Jornal do Commercio, precursor do folhetim no Brasil

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JORNAL DO COMMERCIO, PRECURSOR DO FOLHETIM NO BRASIL RAFAEL VOIGT LEANDRO1

O Jornal do Commercio (RJ, 1827-) publicou os primeiros folhetins da imprensa brasileira em agosto de 1828. Contudo, somente a partir de 1838, torna-se mais regular a impressão dos folhetins, seguindo uma tendência parisiense disseminada pelo jornal La Presse2. Com o romance-folhetim, pretendia-se atrair público leitor. Mal comparando, o Le Siécle, de Paris, aumentou sua tiragem em 5 mil exemplares, após a publicação de O capitão Paulo, folhetim de estreia de Alexandre Dumas. O Jornal do Commercio embarcou no sucesso de Dumas e republicou o folhetim, traduzido por Julio César Muzzi. Outras produções de Dumas alavancaram o gênero, como Os três mosqueteiros e O conde de Monte Cristo. Não era incomum a publicação simultânea de folhetins em Paris e no Rio, como no caso das Proezas de Rocambole, de Ponson du Terrail, traduzido por João Carlos de Souza Ferreira. Conta-se que, por conta de atrasos na chegada de navios que traziam os capítulos, Ferreira decidiu escrever alguns por conta própria, dando novos rumos ao enredo original. Em seu A vida literária no Brasil durante o romantismo3, Ubiratan Machado questiona a qualidade das traduções desses folhetins, por sua “infidelidade grosseira ao original”. Quiçá, os tradutores seguiam a moda tradutológica parisiense da bélle infidele. Mas Ubiratan Machado aponta erros crassos, seja por desconhecimento do francês, seja por desleixo dos tradutores. Nessa história toda, cabe um adendo a respeito da “malandragem” dos periódicos do Rio em traduzir e publicar os folhetins sem qualquer autorização de editores ou autores; por consequência, sem pagar qualquer pataca pela publicação.

Doutor em Literatura Brasileira pela UnB. Professor de Língua Portuguesa no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). 2 Parte das informações deste artigo foram consultadas em História dos jornais no Brasil: da era colonial à Regência (1500-1840), de Matías M. Molina. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. 3 MACHADO, Ubiratan. A vida literária no Brasil durante o romantismo. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. 1

Para os folhetinistas brasileiros, o Jornal do Commercio abriu espaço em 1839, contando como precursores João Manuel Pereira da Silva (1817-1898), Justiniano José da Rocha (1812-1862) e Francisco de Paula Brito (1809-1861). Em Antologia do romance-folhetim (1839-1870)4, Tânia Serra classifica como consolidadores do gênero: Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa (1812-1861), com O filho do pescador (1843); Joaquim Norberto de Sousa e Silva (1820-1891), com Maria, ou vinte anos depois (1844), classificado como “romance-relâmpago” por Antonio Candido, por conta de sua extensão. A Antologia não traz informações precisas sobre o veículo de publicação de cada um desses folhetins. De fato, a consolidação do folhetim brasileiro acontece com Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) e A moreninha (1844). Em sua antologia, Tânia Serra prefere destacar dois folhetins da segunda fase de Macedo: Voragem (1867), romancete em verso, e Nina (1870). Ao lado de Macedo, José de Alencar realiza façanha de público com o folhetim O Guarani, porém no Diário do Rio de Janeiro, em 1857. Bernardo Guimarães lançou seu A escrava Isaura (1875) nesse primeiro formato. O Jornal do Commercio e os autores dos folhetins sofreram da mesma afronta praticada contra os folhetinistas estrangeiros, em relação aos direitos pela propriedade intelectual. Os jornais das províncias reproduziam os folhetins sem pagar um centavo. O folhetim semeou o romance entre os brasileiros, mais de um século após seu moderno (res)surgimento na Europa. No entanto, cabe acentuar que o folhetim possui características próprias: quantidade de peripécias, assassinatos misteriosos, desaparecimento e reaparecimento de heróis, vingança, reviravoltas na trama... Não pode ser confundido com outros gêneros narrativos. Na virada do século, inúmeras inovações agitavam a imprensa brasileira, como a decadência do folhetim e o fortalecimento de outros gêneros, como crônica, reportagem, entrevista ou crítica literária. O Jornal do Commercio manteve-se

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SERRA, Tânia Rebelo Costa. Antologia do romance-folhetim (1839-1870). Brasília: UnB, 1997.

fiel ao folhetim até a virada do século, como bem registra Brito Broca em A vida literária no Brasil – 19005. Neste instante, quem acessa o site do Jornal do Comércio sequer suspeita de sua contribuição à história da literatura brasileira. Dedica-se estritamente a assuntos econômicos e negócios, o que, desde 1927, é uma de suas marcas. Deixou de lado qualquer relação com as letras. Preferiu investir em letras de câmbio. Agosto 2015.

BROCA, Brito. A vida literária no Brasil – 1900. 3. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio; Departamento de Cultura da Guanabara, 1975. (Documentos brasileiros, v. 108) Cap. XIX. 5

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