Jornadas de Junho: explorando os sentidos da indignação social contemporânea no Brasil

Share Embed


Descrição do Produto

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

Jornadas de junho: explorando os sentidos da indignação social contemporânea no Brasil Renata Barbosa Lacerda 1 Thiago Brandão Peres 2

Resumo O presente artigo expõe uma interpretação possível acerca dos “protestos que marcaram o país”. A argumentação divide-se em dois planos analíticos complementares. O primeiro, histórico, segue os cuidados metodológicos propostos por Bringel (2013), cujo objetivo principal é corrigir uma série de miopias presentes nas análises sobre o que vem se convencionando denominar as jornadas de junho. O segundo plano observa como demandas já existentes convergiram nessas manifestações e como as principais pautas foram sendo construídas no processo. Desse modo, as manifestações multitudinárias são tratadas como um processo histórico, inteligível em sua complexidade somente quando abordado em retrospectiva. Palavras chave: jornadas de junho, ação coletiva, direito à cidade, protestos de rua, redes sociais digitais

Abstract The present article expounds a possible interpretation about the “protests that marked the country”. The argumentation is divided in two complementary analytical plans. The first plan, historical, follows the methodological concerns proposed by Bringel (2013), which the main purpose is to correct a series of short-sightedness in the analyses about what it is being called journeys of June. The second plan observes how already existing demands converged in these protests and how the main items on the agenda have been constructed in the process. Therefore, the massive protests will be treated as a historical process, intelligible in its complexity only when is addressed in retrospective. in the process. Therefore, the 1

Mestranda em Antropologia no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ) 2 Mestrando em Sociologia no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ)

43

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

massive protests will be treated as a historical process, intelligible in its complexity only when is addressed in retrospective. Keywords: journeys of June, collective action, right to the city, street protests, digital networks

Introdução

anos – por vezes, décadas – por vários coletivos. Desse modo, as manifesta-

Neste artigo,3 é exposta uma in-

ções

multitudinárias

são

tratadas

terpretação possível, entre muitas,

como um processo histórico, inteligível

acerca dos “protestos que marcaram o

somente quando abordadas em re-

Brasil”. A argumentação divide-se em

trospectiva.

dois planos analíticos distintos e com-

De acordo com Bringel (2013), a

plementares. O primeiro, historiográ-

dificuldade interpretativa relativa às

fico, segue os cuidados metodológicos

manifestações de junho não é resul-

propostos por Bringel (2013), cujo ob-

tado apenas da complexidade de se

jetivo principal é evitar uma série de

examinar um contexto em constante

miopias ao analisar o que vem se con-

mudança. É também a consequência

vencionando denominar as jornadas

de uma série de miopias, a saber: mio-

de junho. O segundo plano, etnográ-

pia temporal passado/presente; mio-

fico, permite observar convergências

pia da política; e a miopia do visível. A

entre as mobilizações de junho de

primeira tende a sobredimensionar as

2013 e demandas reivindicadas há 3

O presente texto faz parte de um projeto maior sobre as jornadas de junho. Agradecemos aos pareceristas

anônimos da revista Enfoques as críticas e sugestões que nos foram oferecidas e que serviram, indubitavelmente, para aprofundar os temas aqui debatidos. Agradecemos em especial à fotógrafa e cientista social Stéphanie Nicolato Chauvin os comentários e o fornecimento de fotos dos cartazes dos quais nos valemos para escrever este artigo.

44

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

lutas atuais classificando-as como no-

pulsionadas pelo Movimento Passe Li-

vos mitos fundadores; a segunda res-

vre (MPL) e as mobilizações anteriores,

tringe a política à sua dimensão polí-

as quais, por meio de suas redes (visí-

tico-institucional, impossibilitando a

veis e subterrâneas), produziram o

compreensão da reinvenção da polí-

acúmulo necessário para que trans-

tica e do político a partir das práxis so-

bordasse nas manifestações multitudi-

ciais emergentes. A miopia do visível

nárias. Em sua argumentação, Bringel

refere-se à limitação interpretativa das

analisa os protestos de junho de 2013 apoiando-se na distinção analítica pro-

mobilizações contemporâneas à sua

posta por McAdam (1995) entre movi-

face visível (nas ruas e nas praças),

mentos iniciadores (“initiator” move-

sendo incapaz de captar os sentidos das

ments)

redes submersas, suas identidades e os

e

movimentos

derivados

(“spin-off” movements):

significados das dimensões invisíveis para um observador externo. (BRINGEL, 2013: 44).

Os primeiros seriam responsáveis por identificar brechas, realizar enquadra-

Concordamos com a pondera-

mentos provisórios, agitar e encorajar a

ção de Arbex Jr. (2013), segundo a qual

mobilização social, e, quando bem-sucedidos [...], passariam a acompanhar-se

as manifestações no Brasil vinham se

dos segundos, os derivados, “intérpre-

anunciando há tempos, embora “só re-

tes criativos” do cenário aberto.

trospectivamente os sinais ganhem vi-

Haveria, assim, movimentos madruga-

sibilidade”. Dessa forma, analisamos as

dores que acendem a chama da mobili-

manifestações como um processo,

zação social. No caso brasileiro, há certo consenso que um dos principais atores

corrigindo historicamente nosso foco

iniciadores foi o Movimento Passe Livre

interpretativo por meio da associação

(MPL), movimento social autônomo

entre as primeiras manifestações im-

que, por meio da reivindicação do passe livre estudantil, abriu um campo de conflito e de debate mais amplo sobre o

45

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

No início de 2011, seguiram-se

transporte coletivo urbano. (BRINGEL, 2013: 44, grifos do autor).

manifestações semanais com a mesma pauta e exigindo a abertura de diálogo

Vejamos esse ponto mais deti-

com o secretário de Transportes e com

damente. O MPL de São Paulo começa

Gilberto Kassab – na época, prefeito de

a fazer debates acerca da possibilidade

São Paulo. Mesmo sofrendo repres-

de se estabelecer o passe livre desde

sões sucessivas durante as manifesta-

2005 na cidade de São Paulo. Sua carta

ções, tanto pela polícia militar quanto

de princípios é redigida e aprovada na

pela guarda civil, outros grupos se mo-

Plenária Nacional pelo Passe Livre, no

bilizaram junto ao MPL, conseguindo

V Fórum Social Mundial, realizado em

reunir mais de 5 mil pessoas no centro

Porto Alegre. Em 2006, foi criada a

da cidade de São Paulo no 7o ato de

Frente de Luta Contra o Aumento, que

2011.4 Nesse mesmo ano, manifesta-

realizou uma série de manifestações

ções em Belém e em Porto Velho con-

em São Paulo nos dias 25 e 30 de no-

seguiram reverter o aumento das tari-

vembro, assim como no dia 1o de de-

fas na primeira cidade e suspendê-lo

zembro, além de outros atos regionais.

por duas semanas na segunda.

Em janeiro e fevereiro de 2010, o

Contudo, já em 2003, em Salva-

MPL/SP organizou outros protestos

dor, contínuas manifestações – deno-

contra o aumento das tarifas por meio

minadas pelos militantes de Revolta

da criação, junto com outros grupos

do Buzu – com milhares de pessoas fe-

políticos, da Rede Contra o Aumento

charam as vias públicas protestando

da Tarifa. No final de 2010, houve mais

contra o aumento da tarifa e parali-

três manifestações no centro da ci-

sando a cidade por três semanas. Se

dade.

4

Para uma cronologia das manifestações organizadas pelo MPL, ver MPL-SP (2013: 18).

46

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

mesmo com a intensidade das mani-

çaram o poder público a revogar o au-

festações não se obteve a redução da

mento e serviram de base para a fun-

tarifa do transporte público, a experi-

dação do MPL no ano seguinte” (MPL-

ência de Salvador inspirou, um ano de-

SP, 2013: 15).

pois, em 2004, a realização de protes-

As revoltas em Salvador e em

tos pela redução das tarifas em Floria-

Florianópolis, portanto, são lembradas

nópolis – conhecidos como a Revolta

como referências-chave para a funda-

da Catraca. A pressão exercida pelos

ção do movimento. Percorrer os cami-

milhares de manifestantes – a prefei-

nhos dos fluxos de inspiração que cada

tura decretou ponto facultativo para

mobilização produz sobre as outras

funcionários estaduais, suspensão das

nos fornece elementos para irmos

aulas de colégios municipais e estadu-

além da face visível das manifestações:

ais, e a “Câmara dos Dirigentes Lojistas

a ênfase na repressão e a mobilização

orientou os comerciantes do centro da

via redes sociais digitais como vetores

cidade a não abrirem as portas” (LUDD,

privilegiados do protesto.

2004: 15) ― concretizou-se na suspen-

Vejamos dois exemplos:5 em Li-

são do reajuste por meio de uma me-

fschitz (2013), acompanhamos a histó-

dida judicial levada a cabo pelo juiz fe-

ria da trajetória de Guy Fawkes, cató-

deral Jurandi Borges Pinheiro: “Ocu-

lico inglês que pertencia a um grupo

pando terminais e bloqueando a ponte

religioso que lutava contra a proibição

que dá acesso à ilha, os protestos for-

dos direitos políticos papistas cujo

5

As miopias sugeridas por Bringel (2013) são adotadas neste artigo como “cuidados metodológicos” para

nossa análise sobre as manifestações. Selecionamos dois artigos como exemplo da ausência desse rigor metodológico. Cabe salientar a estratégia muito comum, porém grosseira, de acusar de reducionismo uma teoria previamente reduzida. Entretanto, os dois artigos são abordados aqui menos por sua miopia que por serem representativos na ênfase de determinados elementos (nesse caso, a repressão e as redes sociais digitais) nas interpretações das manifestações.

47

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

plano era explodir a “Câmara dos Lor-

grupos avancem nas ruas como um po-

des quando o rei anglicano Jaime I es-

der demolidor e destrutivo. (LIFSCHITZ, 2013: 701).

tivesse reunido com os parlamentares” (LIFSCHITZ, 2013: 705). Enforcado,

No artigo de José dos Santos e

Fawkes é alçado a símbolo cuja história

Valmaria Santos, podemos conferir,por

inspirou o romance gráfico V de vin-

meio de mapas e ilustrações, a geogra-

gança, de Alan Moore, e o filme homô-

ficidade dos protestos contra o rea-

nimo dirigido por David Lloyd em

juste da tarifa do transporte – que, se-

2006. Em seu artigo, Lifschitz aborda o

gundo os dados levantados, ocorre-

uso de máscaras de Fawkes por alguns

ram, “pelo menos, em 104 cidades de

manifestantes. Entretanto, em termos

17 estados, conforme levantamento

de análise crítica, as jornadas de junho

do Portal G1, em três de julho de 2013”

aparecem como uma relação de causa

(SANTOS; SANTOS, 2013: 18). Pode-

e efeito de repressão policial e reação

mos conferir também o papel das re-

à repressão:

des sociais digitais nas manifestações – chamado de meio comunicacional e

Causa 1: protesto pelo aumento do

entendido como uma fase atual do es-

preço das passagens de ônibus. Efeito 1:

paço geográfico, em que

passeata pela redução do preço das passagens de ônibus. [...] Causa 4: a violência policial é registrada

a informação e os instrumentos de co-

nas redes sociais e provoca fortes rea-

municação (computadores, notebooks,

ções na mídia internacional. Efeito 4: nas

celulares, smartphones etc.) constituem

manifestações seguintes, a polícia faz

objetos técnicos presentes, possibili-

“corpo mole” (expressão popular que

tando redes de comunicações entre su-

bem caracteriza uma atitude de resigna-

jeitos socioespaciais diversos. (SANTOS;

ção e complacência), permitindo que

SANTOS, 2013: 8).

48

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

Segundo os autores, conecta-

tantes, mas sobre-estimados. Ao inter-

das umas às outras, as pessoas intera-

pretá-las historiograficamente, como

gem e articulam-se de forma descen-

veremos no caso do Rio de Janeiro,

tralizada, horizontal. As redes sociais

compreendemos os fluxos que inspira-

digitais alterariam as escalas, dissolve-

ram outras movimentações pelo Brasil,

riam fronteiras, sendo “extremamente

as quais emergiram dialogicamente

usadas, nesse meio técnico-científico-

tanto pelos laços de solidariedade

informacional, como mecanismo de

(contra a repressão) quanto pelos de

poder e lutas por melhorias” (SANTOS;

inspiração – o acúmulo do debate so-

SANTOS, 2013: 20). De fato, há rele-

bre mobilidade urbana para além das

vante papel das redes como meio de

redes sociais digitais (VIANA, 2013),

organização das manifestações. Con-

conforme veremos mais adiante. Porto

forme pesquisa realizada pelo Ibope,6

Alegre, São Paulo, Goiânia, Natal, Be-

86% dos manifestantes se mobilizaram

lém, Florianópolis, Brasília, Rio de Ja-

por meio de redes sociais como o Face-

neiro, Teresina, Maceió, Curitiba, Re-

book e o Twitter, e os que utilizaram al-

cife, Fortaleza, além de outras cidades,

guma rede social para convocar outras

inclusive do interior, foram marcadas

pessoas somam 75%.

por grandes manifestações a partir de

Entretanto, a reação à repressão

2013 por meio desses fluxos – ainda

e o uso de redes sociais digitais para

que com especificidades locais quanto

convocar protestos são a face visível

aos agentes que tiveram mais desta-

das manifestações – elementos impor-

que no processo e às suas formas de atuação.

6

A pesquisa foi realizada nas capitais de sete estados (SP, RJ, MG, RS, PE, CE, BA) e em Brasília na quinta-feira, dia

20 de junho de 2013. Foram entrevistados 2.002 manifestantes com 14 anos ou mais, com margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos. Segundo o Ibope, as entrevistas foram feitas por uma equipe de entrevistadores treinada para a abordagem desse tipo de público. Mais detalhes em: . Acesso em: junho de 2013.

49

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

essa convergência também nos permiMiopia temporal presente/passado:

tiu corrigir o foco do que Bringel

o caso do Rio de Janeiro

aponta como miopia temporal presente/passado – uma miopia que

Na cidade do Rio de Janeiro, a

tende a sobredimensionar as lutas atu-

pauta sobre mobilidade urbana pas-

ais considerando-as novos mitos fun-

sou a ganhar espaço com o Fórum de

dacionais:

Lutas contra o Aumento da Passagem, Se isso, em geral, acontece com os jo-

em janeiro de 2012, que se voltou con-

vens, gerações que participaram de ou-

tra os aumentos nas barcas, nos ônibus

tras lutas sociais de relevância societária

e no metrô. Ao lado dos exemplos de

tendem sempre a compará-las, superva-

outras cidades quanto à redução das

lorizando aquelas nas quais estiveram

tarifas de transporte, houve, no Rio de

mais diretamente envolvidos (algo habi-

Janeiro, uma convergência entre diver-

tual no Brasil com as lutas contra a ditadura). Em ambos os casos, há um pro-

sas mobilizações anteriores à primeira

blema sério de memória histórica e de

grande manifestação no dia 10 de ju-

transvase intergeracional da militância.

nho na Cinelândia. Através de uma

(BRINGEL, 2013: 44).

breve etnografia das manifestações, demonstraremos essa convergência

Portanto, para corrigir nosso

por meio dos cartazes, bandeiras e pa-

foco interpretativo, faz-se necessário

lavras de ordem entoadas pelos mani-

destacar essas lutas e observar suas

festantes, que, ao lado de outras ban-

convergências com as jornadas de ju-

deiras mais pontuais, exigiam o cum-

nho. Encontramos uma primeira con-

primento de demandas específicas e

vergência nas lutas contra a remoção

reivindicadas há anos – por vezes, há

dos indígenas e na tentativa de demo-

décadas – no Rio de Janeiro. Analisar

lição do prédio da Aldeia Maracanã.

50

Enfoques

Completamente

Vol. 13 (1) Junho-2014

abandonado

para os povos indígenas por seu valor

(vidros quebrados, paredes pichadas,

histórico. Contudo, este local também é alvo de grande especulação imobiliária,

fachada deteriorada, lixo acumulado),

pois a proximidade ao bairro central da

o prédio foi ocupado por indígenas em

Capital, a proximidade do trem e metrô,

20 de outubro de 2006. Com o auxílio

e principalmente por ficar ao lado do Es-

de militantes de outros movimentos

tádio do Maracanã, torna-se um atrativo

sociais, os indígenas realizaram muti-

para os grandes empresários da região. (2013: 3-4).

rões de limpeza para a reapropriação do local. Sensibilizado com a manifes-

A disputa pelo local por interes-

tação do grupo, Pedro Cabral, superin-

ses privados foi acentuada em virtude

tendente do Ministério da Agricultura,

da eleição do Rio de Janeiro como

Pecuária e Abastecimento (MAPA), re-

sede da Copa de 2014. A notícia da re-

cebeu-o “em sua sede no centro do

moção dos indígenas e da demolição

Rio de Janeiro e deu parecer favorável

do prédio veio com a justificativa da

para a construção do centro de cultu-

otimização do escoamento dos torce-

ras indígenas” (BARRETO; LOPES, 2013:

dores para assistirem aos jogos no es-

1). Por muitos anos os subsídios para a

tádio do Maracanã de acordo com o

reforma do prédio foram aguardados.

padrão da Federação Internacional de

Segundo Barreto e Lopes,

Futebol (Fifa). Na manhã de 12 de janeiro de 2013, chegam os primeiros

enquanto isso o grupo de ocupantes re-

carros da Polícia Militar do Rio de Ja-

cebia visitas de simpatizantes que apresentaram ideias para revitalização do

neiro para cumprir a ação de reintegra-

espaço, não dependendo apenas da

ção de posse. Contudo, sensibilizados

venda do artesanato, mas realizando

com a resistência dos indígenas do lo-

cursos, palestras, para as escolas e uni-

cal, militantes de partidos políticos e

versidades do Rio de Janeiro. [...] A loca-

movimentos sociais, estudantes, pro-

lização do espaço ocupado pela Aldeia Maracanã é de extrema importância

51

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

fessores, pessoas com pouco ou ne-

SILVA, 2010; entre outros). Mobiliza-

nhum contato com uma organização

ções contra as remoções já emergiram

política deslocaram-se de várias regi-

no Horto, em Manguinhos, no Morro

ões da cidade para impedir o cumpri-

da Providência, na Vila Autódromo, no

mento da reintegração. Mídias alterna-

Morro da Indiana, no Morro da Babilô-

tivas denunciaram abusos por parte

nia, além de resistências em outras fa-

dos policiais. Fotos e vídeos de indíge-

velas. Mobilizações foram organizadas

nas algemados, pés descalços sobre o

ainda no Borel para lembrar a chacina

asfalto, sofrendo com o gás lacrimogê-

sofrida em 2003. No Morro do Alemão,

neo e com o spray de pimenta ou bra-

no Morro São Carlos e no Morro da

dando palavras de ordem de resistên-

Coroa, moradores denunciaram vio-

cia correram o mundo tanto pelas re-

lência policial – antes e depois da ins-

des sociais digitais quanto pelos gran-

talação da Unidade de Polícia Pacifica-

des veículos de comunicação. Depois

dora

de dois meses de intensa mobilização

2013). É importante lembrar que ou-

e “sob os holofotes de canais interna-

tras comunidades já resistiam aos efei-

cionais, indígenas e ocupantes foram

tos das UPPs nos últimos anos, especi-

expulsos” (BARRETO; LOPES, 2013: 6).

almente em 2011; além de desapareci-

(UPP)

(RODRIGUES;

MOTTA,

Cabe acentuar que outras re-

mentos, assassinatos e agressões físi-

moções, por ordem da prefeitura, vêm

cas e/ou verbais pela Polícia Militar,

ocorrendo por toda a cidade em razão

são destacados por moradores de fa-

dos interesses vinculados à Copa do

velas ocupadas pela UPP o encareci-

Mundo e às Olimpíadas e aos projetos

mento da vida e as proibições às suas

de revitalização da zona portuária (ver

atividades culturais, como o baile funk

MONTEIRO; ANDRADE, 2012; FER-

(FREIRE, 2011). No Morro do Turano,

REIRA,

por exemplo, moradores reagiram ao

2010;

VASCONCELLOS

DA

toque de recolher pela UPP, no Dia dos 52

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

Pais, “atirando pedras, paus e garrafas

movimentos relacionados às pessoas

nos policiais, que tiveram que correr da

em situação de rua contra políticas de

multidão” (GRANJA, 2012). Em 2013, é

repressão da prefeitura (mais recente-

criada a Rede de Comunidades Impac-

mente, com o Choque de Ordem). Po-

tadas, por meio de encontros entre mi-

dem-se citar ainda os atos contra o fe-

litantes de favelas desde o Fórum So-

chamento de escolas, como o Colégio

cial Urbano de 2010, assim como o

Estadual Vicente Licínio Cardoso, na

movimento Favela Não Se Cala, articu-

Saúde,7 no início de 2013 e contra o fe-

lado no final de 2012, o qual busca ar-

chamento de hospitais públicos, como

ticular os interesses de moradores de

o Instituto de Assistência dos Servido-

diferentes favelas para lutarem contra

res do Estado do Rio de Janeiro (Iaserj)

as remoções – inclusive indiretas, asso-

em julho de 2012.8

ciadas ao processo de gentrificação

Outra pauta presente nas mani-

(DAVIS, 2006).

festações está relacionada às ocupa-

Paralelamente a isso, temos as

ções urbanas. Moradores de ocupa-

resistências de camelôs – sobretudo

ções, muitos despejados violenta-

por meio do Movimento Unido dos

mente9 depois de decisões judiciais de

Camelôs (Muca), criado em 2003 – e os

reintegração de posse

7

– mesmo

Até maio de 2013, foram fechadas 50 escolas da rede estadual do Rio de Janeiro. Cf. “Em processo de

'otimização', RJ já tem 50 escolas fechadas”. Terra, 30 maio 2013. Disponível em: . Para um exemplo de protesto referente, entre outras pautas, ao fechamento do Colégio Estadual Vicente Licínio Cardoso, cf. “Ato contra as remoções de casas e fechamento de escolas da Zona Portuária”, 20 out. 2013. Disponível em: . Acesso em: 28 de maio de 2014. 8

Cf. “Domingo tem caminhada em Copacabana em defesa do IASERJ”, 27 ago. 2012. Disponível em:

. Acesso em: 28 de maio 2014. 9

Recordemos a remoção de cerca de cinquenta famílias que ocupavam o prédio do Instituto Nacional do

Seguro Social (INSS), desativado há quinze anos e localizado no centro do Rio de Janeiro. Sob balas de borracha e spray de pimenta, oito manifestantes foram presos, uma defensora pública do Estado foi agredida e “as cinquenta famílias que moravam no edifício foram postas para fora” (DEFENSORES, 2010).

53

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

quando o imóvel não cumpre sua fun-

portanto, que uma breve etnografia –

ção social e, portanto, segundo a

orientada para os cartazes, bandeiras e

Constituição Federal de 1988, deveria

palavras de ordem das manifestações

ser destinado à moradia popular –,

em junho – nos permita demonstrar

compareceram às manifestações ento-

essa convergência.

ando “Se morar é um direito, ocupar é um dever”. Também foram marcantes

A construção das manifestações

nos últimos anos os protestos contra a

dentro e fora das ruas: junho de

homofobia e o machismo. As experi-

2013

ências das marchas LGBT realizadas anualmente (no Dia Mundial do Orgu-

É interessante atentar para o

lho LGBT, 28 de junho) e das Vadias

fato de que as primeiras manifestações

(HELENE, 2013; FERREIRA, 2013) – or-

do Rio de Janeiro, no início de junho

ganizada a partir dos protestos realiza-

de 2013, contavam com poucos parti-

dos em Toronto (Canadá) e iniciada no

cipantes (a primeira continha cerca de

Brasil em junho de 2011 – também ti-

cem pessoas), e a palavra de ordem

veram visível importância nas manifes-

que se propagou ao longo dos atos

tações de 2013, junto com outros gru-

impulsionados pelo Fórum de Lutas

pos feministas e transfeministas (JE-

contra o Aumento da Passagem (reali-

SUS; ALVES, 2010).

zados comumente às segundas e quin-

Entretanto, abordar a movimen-

tas-feiras) foi “Vem pra rua”. Mais es-

tação de mobilizações e de lutas ante-

pecificamente, os dizeres dos cartazes

riores e contextualizá-las não é sufici-

e as palavras de ordem eram “Vem pra

ente para verificarmos a convergência

rua, vem, contra o aumento”, “Se a ta-

entre demandas reivindicadas há dé-

rifa não baixar, o Rio vai parar”, “O meu

cadas no Rio de Janeiro e as manifes-

‘direito’ de ir e vir aumentou para

tações

multitudinárias.

Esperamos, 54

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

R$2,95”; ou seja, demandava-se a re-

é só por 20 centavos, é pelo fim da vi-

vogação do aumento da tarifa de

olência policial”, “Enfia 20 centavos no

R$2,75 para R$2,95. Clamava-se pela

SUS”, “Não é Egito. Não é a Grécia. É o

adesão irrestrita de pessoas que com-

Brasil saindo da inércia”, “O Brasil acor-

partilhavam dessa causa única em

dou contra a roubalheira”, “Eu sou

torno do transporte. Ainda que outras

contra a PEC 37 porque não aceito cor-

pautas tenham ganhado força posteri-

rupção” se multiplicaram pelas ruas.

ormente, muitas das quais já vinham

Nesse ponto, houve certa infle-

sendo demandadas há anos ou déca-

xão no teor das manifestações e, à me-

das, conforme exposto na seção ante-

dida que as repressões aos atos se in-

rior, a pauta central, estabelecida e

tensificavam e se visibilizam – che-

propagada no próprio nome do fórum,

gando ao ápice em termos de visibili-

eram os 20 centavos.

dade no próprio dia 13 (quinta-feira),

No entanto, após o discurso po-

quando uma jornalista da Folha de S.

lêmico de Arnaldo Jabor, no dia 13 de

Paulo foi atingida por uma bala de

junho, declarando que “os revoltosos

borracha da PM em São Paulo, além de

de classe média não valem 20 centa-

outros jornalistas agredidos ou presos

vos”,10 os manifestantes e seus apoia-

–, milhares de pessoas começaram a,

dores passaram a proclamar “Não são

de fato, atender ao clamor “Vem pra

só 20 centavos”, enumerando outras

rua”. Com isso, o próprio Jabor mudou

causas em questão, desde o fim da de-

o discurso publicamente, afirmando,

sigualdade social ao fim da corrupção.

em 17 de junho em entrevista à rádio

Cartazes como “Não é por centavos, é

CBN, que errou11 e que as manifesta-

por direitos”, “Copa pra quem?”, “Não

ções eram, sim, por muito mais do que

10

Disponível em: . Acesso em: agosto de 2013. 11

Disponível em: . Acesso em: agosto de 2013.

55

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

20 centavos, uma vez que o próprio ca-

de Geografia e Estatística (IBGE) em

ráter das manifestações se havia modi-

6,323 milhões de habitantes – por-

ficado. Dessa forma, as manifestações

tanto, mesmo com a variação das esti-

foram crescendo exponencialmente e,

mativas referentes à quantidade de

no Rio de Janeiro, observou-se que, de

participantes conforme as versões em

cerca de cem manifestantes na pri-

disputa pela representação desses

meira semana de junho, passaram a in-

eventos, pode-se afirmar o cresci-

tegrar os atos mil (10 de junho), 10 mil

mento exponencial dos protestos.

(13 de junho), 100 mil (17 de junho) e

Em pesquisa realizada pela Pin-

1 milhão (20 de junho) de pessoas, se-

terest12 no Rio de Janeiro, 33% dos

gundo afirmaram diversos movimen-

presentes no protesto do dia 20 de ju-

tos sociais. De acordo com o portal de

nho têm idade entre 19 e 24 anos, e

notícias G1, o ato do dia 10 de junho

38,8% estão entre 25 e 34 anos; 70,4%

contou com 300 manifestantes. No dia

estão no mercado de trabalho; e a

13, o comando da Polícia Militar con-

renda familiar de 64,6% é de até três

tabilizou 2 mil pessoas. O comandante

salários mínimos; e 23,8 % têm renda

do 5o Batalhão da Polícia Militar, coro-

familiar entre quatro e cinco salários

nel Camargo, estimou um público en-

mínimos. Esses dados nos permitem

tre 40 e 50 mil pessoas no protesto do

assegurar que as manifestações do

dia 17, e 1 milhão e 50 mil pessoas no

mês de junho não foram compostas de

dia 20, ou seja, 16,6% da população ca-

setores da tradicional classe média13

rioca, estimada pelo Instituto Brasileiro

carioca, cujos rendimentos vão além

12

Em um total de 498 questionários, com intervalo de confiança de 95%, a pesquisa foi realizada entre 16h e

20h30 no dia 20 de junho de 2013. Disponível em: . Acesso em: 13 de fevereiro de 2014. 13

Os limites do presente artigo nos impedem de trazer à tona o debate sobre o que vem se convencionando

denominar “nova classe média” – classe em crescente expansão nos últimos dez anos no Brasil cujo poder de consumo foi ampliado por mecanismos como o recente processo de valorização do salário mínimo e a difusão do crédito. Para uma análise crítica sobre esse debate, ver Pochmann (2012) e Souza e Arenari (2010).

56

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

dos três salários mínimos, estando

inscritos no território que dá materiali-

mais perto do que Braga (2012) deno-

dade ao que as jornadas de junho popularizaram como “direito à cidade”. [...]

mina “precariado”: jovens trabalhado-

Sem mobilidade, os espaços da cidade

res com baixa remuneração, cujas con-

se tornam privilégio de uns (quando

dições de trabalho e contrato são pre-

plenos de recursos) ou condenação de

cárias, além da alta rotatividade e do

outros (quando privados deles), e a im-

intenso ritmo de trabalho. São traba-

possibilidade ou a dificuldade reiterada de trânsito entre uns e outros pode con-

lhadores e trabalhadoras com extensa

solidar mundos segregados, mesmo

jornada de trabalho acompanhada de

que em termos jamais absolutos, já que

longas viagens até a chegada em casa.

a “miséria” ou o “privilégio” são parte da

E amanhã tudo de novo. Como Adal-

compreensão do mundo disponível aos

berto Cardoso aponta, a tarifa de ôni-

citadinos, e a “opressão” de uns é vivida como injusta porque comparada com o

bus foi o estopim, mas não um esto-

“privilégio” de outros. Os moradores do

pim qualquer. Pesquisando em jornal

Grajaú paulistano depredaram seis ôni-

de grande circulação pelo termo “ôni-

bus em protesto contra as enchentes

bus incendiado”, o sociólogo encontra

porque não conseguiram chegar em

559 ocorrências entre novembro de

casa, direito inalienável do citadino. E não conseguiram chegar pela combina-

2011 e junho de 2013:

ção perversa de condições precárias de habitação com serviço precário de

Isso dá quase uma notícia por dia sobre

transporte. (CARDOSO, 2013: 23-25, gri-

depredações de ônibus, em média. A

fos do autor).

grande maioria dos incêndios foi provocada por “criminosos”, “bandidos” ou

Não é coincidência que a ideia

“traficantes”, termos intercambiáveis na

do próprio MPL em São Paulo era jus-

cobertura do jornal, e por vezes eles ganham estatuto de grande aconteci-

tamente discutir a necessidade do

mento.

passe livre como direito à cidade, além

[...] A palavra central, aqui, é mobilidade, elemento de uma síndrome de recursos

57

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

de evidenciar que as altas tarifas im-

nunca dormiu”, “Eduardo Paes, vai pro

postas inviabilizam o deslocamento de

inferno e remove o Satanás”.

muitas pessoas para o trabalho ou for-

Depois da aprovação do projeto

çam o corte de gastos em áreas impor-

denominado “Cura gay”, em 18 de ju-

tantes do orçamento para permitir o

nho, na Comissão de Direitos Huma-

pagamento das passagens de ônibus

nos da Câmara dos Deputados, presi-

para toda a família, seja para a escola,

dida por Marco Feliciano, as pautas do

para o trabalho, seja para o lazer. Com

movimento LGBT também se expandi-

a inflexão do “Não é apenas por vinte

ram e se tornaram mais recorrentes

centavos, é por direitos”, outras pautas

nas redes sociais e nas ruas, mesmo

ganharam as ruas, e não relacionadas

entre pessoas que não tinham contato

apenas à mobilidade urbana, mas à

anterior com a militância LGBT: “Que-

educação e à saúde públicas, à desmi-

remos cura para a fome”, “Mais felici-

litarização da Polícia Militar, à demo-

dade, menos Feliciano”, “Liberdade

cratização da mídia e contra as remo-

não tem cura. Fora, Feliciano!”, entre

ções. Tornaram-se mais comuns nos

outros.

atos os cartazes, faixas e palavras de

Por outro lado, irromperam os

ordem relacionadas a temas como:

mais variados – ainda que com o foco

“Era um país muito engraçado, não ti-

na corrupção – e, por vezes, contradi-

nha escola, só tinha estádio”, “Quando

tórios clamores pelo antipartidarismo

seu filho ficar doente, leve ao estádio”,

nos protestos. O último parece ter se

“Saúde e educação de qualidade para

colocado abertamente nas ruas desde

todos”, “Fim da PM”, “A PM que bate

o dia 17 de junho (terça-feira), quando

aqui é o PM que mata na favela”, “A

militantes do Partido Socialista dos

verdade é dura: a Rede Globo ainda

Trabalhadores Unificado (PSTU) tive-

apoiou a ditadura”, “O povo não é

ram suas bandeiras arrancadas à força

bobo: abaixo a Rede Globo”, “A favela

e foram agredidos fisicamente em 58

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

frente à Assembleia Legislativa do Es-

conter a agressão a militantes de par-

tado do Rio de Janeiro (Alerj). Muitos

tidos políticos. É preciso salientar que,

manifestantes que estavam ao redor

no Brasil, há um “reduzido índice de

não perceberam a agressão e até

adesão às organizações político-parti-

aplaudiram as bandeiras abaixadas.

dárias” (BAQUERO; VASCONCELOS,

Lincoln Secco também cita esse episó-

2013: 6) por diversos motivos,14 mas o

dio em São Paulo: “Na manifestação de

que antes era uma crítica de parte dos

20 de junho, a direita mostrou uma

manifestantes contra a tentativa de li-

face dupla: grupos neonazistas ser-

derança do Fórum de Lutas pelos par-

viam para expulsar uma esquerda des-

tidos (sobretudo PSTU e Partido Soci-

prevenida, enquanto inocentes ‘cida-

alismo e Liberdade – PSOL), que se re-

dãos de bem’ de verde-amarelo aplau-

vezavam nos canais abertos de televi-

diam” (SECCO, 2013: 74).

são e nas mesas das plenárias, parecia

A partir do ato do dia 17 de ju-

ter começado a se confundir com um

nho, que reuniu cerca de 100 mil pes-

antipartidarismo, não raro, violento.

soas, e da divulgação da agressão

Com isso, tornou-se corrente, nas ple-

ocorrida, começa a emergir nas plená-

nárias do Fórum de Lutas e em canais

rias do Fórum de Lutas e nas redes so-

de debate na internet, a propagação

ciais uma problematização do clamor

da distinção entre antipartidarismo e

indiscriminado “Vem pra rua, vem”,

apartidarismo, vinculando o último aos

buscando-se reforçar cada vez mais as

princípios do movimento que impulsi-

pautas sociais e as alternativas para

14

Ainda segundo Baquero e Vasconcelos, entre os principais elementos que inibem o fortalecimento dos par-

tidos, podem-se citar: seu caráter regional; programas partidários desconhecidos da maioria da população; a ausência de incentivo à participação das pessoas em sua organização; a presença de uma ideologia híbrida, mais vinculada à defesa de interesses pessoais e corporativos “e que não correspondem a qualquer organização real do corpo eleitoral” (2013: 7).

59

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

onou as jornadas de junho a fim de re-

Partido Comunista Brasileiro (PCB),

pudiar a violência aos partidos e aos

Partido dos Trabalhadores (PT), Partido

movimentos sociais em geral.

da Causa Operária (PCO) e Partido Co-

Depois do ato do dia 20 de ju-

munista do Brasil (PC do B) também se

nho, que contou com cerca de 1 mi-

deu como resposta à presença cada

lhão de pessoas – mesmo com a revo-

vez mais frequente de faixas e cartazes

gação do aumento da passagem no

com dizeres de aversão aos partidos

dia anterior –, quando todos os mili-

nos atos, como “Fora, todos os parti-

tantes de partidos (um militante do

dos”, “Fora, PT”, “Meu partido é meu

PSTU foi internado por causa das

país”. Se já no dia anterior ao grande

agressões), além do Movimento dos

ato na Av. Presidente Vargas circulava

Trabalhadores Sem Terra (MST) e da

nas mídias sociais digitais o relato de

Central

Trabalhadores

um militante ameaçado caso vestisse a

(CUT), foram agredidos fisicamente

camisa de seu partido e levantasse sua

por neonazistas ou skinheads, assim

bandeira, no dia seguinte milhares de

identificados pelos presentes por sua

manifestantes, incluindo aqueles sem

aparência e/ou tatuagens da suástica –

filiação partidária ou vinculação com

e também por milicianos infiltrados,

sindicatos e outros movimentos soci-

como bem aponta José Maria de Al-

ais, passaram a temer por essa tendên-

meida em artigo da revista Piauí (VIE-

cia – também observada em outras ci-

GAS, 2013) –, foi levantada em reuni-

dades, como em São Paulo, resultando

ões de organizações políticas e nas re-

no afastamento temporário do MPL

des sociais a necessidade de criar uma

das ruas. Em nota em sua página do

“união de esquerda” que defendesse

Facebook, o MPL afirma

Única

dos

militantes e bandeiras de todas as orque é um movimento social apartidário,

ganizações diante dos agressores. A

mas não antipartidário. Repudiamos os

tentativa de união entre PSOL, PSTU,

atos de violência direcionados a essas

60

Enfoques

Vol. 13 (1) Junho-2014

organizações [partidos políticos e movi-

outros protestos, entretanto, a ocor-

mentos sociais] durante a manifestação

rência de pessoas atingidas por bala

de hoje, da mesma maneira que repudi-

de borracha nem sequer era mais

amos a violência policial. Desde os pri-

mencionada, tamanha sua frequência.

meiros protestos, essas organizações tomaram parte na mobilização. Oportu-

Em São Paulo, no dia 13 de junho,

nismo é tentar excluí-las da luta que

houve cerca de cem feridos, entre eles

construímos juntos.15

sete jornalistas (dois atingidos por balas de borracha na cabeça), segundo o

A violência policial a que se re-

jornal Folha de S. Paulo.17

fere a nota do MPL foi sentida em to-

Cabe lembrar que, com essa vi-

das as manifestações mencionadas an-

sibilidade da repressão policial, especi-

teriormente, desde a Revolta do Buzu,

almente contra a imprensa, a grande

em 2003, aos dias atuais. Velha conhe-

imprensa mudou o discurso sobre as

cida dos movimentos sociais, a repres-

manifestações. Até o dia 13, como a

são policial contra os protestos foi tra-

própria Folha de S. Paulo alardeava,

tada na mídia como espetáculo de

eram todos considerados “vândalos”

brutalidade. Na manifestação do dia 6

ou, de acordo com Jabor, “rebeldes

de junho de 2013, o prof. Pedro Eugê-

sem causa. Depois das agressões, po-

nio foi atingido na coxa direita por

rém, passaram a diferenciar a minoria

uma bala de borracha.16 Esse foi um

“vândala” da maioria “pacífica”. Em

caso de grande repercussão na mídia nos dias subsequentes. No decorrer de 15

“Nota n. 11: sobre o ato dessa 5a-feira”. Movimento Passe Livre São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 13 de janeiro de 2014. 16

“Detidos

e

feridos

em

protesto

no

Centro”.

O

Globo,

6/6/2013.

Disponível

em

http://oglobo.globo.com/rio/detidos-feridos-em-protesto-no-centro-8615741>. Acesso em: 17 de outubro de 2013. 17

“Protesto deixa cerca de cem feridos no centro de SP, diz movimento”. Disponível em:
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.