Jogos de tabuleiro, arte abstrata?
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Jogos de tabuleiro, arte abstrata? de Gabriel Rosa Um conceito bastante utilizado por estudiosos de games eletrônicos é a disciplina intitulada “Ludologia” (Ludology). Dentro deste termo (que pode ser entendido como disciplina encarregada do estudo dos games eletrônicos) destaco, aqui, uma classificação chamada “ludologia radical”, que busca o game puro, sem influências de outras linguagens: “Este é um argumento ludológico radical: Tudo aquilo diferente da pura mecânica dos games é, essencialmente, alheio à sua verdadeira forma estética.” (KLEVJER, 2002, p. 191 e 192). Dentre os jogos destacados com essa característica do puro está uma referência muito antiga: os jogos de tabuleiro (Board games). Estes são chamados constantemente de Abstract games (trad.: jogos abstratos). São sustentados com afinco pelos seguidores desse pensamento purista, e anunciados como portadores da verdadeira essência dos games. Essência que afirmam estar sendo perdida com os games eletrônicos mais atuais. Adentrando numa discussão recorrente no campo das artes e dos games atuais, de que se jogos podem ser considerados arte, questiono: estes (jogos de tabuleiro, abstract games) podem ser considerados arte? Ou melhor, podem ser chamados de arte abstrata, dado sua denominação como coisa abstrata? Em que ponto o caráter puro pode ser um fator importante para poder se pensar jogos de tabuleiro como arte abstrata? Pois voltemos ao conceito purista (ludologia radical), o qual estes jogos de tabuleiro carregam, no sentido de se anunciarem através dos princípios específicos próprios de sua linguagem. É também sustentado na pintura abstrata (aquela qual tem referências nos pensamentos teosóficos e metafísicos), que, ao se aprofundar em si mesma, e de tão profunda, encontra a unidade universal, origem de todas as linguagens. Por isto a necessidade de se manter puramente única e de aparência não natural, imaterial (porque apenas sem vínculos com o mundo natural que se pode chegar ao universal espiritual). “Cada arte, ao se aprofundar, fechase em si mesma e separase. Mas comparase às outras artes, e a identidade de suas tendências profundas as leva de volta à unidade. Somos levados assim a
constatar que cada arte possui suas forças próprias. Nenhuma das forças de outra arte poderá tomar seu lugar. Desse modo se chegará, enfim, à união das forças de todas as artes.” (KANDINSKY, 1996, p. 59)
No entanto as artes estão, umas das outras, mais próximas que nunca. Assim como a pintura abstrata herda conceitos da música, que é puramente imaterial, os jogos herdam da matemática, também do campo das ideias. A solução na arte, portanto, para manterla pura, é preservar as características fundamentais de cada linguagem, e assim trazer a potência das outras artes e fundílas, a ponto de chegar a uma unidade universal maior assim fez a pintura abstrata, que carrega conceitos vindos da música e até mesmo da matemática (formas geométricas/definidas). “Não basta comparar os procedimentos das mais diferentes artes: esse ensino de uma arte por uma outra não pode dar frutos se permanecer únicamente exterior. Deve ajustarse aos princípios de uma e de outra. Uma arte deve aprender da outra o emprego de seus meios, inclusive os mais particulares, e aplicar depois, segundo seus próprios princípios, os meios que são dela e somente dela.” (KANDINSKY, 1996, p. 58)
É sabido que alguns jogos de tabuleiro, como o Go (jogo originado na China e muito popular no leste da Ásia), também, assim como a arte abstrata, propõem a busca pelo equilíbrio e pela sabedoria, tornando possível uma ascensão espiritual. Mesmo com estas similaridades (origem espiritual e o uso do termo abstrato), não se pode, ainda, chamálos de arte abstrata. Pois a arte abstrata, como Mondrian ressalta, é um sentimento espiritual, ou seja, junção da razão e do sentimento: “[...] o artista não é mais um instrumento cego da intuição. Na obra de arte já não domina o sentimento natural: ela é expressão de um sentimento espiritual isto é, da unidade da razão e do sentimento. Esse sentimento espiritual, por sua própria natureza, é acessível à racionalidade, o que explica por que é eloquênte por si mesmo e por que, juntamente com a ação do sentimento, a ação do intelecto também se destaque no artista.” (MONDRIAN, 2008, p. 57)
De muito têm, estes jogos, o racional. No entanto, faltalhes o sentimento. Este pode ser aprendido através das outras linguagens (de maneira interior), mantendo seus conceitos próprios; seu caráter puro. E através da unidade entre os jogos e as artes, entre o racional e o sentimental, podese chegar a uma unidade maior que, além de tudo, é arte, arte abstrata. Referências: MONDRIAN, Piet. Neoplasticismo na pintura e na arquitetura. Cosac Naify. São Paulo, 2008. KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte. Martins Fontes. São Paulo, 1996. KLEVJER, Rune. In defense of cutscenes. CGDC conference proceedings. Tampere University Press, Tampere, 2002.
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