos”) e os africanos apenas na condição de dominados (ex.: escravatura); sentem que as suas heranças culturais são desvalorizadas na escola (…) rever os livros de história. Representatividade é muito importante, é preciso rever-me em algum lado. Eu não me revejo nas caravelas, não me revejo no D. Afonso Henriques, não me revejo nisso. A minha irmã não se revê. - Mas porque é que isso é importante para a integração escolar desses jovens? Porque eles não se sentem … estão só ali a pairar. As pessoas antes deles fizeram alguma coisa, né? Sinto que isso é muito importante. E também é para os outros saberem que os antepassados delas não foram só escravos. Vanda, perfil 3, origem guineense, Estudos Africanos

Ela [a mãe] fica bastante triste quando eu tenho que ir trabalhar para ter as coisas. (…) eu digo para ela: “Mãe, não te preocupes que eu, um dia, vou olhar para trás e dizer: eu fiz tudo isso pelas minhas próprias mãos” E sei que no futuro vai ser um grande motivo de orgulho para mim. Almesinda, perfil 3, origem são-tomense, Medicina

Obrigada!

Contacto: [email protected]

Anexos Origens sociais dos/as entrevistados/as: profissão e escolaridade do pai e da mãe Pai

Mãe

Total

Especialistas das profissões intelectuais e científicas

0

1

1

Pessoal administrativo e similares

0

1

1

2

2

4

4

0

4

1

1

2

Trabalhadores/as não-qualificados/as

6

11

17

TOTAL Nenhum 1º ciclo 2º ciclo

13 1 2 2

16 2 4 3

29 3 6 5

3º ciclo

1

3

4

Ensino secundário

3

1

4

Ensino superior TOTAL

1 10

1 14

2 24

Pessoal dos serviços e vendedores/as Grupo profissional Operários/as, artífices e trabalhadores/as similares (CNP 2010) Operadores/as de instalações e máquinas e trabalhadores/as da montagem

Grau de ensino completo

Anexos Nome

Nat/nac

Origem étniconacional

Ensino Secundário

Curso actual

Subsistema ensino

Ano freq.

Regime de acesso

Bolsa?

1. Alda

PT/PT

CV

Geral (CT)

Engenharia Q&B

Polit. Púb.



Geral

X

2. Almesinda

STP/STP

STP

Geral (CT)

Medicina

Univ. Púb.



Embaixada

X

3. Ana

PT/PT

A/M

Geral (CT)

Engenharia Bio.

Univ. Púb.



Geral

X

4. Bruna

PT/PT

A/GB

Geral (LH)

Tradução

Univ. Púb.



Geral



5. Carolina

PT/PT

A

Geral (LH)

Serviço Social

Univ. Púb.



Geral



6. Cíntia

A/PT

A

Geral (LH)

Línguas L&C

Univ. Púb.



Geral



7. Elisa

A/Dupla

A

Recorrente

Direito

Univ. Priv.



M23



8. Júlia

PT/PT

A

Geral (LH)

C. Comunicação

Univ. Púb.



Geral



9. Lucas

A/A

A

Geral (LH)

Est. Europeus

Univ. Púb.



Geral



10. Manuela

CV/CV

CV

Profissional

S&T Informação

Univ. Púb.



Embaixada



11. Natacha

CV/CV

CV

Geral (LH)

Geografia

Univ. Púb.



Geral



12. Nuno

PT/Dupla

A/STP

RVCC

C. Comunicação

Univ. Púb.



M23

X

13. Paula

PT/A

A

Geral (A)

Psicologia

Univ. Púb.



Geral



14. Raíssa

PT/PT

A

Geral (LH)

Anim. Social

Polit. Púb.



Geral



15. Rita

STP/STP

STP

Profissional

Gestão Sist. Inform.

Univ. Púb.



Externa

X

16. Santiago 17. Vanda

CV/CV PT/PT

CV GB

Geral (A) Geral (LH)

Arte multim. Est. Africanos

Univ. Púb. Univ. Púb.

3º 3º

Geral Geral

✓ ✓

Anexos

Quadro de construção da variável “origem étnico-nacional”

Origem

Afrodescendente

Autóctone Outros

Naturalidade próprio

Naturalidade pai

Naturalidade mãe

PALOP

PALOP

PALOP

PALOP

PALOP

PT

PALOP

PT

PALOP

PT

PALOP

PALOP

PT

PT

PT

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