JORGE CUSTÓDIO – A Real Fábrica de Vidros de Coina [1719-1747] e o vidro em Portugal nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: IPPAR, 2002. ISBN 972-8736-08-8

July 24, 2017 | Autor: Virgolino Jorge | Categoria: Industrial Archaeology, Glass, Glass (Archaeology), Architectural Heritage, Portugal (Archaeology), Cultural Patrimony, Art Glass, Archaeology, Historical Archaeology. Medieval Archaeology, Anthropology, Social Identities, Material Culture, Artefact Studies, Diaspora Studies, Trade and Exchange, Patrimonio Cultural, Jewelry Making, Glass Making Technology, Materials, Glasses, Patrimoine, Glass Manufacture, Industrial Archaeology & Heritage, Artefacts, Patrimonio Industrial, Patrimonio, Industrial and Historical Archaeology, Conservation of Composite Artefacts, Patrimônio Cultural, Vidro, Glass (Art history), Industrial Archeology, Glass Art, Verre, Glass industry, Archeologia Industriale, Vidrios Artísticos, Social Interpretation of Archaeology and Artefacts, Glasses Fabrication, Facon De Venise, Coina (Portugal), Marinha Grande (Portugal), Cultural Patrimony, Art Glass, Archaeology, Historical Archaeology. Medieval Archaeology, Anthropology, Social Identities, Material Culture, Artefact Studies, Diaspora Studies, Trade and Exchange, Patrimonio Cultural, Jewelry Making, Glass Making Technology, Materials, Glasses, Patrimoine, Glass Manufacture, Industrial Archaeology & Heritage, Artefacts, Patrimonio Industrial, Patrimonio, Industrial and Historical Archaeology, Conservation of Composite Artefacts, Patrimônio Cultural, Vidro, Glass (Art history), Industrial Archeology, Glass Art, Verre, Glass industry, Archeologia Industriale, Vidrios Artísticos, Social Interpretation of Archaeology and Artefacts, Glasses Fabrication, Facon De Venise, Coina (Portugal), Marinha Grande (Portugal)
Share Embed


Descrição do Produto

APRESENTAÇÃO Falar desta obra é falar um pouco do Autor e da sua transversalidade de conhecimentos, devida à sua formação multifacetada, ao seu carácter humanista, à sua inquietude social e ao seu espírito inovador. Para testemunhar a minha opinião abonatória, acerca da seriedade profissional e da competência científica de Jorge Custódio, eu poderia invocar vários exemplos. Mas o que deverei realçar, aqui e agora, para a compreensão deste estudo, é, sobretudo, o pioneirismo com que ele introduziu a arqueologia industrial, entre nós. Com efeito, as manufacturas, as fábricas mecanizadas, as minas, os meios de comunicação e o mundo industrial e laboral constituem as preocupações de estudo de Jorge Custódio, já desde os finais da última década de Setenta. Este seu universo de conhecimentos reflectiu-se, de modo muito positivo, no estudo, salvaguarda e valorização de um vasto espólio do nosso património industrial. Exemplificam-no, entre outros, os valiosos contributos que ele deu para as obras de salvaguarda da Estação Elevatória de Água dos Barbadinhos e da Central Tejo, ambas em Lisboa, para as da Tinturaria Pombalina da Covilhã e para a musealização da Fábrica de Cortiça de Silves e da máquina a vapor de Soure. O seu percurso de investigação e de trabalho anda associado, por conseguinte, a esta vivência cheia de novidades, mas também de algumas contrariedades, devidas ao alcance das suas pesquisas preliminares e a uma certa precariedade de resposta das instituições envolvidas. Como se sabe, a arqueologia industrial ultrapassa o vulgar da história económica e assume o conjunto das técnicas de escavação utilizadas pelas suas congéneres mais clássicas, adicionando-lhe novas metodologias estratigráficas e novos registos espaciais. Jorge Custódio iniciou as primeiras escavações, cientificamente conduzidas em unidades produtivas setecentistas e oitocentistas, entre as quais se inclui a Real Fábrica de Coina, numa época em que confundíamos ainda a arqueologia industrial com o património industrial. Este livro é tributário das campanhas arqueológicas realizadas naquela manufactura joanina, durante a última década de Oitenta. A arqueologia industrial permitiu-lhe uma análise dos artefactos vidreiros, perspectivando-se uma realidade laboral total, desde as matérias-primas às técnicas desenvolvidas, aos instrumentos utilizados e às influências culturais, materiais e estilísticas da época. Como resultado, temos esta obra abrangente, que ultrapassa o âmbito monográfico da unidade manufactureira e nos remete para o domínio das relações existentes entre o mundo das decisões políticas, o das premências de uma economia que urgia modernizar, dentro de um espírito mercantilista, e uma indústria dominada pelos artífices.

A Real Fábrica de Vidros de Coina e o vidro em Portugal nos séculos XVII e XVIII é, portanto, um livro que cruza diversas leituras históricas, inserindo o estudo da manufactura no contexto do vidro português do período barroco, entre a influência das técnicas italianas e o apogeu do vidro da Boémia. Essa intrincada relação articula-se – e aqui radica a originalidade – com valências tecnológicas e artísticas que libertam o texto de uma leitura meramente histórica, para reflectir e acentuar aspectos omitidos nalgumas investigações académicas. Só é possível atingir este patamar interpretativo e compreensivo, quando se possuem elementos capazes de valorizar os resultados do ofício do historiador e de os integrar nos horizontes do conhecimento. Esses elementos são os vestígios arqueológicos. É por essa razão que eu entendo este livro, acima de tudo, como um trabalho de arqueologia, no qual os documentos arqueológicos são olhados como se fossem documentos escritos. Após uma leitura sintética da manufactura e da tecnologia do vidro do século XVIII – quase sempre acompanhada pela iconografia das unidades vidreiras setecentistas – o Autor estabelece o quadro analítico dos fornos portugueses anteriores aos da vila de Coina. Ficámos a saber que, no nosso País, onde as oficinas tradicionais eram a regra, as tecnologias do vidro italiano apareceram nos inícios de Seiscentos e no ambiente mecenático da Casa de Bragança, em Vila Viçosa. A fundação do estabelecimento industrial de Coina ocorreu quando o declínio da vidraria italiana se anunciava e as indústrias vidreiras inglesa, francesa e alemã se renovavam e se expandiam para outros países. A história desta manufactura, que permitiu experiências e congregou mestres artífices, é analisada através das suas administrações e laborações e, ainda, do acervo das tecnologias disponíveis e das características dos seus fornos. Em Coina, foram adoptadas diferentes técnicas de laborar o vidro, as quais estão documentadas nos vestígios arqueológicos e na tipologia dos seus produtos. Com apelo a estes dados importantes, e por iniciativa do município do Barreiro e do IPPAR, a estação arqueológica de Coina foi classificada como imóvel de interesse público, em 1997. Neste livro, o catálogo dos vidros de Coina foi elaborado e seleccionado a partir de milhares de fragmentos estudados, sem nunca ter perdido de vista os processos produtivos, nos quais os mestres vidreiros introduziram as regras corporativas da formação profissional coeva. Este estudo paciente e exaustivo permitiu que o Autor chegasse a algumas conclusões e hipóteses, nomeadamente quanto à produção da manufactura joanina e ao significado da vidraça, para uma melhor compreensão e leitura da arquitectura barroca. Na trilogia essencial da produção desta manufactureira – a cristalaria, a vidraria e a coparia, o vidro plano e a garrafaria – foi identificado vidro cristal fabricado com chumbo e, ainda, a presença de componentes tipológicas de diferentes origens técnicas no conjunto produtivo, como a façon de Venise, a façon d’Angleterre, a tradicional e a proveniente da moda do vidro da Boémia. Quanto ao fabrico da vidraça, o Autor identificou a tecnologia do vidro plano vazado e moldado em mesa metálica, então uma inovação técnica

2

francesa que entrou, pela primeira vez, na Península Ibérica, através do porto de Lisboa, uns anos antes de ser aplicada em Castela e na Inglaterra. O abandono da mesa em Coina, quando a manufactura se transferiu para a Marinha Grande, prova que a tecnologia não se adaptou à realidade económica portuguesa, preferindo-se as chapas sopradas à modernidade planimétrica. O destino destas últimas era o fabrico de espelhos, em geral uma encomenda sumptuosa da realeza ou das aristocracias de sangue ou de dinheiro. Ainda assim, foram identificados alguns vestígios de espelhos, que provam que ali se chegou a ultimá-los. Por outro lado, passa a dever-se ao Autor o acentuar do significado da vidraça, para uma melhor compreensão e leitura da nossa arquitectura barroca, pela diafaneidade que a luz exerce no interior dos edifícios. Quanto à garrafaria, estabeleceu-se uma importante distinção entre os recipientes tradicionais, para verter líquidos, e a modernidade das garrafas destinadas à embalagem para comércio. Este facto torna Coina uma manufactura muito avançada no contexto europeu, partilhando com a Inglaterra e a Holanda um importante papel, que urge clarificar, na produção de garrafas para vinho generoso, no qual se encontrava o vinho do Porto. No âmbito da produção, levanta-se ainda uma hipótese a não desprezar, pois Jorge Custódio afirma que, junto aos fornos vidreiros, se fabricavam também cachimbos de cerâmica, eventualmente destinados ao mercado. A problemática levantada pela constituição exaustiva do catálogo da manufactura de Coina adquire uma importância fundamental, quando o Autor equaciona a transferência das oficinas da margem esquerda do Tejo para o Pinhal do Rei, junto à Marinha Grande, e a sua continuidade, em termos de operários, de tecnologias e vidros. Neste ponto, tece algumas críticas a estudos anteriores, que omitiram Coina e valorizaram o lugar da vidraria marinhense setecentista. Este aspecto é uma das principais conclusões do estudo agora publicado. Sendo assim, é a Coina que a Marinha Grande deve as suas origens vidreiras, relegando-se para um plano mais secundário o desempenho vidreiro do fabricante de cal de Alcântara, de nome Guilherme Stephens. Esta filiação encontra-se estudada ao pormenor, de forma comparativa e generativa. Prolongando assim a análise dos vidros de Coina, para além do seu lugar de origem e num outro contexto histórico, o Autor permite-nos observar, com maior rigor, as variáveis desenvolvidas, quer no tempo de John Beare ‒ o introdutor do vidro na Marinha Grande ‒ quer no tempo dos Stephens. As diferenças entre as duas etapas foram analisadas em função dos contextos das respectivas épocas: no tempo de Beare, o pinhal deteve uma força superior, em relação aos fornos vidreiros consumidores de combustível, enquanto que, no tempo de Stephens, se deu o contrário. Apoiados no Estado pombalino, os fabricantes tiveram mais peso na luta contra os ancestrais interesses da floresta. Servindo-se de um método que contempla a iconografia do vidro, Jorge Custódio alarga os horizontes da interpretação, penetrando na vida quotidiana da época barroca, através dos ambientes onde o vidro é retratado e pelos quais é possível entender as mentalidades, pela mediação dos vestígios

3

arqueológicos, da literatura e da pintura. A este propósito, refira-se que a personalidade de Guilherme Stephens foi aqui enriquecida pela publicação de uma poesia inédita da marquesa de Alorna, encontrada no Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas. Um outro contributo valioso desta obra, para os estudos do vidro no nosso País, é o extenso catálogo final. Com a classificação e o arquivo sistematizado dos fragmentos encontrados, passa a ser possível identificar uma parte substancial da vidraria de Coina, quer nas colecções dos museus portugueses quer, por analogia, com fragmentos provenientes de intervenções de arqueologia urbana. Um significativo acervo documental serve de provas e com elas a obra ganha substância e valor. Não tenho dúvidas em afirmar que este livro de Jorge Custódio, pelas hipóteses avançadas e conclusões oferecidas, constituirá um importante estímulo para novas pesquisas sobre as dúvidas levantadas, tornando-se uma obra de referência. Com esta convicção, formulo votos para que ele alcance o êxito que justamente merece. Virgolino Ferreira Jorge Março de 2002

4

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.