Jogos, Filosofia, Liberdade, Educação (Apresentação no SEED, Seminários de Estudos em Epistemologia e Didática)

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Jogos, filosofia, liberdade, educação O que jogos podem nos ensinar sobre liberdade, motivação e educação

Lucas Nascimento Machado (Doutorando em Filosofia pela FFLCH-USP) [email protected]

Jogos: Quem se importa? • Indústria que movimenta bilhões de dólares anualmente (em 2013, a indústria de games teve globalmente, segundo o site gartner.com, uma renda de 93 bilhões de dólares) • Segundo informações do site bigfishgames.com, em 2014, nos EUA: • 59% jogavam games. • A idade média dos “gamers” era de 31 anos (apenas 29% dos “gamers” tinha menos de 18 anos) • Na Grã-Bretanha, segundo uma pesquisa de 2014, 52% dos “gamers” são mulheres (48% nos EUA)

Jogos: mais reais do que a realidade? • Jane Mcgonigal: Reality is Broken (“A Realidade em Jogo”) • Em que jogos podem nos trazer uma compreensão mais profunda da realidade – e mesmo uma experiência “mais real” do que a realidade?

Jogos e Liberdade Qual é a experiência de liberdade que nos é fornecida pelos jogos – e como essa experiência seria mais real do que a experiência que costumamos ter em nossa vida cotidiana? Como jogos podem nos ensinar a tornar a nossa experiência da liberdade mais real?

Liberdade não é apenas liberdade negativa Liberdade negativa (abstrata) • Liberdade de não fazer algo; liberdade de não ter que fazer nada determinado; liberdade abstrata, desvinculada de qualquer efeito no mundo

Liberdade positiva (concreta) • Liberdade como fazer algo, como fazer aquilo que se quer; liberdade efetiva, concreta, de produzir o efeito desejado no mundo; liberdade de fazer algo

Três dimensões da liberdade positiva • Autonomia • Harmonia • Comunidade

Dimensões e Autores Dimensão • Autonomia • Harmonia • Comunidade

Autores • Sartre, Kant • Schiller • Hegel

Autonomia Autor • Kant (1724 – 1804)

• Sartre (1905 – 1980)

Ideia • Liberdade como autonomia, como seguir a uma lei autoimposta • Liberdade como liberdade em situação, escolha dentro de um campo de possibilidades estabelecido previamente

Harmonia Autor • Schiller (1759 – 1805)

Ideia • Liberdade como harmonia entre o racional e o sensível, o sujeito e o mundo externo, o finito e o infinito

Comunidade Autor • Hegel (1770 – 1831)

Ideia • Liberdade como aquilo que se efetiva apenas pela vida comunitária, pela “vida ética” (Sittlichkeit), pela intersubjetividade

Dimensões e Jogos Dimensão • Autonomia • Harmonia • Comunidade

Relação com os jogos • Participação voluntária; escolhas dentro de um campo de possibilidades regrado • Experiência de Fluxo (Flow) • Sensação de pertencimento (Relatedness)

Autonomia Kant “Só um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representação de leis, (...) ou: só ele tem uma vontade.” (KANT. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Trad. Tania Maria BernKopf. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p.123)

“(...) se a ação é representada como boa em si, por conseguinte, como necessária numa vontade em si conforme à razão como princípio da vontade, então o imperativo é categórico” (Idem ibid., p.125)

Relação com jogos “O que define um jogo são as metas, as regras, o sistema de feedback e a participação voluntária.” (MCGONIGAL, J. A Realidade em Jogo. Trad. Eduardo Riche. Rio de Janeiro, BestSeller, 2012, p.31)

“Os jogos (...) são a quintessência da atividade autotélica. Jogamos apenas porque queremos.” (Idem ibid., p.59)

• A ação como um fim em si mesma, como um exercício da liberdade por meio da atividade regulada por leis que se faz por vontade própria, e sem buscar nada externo à própria ação. • Claro, não jogamos jogos porque é nossa “obrigação moral”; mas, jogamos voluntariamente, por nenhuma outra razão senão pela própria atividade, a ação é o seu próprio fim, e nos submetemos às leis que regulam essa ação voluntariamente. O jogo como um “exercício de (ou para a) autonomia”.

Autonomia II Sartre “A situação é a demarcação concreta do exercício da liberdade, isto é, da escolha e do projeto. Por isso Sartre diz que a liberdade é sempre situada, e que a situação é a configuração real da abertura originária da realidade humana aos possíveis. (SILVA, F.L. Liberdade e Compromisso. In: Revista Cult, n. 91)

Sid Meier: “A game is a series of meaningful choices”

Jogos como espaços de possibilidades

Harmonia Schiller “O impulso sensível quer ser determinado, quer receber o seu objeto; o impulso formal quer determinar, quer engendrar o seu objeto; o impulso lúdico, então, empenha-se em receber assim como teria engendrado e engendrar assim como o sentido almeja receber.” (SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem. Trad. Roberto Schwarz/Márcio Suzuki. São Paulo, Ed. Iluminuras, Carta XIV, p.70)





Experiência de Fluxo: David Sudnow e seu livro de memórias sobre sua experiência com o jogo Breakout. Jogos como criando uma situação de harmonia do sujeito com o mundo externo, de completa imersão devido à harmonia das ações e da vontade do sujeito (“engendrar o seu objeto”) com o mundo externo, o “mundo sensível” que ele experiencia (que ele “recebe”) e no qual ele age, de modo que ele “recebe assim como teria engendrado e engendra assim como o sentido almeija receber”

Comunidade Hegel “A obrigação que nos liga apenas pode aparecer enquanto delimitação contra a subjetividade indeterminada ou contra a liberdade abstrata. (...) Na obrigação, o indivíduo liberta-se para a liberdade substancial.” (HEGEL, G.W.F. Filosofia do Direito. Trad. Paulo Meneses et. Ali. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2010, pp. 169-170 )

Relação com Jogos • Comunidades que se criam em torno de jogos: World of Warcraft, Halo 3, mesmo Scrabble Online (!) etc. • Ambientes épicos, senso de pertencimento a algo maior do que você mesmo - Halo 3 e o “Museu da Humanidade” (MCGONIGAL, ibid., p.105) • Seligman e McGonigal sobre a pobreza de sentido do eu (isolado) e a necessidade de pertencimento a um contexto maior

Aplicações Concretas Motivação • Gamificação (Kevin Werbach, curso sobre Gamification no Coursera) • Serious/Persuasive Games (Ian Bogost) • Alternative Reality Games (ARG – Jane Mcgonigal)

Educação • Video Games and Learning (Coursera): os princípios de Gee • The Multiplayer Classroom (Lee Sheldon) • Fazgame

Gamificação (Gamification Coursera) • Gamificação é o uso de elementos de games e de game design em situações que não são de jogos • Ex: Fitocracy, Samsung Nation, Windows Languag Game, etc.

Gamificação: dois paradigmas Behaviorista • Observação do comportamento • Motivação Extrínseca • Estímulo e resposta • Condicionamento (Recompensas, Punições)

Cognitivista • Ênfase no que está ocorrendo “dentro” da pessoa, seus pensamentos, sentimentos etc. • Motivação Intrínseca • Teoria da autodeterminação (Self-determination theory – Edward L. Deci e Richard Ryan)

Teoria da autodeterminação: de que é feita a motivação intrínseca • Autonomia • Competência • Senso de integração (Relatedness)

Teoria da autodeterminação e as dimensões filosóficas da liberdade Teoria da autodeterminação • Autonomia • Competência • Senso de integração (Relatedness)

Filosofia • Autonomia • Harmonia (capacidade de realizar no mundo aquilo que se tem vontade de realizar, harmonia entre o sujeito e o mundo sensível) • Comunidade (sentimento de pertencimento a algo maior do que si mesmo como o que inspira a sensação de liberdade, em vez de inibi-la)

Serious Games • Uso de jogos para ensinar habilidades e/ou comportamentos, provocar mudança social, ajudar pessoas, etc. • Ex: Airport Insecurity (Persuasive Games)

Alternative Reality Games • Jane Mcgonigal, jogos que se integram à realidade e pretendem ampliá-la • Não precisam ser games: o que importa é a dinâmica, a estrutura. • Exemplos: Superbetter, Tombstone Hold’em, Bounce etc.

Jogos e Educação: Os princípios de James Paul Gee (Video Games and Learning Coursera) • Codesign • Significado como ação • Customização • Aquários • Caixas de areia (Sandboxes) • Manipulação • Problemas bem-ordenados • Agradavelmente frustrante • Informação na hora certa e por demanda • Pensamento de Sistemas (System Thinking) • Ciclo de proficiência • Habilidades como Estratégias

Princípios de Gee e dimensões filosóficas da liberdade Princípios 1. Codesign, customização, habilidades como estratégias 2. Caixas de areia, aquário, agradavelmente frustrante, manipulação, Ciclo de proficiência, problemas bem ordenados 3. Pensamento de sistemas

Dimensão filosófica 1. Autonomia (escolha, poder decisório, determinação de objetivos etc.) 2. Harmonia (Competência, estado de fluxo, adequação às capacidades do jogador/estudante, etc.) 3. Comunidade (relação com o todo, compreensão da integração das partes em um todo maior)

A escola Multiplayer • Não notas, mas sim experiência • Em vez de começar do topo e cair a cada erro cometido, começar embaixo e subir a cada avanço obtido

Fazgame • Iniciativa nacional: não apenas usar jogos na educação, mas ensinar por meio da criação de jogos • Interface intuitiva que introduz a noções básicas de programação e game design • Ao criar o jogo, o estudante aprende sobre o tema do jogo que está fazendo, e relacionase com ele em outro nível • Jogos ficam disponíveis no site: https://www.fazgame.com.br/

Considerações Finais Por um lado...

Por outro lado...

• Jogos podem ser meios de fornecer estruturas para o exercício concreto da liberdade em suas três dimensões • Podemos aprender a inserir estruturas tais como aquelas fornecidas em jogos em nosso cotidiano • A pergunta é: como organizamos a nossa vida e as nossas atividades de maneira a conseguirmos uma experiência mais autêntica da liberdade? • Jogos podem ajudar a responder essa pergunta.

• Jogos também podem ser usados para criar estruturas abusivas, viciantes, condicionadoras (modelo behaviorista). Visões distópicas do futuro (Curta “Sight”) • Jogos não podem ser a solução de todos os problemas; a liberdade não se esgota na experiência do belo, há também a experiência do sublime (Schiller) • Nem tudo tem que se parecer um jogo e dar a sensação de estar jogando; banalização do jogo e da realidade

Uma solução possível • “Gamificar” não precisa ser dar a aparência e a forma de um jogo; antes, deve significar aprender com jogos como certas estruturas promovem a liberdade, a motivação intrínseca e o envolvimento, independentemente de parecerem um jogo ou não (Artigo no NY Times “Gamification done right”, de Andre Behrens)

Referências • Links – – – – – – – – – –

http://www.bigfishgames.com/blog/2015-global-video-game-stats-whos-playing-what-and-why/ http://www.gartner.com/newsroom/id/2614915 http://en.wikipedia.org/wiki/Video_game_industry http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/liberdade-e-compromisso/ http://open.blogs.nytimes.com/2013/06/11/gamification-done-right/?_r=0 https://www.fazgame.com.br/ https://www.superbetter.com/ http://www.persuasivegames.com/ https://www.coursera.org/course/videogameslearning https://www.coursera.org/course/gamification

• Bibliografia – – – – –

HEGEL, G.W.F. Filosofia do Direito. Trad. Paulo Meneses et. Ali. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2010. KANT. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Trad. Tania Maria BernKopf. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980. MCGONIGAL, J. A Realidade em Jogo. Trad. Eduardo Riche. Rio de Janeiro, BestSeller, 2012. SHELDON, L. The Multiplayer Classroom. Boston: Course Technology, 2012. SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem. Trad. Roberto Schwarz/Márcio Suzuki. São Paulo, Ed. Iluminuras.

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