Jurisdição e Consenso: um estudo interdisciplinar de base empírica acerca da Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos no âmbito do Poder Judiciário.

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO - PPGSD

FOMENTO: CAPES

Jurisdição e Consenso: um estudo interdisciplinar de base empírica acerca da Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos no âmbito do Poder Judiciário.

Valter Eduardo Bonanni Nunes

NITERÓI 2015

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO - PPGSD

FOMENTO: CAPES

Jurisdição e Consenso: um estudo interdisciplinar de base empírica acerca da Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos no âmbito do Poder Judiciário.

Acadêmico: Valter Eduardo Bonanni Nunes Orientador: Doutor Delton Ricardo Soares Meirelles

Valter Eduardo Bonanni Nunes Orientador: Delton Ricardo Soares Meirelles Dissertação apresentada como cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito paraBonanni a Obtenção do Grau de Mestre Valter Eduardo Nunes em Ciências Sociais e Jurídicas Orientador: Delton Ricardo Soares Meirelles

Valter Eduardo Bonanni Nunes Orientador: Delton Ricardo Soares Meirelles

Valter Eduardo Bonanni Nunes Orientador: Delton Ricardo Soares Meirelles

Valter Eduardo Bonanni Nunes Orientador: Delton Ricardo Soares Meirelles NITERÓI Valter Eduardo Bonanni Nunes 2015 Orientador: Delton Ricardo Soares Meirelles

Valter Eduardo Bonanni Nunes

Jurisdição e Consenso: um estudo interdisciplinar de base empírica acerca da Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos no âmbito do Poder Judiciário.

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de PósGraduação em Sociologia e Direito para a obtenção do Grau de Mestre em Ciências Sociais e Jurídicas.

Aprovado em: 28/04/2015 Banca Examinadora

Delton Ricardo Soares Meirelles Orientador

Doutora Bárbara Lupetti Baptista

Doutor Klever Paulo Leal Filipo

NITERÓI 2015

AGRADECIMENTOS

Este trabalho tem como base quinze anos de experiência na área jurídica (1999 – 2014) e dois anos de estudo em teoria sociológica, teoria do direito, metodologia científica, filosofia da ciência, analítica, da linguagem, da mente, hermenêutica (2012 – 2014) dedicados, em sua essência, à descrição, análise e explicação da dinâmica de abordagem e processamento institucional dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário, em espécie, a partir de pesquisa empírica da prática da mediação no TJRJ. Seu desenvolvimento está vinculado a outros trabalhos com afinidade temática produzidos no LAFEP e na linha de pesquisa “acesso à justiça e crítica às instituições políticojurídicas”, do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (PPGSD/UFF). Em primeira ordem dirijo meus agradecimentos ao professor Delton Meirelles, que me acolheu juntamente com o professor Fernando Gama como ouvinte na disciplina “Acesso à Justiça I”, oportunidade em que pude elaborar com maior precisão o objeto, os problemas e o tipo de abordagem que comporia meu projeto. Ressalto a irretocável orientação do professor Delton Meirelles e a contribuição dos docentes, dissentes e funcionários do PPGSD e do LAFEP, assim como dos técnicos, profissionais e auxiliares da Justiça, que foram salutares para o resultado final, pessoas com quem divido a sensação de dever cumprido. Assim como, sou grato ao professor José Fernando Castro Faria e ao professor Gilvan Hansen que sempre foram solícitos em colaborar com minha candidatura no que se refere às questões de teoria e filosofia do direito. Agradeço ao Professor Wilson Madeira, coordenador do PPGSD, pela gestão exemplar do curso e por ser uma liderança nacional em defesa das Pós-graduações interdisciplinares em Ciências Sociais e Humanidades, gestão que viabilizou minha participação em eventos e o fomento da bolsa de pesquisa CAPES. Registro ainda minha gratidão especial pela amizade, apoio e revisão de parte deste trabalho feita pelo antropólogo Marcelino Conti e pela advogada e psicanalista Maria Izabel Karlin que, além dos comentários e críticas aos problemas não percebidos pela leitura viciada e pelas limitações deste inexperiente pesquisador, me motivaram a seguir adiante em momentos de paralisia e fuga. Agradeço ao meu sócio Pedro Alvisi que, na medida do possível, assumiu a gestão dos processos judiciais para que eu pudesse me dedicar à finalização deste trabalho. Esta pesquisa também se enriqueceu sob a influência do professor Marcus Fabiano Gonçalves, a partir da disciplina Metodologia Científica, contato que se estendeu para além

da disciplina, rendendo consultas e orientações contínuas, merecendo destaque como interlocutor direto e entusiasta das escolhas e caminhos teóricos e metodológicos da pesquisa. Agradeço da mesma forma ao professor Luís Antônio Cunha Ribeiro, que tive contato a partir da disciplina “Criminalidade e violência: o projeto agambeniano homo sacer", pelos grandes apontamentos críticos em filosofia política. O contato interinstitucional também contribuiu definitivamente para este trabalho, em espécie, com o professor Ricardo Nery Falbo e seu orientando Fausto Marques Pinheiro Junior, que transcendeu a disciplina Epistemologia das Ciências Sociais, cursada no PPGD-UERJ. Destaco as longas conversas com Fausto, que renderam contribuições que repercutiram no núcleo teórico e metodológico desta pesquisa ao incorporar a abordagem naturalista e o conhecimento acerca dos julgamentos morais a partir de estudos baseados em recentes pesquisas interdisciplinares entre as ciências naturais, sociais, humanas, incorporando as mais recentes descobertas da neurociência, ciências cognitivas, filosofia da linguagem, da mente, psicologia e filosofia da moral e experimental. Na busca de uma abordagem naturalista das formas de abordagem e processamento dos conflitos, que viabilize a comunicação entre natureza e cultura através das descobertas das ciências "neuro", não posso deixar de expressar minha gratidão pela sempre gentil recepção do professor Atahualpa Fernandez que, notadamente, se tornou um dos referenciais basilares no núcleo teórico e metodológico desta pesquisa. Igualmente agradeço aos professores Lênin Pires e Roberto Kant de Lima pela oportunidade de cursar a disciplina Antropologia do Direito no PPGA/UFF, compondo também um grande referencial teórico no que toca descrição e análise com viés antropológico, além do acesso às pesquisas desenvolvidas por seus orientandos no INEAC, as quais desenvolvo diálogo direto, principalmente com os integrantes da banca de defesa Bárbara Lupetti Baptista e Klever Paulo Leal Filipo, que dedicaram seu tempo, paciência e contribuíram tanto como referenciais bibliográficos, quanto como avaliadores que permitiram sobremaneira a qualificação deste trabalho. Este trabalho deve muito a todos os doutorandos, mestrandos, graduandos e jovens pesquisadores de iniciação científica, que tive a felicidade de conhecer e trabalhar ao longo dos últimos dois anos. Foram intensos os debates promovidos no cotidiano do grupo de pesquisa e amplificados no meio acadêmico e na sociedade, a partir dos eventos promovidos pelo PPGSD e pelo LAFEP que, apesar de minhas limitações, tive a honra de contribuir na organização de eventos que nutriram o clima propício para o meu desenvolvimento pessoal e profissional. Agradeço imensamente contribuição inestimável dos pesquisadores vinculados ao LAFEP e a outros grupos de pesquisa, nomeadamente: Fabiana Mascarenhas, Marcela Figueiredo,

Esther Benayon Yagodnik, Juliana Barbosa, Andrea Catalina Amaya, Cibele Carneiro da Cunha, Francis Noblat, José Carlos de Araújo de Almeida Filho Giselle Picorelli, Isabela Dantas, Irineu Soares, Daniel Nunes, Fernanda Pimentel, Lúcio Picanço Facci, José Antônio Callegari, Cristiana Veras, dos graduandos de iniciação científica Gabriel Guarino de Almeida, Cibeli Ambrosio, Paula Freitas, Gabriela Stellet, Mariana Paganote, Thalita Borsato, Juliana Genovezz, Joice Capistrano, Gil Von Der Weid, Juneflower Franco, Carol Gutierrez, Erika Alcantara, Alexia Cunha. Tão importante quanto à contribuição acadêmica, a contribuição institucional e técnica do NUPEMEC/TJRJ foram essenciais para o acesso ao campo de pesquisa e para observação, descrição e análise cotidiana da dinâmica escolhida como objeto de pesquisa. Esta contribuição, apesar de institucional, se concretizou no esforço, na confiança e na boa-fé de pessoas muitos especiais como a coordenadora do NUPEMEC, Cláudia Maria Ferreira de Souza, a coordenadora do CEJUSC – Capital, Naura Americano, os integrantes da equipe de mediadores do CEJUSC – Capital e da equipe administrativa, nas pessoas do Gustavo e da Carolina, sempre solícitos ao fornecer informações e dados para pesquisa. Sou grato aos usuários, mediadores e mediandos que cientificados de que seu caso poderia ser objeto de estudo, por confiança e boa-fé, anuíram prontamente sem restrições. Por fim, agradeço a todos que de alguma forma se sentem parte desta jornada que somente se inicia. Deixo aberto o espaço para o diálogo, revisões, esclarecimentos e críticas, pois não é objetivo desta pesquisa esgotar o tema ou estabelecer verdades definitivas. Contato: [email protected]

DEDICATÓRIA

Aos meus pais Valter Nunes (in memoriam) e Sônia Regina Morais Bonanni Nunes; À minha companheira de todos os dias Aline Matos Paiva e família pela compreensão, amor e carinho; Aos meus irmãos Vanessa Bonanni Nunes e Vagner Bonanni Nunes e às minhas sobrinhas Maria Clara e Manuela; Aos meus primos Pedro Alvisi, Léo e Lili Consani; Aos amigos que a vida acadêmica me contemplou: Fabiana Mascarenhas, Marcela Figueiredo, Esther Bayanon, Leonam Lizieiro e Marcelino Conti; Aos amigos de primeira hora: Gustavo Andres, Túlio Mota, Rodrigo Furtado, Bruno Maia, Leonardo Galito, Guilherme Gama, Leonardo Vilela, Cristiana Caldas, Marcele Fabiano, Izabel Karlin, Renata Mesquita, Hebe Oliveira.

Melhor para a educação da virtude mostrar-se-á aquele que usar o encorajamento e a palavra persuasiva, do que o que se servir da lei e da coerção. Pois quem evita o injusto apenas por temor a lei, provavelmente cometerá o mal em segredo; quem ao contrário, for levado ao dever pela convicção, provavelmente não cometerá o injusto nem em segredo nem abertamente. Por isto, quem agir corretamente com compreensão e entendimento, mostrar-se-á corajoso e correto de pensamento (Demócrito de Abdera, ca. 460 a. C. – 370 d. C, fragmento 181).

Metal Contra as Nuvens (Renato Russo, Álbum V, 1991) I. Não sou escravo de ninguém Ninguém, senhor do meu domínio Sei o que devo defender E, por valor eu tenho E temo o que agora se desfaz Viajamos sete léguas Por entre abismos e florestas Por Deus nunca me vi tão só É a própria fé o que destrói Estes são dias desleais Eu sou metal, raio, relâmpago e trovão Eu sou metal, eu sou o ouro em seu brasão Eu sou metal, me sabe o sopro do dragão Reconheço meu pesar Quando tudo é traição O que venho encontrar É a virtude em outras mãos Minha terra é a terra que é minha E sempre será Minha terra tem a lua, tem estrelas E sempre terá II - Quase acreditei na tua promessa E o que vejo é fome e destruição Perdi a minha sela e a minha espada Perdi o meu castelo e minha princesa Quase acreditei, quase acreditei E, por honra, se existir verdade Existem os tolos e existe o ladrão E há quem se alimente do que é roubo. Mas vou guardar o meu tesouro Caso você esteja mentindo.

III É a verdade o que assombra O descaso que condena A estupidez, o que destrói Eu vejo tudo que se foi E o que não existe mais Tenho os sentidos já dormentes O corpo quer, a alma entende Esta é a terra-de-ninguém Sei que devo resistir Eu quero a espada em minhas mãos Eu sou metal, raio, relâmpago e trovão Eu sou metal, eu sou o ouro em seu brasão Eu sou metal, me sabe o sopro do dragão Não me entrego sem lutar Tenho, ainda, coração Não aprendi a me render Que caia o inimigo então IV - Tudo passa, tudo passará E nossa estória não estará pelo avesso Assim, sem final feliz Teremos coisas bonitas pra contar E até lá, vamos viver Temos muito ainda por fazer Não olhe pra trás Apenas começamos O mundo começa agora Apenas começamos

RESUMO

A mediação de conflitos destaca-se como uma nova forma consensual de abordagem e processamento dos conflitos que, juntamente com a já experimentada conciliação, constitui a Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos no âmbito do Poder Judiciário, instituída pela Resolução CNJ n.º 125/2010, sendo ainda incluída no novo CPC/2015, como opção ao processo judicial e à conciliação. A mediação incorpora teorias e técnicas de outros saberes como psicologia, linguística, comunicação, economia, gestão, matemática, neurociência, antropologia, sociologia e contribui com o desenvolvimento de novas perspectivas acerca da normatividade e das formas de abordagem e processamento dos conflitos. Este diálogo propicia a revisão de princípios, teorias e práticas jurídicas, assim como, o deslocamento de estudos meramente normativos para estudos interdisciplinares e empíricos atentos às dimensões materiais, psicológicas e sociais que constituem o cenário dos conflitos. A partir de referenciais teóricos e metodológicos que subsidiam pesquisas interdisciplinares de base empírica, este trabalho consiste em identificar correlações entre estas dimensões no estudo da normatividade, das formas de abordagem e processamento dos conflitos e das instituições como atributos da natureza humana, observados na dinâmica entre as partes e os terceiros (juízes, mediadores, árbitros). No Capítulo I, procedo à descrição e análise do campo de pesquisa ressaltando aspectos institucionais desta política pública e, posteriormente, destaco aspectos teóricos e técnicos da mediação a partir de minha participação no curso de Mediação Judicial do TJRJ. No Capítulo II, na posição de observador e mediador do CEJUSC do TJRJ do Fórum da Capital, descrevo e analiso aspectos institucionais e estudos de caso das sessões de mediação em que participei, submetendo teorias, técnicas e práticas aos dilemas concretos. No Capítulo III, busco consolidar um modelo de pesquisa interdisciplinar de base empírica que permita correlacionar e contrastar elementos e fenômenos materiais, psicológicos e sociais do trabalho empírico com pesquisas com afinidade temática e metodológica, com objetivo de superar a dicotomia entre natureza e cultura. Ressalto a importância de aproximação de estudos do Direito, Ciências Sociais e Filosofia às recentes descobertas das ciências neurobiológicas e cognitivas, no sentido de estreitar a correlação entre características humanas inatas e adquiridas, admitindo a complexidade, instabilidade e intersubjetividade das relações humanas. Concluo apresentando alguns resultados incipientes desta proposta, objetivando viabilizar a continuidade da pesquisa no campo da filosofia experimental, psicologia moral e da neurociência.

PALAVRAS CHAVE: Conflitos. Normatividade. Instituições político-jurídicas.

ABSTRACT

Mediation of conflicts stands out as a new consensual approach and processing of conflicts, along with the already experienced conciliation, is the National Treatment Suitable Conflict Policy in the judiciary established by Resolução CNJ n.º 125/2010, and also included in the new CPC/2015 as an alternative to court proceedings and conciliation. Mediation stands out for incorporating theories and techniques from other knowledge such as psychology, linguistics, communication, economics, management, mathematics, neuroscience, anthropology, sociology and contribute to the development of new perspectives about the normativity and forms of approach and processing of conflicts . This dialogue provides a review of principles, theories and legal practices, as well as the displacement of merely normative studies to interdisciplinary and empirical studies attentive to material, psychological and social that make up the scenario of conflict. From theoretical and methodological frameworks that support interdisciplinary research empirical basis, this work is to identify correlations between these dimensions in the study of regulations, forms of approach and processing of conflicts and institutions as attributes of human nature, observed in the dynamics between the parties and third parties (judges, mediators, arbitrators). In Chapter I, I proceed to the description and analysis of the field of research highlighting institutional aspects of public policy and subsequently highlight theoretical and technical aspects of mediation from my participation in the course of the TJRJ Judicial Mediation. In Chapter II, an observer position and mediator CEJUSC the TJRJ of the Capital Forum, describe and analyze institutional aspects and case studies of mediation sessions I participated, submitting theories, techniques and practices to concrete dilemmas. In Chapter III, I seek to consolidate an interdisciplinary research model of empirical basis for correlating and contrasting elements and material phenomena, psychological and social work with the empirical research on thematic and methodological affinity, in order to overcome the dichotomy between nature and culture. I emphasize the importance of approaching law studies, social sciences and philosophy to recent findings of neurobiological and cognitive sciences, to strengthen the link between innate and acquired human characteristics, admitting the complexity, instability and inter-subjectivity of human relationships. I conclude by showing some incipient results of this proposal, aiming facilitate continuing research in the field of experimental philosophy, moral psychology and neuroscience.

KEYWORD: Conflict. Normativity. Political and legal institutions.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 17 I. ESTUDO DE CAMPO .................................................................................................. 35 1. Contornos institucionais...................................................................................... 35 2. Dimensionamento do Campo de Pesquisa .......................................................... 40 3. Curso de Capacitação .......................................................................................... 50 3.1 Métodos Alternativos de Solução de Conflitos (MASC) ...................... 54 3.2 Comunicação e Conflito ........................................................................ 61 3.3 Comunicação Não-Violenta ................................................................... 69 3.4 Teoria Geral do Conflito ........................................................................ 73 3.5 O terceiro facilitador e o papel do mediador ......................................... 81 3.6 Escolas de mediação .............................................................................. 89 3.7. Negociação ............................................................................................ 99 3.8. A Mediação e suas técnicas I .............................................................. 114 3.9. A Mediação e suas técnicas II ............................................................. 129 3.10. Finalização da Mediação................................................................... 136 4. O mediador entre a teoria, a técnica e prática ................................................... 140 II. ESTUDO DE CASOS ................................................................................................. 148 1. Aspectos gerais .................................................................................................. 149 2. Casos oriundos das Varas de Família ................................................................ 156 2.1. Planejamento ....................................................................................... 159 2.2. Recepção das partes e declaração de abertura .................................... 161 2.3. Sessões ................................................................................................ 163 2.4. Finalização da mediação e elaboração do termo de entendimento - 4ª Sessão ......................................................................................................... 171 3. Casos oriundos dos JECRIM’s .......................................................................... 175 3.1. Planejamento ....................................................................................... 181 3.2. Recepção das partes e declaração de abertura .................................... 182 3.3. Sessões ................................................................................................ 184 3.4. Finalização da mediação e elaboração do “termo de entendimento”.. 188 4. Casos oriundos das Varas Cíveis ...................................................................... 191

4.1. Campanhas .......................................................................................... 194 4.2. VII Semana Nacional da Conciliação ................................................. 200 4.3. Mutirões (Agenda Concentrada) ......................................................... 211 III. POR UM MODELO DE PESQUISA INTERDISCIPLINAR DE BASE EMPÍRICA 215 1. Aproximações entre o conteúdo empírico e teoria............................................ 241 2. Problemas e justificativas teóricas e metodológicas de impulso ...................... 245 2.1. O pensamento construtivista e seus reflexos na produção do conhecimento social, normativo e institucional ......................................... 245 2.2. Fundamentos e justificativas para um modelo científico de pesquisa interdisciplinar de base empírica. .............................................................. 252 3. Estruturas e processos socioculturais e político-jurídicos ................................. 287 3.1. Monádica, Diádica e Triádica: três formas de abordagem e processamento dos conflitos ...................................................................... 289 3.2. Simplex e multiplex: dois tipos básicos de relação social que caracterizam o tipo de intervenção de terceiros e o alcance das decisões . 294 3.3. Queixa ou pré-conflito, palco dos conflitos e disputa: as três fases básicas do conflito...................................................................................... 296 4. Dimensão social ................................................................................................. 298 4.1. Relações sociais................................................................................ 299 4.2. Distribuição de poder ....................................................................... 301 4.3. Interesses individuais ....................................................................... 304 4.4. Tempo............................................................................................... 307 4.5. Custos ............................................................................................... 308 5. Dimensão Cultural ............................................................................................. 310 6. Dimensão político-jurídica ................................................................................ 312 6.1. Fronteiras do legal e do ilegal ............................................................. 312 6.2 Dos usos e significados de direito e justiça no livre comércio de princípios, técnicas e soluções pacificadoras e civilizatórias. ................... 313 6.3 Direitos entre ‘nós’ x ‘eles’ e as novas fronteiras dos Estados-Nação 321 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 325 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 337 ANEXO I – Ficha de Encaminhamento ........................................................................ 349

ANEXO II – Relatório de Casos..................................................................................... 350 ANEXO III – Formulário de Observação ..................................................................... 351 ANEXO IV – Ficha de resumo da equipe de mediação ............................................... 355 ANEXO V – Declaração de abertura............................................................................. 356 ANEXO VI – Modelo de Termo de Entendimento ....................................................... 357 ANEXO VII – Pesquisa de Satisfação Entregue aos Mediandos ................................ 358 ANEXO VIII - Questionário de pesquisa de campo ..................................................... 359 ANEXO IX – Grupo de Trabalho para Diagnóstico das Atividades em Desenvolvimento no NUPEMEC/TJRJ (GTNUPEMEC) ........................................... 362 ANEXO XII – Mediações efetuadas e encerradas ........................................................ 367 ANEXO XIII – Participação em eventos internos ........................................................ 368 ANEXO XIV – Participação Em Eventos Externos ..................................................... 369 ANEXO XV – Procedimento de certificação de mediação judicial ............................ 370 ANEXO XVI – Portaria 01/2014: Critérios para a certificação de mediador judicial371 ANEXO XVII – Resolução CNJ n.º 125/2010 ............................................................... 373

LISTA DE IMAGENS FIGURA 1. MAPA DE INFORMAÇÕES GERENCIAIS DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. .......................................................................... 43 FIGURA 2. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – FÓRUM DA CAPITAL.. 47 FIGURA 3: DINÂMICA DO PROCESSO COMUNICACIONAL ............................................................... 60 FIGURA 4: QUADRO DE MUDANÇA DE PERCEPÇÃO. ......................................................................... 72 FIGURA 5: QUADRO COMPARATIVO DE ATITUDES REATIVAS X ATITUDES CONSCIENTES .. 73 FIGURA 6. CAMPANHAS DA SEMANA NACIONAL DA CONCILIAÇÃO DE 2006 A 2013. ............ 195 FIGURA 7. FOLDER DA CAMPANHA DA VII SEMANA NACIONAL DA CONCILIAÇÃO (2012). . 199 FIGURA 8. INSTALAÇÕES DO CENTRO PERMANENTE DE CONCILIAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. .......................................................................................................................... 202 FIGURA 9. SALAS DO MUTIRÃO DE MEDIAÇÃO REALIZADO EM 04.11.2013. ............................. 210

LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1. NÚMERO DE MEDIADORES CADASTRADO NO CEJUSC - CAPITAL POR ÁREA DE FORMAÇÃO. ...................................................................................................................................... 139 GRÁFICO 2. VOLUME DE PROCESSOS ENCAMINHADO AO CEJUSC – CAPITAL. PERÍODO. 07/12 -05/14 POR ÁREA. ............................................................................................................................. 152 GRÁFICO 3. RELAÇÃO DE CASOS ENCAMINHADOS DAS VARAS DE FAMÍLIA AO CEJUSC – CAPITAL. ........................................................................................................................................... 155 GRÁFICO 4. RESULTADO DOS CASOS ENCAMINHADOS DAS VARAS CÍVEIS AO CEJUSC – CAPITAL. ........................................................................................................................................... 155 GRÁFICO 5. RELAÇÃO DE CASOS ENCAMINHADOS DOS JECRIM’S AO CEJUSC – CAPITAL POR SERVENTIA ....................................................................................................................................... 173 GRÁFICO 6. RESULTADO DOS CASOS ENCAMINHADOS DAS VARA CÍVEIS AO CEJUSC – CAPITAL. ........................................................................................................................................... 174 GRÁFICO 7. RELAÇÃO DE PROCESSOS ENCAMINHADOS DA VARAS CÍVEIS PARA O CEJUSC – CAPITAL ............................................................................................................................................ 189 GRÁFICO 8. RESULTADO DOS CASOS ENCAMINHADOS DAS VARAS CÍVEIS AO CEJUSC – CAPITAL ............................................................................................................................................ 190 GRÁFICO 9: COMPARATIVO DE VOLUME DE PROCESSOS, AUDIÊNCIAS DESIGNADAS, AUDIÊNCIAS REALIZADAS E ACORDOS OBTIDOS ENTRE OS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA, TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS E TRIBUNAIS DO TRABALHO. ...................................... 194

LISTA DE TABELAS TABELA 1: ABRANGÊNCIA DA POLÍTICA NACIONAL DE TRATAMENTO ADEQUADO DOS CONFLITOS, NO ÂMBITO DO PODER JUDICIÁRIO ESTADUAL. .............................................. 39 TABELA 2: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO EM NÚMEROS. ............... 40 TABELA 3: RELAÇÃO DE CEJUSC’S INSTALADOS E ATIVOS. .......................................................... 42 TABELA 4: ABRANGÊNCIA DOS CEJUSC’S INSTALADOS NA CAPITAL E NO INTERIOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ......................................................................................................... 44 TABELA 5: CASOS ENCAMINHADOS DAS VARAS CÍVEIS, DE FAMÍLIA E JECRIM PARA OS CEJUSC’S EM 2013.............................................................................................................................. 45 TABELA 6. CASOS OBSERVADOS ORIUNDOS DAS VARAS DE FAMÍLIA ..................................... 156 TABELA 7. CASOS OBSERVADOS ORIUNDOS DOS JECRIM’S ......................................................... 177 TABELA 8. CASOS OBSERVADOS ORIUNDOS DAS VARAS CÍVEIS ............................................... 191

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AB – Abandono ABC – Agência Brasileira de Cooperação AL – América Latina AP – Acordo Parcial AT – Acordo Total BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento BRICs – Brasil, Rússia, Índia, China: Grupo de cooperação econômica, África do Sul anexada. CC – Código Civil CDC – Código de Defesa do Consumidor CEPAL – Comissão Econômica para América Latina e o Caribe CEJUSC – Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania CNJ – Conselho Nacional de Justiça CONIMA – Conselho Nacional das Instituições de Mediação CPC – Código de Processo Civil CPCJEC – Centro Permanente de Conciliação do Juizado Especial Cível CPP – Código de Processo Penal DE – Desistência

ENAM – Escola Nacional de Mediação e Conciliação EU – União Europeia FMI – Fundo Monetário Internacional IT - Interrupção JEC – Juizado Especial Cível JECRIM – Juizado Especial Criminal MERCOSUL – Mercado Comum do Sul MNC – Movimento Nacional pela Conciliação N/A – Não Adesão NUPEMEC – Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio ONU – Organização das Nações Unidas PJRJ – Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PR – Processo S/A – Sem Acordo S/I – Sem Início S/R – Sem Resultado SNC – Semana Nacional da Conciliação SRJ – Secretaria de Reforma do Judiciário SU – Suspensão TJRJ – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro VC – Vara Cível VF – Vara de Família WB – Banco Mundial WTP (World Bank Technical Paper 280, 319, 350) – Relatório do Banco Mundial sobre as instituições político-jurídicas brasileiras.

INTRODUÇÃO “Mais vale um mau acordo do que uma boa demanda.” (Provérbio português)

Desde o ano de 1999, quando iniciei o curso de graduação em direito e estágios na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Municipal de Barra Mansa, até o presente, no exercício da advocacia em defesa de empresas e pessoas físicas nos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e Varas Cíveis, vivencio dilemas na prática jurídica, sobretudo em audiências de conciliação e de instrução e julgamento que refletem a motivação mais evidente desta pesquisa. No decorrer destes 14 anos, participei de mais de 600 processos, com audiências, nas mais variadas situações, em que princípios, teorias, técnicas e práticas contrastam com os dilemas concretos dos membros do Poder Judiciário, dos indivíduos e grupos, em que provérbio português “é melhor um mau acordo do que uma boa demanda” ilustra argumentos e justificativas em favor do consenso em alternativa ao julgamento. A partir destas experiências, muitos elementos que dão conteúdo a este argumento refletem de maneira reiterada as condições de precariedade materiais, psicológicas e socioculturais que permeiam os usos e significados do consenso na órbita da jurisdição estatal e torna problemática a premissa de que o acordo é a expressão da voluntariedade e da autonomia da vontade das partes, assim como, uma forma mais célere, eficiente e inclusiva de resolução de conflitos e da efetivação de direitos. Na órbita da jurisdição, em que o Estado assume o papel de dizer o direito e de decidir os conflitos em substituição à vontade das partes, minhas experiências conduzem à hipótese de que certas condições que configuram a opção pela via consensual são, antes, o resultado da harmonização de precariedades da prestação jurisdicional e das condições de desigualdade formal e material entre determinados indivíduos e grupos, como uma forma de aceitar, desistir ou até mesmo evitar as condições de precariedade e desigualdade dentro do sistema jurisdicional.

Esta hipótese tem como problemática principal a possibilidade de que os direitos e o sentimento de justiça sejam resignificados de acordo com as condições de cada indivíduo ou grupo no espaço jurisdicional, que deve zelar pela igualdade e a liberdade entre as partes, condições estas, inclusive, que estão diretamente relacionadas à voluntariedade e autonomia das partes na escolha entre o processo judicial e as formas consensuais de abordagem e resolução dos conflitos. As experiências do campo propiciaram alguns estranhamentos em relação às justificativas práticas e teóricas em favor do acordo que me conduziram a buscar a um modelo de pesquisa sensível aos elementos que compõem dinâmica de abordagem e processamento dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário, principalmente no dilema entre o prosseguimento do processo judicial e a adesão das formas consensuais. A conciliação, institucionalizada em nosso sistema jurídico desde a década de 1990, foi recepcionada com entusiasmo juntamente com criação dos Juizados Especiais e alterações processuais como no inciso IV, do art. 125 do CPC. Com fundamento na voluntariedade, a autonomia da vontade, a imparcialidade, a cooperação, celeridade, economia processual, a conciliação apresenta-se como alternativa ao processo judicial, baseado em fatos, provas, princípios e técnicas jurídicas que contribuem para caracterizálo como litigioso, moroso, custoso, complexo, imprevisível. Contudo, no decorrer dos anos, a conciliação, assim como o processo judicial, foi submetida à realidade social e institucional e vem sofrendo desgastes institucionais, pois sua prática nos tribunais não foi suficiente para enfrentar o alto índice de demandas judiciais, morosidade, ineficiência, entre outras precariedades da prestação jurisdicional, incidindo na conciliação os vícios e deficiências de próprio sistema de justiça, o que resulta na dificuldade da efetivação de direitos, principalmente de indivíduos e grupos hipossuficientes. Nesse contexto, ao lado da conciliação, a Mediação foi recentemente instituída como parte da Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos no âmbito do Poder Judiciário, através da Resolução CNJ 125/2010 e, recentemente, foi recepcionada como um procedimento judicial pelo novo Código de Processo Civil de 2015,

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No meio acadêmico, a Mediação é celebrada como uma forma abordagem e processamento de conflitos mais qualificada, revestida de princípios, teorias e técnicas inovadoras que, diante das dificuldades da conciliação e do processo judicial, renova os ânimos daqueles que se debruçam sobre o tema dos conflitos e do acesso à justiça. No Poder Judiciário, apesar da resistência de muitos especialistas do campo, a mediação é recebida com esperança, como ilustra a mensagem do Juiz Bacellar ao NUPEMEC/RJ, reforçando a ideia de que com a Mediação será possível como em um passe de mágica, aplicar técnicas e com elas evitar ofensas mútuas, manter o respeito e, principalmente, preservar relacionamentos; ainda assim, com satisfação recíproca: a isso a população chamará de justiça 1. Constituída por princípios, teorias e técnicas oriundas de outros saberes como antropologia, sociologia, psicologia, neurociência, linguística, negociação, economia, comunicação, teoria dos jogos, a Mediação contribui para a inclusão e reconhecimento de profissionais oriundos de diversos saberes, tanto para a capacitação de mediadores quanto para a própria função de Mediador, abrindo um espaço de circulação e disputa dos mais variados capitais. Este mosaico de saberes em torno dos conflitos sugere uma nova forma de abordagem e processamento dos conflitos em que, através de princípios e técnicas baseadas na empatia e na cooperação, mediadores qualificados pelo Poder Judiciário proporcionarão um ambiente de comunicação ideal para que indivíduos e grupos em conflito sejam protagonistas da solução de seus conflitos, fortalecendo os vínculos sociais advindos de outras instâncias normativas como família, comunidade, mercado. Contudo, anterior à forma de abordagem e processamento dos conflitos, intuo que há elementos materiais, psicológicos e socioculturais que influenciam a escolha e a utilização destes mecanismos e que, assim como as formas consensuais, o processo judicial tem como função precípua evitar a violência ou, pelo menos, racionalizar o uso 1

Mensagem do Juiz de Direito Roberto Portugal Bacellar, Diretor-Presidente da Escola Nacional da Magistratura, disponível em http://www.tjrj.jus.br/ca/institucional/mediacao/mensagens, acessado em 10 de janeiro de 2013.

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da força quando há conflitos de interesse, buscando relações sociais livres, fraternas e igualitárias. Nesse sentido, parece um engano polarizar o processo judicial como destrutivo e o consenso como construtivo (DEUTSCH apud AZEVEDO et al, 2004), pois, como adverte Owen Fis (2004; 2005), a gramática dos direitos é um artefato importantíssimo de transformação e conquistas sociais nas sociedades modernas, tendo em vista estar revestida dos anseios iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade que contagiam leis, constituições e instituições. Portanto, a busca pelo Direito através da prestação jurisdicional deve, sobretudo, ser uma forma legítima e racional dos indivíduos e grupos reivindicarem que o Estado cumpra seu papel de promover o equilíbrio e a justiça nas relações sociais através de sanções legalmente previstas, tendo em vista o desequilíbrio natural de forças entre indivíduos e grupos. Diante deste cenário, esta pesquisa tem como objetivo de identificar e descrever a dinâmica em que este mosaico de princípios, teorias e técnicas interagem com as condições materiais, psicológicas e socioculturais dos atores no campo, contribuindo com a compreensão mais abrangente e próxima dos dilemas enfrentados no cotidiano do sistema jurídico e sua influência na efetivação de direitos, assim como, no equilíbrio das relações sociais. Para atingir este objetivo, procurei configurar um modelo de pesquisa (BUNGE, 1970; 1980; 2014) de base empírica com o viés interdisciplinar, organizando o trabalho em dois primeiros capítulos que constituem o conteúdo empírico para no terceiro capítulo estruturar um método que permita estudos interdisciplinares, aproximando teoria e realidade. No primeiro capítulo, a título de pesquisa de campo, identifico e descrevo movimentos internacionais de reformas institucionais e legais e a forma com que estas reformas foram concebidas na transição democrática dos países da América latina e destaco o papel das agências e organismos multilaterais como Banco Mundial, ONU, PNUD, FMI, ODM, os quais estabelecem metas, subsídios financeiros e técnicos que

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modulam a eleição de prioridades de reformas legais, institucionais e de políticas públicas, com o objetivo apresentar os contornos institucionais desta política pública. Os subsídios técnicos, a formação através de intercâmbio de agentes públicos e privados utilizados como multiplicadores de teorias e técnicas, assim como, em reformas legislativas e na concepção e gestão de políticas públicas, são exemplos de conteúdos empíricos deste estudo. Enquanto fenômeno, a mediação se apresenta como objeto de estudo como uma técnica inovadora diante da crise institucional do Poder Judiciário que impulsiona a produção acadêmica e profissional através de cursos de formação de mediadores, criação de organizações civis, entidades reguladoras, leis, políticas públicas, fomentando e a circulação de capital intelectual, econômico e político no campo jurídico. Outro fator de destaque do trabalho de campo é a identificação de teorias e técnicas importadas para subsidiar estas reformas, pois, conforme observou Eliane Junqueira (1996), é problemática a sua incorporação in natura à realidade social e institucional brasileira, sendo este o papel de trabalhos empíricos que contemplem um conteúdo capaz de possibilitar estudos comparados como de Nader e Todd (1978), Nader (1994), Fiss (2004; 2005). Na segunda parte, apresento dados que demonstram a abrangência e a capilaridade desta política pública nos Tribunais de Justiça Estadual, demonstrando que dos 27 Estados, 21 Estados há NUPEMEC's e CEJUSC's. Outro aspecto que nos permite demarcar o campo de pesquisa é o volume de investimentos do Poder Judiciário e os resultados quantitativos destes investimentos. No âmbito do TJRJ, verificaremos que a promoção da mediação é anterior à Resolução CNJ 125/2010, já em 2008 o TJRJ estabeleceu convênio a Secretaria de Reforma do Judiciário para a capacitação de mediadores e posteriormente, em 2009 editou portarias para a instalação de Centros de Mediação e, atualmente, estão instalados 18 CEJUSC'S, 08 na Capital. Neste aspecto, podemos observar que apesar do aumento progressivo de investimentos que, em 2013 atingiu à quantia de R$3.443.112.609 (R$2.942.035.830 com

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despesas de pessoal) (p. 39), os índices indicam que de forma quantitativa a eficiência da prestação jurisdicional demonstra melhorias de baixo impacto, sendo a quantidade irrisória de casos enviados aos 18 CEJUSC's um exemplo desta realidade. Ainda que se deva se considerar como satisfatória a abrangência dos CEJUSC's no Poder Judiciário Carioca, em muitas Comarcas e algumas Regiões ainda não há CEJUSC implantado e, mesmo nos Fóruns em que há CEJUSC, observamos que há dificuldade de incluir o CEJUSC na sistemática das Varas, tendo em vista a resistência e até mesmo a falta de conhecimento da abrangência e do objetivo desta política pública. Verificaremos também a dificuldade de agregar a conciliação e a mediação ao trabalho do CEJUSC, pois, devido ao desgaste da conciliação, há certa resistência dos mediadores em adotar o procedimento dentro do CEJUSC. Contudo, a incorporação da mediação pelo novo Código de Processo Civil, aponta para a tendência de que o encaminhamento ao CEJUSC seja incorporado entre os procedimentos judiciais e a conciliação seja revigorada, pois em muitos casos deve ser a alternativa possível e apropriada. Este cenário reforça a necessidade da adoção de critérios mais objetivos e sistemáticos de encaminhamento dos casos aos CEJUSC como medida para superar o baixo

número

de

encaminhamentos,

que

atualmente

reflete

dificuldades

na

institucionalização desta política pública. Para ilustrar esta realidade, apresento dados que demonstram que no ano de 2013 fora encaminhados 1.237 casos, 732 para os 8 CEJUSC's da Comarca da Capital e 513 para os 10 CEJUSC's das demais Comarcas, estes dados indicam que num universo de milhões de processos esta política pública ainda tem sua abrangência restrita, apesar de proporcional à estrutura física e à baixa quantidade de recursos humanos, conforme dados apresentados acerca do espaço físico dos CEJUSCS, o número de mediadores e as precariedades da relação de trabalho entre os Mediadores e o Tribunal de Justiça. Para analisar com maior densidade o funcionamento da política pública e a prática da mediação, delimitei como campo de pesquisa eleito para observação participante o CEJUSC do Fórum da Capital, pois, além de ser o mais antigo é o que contém o maior

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número de Varas de Família, JECRIM's e Cíveis, em números absolutos e o que mais recebeu casos. Na última parte do Capítulo I, descrevo minha participação no curso de mediação judicial do TJRJ, apresentando aspectos práticos de acesso ao curso, o perfil dos mediadores e dos alunos, a estrutura do curso, as questões institucionais, revisando a bibliografia utilizada no curso, as principais áreas do conhecimento, teorias e técnicas as quais os mediadores são capacitados. Já no acesso ao curso de capacitação, apesar dos critérios sugeridos no Manual de Mediação Judicial (2013), verifiquei, a partir de minha experiência e do contato com os demais colegas que o fator determinante para o acesso ao curso é vínculo pessoal ou profissional com os membros do Poder Judiciário, o que contribuiu para demonstrar a dificuldade de acesso de atores de outros campos ao campo jurídico. O curso de capacitação tem a carga horária teórica de 40 horas que são ministradas em duas semanas por 10 módulos de quatro horas, todos os 20 participantes da turma que fiz parte tinham algum vínculo profissional ou pessoal com membros do TJRJ e do NUPEMEC, quando não pertenciam aos quadros do próprio TJRJ. Além das questões do acesso, descrevo características estruturais como formato da sala de aula e didática, assim como interação entre a linguagem jurídica e da psicologia que se refletia tanto nos "capacitadores", psicólogas do TJRJ quanto nos alunos, com formação mormente em direito e psicologia, que ora demonstravam certo conflito e disputa de posição, ora confluência de significados. Esta questão se repete posteriormente na formação de equipes por afinidade profissional e temática, revelando certa dificuldade de se estabelecer uma abordagem interdisciplinar, evidenciando uma tendência para formação de equipes mais especializadas (psicólogos com psicólogos/advogados com advogados), conforme a origem dos casos (Varas de Família, Cível, JECRIM). Sob o prisma da observação participante, também pude notar com maior densidade as questões institucionais, administrativas e gerenciais acerca da inclusão da mediação no campo jurídico através do NUPEMEC. Precisamente, vivenciei no cotidiano

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do CEJUSC - Capital, de que forma o que foi estabelecido pela Resolução CNJ 125/2010 alcança a realidade do TJRJ. O curso de capacitação tem como fundamento e objetivo pedagógico o desenvolvimento de habilidades e competências básicas, que serão aperfeiçoadas posteriormente com o estágio e a supervisão de equipe, e com a continuidade através de cursos mais específicos, conforme o interesse do mediador. No que concerne ao conteúdo programático e às referências bibliográficas, identifico e descrevo a grande carga teórica e técnica que demanda a capacitação de mediadores e amplitude de saberes que compõem a mediação, muitos deles em conflito com princípios, teorias e práticas do campo jurídico em relação à forma de abordagem e processamento dos conflitos. Estas diferenças sedimentam a mediação como alternativa às teorias e práticas já consolidados no campo jurídico. Diante do processo judicial e da conciliação, a mediação se apresenta como uma abordagem mais humana e ampla dos conflitos, fundamentada por saberes como a psicologia, a linguística, gestão, antropologia. O material didático do curso de mediação apresenta distinções e vantagens dos MASC's em relação ao processo judicial, como celeridade, informalidade, flexibilidade, confidencialidade, economia, adequação ao caso concreto, prevenção de futuras lides, restauração de relações interpessoais e sociais, cooperação, redução do número do processo nos tribunais, menor custo, maior participação da comunidade, acesso à ordem jurídica justa, maior efetividade na resolução dos conflitos, promovendo o consenso ao invés da sentença. Verificaremos a partir do curso de capacitação, a preocupação de distinção entre a conciliação e a mediação. A conciliação é definida como uma intervenção mais ativa, podendo o conciliador sugerir soluções e apresentar parâmetros legais e jurisprudenciais para que as partes decidam, pois na conciliação o objetivo principal é o acordo através de concessões mútuas. Na mediação, o objetivo principal é o consenso, o restabelecimento da comunicação e das relações interpessoais, a harmonia e a pacificação social.

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Outro tema de destaque do curso é a abordagem do conflito de maneira positiva e natural, não como algo que deve ser visto de maneira destrutiva e eliminado pela sociedade e pelo Estado, o conflito, quando abordado de maneira construtiva, deve ser entendido como uma forma de transformação social. A partir destas premissas, verifica-se a associação das formas consensuais à abordagem construtiva e das formas jurídicas e legais como uma abordagem destrutiva do conflito. Esta mudança de paradigma é fundamentada por uma dinâmica comunicacional da negociação criada entre as partes em que o terceiro atua como um decodificador da comunicação, produzindo uma dinâmica circular que reduza os ruídos e mal entendidos da comunicação entre as partes. Segundo o material didático, o mediador deve seguir condutas como: não julgar, não criticar, não menosprezar, respeitar e compreender as necessidades do outro, com vistas identificar e reduzir a espiral do conflito, pois, diferentemente da característica competitiva dos processos judiciais, os processos cooperativos dão ênfase às emoções e sentimentos, utilizando técnicas que possibilitem às partes uma compreensão mais ampla e consciente das emoções e sentimentos em seus julgamentos. Outras competências atribuídas ao mediador são identificadas no decorrer das aulas como a "escuta ativa"; "percepção"; "emoção"; "empatia"; "habilidade social", que traduzem atitudes como acolher com atenção e sem julgamento o que as partes dizem entender o conflito na perspectiva do outro, proporcionar perspectivas diferentes às partes, reconhecer e compreender as emoções de forma humanizada, catalisar mudanças. Outro referencial teórico utilizado no curso de capacitação é comunicação não violenta, teoria e técnica desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg, que tem como características eliminar da comunicação os rótulos, preconceitos, julgamentos e mal-entendidos, concentrarem-se nos sentimentos e necessidades do outro, respeitar o outro, escolher criteriosamente as palavras, criar empatia. A mudança de percepção do conflito é uma das justificativas de se adotar a mediação como uma forma não-adversarial, consciente, construtiva, participativa que se

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opõe ao processo judicial, por ser este adversarial, autoritário, reativo, destrutivo, litigioso, violento. Como uma modalidade de negociação assistida, a mediação tem como base os interesses das partes e não as posições antagônicas, pois se caracteriza por propiciarem um ambiente

cooperativo

e

não-adversarial,

tendo

em

vista

a

possibilidade

de

compartilhamento de interesses e uma comunicação conciliatória (AZEVEDO et al, 2013; FISHER et al, 2005). Entre os referenciais bibliográficos do curso de capacitação, destaca-se o Manual de Mediação Judicial (op. cit., 2013) que sugere que o mediador tem como função norteadora de suas práticas a facilitação da comunicação entre as partes, esforçando-se para evitar aconselhamentos e avaliações. Caso seja necessária alguma informação específica, o mediador deve sugerir que as partes consultem especialistas. Através de diversas competências e técnicas, os mediadores devem de maneira imparcial, exercer a neutralidade encorajando e garantindo que as partes tenham a mesma oportunidade se expressar e que se escutem com atenção, criando objetivos e metas comuns. Para tanto, o Manual sugere uma série de medidas como preparam um ambiente propício para que as partes se sintam a vontade, aplicar as técnicas, redigir o acordo ou atestar a inviabilidade do mesmo. Verificaremos ainda neste capítulo que o curso de capacitação apresenta aos alunos uma gama de sugestões, exemplos, protocolos, códigos de ética, oriundos da doutrina e da Resolução CNJ 125/2010, além de apresentar modelos focados no acordo e modelos focados na relação, representados por escolas de mediação como Mediação Satisfativa ou de Harvard; Transformativa; Circular-narrativa; Avaliativa. Para um curso de capacitação de 40 horas, o volume de teorias e técnicas a serem desenvolvidas é muito grande, por outro lado a formação continuada nos estágios dependerá da disponibilidade dos formados, pois o trabalho é voluntário e gratuito e muitos dos observadores e mediadores cumulam funções tanto no Poder Judiciário quanto na iniciativa privada.

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Como forma de auxiliar a consolidação de procedimentos, aos observadores e mediadores são disponibilizadas varias fichas e formulários, como de observação aos mediadores observadores, de acompanhamento dos casos aos mediadores, de checklist da sessão de abertura para que os mediadores orientem os mediandos sobre as regras da mediação, de pesquisa de satisfação dos mediandos, de acompanhamento estatístico dos casos pela secretaria dos CEJUSC's entre outros instrumentos. Estes e outros temas acerca da teoria e da técnica introduzida pela mediação no campo jurídico constituem um mosaico de saberes que são absorvidos e ressignificados conforme as condições materiais, socioculturais e políticas do campo jurídico podem promover mudanças substantivas no campo jurídico, assim como de identificar questões estruturais e perenes que repercutem tanto na escolha das formas de abordagem e processamento dos quanto em sua efetividade. No segundo capítulo, apresento estudos de casos, identificando e correlacionando alguns elementos observados com o objetivo de reproduzir a dinâmica das formas de abordagem e processamento de conflitos a partir da visão cotidiana, dos dados e de casos concretos vivenciados na posição de observador/mediador do CEJUSC do TJRJ da Capital, entre os anos 2012 e 2014. Antes de adentrar propriamente nos estudos de caso, descrevo aspectos gerais como minha posição no campo, a forma de criação das equipes de mediação, o ambiente acolhedor e agradável, diferentemente da maioria das serventias e salas de audiência e as dificuldades estrutura física e de pessoal, caso houvesse encaminhamento sistemático de casos de todas as Varas de Família, Cíveis e JECRIM'S, assim como, as diferenças processuais dos casos segundo a origem e seus impactos na abordagem e processamento dos conflitos. Quanto às sessões de mediação, nos casos observados, verifica-se que se iniciam com a recepção cordial dos mediadores às partes e aos advogados, após é feita a declaração de abertura que consiste em apresentar as regras e objetivos da mediação para que as partes decidam pela adesão ou não do procedimento.

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Além de diversas perguntas e frases protocolares sugeridas pelo Manual de Mediação Judicial, os mediadores tem a sua disposição um checklist para orientar e prevenir qualquer esquecimento ao passar as regras estabelecidas pelo Manual, muitos chegam a literalmente ler checklist. No Fórum da Capital são 18 Varas de Família, 52 Cíveis e dos 5 JECRIM's (direitos disponíveis e relativamente disponíveis com anuência do MP) e, no período da pesquisa de campo (22 meses), foram encaminhados apenas 196 casos oriundos das Varas de Família, 115 casos dos JECRIM's e 34 das Varas Cíveis, sendo que nem todas as serventias enviam casos aos CEJUSC's. O procedimento de encaminhamento consiste no despacho do juiz competente para que as partes compareçam ao CEJUSC e os casos são recebidos através de uma ficha de encaminhamento sem o processo físico, apenas com dados para contato e agendamento da primeira reunião, a partir deste despacho, conforme o § único, do art. 3.º, da Resolução TJRJ n.º19/2009, os processos podem ficar suspensos até quarenta e cinco dias com prorrogação a critério do juiz competente. Verificaremos que entre os casos encaminhados há uma baixa incidência de casos oriundos da Vara Cível, que conduz à hipótese de que nestas matérias a conciliação tem certa efetividade, pois se trata, em sua maioria, de conflitos em que não há relações continuadas como nos casos de família e vizinhança, característicos dos casos oriundos das Varas de Famílias e do JECRIM. Ainda neste capítulo, observaremos que as consequências processuais dos acordos não são as mesmas para casos encaminhados da Vara de Família, Cível e JECRIM. Nas Varas de Família e Cíveis o acordo tem como consequência a resolução do conflito com o julgamento do mérito, nos casos oriundos do JECRIM, o acordo implica em renúncia da queixa-crime ou da representação, como uma forma de evitar a ação penal. Em suma, caso houvesse continuidade ainda seria passível de proposta de transação penal pelo Ministério Público quando este é titular da ação e, em última ratio, condenação, que pode ser convertida em penas alternativas (sestas básicas, trabalhos comunitários etc.).

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Em relação aos casos oriundos das Varas de Família, os casos mais comuns são pedidos de alimentos, reconhecimento de paternidade, regulamentação de visita, separação, divórcio. Dos 196 casos encaminhados, tive a oportunidade de participar de 18 casos e o caso de família eleito para estudo trata de uma ação de divórcio litigioso. Conheceremos a história de Denise e Marcos, que integram uma ação de divórcio litigioso. No estudo de caso, identificaremos e analisaremos algumas condições materiais, psicológicas e socioculturais que retratam a influência da desigualdade entre as parte no exercício jurisdicional e os caminhos que levam à opção pela mediação. Entre os casos encaminhados pelo JECRIM, os casos mais comuns são de ameaça, lesão corporal, violência doméstica, difamação, calúnia. Dos 115 casos encaminhados, participei de sete casos e para estudo de caso, foi eleito um conflito de vizinhança entre idosos moradores de um prédio no centro do Rio de Janeiro. Ana, idosa e viúva, mora com um filho com síndrome de down acusa Roberto, idoso e casado, de tê-la agredido quando esta reagiu ao seu assédio. Neste caso, observaremos precariedades materiais, psicológicas e socioculturais de ambas as partes, como, questões de gênero, de ansiedade e insegurança perante as incertezas da prestação jurisdicional, relacionadas com a falta de assessoria jurídica e precariedades do próprio sistema de justiça penal como o baixo índice de inquéritos concluídos. Dos 34 casos encaminhados pelas Varas Cíveis, os mais comuns tem como objeto a partilha de bens e prejuízos patrimoniais entre pessoas físicas. Nos três casos em que participei, o objeto da ação era danos morais e materiais e não houve prosseguimento da mediação. Verificaremos que estes casos tem em comum a ausência de relações continuadas e vínculos de outras instâncias normativas as quais seriam diretamente atingidas caso houvesse acordo, assim como a falta de interesse das partes em desenvolver uma comunicação além da demanda específica de caráter financeiro. Estas observações direcionaram a pesquisa para a Semana Nacional de Conciliação e para os Mutirões de Agenda Concentrada, campanhas promovidas pelos Tribunais, com apoio do CNJ e convênio com as empresas com alto número de demandas no judiciário.

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A Semana Nacional da Conciliação ocorre desde o ano de 2006. No TJRJ é promovida pelo CPCJEC, em que os mediadores dos CEJUSC são convidados a participar. Por sua vez, o Mutirão de Agenda Concentrada é promovido esporadicamente pelo NUPEMEC, em que o TJRJ pode selecionar casos das Varas de Família, JECRIM e Cível ou a partir de convênio com empresas com alto índice de demandas judiciais. Na 8ª Semana Nacional de Conciliação (2012) coordenei pesquisa de campo que consistia na aplicação de questionário aos usuários (partes e advogados) e participei como mediador nos mutirões de agenda concentrada no ano de 2012 e 2013. A pesquisa realizada na 8ª SNC, dentre outros apontamentos, evidenciaram 1. A falta de conhecimento dos usuários acerca dos procedimentos e técnicas autocompositivas; A dinâmica dos procedimentos e a disponibilidade das empresas em oferecerem propostas de acordo; 3. O alto interesse tanto para as empresas quanto do Poder Judiciário, em busca de metas para diminuir o número de processos e demonstrar eficiência. Nestas campanhas, os processos encaminhados eram das Varas Cíveis, tanto na fase de conhecimento quanto após a sentença e até mesmo em 2.ª instância, em que o critério de seleção dos processos, na maioria dos casos, se orientou pelo convênio com empresas com alto índice de processos. Para estudo de caso, selecionei um caso encaminhado para o Mutirão de Agenda Concentrada, resultado de um convênio do TJRJ com uma seguradora de serviço de saúde. O motivo da demanda é a negativa de autorização do plano para atendimento médico de emergência uma criança. Os fatos ocorreram na madrugada de sábado em um hospital da baixada fluminense e, além de submeter à criança ao risco de morte, também obrigou aos familiares mantê-la no corredor do hospital e ainda recomendaram que a família se retirasse do local e procurasse outro hospital. A família necessitou ir até ao plantão judicial há, aproximadamente, 25 km de distância e através de advogado pleitear uma decisão liminar que garantisse o atendimento da criança. Em casos como este, observaremos que questão principal se reduz ao valor indenizatório e que os prepostos e advogados apresentam a proposta pré-estabelecidas,

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com parâmetros eminentemente econômicos, com uma curta margem de negociação e pouca autonomia perante o caso concreto. No caso específico, é possível observar os interesses compartilhados entre empresa e Poder Judiciário de por fim ao processo, tendo como objetivo principal diminuir os custos do processo. Para resolver o impasse, um dos conciliadores solicitou que o preposto ligasse para a empresa enquanto o mesmo solicitou a intervenção do Juízo de plantão. Diante deste cenário, é possível verificar as variáveis que conduzem a opção pelo acordo, como forma de convencimento da família, argumentos como morosidade, distância, incerteza na decisão, custos com processo, assessoria jurídica são apresentados para a parte, inclusive pelo Juízo de plantão. Estas e outras variáveis nos servirão de conteúdo empírico para nos aproximarmos de princípios como voluntariedade, autonomia da vontade, cooperação, efetividade. Assim como, para problematizar, por exemplo, o fato de que a maioria destas demandas de massa é referente à má prestação de serviços essenciais, em que a má conduta alcança não somente o caso concreto, mas interesses coletivos e difusos, na medida em que não se julga a licitude das condutas, o consenso pode significar a viabilidade de condutas prejudiciais ao interesse público. No

capítulo

III,

apresento

referenciais

teóricos

e

metodológicos

que

problematizam teorias como livre arbítrio, autonomia da vontade, razão prática-pura, fundamentando a necessidade de considerarmos a influência da emoção e dos sentimentos morais nos julgamentos e processos de tomada de decisão (TUGENDHAT, STRAWSON, SEN, GREENE, MIKHAIL, DAMÁSIO, PINKER, HAIDT et al). Esta proposta tem como propostas a superação dos limites da investigação antropológica que concebem a natureza e da conduta humana como produto da cultura, para e desenvolver investigações que considerem nossas características inatas e adquiridas em nossa história evolutiva, em que natureza e cultura permeiam aos usos e significados do direito e do sentimento de justiça.

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Estes subsídios nos permitem desenvolver uma pesquisa de viés descritivo e analítico, aproximando o conteúdo empírico dos capítulos I e II aos princípios, teorias e outros estudos descritivos com afinidade temática, identificando e correlacionando problemas, variáveis, condições necessárias e suficientes através de estudo comparativo, passíveis de serem experimentadas para além de abordagens culturalista e relativistas. Na tentativa de compreender como as formas de abordagem e processamento de conflitos estão intimamente correlacionadas às condições materiais, psicológicas e socioculturais, observaremos como estas condições influenciam tanto na escolha da forma quanto na efetividade da decisão, em que emoção, sentimentos e razão se comunicam no processo de tomada de decisão seja do juiz, árbitro, mediador ou das partes. Verificaremos que, antes das condições socioculturais, as condições materiais e psicológicas contribuem para a forma com que agimos e decidimos diante de um conflito. Identificaremos em etnografias e trabalhos de campo que o ser humano expressa comportamentos que, apesar de não lineares e idênticos, são identificados e traduzidos nas mais diversas culturas. A partir de trabalhos descritivos e etnográficos (NADER; TODD, 1978, 1994 et al) é possível identificar uma base geral de comportamentos que diante das condições materiais, psicológicas e socioculturais nos conduzem a aceitar, evitar, reagir, negociar diretamente ou externar a indignação diante de determinada agressão, submetendo publicamente o conflito através de comportamentos que podem ser classificados como queixa, pré-conflito, palco dos conflitos e disputa, em que terceiros que podem atuar como juízes, árbitros, mediadores. Quanto aos neutros que instados a intermediar o conflito (mediador, conciliador, árbitro, juiz), veremos que sua atuação está diretamente relacionada à forma com que sua posição é legitimada diante da coletividade e do tipo de relação deste com a coletividade. Nader e Todd (1978) identificam a partir de trabalhos descritivos e etnográficos, que há dois tipos básicos de conduta entre o neutro e as partes em conflito. O primeiro tipo é denominado simplex, em que o neutro atua de maneira impessoal, restrita ao caso, sem que haja outros vínculos sociais com os envolvidos,

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sendo a instituição o fator legitimador. O segundo tipo é denominado multiplex, em que o neutro compartilha outras tarefas e interesses com as partes em conflito, vinculando sua legitimidade à sua conduta pessoal e social. Estas classificações contribuem para observar o alcance das decisões processadas dentro de cada tipo de relação e a natureza diversa dos vínculos obrigacionais, ainda mais quando relacionados com as formas de intervenção que, apesar da diversidade cultural, possuem limites pertinentes à natureza humana, anteriores a determinada cultura ou organização institucional. A dinâmica das relações de sociais se reflete na forma de distribuição de poder, na realização de interesses individuais e coletivos e se diversificam, criando um mosaico de possibilidades quando correlacionadas com fatores que constituem as formas de abordagem e processamento dos conflitos como tempo, custos, costumes, valores que colorem os usos e significados de direito e justiça. Por outro lado, esta dinâmica é objeto de intercâmbio de valores, princípios, teorias, técnicas e soluções, muitas vezes insensíveis às diferenças básicas das condições materiais, sociais e psicológicas de cada indivíduo ou grupo, criando novas fronteiras entre Estados-nação, que se refletem na própria sociedade. É cada vez mais evidente que exercício jurisdicional enfrenta dificuldades como estabelecer limites ao poder discricionário, que possibilita interpretações baseadas em critérios subjetivos, como livre convencimento motivado, persecução racional de provas (art. 131 e 436 do antigo CPC), a modulação da oralidade na prática de redução a termo ou critérios deontológicos, hermenêuticos como proposto pelo Novo Código de Processo Civil no §1, do art. 489. No entanto, a mediação pode contribuir para que decisões baseadas em interesses, necessidades, vontades e possibilidades, relativizem condutas, direitos, sentimentos morais e de justiça, já que não alcançam os fatos e o mérito do caso concreto, negligenciando as condições de desigualdade material, psicológica e social das relações humanas.

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Estas questões, ainda incipientes empiricamente no Brasil, já vêm sendo desenvolvidas em trabalhos de campo, utilizando especialmente métodos descritivos e etnográficos da antropologia, dentre outros das ciências sociais e humanidades. Contudo, podemos agregar teorias e métodos de outros saberes como neurociência, filosofia experimental, psicologia moral e construir modelos de pesquisa que superem a dicotomia entre natureza e cultura, para submetermos princípios, teorias e técnicas que constituem o imaginário transcendental das instituições, leis e autoridades à uma visão mais próxima das características da natureza humana, aproximando teoria e realidade. Além de apresentar conteúdo empírico e desenvolver análises interdisciplinares para enfrentar os problemas identificados, o resultado esperado desta pesquisa é de apresentar e submeter o processo de construção do modelo de pesquisa proposto, com vistas ao seu aprimoramento e continuidade, buscando o diálogo com outras pesquisas com afinidade temática.

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I. ESTUDO DE CAMPO

O objetivo principal deste capítulo é observar, identificar e analisar elementos do campo de pesquisa que nos aproxime da realidade e evidencie os contornos institucionais, identificando os espaços acadêmicos e profissionais em que a mediação vem sendo concebida através de princípios, teorias, técnicas e serviços (1); passando pelo dimensionamento do campo de pesquisa, com desenho institucional pelo qual a Política Nacional de Tratamento Adequado dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário se desenvolve (2); descrever, analisar o curso de capacitação em mediação judiciária, apontado aspectos do modelo de capacitação até a revisão bibliográfica dos princípios e técnicas (3); identificar as funções e a posição do mediador no sistema jurídico (4) e, finalmente, descrever e analisar a prática da mediação a partir de estudos de caso aproximando teoria e realidade (5). 1. Contornos institucionais A mediação está contida um movimento crescente de reformas institucionais e legislativas do Estado Moderno, evidenciado a partir da década de 1970. Na América latina, estas reformas incorporam os relatórios do Banco Mundial World 280, 319, 350, que estabelecem diretrizes no processo de redemocratização da América latina, assim com a participação de organizações multilaterais como PNUD, ODM, UNICEF, BIRD que, em contrapartida, oferecem fomento técnico e financeiro, participando da gestão e controle destas reformas e políticas públicas. Especificamente, acerca as transformações do sistema jurídico no século XX, destacam-se as pesquisas de Garth e Cappelletti na década de 1970, que se apresenta na forma de Relatório Geral de estudos comparados, objeto do Projeto Florença, que posteriormente foi publicada sob o título Acesso à Justiça (CAPPELLETTI; GARTH, 1988) 2, assim como, pesquisas etnografias e estudos de campo das formas de abordagem e

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Apesar do Projeto de Florença contemplar estudos comparados em diversos países de todos os continentes, não há dados sobre o Brasil, sendo esta obra publicada no Brasil apenas em 1988. O tema acesso à justiça, segundo delimitam os autores, foi abordado, principalmente, sob o prisma das formas de acesso dos cidadãos ao sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado que, primeiro deve ser realmente acessível a todos, deixando em segundo plano a efetividade do exercício jurisdicional em produzir decisões justas (Idem, p. 3). Diversamente, o foco desta pesquisa é a

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processamento de conflitos em diversas sociedades, atentando para variáveis materiais, socioculturais e político-jurídicas, assim com da influência entre do contato entre sociedades em virtude de guerras, colonizações e do comércio (NADER; TODD, 1978; NADER, 1994). Na apresentação deste relatório, os autores propõem enfrentar o problema do "acesso à justiça" com enfoque nas condições de acesso ao sistema jurídico entendido como meio pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado (Idem, p. 3). Para tanto, os autores evidenciam como fatores problemáticos as custas judiciais (1); possibilidades das partes (2); problemas especiais dos interesses difusos (3); barreiras ao acesso à justiça (4). Diante desses fatores, os autores observam reformas institucionais identificadas nos países estudados, apresentadas como ondas de acesso à justiça: a primeira “onda” desse movimento novo — foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses “difusos”, especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro — e mais recente — é o que nos propomos a chamar simplesmente “enfoque de acesso a justiça” porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo (Idem, p. 12).

Assim como a conciliação e a arbitragem, a mediação de conflitos é identificada pelos autores na terceira onda, mas no Brasil, apenas a partir do início da década de 2000 é inserida no sistema jurídico brasileiro, com o surgimento da Secretaria de Reforma do Judiciário e do Conselho Nacional de Justiça, com políticas públicas subsidiadas e acompanhadas técnica e financeiramente pelos organismos internacionais supracitados. Estas iniciativas se reproduzem no sistema jurídico brasileiro através da formação internacional de especialistas como do Juiz André Gomma de Azevedo3 que a partir de

efetividade do acesso à justiça, no sentido de investigar se as formas de abordagem e processamento dos conflitos apresentadas no âmbito do Poder Judiciário vêm proporcionando sentimento de justiça nas relações entre indivíduos e grupos. 3

Juiz de Direito do Tribunal de Justiça Estadual da Bahia, lidera Grupo de Pesquisa e Trabalho em Resolução Apropriada de Disputas (então denominado de Grupo de Pesquisa e Trabalho em Arbitragem, Mediação e Negociação) da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FD/UnB), após concluir, em 1998, o

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2001, vem produzindo pesquisas, publicações e cursos com a colaboração de entidades como Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) e a Escola Nacional da Magistratura (ENM/AMB), da Secretaria de Reforma do Judiciário (SRJ) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de magistrados, procuradores estaduais, procuradores federais e advogados e acadêmicos do direito da Universidade Nacional de Brasília. Este grupo de trabalho organizou a primeira edição do Manual de Mediação Judicial com teorias e técnicas autocompositivas desenvolvidas a partir de estudos, experiências, projetos pilotos de conciliação, justiça restaurativa e, em espécie, de mediação em diversos âmbitos com mediação comunitária. Particularmente no Estado do Rio de Janeiro, duas iniciativas merecem destaque, uma mais recente que envolveu os serventuários e estudiosos em mediação e redundou na Resolução TJRJ nº 9/2009, instituindo a prática da mediação neste Tribunal. Desde a década de 1990, movimentos acadêmicos e profissionais no campo jurídico direcionam-se aos métodos alternativos de resolução de conflitos, com a criação de núcleos de estudo e pesquisa acerca da conciliação (lei 9.099/95) da arbitragem (lei 9.307/1996), como uma das fases do processo judicial tradicional, assim como a obrigatoriedade de audiência preliminar de conciliação e transação, a partir das alterações, a lei 8.952 de 13 de dezembro de 1994, com a alteração promovida pela lei 10.444 de 2002 nos Códigos de Processo Civil e Penal. Iniciativas para o desenvolvimento dos métodos alternativos de resolução de conflitos como a dos processualistas Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Cândido Rangel Dinamarco e de Carlos Eduardo Vasconcelos em São Paulo e Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Humberto Dalla Bernardina de Pinho, Leonardo Greco, o LAFEP/UFF, liderado pelo Professor Delton Ricardo Soares Meirelles e o Professor Fernando Gama Miranda Neto no Rio de Janeiro. Em Santa Cruz do Sul - Rio Grande do Sul, Fabiana Marion Spengler lidera o Grupo de Pesquisa “Políticas Públicas no Tratamento dos Conflitos”, também investem em

Mestrado em Direito pela Universidade de Columbia (NY/EUA), cujo objeto foi a mediação de conflitos, a partir da experiência como mediador no Harlem Small Claims em Nova Iorque.

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produção bibliográfica e pesquisas sobre os métodos autocompositivos, dentre as formas de acesso à justiça e gerenciamento de processos judiciais, especialmente acerca da mediação. No âmbito legislativo, é de iniciativa da Deputada Federal Zulaiê Cobra (PSDB/SP) o Projeto Lei 4827/1998, substituído pelo Projeto de Lei da Câmara nº 94, de 2002, que visa institucionalizar e disciplinar a mediação enquanto método de prevenção e solução consensual de conflitos, ainda em fase de análise. Há também o projeto do novo Código de Processo Civil, oriundo dos Projetos de Lei do Senado nº 166, de 2010 e o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 8.046, de 2010, que inclui a mediação juntamente com a conciliação dentre as opções de processamento dos conflitos no processo civil. Por último, também há o recentíssimo Projeto de Lei nº 7.169/2014, que pretende dispor sobre a mediação entre particulares como meio alternativo de controvérsias 4 e sobre a composição de conflitos no âmbito da Administração Pública. Instituições também cuidam das questões éticas e de capacitação, como CONIMA5 (Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem), que existe desde 1997 e o FONAME6 (Fórum Nacional de Mediação), MEDIARE7, ENAM8 (Escola Nacional de Mediação e Conciliação), assim como o próprio CNJ e os Tribunais que, conforme a Resolução CNJ 125/2010, fomentam cursos de capacitação, fazem parcerias com Universidades, órgãos públicos, instituições privadas, ONGs, com objetivo de disseminar e desenvolver a prática da mediação.

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Frequentemente nos depararemos com o uso termos “métodos”, “formas”, “meio”, “ferramentas” anteriores aos termos “processamento”, “solução”, "resolução” referentes “conflitos”, “controvérsias”, “disputas”, “lides”, ainda que integrem princípios, teorias e conceitos que demarcam distinções, redundam por descrever a cena em que o indivíduo/grupo perante ato comissivo ou omissivo de outrem e a partir de sua indignação, sentimento de justiça busca praticar uma série de atos unilaterais (sujeitar-se, evitar, impor-se), bilaterais (negociar) ou busca a intervenção de terceiros como juízes, árbitros, mediadores. Segundo Nader e Todd (NADER, L; TODD, 1978), estes atos não são estanques, mas dinâmicos e são direcionados segundo variáveis individuais, sociais, culturais. 5

Ver: http://www.conima.org.br/, acessado em 05.05.2014

6

Ver: http://www.foname.com.br/, acessado em 05.05.2014

7

Ver: http://www.mediare.com.br/, acessado em 20.06.2014

8

Ver: http://moodle.cead.unb.br/enam/, acessado em 20.08.2014

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A constituição destes órgãos, assim como dos Grupos de Pesquisa e de Trabalho acerca da mediação, verifica-se grande predomínio dos profissionais com formação jurídica na cadeira da presidência, diretoria e na liderança de Grupos de Pesquisa e Trabalho que determinam as decisões, as técnicas e toda a constituição do saber e do mercado profissional em torno da mediação em todos os níveis, órgãos e tribunais, inclusive na formulação de políticas públicas, leis e certificação de instituições e indivíduos. Apesar da alta carga interdisciplinar que a prática da mediação exige não se verifica espaço para um debate interdisciplinar de maneira horizontal, apesar da participação de profissionais dos mais diversos saberes que integram o Poder Judiciário, estes ocupam a posição de auxiliares da justiça e esta hierarquia se reproduz na gestão e institucionalização da mediação no âmbito do poder judiciário e no âmbito comunitário, o qual também é apropriado pelo campo jurídico. Como por exemplo, no caso do Grupo de Trabalho da Universidade de Brasília, liderado pelo Juiz de Direito André Gomma Azevedo, já citado anteriormente, responsável pela elaboração do Manual de Mediação Judicial, por diversas publicações e traduções de autores internacionais de alto relevo, assim como pela implantação de Centros de Mediação e capacitação de serventuários e profissionais nos Tribunais é eminentemente composto por integrantes do judiciário, com formação em direito. No TJRJ, tal cenário se reproduz atualmente, o Grupo de Trabalho para diagnóstico das atividades desenvolvidas pelo NUPEMEC/TJRJ, instituído pelo Ato Executivo TJ n.º 826/2013 é composto exclusivamente por magistrados e doutrinadores da área do direito. O art. 7.º e 9.º da Resolução CNJ 125/2010, estabelece que a Presidência do NUPEMEC, assim como a Coordenação dos CEJUSC’s são privativas aos Magistrados, restando aos psicólogos, assistentes sociais, sociólogos, antropólogos, neurocientistas, médicos em posição de auxiliar e, nesse sentido, dificultando um diálogo interdisciplinar horizontal. A presidência dos órgãos, como é o caso do NUPEMEC é escolhida pelo critério de livre nomeação do Presidente do Tribunal, não havendo critérios objetivos que garantam que as políticas públicas sejam geridas por especialistas com capacidade técnica comprovada. Esta discricionariedade permite que o nomeado ao cargo possa ser exonerado sem critérios objetivos.

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A instabilidade afeta a continuidade das transformações demandadas por esta política de ampliação do acesso à justiça. Desde 2011, quando o NUPEMEC foi implantado no TJRJ, já foram nomeados 4 presidentes, o breve espaço de tempo em que estes gestores estiveram à frente do órgão, evidenciam a dificuldade de se consolidar uma política consistente de transformações em longo prazo, que possibilitem soluções de continuidade9. Em entrevista de campo não estruturada, uma servidora mencionou a pouca fluência entre a equipe técnica do NUPEMEC/TJRJ e os responsáveis pela Política Nacional de Resolução de Conflitos do CNJ, pois informativos, materiais e editais, muitas vezes são enviados à Presidência do Tribunal e tais informações não chega ao NUPEMEC, tendo em vista que a comunicação entre Tribunais se dá por nível hierárquico, isto é, de Presidente para Presidente. Estes contornos integram o cenário e os dilemas vividos pelos profissionais voluntários e os especialistas comprometidos com a mediação impactando negativamente na institucionalização e desenvolvimento da mediação no âmbito do TJRJ. Contudo, são contornos que ao serem problematizados de maneira objetiva podem ser identificados e conjugados, integrando um mosaico de variáveis explicativas que contemplam a questão do acesso à Justiça, quanto ao dilema jurisdição e consenso em espécie no campo eleito, conforme dimensionaremos a seguir. 2.

Dimensionamento do Campo de Pesquisa

Em pesquisa no site do CNJ10 e nos sites dos Tribunais de Justiça dos 27 estados, 21 localizamos a NUPEMEC e CEJUSC’s ativos, assim, verificamos que a Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos, instituída pela Resolução CNJ 125/2010, já possui ampla abrangência nacional, no âmbito do Poder Judiciário Estadual.

9

Atualmente a equipe do NUPEMEC é composta por: Desembargadora Jacqueline Lima Montenegro Presidente; Desembargador Cesar Felipe Cury; Juíza de Direito Valeria Pachá Bichara; Juiz de Direito Rafael Estrela Nóbrega; Juiz de Direito Flavio Citro Vieira de Mello; Juíza de Direito Raquel Santos Pereira Chrispino; Juiz de Direito Aroldo Gonçalves Pereira Junior; Juíza de Direito Admara Falante Schneider. Fonte: http://www.tjrj.jus.br/ca/web/guest/institucional/mediacao/estrutura-administrativa. Acessado em 14.11.2014 10

Ver: http://www.cnj.jus.br/relatorio-justica-em-numeros/#p=justicaemnumeros

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A tabela abaixo proporciona um panorama da abrangência desta política, identificando os Tribunais de Justiça em que já se encontram instalados NUPEMEC’s e CEJUSC’s, vejamos: Tabela 1: Abrangência da Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos, no âmbito do Poder Judiciário Estadual11.

CEJUSCS JUSTIÇA ESTADUAL ESTADO PERNAMBUCO RIO DE JANEIRO PARAÍBA RIO GRANDE DO SUL ACRE SANTA CATARINA MATO GROSSO ALAGOAS AMAPÁ ESPÍRITO SANTO SÃO PAULO AMAZONAS BAHIA CEARÁ DISTRITO FEDERAL GOIÁS MINAS GERAIS PARÁ PARANÁ SERGIPE TOCANTINS

ESTADOS EXCLUÍDOS POR FALTA DE DADOS ESTADOS PIAUÍ RONDÔNIA RORAIMA MARANHÃO MATO GROSSO DO SUL RIO GRANDE DO NORTE

Aspectos econômicos tem sua importância, pois dão conta do aporte recursos e dos critérios para a definição de demandas e prioridades, que demonstram uma crescente de investimentos a partir da implantação destas políticas públicas e os resultados, mesmo que parciais, destes investimentos. Em consulta ao site do CNJ, podemos verificar no relatório Justiça em números12 que, em 2013 o gasto total com o Poder Judiciário foi de aproximadamente 61, 6 bilhões

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Consideramos os centros de mediação, conciliação e arbitragem listados como CEJUSC’s, pois dados disponibilizados pelo CNJ e a Resolução CNJ 125/2010, considera como formas adequadas de tratamento de interesses a conciliação, a mediação entre outras formas. Dados disponíveis: http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/acesso-a-justica/conciliacao/nucleos-de-conciliacao/justicaestadual

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de reais, com crescimento de 8,9% no triênio (2011-2013), despesa equivalente a 1,3% do PIB nacional, 2,7% dos gastos pela União, estados e municípios, equivalente a R$ 306,35 por habitante. Neste contexto, a Justiça Estadual é responsável pela maior parte das despesas (55, 2%) de todo investimento do Poder Judiciário. A maior parte da verba despendida do Poder Judiciário (55,3 Bilhões) é com recursos humanos (aproximadamente 88,8%), com aumento de 2,7% no ano de 2013, aumento superior às demais despesas. Na Justiça Estadual do Rio de Janeiro, o segundo maior tribunal do país13 a despesa total em 2013 foi de R$3.443.112.609, sendo que R$ 2.942.035.830 é destinada aos recursos humanos. O TJRJ conta com 538 magistrados de 1ª Grau, 277 magistrados de 2º Grau, 238 juízes leigos, 2.013 conciliadores, 266 servidores sem vínculos. No ano base de 2009 ao ano base de 2013, período crescente de institucionalização da mediação, temos os seguintes dados: (i) Despesas totais do Judiciário; (ii) Despesas totais por habitantes; (iii) casos novos; (iv) casos pendentes; (v) total de processos baixados; (vi) taxa de congestionamento; (vii) carga de trabalho do magistrado; (viii) número de sentenças terminativas. Tabela 2: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em números 14.

12

Ver: http://www.cnj.jus.br/relatorio-justica-em-numeros/#p=2013_20, data da consulta: 05.09.2014

13

Os quatro maiores volumes de processos estão, respectivamente, no TJSP, TJRJ, TJMG e TJRS, sendo que o TJRJ e o TJRS são os que têm maior índice de acesso à justiça. O TJSP, é o segundo maior em tramitação de processos por habitante, com alto índice na relação alta demanda e alto estoque. A taxa de congestionamento do TJRJ é a segunda maior, após o TJSP, um fator de impacto é alto número de execuções. Na fase de execução, o TJRJ é o que tem maior taxa de congestionamento e na fase de conhecimento está abaixo da média, indicando maior concentração de esforços na fase de conhecimento, isto é, alta taxa de processos de conhecimento, baixa taxa de processos em execução. Na relação taxa de congestionamento, processos baixados, dos tribunais de grande porte o TJRJ se situa na fronteira de eficiência, tendo o maior quantitativo de processo baixados por magistrados. Ao lado do TJRS, o TJRJ manteve o índice de eficiência na casa dos 100% na série histórica (2009-2013). 14 Dados extraídos do Relatório Justiça em Números do CNJ disponível no site: http://www.cnj.jus.br/relatorio-justica-em-numeros. Acesso: 08.09.2014.

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Conforme podemos verificar, as despesas totais da justiça ao serem comparadas com o ano base de 2009, sofreram um acréscimo de mais de 500 milhões de reais em 2010 e 2011, em 2012 de mais de 800 milhões de reais e em 2013, de mais de 700 milhões de reais, o que aponta um acréscimo considerável de investimento no Poder Judiciário Estadual. O número de casos novos manteve-se equilibrado (2009: 2.232.979 – 2013: 2.837.360), o número de casos pendentes aumentou em mais de 1 milhão de processos (2009: 6.920.069 – 2013: 8.315.528), o total de processos baixados também se manteve equilibrado (2009: 2.232.986 – 2013: 2.350.581), a taxa de congestionamento15, sofreu um acréscimo de mais de 10% em 2010 (2009: 51,9% - 2010: 62,2%), mas nos anos seguintes houve decréscimo e, em 2013 caiu para o percentual de 52,9%. A carga de trabalho dos magistrados aumentou do ano de 2009 (11.232) ao ano de 2010 (14.015), baixou no ano de 2011 (12.596), e voltou a subir em 2013, chegando ao patamar de 14.104, ressaltando que as sentenças homologatórias relativas aos acordos firmados nos CEJUSC são computadas para os juízos de origem. Estes dados indicam que apesar considerável aumento de receita do Poder Judiciário estadual, os resultados sofreram uma melhora de baixo impacto quantitativo, mas vale lembrar que estes dados devem ser associados de análise qualitativa, É importante ponderar que investimentos em serviços essenciais como o de acesso à justiça produzem resultado em longo prazo, pois depende da mudança de mentalidade dos servidores antigos e até mesmo da renovação do quadro de servidores, assim como da adesão dos magistrados, ministério público, defensoria pública e sociedade civil. Com o objetivo de dimensionar, especificamente o campo de pesquisa apresentamos o número de CEJUSC’s instalados no Tribunal de Justiça Estado do Rio de Janeiro, assim como a arquitetura institucional desde o CNJ até a composição dos quadros no NUPEMEC e nos CEJUSC’s, como estes se comunicam e como se dá a interação entre os saberes que compõem a mediação. Observe-se que, a mediação vem sendo praticada no TJRJ, antes da edição da Resolução CNJ 125/2010. Em 2008, o TJRJ firmou com o Ministério da Justiça o Convênio MJ nº82/2008, através da Secretaria de Reforma do Judiciário, para capacitação 15

A taxa de congestionamento se refere aos processos em trâmite que ainda não foram julgados.

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e aperfeiçoamento em técnicas de mediação e composição de conflitos para magistrados e servidores. Em 10/12/2009, através do Ato Executivo no 555/2009, foi instalado Centro de Mediação do Fórum Central da Comarca da Capital, em seguida, em 17/12/2009, a Resolução TJRJ 19/2009, que regulamentou a atividade de mediação no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro. O Ato Executivo 1597/2010, prescreveu a instalação 16 Centros de Mediação, 7 em Fóruns Regionais (Barra da Tijuca, Campo Grande, Jacarepaguá, Madureira, Méier, Pavuna, Santa Cruz) e 9 em comarcas do interior (Belford Roxo, Duque de Caxias, Niterói, Nova Iguaçu, Nova Friburgo, Petrópolis, São Gonçalo, São João de Meriti, Três Rios). Com a publicação da Resolução CNJ 125/2010, o CNJ estabeleceu Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário. Conforme estabelece art. 7º da Resolução CNJ 125/201016, o TJRJ instituiu através da Resolução TJ/OE/RJ Nº. 23/2011, o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC) e os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC). No período da pesquisa de campo (JUL/2012 – MAI/2014), estavam em funcionamento os seguintes CEJUSC, sendo apenas o CEJUSC de Três Rios desativado em 2014: Tabela 3: Relação de CEJUSC’s instalados e ativos. CEJUSC – CAPITAL CAPITAL 16

CEJUSC – COMARCAS SÃO GONÇALO

Art. 7º Os Tribunais deverão criar, no prazo de 30 dias, Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, compostos por magistrados da ativa ou aposentados e servidores, preferencialmente atuantes na área, com as seguintes atribuições, entre outras: I – desenvolver a Política Judiciária de tratamento adequado de conflitos de interesse, estabelecida nesta Resolução; II – planejar, implementar, manter e aperfeiçoar as ações voltadas ao cumprimento da política e suas metas; III – atuar na interlocução com outros Tribunais e com os órgãos integrantes da rede mencionada nos arts. 5º e 6º; IV – instalar Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania que concentrarão a realização das sessões de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, dos órgãos por eles abrangidos; V – promover capacitação, treinamento e atualização permanente de magistrados, servidores, conciliadores e mediadores nos métodos consensuais de solução de conflitos; VI – na hipótese de conciliadores e mediadores que atuem em seus serviços, criar e manter cadastro, de forma a regulamentar o processo de inscrição e de desligamento; VII – regulamentar, se for o caso, a remuneração de conciliadores e mediadores, nos termos da legislação específica; VIII – incentivar a realização de cursos e seminários sobre mediação e conciliação e outros métodos consensuais de solução de conflitos; IX – firmar, quando necessário, convênios e parcerias com entes públicos e privados para atender aos fins desta Resolução. Parágrafo único. A criação dos Núcleos e sua composição deverão ser informadas ao Conselho Nacional de Justiça

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LEOPOLDINA BANGU JACAREPAGUÁ B. DA TIJUCA LEBLON MADUREIRA MÉIER

NITERÓI BELFORD ROXO D. DE CAXIAS NOVA FRIBURGO NOVA IGUAÇU VOLTA REDONDA PETRÓPOLIS S. J. MERITI TRÊS RIOS

O mapa da organização do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro permitenos uma noção da abrangência dos CEJUSCS instalados no âmbito do Poder Judiciário Estadual. Com o objetivo de verificar a abrangência da Política Nacional de tratamento de conflitos da Resolução CNJ 125/2010 no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, apresentamos abaixo o mapa da organização judiciária. As comarcas destacadas com setas possuem CEJUSC instalado:

Figura 1. Mapa de informações gerenciais da prestação jurisdicional do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro17. 17

Fonte: http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/1628206/mapa-rj-2014.pdf

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A abrangência da Política Judiciária no âmbito do TJRJ, dos 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro, com uma população de aproximadamente 17 milhões de habitantes, dos quais na Capital residem aproximadamente 6.320.446 habitantes e há 11 Fóruns Regionais e 8 CEJUSC instalados. Nos demais municípios, com 84 Fóruns, com aproximadamente 10.048.733 habitantes foram instados 10 CEJUSC. Tabela 4: Abrangência dos CEJUSC’s instalados na capital e no interior do Estado do Rio de Janeiro 18 MUNICÍPIOS

HABITANTES

TRIBUNAIS/REGIONAIS

CEJUSC

OUTROS

91

10.048.733

84

10

CAPITAL

1

6.320.446

11

8

TOTAL

92

16.369.179

95

18

Contudo, ressalte-se que dos 10 CEJUSC's instalados nos demais municípios, 6 CEJUSC estão em municípios da região metropolitana (Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti, Niterói, São Gonçalo, Belford Roxo), restando 4 CEJUSC instalados no interior, com apenas 3 em funcionamento (Petrópolis, Nova Friburgo, Volta Redonda). Incluindo a Capital, a região metropolitana possui aproximadamente 12.890.607 habitantes, que estão contemplados com 14 CEJUSC, isto é, excluindo a capital, mais de 6 milhões de habitantes moram na região metropolitana, quase a mesma quantidade residente no interior. As comarcas contempladas do interior possuem população inferior às comarcadas da região metropolitana19, o que pode indicar que, apesar do interior possuir poucos CEJUSC, a expansão tem contemplado regiões com maior índice populacional. A tabela abaixo nos permite dimensionar o volume de processos encaminhados para cada CEJUSC, por amostragem, relativo ao ano de 2013. Verifica-se que, tendo em vista a concentração de serventias no Fórum da Capital e o tempo de instalação, em números absolutos, o Fórum da Capital é o que possui maior quantidade de processos encaminhados ao CEJUSC, mas, em comparação como fóruns regionais, com menor número de serventias, merecem destaque os CEJUSC de Leopoldina, São Gonçalo, Niterói, com números aproximados de processos encaminhados.

18

Dados atualizados m 05/2014.

19

Por exemplo, segundo dados do IBGE, Volta Redonda possui população estimada de 262.259 habitantes, enquanto Duque de Caxias possui a população de 855.048 habitantes. Fonte: http://cidades.ibge.gov.br. Acessado em 12.10.2014.

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Tabela 5: Casos encaminhados das Varas Cíveis, de Família e JECRIM para os CEJUSC’s em 2013. CASOS ECAMINHADOS PARA OS CEJUSCS EM 2013 CAPITAIS - FÓRUNS CENTRAIS E REGIONAIS DEMAIS COMARCAS CEJUSC PE VF VC JECRIM TOTAL CEJUSC PE VF VC CAPITAL 200 (1) 20(5) 52 5 (6,8) 74 SÃO GONÇALO 136 6(5) 8 LEOPOLDINA 175 2 5 1 (7) 6 NITEROI 136(2) 5(5) 10 BANGU 83 4 4 1 9 BELFORD ROXO 97 3 3 JACARÉPAGUÁ 81 4 7 2(6) 13 D. DE CAXIAS 56 6(5) 7 B. DA TIJUCA 66 2 7 1 10 NOVA FRIBURGO 45 2 3 LEBLON 46 0 0 1 1 NOVA IGUAÇU 27 6(5) 7 VOLTA MADUREIRA 42 4 6 1 11 REDONDA 16 (4) 3 6 MÉIER 39 7 5 1 13 PETRÓPOLIS 0(3) 4(5) 4 S. J. MERITI 0(3) 5(5) 4 TOTAL

732

43

86

12

137

TRÊS RIOS TOTAL

JECRIM TOTAL 2 16 2(6) 17 1 7 2(6) 14 1 6 1 14 1 1 1

7 9 10

DESATIVADO

S/ DADOS

S/ DADOS

S/ DADOS

S/ DADOS

513

40

52

12

100

#FONTE DO CEJUSC DA CAPITAL: PLANILHA DO PRÓPRIO CENTRO

#(2) DADOS INCOMPLETOS

#FONTE DOS DEMAIS CEJUSCS: ESTATÍSTICA NUPEMEC

#(3) DADOS INDISPONÍVEIS

# PE: QUANTITATIVO DE PROCESSOS ENCAMINHADOS AO CEJUSC

#(4) CEJUSC RECÉM INSTALADO

#VF: QUANTITATIVO DE VARAS DE FAMÍLIA POR TRIBUNAL

#(5) SOMARAM-SE AS VARAS E/OU JUIZADO DA INFÂNCIA, JUVENTUDE E IDOSO

#VC: QUANTITATIVO DE VARAS CÍVEIS POR TRIBUNAL

#(6) SOMOU-SE A VARA E/OU JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

# JECRIM: QUANTITATIVO DE JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

#(7) CONSTAM PROCESSOS E ENCAMINHADOS PELO III JECRIM NO CEJUSC DA CAPITAL

#(1) OS DADOS DO NUPEMEC EM RELAÇÃO AO CEJUSC CAPITAL

#(8) CONTAM ENCAMINHAMENTOS DO 1º JECRIM BOTAFOGO

COMPUTARAM CASOS ENCAMINHADOS PARA MUTIRÕES DE AGENDA CONCENTRADA NUM TOTAL DE 1.198 PROCESSOS QUE FORAM EXCLUÍDOS

Conforme definimos, a pesquisa de campo ocorreu no CEJUSC do Fórum da Capital, os critérios de escolha foram: 1) Antiguidade, pois é o primeiro Centro de Mediação instalado no TJRJ; 2) Proximidade ao NUPEMEC, responsável pela gestão dos CEJUSC, está sediado no 8º andar do Fórum da Capital, permitindo maior acesso aos gestores, dados, eventos, decisões; 3) Maior volume de processos. As fotos abaixo têm a finalidade de ilustrar a estrutura em que o CEJUSC do Fórum da Capital está localizado. À esquerda, podemos identificar a Lâmina I, do Fórum Central, local em que fica concentrado o maior número de serventias. Até julho de 2014, o CEJUSC – Capital, estava localizado na sala 106, no corredor “A”, lamina I, perto da entrada principal do Fórum Central, em frente à Avenida 1º de Março, no centro do Rio de Janeiro. O espaço todo compreendia uma área de aproximadamente de 70 m². Logo na entrada da sala 106, havia o espaço da recepção e sala de estar. Geralmente havia em torno de três funcionários, três computadores, uma impressora, dois telefones. Neste espaço, os funcionários cuidavam do atendimento das partes, agendavam sessões, auxiliavam mediadores e observadores com documentos, computavam o tempo das sessões no

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cadastro de cada mediador e observador, produziam dados estatísticos, além de diversos serviços administrativos. Neste mesmo espaço, havia em torno de quatro filas com quatro cadeiras para as partes, advogados e acompanhantes aguardarem as sessões, no espaço havia uma televisão com DVD. Na maioria das vezes reproduzia filmes institucionais e canais abertos, era um espaço com quadros, cartazes, um ambiente muito menos formal e mais agradável do que nas serventias comuns, antessalas dos gabinetes, salas de espera de audiências. Após a sala de recepção, havia um corredor com cinco salas, três do lado esquerdo e dois do lado direito, ao final do corredor uma cozinha com geladeira, micro-ondas, café, água, uma mesa pequena, cadeira e um armário de arquivo. Em algumas ocasiões mediadores e observadores se encontravam neste local para interagir, conversar sobre os casos, lanchar. Ao lado esquerdo desta sala, funcionava a sala da coordenação do CEJUSC, com duas mesas e dois computadores. As salas onde ocorriam as sessões de mediação, com espaço de aproximadamente 6 m², com um quadro branco, caneta, uma mesa redonda com, aproximadamente, 1,50 metros de diâmetro, de 4 a 6 cadeiras em volta da mesa, duas cadeiras encostadas na parede, uma mesa pequena e um computador também encostado em uma das paredes, havia ar-condicionado central, nas 3 salas a esquerda havia grandes janelas, nas salas à direita a mesma configuração, sem janela.

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Figura 2. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Fórum da Capital20.

A partir de 23 julho de 201421, as instalações do CEJUSC foram transferidas para a Lâmina V, no Beco da Música, sala T06 (prédio espelhado da foto à direita, em forma de pentágono). Este espaço compreende aproximadamente de seis vezes o espaço anterior, em um prédio recém-inaugurado, há uma grande área de recepção, com água, café, TV, DVD. O NUPEMEC também está instalado neste espaço, ao lado da coordenação do CEJUSC. As salas das sessões têm a mesma configuração das anteriores, mas sem janelas. Segundo entrevista não estruturada com um dos funcionários responsável da parte administrativa, o volume de processos encaminhados vem aumentando, pois a recomendação é que as Varas de Família, Cível e JECRIM é que aumentem o número de encaminhamento de processos para o CEJUSC. Os dados a seguir correspondem ao período de julho de 2012 a maio de 2014 e têm como fonte planilhas de controle de processos fornecidas pela coordenação do CEJUSC – Capital, com autorização da coordenadora do CEJUSC-Capital e da coordenadora do NUPEMEC.

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O prédio retangular na imagem da direita é a Lâmina V, onde está instalado o CEJUSC da Capital inaugurado em julho de 2014. Fonte:www.tjrj.jus.br/image/image_gallery?uuid=bce4ad58-aaeb-4638-8800c63729c0ee2b&groupId=10136.Acessado em 11.06.2014. 21

Notícia da inauguração do novo espaço do CEJUSC Capital http://www.tjrj.jus.br/ca/web/guest/home//noticias/visualizar/175003?p_p_state=maximized. Acessado em 30.08.2014

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No próximo capítulo, abordaremos a forma de ingresso no curso de capacitação, a estrutura do curso e o conteúdo do material expositivo, promovendo revisão bibliográfica dos principais princípios, técnicas e competências. Dentre os processos encaminhados ao CEJUSC-Capital estão contidos os casos objeto de estudo deste trabalho, tendo em vista que participei como observador/mediador das sessões de mediação. No capítulo seguinte, procuraremos abordar os casos de maneira genérica, apenas como simulações dos dilemas tanto dos observadores/mediadores, quanto dos jurisdicionados com o objetivo de experimentarmos as variáveis que compõem a atuação e as decisões tomadas no caso concreto. 3. Curso de Capacitação No mês de julho de 2012, através de colegas do LAFEP, PPGSD e do CAJUFF22 que desenvolviam pesquisas acerca da ADR, tive a oportunidade de participar do Curso de Capacitação para Mediadores Judiciais do TJRJ, em virtude do acesso de um dos colegas à coordenação do NUPEMEC/TJRJ. O curso de Mediação Judicial ocorreu no Fórum de Niterói, com a duração de 10 dias, das 9 às 13 horas, com a carga horária total de 40 horas. A turma era formada por 20, todos os outros alunos eram advogados, psicólogos e serventuários da justiça, com exceção de uma aluna que era socióloga e fazia do grupo de pesquisa do LAFEP. Todos os participantes eram pessoas que ocupam alguma posição no Tribunal (advogados, serventuários e psicólogos que atuam na área jurídica), de alguma forma têm proximidade com os atores do campo jurídico (Magistrados, Serventuários e afins). Ao entrar na sala reparei que era uma sala padrão, com um quadro branco, uma mesa e retangular e cadeira destinada ao professor. Como ferramenta didática, na maior parte de tempo, as capacitadoras utilizavam apresentação em Data show que era projetado no quadro.

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Centro de Atendimento Jurídico da Universidade Federal Fluminense. Neste centro há dois projetos de Mediação sendo desenvolvidos pelas professoras Esther Bayanon e Cristiana Veras.

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Os alunos se acomodavam em cadeiras enfileiradas de frente para o quadro, a sala era bem apertada, quem chegasse atrasado ou precisasse sair incomodava o restante da sala. As capacitadoras revezavam os dias, mas em oportunidades davam aula juntas, havia uma boa interação entre elas que se refletiu na integração da turma. Apesar da disposição das cadeiras e o espaço físico não contribuir para a interação entre os alunos, as capacitadoras estimulavam a interação através de exercícios em grupo, onde tive a oportunidade de identificar que todos tinham algum vínculo com TJRJ. Numa das conversas com os integrantes do curso ficou evidente que não há divulgação do curso de capacitação fora do Tribunal. A linguagem utilizada tanto pelas capacitadoras, servidoras do TJRJ com formação em psicologia, quanto pelos alunos demonstrou que todos tinham certa fluência com termos jurídicos, o que indica que tanto advogados quanto profissionais de outra formação necessitam interiorizar a linguagem jurídica, inclusive para traduzir a linguagem de sua formação original para o campo. A linguagem também retrata o campo de demarcação de posições, podemos identificar que os advogados costumam designar “audiências de mediação” (linguagem jurídica) e os psicólogos “sessões de mediação” (linguagem da psicologia), assim como, era perceptível o incomodo em transitar entre termos jurídicos e termos da psicologia utilizados na mediação como: “transferência” (rapport), “sessão”, “desejo”, “interesse”, “necessidade”, “o outro”, “sentimentos”, “escuta ativa” “processo x caso” “sessão de mediação x audiência de mediação”, “acordo x termo de entendimento”, partes x mediandos. Apesar da disposição das cadeiras e o espaço físico não contribuir para a interação entre os alunos, as capacitadoras estimulavam a interação através de exercícios em grupo, nos quais que tive a oportunidade de identificar que todos tinham algum vínculo direto com TJRJ. Verifiquei também que há pouca divulgação do curso fora do Tribunal, segundo informações da coordenação do NUPEMEC a procura pelo curso é grande e há uma extensa lista de espera, mas a oferta dos cursos de capacitação no Fórum central tem se reduzido, assim como a certificação dos observadores e mediadores em 2012 e 2013.

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Estas questões se refletem no cotidiano dos mediadores e reverberam na prática da mediação, principalmente, quando as equipes são constituídas ora por mediadores com formação em direito e ora mediadores com formação em outras diversas. A linguagem contribui para a formação de grupos de identidade, mas por outro lado pode dificultar intercâmbio entre saberes e uma abordagem interdisciplinar dos casos. Pude notar que os grupos tendem a ser formados, conforme o caso (Família, Cível, Criminal), por exemplo, os casos oriundos da Vara de Família são mais afeitos a equipes formadas por psicólogos e os casos oriundos da Vara Cível, com equipes formadas por profissionais da área jurídica. A identificação do perfil dos participantes, a estrutura física e o método de capacitação não são suficientes para o leitor ter uma compreensão mais próxima da proposta e da realidade dos métodos autocompositivos, em espécie, os dilemas da escolha entre a mediação incidental e o processo judicial. No estudo de caso, as precariedades materiais, psicológicas e socioculturais revelam-se mais explicitamente e são determinantes para que o consenso se reduza à conformação destas precariedades e o processo judicial uma disputa destrutiva, insegura e custosa. Contudo, nesta altura nos ateremos à estrutura do curso (1), mas as questões administrativas e gerenciais desta política pública (2); o conteúdo das aulas expositivas e bibliografia básica (3); e os critérios de avaliação e progressão que envolve mediadores e mediandos (4). A Resolução CNJ n.º 125/2010, nos seus artigos 7º e 8º estabelecem, respectivamente, que os tribunais devem criar NUPEMEC’s para atuar como órgão centralizado gestor e promotor da Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos e CEJUSC’s para que os fóruns possuam espaços estruturados para a prática dos métodos consensuais de resolução de conflitos. Conforme se destaca do Manual de Mediação Judicial, o CNJ tem atuado: i) acompanhado o planejamento estratégico dos Tribunais para a implantação de núcleos e centros tendo inclusive feito contato com presidentes para sensibilização de necessidade de suporte orçamentário; ii) capacitado instrutores em mediação e conciliação fornecendo completo material pedagógico (arquivos

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PowerPoint, vídeos, manuais de mediação judicial, exercícios simulados, formulários de avaliação, etc.); iii) prestado consultoria na estruturação de núcleos e centros; iv) mantido diálogo contínuo com coordenadores de núcleos; v) envolvido os instrutores em formação para contribuírem com a elaboração de novos materiais pedagógicos por área temática (e.g. mediação de família, mediação penal, cadernos de exercícios, entre outros); e vi) auxiliado tribunais a treinarem empresas para que estas treinem seus os prepostos para que negociem melhor (AZEVEDO et al, 2013, p. 33).

Do Manual de Mediação Judicial (AZEVEDO, 2013) destaco alguns requisitos objetivos que orientam a seleção e o perfil daqueles que serão capacitados como: diploma de nível superior; ter disponibilidade para trabalho voluntário recomenda-se ainda entrevistas com os candidatos ao curso de capacitação (ANEXO X) e a preferência por participantes bem estabelecidos em suas profissões que possam dedicar algumas horas para o trabalho voluntário, assim como professores, mestres, doutores. (Idem, p. 109). A descrição e análise que faço do curso de capacitação parte da minha posição de mestrando, inserido num campo de pesquisa, portanto, com ferramentas descritivas e analíticas que permitam apreender dados e evidências mais precisas da realidade material expositivo, anotações, entrevistas não estruturadas, o Manual de Mediação Judicial (Idem) e os autores mais citados. As dez aulas com carga horária de 4 horas cada, tem teor expositivo e participativo, inclusive com exercícios baseados em casos hipotéticos, vídeos, etc. O conteúdo das 10 aulas, editado no formato Power point pela Escola de Administração Judiciária (ESAJ) 23, está dividido da seguinte forma: 1.ª Aula - Métodos Alternativos de Solução de Conflitos (MASC); 2.ª Aula - Comunicação e Conflito; 3.ª Aula – Comunicação Não-Violenta; 4.ª Aula – Teoria Geral do Conflito; 5.ª Aula – O Terceiro Facilitador e o Papel do Mediador; 6.ª Aula – Diferentes Modelos de Mediação; 7.ª Aula - Negociação; 23

O conteúdo das aulas apresentado tem como referência anotações e o material expositivo da Diretoria de gestão de pessoas Escola de Administração Judiciária fornecido pelo NUPEMEC.

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8.ª Aula – Mediação e Suas Técnicas I; 9.ª Aula: Mediação e suas Técnicas II; 10.ª Finalização da Mediação. O conteúdo a seguir tem como base o material expositivo das aulas fornecido pela coordenação do NUPEMEC e o Manual de Mediação Judicial, além dos autores mais citados no material expositivo, assim como em palestras, eventos e reuniões de equipe. Não se pretende esgotar os temas de cada assunto tratado no curso, mas identificar e analisar o volume de técnicas, princípios e questões tratadas, sua complexidade, assim como as habilidades e competências a serem desenvolvidas para refletir sobre os alcances do modelo pedagógico de treinamento baseado em competência24 (Idem, p. 215) adotado para o número de horas/aula e o modelo de capacitação prática, através da observação e do estágio supervisionado. 3.1 Métodos Alternativos de Solução de Conflitos (MASC) Na primeira aula a mediação é apresentada dentro do quadro das Alternatives Dispute Resolutions (ADR’s) sob a denominação Métodos Alternativos de Solução de Conflitos (MASC) que, conforme o material expositivo reúne todas as formas de resolução de disputas alternativas à via judicial que podem ser amigáveis (negociação, mediação e conciliação) ou impositivas (arbitragem).

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Segundo Azevedo et al: Uma competência consiste no conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que quando integrados e utilizados estrategicamente permite atingir com sucesso o que delas são esperados na condução do processo8. Nesse sentido, estabelece-se que a competência na mediação consiste na reunião do conhecimento da técnica autocompositiva – isto é, do saber – com a habilidade – isto é, o saber fazer – e a atitude – ou seja, o querer fazer. Por esse motivo, treinamentos de mediadores nos quais se discuta prolongadamente modelos de mediação (eg. Narrativa circular, dialógico, transformador, etc.) - ou até mesmo a distinção entre conciliação e mediação exaustivamente ou ainda treinamentos com mais tempo do que aquele especificamente necessário para transmitir o conjunto teórico que deverá ser aplicado na fase de estágio supervisionado - mostram- -se ineficientes. No treinamento baseado em competências, ao contrário do treinamento baseado em tempo, a unidade de progresso consiste na maestria de conhecimentos específicos e principalmente habilidades e foca-se principalmente no participante e na sua habilidade concreta. Neste sentido, dois termos que ganham destaque em treinamentos baseados em competência são: i) habilidades – um grupo de tarefas desenvolvido dentro de um nível especifico de proficiência quando requerido e; ii) competência – uma habilidade desenvolvida em padrões específicos em decorrência de conhecimento técnico e postura ou propósito adequados (Idem, p. 216).

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Conforme material expositivo, os contornos iniciais dos MASC’s forma delineados da seguinte forma: a) distinção dos métodos alternativos entre consensuais (negociação, mediação e conciliação) e impositivos (arbitragem); b) Vantagens para a adoção dos métodos alternativos: 1. Celeridade; 2. Informalidade; 3. Flexibilidade; 4. Confidencialidade; 5. Economia; 6. Avaliar adequação dos métodos aos conteúdos (temas) que motivaram o conflito; 7. Atuação preventiva acerca das lides futuras e à relação interpessoal; 8. Aumentar o leque de ofertas de métodos cooperativos/não adversariais; 9. Possibilidade de resolução de conflitos em tempo real.

O segundo tópico trata do movimento universal de ampliação do acesso à justiça, como busca de alternativas de acesso à justiça da sociedade moderna, com opções de solução do conflito até mesmo fora do sistema formal, e elenca os seguintes objetivos. a) Minimizar o acúmulo de processos judiciais nos Tribunais; b) Reduzir os custos da demora; c) Incrementar a participação da comunidade nos processos de resolução de conflitos; d) Facilitar o acesso à justiça; e) Fornecer uma forma mais efetiva de solução de conflitos à sociedade; O terceiro tópico tem a finalidade de apresentar a Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos, cujo subtítulo é “o consenso ao invés da sentença”, definindo-a com um conjunto de ações desencadeadas pelo Estado, especialmente com o Poder Judiciário, através do CNJ e dos Tribunais. Esta política nacional justifica-se pelo objetivo de promover métodos consensuais de processamento de conflitos, como alternativa ao processo judicial, sob os princípios constitucionais do acesso à justiça (inciso XXXV, do art. 5º, da Constituição Federal) e da dignidade da pessoa humana (inciso III, art. 1º, da Constituição Federal). A Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos, como indicando no material expositivo, tem como motivação a busca pelo consenso em substituição à sentença, definindo esta política pública como conjunto de ações desencadeadas pelo Estado, mais especificamente pelo Poder Judiciário, através do CNJ e dos Tribunais, cuja

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finalidade é promover meios consensuais de soluções de conflitos, como alternativa à resolução judicial de controvérsias. Estas ações do Estado, segundo o conteúdo do curso, têm como finalidade a promoção de princípios como: 1. Acesso à justiça, não apenas com o acesso formal ao Poder Judiciário, mas em busca da ordem jurídica justa, com a solução adequada dos conflitos cotidianos; 2. Dignidade da Pessoa Humana, que impõe a existência de um conjunto de condições essenciais para a vida de alguém, exigindo do Estado ações garantidoras de tais condições. Entre tais ações situam-se a assistência no caso de necessidade e o acesso à Justiça25.

No tópico seguinte, busca-se diferenciar a heterocomposição da autocomposição, reivindicando uma mudança de mentalidade, sendo a heterocomposição entendida como a intervenção de um terceiro imparcial, sem a eleição das partes, que irá decidir a partir da análise do mérito da questão. Por outro lado, define a autocomposição como a intervenção de um terceiro imparcial, eleito ou não pelos oponentes, intercede, auxiliando-os a dialogarem, identificarem

sentimentos

e

necessidades,

negociarem

soluções

reciprocamente

satisfatórias e a selecionar uma delas para resolver consensualmente o desacordo26. Nesse sentido, a Resolução CNJ 125/2010, instituiu como papel do Conselho Nacional de Justiça, dos Tribunais e de organizações públicas e privadas na implementação da Política Pública de Tratamento Adequado de Conflitos, incumbindo ao Poder Judiciário, oferecer outros mecanismos de resolução de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão (Idem). As atribuições do CNJ, conforme prescreve o capítulo II, da Resolução CNJ 125/2010, possui o teor gerencial da Política Nacional de Tratamento de Conflitos no âmbito do Poder Judiciário, como prover ações nacionais de incentivo aos métodos autocompositivos, criar uma rede entre órgãos do Poder Judiciário e entidades públicas e privadas, estabelecer diretrizes da política pública a serem observados pelos Tribunais, desenvolver conteúdo programático mínimo e ações voltadas para capacitação, atuar junto

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Anotações feitas no caderno de campo e extraídas do material didático

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Idem

às empresas e às agências reguladoras de serviços públicos, a fim instituir práticas autocompositivas e desenvolver acompanhamento estatístico, com a instituição de banco de dados para visualização de resultados, conferindo selo de qualidade; Aos Tribunais, conforme capítulo III da Resolução CNJ 125/2010 cabe à gestão centralizada da política pública, com a criação do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflito responsável pela institucionalização de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, qualificação e avaliação dos mediadores, produção de dados estatísticos a serem fornecidos ao CNJ, celebração de convênios com empresas, universidades, especialistas para a capacitação continuada dos mediadores. Outro destaque da primeira aula é apresentação de escala comparativa acerca da atuação do neutro na resolução dos conflitos, identificando como formas de processamento de conflitos principais: 1. Via judicial: o juiz aplica a lei à lide. Ele decide e impõe sua decisão às partes, que não têm qualquer controle sobre a solução; 2. Arbitragem (Lei 9.307/93): o árbitro decide e impõe sua decisão às partes, dentro do escopo da questão que lhe foi submetida; 3. Conciliação (Lei 9.099/1995): o conciliador conduz as partes na análise de seus direitos e deveres legais, buscando um acordo; 4. Mediação: o mediador facilita o diálogo entre as partes em ambiente de confidencialidade, buscando a pacificação e a preservação das relações sociais; 5. Negociação: as partes conversam diretamente buscando um acordo.27

Conforme já destacado acima, os principais MASC’s utilizados são Arbitragem, Conciliação e a Mediação. Atualmente, a arbitragem e a conciliação já fazem parte de nosso ordenamento jurídico, sendo que a mediação foi incluída Novo Código de Processo Civil, acompanhada da conciliação em quase todos os artigos. Depreendem-se ainda do material básico das aulas, as características elementares dos principais MASC’s, já incluídas em nosso ordenamento jurídico. A arbitragem, instituída pela lei 9.307/1996, tem como característica a presença de um árbitro (ou painel de árbitros) eleito pelas partes, examina os argumentos de cada uma e decide a questão que lhe tenha sido delegada para resolução. A sentença arbitral deve ser motivada por critérios legais ou pelos usos e costumes, conforme escolhido pelas partes. A sentença arbitral é definitiva e imposta como uma sentença judicial (Idem, p. 30).

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Extraído do material expositivo

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Por sua vez, a conciliação pode ser extrajudicial, isto é, com a participação de um terceiro eleito pelas partes fora do Poder Judiciário, ou judicial, prevista pelo CPC vigente, nos artigos 125, 331, 447 e pela lei 9.099/1995, possui as seguintes características: Acordo de vontades, conduzido por um terceiro, onde as pessoas fazem concessões mútuas a fim de solucionar o conflito. O conciliador não decide o conflito, mas age para facilitar, sugerindo até mesmo a forma de acordo (Idem, p. 31).

Das funções atribuídas ao conciliador, destacam-se a orientação das partes e a participação direta no conteúdo da ação, sugerindo e participando da formulação do acordo. Por outro lado, o material expositivo traz a seguinte definição de mediação: um processo de natureza não adversarial, confidencial e voluntário, no qual um terceiro imparcial (mediador) facilita o diálogo e a negociação entre duas ou mais partes e auxilia na identificação de interesses comuns, complementares e divergentes, com o objetivo de mantê-las autoras das soluções construídas com base no consenso, no atendimento de interesses e necessidades e na satisfação mútua28.

A mediação poderá ser judicial, extrajudicial, prévia ou incidental, conforme objeto de pesquisa definido anteriormente, nos ateremos apenas à mediação judicial incidental, que segundo verifica-se no material expositivo é caracterizada por Braga Neto (2007), como aquela que Ocorre após o ajuizamento da ação quando há a possibilidade de tentativa de composição amigável; Pode ser judicial ou extrajudicial, conforme acordo dos interessados; O Projeto de Lei prevê a obrigatoriedade nos processos judiciais de conhecimento, sendo expressas as exceções; não se aplicará se o autor optar pelo procedimento do juizado especial ou pela arbitragem, ou quando a mediação prévia tiver sido realizada nos 180 dias anteriores ao ajuizamento da ação; Gera efeitos legais suspendendo prazos prescricionais e gerando litispendência, o acordo homologado torna-se título executivo judicial29.

O acordo ou “termo de entendimento”, conforme ANEXO VI, é resultante do processo de mediação judicial, tanto pré-processual, que conforme a vontade das partes pode ser protocolada como uma ação inicial e distribuído para um juízo competente para ser homologado, quanto incidental, encaminhado para o juízo de origem para sentença homologatória.

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28

Extraído do material expositivo da primeira aula.

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Idem

Segundo orientação doutrinária (VASCONCELOS, 2003; ALMEIDA, 2009; NETO, 2011; PINHO; DURÇO, 2012), reiterada no curso de capacitação, o mediador intervém, estimulando o diálogo, mas sem sugerir soluções, amplia as possibilidades e opções contribuindo para abertura de canais de comunicação. Já na 1.ª aula, observei a preocupação da distinção entre conciliação e mediação e associação destas à ideologia da harmonia e da pacificação social30l (NADER, 1999). Conciliação: 1. O objetivo é o acordo; 2. As partes, mesmo adversárias, devem chegar a um acordo para evitar um processo judicial; 3. Resolve conflitos que se expõem, não cabendo ao conciliador apreciá-los com profundidade ou verificando o que há além deles. Mediação: 1. As partes não devem ser entendidas como adversárias; 2. O acordo é consequência da real comunicação entre as partes; 3. Facilitação da comunicação, sem induzir as partes ao acordo. Ambos os métodos devem estar disponíveis a escolha dos indivíduos, que deve optar pelo método mais adequado para solucionar e entender seus conflitos como algo transitório, uma ponte para a evolução da comunicação e da convivência social. Como forma de orientar a distinção entre os objetivos dos métodos, as seguintes características de cada método foram destacadas no material expositivo: A conciliação tem como objetivo: a construção de acordos; busca a diminuição das diferenças (concessão); busca a satisfação própria, está norteada pelo Direito; o acordo tem coautoria das partes e do conciliador que opina, sugere e diz o Direito, atuando com imparcialidade; olha para o presente: tem a proposta para resolver a questão presente, os advogados representam a voz dos clientes e trabalham para defender o seu cliente; limita-se a temas que possuem tutela jurídica (previstos por lei); não é confidencial (Idem, p. 48).

A mediação busca: a pacificação social, a construção de acordos e a sustentabilidade das diferenças (consenso); a satisfação mútua (e a de terceiros indiretamente envolvidos); é norteada pelo Direito e pelos interesses e necessidades, o acordo de autoria das

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As categorias ideologia da harmonia e da pacificação social são utilizadas com referência ao artigo Harmonia Coercitiva, de Laura Nader, que contribui para refletirmos sobre situações em que a harmonia e a paz são utilizadas para acomodar situações de desigualdade ou para evitar a intervenção de terceiro de maneira violenta e autoritária.

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partes (o mediador não opina, não sugere, não oferece parecer técnico de qualquer natureza); o mediador atua com imparcialidade e neutralidade; parâmetros legais são oferecidos pelos advogados; olha para o presente e para o futuro (resgate da comunicação e da capacidade negocial); os advogados cedem a voz ao cliente e agem como assessores legais das decisões que os clientes estão tomando; ocupa-se também dos temas que não possuem tutela jurídica, mas, interferem no relacionamento e na construção de acordos (Idem, p. 49).

Na primeira aula, há também uma rápida exposição histórica da mediação no panorama mundial, destacando a experiência Norte Americano, em que na maioria dos estados a mediação familiar é obrigatória, cujo modelo amplamente utilizado é o Med-Arb, uma conjugação entre mediação e arbitragem, em que a mediação se converte em arbitragem. Outro país de destaque é o Canadá, onde a mediação é voluntária e abarca uma multiplicidade de demandas. A sede da Mediação Global, em Montreal, dedica-se a conflitos de família. Em Quebec, também há prioridade para conflitos de família. Na Europa, destacam-se países como Alemanha, Finlândia, Noruega, em que a mediação é obrigatória em todos os processos de separação. Outro país de ampla tradição é a Grã-Bretanha, em que o procedimento é voluntário e foi iniciado por instituições filantrópicas. Na Bélgica, Suíça, França, a mediação e um procedimento voluntário e privado, na Espanha é um procedimento voluntário, podendo ser extrajudicial e judicial. Na Austrália, a mediação foi instituída como voluntária e gratuita em 1976, um ano após a regulamentação. Na Nova Zelândia a mediação é obrigatória e também foi instituída um ano após a regulamentação do divórcio, em 1980. Atualmente, na província de Québec – Canadá, 78% das demandas de direito de família são resolvidas através da mediação. No Juizado de Pequenas Causas do Harlem, em Nova York, nos estados da Flórida e do Texas, assim como na Argentina, Inglaterra e Japão, antes de serem submetidas ao Poder Judiciário, as demandas privadas devem ser objeto de mediação, sendo esta uma condição da ação judicial. Ao fim da primeira aula, tratamos das áreas jurídicas em que a mediação pode ser aplicada. A partir de FIORELLI, MALHADAS e MORAIS (2004) e VASCONCELLOS (2008), foram elencadas as áreas Trabalhista, Ambiental, Comunitária, Empresarial, Societária, Organizacional, Escolar, Comercial, Vizinhança, Familiar, Penal e de Justiça Restaurativa.

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Contudo, apesar das diversas áreas em que podemos utilizar a mediação enquanto método de autocomposição de conflitos, algumas situações inviabilizam essa prática: casos de violência conjugal contínua; pessoas incapazes de tomar decisões, pessoas que não desejam participar do procedimento de mediação, demonstram falta de colaboração ou de voluntariedade; Questões que envolvam violações de direitos e deveres. (FIORELLI, MALHADAS E MORAIS 2004), 3.2 Comunicação e Conflito No segundo dia de aula, buscou-se uma definição positiva de conflito, diferente do senso comum, como um sistema, um produto social, um processo interativo particular, presente nas relações, consequência da interação humana, uma mudança de paradigma perante os conflitos, através de um modelo interpretativo da realidade em que a abordagem dos conflitos e a comunicação, possibilitem abordar o conflito integrando interesses de forma construtiva. Em prol das formas consensuais, argumenta-se que o conflito se desloque do litígio, das leis, da força, da violência, da competição para a busca do consenso, da satisfação dos interesses e necessidades, promovendo atitudes democráticas, em que a escala de valores e direitos são anteriores ao poder e a autoridade. Para tanto, buscou-se identificar os elementos determinantes do conflito, tendo como base uma teoria da comunicação atenta às percepções e emoções humanas. Depreende-se do material expositivo o seguinte esquema:

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Figura 3: Dinâmica do processo comunicacional31 O quadro acima retrata a dinâmica da comunicação em uma negociação. Verifica-se que, entre o emissor e o receptor, sugere-se a presença de um canal que tem a função de decodificar a mensagem do emissor ao receptor, que por sua vez transmitirá sua impressão ao emissor criando uma dinâmica circular, sendo a comunicação considerada a base da negociação, tendo em vista ser este processo bilateral, em que se objetiva possibilitar que partes cheguem a uma decisão. Contudo, do material expositivo destaca-se três problemas: 1) As pessoas não se comunicam ou se comunicam, mas não se entendem; 2) As pessoas se comunicam, mas não se escutam 3) As pessoas falam, mas interpretam de um modo distinto o que o outro disse: os mal-entendidos. Para evitar tais problemas, algumas condutas básicas são enumeradas no material expositivo como: não julgar, não criticar, não menosprezar, respeitar e compreender as necessidades do outro.

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Figura extraída do material expositivo utilizado no curso de capacitação fornecido pelo NUPEMEC

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Segundo Morton Deutsch (AZEVEDO et al, 2004), um aspecto importante a ser observado nos processos cooperativos e competitivos é a espiral do conflito, que significa a tendência da forma de abordagem dos conflitos se confirmar tanto positivamente, quando este é abordado de forma cooperativa, quanto negativamente, quando este é abordado de forma competitiva. Em outras palavras o conflito pode ser analisado em escalas que identificarão o grau em que o conflito se encontra e a forma de abordagem mais efetiva para o caso concreto. Conflitos que se encontram em alto grau de violência podem se agravar se o abordarmos de maneira cooperativa, do mesmo modo, se a escala do conflito está em um baixo grau de animosidade, abordá-lo de maneira competitiva pode disparar sua escalada negativa. Outro tópico de destaque trata do que os especialistas em mediação denominam “escuta ativa” que, conforme Christopher Moore, é uma técnica de comunicação em que um ouvinte decodifica uma mensagem verbal, identifica a emoção precisa que está sendo expressada, e depois restabelece o conteúdo emocional da mensagem para quem estava falando, usando as mesmas palavras ou palavras similares àquelas usadas por ele (MOORE, 1998, p. 149).

Ainda, segundo Moore, é importante que o ouvinte aceite as emoções de quem está falando sem, necessariamente, concordar com ele ou ter as mesmas opiniões sobre as questões que estão sendo discutidas (Idem). Assim o autor conclui, listando várias funções que esta técnica abrange ao responder os sentimentos das pessoas: Garante a quem está falando que realmente está sendo ouvido. Permite a quem está falando e ao ouvinte averiguar se o significado preciso da mensagem foi entendido. Demonstra aceitação da expressão das emoções. Permite a quem está falando explorar suas emoções sobre um tema e esclarecer o que ele realmente sente e por quê. Pode também realizar a função fisiológica de estimular a liberação de tensão através da expressão da emoção (Idem).

Os princípios e técnicas para que o mediador contribua para maior fluência da comunicação, segundo Ramírez (2006), foram apresentados na aula da seguinte forma: 1. Concentrar-se na pessoa que fala; 2. Olhar a quem fala e evidenciar atenção, assentir com a cabeça;

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3. Escutar, sem interromper – respeitar o “espaço comunicacional” da outra parte; 4. Valorizar o silêncio; 5. Formular perguntas que estimulem a outra parte a prosseguir falando; 6. Participar ativamente, responder aos comentários da outra parte; 7. Responder de forma verbal, paraverbal e não verbal, recontextualizando e compartilhando as emoções, além dos pensamentos; 8. Parafrasear o que ouviu, explicar o que entendeu e estimular a outra parte a seguir expressando-se.

Notei que durante essa aula não somente eu, mas outros alunos começaram assentir com a cabeça à medida que no decorrer da exposição da capacitadora. As pessoas deixavam de manipular seus pertences e passaram prestar mais atenção, ao mesmo tempo identifiquei a complexidade de na prática aplicar essas competências. Diante desta complexidade, busquei na doutrina autores que tratavam destas competências e verifiquei que além das competências enunciadas Spengler e Neto (SPENGLER; NETO, 2010) acrescentam que: Um dos caminhos para ser um bom ouvinte passa por fazer perguntas, parafrasear, ouvir atentamente o que foi dito, reconhecer os pontos de vista deles, estar atento e olhar nos olhos de quem fala. Os caminhos para escutar ativamente podem ser (Barns, 2002, p. 68): ● Limite sua própria fala, escute mais do que fale. ● Esteja interessado e demonstre esse interesse. Isso inclui linguagem corporal na comunicação e receptividade. ● Sintonize-se na outra pessoa, concentre-se nessa pessoa e nada mais além disso. ● Faça perguntas para esclarecimentos. ● Contenha sua ansiedade e não tire conclusões precipitadas. ● Escute ideias, não só palavras. ● Desligue-se de suas próprias preocupações. ● Reaja às ideias e não à pessoa. Separe a pessoa do problema e de sua solução. ● Peça retorno (feedback), faça perguntas enquanto você fala, assim os outros terão a chance de dizer a você o que sentem. ● Observe a linguagem não verbal (Idem, p. 71).

A percepção também é definida como outro princípio ou competência fundamental para desenvolver uma comunicação construtiva. Desenvolver a percepção consiste em ampliar o foco sobre o conflito, buscando observar o conflito sob a perspectiva do outro. Segundo o Manual de Mediação Judicial (2013). As percepções são referentes à forma com que se apreende ou se percebe o contexto fático-conflituoso ao qual se está sendo exposto. Essas competências consistem essencialmente em compreender que um mesmo fato ou contexto pode ser percebido de diversas formas distintas (Idem, p. 219).

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No manual temos o exemplo de um atendimento em mediação comunitária em que o mediador ouve a mãe dizer que seu filho “é burro, pois poderia ser o que quisesse, mas insiste em andar com o Ricardo, que é um mau elemento” (Idem, 219). Diante deste cenário, sugerem os autores: Nesse contexto, o mediador poderia perceber tal discurso de diversas formas possíveis. Exemplificativamente, como um julgador (saindo da função de mediador) poderia perceber como uma péssima mãe que não consegue conversar ou educar o filho. Como pai (novamente saindo do papel de mediador) poderia perceber a dificuldade da mãe de evitar escolhas ruins por parte do filho. Como mediador (buscando identificar questões, interesses e sentimentos) poderia perceber o discurso como a manifestação de uma mãe que ama o filho, busca o seu bem estar e deseja aproveitar da melhor forma possível a oportunidade de estar em uma mediação para estabelecer soluções efetivas para as questões de interesse do filho e da mãe (Idem, p. 219 – 220).

O material expositivo elenca as seguintes orientações: 1. Ponha-se no lugar do outro; 2. Não deduza as intenções do outro a partir de seus próprios medos; 3. Não culpe o outro por seu problema; 3. Discuta as percepções de cada um; 4. Busque oportunidade de agir de maneira contraditória às percepções do outro; 5. Dê a ele um interesse no resultado, certificando-se de que ele participa do processo. O próximo princípio ou competência tratado na 2ª aula é a “emoção”, que consiste na habilidade de reconhecer e compreender as emoções como uma característica humana. Carlos Eduardo Vasconcelos (VASCONCELOS, 2008), recomenda: Ao lidar com a emoção, reconheça e compreenda as emoções do outro e as suas; explicite essas emoções e a sua legitimidade; deixe que o outro desabafe; no raja as atitudes emocionais; adore gestos simbólicos que geram impactos emocionais construtivos (Idem, p. 75).

Segundo o psicólogo norte americano Daniel Goleman, autor do Best seller Inteligência Emocional (GOLEMAN, 2012) e Inteligência Social (GOLEMAN, 2006) muito se têm descoberto acerca da emoção, a neurobiologia e a sociobiologia, tem cada vez mais comprovado que em nossa história evolutiva as intuições e emoções são responsáveis por grande parte de nossas decisões, principalmente aquelas que envolvam riscos, tensões e questões emergenciais, que num mundo assoberbado acaba por conduzir majoritariamente nossas escolhas, portanto não se pode ignorar o poder das emoções ao se buscar entender e problematizar as questões humanas, pois: O próprio nome Homo sapiens, a espécie pensante, é enganoso à luz da nova apreciação e opinião do lugar das emoções em nossas vidas que nos oferece hoje a ciência. Como todos sabemos por experiência, quando se trata de modelar

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nossas decisões e ações, o sentimento conta exatamente o mesmo e muitas vezes mais que o pensamento. Fomos longe demais na enfatização do valor e importância do puramente racional do que mede o QI na vida humana. Para o melhor e o pior, a inteligência não dá em nada, quando as emoções dominam (Idem, p. 2).

A partir da emoção, apresentou-se a inteligência emocional como uma competência substancial para a resolução dos conflitos. Conforme Daniel Goleman (GOLEMAN, 2012), a defesa da importância da inteligência emocional depende da ligação entre sentimento, caráter e instintos morais. Há crescentes indícios de que posições éticas fundamentais na vida vêm de aptidões emocionais subjacentes. Por exemplo, o impulso é o veículo da emoção; a semente de todo impulso é um sentimento explodindo para expressar-se em ação. Os que estão à mercê dos impulsos - os que não têm autocontrole sofrem de uma deficiência moral. A capacidade de controlar os impulsos é à base da força de vontade e do caráter. Justamente por isso, a raiz do altruísmo está na empatia, à capacidade de ler emoções nos outros; sem um senso da necessidade ou desespero do outro, não há envolvimento. E se há duas posições morais que nossos tempos exigem são precisamente estas, autocontrole e piedade (Idem, p. 4).

A inteligência emocional refere-se tanto a atitudes pessoais, autorreferentes, que determinam o domínio da própria pessoa, quanto atitudes sociais, heterorreferentes, que determinam o manejo das relações. Na 3.ª Edição canadense da Psychological Science (2012), a inteligência emocional (EQ), é concebida pelos cientistas psicológicos Peter Salovey e John Mayer e, posteriormente popularizada pelo escritor de ciência Daniel Goleman, é uma forma de inteligência social que enfatiza a capacidade de perceber, entender, gerenciar e usar as emoções para orientar pensamentos e ações (Salovey & Mayer, 1990). A inteligência emocional consiste em quatro habilidades: para gerenciar as próprias emoções, para usar as próprias emoções para facilitar as atividades, a reconhecer as emoções de outras pessoas, e de entender a linguagem emocional (Salovey e Grewal, 2005). Pessoas altas em EQ reconhecem experiências emocionais em si mesmos e os outros, em seguida, responder a essas emoções de forma produtiva. Como discutido no Capítulo 9, as emoções, por vezes, sobrecarregam cognição e minam a motivação. Por exemplo, quando as pessoas estão chateadas, eles às vezes agem impulsivamente e, sem pensar, por agredir os outros, comer um quilo de chocolate, ou fazendo outras coisas que se arrepender mais tarde. Regulando o humor, resistindo tanto impulsos e tentações, conforme apropriado, e controlar seu comportamento são todos os componentes importantes de EQ. (GAZZANIGA; ET AL, 2012, p. 373)

As atitudes pessoais têm como característica o (1) autoconhecimento, a (2) autorregulação e a (3) motivação. Por outro lado, as atitudes sociais prezam pela (1) empatia e por (2) habilidades sociais.

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O autoconhecimento, segundo José Waldomiro da Silva Filho, está relacionado à autoridade da primeira pessoa e deve ser pensada não do ponto de vista da epistemologia, mas, das nossas capacidades práticas ordinárias de avaliarmos, ponderarmos, criticarmos, julgarmos nossos pensamentos, atitudes e ações, principalmente quando queremos dar uma prova, planejar algo, conversar com outras pessoas, justificar, explicar, enfim, quando queremos oferecer razões (SILVA FILHO, 2006, p. 1).

Isto significa que o autoconhecimento não deve ser desenvolvido sob a perspectiva do narrador onisciente, mas do conhecimento de nossos estados internos, recursos e intuições, através de uma consciência emocional, que permita autoavaliarmos a nossas atitudes, assumindo que é humano não ter a ciência completa da realidade, sem que isso abale nossa autoconfiança. A autorregulação é a capacidade de manejar nossos estados internos, impulsos e recursos, através do autocontrole, adiando impulsos e emoções prejudiciais; da confiabilidade, cumprindo normas de honestidade e integridade; escrupulosidade, assumir a responsabilidade do desempenho pessoal; adaptabilidade, ter flexibilidade para manejar as mudanças; inovação, que se expressa na condição de estarem abertas a novos enfoques, ideias e informações. A (auto) motivação, segundo Goleman, consiste em pôr as emoções a serviço de uma meta é essencial para prestar atenção, para a automotivação e a maestria, e para a criatividade. (Op.cit, p. 31). As expressões de motivação são (1) esforço para cumprir ou melhorar uma norma de excelência (2) compromisso com as metas do grupo (3) a iniciativa de estar disponível para aproveitar as oportunidades, (4) a ação com otimismo, buscar os objetivos, apesar dos obstáculos. As atitudes sociais têm como características a empatia e as habilidades sociais. Segundo Goleman, os ingredientes fundamentais da inteligência social podem agrupar-se em duas grandes categorias consciência social (dizer o que sentimos sobre os demais) e atitude social (dizer o que fazemos com essa consciência). Nesse sentido, a consciência social

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se refiere al espectro de la conciencia interpersonal que abarca desde la capacidad instantánea de experimentar el estado interior de otra persona hasta llegar a comprender sus sentimientos y pensamientos e incluso situaciones socialmente más complejas. La conciencia social está compuesta, en mi opinión, por los siguientes ítems: Empatía primordial: Sentir lo que sienten los demás; interpretar adecuadamente las señales emocionales no verbales. Sintonía: Escuchar de manera totalmente receptiva; conectar con los demás. Exactitud empática: Comprender los pensamientos, sentimientos e intenciones de los demás. Cognición social: Entender el funcionamiento del mundo social (GOLEMAN, 2006, p. 210).

Conforme material expositivo, a empatia tem como expressões: Compreender os outros, percebendo seus sentimentos, perspectivas e interesses, ter o propósito de prever, reconhecer e satisfazer as necessidades do outro; ajudar o desenvolvimento dos outros, percebendo suas necessidades e fomentando suas atitudes, aproveitar a diversidade, respeitando as diferenças e, a partir delas, cultivar oportunidades. Além disso, ter consciência política ao interpretar adequadamente as correntes emocionais de um grupo, assim como suas relações de poder. Outra competência identificada na seara das atitudes sociais é a habilidade social, que segundo material expositivo consiste na capacidade e disposição de ter dos outros as respostas desejadas, que se expressam em aplicar táticas de persuasão, desenvolve uma comunicação atenta a todos os sentidos, manejar os conflitos, negociando ou mediando para resolver os desacordos construtivamente; liderar: inspirando e guiando grupos, ser o catalisador de mudanças, inspirando, iniciando e manejando as mudanças; estabelecer vínculos, alimentando as relações instrumentais para o alcance da tarefa, fomentar a cooperação, trabalhando com os demais para alcançar metas compartilhadas; desenvolver habilidades de equipe, criando sinergia grupal para alcançar metas coletivas. Conforme identifiquei no referencial teórico apresentado, a inteligência social é caracterizada como habilidades comunicativas inatas, desenvolvidas em nosso processo evolutivo, mas que podem ser adotadas como competências a serem desenvolvidas para a solução dos conflitos. Contudo, o que devemos investigar são as condições materiais, psicológicas, socioculturais e políticas mínimas que permitam desenvolvê-las perante o conflito. Admitindo a complexidade, instabilidade e intersubjetividade das relações humanas, deve-se considerar o desenvolvimento da inteligência social não como um ponto

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de partida, através de princípios e técnicas herméticas a serem simplesmente aplicadas, mas como um ponto de chegada, incluindo e correlacionando aparentes paradoxos e problemas encontrados na prática como parte do mesmo sistema e não como algo que tenha que ser negado ou negligenciado como exceção à regra. 3.3 Comunicação Não-Violenta O psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg, autor da obra Comunicação Não-Violenta é uma das grandes referências acerca do tema mediação, definindo Comunicação Não-Violenta (CNV) como um processo poderoso para inspirar conexões e ações compassivas. Ela oferece uma estrutura básica e um conjunto de habilidades para abordar os problemas humanos, desde os relacionamentos mais íntimos até conflitos políticos globais. A CNV pode nos ajudar a evitar conflitos, bem como a resolvê-los pacificamente. A CNV ajuda a nos concentrarmos nos sentimentos e necessidades que todos temos, em vez de pensarmos e falarmos segundo rótulos desumanizadores ou outros padrões habituais - que são facilmente ouvidos como exigências e como antagônicos, e que contribuem para a violência contra nós mesmos, os outros e o mundo à nossa volta. A CNV capacita as pessoas a se envolverem num diálogo criativo, de modo que elaborem suas próprias soluções plenamente satisfatórias (ROSENBERG, 2006, p. 284).

Conforme material expositivo, podemos enumerar as seguintes características eliminar da comunicação os rótulos; preconceitos, julgamentos e mal-entendidos, concentrarem-se nos sentimentos e necessidades do outro, respeitar o outro, escolher criteriosamente as palavras, criar empatia. Segundo o autor, a CNV contribui também para desenvolvermos habilidade de identificar sentimentos como: alegria, confiança, honestidade, tranquilidade, satisfação, surpresa, esperança, suspeita, dignidade, firmeza, determinação, confusão, nervosismo indecisão, inquietação,

vergonha, ressentimento, descrença, preocupação, medo,

frustração, tédio, insegurança. A CNV deve ser praticada independentemente se conhecemos a pessoa ou se ela está motiva a se comunicar compassivamente conosco, basta que estejamos atentos aos princípios da CNV, motivados a nos comunicarmos com compaixão e deixar transparecer esta motivação. Para que seja possível que haja reciprocidade na CNV, Rosenberg recomenda concentrarmos a luz da consciência em quatro áreas, as quais nos referimos como quatro

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componentes do modelo CNJ (Idem, 25): 1 Observação; 2. Sentimento; 3. Necessidade e; 4. Pedido, assim dispostos: Primeiramente, observamos o que está de fato acontecendo numa situação: o que estamos vendo os outros dizerem ou fazerem que é enriquecedor ou não para nossa vida? O truque é ser capaz de articular essa observação sem fazer nenhum julgamento ou avaliação - mas simplesmente dizer o que nos agrada ou não naquilo que as pessoas estão fazendo. Em seguida, identificamos como nos sentimos ao observar aquela ação: magoados, assustados, alegres, divertidos, irritados etc. Em terceiro lugar, reconhecemos quais de nossas necessidades estão ligadas aos sentimentos que identificamos aí. Temos consciência desses três componentes quando usamos a CNV para expressar clara e honestamente como estamos (Idem).

Assim, Rosenberg esclarece exemplificando: Uma mãe poderia expressar essas três coisas ao filho adolescente dizendo, por exemplo: "Roberto, quando eu vejo duas bolas de meias sujas debaixo da mesinha e mais três perto da TV, fico irritada, porque preciso de mais ordem no espaço que usamos em comum". Ela imediatamente continuaria com o quarto componente - um pedido bem específico: "Você poderia colocar suas meias no seu quarto ou na lavadora?" Esse componente enfoca o que estamos querendo da outra pessoa para enriquecer nossa vida ou torná-la mais maravilhosa. (Idem).

Sugere o autor que ao nos concentrarmos nessas quatro áreas e ajudarmos aos outros a fazerem o mesmo, estabelecemos um fluxo na comunicação até a compaixão se manifestar naturalmente (Idem). A CNV constitui-se de duas etapas de comunicação: 1. Expressar-se honestamente por meio dos quatro componentes; 2. Receber com empatia por meio dos quatro componentes, independente da forma como estão sendo expressos pelo outro. Estes quatro componentes e estas duas etapas, segundo o autor, devem estar em nossa consciência e nas palavras trocadas, sendo possível realizar as quatro partes do processo sem pronunciar uma palavra (Idem, p. 27). Algumas formas específicas de linguagem e comunicação contribuem para comportamentos violentos e bloqueiam a CNV, o autor designa esta forma de comunicação como “comunicação alienante da vida”. Dois tipos de bloqueio à CNV são: Julgamentos Moralizadores (Idem, p. 37); Negação de Responsabilidade (Idem, p. 42). Os julgamentos moralizadores subentendem uma natureza errada ou maligna na pessoa que não age ou pensa em consonância com nossos valore.

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Este tipo de comunicação, em muitos casos, ocorre por meio de comparação, o não deve se confundir com “juízos de valor” que ocorre quando nos manifestamos o que acreditamos ser melhor para a vida. Os julgamentos moralizadores se manifestam quando julgamos e classificamos as pessoas, gerando culpa, insulto, depreciação, rotulação, crítica, comparação e diagnósticos (Idem, p.37-38). A negação de responsabilidade é um tipo de comunicação alienante que turva nossa consciência de responsabilidade por nossos pensamentos, sentimentos e atos, atribuindo a motivação destes aos fatores externos. Os fatores externos podem estimular nossos sentimentos, mas não são a causa (Idem,). O autor identifica algumas expressões que deflagram este tipo de comunicação alienante. A expressão “ter de”, “fazer alguém sentir-se”, são exemplos indicam um tipo de linguagem que a responsabilidade pessoal fica obscurecida e negamos responsabilidade a nossos atos quando os atribuímos a (Idem): • forças vagas e impessoais ("Limpei meu quarto porque tive de fazê-lo"); • nossa condição, diagnóstico, histórico pessoal ou psicológico ("Bebo porque sou alcoólatra"); • ações dos outros ("Bati no meu filho porque ele correu para a rua"); • ordens de autoridades ("Menti para o cliente porque o chefe me mandou fazer isso"); • pressão do grupo ("Comecei a fumar porque todos os meus amigos fumavam"); • políticas, regras e regulamentos institucionais ("Tenho de suspender você por conta dessa infração; é a política da escola"); • papéis determinados pelo sexo, idade e posição social ("Detesto ir trabalhar, mas vou porque sou pai de família"); • impulsos incontroláveis ("Fui tomado por um desejo de comer aquele doce) (Idem).

Diante deste tipo de comunicação alienante, o autor recomenda substituir uma linguagem que implique a falta de escolha por outra que reconheça a possibilidade de escolha. Rosenberg exemplifica: Sugeri que a professora substituísse a frase "Tenho de dar nota porque é a política da secretaria" por esta, completando-a: "Eu opto por dar nota porque desejo (...) " Ela respondeu sem hesitação: "Eu opto por dar nota porque desejo manter o emprego". Apressou- se a acrescentar: "Mas não gosto de dizer dessa maneira. Faz eu me sinta tão responsável pelo que faço (...) " Respondi: "É exatamente por isso que quero que você diga dessa maneira" (Idem, p. 45).

Do material expositivo, extraímos alguns exemplos de mudança de linguagem: “Como

necessito

de

.................,

para

mim

é

importante

que

você.....(pedido)...........”

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“Vejo que você se sente............., porque necessita............... ” “Você me pede ..................., porque necessita............... ? ” Outras formas de comunicação alienante da vida que bloqueiam a compaixão, abordadas pelo autor, mas não destacada pelo material expositivo são: Comunicar nossos desejos como exigências e Certos atos merecem recompensa, outros punição (ROSEMBERG, 2006, pp. 46–48). Segundo o autor, uma exigência ameaça os ouvintes explícita ou implicitamente com culpa ou punição se eles não a atenderem, sendo uma forma de comunicação comum em nossa cultura, especialmente entre aqueles que detêm posições de autoridade (Idem). O autor argumenta, apresentando como exemplo o comportamento de seu filho quando este tentou exigir certas condutas, que nunca conseguimos forçar as pessoas a fazer nada e que esta é uma lição de humildade no exercício do poder, para aqueles entre nós que acreditam que, por sermos pais, professores ou administradores, é nossa tarefa mudar as outras pessoas e fazê-las se comportar, sendo este um assunto pertinente quando pensamos na formulação dos pedidos (Idem, p. 46). Para o autor, também, é alienante a comunicação que se baseia na ideia de que certos atos merecem recompensa outros merecem punição, pois o pensamento baseado em “quem merece o quê” bloqueia a comunicação compositiva (Idem). Prossegue argumentando o autor que o verbo "merecer"(...) presume "maldade" da parte das pessoas que se comportam de determinadas maneiras e demanda alguma punição para fazê-las se arrependerem e se emendarem. Acredito ser do interesse de todos que as pessoas mudem não para evitarem punições, mas por perceberem que a mudança as beneficiará (Idem).

Nesta linha, o autor acrescenta que crescemos utilizando uma linguagem que nos estimula a rotular, comparar, exigir e julgar antes de possibilitar a percepção de nossos sentimentos e necessidades, que este tipo de linguagem é próprio de sociedades hierárquicas em que a comunicação se baseia em concepções da natureza humana que dão ênfase a maldade e deficiências inatas do ser humano, o que justifica a necessidade de educar e controlar o ser humano para neutralizar essa natureza indesejável.

72

Conclui o autor que este tipo de educação nos condiciona a isolar o que se passa dentro de nós, fazendo com que nossos sentimentos e necessidades sejam sempre questionados em função do que é estabelecido como “errado”, “deveria”, “tenho de”, que levam as pessoas a dependerem de instâncias exteriores e superiores, legitimando a necessidade de autoridades, reis, juízes, nos colocando em posições de inferioridade e dependência. Um dos referenciais da CNV no Brasil é o inglês Dominic John Paul Barter32, que orientou programas de mediação comunitária nas UPP’s do Rio de Janeiro, convidado para diversas atividades promovidos pelo TJRJ envolvendo o tema e atualmente orienta práticas restaurativas em 25 países. 3.4 Teoria Geral do Conflito Neste tópico, o objetivo é delinear o conceito e a estrutura do conflito, aspectos objetivos e subjetivos e as formas de resolução de conflitos. Segundo o Azevedo et al (2013), o conflito pode ser definido como um processo ou estado em que duas ou mais pessoas divergem em razão de metas, interesses ou objetivos individuais percebidos como mutuamente incompatíveis (YARN apud AZEVEDO, 2013, p. 39) 33.

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Dominic Barter desenvolve projetos ligados às tecnologias sociais de diálogo e parceria, com foco nos campos de educação, justiça, cultura e mudança social. Precursor dos Círculos Restaurativos no Brasil desde seu origem nos morros cariocas nos anos 90, desenvolveu a capacitação de dois dos três projetos pilotos em Justiça Restaurativa para o Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério de Justiça, o PNUD e as Secretarias de Educação de São Paulo e de Rio Grande do Sul. Orienta aplicações de práticas restaurativas em 27 países, mais recentemente para a cidade de Seattle, nos Estados Unidos, Varas de Família de Coreia do Sul e para o Ministério de Educação da França. Era orientador do programa de mediação nas UPPs, para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e depois pesquisador do andamento deste projeto junto ao Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Candido Mendes. Dirigiu o programa Restauração de Diálogos para a Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, implantando sistemas restaurativas e dinâmicas empáticas em escolas estaduais. Atualmente colabora no desenvolvimento de novas formas de escola fundamentada no convívio e na inteligência relacional, como parceiro de Arca Educação. Colega de longa data do Dr. Marshall Rosenberg, é atualmente presidente do conselho diretor do Centro internacional de Comunicação Não-Violenta, com sede nos Estados Unidos. Considerado referência de projetos e propostas pedagógicas de Comunicação Não-Violenta no Brasil e no exterior, tem especialidade no aprendizado em contextos comunitários. Como pai de uma carioca de 15 anos, é lembrado diariamente dos limites do seu entendimento de conflito e mediação. Fonte: http://www.mediare.com.br/06cap_cursos_mediac2.htm, consulta em 10.02.2015 33

Esta definição de conflito foi extraída pelo autor de YARN, Douglas H. Dictionary of Conflict Resolution. São Francisco: Ed. Jossey Bass, 1999. p. 113

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De maneira geral, considera-se o conflito como uma disputa em que, pelo menos uma das partes sairá prejudicada ou derrotada. Conforme se verifica no Manual, nos treinamentos de técnicas e habilidades de mediação, os participantes, ao serem estimulados a expressar a palavras que lhes vem à mente associadas à palavra conflito, são enunciadas reiteradamente as palavras “guerra”, “briga”, “disputa”, “agressão”, “tristeza”, “violência”, “raiva”, “perda”, “processo” (Idem). Em seguida, pergunta-se aos participantes quais as reações fisiológicas, emocionais e comportamentais estes se lembram de ter tido diante de um conflito? As respostas mais comuns, segundo o Manual, são: “transpiração”, “taquicardia”, “ruborização”, “elevação do tom de voz”, “irritação”, “raiva”, “hostilidade”, “descuido verbal” (Idem, p. 39-40). Diante deste cenário, quando perguntamos acerca das práticas mais comuns diante do conflito, mesmo conscientes de eventual arrependimento, ou de que haja maneiras mais eficientes de reagir, segundo os autores do Manual, as pessoas enumeram geralmente as seguintes: “reprimir comportamentos”, “analisar fatos”, “julgar”, “atribuir culpa”, “responsabilizar”

“polarizar

a

relação”,

“analisar

personalidade”,

“caricaturar

comportamentos” (Idem, p. 40). Assim, observa-se nos participantes treinados a seguinte mudança de percepção perante o conflito:

Figura 4: Quadro de mudança de percepção34.

34

Fonte: Manual de Mediação Judicial (AZEVEDO, 2013, p. 41)

74

Com as técnicas e habilidades autocompositivas, espera-se que o mediador diante de um conflito direto entre ele e as partes, advogados, perceba a oportunidade de aplicálas, transformando as atitudes reativas (esquerda) em atitudes conscientes (direita), conforme o quadro a seguir:

Figura 5: Quadro comparativo de atitudes reativas x atitudes conscientes35 As atitudes da direita são naturalmente desencadeadas quando nos sentimos ameaçados, hostilizados ou em situação de luta ou fuga, trata-se de um mecanismo natural de sobrevivência perante as adversidades encontradas no processo evolutivo dos seres vivos, desde os répteis, denominado mecanismo de luta ou fuga (GOLEMAN, 2006, 2012). As causas do conflito destacadas pelo material expositivo são: 1. Experiência de frustração de uma ou ambas as partes - Incapacidade de atingir metas ou de satisfazer os seus desejos; 2. Diferenças de personalidade - Valores, crenças e culturas diferentes; 3. Metas diferentes - Objetivos a serem atingidos diferentes dos de outras pessoas e outros departamentos; 4. Diferenças em termos de informações e percepções - Tendemos a analisar as informações através dos nossos conhecimentos e referenciais Contudo, mesmo com tais reações e práticas que levam a concluir que o conflito é sempre um fenômeno negativo, tanto a “doutrina”, quanto os participantes constatam que do conflito podem surgir resultados positivos, sendo a percepção do conflito de forma positiva uma das principais mudanças das teorias modernas do conflito, pois se percebe o 35

Fonte: extraído do Manual de Mediação Judicial (AZEVEDO, 2013. p. 42)

75

conflito com um fenômeno natural da relação de quaisquer seres vivos, sendo possível perceber o conflito de forma positiva (Idem, p. 40-41). Nesse passo, ao buscarmos referenciais teóricos na sociologia, o conflito concebido como uma forma de socialização é o que diferencia o sociólogo Georg Simmel, entre outros sociólogos clássicos, como Weber, Durkheim e Marx, pois Simmel propõe uma abordagem positiva do conflito, quando sugere que: Todas as formas sociais aparecem sob nova luz quando vistas pelo ângulo do caráter sociologicamente positivo do conflito. Torna-se logo evidente que, se as relações entre os (mais que aquilo que o indivíduo é para si mesmo e em suas relações com objetos) constituem matéria subjetiva de uma ciência especial, a Sociologia, nesse caso os tópicos tradicionais desta ciência cobrem apenas uma das subdivisões: ela é mais abrangente e mais verdadeiramente definida por um princípio (...) o conflito é um fato sui generis e sua inclusão sob o conceito de unidade teria sido tão arbitrária quanto inútil, uma vez que o conflito significa a negação da unidade (...) o indivíduo não alcança a unidade de sua personalidade exclusivamente através de uma harmonização exaustiva – segundo normas lógicas, objetivas, religiosas ou éticas – dos conteúdos de sua personalidade. A contradição e o conflito, ao contrário, não só precedem esta unidade, como operam em cada momento de sua existência. (SIMMEL; FILHO, 1983, p. 123)

Outro ponto de relevo acerca da teoria do conflito é a classificação do tipo de abordagem do conflito. A maioria dos autores divIdem a abordagem em adversarial e nãoadversarial (GRINOVER, 1990; AZEVEDO, 2003; PELUZO; RICHA, 2011). A abordagem adversarial se caracteriza pela polarização de posições antagônicas e a abordagem não-adversarial postura baseada em interesses Ambas as abordagens tem formas, posturas, comportamentos, estratégias e técnicas diferente e por isso é importante que o mediador consiga identificar qual o tipo de abordagem escolhida palas partes (AZEVEDO et al, 2013, p. 71). Entre as formas adversariais e não-adversariais apresentadas, estão o processo judicial e a forma autocompositiva. O processo judicial é definido como forma tradicional de processamento dos conflitos do Estado moderno, de base adversarial que: 1. Utiliza técnicas de prevenção e resolução dos enfrentamentos; 2. Elege como objeto certo tipo de enfrentamento legitimado pela comunidade e reconhecido pela lei; 3. Recorre à violência – coerção; 4. Retém e administra os conflitos – efeitos destrutivos para as relações sociais; 5. Utiliza

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procedimentos

impositivos/coercitivos

para

resolver

enfrentamentos;

6.

Resolve

enfrentamentos, mas não resolve os conflitos. A autocomposição é definida como uma forma não-adversarial de processamento dos conflitos que é 1. Baseada em procedimentos participativos; 2. Promove resoluções construtivas; 3. Fortalece as relações sociais; 4. Identifica interesses subjacentes ao conflito; 5. Promove relacionamentos cooperativos; 6. Explora estratégias; 7. Previne futuras controvérsias; 8. Resolve futuras controvérsias; 9. Educa as partes para a compreensão recíproca; 10. Promove resoluções para o conflito. A partir dessas características, verifica-se que, segundo o material expositivo a autocomposição proporciona uma visão positiva do conflito e uma possibilidade de crescimento pessoal e social, pois busca formas cooperativas de resolução dos conflitos. Em relação aos atores, os conflitos podem ser classificados: 1. Individuais ou; 2. Coletivos. Quanto à relação: 1. Contínuos ou; 2. Descontínuos. Sua dinâmica pode ser 1. Interpessoal; 2. Intragrupal e; 3. Intergrupal; Outra competência que se reputa a atividade de mediador é saber distinguir interesses aparentes, manifestos retirados da análise literal das falas e interesses reais, que devem ser analisados, considerando o contexto em que a comunicação é apresentada (AZEVEDO, 2013, p. 140), André Gomma de Azevedo (Idem), nos oferece o seguinte exemplo: se uma parte em uma separação se dirige ao mediador e lhe diz “Chega, já aguentei o que poderia aguentar. Quero que ele pague por todo aborrecimento que eu tive que suportar nesses anos todos. Quero que você faça com que ele pague o máximo de pensão possível para que aprenda a tratar bem as outras pessoas”, da análise literal do discurso percebe-se que os interesses aparentes da parte seriam se vingar e receber o maior valor possível de pensão alimentícia. Todavia, ao contextualizarmos e analisarmos os interesses subjacentes da parte – que efetivamente trariam a realização pretendida – constatamos que há maior probabilidade de a parte encontrar-se efetivamente pacificada se sentir respeitada, moralmente restaurada e pessoalmente valorizada e se receber um valor justo de pensão alimentícia (Idem).

Segundo Morton Deutsch (2004), um conflito é produto de atividades incompatíveis que concorrem, pois, As ações incompatíveis podem se originar em uma pessoa, em uma coletividade ou em uma nação; tais conflitos chamam-se intrapessoais, intracoletivos ou intranacionais. Ou podem refletir ações incompatíveis de uma ou mais pessoas, coletividades ou nações; esses conflitos são chamados interpessoais,

77

intercoletivos ou internacionais. Uma ação incompatível com outra impede, obstrui, interfere, danifica ou de alguma maneira torna a última menos provável ou menos efetiva (DEUTSCH, 2004, p. 35).

Segundo Fisher, Ury e Patton, autores da obra Como Chegar ao Sim, sem comunicação não há negociação: A negociação é um processo bilateral, com o objetivo de se chegar a uma decisão conjunta. A comunicação nunca é fácil, mesmo entre pessoas que têm um imenso histórico de valores e experiência compartilhadas, nesse sentido os autores expõem como exemplo conflitos entre casais, familiares, vizinhos (FISHER, ROGER; et al., 2005, p. 50).

A negociação pode ser posicional ou baseada em interesses, a negociação posicional geralmente é atribuída à posição adversarial em que as partes se posicionam de maneira antagônica a outra. Nessas negociações, utiliza-se a lógica do jogo de soma zero, em que somente um único resultado atende a possibilidade de solução do conflito. As negociações baseadas em interesses são caracterizadas pela posição nãoadversarial, cooperativa, em que as partes, apesar de estarem em conflito, têm variadas possibilidades de convergirem num resultado que satisfaçam seus interesses. Os resultados podem ser múltiplos, de soma variável, diferentes resultados podem atender a resolução de conflitos, permitindo composições e soluções intermediárias. A forma de comunicação da mediação tem como objetivo facilitar a exposição de ideias e sentimentos, pois a forma da comunicação influência diretamente o resultado do processo autocompositivo. Segundo o Manual de Mediação Judicial, a comunicação conciliatória consiste em uma das abordagens utilizadas com reiterado sucesso. A comunicação conciliatória (ou comunicação despolarizadora) consiste no processo comunicativo, no qual as informações são transmitidas e recebidas de forma a estimular o entendimento recíproco e a realização de interesses reais dos comunicantes. A premissa central da comunicação conciliatória consiste em ouvir pedidos implícitos nos discursos para direcionar a comunicação à realização desses interesses ou necessidades (Idem, p. 222).

Nesse passo, o mediador deve ouvir as partes ativamente, buscando entender o que cada um diz, sem formular juízos de valor. O mediador deve demonstrar que está prestando atenção e entendendo o que a parte está dizendo, deixando claro que a mensagem foi passada e compreendida (Idem, 161).

78

Segundo Ury, Fisher e Patton (op. cit.) insta enumerar algumas dificuldades na comunicação destacadas pelo material expositivo: 1. Falta de informação; 2. Informação errada; 3. Comunicação excessiva; 4. Pontos de vista diferentes sobre o que é importante; 5. Interpretações diferentes de dados; 6. Procedimentos de avaliação diferentes. Verifica-se no Manual de Mediação Judicial (2013) que o escopo da mediação, portanto, é muito mais amplo do que as questões jurídicas discutidas em juízo, sendo possível notar que o que é trazido pelas partes ao Poder Judiciário muitas vezes não corresponde aos interesses reais das partes, pois a relação jurídica não abrange a totalidade das relações intersubjetivas de caráter material, social e psicológico, sendo necessário identificar os verdadeiros interesses dos envolvidos no conflito (AZEVEDO, 2013, p. 99). Consta no Manual, além dos problemas aparentes, explicitados na demanda judicial, deve-se atentar para questões como: 1. O relacionamento anterior das partes; 2. Suas necessidades e interesses; 3. O tipo de personalidade das partes envolvidas; 4. Os valores das partes e como elas se comunicam. Questões estas, consideradas secundárias para os operadores do direito, mas que estão na origem do conflito e são essenciais para a resolução deste (Idem). Segundo Entelman (2002), para que haja conflito deve haver consciência e percepção dos atores. A consciência, para Entelman é um produto de um ato intelectual que um ator admite ter em respeito do outro ator, em uma relação em que ambos se mantém. Por outro lado, a percepção é o conteúdo com que os dados externos, como condutas, atitudes, pretensões, intenções chegam a nosso intelecto (Idem, p. 92)

36

.

Identifica-se do material expositivo os seguintes níveis do conflito (Idem, p. 100 – 106): 1. Objetivo / Concreto; 2. Subjetivo / Simbólico. No nível objetivo/concreto identifica-se: 1. Nível intelectivo; 2.Situações objetivas há a percepção/crença de que existem objetivos incompatíveis; 3. Crença de que a relação é de conflito e pertence ao outro e não a si mesma; 4. São concretos e por isso são, em tese, divisíveis; 5. Obtê-los implica em satisfação imediata; 6. Agrega/atende outros valores.

36

Tradução livre do autor.

79

No nível subjetivo/simbólico, identifica-se: 1. Nível afetivo; 2. O objetivo aparente não é a meta desejada; 3. O conflito manifesto representa outra meta ou objetivo, difícil de definir; 4. Obter o valor real satisfaz os valores aparentes; 5. Obter o valor aparente não necessariamente satisfaz o valor real; 6. Agrega/atende outros valores. Diante deste cenário, as formas de resolução de conflitos mais comuns de resolução de conflitos: 1. Autotutela; 2. Autocomposição e Heterocomposição (GRINOVER, 1990, 2005; AZEVEDO, 2003; CALMON FILHO, 2007; FABIANA MARION SPENGLER, 2013). Do material expositivo, verificam-se as definições de autotutela, autocomposição, tutela jurisdicional e heterocomposição, incorporando uma distinção entre tutela jurisdicional e heterocomposição, conforme abaixo: 1. AUTOTUTELA: é a solução do conflito onde uma das partes impõe o sacrifício do interesse da outra, em situações de urgência ou por confrontação de valores equivalentes. (Ex: legítima defesa); 2. AUTOCOMPOSIÇÃO: é a prevenção ou solução do conflito por decisão consensual entre as pessoas nele envolvidas (mediação, conciliação, negociação). 3. TUTELA JURISDICIONAL: meio ordinário ou judicial de solução estatal de conflitos (processo judicial). 4. HETEROCOMPOSIÇÃO: mecanismo de imposição da decisão por terceiro imparcial, que se faz por meio privado e pela justiça estatal (arbitragem).

A característica principal que destaca a Tutela Jurisdicional da Heterocomposição, é que a Tutela Jurisdicional é regulada pelas leis e princípios do direito processual vigente e a heterocomposição, apesar da prática ser incorporada ao ordenamento jurídico possui o trâmite definido de maneira privada, como a arbitragem, sendo que ambas são práticas heterocompositivas por que o terceiro intervém com a prerrogativa de decidir o conflito e vincular as partes ao cumprimento das obrigações estabelecidas. Isto é, um terceiro é o responsável por impor uma decisão para as partes. Contudo na arbitragem, geralmente as partes elegem o árbitro e estão de acordo com as regras determinadas para o procedimento, no processo judicial não há eleição do juízo e as regras estão normatizadas pela legislação vigente, cujas partes devem se submeter, independentemente de anuência de ambas (AZEVEDO, 2003; CALMON FILHO, 2007, 2008; SPENGLER; SPENGLER NETO, 2012).

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3.5 O terceiro facilitador e o papel do mediador Quanto ao tipo de intervenção, conforme observa Leonard Riskin, o mediador pode atuar no papel de facilitador ou de avaliador. O modelo avaliador se distingue do modelo facilitador porque naquela posição o mediador analisa os argumentos e propostas e sugere os termos do acordo, não sendo apenas um administrador do processo, ao contrário da posição de mediador facilitador, que apenas administra o processo (AZEVEDO, 2013, p. 87). Conforme consignado no Manual de Mediação Judicial, pesquisas no Brasil37 sugerem que o modelo de mediação facilitadora é a proporciona maiores graus de satisfação dos usuários, sendo que na literatura estrangeira há posições enfáticas que a mediação avaliadora não pode ser considerada mediação e estudos que indicam experiências que não utilizam a abordagem da mediação facilitadora produzem maus resultados quanto à satisfação dos usuários e tendem a produzir altos índices de não cumprimento de acordo (Idem). O principal papel do mediador é facilitar a composição voluntária das partes, sendo problemático acumular a função de mediador e consultor, devendo este se esforçar para abster-se de aconselhamentos e, caso as partes externem esta necessidade, o mediador deve sugerir que procurem um consultor externo ou a alternativa de outras formas de resolução de conflitos que permitam uma intervenção mais direita no mérito ou na especificidade do caso como a arbitragem, arbitramento, avaliação neutra, perícia, técnicos, especialistas (AZEVEDO, 2002, p. 14). No Manual de Mediação Judicial, Azevedo et al, define como o mediador como catalisador de soluções, pois, Não cabe a ele resolver o conflito ou trazer soluções prontas para as questões, mas apenas estimular para que elas mesmas cheguem a uma solução. Como o mediador tem a função de meramente auxiliar as partes para que estas alcancem a melhor solução para suas questões conflitantes, todas as ideias levantadas por elas concernentes a soluções devem ser estimuladas. Para cada ideia, devem ser discutidos os pontos fracos e os pontos fortes, o que deve ser mantido e o que deve ser modificado, suas implicações e suas consequências. De fato, além de

37

Dados disponibilizados na nota de rodapé, ver: Serviço de Mediação Forense do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios , consultada em 02.05.2008.

81

explorar as opções, é importante ir a fundo em todas as suas especificidades e reconhecer os possíveis resultados que podem advir de cada uma delas, para melhor atender aos interesses e necessidades das partes (Idem, p. 208).

Do material expositivo da Aula 5, destacam-se as seguintes características do facilitador: Neutro em relação à solução criada (...), objetivo em relação às alternativas e possibilidades para esta solução (...); Comprometido eticamente com a decisão democrática da solução do problema (...); Negociador para o processo dentro deste contexto (...); Preocupado em tornar os participantes conscientes de suas próprias opiniões através de reflexão, resumo e clareza, (...) Encarregado de ajudar uma negociação consensual acontecer (AZEVEDO, 2003, pp. 113 – 114).

Quanto às funções do mediador facilitador, do material expositivo as seguintes prescrições merecem destaque: Encorajar a participação integral, assegurando que todos os participantes tenham oportunidades iguais para expressar-se, devendo ser percebida como aberta e acessível para todos os participantes(1), favorecer a Escuta Ativa, encorajando as pessoas se escutarem efetivamente umas às outras e promovendo um ambiente seguro de escuta, onde as pessoas demonstrem seu comprometimento em entender o outro, especialmente se há discordância (2), clarear objetivos e agendas: ajudar as pessoas a terem claros seus objetivos e a agenda que deve ser seguida para que os objetivos sejam alcançados (3), equilibrar as necessidades individuais com as necessidades do outro (4); Encorajar a Liderança Compartilhada, encorajando as pessoas a assumirem riscos (ao invés de se manterem dentro dos próprios limites), a exercerem novos papéis e a aprenderem como aceitar feedbacks construtivos uns dos outros (5), compartilhar o papel de facilitador, encorajando as pessoas a assumirem a responsabilidade da sua perpetuação e não sendo mais necessário a participação do facilitado, porque as pessoas agora já possuem a competência necessária para facilitar seu próprio processo (6) (Idem).

Das atribuições dos mediadores facilitadores apresentadas no material expositivo, destaco: preparar e realizar o pré-encontro das partes, abrir e conduzir a conciliação/mediação; aplicar as técnicas de mediação/conciliação, sempre visando à autocomposição do conflito; redigir o termo de acordo, quando alcançado, ou atestar a inviabilidade do seu alcance. Contudo, alguns fatores podem limitar a atuação dos mediadores, também devem ser destacados conforme material expositivo, como grandes desníveis de poder entre as pessoas; falta interesse por parte de um ou ambos os lados em resolver a disputa, desrespeito por parte das pessoas aos princípios e regras do procedimento utilizado; problemas graves e/ou crônicos de saúde mental em um ou ambas as pessoas que impedem a comunicação e a tomada de decisões.

82

Outro ponto de destaque do material expositivo é a distinção entre os princípios da imparcialidade e da neutralidade. O princípio da imparcialidade guarda relação com a conduta de favorecimento no tratamento de uma das partes pelo facilitador, esta percepção está relacionada à relação interpessoal entre o facilitador e as partes, não quanto às questões objeto do debate. O princípio da neutralidade em relação à conduta do facilitador, tem correlação com o fato do facilitador atribuir às partes em conflito a responsabilidade pela tomada de decisão, o facilitador não deve intervir sugerindo ou impondo qualquer solução, sob pena de descaracterizar o teor autocompositivo da decisão. O princípio da imparcialidade vem a designar a proibição de qualquer conduta por parte do facilitador que importe em qualquer favorecimento de tratamento a uma das partes. A imparcialidade quer se referir à atitude do facilitador em relação às partes e não ao conteúdo. Esta distinção é definida pelo Manual de Mediação Judicial nos seguintes termos: O princípio da neutralidade e imparcialidade de intervenção determina que, ao desenvolver seu ofício, o autocompositor proceda com neutralidade – isto é, isento de vinculações étnicas ou sociais com qualquer das partes – bem como se abstendo de tomar partido no curso da autocomposição. Cabe registrar que essa imparcialidade de intervenção deve ser percebida pelas próprias partes, cabendo ao mediador conduzir o processo de forma a assegurar tal percepção (AZEVEDO, 2013, p. 235).

A ética é próximo tópico que nos ocupamos na 5.ª Aula. Segundo o material expositivo, a ética pode ser entendida como a ciência que estuda os sentimentos e juízos de aprovação e desaprovação realizados pelo homem acerca da conduta e da vontade humana. Contudo, conforme observa Vasconcelos (2008), a ética normativa se ocupa do estudo histórico-filosófico ou conceitual do agir humano ou moralidade. Observa o autor, que conforme Eduardo Bittar, a ética normativa tem sido estudada por duas grandes vertentes de pensamento: das éticas normativas teleológicas, para a quais a noção primordial é a de que a ética deve conduzir a um fim natural, ou à felicidade, ou ao bem-estar, ou à utilidade geral (Sócrates, Platão, Aristóteles, Epícuro, Hume, Bentham, Stuart Mill) e o grupamento das éticas normativas deontológicas, para as quais a noção primordial é a da necessária e imperativa obediência ética pela consciência do dever e da responsabilidade individual ou social (Tomás de Aquino, Kant, Rousseau, Kelsen). (VASCONCELOS, 2008, p. 101)

83

Por outro lado, conforme material expositivo, um código de ética profissional tem finalidade fundamental de regulamentar o exercício de uma profissão, proporcionando uma visão de justiça e um bom desempenho de suas funções por parte dos profissionais, evitando muitas vezes que estes venham a incorrer na prática de atos ilícitos. Nesse sentido, algumas instituições, como CONIMA38, CAMINAS39, CAMAF40, FEDERASUL41 vêm se ocupando em estabelecer critérios éticos para a atividade profissional do mediador e do conciliado. Contudo, acerca da Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos, em espécie, acerca da Mediação Judicial, temos como referencial normativo o CÓDIGO DE ÉTICA DE CONCILIADORES E MEDIADORES JUDICIAIS, que se encontra em seu Anexo III, da Resolução CNJ 125/2010, cujas definições encontram na própria resolução e podem ser consultadas no ANEXO XVII deste trabalho. Verifica-se a transcrição do referido código no teor do material expositivo. Entretanto, para melhor visualização e análise, vamos destacar resumidamente os objetivos, princípios e condutas previstas no Código. Na parte introdutória observa-se que a finalidade do referido código identifica-se como objetivo do Conselho Nacional de Justiça no sentido de: Assegurar o desenvolvimento da Política Pública de tratamento adequado dos conflitos e a qualidade dos serviços de conciliação e mediação enquanto instrumentos efetivos de pacificação social e de prevenção de litígios, institui o Código de Ética, norteado por princípios que formam a consciência dos terceiros facilitadores, como profissionais e representam imperativos de sua conduta.

O artigo 1.º trata dos princípios e garantias que regem a atuação dos facilitadores na prática da conciliação e da mediação judicial, quais sejam: Confidencialidade, Competência; Imparcialidade; Neutralidade; Independência; Autonomia; Respeito à ordem pública e as leis vigentes.

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38

Ver: http://www.conima.org.br/codigo_etica_med. Acessado em 12.05.2014

39

Ver: www.caminas.com.br/normas/ Acessado em 12.05.2014

40

Ver: http://www.camaf.com.br/a-camara/a-camara-codigo-de-etica. Acessado em 12.05.2014

41

Ver: http://www.federasul.com.br/camara/camaraCodigoEtica.asp. Acessado em 12.05.2014

O artigo 2.º ocupa-se de instituir regras que regem o procedimento de conciliação/mediação,

como

normas

de

conduta

a

serem

observadas

pelos

conciliadores/mediadores para seu bom desenvolvimento, permitindo que haja o engajamento dos envolvidos, com vistas à sua pacificação e ao comprometimento com eventual acordo obtido, sendo elas: Informação; Autonomia da Vontade; Ausência de obrigação de resultado; Desvinculação da profissão de origem; Teste de Realidade. As responsabilidades e sanções dos mediadores estão normatizadas entre os artigos 3.º e 8.º, definindo que somente mediadores e conciliadores capacitados e cadastrados pelo Poder Judiciário poderão atuar como conciliadores e mediadores judiciais, cabendo a cada tribunal regulamentar a atividade (1), a atividade de mediador e conciliador dever ser exercida com lisura, devendo assinar o termo de compromisso no início do exercício e submeter-se às orientações do respectivo juiz coordenador (2), os conciliadores e mediadores estão vinculados aos mesmos motivos e procedimento de impedimento e suspeição dos juízes (3), o conciliador/mediador está absolutamente impedido de prestar serviços profissionais, de qualquer natureza, pelo prazo de dois anos, aos envolvidos em processo de conciliação/mediação sob sua condução (4), O art. 8.º estabelece que qualquer pessoa que tenha conhecimento que algum conciliador/mediador tenha alguma conduta inadequada poderá representá-lo ao Juiz Coordenador e apurado o descumprimento de quaisquer dos princípios e regras prescritas e ou

condenação

definitiva

em

processo

criminal

ocorrerá

à

exclusão

do

conciliador/mediador do respectivo cadastro e no impedimento para atuar nesta função em qualquer outro órgão do Poder Judiciário nacional.·. Outra atividade prevista na Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos é a supervisão. Conforme se depreende do material expositivo, a supervisão deve se dar em um ambiente de apoio onde o mediador possa discutir, abertamente, e refletir sobre questões da prática pessoal, questões relativas ao seu ambiente de trabalho e relacionamento. Nesta oportunidade, o desenvolvimento de metas profissionais e pessoais do mediador podem ser monitoradas e aperfeiçoadas, a prática da supervisão de mediadores deve identificar pontos fortes e fracos e situações de aprendizagem; se beneficiar da

85

experiência, percepção e juízo de alguém que é imparcial e tem conhecimento na área (Idem). Contudo, Azevedo et al define como papel dos supervisores: Participar como comediador nas primeiras sessões do supervisionado e manifestar-se apenas quando o supervisionado tiver alguma dificuldade(...) que não sejam encaminhados casos de alta complexidade ao novo mediador, tendo em vista que em casos de maior complexidade o supervisor acabará tendo que atuar de maneira mais efetiva, diminuindo a possibilidade de aprendizado do supervisionado. (...) Observar o supervisionado comediando com outro novo mediador (...). Estabelecer um encontro de supervisão ao final de cada sessão (Idem, p. 257).

Ainda, segundo o Manual, alguns programas de mediação judicial sugerem algumas práticas para o encontro de supervisão, com diversas recomendações que vão desde elogios ao supervisionados à priorização de número limitado de pontos ou temas a serem tratados, recomendação de treinamentos42.

42

Podemos verificar no manual exaustivas recomendações como: Após as sessões, antes de iniciar o encontro de supervisão, recomenda-se uma pausa para descansar (...) utilizar esta oportunidade de organizar seus pensamentos e ponderar sobre os desafios identificados na mediação (...) Marcar a transição psicológica com mudanças ambientais ou de vestuário – retirar o paletó ou mudar os assentos (...) Fazer a reintrodução da finalidade do encontro de supervisão (ou trabalho reflexivo – também chamado de briefing) (...) Se o novo mediador aparenta apreensão, deve-se reconhecer que a avaliação é difícil para todos e que é uma experiência valiosa para o mediador, o supervisor e para o programa de mediação (...) foco no comportamento e na técnica do mediador (...) e não na pessoa ou suas características pessoais. O supervisor deve se expressar de forma que o novo mediador aceite seus pontos de vista e não se comporte de forma defensiva (...) No início da supervisão o novo mediador (supervisionado) apresente suas perspectivas e opiniões sobre o que ocorreu na mediação. Este incentivo faz com que o supervisionado sinta-se seguro para espontaneamente abordar os aspectos mais delicados da mediação realizada (...) Caso estes não venham a ser naturalmente apresentados pelo supervisionado o supervisor terá mais legitimidade, aos olhos daquele, para abordá-los (...) Frequentemente, a resposta refletirá algo que o próprio supervisor notou e poderá facilitar a discussão como crítica construtiva (...) Ao elogiar o supervisionado deve-se indicar a razão do elogio (o efeito positivo da ação). O elogio acompanhado de uma pergunta sobre a técnica utilizada também facilita a supervisão (...) comecem os encontros de supervisão com os pontos positivos da mediação e se evite perguntas que soem como um desafio. Ao simplesmente substituir a conjunção 'porque' por 'o que' ou 'como' e inserir o contexto já permite que o supervisionado perceba com mais facilidade a intenção de auxílio do supervisor (...). o supervisor deve priorizar alguns pontos (ou temas) para a supervisão – recomenda-se de três a cinco pontos – por sessão da mediação. Uma lista longa e dispersada pode diluir a importância de alguns pontos mais importantes (...) Sugere-se também que se faça um esboço inicial dos pontos a serem debatidos com o supervisionado para que este tenha algum entendimento sobre o contexto e os limites da interação com seu supervisor (...) durante o encontro de supervisão deve-se identificar a ação ou o comportamento ocorrido na mediação

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de forma mais específica possível – preferencialmente ligando-a a um contexto (...) Ao registrar a ação, comportamento ou técnica que o mediador poderia adotar de forma precisa auxilia a reduzir a ambiguidade do discurso ao mesmo tempo em que claramente se sinalizam os pontos de aprendizado que foram identificados (...) A proposta principal do encontro de supervisão consiste em auxiliar o novo mediador a identificar as oportunidades de melhoria em suas técnicas e habilidades de mediação (...) Antes de questionar uma ação ou conduta do novo mediador sugere-se que o supervisor pergunte ao supervisionado sua perspectiva ou sua estratégia para adotar determinada orientação durante a mediação... Recomenda-se evitar uma palestra ou monólogo por parte do supervisor (...) Se durante a mediação o supervisor – atuando como comediador – teve que intervir na mediação em razão de uma pergunta ou ação do novo mediador, aquele deverá debater no encontro de supervisão a estratégia do novo mediador e perguntar o que este percebeu na sua intervenção durante a mediação (...)Recomenda-se que o supervisor demonstre, quando relevante, como conduziria diferentemente a mediação e porquê. Se a conduta ou técnica do mediador puder ser interpretada como uma orientação ou estilo pessoal, o supervisor deve apresentar as possibilidades de atuação para que o novo mediador adote a que mais lhe parece eficiente (...) O supervisor deve ser franco e abordar todos os pontos substanciais da mediação. Frequentemente a abordagem de algum ponto na supervisão mostra-se delicada ante aspectos sociais, culturais ou comportamentais do supervisionado (e.g. discurso inoportuno do novo mediador, vestuário impróprio ou mau hálito). Os supervisores têm uma responsabilidade quanto ao novo mediador, aos usuários e ao próprio programa de mediação. A omissão de pontos delicados não se mostra uma opção eficiente na mediação. Dependendo da orientação do supervisor, pode-se recomendar treinamento adicional ou a não certificação do mediador (...) A supervisão deve ser um momento de identificação de oportunidades de melhoria. Para tanto o uso de histórias e humor podem auxiliar a oportunidade de aprendizado do novo mediador (...) Se um assunto é importante a ponto de merecer uma crítica construtiva também o é a ponto de receber um detalhamento contextual. É insuficiente dizer meramente, “eu gostaria que você melhorasse a sua recontextualização" (...) indicar como a recontextualização poderia ter sido realizada. O supervisor pode inclusive recomendar um exercício de recontextualização (...) O supervisor pode apresentar também alternativas hipotéticas quanto à orientação ou técnica utilizada na mediação... Alguns supervisores costumam realizar trocas de papéis com os novos mediadores como forma de explorar essas alternativas hipotéticas (...) O discurso do supervisor deve ser positivo e estabelecer linha de aproveitamento dos pontos incluídos na supervisão (...) que o supervisor evite absolutos como 'sempre' ou 'nunca'. A mediação como um processo de elevada flexibilidade procedi- mental comporta uma série de orientações estratégicas distintas (...) Se houve alguma prática particularmente ineficiente do novo mediador na mediação em concreto, mostrase útil que o supervisor indique em que contextos tal prática seria recomendável e qual outra prática seria sugerida para o caso concreto (...) Se um supervisionado aparentar frustração ou defensividade durante o encontro de supervisão, recomenda-se que se separe um tempo para discutir reservadamente com o novo mediador aqueles sentimentos, esclarecendo o processo de supervisão(...) Se o supervisor tiver participado da mediação como comediador e houver algum ponto que possa ser indicado como uma oportunidade de melhoria do próprio supervisor, recomenda-se que se indiquem tais pontos exatamente para que o novo mediador também se sinta confortável em identificar falhas ou oportunidades de melhoria. Recomenda-se transmitir aos supervisionados que a mediação é um processo tão rico e complexo que nem o mediador mais experiente passa por mediação sem aprender a mediar melhor – apenas quem tem uma posição defensiva ou de insegurança é que acredita que não precisa (ou pode) mais melhorar (...)encerre o encontro de supervisão com um comentário

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Azevedo et al sugerem ainda a adoção de um formulário (ANEXO IX) para auxiliar a tarefa de supervisão. Conforme verifica-se no referido anexo, o formulário é um checklist das orientações acima, utilizado com o objetivo de auxiliar o supervisor e padronizar o procedimento (Idem, p. 262). A remuneração também é um tópico tratado no curso de capacitação, na época, o artigo 152 do projeto do novo CPC, assim como o artigo 7º da Resolução CNJ 125/2010, previa esta possibilidade, contudo até o momento não houve regulamentação efetiva, O material expositivo, de acordo com o Manual de Mediação Judicial (Idem), elenca, como papel do Conciliador Judicial: 1. abrir e conduzir a sessão de conciliação, promovendo o entendimento entre as partes e redigir os termos do acordo; 2. não dizer o direito, não ouve testemunhas e não discute documentos e provas; 3. trabalhar com propostas, objetivando encontrar um meio termo que deixe ambas as partes satisfeitas e pacificadas; 5. proceder com atenção, paciência, concentração, disciplina, autocontrole e preocupação verdadeira e efetiva com a pacificação social. Em relação ao Mediador Judicial, segundo o Azevedo et al (Idem) as seguintes atribuições: 1.abrir e conduzir a sessão de mediação, sob a supervisão do Juiz togado, promovendo o entendimento entre as partes; 2. redigir os termos de acordo, submetendo-os à homologação do Juiz togado; 3. certificar os atos ocorridos na sessão de mediação; 4. controlar a comunicação entre as partes, não permitindo que ela se realize de maneira ineficiente; 4. reduzir a termo os pedidos das partes, em conformidade com o que ficar acertado com o Juiz. Atinente aos princípios e condutas dos Mediadores Judiciais, destacou-se: 1. Respeitar a autodeterminação das partes; 2. Conduzir-se com imparcialidade; 3. Manter a confidencialidade; 4. Ter a qualificação necessária para atender às expectativas das partes (Competência); 5. Conduzir o processo de maneira justa e diligente; Ainda, observa-se a preocupação com o bom relacionamento entre o juiz e o mediador/conciliador, ainda mais no caso em que há um vínculo mais estreito de trabalho, positivo. O reforço positivo para estimular o supervisionado a se sentir realizado, apreciado e que fez uso da oportunidade de aprendizado consiste em um importante papel do supervisor que reflete na qualidade das mediações judiciais e do próprio programa de mediação (Idem, 257 – 262).

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devendo o mediador/conciliador procurar orientação sobre como o Juiz prefere trabalhar e qual o estilo dos atos. Ainda, deve-se buscar um relacionamento cooperativo e respeitoso com os Promotores, Defensores Públicos e Advogados, observando a experiência dos advogados como um fator que pode facilitar o processo autocompositivo, sendo importante a participação dos advogados como uma forma de assegurar às partes seus direitos. Por outro lado, conforme depreende-se do material expositivo, o Manual de Mediação Judicial (Idem, pp. 239-240), prescreve algumas situações e condutas que os mediadores/conciliadores devem estar preparados para contornar dificuldades como: 1. Ânimos exaltados a) Expressão de emoção – ofereça um copo de água às duas partes e pergunte se precisam de uma pausa. b) Exaltação agressiva – o conciliador não deve permitir que as partes sejam verbalmente agressivas ou tomem atitudes como interromper a fala da outra ou gritar. 2. Caso haja agressão física, recomenda-se que o conciliador/mediador acione o serviço de segurança. a) Em situações de embriagues, orienta-se que a mediação não deve prosseguir. Neste caso deve a parte ser informada que em razão do fato a sessão será redesignada. Caso isso volte a ocorrer, recomenda-se marcar uma outra data para audiência de instrução e julgamento, na qual a proposta de conciliação será realizada pelo próprio Juiz. b) Em caso de porte de arma, o mediador deve instruí-la a deixar a arma na Secretaria do Juízo ou na portaria do edifício, de acordo com a orientação do Juízo. Algumas vezes, policiais “fora de serviço” costumam comparecer armados, o que justifica a recomendação. Caso este porte de arma seja ilegal a autoridade policial deve ser contatada.

3.6 Escolas de mediação Nesta aula nos dedicamos a conhecer os modelos mais comuns de medição, qual seja: 1. Mediação Satisfativa ou de Harvard; 2. Transformativa; 3. Circular-narrativo; 4. Avaliativo. Carlos Eduardo de Vasconcelos (2008) classifica estes quatro modelos em dois grandes grupos, sob o critério “foco”: 1. Modelos focados no acordo, em que estão contidos a (a) Mediação Satisfativa e; (b) Conciliação, sob a égide dos preceitos de negociação cooperativa baseada em princípios, desenvolvidas pela Escola de Harvard; 2.

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Modelos focados na relação, que abrangem: (a) Mediação Circular-Narrativa; (b) Mediação Transformativa (Idem, p. 73). 3.6.1 Modelos Focados no acordo A característica comum das mediações focadas no acordo é estarem baseadas na negociação cooperativa, com preceitos, conceito e procedimentos desenvolvidos pela Escola de Harvard, como: 1) “posição” (atitude polarizada e explícita dos disputantes) e “interesses” (subjacentes e comuns, embora contraditórios ou antagônicos, a serem identificados); 2) técnicas de criação de opções para a satisfação dos interesses identificados; 3) a necessidade de observação dos dados de realidade ou padrões técnicos, éticos, jurídicos ou econômicos; 4) a importância de separar o conflito subjetivo (relação interpessoal) do conflito objetivo (questões concretas) (Idem).

Ainda segundo Vasconcelos, estas técnicas foram desenvolvidas na década de 1950/1960, com a finalidade de contribuir para impasses entre EUA e URSS, em que o foco era conflitos objetivos, concretos em busca de acordos negociados, dentre os saberes utilizados estão: 1. Psicanálise; 2. Linguística sobre a comunicação e construção do discurso, com vistas a melhor compreensão do manifesto e do Subjacente. Estas técnicas e métodos se desenvolveram no decorrer do tempo até resultarem na mediação satisfativa, de acordo ou tradicional. Com origem no campo empresarial, foi desenvolvida em 1991 por Fisher, Uri e Patton. Está baseada em princípios que buscam propiciar a cooperação em detrimento da competição e centra-se na satisfação individual das partes através do acordo. (VASCONCELOS, 2008; SPENGLER; NETO, 2010). Conforme a natureza da relação interpessoal, a negociação pode ser integrativa ou distributiva: O modelo integrativo é aquele, normalmente, adotado nas parcerias, alianças, relações de interdependência, em que manter ou conseguir um relacionamento de longa duração é importante. O modelo distributivo é o adotado nas negociações episódicas, sem perspectiva de geração de rede ou parcerias, alianças, relações de interdependência, etc. A mediação seria um terceiro modelo de negociação cooperativa, denominado negociação com apoio em terceiros (VASCONCELOS, 2008, p. 74).

Neste método, os participantes são solucionadores de problemas. A meta é um resultado sensato, atingido de maneira eficiente e amigável.

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As técnicas de negociação adotadas na Mediação Satisfativa têm como base a obra "Como Chegar ao Sim”, de Fisher, Uri e Patton (FISHER et al, 2005). Do material expositivo destacam-se as seguintes recomendações: 1. Separe as pessoas do problema: Seja afável com as pessoas e áspero com o problema; proceda independentemente da confiança; 2. Concentre-se nos interesses e não nas posições: Explore os interesses; evite ter um piso mínimo; 3. Invente opções de benefícios mútuos: Desenvolva opções múltiplas dentre as quais escolher; decida depois; 4. Insista em critérios objetivos: Tente chegar a um resultado baseado em padrões independentes da vontade. Raciocine e permaneça aberto à razão; ceda aos princípios e não às pressões.

Conforme vimos, na 2.ª aula, as técnicas desenvolvem-se sob os fundamentos da inteligência emocional e a inteligência social de Goleman. Apesar de muitos autores e mediadores se esforçarem para distanciar a mediação da conciliação, segundo Vasconcelos (op. cit.), A exemplo do que ocorre em qualquer negociação mediada por um terceiro imparcial, na Conciliação, o conciliador é esse terceiro que media, procurando obter o entendimento entre as partes. Portanto, conciliação é mediação. Com efeito, não é o nome que se dá a um instituto o que caracteriza a sua natureza, mas é a sua natureza aquilo que o caracteriza. A natureza da conciliação é a da mediação de conflitos. O que a distingue de outros modelos de mediação não é a sua natureza, mas as suas particularidades, ou algumas das suas particularidades procedimentais (Idem, p. 78).

Isto é, a mediação e a conciliação tem a finalidade de obter o entendimento entre as partes em conflito, cabendo apenas distingui-las por suas particularidades procedimentais, nesse sentido a conciliação é uma espécie do gênero mediação (Idem). Assim, o modelo de mediação focado no acordo, denominado conciliação é fruto de uma tradição do direito, que ficou agregada ao sistema oficial de administração da justiça, com seus procedimentos específicos, que o fazem distinto de outros modelos de mediação (Idem, p. 79). Portanto, segundo Vasconcelos, as particularidades procedimentais da conciliação consistem em um procedimento adotado em complemento ao processo judicial, pelo próprio julgador ou por pessoa autorizada, a serviço daquele juízo (...) modelo focado no acordo, aproximando-se, nesse aspecto, da mediação satisfativa (...) os conciliadores não são escolhidos ou, de algum modo, submetidos a um juízo de aceitação pelas partes envolvidas, pois já estão pré-determinados naquela função (...) exercerem uma ascendência hierárquica durante as sessões, reduzindo as possibilidades do protagonismo (...); não prevê entrevistas prévias ou incidentais, em separado (...) os conciliadores – naquela situação de ascendência hierárquica

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do ambiente judicial – aconselham, advertem e induzem as partes ao acordo (...) (Idem).

Assim, apesar de obedecer a paradigmas não recomendados pelos novos preceitos da mediação como distinções hierárquicas, interferências indutoras, pressões e advertências para forçar um acordo, a conciliação é recomendada para disputas pontuais, entre pessoas sem vínculos continuados, como as demandas de consumo dos juizados especiais, em que as questões relacionais não são prioritárias, pois o que está em tela são questões materiais e objetivas. 3.6.2 Modelos Focados na relação Neste modelo, temos: a) Mediação Circular-Narrativa e; b) A Mediação Transformativa. 1. Mediação Circular-Narrativa Conforme material expositivo, o modelo circular-narrativo, segundo Sara Cobb, dá ênfase à comunicação e procede na desestabilização das histórias atuais, criando possibilidade de construção de novas histórias. As perguntas informativas e as perguntas desestabilizantes ou modificadoras se apresentam como técnicas no material expositivo, que assim as definiu: 1. Perguntas informativas: Viabilizam um melhor conhecimento dos saberes dos mediandos e ajudam a esclarecer aspectos das informações recebidas; 2. Perguntas desestabilizantes ou modificadoras: Promovem a reflexão sobre o conteúdo da disputa e da relação; ajudam a produzir novos questionamentos; incentivam o protagonismo das partes; auxiliam na compreensão da interdependência dos fatos e destes com o conflito como um todo (visão sistêmica).

Segundo Spengler e Spengler Neto (op. cit.) a Mediação Circular-Narrativa foi criada por Sara Cobb e Marinés Suares e constitui um modelo de mediação voltado essencialmente ao campo da família, pois resgata a teoria da comunicação e técnicas utilizadas em terapias familiares. Assim, procura-se descontruir velhas narrativas, dando a oportunidade de construção de novas narrativas para o surgimento ou não de acordos (Idem, pp. 95-96). Conforme define Vasconcelos (op. cit.), a Mediação Circular-Narrativa é um processo criativo,

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decorrente da agregação ao modelo satisfativo, tradicional, de Harvard, de aportes da teoria geral dos sistemas, muito especialmente da terapia familiar sistêmica, da cibernética de primeira e segunda ordem, da teoria do observador, da teoria da comunicação, da teoria da narrativa, etc. Nesse modelo, a obtenção do acordo deixa de ser o objetivo prioritário para se tornar uma possível consequência do processo circular-narrativo. (Idem, p. 80)

A partir da tarefa do mediador de desestabilizar histórias, com vistas a possibilitar a criação de novas histórias, segundo Vasconcelos, Marinés Soares sugere que as técnicas devem ser aplicadas sempre com a perspectiva de que é mais importante a sua assimilação pelos mediandos do que a sua mera aplicação. De que adianta uma reformulação, uma conotação positiva, etc., se estas forem rechaçadas pelos mediandos (Idem, p. 81)? Recomenda quatro conjuntos de técnicas que servem de referencial para o modelo circular-narrativo, classificadas pela autora da seguinte forma: 1. Microtécnicas (aplicadas sobre o aspecto inicial das narrativas); 2. Minitécnicas (aplicadas sobre desdobramentos mais amplos das narrativas, mas ainda não sobre a sua totalidade); 3. Técnicas propriamente ditas (que permitem a construção da história alternativa desestabilizadora das histórias prévias) e. 4. Macrotécnicas (confluência de todas as técnicas no encontro de mediação) (Idem).

Vasconcelos destaca como particularidade mais marcante do modelo circularnarrativo, a possibilidade de desconstrução ou desestabilização das narrativas iniciais, que tem como recurso as perguntas de esclarecimento e de desestabilização, vejamos: Desde a primeira reunião conjunta, logo após os esclarecimentos e recomendações iniciais, o mediador solicita a apresentação de alternativas, já trabalhando a circularidade e a interdependência. A meta inicial do mediador e as suas primeiras frases devem estar voltadas para definir a questão como um problema compartilhado, na perspectiva de que a mediação é uma oportunidade para trabalhar sobre os problemas. Aqui não se destaca o problema relacional do substantivo, mas o problema em sua complexidade sistêmica. Outra particularidade é que as reuniões privadas ou individuais constituem etapas e não meras possibilidades ditadas pelas circunstâncias do caso, como ocorre em outros modelos (Idem, p. 84).

Portanto, verifica-se nessa dinâmica a preocupação de dar maior fluência na comunicação dos envolvidos para que as técnicas da Escola de Harvard sejam assimiladas na pratica conversacional das partes e não apenas como ferramentas do mediador, conforme já salientado, a finalidade principal é propiciar-nos narrativas acerca do problema, buscando que as partes conjuntamente desconstruam a antiga história e reconstruam uma nova história compartilhando horizontes. 2. Mediação Transformativa

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Ao falarmos de mediação transformativa, que tem como teóricos e entusiastas os pesquisadores americanos Robert A. Baruch Bush e Joseph P. Folger consiste num modelo que, a partir da revisão de teorias e experiências dos modelos da Escola de Harvard, assim como da mediação sistêmica, com técnicas da terapia sistêmica de família, aproximar a mediação dos novos paradigmas da ciência, que busca a compreensão da realidade, admitindo a complexidade, a instabilidade e a intersubjetividade enquanto dimensões da mesma (Idem, 85). Voltada a maior ênfase para a comunicação, a mediação transformativa incorporou técnicas que possibilitassem o aperfeiçoamento da escuta do mediador, da investigação e, ainda, a utilização da reformulação, através de técnicas como paráfrase, de perguntas e resumos direcionados a aprimorar a comunicação e transformar os pontos de vistas dos mediandos em relação às questões objeto do conflito (Idem). A importância da pré-mediação, dos conceitos e procedimentos é reforçada para incrementar as posições, escutas, questionamentos, apropriações, prevalência do aspecto intersubjetivo do conflito, resumos, integrações, interesses, opções, dados de realidade e acordos subjacentes (Idem). Bush e Folger propõem, através da mediação transformativa, uma alternativa à mediação orientada para acordos, predominante nos EUA, cuja principal influência tem origem na Escola de Harvard. A maior motivação da mediação transformadora é garantir que o objetivo principal da mediação seja a transformação da espiral crescente do conflito para um processo cooperativo, de empoderamento e reconhecimento mutuo ao invés de reduzir seu objetivo principal para a busca do acordo (Idem). Nas palavras de Folger (2008) a mediação transformativa busca responder três preocupações que surgiram a partir da evolução da prática da mediação nos EUA e em outros países, que podem se resumir em três questões que surgiram nos últimos quinze anos: A prática da mediação oferece realmente um processo alternativo de intervenção de conflitos? (...) Os mediadores exercem a mediação com um propósito claro(..)

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A mediação pode preservar sua capacidade própria como espaço não-adversarial de intervenção de conflitos? (Idem, pp. 7 – 9)43

A primeira preocupação, segundo Folger, surgiu tendo em vista que à medida que a expansão da prática da mediação foi difundida nos diversos setores de resolução de disputas nas décadas de 1980 e 1990, diversas pesquisas documentavam que (Idem, p. 8). 1. A prática mediação estava se assemelhando às práticas que esta propunha ser uma alternativa; 2. Os mediadores estavam se tornando diretivos e críticos na intervenção da disputa entre as partes, determinando os temas que poderiam ser discutidos e os termos do acordo alcançado; 3. Em muitas ocasiões os interesses das partes eram ignorados pelos mediadores, limitando a expressão de emoções por parte das partes; 4. Em muitas ocasiões o controle dos mediadores tinha a finalidade de direcionar as partes a um acordo, mesmo que resultasse em obrigações que as partes relutavam a aceitar. A segunda questão se refere à diversificação das maneiras de atuar dos mediadores, conforme os diferentes objetivos implícitos de cada mediador, originando diferentes enfoques práticos, levando a certa disponibilidade do campo a ignorar questões críticas relacionadas às metas da mediação, como: a) diferentes expectativas acerca do que contempla a mediação; b) diferentes concepções do que é uma mediação exitosa e o que deveria ser valorizado e; c) diferentes visões do quanto é apropriada, aconselhável e, inclusive, ética as condutas do mediador (Idem, p. 7). Contudo, adverte Folger, muitos experts do campo negligenciam temas como os objetivos e metas da mediação e se ocupam a apoiar uma visão míope e irreflexiva sobre a prática, orientando os mediadores a dominar uma série de habilidades de intervenção, sem reconhecer o vínculo de tais habilidades com os objetivos pelos quais elas foram formuladas. Mediadores e formadores utilizam a metáfora da “caixa de ferramentas” para orientar o desenvolvimento de tais habilidades (Idem).

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Todas as citações diretas e indiretas foram objeto de tradução livre do autor.

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Esta metáfora se apoia na crença de que os profissionais deveriam agregar continuamente novas “ferramentas” em sua “caixa” mediante aprendizado de estratégias individuais e descontextualizadas. Este enfoque é visto de maneira positiva, pois possibilita que o mediador extraia uma série de propostas de intervenção para usá-las nas mais diferentes situações ou eventos que ocorram nas sessões de mediação (Idem). Contudo, a preocupação com a utilização de tal metáfora e o tipo de mediação que esta gera é que se pode negligenciar que a ferramenta deve estar sempre vinculada ao propósito que foi criada, pois as habilidades podem ser usadas por diferentes propósitos, implícitos ou explícitos, e isto depende das metas do profissional que as dispõe (Idem). A mediação transformativa se encarrega de ressaltar a necessidade imperiosa de clarificar os objetivos implícitos das práticas na mediação. O fator transformativo se baseia num objetivo ideológico manifestado claramente para a prática da mediação, os mediadores devem demonstrar um conjunto de habilidades específicas de intervenção que só podem ser usadas em coerência com a execução do objetivo transformativo explicitado (Idem). A terceira preocupação acerca de preservar a capacidade da mediação enquanto um espaço não adversarial de intervenção nos conflitos, faz com que a mediação transformativa se ocupe de definir e preservar as capacidades próprias do processo de mediação em si mesmo, pois quando a mediação replica ou tentar buscar os mesmos resultados dos métodos adversariais, a mediação perde ou transforma seu potencial único. Quando a mediação se propõe a ser simplesmente uma via eficaz para dirimir conflitos, esta atividade sempre pode ser superada por outros processos adversariais, os quais podem servir de forma mais efetiva para alcançá-lo os objetivos de eficácia e encerramento dos conflitos (Idem). Segundo Vasconcelos (op. cit.), a capacitação e a empatia são o foco inicial da mediação transformativa. A apropriação (capacitação e autoafirmação) dos mediandos contribui para que os mediandos (pessoas, grupos e comunidades) recuperem reflexivamente sua posição de atores e seu poder de restaurativo, afastando-se de modelos em que um “expert” decide, concede poder às pessoas “objeto” (Idem, p. 85). Bush e Folger, segundo Vasconcelos (Idem), lembram que:

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nos anos setenta, estudiosos de vários campos do conhecimento, incluindo as ciências políticas e o direito, foram percebendo que a visão individualista do mundo, que definiu e circunscreveu o papel das nossas instituições, estava sendo substituída por uma visão relacional, que sugere a importância de se desenvolver instituições com papéis ampliados, social, cultural e ecologicamente. Instituições enquanto instrumentos não apenas para a proteção dos direitos e liberdades individuais, mas também para o desenvolvimento da comunidade cívica e interconexão humana (Idem, pp. 85-86).

A busca pelo desenvolvimento da visão relacional, conforme se verifica desde de "A promessa da Mediação" (BUSH; FOLGER, 1994), tem a finalidade de romper com certa ideologia individualista, presente nas práticas de mediação nos EUA. Assim, a mediação transformativa, passou a mostrar a possibilidade de uma abordagem que permite e ajuda as partes a aproveitarem as oportunidades que o conflito apresenta para a capacitação (autodeterminação) e empatia (reconhecimento) (Idem, p. 86). Vasconcelos acentua que, para os autores, o enfoque na capacitação (autodeterminação) consiste na observância de pontos do procedimento que os mediandos teriam a possibilidade de se apropriarem para maior clareza em relação aos seus objetivos, recursos, opções e preferências. Cabe ao mediador ir trabalhando com essas oportunidades, por intermédio do apoio aos processos mentais e emocionais dos próprios mediandos em direção ao esclarecimento e à tomada de decisões (Idem). O enfoque na empatia (reconhecimento) se caracteriza na medida em que o mediador observa em que medida os mediandos enfrentam a consideração da perspectiva, pontos de vista e experiências do outro. E o mediador vai trabalhando para o estímulo dos esforços de compreensão integradora (Idem). O potencial transformativo deste método está na possibilidade de permitir aos mediandos a oportunidade de desenvolver e integrar suas capacidades de autodeterminação e responsividade aos outros. A autodeterminação e o reconhecimento ao contrário de compor uma dualidade, integram uma circularidade que passa pelo pressuposto necessário da interação. Ao investir na integração dos envolvidos, a mediação pode possibilitar a construção de oportunidades para o rompimento dos padrões relacionais e transformar a natureza destrutiva do conflito. Identificar a natureza da interação é o caminho para a identificação dos interesses, expectativas e valores comuns subjacentes. Assim, as perguntas a serem formuladas pelo mediador devem ser apenas relacionais (Idem).

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A mediação opera a ética de alteridade, enquanto acolhimento da diferença que o outro representa na relação e no mundo da vida, incidindo sobre um fenômeno circular e dialético, que nasce da relação, substancializa-se pela autodeterminação e se integra, construtivamente, pelo reconhecimento (Idem). Vasconcelos observa que, segundo Stephen Littlejohn e Kathy L. Dominic, o mediador deve aprender a pensar na disputa em termos sistêmicos, contemplando abordagens múltiplas: (...) os mediadores precisam procurar conexões. Os eventos na disputa devem ser vistos como parte de algum padrão maior. E nunca há apenas um padrão. O que está ocorrendo entre pessoas e não é criação de apenas uma delas. Portanto, o argumento de um mediando é parte de um episódio; é parte de uma relação ou de uma série de interações que, juntas, definem o self da relação, produto inacabado de muitos padrões; (...) devem observar as regras implícitas em cada um desses padrões. Como em gramática, as afirmativas que fazem parte de um sistema de interações incluem um vocabulário de direitos, deveres, obrigações, proibições, possibilidades, etc. Essas regras, esses códigos de conduta, dão forma e estrutura à realidade que vai sendo criada e, ao mesmo tempo, constituem um indicativo de como se comportar em cada situação; (..) perceber que esses padrões, regras e códigos de conduta estão situados num contexto ou conjunto de contextos. O conjunto de regras pode variar de um contexto para outro, que podem estar relacionados a outros contextos. É importante observar de que forma esses contextos se relacionam, se reforçam ou se repelem. (...) perceber que um sistema de interações constitui ações interligadas, e deve observar como uma ação se liga à outra. (...) ter em conta que os eventos de um sistema são cíclicos e refletem uns aos outros. Não se deve assumir determinado ponto de vista a respeito de um sistema com base em padrões causais simples. Será necessário compreender os circuitos causais complexos em sua causalidade mútua (Idem, p. 87 – 88).

Questionamentos e intervenções apreciativos, que estimulem a expansão de contextos, contribuem para que o mediador ajude os mediandos a perceberem esses eventos e a ultrapassarem padrões de interação repetitivos e salubres (Idem, p. 88). Diferentemente do modelo circular-narrativo, baseado na desestabilização ou desconstrução das narrativas iniciais, o modelo transformativo tem como meta: 1. ... a superação das posições iniciais dos mediandos e o respectivo padrão relacional, mediante a capacitação ou autoafirmação dos mediandos; 2. ... as escutas e perguntas de esclarecimento ou de contextualização estão voltadas para o “empoderamento” e não, diretamente, para a desestabilização; 3. ... 3. ... o protagonismo dos mediandos vai-se ampliando à medida que vai sendo reconstruída a sua autoestima; 4. O mediador se legitima, não como um técnico, mas como um colaborador desse processo; 5. A capacitação e consequente protagonismo responsável dos mediandos vão reforçando as possibilidades de contextualização e empatia;

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6. O problema relacional e o problema material são considerados em seu conjunto, mas sujeitos a abordagens distintas, com prioridade para a superação dos bloqueios emocionais que estejam a comprometer a comunicação.

Apesar do material expositivo não contemplar a mediação transformativa, verificou-se tanto na exposição das formadoras, quanto na prática da mediação, que este modelo traduz um meio termo entre as técnicas da Escola de Harvard e do Modelo Circular-Narrativo, constituindo princípios e objetivos distintos de ambos. 3.7. Negociação Nesta aula nos ocupamos com a definição de negociação enquanto uma característica: 1. Humana; 2. Universal e; 3. Positiva, que praticamos naturalmente desde o início de nossas vidas. Nesse sentido, busquei definições complementares e não excludentes de negociação nos referenciais teóricos apresentados no curso. O primeiro referencial teórico é dos autores Fisher, Ury e Patton, segundo os autores da obra Como Chegar ao Sim (FISHER, R et al., 2005), sugerem que negociar é um meio básico de conseguir o que se quer de outrem. É uma comunicação bidirecional concebida para chegar a um acordo, quando você e o outro lado têm alguns interesses em comum e outros opostos (Idem, p. 17). Os autores observam que as pessoas descobrem-se em um dilema. Percebem duas maneiras de negociar: com afabilidade e com aspereza e procede a seguinte distinção: O negociador afável quer evitar conflitos pessoais e, desse modo, faz concessões prontamente para chegar a um acordo. Ele quer uma solução amigável, no entanto, acaba frequentemente explorado e sentindo-se amargurado. O negociador áspero encara qualquer situação como uma disputa de verdade na qual o lado que assume as posições mais extremadas e resiste por mais tempo obtém os melhores resultados (…) Outras estratégias padronizadas de negociação situam-se entre o áspero e o afável, mas cada qual envolve uma tentativa de barganha entre conseguir o que se quer e ficar bem com as pessoas (Idem, p. 18)

Indicam haver uma terceira forma de negociação nem áspera, nem afável, mas antes áspera e afável que denomina o método de negociação baseada em princípios, desenvolvido no Projeto de Negociação de Harvard, que consiste em decidir as questões a partir de seus méritos, e não através de um processo de regateiro centrado no que cada lado se diz disposto a fazer e não fazer. Ele sugere que você procure benefícios mútuos sempre que possível e que, quando seus interesses entrarem em conflito, você insista em que o resultado se baseie em padrões justos, independentes da vontade de qualquer dos lados (Idem)

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A negociação transita entre a negociação ou barganha distributiva e a negociação integrativa. Na negociação distributiva, as partes objetivam maximizar seus ganhos em relação ao objeto ou recurso em questão, os objetos e recursos são vistos sempre como limitados e o ganho de um significa a perda do outro na troca de valores, sempre havendo estratégias não explicitas para outra parte acerca dos limites da negociação (AZEVEDO, 2013, pp. 74-75). Este tipo de negociação cria o que os autores denominam ZOPA (Zona Possível de Acordo), que demarca a área de negociação positiva em que os valores máximos e mínimos formam uma margem de negociação possível para ambos os lados e determinam a viabilidade da negociação, tendo em vista que qualquer valor acima ou abaixo desta área de negociação adentraríamos em uma área de negociação negativa, cujo resultado provável é o encerramento da negociação (Idem). Azevedo (Idem) sintetiza um conjunto de atitudes mais comuns em situações de negociação em que a barganha por posição se mostra a abordagem mais evidente: • Ambas as partes percebem que as chances de vencer são altas. • Os recursos (tempo, dinheiro, benefícios psicológicos etc.) são percebidos como limitados. • Uma vitória para um lado parece requerer uma perda para o outro. • Os interesses das partes não são, ou não parecem ser, interdependentes e são contraditórios. • Os relacionamentos futuros têm uma prioridade menor que os ganhos essenciais imediatos. • As partes assumem que a barganha baseada nas posições consiste na maneira de resolver seus problemas, não estão familiarizadas com outras abordagens para a negociação ou outras abordagens são julgadas como inadequadas ou inaceitáveis (Idem, p. 77).

Este tipo de negociação é rotineiramente utilizado nos mais variados tipos de relação, das relações pessoais às relações comerciais, das domésticas às internacionais e não necessariamente a competição e a transação provocam insatisfação ou sentimento de agressão das partes. Não é o tipo de abordagem que em si que viabilizam ou não a adequada resolução dos conflitos, mas as situações as quais as características não são adequadas para adotar a abordagem por posições, gerando riscos de agravamento do conflito e criação de obstáculos em uma negociação que poderia gerar ganhos mútuos (Idem).

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A negociação integrativa vem sendo desenvolvida pela Teoria Moderna do Conflito, com a proposta de explorar o conflito como uma oportunidade de aprendizado e geração de ganhos mútuos (Idem). Segundo Azevedo, a Prof.ª Mary Parker Follet, no desenvolvimento de trabalhos junto a grupos alertava para uma nova visão do conflito como o surgimento de diferenças entre dois lados, e não necessariamente algo negativo, que deveria ser evitado a todo custo ou resolvido de forma dominadora. Suas conclusões giravam em torno da ideia de que deveríamos aproveitar a energia do atrito causado pela divergência de interesses, ideias e visões para construir novas realidades, novos relacionamentos, em patamares mais produtivos para todos os envolvidos (Idem, p. 77).

Nesse sentido, a Professora Follet sugere uma mudança na abordagem dominadora ou excessivamente concessiva de lidar com situações de conflito para uma abordagem que possibilite integrar interesses de forma construtiva. Vasconcelos distingue a negociação distributiva e a negociação integrativa nos seguintes termos: O modelo integrativo é aquele, normalmente, adotado nas parcerias, alianças, relações de interdependência, em que manter ou conseguir um relacionamento de longa duração é importante. O modelo distributivo é o adotado nas negociações episódicas, sem perspectiva de geração de rede ou parcerias, alianças, relações de interdependência, etc. (op. cit. p. 74).

O autor ainda aponta três modelos básicos de negociação, incluindo a mediação, que se diferenciam pela busca de intervenção de terceiros. São, portanto, três modelos básicos de negociação: integrativo (busca-se ampliar, expandir, o campo reconhecido como de interesses comuns); distributivo (buscase dividir ou trocar entre as partes o campo de interesses em disputa); apoiado em terceiro (busca-se um terceiro, o mediador de confiança, que possa facilitar uma solução). Na negociação integrativa se prioriza a análise de problemas e oportunidades para a tomada de decisão. É uma negociação que tem a característica de um planejamento compartilhado. Na negociação distributiva os interesses comuns estão subjacentes (Idem).

Azevedo et al orientam que nesta etapa o mediador se atente para os se atente para: Centrar-se no caso em questão, conversando, se possível, com eventual comediador (...); Buscar informações sobre o tipo de mediação que será conduzida (e. g. societária, de família ou comunitária); Não pedir às partes que façam um resumo de suas pretensões e expectativas, de modo que crie uma linguagem voltada a persuasão e não a compreensão recíproca(...); Buscar que o serviço e as formalidades do processo de mediação sejam examinados na perspectiva das necessidades do usuário, em busca da satisfação das partes (...) (AZEVEDO, pp. 110-117)

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Para atingir estes objetivos, conforme consta no Manual, autores especializados em gestão de qualidade têm dividido o planejamento em quatro modalidades de qualidade: 1. Técnica; 2. Ambiental; Social e Ética (Idem, p. 110). A preparação quanto à qualidade técnica consiste em treinamento em técnicas de mediação e a verificação de que elas estejam sendo adequadamente aplicadas pelo novo mediador no estágio supervisionado (Idem). A qualidade ambiental está relacionada à preparação do espaço físico destinado ao atendimento das partes – uma parcela desse planejamento é de responsabilidade do gestor do programa que deve providenciar um ambiente compatível com os importantes debates que ali ocorrerão (Idem). Conforme recomenda o Manual cabe ao mediador se certificar que a sala está disposta de maneira a transmitir ao usuário a mensagem de que "nos provedores do serviço apreciamos sua vinda e nos importamos com as questões que estão sendo trazidas à mediação" (Idem). A qualidade social consiste na capacidade do mediador estar atento ao trato social dirigido às partes, aproveitando a possibilidade dos efeitos positivos de uma afetuosa sensação de elevação, pela posição de mediador ser a de uma pessoa que oferece ajuda (Idem, pp. 111-112). Nessa etapa, recomenda-se que mediador deve preparar-se para: Uma recepção afetuosa em que se transmita a verdadeira intenção de auxiliar as partes; Não transmitir interesse em atingir determinado índice de acordo; Buscar um tratamento cordial e atencioso para com as partes; Contagiar o usuário com emoções que promovam o entendimento recíproco; Se preparar para encontrar partes aborrecidas, frustradas e irritadas e permanecer sereno, administrando adequadamente as comunicações em busca de transmitir serenidade às partes (Idem)

O planejamento quanto à qualidade ética consiste em buscar parâmetros mínimos de legitimidade das soluções (Idem). A qualidade ética compromete todas as outras qualidades, a partir do momento que esta não foi observada, conforme se acentuou no Manual de Mediação Judicial, ainda que as partes tenham chegado a um consenso e tenham mencionado que gostaram do tratamento que lhes foi dispensado e do ambiente em que se realizou a mediação, se houve comprometimento ético (e.g. uma das partes

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renunciou a um direito sem plena consciência de possuir tal direito) não há como afirmar que houve qualidade na mediação (Idem, p. 112.)

Nesse sentido, segundo verifica-se no Manual, os parâmetros éticos contidos nesta modalidade de qualidade devem coadunar com princípios o princípio da plena informação ou da decisão informada. Assim, o processo autocompositivo apenas será legítimo e possibilitará que uma solução se consolide se as partes possuírem plenas informações quanto aos seus direitos e ao contexto fático no qual está inserida (Idem). Portanto, recomenda-se que: O mediador deve estar no local da mediação antes do horário marcado para em um ambiente calmo revisar suas técnicas, estratégias e ferramentas que deseja empregar durante a sessão, e se preparar para receber as partes em uma postura de atenção e auxílio. O mediador também deve se certificar, indo até a sala de mediação, se está tudo em ordem, conferindo se há cadeiras suficientes e verificando se há outros detalhes relevantes (Idem, p. 112).

Adiante, conforme as qualidades gerais acima expostas, o Manual de Mediação orienta mais detalhadamente como proceder anteriormente a chega das partes, no encontro com as partes, no posicionamento e localização das partes a mesa, as peculiaridades quanto ao tipo de mesa, disposição das cadeiras, etc. A partir do material expositivo, outro ponto de relevo acerca da negociação relaciona-se ás técnicas básicas de negociação desenvolvidas pelo Projeto de Negociação de Harvard que tem como princípio geral “não barganhar com as posições”. Conforme Fisher, Ury e Patton: qualquer método de negociação pode ser avaliado imparcialmente por três critérios: Deve produzir um acordo sensato, isto é, que atenda aos interesses legítimos de cada uma das partes na medida do possível, resolver imparcialmente os interesses conflitantes, seja duradouro e leve em conta os interesses da comunidade (1); Deve ser eficiente (2); Deve aprimorar, ou, pelo menos, não prejudicar o relacionamento entre as partes (3) (op. cit. p. 22).

A partir destes critérios, devemos partir do princípio de "não barganhar com as posições”, em que Fisher et al (Idem), desenvolveram as seguintes técnicas: 1. Separar as pessoas do problema; 2. Concentrar-se nos interesses, não nas posições; 3. Inventar opções de Ganho; Insistir em critérios objetivos. A técnica de separar as pessoas dos problemas caracteriza-se pelo objetivo de identificar e definir os problemas, segundo Fisher et al, se justifica pelo fato de que

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os seres humanos não são computadores. Somos criaturas de emoções forte, que amiúde temos percepções radicalmente diferentes e dificuldade em nos comunicarmos com clareza. Tipicamente, as emoções misturam-se com os méritos objetivos do problema substantivo, o “problema das pessoas” deve ser desembaraçado dele e tratado separadamente. Em termos figurados, senão literais, os participantes devem chegar a perceber-se como trabalhando lado a lado, atacando o problema e não uns aos outros (Idem, p.28).

Quando as emoções se misturam com o mérito da negociação, tendemos a tratar as pessoas e os problemas como se fosse uma entidade e confundem a resolução do problema com a anulação dos interesses, necessidades e vontades do outro. Portanto, deve se buscar separar a relação da substância, admitindo que manter uma boa relação e lidar com o problema substantivo não é atitudes conflitantes. Conforme Fisher et al, é necessário empenho e preparação das partes para tratar destas questões separadamente, em que as relações tenham como fundamento percepções exatas, comunicação clara, emoções apropriadas com uma visão deliberada e voltada para o futuro, lidando diretamente com o problema sem tentar solucioná-los através de concessões (Idem, p. 39) Diante de problemas psicológicos, use técnicas psicológicas de percepção inexata, procure meios de esclarece-las, quando as emoções se intensificarem encontre meios para que cada pessoa envolvida possa extravasá-las. Se houver mal-entendidos, trabalhe no sentido de aprimorar a comunicação (Idem, p. 3940).

No contexto dos problemas pessoais, três categorias são úteis para facilitar a resolução dos problemas: 1. Percepção; 2. Emoção e; 3. Comunicação. Todos os diversos problemas das pessoas recaem numa dessas três classes (Idem) A percepção do pensamento da outra parte, muitas vezes, é a origem do problema, muitas vezes o conflito não está na realidade objetiva, mas na mente das pessoas (Idem). Os medos ainda que infundados, são medos reais e precisam ser abordados. As esperanças, mesmo que não sejam realistas, podem provocar uma guerra. Os fatos, mesmo que bem estabelecidos, podem não contribuir em nada para solucionar o problema. Por mais útil que seja busca a realidade objetiva, é a realidade tal como cada lado a vê que, em última instância, constitui o problema de uma negociação e abre caminho para a solução (Idem, pp. 41-42).

Os referidos autores sugerem sete medidas que contribuem para o desenvolvimento da percepção: 1. Ponha-se no lugar do outro; 2. Não deduza as intenções do outro a partir de seus próprios medos; 3. Não culpe o outro por seus problemas; 4. Discuta as

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percepções de cada um; 5. Busque a oportunidade de agir de maneira contraditória às percepções (negativas) do outro; 6. Dê a ele um interesse no resultado, certificando-se de que ele participe do processo; 7. Torne suas propostas compatíveis com os valores do outro (Idem, pp. 40-47). Quanto à categoria emoção os atores prescrevem cinco medidas que contribuem para a boa condução da negociação diante de problemas: 1. Antes de mais nada, reconheça e compreenda as emoções, tanto do outro quanto sua; 2. Explicite as emoções reconhecendo-lhes legitimidade; 3. Deixe que o outro lado desabafe; 4. Não reaja a explosões emocionais; 5. Use gestos simbólicos (Idem, pp. 47-50). Como já observado alhures, sem comunicação não há negociação, portanto, esta categoria se torna central para qualquer tipo de negociação. Fisher et al, recomendam: 1. Escute ativamente e registre o que está sendo dito; 2. Fale para ser entendido; 3. Fale sobre você mesmo e não sobre o outro; 4. Fale com um objetivo; Sugerem ainda que, para que uma negociação se desenvolva sem que haja barganha das posições, os autores sugerem: Concentrem-se nos interesses, não nas posições. Esta técnica parte do pressuposto de que são os interesses é que definem o problema, pois, problema básico de uma negociação não está nas posições, mas no conflito entre necessidades, desejos, interesses e temores de cada lado (Idem, pp. 58-59). Por outro lado, os autores indicam que por trás das posições opostas, há interesses comuns e compatíveis, assim como interesses conflitantes (Idem, p. 60). Tendo em vista que, diferentemente da tendência das posições serem concretas e explicitas os interesses, tanto os nossos como os do outro, são subjacentes a elas, podendo ser não expressos, intangíveis e talvez incoerentes. Os autores apresentam algumas técnicas para identificar interesses: Pergunte “por quê?” tanto para você mesmo, colocando-se no lugar do outro, como para o outro, deixando claro o objetivo de compreender as necessidades, esperanças, medos não atendidos (Idem, p. 21); Pergunte “por que não?” Pense na escolha do outro. Com o objetivo de identificar a decisão básica que as pessoas do outro lado acham que você está pedindo, pergunte-se a

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sim mesmo por que as pessoas não tomaram tal decisão. Quais os interesses delas funcionam como obstáculos (Idem, p. 62); Aperceba-se que cada lado tem interesses múltiplos (Idem, p. 63); Os interesses mais poderosos são os interesses básicos humanos, quais sejam: 1. Segurança; 2. Bem-estar econômico; 3. Um sentimento de pertença; 4. Reconhecimento; 5. Controle sobre a própria vida (Idem, pp. 66-67). Faça uma lista para discriminar os vários interesses de cada lado (Idem, p. 68). Fale sobre os interesses, garanta que a outra parte entenda seus interesses e procure entender os interesses da outra parte (Idem, p. 69); De vida aos seus interesses, esta técnica consiste em oferecer detalhes concretos que justifique sua que seu interesse seja atendido, exponha a gravidade de suas preocupações, convide o outro lado a “corrigir-me se eu estiver errado” (Idem); Reconheça os interesses do outro como parte do problema. Consiste em legitimar os interesses do outro, reconhecendo sua importância (Idem, p. 70); Coloque o problema antes de oferecer a solução. Consiste em apresentar primeiramente seus interesses e razões, evitando que sua proposta ou conclusão motive a outra parte a apresentar argumentos para contrariá-la (Idem); Olhe para frente, não para trás. Evitar discussões que não objetive o acordo, que apenas demonstre o empenho em marcar pontos contra ou outro, reunindo provas que confirmem opiniões a muito formuladas (Idem); Seja objetivo, mas flexível, sabendo aonde você quer chegar, mas permanecendo aberto às ideias novas (Idem); Seja rigoroso com o problema e afável com as pessoas (Idem). A próxima técnica a ser adotada perante os problemas numa negociação, conforme o método proposto por Fisher et al (Idem, pp. 75-98), prescreve Invente Opções de Ganhos Mútuos.

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Geralmente as pessoas envolvidas numa negociação presumem saber qual a melhor solução para o problema, por mais que se apresentem opções, as pessoas resistem em pensar em soluções diferentes da que tinha idealizado. Fisher et al indicam que na maioria das negociações, há quatro obstáculos que inibem a invenção de uma multiplicidade de opções: (1) o julgamento prematuro; (2) a busca de uma resposta única; (3) a pressuposição de um bolo fixo e; (4) pensar que “resolver o problema deles é problema deles” (Idem, p. 76). Diante destes obstáculos os autores sugerem: Separe as invenções das decisões, isto é, o ato criativo do ato crítico, separe o processo de conceber soluções possíveis do processo de fazer uma seleção entre elas, invente primeiro decida depois (Idem, p. 79), Apresente sugestões livres antes, durante e depois das sessões e motive o outro a apresenta-las, inclusive, considere a possibilidade de fazer uma sessão só de sugestões livres com o outro lado (Idem); Amplie suas opções (Idem, p. 84); Multiplique as opções deslocando-se entre o particular e o geral. O Gráfico Circular. Ao recorrermos ao gráfico circular, sugere-se exercitar o seguinte movimento (Idem, pp. 86-87): O que está errado na teoria? O que pode ser feito na teoria? O que pode ser feito na vida real? O que está errado na vida real? A partir desse movimento, podemos utilizar os seguintes recursos para criar opções múltiplas que servirão como critério de negociação: Observe através dos olhos de diferentes especialistas (...); Invente acordos de pesos diferentes (...); Modifique o alcance do acordo proposto (...); Procure ganhos mútuos (...); Identifique os interesses comuns (...); Harmonize os interesses diferentes (...); Indague sobre as preferências do outro (...); Facilite a decisão do outro (...) (Idem, pp. 87-98):

O método de negociação proposto, ainda sugere: Insista em Critérios Objetivos. Esta técnica consiste em admitir, objetivamente, que há interesses conflitantes, sem apelar para o confronto de vontades com o objetivo de convencer ou submeter outro e nem negligenciar o fato. 107

Portanto, Fisher et al, indicam que Decidir com base na vontade é oneroso e explicam que em uma negociação, resolver conflitos através da barganha posicional, demarcando os limites do que estão dispostos a aceitar, conduzindo a negociação a uma competição para aferir quem é mais teimoso ou mais generoso. Ao direcionar a negociação a concentrar-se no que cada lado está disposto a concordar, a tendência é que a negociação não seja eficiente e amistosa, sendo improvável que se chegue a um acordo objetivamente sensato. Sendo este um risco elevado, os autores sugerem como solução, que a negociação decorra numa base independente da vontade dos lados, através de critérios objetivos (Idem, pp. 99-100). Nesse passo, negociações baseadas em critérios objetivos possuem inúmeras vantagens, tanto do ponto de vista de facilitar a negociação quanto do ponto de vista de alcançar melhores resultados, tendo em vista que as escolhas são baseadas em critérios impessoais, imparciais e externos a vontade das partes, como preço do mercado, custos, avaliação científica para que a negociação tenha como referenciais princípios que nortearão as escolhas (Idem). Quanto mais você aplicar padrões de imparcialidade, eficiência ou outro mérito científico a seu problema específico, maior será a sua probabilidade de produzir uma solução final sensata e justa. Quanto mais você e o outro lado se referirem aos precedentes e à praxe na comunidade, maior será sua chance de se beneficiar da experiência passada (Idem, p. 101).

Para elaboração e aplicação de critérios objetivos, recomendam os autores que os negociadores se preparem antecipadamente, buscando informações que subsidiem os princípios que orientarão a negociação. Portanto, desenvolva antecipadamente alguns padrões alternativos e reflita sobre a aplicação deles a seu caso (Idem, p. 103). É comum encontrar mais de um critério objetivo como base para um acordo. Critérios como: valor de mercado, caso precedente, opinião científica, padrões profissionais, eficiência, custos, decisões judiciais, padrões morais, tratamento igualitário, tradição, responsabilidade, são fatores que associados ao caso concreto servem como base para um acordo, pois, além de serem independentes da vontade das partes, atendem a critérios de legitimidade e praticidade (Idem).

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Na medida em que os critérios são aplicáveis igualmente a ambos os lados, podemos considerar que o critério proposto é imparcial, é o que os autores chamam de "teste de aplicabilidade recíproca (Idem)". Para que as negociações e os resultados sejam independentes da vontade, os autores apontam para a elaboração de procedimentos justos, esta medida consiste na anuência das partes na definição dos procedimentos. Um exemplo clássico citado pelos autores é a o procedimento de divisão de um bolo, que consiste no procedimento de que "se um faz corta o bolo, o outro escolhe o pedaço primeiro, esse raciocínio consiste na ideia das partes negociarem o que acreditam ser o procedimento justo antes de definirem o papel de cada um". Assim como, numa negociação de divórcio, exemplificam os autores, antes de decidir que ficará com a custódia dos filhos, os pais podem chegar num acordo quanto aos direitos de visita daquele que não a receber (Idem). Após a identificação dos critérios e procedimentos objetivos, cada parte deve estar atenta em como apresenta-los a outra parte. Os autores sugerem três elementos básicos que as partes devem observar ao negociar com base em méritos: 1.Formule cada questão como uma busca conjunta de critérios objetivos; 2.Pondere e permaneça aberto às reflexões sobre quais são os padrões mais apropriados e como devem ser aplicados; 3.Jamais ceda à pressão, mas tão somente aos princípios. Em suma, concentre-se nos critérios objetivos de maneira firme, porém flexível.

Mesmo diante das técnicas, opções e padrões de conduta disponíveis para propiciar uma negociação baseada em interesses, não podemos negligenciar o fato de que em grande parte dos conflitos há diversos fatores que determinam o desequilíbrio de força entre as partes e que tornam a negociação baseada em posições um recurso vantajoso para uma das partes, ainda mais em países com desigualdades extremas como o Brasil. Nesse contexto, quando o outro lado possui mais recursos e não deseja abrir mão de suas posições e concordam em partir para a negociação baseada em interesses, os autores sugerem que o método de negociação adotado deve ser direcionado para atender pelo menos dois objetivos basilares: 1. Protegê-lo de fazer um acordo que você deveria ter rejeitado; 2. Ajudá-lo a extrair o máximo dos recursos que efetivamente dispõe.

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Para atender o objetivo de proteger-nos de aceitar um acordo insatisfatório, a primeira medida é estabelecer um piso mínimo (a pior solução aceitável) como forma de resistir à pressão e às ansiedades de fechar um acordo a qualquer termo. Contudo, conforme afirmam os autores, esta medida pode minar a possibilidade de soluções criativas, tendo em vista que pode conduzi-lo a posições rígidas e inibe a imaginação. A solução apresentada por Fisher et al é considerar as propostas, mesmo que não correspondam ao seu piso mínimo, usando como referencial a sua melhor alternativa à negociação de acordo (MAANA), como forma de avaliar a proposta e decidir qual delas atenderia melhor seu interesse, pois o motivo da negociação é produzir resultados melhores do seria possível sem negociar (Idem, p. 117). Nesse passo, a primeira medida é investigar qual seriam as opções possíveis em caso de não haver acordo. A sua MAANA tem como referencial os recursos que lhe são disponíveis quando não há acordo. Portanto, para saber qual a melhor alternativa no caso de não ser possível uma negociação baseada em interesses, os autores recomendam (Idem, pp. 117-119): 1. Criar uma lista de providências que você deverá tomar caso não se chegue a um acordo; 2. Aperfeiçoar algumas ideias promissoras e convertê-las em opções práticas; 3. Escolher provisoriamente a alternativa que se afigura como a melhor. Diante deste cenário, o MAANA é o padrão de comparação para avaliar os parâmetros da proposta de acordo, sendo o único recurso que pode proteger as partes em aceitar propostas prejudiciais e inaceitáveis e, ainda, permitir alguma flexibilidade para explorar soluções criativas, assim como, evitar que a alternativa ao acordo seja mais prejudicial do que a proposta, por mais distante que esta esteja do mínimo a parte espera. Por outro lado, a MAANA serve como um cordão de isolamento para limitar a autoridade de um agente e o possibilite uma margem de reserva, na medida em que possibilita que você pode identificar um acordo longe de suas expectativas, mas melhor do sua MAANA.

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Além de proteger a parte de um acordo ruim, a MAANA também é um parâmetro para que a parte possa extrair o máximo dos recursos que dispões para um bom acordo, pois quanto maior sua MAANA, maior seu poder, pois o poder de negociação das partes está correlacionado às vantagens que cada uma tem de não chegar a um acordo. Há casos que é aconselhável revelar sua MAANA, principalmente quando a percepção da outra parte de que você não tem uma boa alternativa não corresponde à realidade, o que pode, além de proporcionar um acordo minimamente aceitável, elevar o piso mínimo. Desenvolver a MAANA é, possivelmente, o melhor recurso para lidar com um negociador aparentemente mais poderoso, sendo inclusive pertinente que se considere a MAANA da outra parte, pois caso ambas as partes concluírem amigável e eficientemente que ambas as MAANA’s sejam melhores do que as possibilidades de acordo, a negociação foi bem sucedida. Outra dificuldade que pode impossibilitar a negociação baseada em interesses é o fato de uma das partes não desejar negociar a partir desses princípios. Nesse caso, os autores recomendam três estratégias: Concentrar-se no que você pode fazer se não surtir efeito e o outro continuar a barganha por posição; Concentrar-se no que ele pode fazer que consiste na conduta de opor-se a barganha posicional orientando o outro para os méritos, o que os autores denominam jiu-jítsu da negociação; Concentrar-se no que pode ser feito por um terceiro com capacitado para centralizar a discussão nos interesses, opções e critérios. Nesse sentido, quando o outro pressionar você de alguma forma, devemos conter a tendência de pressioná-lo de volta, contudo é mais eficiente esquivar-se das pressões e direcionar a força do outro para o que lhe interessa. Caso, as posições continuem rígidas e o outro prossiga atacando suas ideias e você considere a técnica do texto único, que consiste em procurar uma terceira pessoa que

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capacitada para separar as pessoas do problema e orientar a negociação para interesses e opções, pois sugere uma base imparcial para a resolução dos conflitos. Outra questão que pode inviabilizar a negociação é a utilização de truques sujos, que se refere ao uso de táticas com objetivo de tirar proveito do outro, que os autores denominam negociações traiçoeiras, que abrangem desde maus-tratos psicológicos, as táticas de pressão que podem ser ilegais, antiéticas ou desagradáveis. Essas táticas têm a finalidade de contribuir para a vitória de uma das partes em uma negociação baseada em vontades desprovidas de princípios. A reação mais comum diante dessas táticas é tolerá-las ou reagir à altura. Uma das características dessas táticas é não observar o princípio da reciprocidade, simulando-as da percepção do outro ou apostando na sua tolerância. Nessa situação, após ter ciência do que está ocorrendo, identificar a tática, abordála perante o outro, a negociação baseada em princípios deve ser observada com o objetivo de negociar as regras do jogo, sendo firme nos princípios e utilizando as técnicas sem ataques pessoais, caso não surtam efeito, utilize o MAANA e retire-se e busque outra via de resolução do conflito com a intervenção de um terceiro capacitado e de acordo com as informações colhidas no MAANA. Ainda foram abordados critérios gerais de negociação a partir da intervenção de terceiros, que consistem em estratégias para a atuação do terceiro se eficiente, no caso o mediador, seja eficiente e atinja seus objetivos quanto à intervenção. Azevedo (op.cit., 2013, p. 159), apresenta três objetivos gerais do mediador: (1) o controle do processo; o suporte às partes, (2) o estímulo à recontextualização da disputa como um fenômeno natural passível de resolução e (3) a resolução das questões propriamente ditas. A primeira tarefa do mediador diante das partes é estabelecer uma relação de confiança, dando suporte a elas, recebendo e compreendendo seus sentimentos e emoções. A observância desta postura contribui para que as partes deem credito ao processo e ao mediador, tendo como efeito uma melhor eficiência do processo, facilitando a obtenção de subsídios e informações que tornam o trabalho do mediador mais simples (Idem, p. 160). Segundo Christopher Moore, no estágio inicial cumpre ao mediador algumas tarefas específicas que incluem: (1) construir credibilidade pessoal, institucional e

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pessoal; (2) estabelecer o rapport com os disputantes; e (3) instruir os participantes sobre o processo de negociação, o papel do mediador e a função da mediação; e (4) conseguir um compromisso para começara mediar (op. cit. p. 86). . A credibilidade pessoal se refere a algumas características pessoais que o mediador possui, que tanto os mediadores quanto os disputantes há muito têm considerado cruciais para o sucesso do processo de intervenção (Idem): Originalidade de ideias, senso de humor adequado; capacidade para agir de maneira não-obstruinte em um conflito, capacidade para criar a sensação de estar “de acordo” com os disputantes, preocupando-se com seu bem-estar, disposição para ser um vigoroso vendedor quando necessário, controle dos seus próprios sentimentos, esforço persistente e paciente, capacidade para compreender rapidamente a dinâmica e as complexidades de uma disputa, algum conhecimento específico do campo em que está mediando. A credibilidade institucional está relacionada à reputação da ordem que emprega o mediador, baseada no histórico de desempenho bem sucedido da organização no campo particular da resolução de disputas, assim como imparcialidade, neutralidade quanto à origem dos recursos (Idem). A credibilidade processual consiste em fazer com que as partes acreditem que o processo que o mediador propôs tem grande possibilidade de sucesso, assim é conveniente descrever os procedimentos às partes, com critérios claros e objetivos, apesar de muitos mediadores acreditarem que certa mística e segredo podem aumentar a credibilidade do processo, o que não a posição adotada pela maioria, pois instruções claras permitem julgamentos informados sobre a viabilidade do processo para o caso concreto. Uma das técnicas identificada como grande fator de aceitação do interventor é denominada rapport, que se refere ao grau de precisão naquilo que é comunicado e a qualidade do contato humano. O rapport é claramente influenciado pelo estio pessoal, a maneira de falar, de vestir e a origem social do mediador, pelos interesses, amigos ou sócios comuns. E pela quantidade de comunicação entre o mediador e os disputantes (Idem, p. 88)

Conforme o Manual de Mediação Judicial, (op. cit. p. 131), algumas estratégias devem ser utilizadas para o estabelecimento do rapport, a partir das seguintes condutas: Ouvir as partes ativamente, concentração na resolução de disputa, imparcialidade e

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receptividade, sensibilidade, evitar preconceitos, separar as pessoas dos problemas, despolarizar o conflito, reconhecer e validar sentimentos, silêncio na mediação; Para estabelecer uma comunicação efetiva é necessário proceder, conotação positiva, escuta ativa, perguntas sem julgamento, reciprocidade discursiva, mensagem como opinião pessoal, assertividade, priorização do elemento relacional, reconhecimento da diferença, não reação, não ameaça. A negociação baseada em princípios, desenvolvida pela Escola de Harvard, ainda hoje fornece os critérios fundamentas para os métodos autocompositivos, tanto para a abordagem cujo foco é o acordo, quanto para a abordagem cujo foco é relacional. Nas próximas aulas, verificaremos uma revisão estruturante dos princípios e técnicas da mediação, assim como todo o aparato institucional que possibilita o desenvolvimento teórico, prático e gerencial desta Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos. 3.8. A Mediação e suas técnicas I Neste tópico vimos como as etapas da mediação judicial estão estruturadas possibilitando-nos observar o design do processo de mediação, assim como a dinâmica entre princípios, técnicas, critérios, práticas e elementos do contexto institucional. Conforme já explicitado, o principal objetivo do mediador facilitar a comunicação das partes na medida em que elas possam desenvolver uma negociação baseada em princípios que resulte numa solução satisfativa para ambas, dentro dos critérios éticos e legais. As etapas iniciais da mediação estão assim desenhadas: (1) Planejamento. (2) Sessão de Abertura; (3) Sessões. Ao planejar sua atuação o mediador deve ter em mente que seu objetivo fundamental é corresponder às expectativas dos usuários, de modo que estes saiam satisfeitos com a mediação, ou seja, o foco deve estar na qualidade do atendimento e não na obtenção de um acordo, que é consequência das interações ocorridas durante a sessão. A preparação envolve: Técnica, ambiente adequado, acolhimento do usuário e ética;

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A

preparação

técnica

consiste

treinamento

do

mediador

em

práticas

autocompositivas, verificação de que as técnicas estão sendo adequadamente aplicadas. Nesse sentido, são essenciais tanto os cursos de formação quanto as supervisões. Além do curso de formação, o NUPEMEC constantemente promove cursos de extensão, eventos, palestras, oficinas, além de fomentar a participação dos mediadores nos eventos patrocinados pelo CNJ. Em relação às sessões de supervisão, não tive oportunidade de participar de nenhuma sessão de supervisão, além das conversas informais antes e após as sessões de mediação. Contudo, apesar do esforço dos coordenadores para promover esta atividade no CEJUSC-Capital, evidenciei algumas questões que podem contribuir para explicar a não consolidação desta prática, quais sejam: (1) A dificuldade de disponibilidade e compatibilidade dos mediadores para reuniões de equipe; (2) Cumulação de funções por parte dos mediadores serventuários voluntários, dos supervisores e da coordenadora do CEJUSC, geralmente os mediadores mais experientes que desempenhariam a função de supervisores, além de acumularem a função de serventuário e mediador, também são requisitados para o curso de capacitação e; (3) Dificuldade de se criar uma rotina, tendo em vista que todos os mediadores cumulam outras funções, principalmente são profissionais liberais e prestam serviço voluntário e não remunerado, sendo a mediação uma atividade secundária dos mediadores.

No quesito preparação do ambiente, observa-se que as salas são bem estruturadas, as mesas são redondas e em todas as sessões de mediação que presenciei a preparação do ambiente cumpriu o objetivo de transmitir aos usuários a mensagem de que são bem vindos e suas questões são importantes. Uma distinção que merece relevo é em relação à estrutura anterior a inauguração do novo CEJUSC-Capital, em 2014, agora no Anexo V, no Beco da Música, um dos mais recentes prédios construídos pelo TJRJ. O espaço está localizado no Térreo do Anexo V, conta com uma ampla recepção e como mais de o dobro de salas de mediação, estruturada, assim como as localizadas no ANEXO I, com mesa redonda, cadeiras acolchoadas, mesa com computador, ar condicionado, entre tanto, diferentemente das salas antigas, as novas salas não possuem janelas. A preparação quanto ao acolhimento consiste da capacidade de estabelecer vínculos afetivos entre mediador e usuários, demonstrar ao usuário que a intenção do mediador é de

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auxiliá-lo, estar preparado para tratar a todos cordialmente, consciente que elas possam estar frustradas, nervosas, reativas e que é seu papel acolher e validar seus sentimentos em busca facilitar a comunicação eficiente. A preparação ética se refere à observância de condutas que preservem os objetivos da prática, isto é, a utilização das técnicas, critérios, estratégias vinculada aos objetivos que justificam a prática. Nesse sentido, estes princípios estão fundamentados na negociação baseada em princípios que propicie uma negociação cooperativa, não-adversarial, vinculada à satisfação, vontade, interesses e necessidades dos participantes como conteúdo do consenso. SESSÃO DE ABERTURA A sessão de abertura é estruturada por um roteiro que objetiva orientar os mediadores a transmitir informações às partes, tanto no aspecto verbal, quanto não verbal, como gestos, atitudes, emoções, regras e procedimentos que conduzirão o processo de mediação a uma forma de negociação/comunicação facilitada pelo mediador, baseada na cooperação das partes em compreender mutuamente as necessidades, interesses e vontades de cada um e buscar uma solução que satisfaça a ambos em consonância com as normas éticas e legais que pautam as relações sociais. Com o objetivo de auxiliar os mediadores a desenvolverem uma “sessão de abertura” em consonância com as técnicas da mediação e conforme recomenda o Manual de Mediação Judicial, o CEJUSC-Capital disponibiliza um roteiro (ANEXO V) do que deve ser transmitido pelos mediadores às partes. Alguns mediadores utilizam este roteiro com certa literalidade na própria sessão de abertura como um guia, outros procedem “livremente”, sem seguir o roteiro. Este roteiro contém as orientações do Manual de Mediação Judicial (AZEVEDO, pp. 117-127), que coaduna com os princípios e orientações doutrinárias da Escola de Negociação de Harvard e apresenta diretrizes para a declaração de abertura. A declaração de abertura consiste no primeiro contato com os usuários, em que os mediadores buscam estabelecer uma conexão de confiança e fluência na comunicação, apresentando os objetivos e procedimentos da negociação baseada em princípios.

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Assim, no material expositivo, foram elencadas as seguintes informações a serem transmitidas pelos mediadores: 1. Apresentar-se e solicitar aos usuários que o façam (anotar nomes e conferir documentos); 2. Recordar interações anteriores à sessão de mediação entre mediador e usuários, caso elas tenham ocorrido; 3. Explicar o papel do mediador: ressaltando que não atuará como um magistrado, julgando o mérito do problema entre os usuários; 4. Não os pressionará ou imporá um acordo; 5. Será imparcial; 6. Auxiliará os usuários a se comunicarem; 7. Ajudará na identificação de interesses e necessidades; 8. Ajudará a criar alternativas capazes de satisfazer a todos mutuamente; 9. Informar o papel do mediador, de facilitador/catalisador da comunicação e da negociação entre as partes, com a finalidade de proporcionar uma negociação e uma solução cooperativa que satisfaça mutuamente os interesses, necessidades e vontades das partes; 10. Descrever as regras gerais e princípios da mediação: a) Informalidade; b) Oportunidade para cada um dos usuários falar, bem como seus advogados, quando presentes; c) Solicitar que se escutem sem interrupções, anotando durante a fala do outro, eventuais aspectos que desejem comentar posteriormente; d) Pedir que se refiram um ao outro respeitosamente; e) Enfatizar que a experiência mostra que o empenho de todos para resolver o problema produz bons resultados.

Conforme o Manual de Mediação Judicial, a fase da declaração de abertura não deve prolongar-se por mais de quatro minutos, tendo em vista que mesmo que se apresentem todas as regras, não é provável que os usuários as memorizem e as cumpram sempre, sendo tarefa do mediador lembrar às partes das regras acordadas em caso de descumprimento. Sugere-se ainda no Manual que os mediadores assistam aos vídeos exemplificativos

disponíveis

nos

sites



ou

(Idem, p. 118). Quando houver mais de um mediador, é recomendável que estes ajustem a forma que ambos vão atuar em conjunto e separadamente, dividindo entre si, as informações que serão apresentadas às partes, sem que haja hierarquia entre os mediadores, pois é importante manter o diálogo circulando igualitariamente entre todos, inclusive entre os mediadores, sendo esta uma forma de transparecer um trabalho harmônico para as partes (Idem, p. 119). Do manual, podemos extrair algumas orientações e exemplos que devem ser observados pelos mediadores na sessão de abertura após os cumprimentos de boas-vindas, palavras de incentivo, confirmação e anotação dos nomes e de perguntar a formas que as partes gostariam de ser chamadas, vejamos:

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Buscar a desformalização ou amenização do ambiente: Antes de iniciar as explicações, utilizando palavras como: (...) "esse frio não está fácil, não é verdade?"; (...) "tiveram dificuldade para achar estacionamento"; (...) “agradeço a presença de todos, pois sei que não é tão fácil acertar as agendas e sentar para conversar sobre essas questões que os trouxeram aqui” (Idem)

2. Informar o propósito da mediação e papel do mediador, por exemplo: “Meu papel, neste processo, é de auxiliá-los na obtenção do acordo. Trabalharei, portanto, como um facilitador da comunicação, buscando compreender seus interesses e descobrir as questões presentes. Em hipótese alguma, irei induzir alguém a algo que não deseje. O importante nesse processo é que vocês construam, em conjunto, o entendimento necessário” (Idem, p. 120).

3. Lembrar às partes que o mediador não é juiz e, portanto, não haverá julgamentos, nem favorecimento de qualquer uma das partes, ressaltando a imparcialidade como um princípio da mediação: “Devo lembra-los que não estou aqui como juiz e, portanto, não irei prolatar nenhuma decisão em favor de uma ou outra parte. Minha atuação, portanto, será desenvolvida de modo imparcial, sempre no intuito de auxiliá-los a terem uma negociação eficiente” (Idem).

4. Indicar às partes de qual instituição o mediador faz parte e como ele foi escolhido para mediar o conflito e que o processo de mediação também é um meio de aperfeiçoar o relacionamento: “Além de auxiliar na resolução do conflito, devo lembrá-los que a mediação, em geral, pode ser um interessante meio para aperfeiçoar o relacionamento das partes ou para aprender algo sobre negociação ou relaciona- mentos pessoais” (Idem, pp. 120-121)

5. Cumprir formalidades e estabelecer critérios logísticos. Caso haja algum procedimento que as partes devem cumprir (preenchimento de formulário, assinatura de algum termo etc.), o mediador deve garantir as partes o tempo necessário para que eles cumpram o procedimento com plena consciência e atenção (Idem, p. 121). Quanto à logística, cumpre ao mediador informar o tempo previsto de duração das sessões (recomenda-se duas horas para as mediações e 40 minutos para a conciliação), a dinâmica do processo de mediação em relação ao número de sessões conforme as particularidades do caso e a importância da pontualidade, tendo em vista que outras mediações em pauta (Idem);

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6. Confidencialidade: buscar a adesão das partes de que os fatos e situações ocorridas na mediação são confidenciais, tanto para as partes, quanto para os mediadores e que as exceções devem ser resultado da vontade de todos, que devem ser registradas na sessão de abertura e/ou nas sessões que for convencionada a exceção, por exemplo: “Devo lembrá-los de que tudo o que for aqui dito será mantido em segredo. Assim, como mediador não posso ser chamado a servir como testemunha do que será dito aqui em um eventual processo judicial. Além disso, destruirei as minhas anotações ao término desta mediação. Posso vir a debater algo relacionado à técnica de mediação utilizada nessa mediação com meu supervisor mas ele também está obrigado a manter confidenciais as informações debatidas aqui. A única exceção a esta regra consiste na hipótese de algum crime ocorrer nesta própria sessão de mediação – nunca aconteceu, mas por uma política da instituição tenho de indicar esta exceção” (Idem, p. 122).

7. Explicar como se desenvolve o processo de mediação, quanto observância dos participantes em evitar interromper o outro quando este se manifesta, por exemplo; “Para que possamos realizar seus interesses de forma eficiente durante o processo de mediação, peço-lhes que cada um respeite a vez do outro falar. Caso queiram comentar algo em relação a alguma fala, peço que anotem nessa folha de papel que se encontra à mesa. Assim, todos terão também a sua oportunidade de se manifestar – e da mesma forma serão ouvidos” (Idem, p. 122).

8. Enfatizar características do processo de medição como informalidade, abrangência de todas as questões apresentadas pelas partes e enfoque na comunicação para a realização de interesses das partes, sem a produção de provas e debates jurídicos; 9. Informar a expectativa do mediador em relação às partes quanto ao desejo que todos trabalhem conjuntamente como o objetivo de construir a solução para o conflito e que todos escutem com atenção e respeito às manifestações, preocupações do outro, assim como suas perspectivas (Idem). 10. Quando houver advogado, esclarecer sua forma de participação e sua posição no processo de mediação e que na mediação a atuação do advogado é extremamente eficiente, se este se empenhar em resolver as questões apresentadas pelos clientes, assim: “Agradeço a presença dos advogados pois notamos que bons advogados são muito importantes na mediação na medida em que auxiliam as partes a encontrar novas e criativas soluções às suas questões bem como asseguram aos seus clientes que estes não abrirão mão de nenhum direito que desconheçam ter” (Idem, p. 123).

11. Confirmar quanto às regras: verificar se alguma questão ou preocupação restou aos participantes após a explicação do processo, perguntar se as partes estão de acordo com as regras apresentadas; perguntar se as partes desejam aderir o procedimento e prosseguir 119

com a sessão, tendo em vista que para a continuidade do procedimento é necessária à adesão de ambas as partes. Neste passo, o mediador pode se expressa assim: “Vocês estão de acordo com as regras que apresentei previamente? Há alguma observação que vocês desejam fazer? Alguma dúvida?” (Idem). 12. Lista de Verificação: Tendo em vista o número de recomendações e a importância de se estruturar um processo de mediação baseado na informação e na consciência das partes quanto às regras e os objetivos. Azevedo et al sugerem, mesmo aos mediadores mais experientes, que tais passos sejam sintetizados em uma lista que facilitará bastante o trabalho do mediador. É de todo conveniente que, ao dar início à mediação, se tenha sempre presente essa lista para se lembrar de cada um dos aspectos que devem ser ditos às partes quanto ao desenvolvimento do processo (Idem), conforme disponibilizada pelo NUPEMEC no ANEXO V. O Manual de Mediação Judicial contém bastante exemplos e modelos para auxiliar os mediadores como atuar, quanto à declaração de abertura, além da lista de verificação contida no conteúdo do livro (Idem, pp. 124-125). Há também um exemplo descritivo simulando uma declaração de abertura. Todo o manual é repleto destas simulações e exemplos que parecem buscar certa padronização dos critérios. Salta aos olhos algumas preocupações práticas quanto ao tempo da declaração de abertura de mais de três e menos de cinco minutos, tendo em vista o número escasso de mediadores. Ressalta ainda, que além de informar e possibilitar a consciência das partes quanto às regras, procedimentos e objetivos, a declaração de abertura deve buscar estabelecer um tom de comunicação eficiente que se pretende imprimir na mediação. Assim, se para um mediador em fase de aprendizagem a declaração de abertura antes descrita e exemplificada possa parecer excessivamente longa, para as partes – que normalmente se encontram no início da sessão de mediação em um estado anímico mais agitado – uma declaração em tom calmo e moderado as auxiliará a utilizar um tom mais sereno para se expressarem (Idem, p. 127).

Portanto, após as partes externarem que compreenderam as informações e desejam aderir o procedimento, cabe ao mediador dar início à sessão de mediação, possibilitando a

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todos a oportunidade de ouvir os relatos e as percepções de cada envolvido no conflito com o objetivo inicial de reunir informações para conhecimento geral dos fatos, questões e interesses que constituem o caso. A SESSÃO A fase inicial da sessão, denominada “reunião de informações”, tem a finalidade de dar oportunidade a todos de ouvir o relato dos fatos e as percepções dos envolvidos, possibilitar que os mediadores tenham uma noção geral dos fatos, identificar algumas questões e interesses trazidos pelas partes, viabilizar que cada envolvido explique seu ponto de vista e expresse seus sentimentos sem interrupções ou impedimentos e certificar que os envolvidos se sentiram ouvidos, catalisar o rapport, isto é, uma conexão entre os mediadores e os envolvidos que possibilite um relacionamento harmonioso, empático que gere um estado de compreensão, confiança e comprometimento recíprocos, com o processo, as regras e os objetivos da mediação (Idem, p. 128). Assim, procede-se definindo que irá iniciar o relato dos fatos e suas percepções de forma objetiva e justificada (e. g. “nas mediações judiciais, o critério de início é de quem propôs a ação”), dando voz aos usuários, escutando-os sucessivamente e sem interrupções e, ao final da fala de cada um se houver dúvidas, formular perguntas para elucidá-las (Idem). Para que a comunicação flua sem maiores atritos, recomenda-se que no tempo de fala de cada envolvido não haja interrupções, lembrando a regra a quem eventualmente interrompa, de maneira sutil e educada, muitas vezes utilizando a linguagem corporal sem repreender ou agredir (e. g.: olhar discreto, levantar discretamente a mão) e em casos de maior ansiedade reafirmar que ela será ouvida no momento oportuno com as mesmas garantias (Idem). Se houver necessidade de uma intervenção mais direta quando há um nível emocional que dificulte a outra parte a ouvir sem interromper, o mediador deve reiterar as regras expostas na declaração de abertura e a serem aderidas pelas partes, devendo o mediador utilizar o mesmo critério e a mesma forma de intervenção para ambas as partes. Nesse sentido, Azevedo et al, exemplifica:

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“João, como nós havíamos anteriormente concordado, cada um terá a sua vez para se expressar. É muito importante, para o sucesso da mediação, que cada pessoa respeite a vez da outra. Eu sei que é, muitas vezes, difícil ouvir algo e ficar calado. Nesse caso, peço que você faça suas anotações e apresente tudo o que deseja na sua oportunidade de falar – que virá logo a seguir”. Ou ainda: "João, presumo que você está interrompendo porque há algo que lhe é muito importante e que gostaria de que o Pedro entendesse. Como combinamos antes, os melhores resultados são obtidos na mediação quando esta é conduzida ouvindo as partes sem interrupções. Assim, peço que anote esses pontos no papel que está a sua frente e em poucos minutos abordaremos” (Idem, p. 130).

Na medida em que as interrupções se mantenham continuamente, recomenda-se maior firmeza e objetividade ao advertir, podendo o mediador intervir, por exemplo, desta forma: “João e Maria, vejo que estas questões são muito importantes para vocês – não fosse assim, vocês não estariam se interrompendo dessa forma. Ao mesmo tempo, não vejo como essas interrupções vão nos auxiliar a melhor resolver essas questões. Posso contar, daqui para frente, que vocês não irão mais se interromper? Obrigado.” (Idem, p. 131)

Assim como as partes não devem se interromper, o mediador deve tomar o cuidado de somente interrompê-la se a dúvida for improrrogável, pois a finalidade dessa fase é dar o máximo de liberdade possível às partes para expressarem suas percepções, emoções, assim como os fatos ocorridos, pois o interesse do mediador é reunir o máximo de informações possível, zelando por uma comunicação eficiente com as partes e entre as partes, deixando as perguntas para etapas posteriores. Outra orientação importante extraída do Manual é lembrar as partes que devem se dirigir diretamente ao mediador e não à outra parte, conforme o exemplo a seguir: Maria: “Não foi você que tentou entrar em minha casa e levar os meus filhos, sem nem sequer ter me avisado antes?" João (interrompendo): “Esses filhos também são meus e, por isso, posso muito bem ir vê-los e sair para passear com eles quando eu bem entender!” Mediador: “João, ainda é a vez da Maria. Maria, você pode explicar a situação para mim” (Idem, p. 132)

Contudo, se o mediador perceber que a comunicação direta entre as partes é cooperativa e a negociação eficiente, não há porque intervir, afinal, o papel do mediador é de facilitador e catalisador do diálogo entre as partes. Não há critérios objetivos quanto à limitação do tempo de exposição inicial das partes, pois a finalidade desta fase e reunir informações que servirão para outras fases, por isso, desde que mantenha certa coerência com o tempo total da mediação e com o tempo

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que a outra parte teve para expor, não há motivos para interromper a exposição das partes em virtude do tempo (Idem). Nesse sentido, é importante que os mediadores anotem as informações expostas pelas partes para não correr o risco de negligenciar uma informação enfatizada e debatida pelas partes, que pode resultar na impressão das partes de falta de interesse e até respeito às percepções, emoções e fatos expostos (Idem). Após as etapas de apresentação e recomendação e das narrativas iniciais dos mediandos, a terceira etapa orienta-se para o compartilhamento do resumo que foi narrado: Segundo Vasconcelos (op. cit.), a etapa do resumo tem a finalidade de integrar as narrativas, descrevendo de maneira simples e objetivo o que foi exposto pelas partes quanto aos sentimentos, desejos e necessidades pessoais e materiais, consolidando e esclarecendo o que foi entendido, buscando a anuência das quanto ao que está sendo integrado como narrativa única. Ao se consolidar o resumo como narrativa integrada das narrativas das partes, este pode propiciar, ainda conforme Vasconcelos, novos sentimentos, percepções e reações, que devem ser objeto de novas e pacientes escutas e questionamentos. Avanços e recuos fazem parte do processo e não constituem nem indicam, necessariamente, problemas estranhos à mediação (Idem, p. 94). Nesse processo, é previsível o surgimento de novas ambiguidades, inexatidões entre as narrativas quanto aos fatos, percepções e atitudes esperadas em relação à conduta do outro. Esta técnica do processo de mediação é abordada pela mediação transformativa como oportunidade do mediador de possibilitar às partes e até mesmo estimular que as partes explorem as fontes de suas ambiguidades e incertezas (Idem). O resultado esperado desta, segundo Vasconcelos, é que os mediandos saiam mais fortalecidos e preparados para aprofundar um diálogo voltado para o interesse comum, tendo em vista que o objeto do conflito, os sentimentos, desejos e necessidades dos mediandos possam estar mais esclarecidos entre si (AZEVEDO, 2013; VASCONCELOS, 2008).

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Conforme observa Azevedo (op. cit.), embora a técnica do resumo seja recomendada como etapa inicial do processo de mediação, o resumo pode ser bastante proveitoso em outras fases do processo, como: i) após uma troca de informações relevantes; ii) após as partes terem implicitamente sugerido algumas possíveis soluções à controvérsia; iii) para lembrar às partes seus reais interesses (Idem, p.134). Nesse sentido, o resumo serve como forma de reestabelecer uma comunicação mais produtiva, no caso de ânimos acirrados, assim como, para ressaltar alguma proposta implícita das partes identificadas pelo mediador, conforme exemplifica Azevedo: Jorge: “Não pretendo pagar nada para o Tiago – afinal ele não terminou de pintar as paredes da cozinha”. Mediador: “Jorge, você está dizendo que pagará o Tiago se ele terminar de pintar as paredes da cozinha? (Idem, p. 134),

Azevedo et al (Idem) ainda ressalta que é interessante que a técnica do resumo deve ser introduzida através de expressões como: “deixe-me ver se compreendi o que vocês disseram; se eu entendi bem, vocês mencionaram que (...); deixe-me sintetizar o que eu entendi de tudo o que foi até dito até agora; em resumo...”. Assim como, recomenda que o mediador deve estar atento a: necessidade de enfatizar apenas o que for essencial para os fins da mediação (1), filtrar as informações e trabalhá-las de modo a afastar todo aspecto que possa ser negativo para o sucesso do processo, tal como a linguagem improdutiva e a agressividade na apresentação de uma questão (2), focalizar as questões, interesses, necessidades e perspectivas, (4) certificar de que o resumo esteja de acordo com que as partes pensam e, caso não esteja, deve-se dar (3), a oportunidade para correções. Assim, basta perguntar: “Vocês estão de acordo com essa síntese dos fatos? Há algo que queiram acrescentar (5) (Idem)?

Depois de efetivada a fase do resumo, observando maior receptividade dos mediandos para a identificação de interesses compartilhados, deve se iniciar a quarta etapa, que consiste em identificar os interesses reais. Caso contrário, o mediador pode utilizar o recurso das sessões individuais. A técnica de identificar questões, interesses e sentimentos é aplicada continuamente no processo de mediação. Contudo, após a exposição inicial das partes e a reunião das informações pelo mediador, o resumo é essencial para impulsionar a fase dos esclarecimentos, pois ao apresentar o resumo, as partes têm oportunidade de consolidar uma história mais próxima dos interesses e dos sentimentos, podendo complementar e

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compreender de forma mais precisa quais são os problemas, interesses, necessidades de cada um e de pensar as possibilidades (Idem, pp. 136-137). Caso se verifique melhor fluência na comunicação, mantém-se a sessão conjunta, caso contrário, indica-se a possibilidade da sessão individual, tendo em vista que para o próximo passo é necessário que os interesses e sentimentos que estão cristalizando as partes em suas posições sejam esclarecidos uma negociação baseada em interesses sejam identificados e esclarecidos. Assim, tanto na sessão individual quanto na conjunta, identificar os sentimentos é tarefa essencial para que as partes se sintam ouvidas e contempladas, uma das ferramentas para chegar a este resultado é denominada validação dos sentimentos, em que o mediador se comunica em tom normatizado com a parte, esclarecendo que identificou e compreendeu o sentimento gerado pelo conflito. Adverte Azevedo et al (Idem, p. 138), o mediador somente deve utilizar esta ferramenta nas sessões conjuntas, quando as partes compartilharem o mesmo sentimento, sendo esta ferramenta mais utilizada nas sessões individuais e que validar sentimentos não significa dar razão a qualquer uma das partes conforme exemplos abaixo: 1. Sessão conjunta: “imagino que ambos devem estar bastante aborrecidos e até frustrados com o esforço que fizeram para serem bem compreendidos e ainda ter ocorrido esta série de falhas de comunicação” (Idem). 2. Sessão individual: “imagino que você esteja muito aborrecido com o tratamento que lhe foi dado pela oficina do João Cerzido (...)” ou “você deve estar se sentindo frustrada diante dessa situação toda...” (Idem). Na identificação dos interesses são cabíveis perguntas que possibilitem consolidar interesses comuns, quando houver oportunidade é sempre proveitoso incentivar acordos parciais de iniciativa das partes, caminhando das questões mais simples e mais consensuais às mais complexas e contraditórias. Observa Vasconcelos que, caso persista resistência em tratar de questões objetivas importantes, é oportuno sugerir rápidas entrevistas separadas para ambos, sob as mesmas condições, é o que denomina cáucus. Proceder à suspensão da sessão para que as partes

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consultem seus advogados ou qualquer tipo de assessoramento é positivo para que as partes se baseiem em critérios objetivos para a tomada de decisão (op. cit., p. 95). A quinta etapa, conforme já observado alhures, consiste na criação de opções com base em critérios objetivos, havendo uma pluralidade de escolhas, que ocorre quando se observa que os mediandos começam a apresentar opções baseadas na cooperação mutua. Nessa altura, o mediador deve tomar iniciativas que facilitem o esforço mútuo em atender reciprocamente os interesses e as necessidades das partes, tomando nota das opções apresentadas em cartazes, quadros, sem que haja rigidez na elaboração das propostas, buscando, nessa medida ampliar as possibilidades e quebrar barreiras impostas pelo medo e a desconfiança (brainstorming), evitando o regateio de posições (Idem, p. 96). Após as partes chegarem numa opção baseada em dados da realidade e critérios objetivos, passa-se ao exame da opção sob critérios e dados de cunho econômico, moral, jurídico que constituíram a tomada de decisão. Verificado o consenso entre as partes, passa-se a próxima fase que é a elaboração do termo de acordo ou de mediação. Na sexta etapa viabiliza-se a elaboração e assinatura do termo de acordo, que deve ser resultado do entendimento recíproco, validação ou humanização das relações sociais, quanto às questões materiais e intersubjetivas, de forma a satisfazer as partes. Nesta fase, as partes devem estar conscientes de todo o conjunto de informações, propostas e avalia-las de acordo com as questões apresentadas e seus interesses, realizar os ajustes necessários, desenvolver, testar e verificar a viabilidade das obrigações a serem contraídas e sentirem que lograram êxito na obtenção de uma decisão compartilhada pelos envolvidos (AZEVEDO, op. cit., p.151). Na mediação judicial contemplada pela Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos, o mediador tem a função de facilitador, no que se refere a buscar soluções para o problema, não deve adotar a postura avaliativa, isto é, fazer juízo da situação e apresentar possíveis soluções de acordo. Ambas as posturas (mediador-avaliativo e mediador-facilitador), apesar de previstas pela doutrina, também advertem que ambas as posturas não devem ser confundidas ou alternadas (MOORE, 1988, FISHER et al, 2005, RISKIN, AZEVEDO, 2002).

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Nesta fase é previsível que também haja retrocessos e avanços, devendo o mediador estar preparado para um rápido debate com o objetivo de identificar os interesses, questões e sentimentos que estão prejudicando esta fase final, Azevedo et al (op. cit.) apresenta o seguinte exemplo de intervenção: “vejo que ambos estão bastante aborrecidos com esta situação. Contudo, não vejo como essa forma de se expressarem, com ironias, irá auxiliá-los a atender seus interesses que me parece que são: de um lado, estabelecer um valor justo para o serviço já prestado e ...” (Idem, p. 153).

Planejar o uso do tempo é outro ponto ressaltado por Azevedo et al, pois nessa fase o mediador deve zelar para que as questões se desenvolvam no tempo coerente a sua importância e complexidade, pois a fadiga das partes nesta fase da mediação é um fator que põe em risco todo o processo. As partes devem se concentrar no que realmente é fundamental para a consolidação do consenso, oportunidade em que o mediador deve estar preparado para, além de guiar o processo, utilizar as técnicas certas no momento certo para estimular mudanças positivas (AZEVEDO, op. cit.; FISHER et al, op. cit.). Superada a fase de harmonização dos interesses, necessidades e possibilidade e elaboração do acordo, recomenda-se ainda, conforme o Manual de Mediação Judicial, que o mediador dever ocupar-se em redigir o acordo, de forma que as obrigações ali contraídas sejam exequíveis em caso de não adimplemento, sendo este um fato que demonstra que a mediação foi bem desenvolvida, apesar de que o esperado é que as partes cumpram as obrigações espontaneamente e a necessidade de execução pode indicar que uma das partes não logrou satisfação com o acordo. Após a redação do acordo, que deve seguir as orientações do Juízo competente pelo CEJUSC, inclusive observa-se certa padronização do modelo do termo de entendimento, conforme se verifica no ANEXO VI, recomenda-se que os mediadores leiam seu teor em voz alta para os usuários e proceda-se a assinatura das partes, dos advogados e dos mediadores. No caso da mediação judicial, a assinatura dos advogados é indispensável para a legitimação do termo de acordo. O encerramento da mediação é a fase em que o mediador deve observar se quais os objetivo da mediação foram atingidos, verificando evidencias que demonstram minimamente que houve pacificação do conflito por meio de critérios justos, satisfação das

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partes com o processo e com os resultados, melhoria no relacionamento das partes, crescimento pessoal, empoderamento, sendo possível observar que as partes se tornaram mais aptas a examinar as questões e negociar interesses de maneira cooperativa, a compreensão harmônica e conjunta das controvérsias (Idem, pp. 154-155). Por fim, o mediador deve conferir se entregou o termo de entendimento assinado as partes, mencionou o processo de execução, agradeceu às partes por terem comparecido, por sua postura e comportamento, pela criatividade e a busca pelo consenso e, ao final, informou a possibilidade de retorno, caso sintam necessidade. Conforme §3.º, do art. 5.º, da Resolução TJRJ 19/2010, a mediação judicial termina: com a homologação judicial, quando necessária, do acordo total ou parcial por essas firmado no sentido da resolução da disputa (1), ou ainda com a declaração de impasse pelo mediador (2) ou determinação de seu término pelo juiz ou relator do processo (3). Também porá termo à mediação plurissubjetiva, a declaração escrita de uma das partes endereçada às outras dando-lhes ciência do término de sua participação no procedimento (4).

Já o art. 7.º da referida resolução prevê que se as partes chegarem a um acordo, mesmo parcial, perante as questões identificadas no conflito o mediador: elaborará o respectivo termo (1); e o submeterá às partes e seus advogados (2); somente depois de por esses aprovados, será encaminhado ao juiz ou ao relator do processo para devida revisão e homologação, respeitados os limites que são postos ao poder dispositivo das partes pelos direitos fundamentais e demais princípios de ordem pública, éticos e morais a que se submete (3).

Nesse sentido, insta observar que a Resolução 19/2010 define as formas de conclusão da mediação e os trâmites para a elaboração, aprovação, encaminhamento, validação e homologação do acordo, estabelecendo um trâmite e as hipóteses dos resultados. A mediação judicial possui a peculiaridade de resultar na consolidação de um título judicial, isto é, a partir da homologação o que foi estabelecido no acordo pode ser objeto de execução judicial, ou seja, em caso de dissenso ou descumprimento de alguma das obrigações, as partes têm a faculdade de utilizar os meios forçosos do processo executório. Esta questão indica que o acordo homologado, ao substituir a sentença, baseada em provas e no princípio da ampla defesa, conduz ao paradoxo de que o consenso substitui a realidade dos fatos, apesar do título executivo não possuir elementos fundados nos fatos,

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mas na construção de um acordo de vontades a partir de um processo de negociação em que a atuação do mediador propicia condições ideais de comunicação no tempo e no espaço do processo de mediação. Contudo, não necessariamente estas condições ideais se reproduzem no cotidiano dos envolvidos, ainda mais quando nem todos os envolvidos participam do processo como, por exemplo, numa relação de vizinhança, de família e de consumo, pois nesses conflitos há participações colaterais, alianças e decisões de caráter político, econômico e social que não se esgotam em um acordo bilateral, tendo em vista a complexidade das relações humanas e, por outro lado, o mediador não faz parte desse cotidiano, não compartilha vínculos sociais que o permitam contribuir para a manutenção dos compromissos. Portanto, podemos indagar que diferentemente do processo judicial, que tem como objetivo o julgamento das condutas de acordo com o ordenamento jurídico, os costumes e outras fontes normativas previstas legalmente, a mediação põe fim ao processo judicial sem que as condutas sejam apuradas e julgadas, permitindo às partes utilizarem a força coercitiva do Estado em caso de descumprimento de um acordo que não reflete e nem alcança o cotidiano dos envolvidos e que muitas vezes tem como requisitos de escolha a disparidade de condições cognitivas, psicológicas e sociais entre as partes. 3.9. A Mediação e suas técnicas II Neste tópico foram abordadas as ferramentas de negociação baseadas em interesses, para que se possibilitem reflexões, sentimento de empatia, postura cooperativa, redução do estresse, insegurança, medo, raiva entre outros estados internos e externos que influenciam diretamente na qualidade da comunicação e na postura das partes perante o conflito. Estas ferramentas compõem a dinâmica de estratégias de atuação perante o conflito que, conforme se depreende do Manual de Mediação, podemos imaginá-lo constituído de três facetas: 1. A questão em si; 2. As pessoas envolvidas; 3. O processo, isto é, a forma que as pessoas agem diante do conflito (Idem, p. 158). A partir dessa decomposição, é possível que as formas de atuação do mediador e as estratégias sejam utilizadas de maneira mais precisa, conforme o objetivo e o contexto em que o conflito se encontra.

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Estes objetivos são perseguidos durante todo o processo de mediação, contudo, com a fragmentação das questões podemos traçar uma estratégia de prioridade no enfrentamento das questões, obter ganhos mais rápidos e uma diversidade de opções, na medida em que cada ferramenta pode ser utilizada de maneira mais precisa, conforme a questão a ser enfrentada. Do Manual de Mediação Judicial, extrai-se o seguinte exemplo: Uma parte com questões impropriamente definidas poderia dizer: "Ele nega, mas ao mesmo tempo sabe que é o pai dos meus filhos, no entanto, não os registrou no seu nome e nem paga a pensão direito. Ele até ajuda, mas com muita má vontade. Toda vez que vem aqui em casa, fala comigo com um tom de desprezo e sequer manifesta qualquer carinho com meus filhos. Sempre que vamos conversar, ele ignora o que eu tenho a dizer e vai logo dizendo que não tem tempo para ficar discutindo (Idem, p 168)".

Estas questões associadas pelas partes conduz a situação de “tudo ou nada”, dificultando a negociação baseada em interesses, pois ali estão envolvidos diversos ruídos na comunicação de cunho emocional, social, financeiro, devendo o mediador intervir para fragmentá-los, conforme a seguir sugere-se no Manual: A questão da verificação da paternidade; sendo esta confirmada: • A questão da pensão alimentícia; • A questão da comunicação entre pai e mãe; • A questão do relacionamento entre pai e filhos (Idem).

A partir desta fragmentação é possível beneficiar-se de um sem-número de ferramentas que podem provocar mudanças: Recontextualização, audição de propostas implícitas, afago (ou reforço positivo), silêncio, sessões individuais, troca de papéis, geração de opções, normalização, organização de questões e interesses, enfoque prospectivo, teste de realidade, perguntas orientadas para soluções. Como forma de orientar os mediadores em formação, o material expositivo apresenta breve definição de cada técnica, tendo em vista que, conforme já explicitado, quanto mais precisa for à utilização das técnicas, maiores são as possibilidades de melhoria na comunicação e nos resultados. Recontextualização ou paráfrase consiste em retransmitir às partes uma informação que foi trazida por elas ao processo, o mediador deve se preocupar em apresentar estes dados em uma perspectiva nova, mais clara e compreensível, com enfoque prospectivo, voltado às soluções, filtrando os componentes negativos que eventualmente possam conter, com o objetivo de encaixar essa informação no processo de modo construtivo (Idem).

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Esta técnica permite aproximar narrativas, que muitas vezes parecem opostas ou distantes, pois estão contaminadas de informações de conotação negativa que nada possuem de relevante aos interesses e necessidades em questão, havendo apenas conflito de posições para se referirem a mesma questão: Enquanto uma afirma que o copo está “meio vazio”, a outra afirma que ele está “meio cheio”. Apesar das afirmações parecerem contraditórias, ambas quer dizer exatamente a mesma coisa (Idem). Nesse sentido, o mediador deve estimular as partes de modo que estas possam perceber determinados fatos a partir de uma diferente perspectiva e aproximada, do Manual de Mediação extraímos o seguinte exemplo: “Minha filha, você ainda é uma criança. Tem só 14 anos de idade. Em hipótese alguma vou permitir que você permaneça na festa até às três horas da manhã. Eu já havia estabelecido que o horário limite é até à uma hora. Eu já estou de dando uma colher de chá de uma hora!” Mediador: “D. Clarisse, a Senhora está indicando então que se preocupa com o bem-estar de sua filha e que, como mãe zelosa, tem o interesse que sua filha se divirta e gostaria de garantir que ela esteja em segurança ao sair à noite” Idem, p. 196).”

2. Audição de propostas implícitas: trata-se de uma ferramenta direcionada a identificar opções resolução de conflitos muitas vezes já existentes, mas por estarem polarizados em suas posições não conseguem se comunicar com uma linguagem neutra eficiente capaz de compreenderem-se mutuamente.

No manual podemos analisar o

seguinte exemplo: Joana e Antônio se separaram após um relacionamento de sete anos. Eles conseguiram realizar a partilha de todo seu patrimônio, com exceção de uma coleção de discos de ópera e a mobília. Joana diz: “Eu deveria ficar com a coleção, pois, afinal, fui eu quem pagou por ela quase toda.” Antônio, por sua vez, diz: “A coleção é minha. Fui eu que comprei muitos discos e garimpei em lojas de discos usados toda vez que eu estava em uma das minhas viagens de negócios. Eu tenho uma pretensão igualmente legítima de ficar com a coleção”. Proposta implícita: cada um deve ficar com os discos e memorabilia que pagou (Idem, p. 197).

Ouvir atentamente as partes que, em razão de uma comunicação ineficiente, não conseguem muitas perceber que propõem soluções enquanto estão expondo suas ideias. O papel do mediador é explicitar essas propostas de modo que as partes possam ouvi-las e considerá-las. 3. Afago: caso identifique um comportamento produtivo, eficiente ou positivo das partes ou dos envolvidos, o mediador deve recorrer ao afago como uma forma de resposta

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positiva específica e um estímulo para que este comportamento seja mantido, do Manual observamos a seguinte situação como exemplo: ...se uma parte admite, em sessão individual que a outra tem razão, em parte, cabe ao mediador estimular tal exercício de empatia por intermédio de um afago como: “Interessante essa sua forma de ver esta questão.” “O fato de perceber que o Jorge teve boa intenção quando lhe entregou a documentação ajuda muito na mediação. Quando estivermos novamente em uma sessão conjunta seria produtivo se você comentasse isso com ele”. Ou ainda: “Bom ponto! (Idem, pp. 197-198)”.

O afago não necessariamente é transmitido por palavras, com experiência os mediadores desenvolvem habilidades de expressão facial ou corporal capazes de transmitir o afago com resultados ótimos. Talvez, nos primeiros contatos o afago possa parecer artificial, portanto cabe ao mediador desenvolver esta habilidade diariamente, para que soe o mais natural possível. Contudo, deve-se identificar o comportamento positivo das partes, tendo em vista que se as partes não se comportaram conforme a sua percepção, sua resposta pode ser negativa e pode transparecer que o mediador não prestou atenção. 4. Silêncio: O silêncio das partes também pode ser compreendido pelo mediador de maneira positiva, tendo em vista que muitas vezes ocorre pelo fato de que as partes estejam numa condição reflexiva, o que indica uma oportunidade de aprofundamento das questões e diante desta possibilidade, respeitar o silêncio pode ser eficiente para a identificação e superação de problemas mais profundos (Idem, p. 198). 5. Sessões individuais ou privadas: Recomenda-se que os mediadores comuniquem as partes na declaração de abertura à possibilidade de haver sessões individuais, que podem ser adotas em diversas situações, conforme elencadas no Manual de Mediação: i)para permitir a expressão de fortes sentimentos sem aumentar o conflito; ii) para eliminar comunicação improdutiva; iii) para disponibilizar uma oportunidade para identificar e esclarecer questões; iv) como uma contramedida a fenômenos psicológicos que impedem o alcance de acordos, tal como a reação desvalorizadora; v) para realizar afagos; vi) para aplicar a técnica de inversão de papéis; vii) para evitar comprometimento prematuro com propostas ou soluções; viii) para explorar possível desequilíbrio de poder; ix) para trabalhar com táticas e/ou habilidades de negociação das partes; x) para disponibilizar um ambiente propício para o exame de alternativas e opções; xi) para quebrar um impasse; xii) para avaliar a durabilidade das propostas; xiii) nas situações em que se perceber riscos à ocorrência de atos de violência (Idem, p. 199).

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O mediador, como objetivo de preservar a paridade entre as partes, sempre proceder à sessão privada para as duas deve realizar sessão privada, em igualdade de condições e em igualdade de número para a outra parte, recomenda-se iniciar a sessão com um breve resumo ou validação de sentimentos. O mediador deve ser vigilante para não transmitir implícita ou explicitamente juízos de valor e posicionamentos em favor de alguma das partes (Idem). 6. Troca de papéis: Esta técnica estimula a empatia entre as partes, pois possibilita uma parte experimentar a posição do outro. É uma técnica recomendada prioritariamente para as sessões individuais, devendo ser indicado pelo mediador que: i) que se trata de uma técnica de mediação e ii) que esta técnica também será utilizada com a outra parte. Estas recomendações visam manter a imparcialidade e a percepção das partes da preocupação do mediador em ser imparcial. No manual, a título de exemplo, está descrita a seguinte situação: “Sr. João R. B. Batista, o senhor apesar de ser dono de oficina mecânica também é consumidor. Nesse sentido, eu vou aplicar uma técnica de mediação que é a inversão de papéis, e faço isso apenas porque gostaria de ver ambos se entendendo bem e percebendo de forma clara como cada um viu e viveu essa situação. Naturalmente, quando tiver com a Sra. Taís vou aplicar essa inversão de papéis com ela também. Então, voltando à pergunta, como você gostaria de ser tratado, como consumidor, no que se refere a orçamentos?” (Idem, p. 200).

7. Geração de opções – Brainstorming/ perguntas orientadas a geração de opções: Esta ferramenta é muito útil para a superação de impasses, o mediador não deve apresentar opções, mas estimular as partes a cria-las, buscando fazer deste recurso uma prática que possa ser aplicada em outras situações de conflito. Vasconcelos (op. cit., p.96), denomina esta ferramenta como tempestade de ideias. O primeiro passo, segundo Azevedo et al (op. cit., p. 201), o primeiro passo é realizar perguntas que estimulem a imaginação das partes em busca de uma solução conjunta. As perguntas voltadas para a criação de soluções tem o seguinte teor: “Na sua opinião, o que poderia funcionar?” “O que você pode fazer para ajudar a resolver esta questão?” “Que outras coisas você poderia tentar?” “Para você, o que faria com que esta ideia lhe parecesse mais razoável?” (Idem, p. 201)

Outra forma de estimular a criação de opções e o brainstorming, em que o mediador incentiva as partes a identificar soluções baseando-se no que foi contato e no que já sabe sobre os interesses de outra parte.

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8. Normalização: Recomenda-se que o mediador tenha um discurso voltado para normalização do conflito, com o objetivo de retirar o conflito do contexto da culpa, pois geralmente as pessoas ao sentirem-se constrangidas por estarem em juízo em razão do conflito tendem buscar a atribuição de culpa. A normalização consiste em estimular as partes a perceberem o conflito como algo natural e como uma oportunidade de melhorar a relação entre os envolvidos. No Manual de Mediação Judicial, podemos identificar como exemplo, um caso de direto do consumidor, em que o mediador utilizaria a técnica da normalização nestes termos: “Srs. Jorge e Renato, estou percebendo que os dois estão muito aborreci- dos com a forma com que aquela conversa sobre orçamento se desenvolveu. Vejo isso como algo natural a duas pessoas que gostariam de ter bons relacionamentos e que gostariam de adotar soluções justas às suas questões do dia a dia. Vamos então conversar sobre essa questão da comunicação?” (Idem, p. 202).

9. Organização de Questões e Interesses: Esta técnica é utilizada para auxiliar as partes a manterem o foco em questões e interesses objetivos. Nesse sentido, o mediador tem a tarefa de conduzir a sessão estabelecendo a relação entre as questões a serem debatidas e os interesses reais das partes. No Manual, a mesma relação de consumo acima serve de exemplo: “Srs. Jorge e Renato, vamos conversar sobre a questão da comunicação entre consumidor e comerciante considerando que o Sr. Jorge tem interesse de prestar um bom serviço, atender bem ao consumidor e ser reconhecido por isso e que o Sr. Renato tem o interesse de ser bem atendido e apreciar quando lhes são prestados bons serviços. Inicialmente me parece que ambos concordam que a comunicação entre consumidor e comerciante não atendeu às expectativas de ambos...” (Idem, p. 203).

Assim, a correta identificação dos interesses é fundamental no trabalho do mediador, pois os interesses manifestos, aparentes. Uma forma sugerida no manual para distinguir os interesses aparentes dos interesses reais e a incoerência entre um interesse manifesto e os demais interesses reais que, ao serem identificados devem ser confirmados com as partes na forma de um breve resumo (Idem). 10. Enfoque prospectivo: Tem a finalidade a buscar soluções que atendam os interesses reais das partes, sem voltar à análise aos fatos e direitos com o objetivo de atribuir culpa ou responsabilidade individual. A escuta do mediador de estar focada na identificação dos interesses, das questões a serem dirimidas e pensar numa forma de

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estimular a comunicação entre as partes com o objetivo de encontrar soluções. Extrai-se o seguinte exemplo do Manual: ao invés de um mediador perguntar para a parte “o que o senhor acredita ter feito equivocadamente nessa situação?” ou “o senhor acha correto proceder a consertos sem apresentar orçamento prévio?” recomenda-se que se faça a mesma pergunta de forma prospectiva: “caso essa situação volte a se repetir no futuro com outro cliente, que procedimento o senhor alteraria para que essa situação não venha a se repetir?” (Idem, p. 204).

No enfoque prospectivo, o mediador deve estimular as partes a se empenharem no sentido de construir uma história ou futuro alternativo, tendo em vista que não há possibilidade de mudar o passado, mas refletirmos sobre ele a partir da mediação, para definirmos o que desejamos construir para o futuro. Exemplo: Sandra: “Não o perdoarei nunca por você ter me ofendido na frente das crianças!” Mediador:” Bruno, depois do que você e Sandra expressaram nesta sessão, se você pudesse voltar a viver essa situação, como gostaria que as coisas se passassem?”

11. Teste de realidade: Consiste em identificar que o envolvimento emocional pode estar conduzindo a parte a criar uma realidade particular, interna uma percepção contagiada pelo contexto anímico em que a parte se encontra. Ao recorrer a esta técnica, o mediador estimula a parte a contrastar sua realidade interna, particular, com a realidade externa, sendo necessário deixar claro à parte que se trata de uma técnica que está sendo utilizada com o objetivo específico, sendo uma técnica a ser aplicada, mormente nas sessões individuais. Após a apresentação das técnicas, a próxima aula abordará novamente aspectos que os mediadores devem observar na finalização da mediação assim como, o trâmite dos resultados e aspectos administrativos, como dados estatísticos e encaminhamento dos acordos. Ao final de cada capítulo exercícios de fixação eram propostos em sala de aula pelas formadoras, com a apresentação de vídeos exemplificativos, exercícios de simulação, atividades em grupo e questões reflexivas.

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3.10. Finalização da Mediação O último tópico abordado no curso de capacitação se refere ao termo final do procedimento de mediação judicial, que deve ser formalizado, constando as seguintes informações: a) Tribunal; b) Comarca; c) Juízo, d) Número e natureza do processo; e) Nome dos usuários, advogados e dos mediadores/conciliadores; f) Data, horário e local da sessão.·. O termo de entendimento ou de acordo deve ser redigido pelo mediador traduzindo precisamente o que foi acordado entre os envolvidos, com elementos que permitam verificar a efetividade e viabilizar o cumprimento das obrigações pactuadas. No ANEXO VI, está disponibilizado um “modelo de termo de entendimento” utilizado no CEJUSCCapital. Após a assinatura do termo de acordo e encerramento do processo de mediação, as partes recebem um formulário de pesquisa de satisfação. Nas sessões que presenciei, o formulário era entregue pelos mediadores ou pelos funcionários da recepção ao final do processo. Conforme podemos observar do formulário, as questões a serem respondidas pelos usuários são objetivas e seguem uma escala de avaliação (ótimo, bom, regular, ruim, péssimo). As perguntas possuem o seguinte teor: 1. ATUAÇÃO DO MEDIADOR: (a) imparcialidade na condução do procedimento de mediação, (b) atenção dispensada às partes e educação, (c) objetividade na comunicação. 2. OBJETIVO DO MEDIADOR: (a) cumprimento das expectativas que tinha quando decidiu-se pela mediação (b) aquisição de novas habilidades para melhor compreender a outra parte? (c) resultado satisfatório para ambas as partes? 3. ORGANIZAÇÃO E INFRAESTRUTURA: a) atendimento pelos funcionários do centro de mediação, b) limpeza e organização das salas, c) alteração positiva da imagem que tinha do judiciário.

Outro ponto de relevo extraído do material expositivo se refere ao que determina os artigos 13 e 14 da Resolução CNJ 125/2010, pois cabe aos Tribunais criar e manter dados sobre as atividades de cada CEJUSC, conforme orientações contidas no Anexo IV, da referida resolução e ao CNJ compilar as informações prestadas pelos Tribunais, avaliar e disponibilizar o desempenho de cada Tribunal e manter permanentemente os dados atualizados.

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Do ANEXO IV, destacam-se as seguintes atividades que devem ser observados para a produção de dados: 1) Estrutura de Pessoal; 2) Setor pré-processual; 3) Setor processual; 4) Setor de Cidadania; 5) Participantes. Conforme o objeto de pesquisa já delimitado, iremos nos concentrar nos dados relacionados com as mediações processuais (incidentais) e toda a estrutura do entorno, portanto, excluiremos da descrição e análise os dados do setor pré-processual. Em relação à estrutura de pessoal, insta observar a recomendação para que se produzam os seguintes dados: (i) quantidade de servidores com dedicação exclusiva; (ii) quantidade de servidores responsáveis pela triagem;) (iii) quantidade de funcionários cedidos por entidades parceiras; (iv) quantidade de conciliadores cadastrados; (v) quantidade de mediadores cadastrado. Conforme observamos, os mediadores são voluntários, sem dedicação exclusiva, os únicos funcionários, não servidores, mas contratados com dedicação exclusiva no CEJUSC-Capital são os funcionários do setor administrativo. Quanto

aos

dados

acerca

dos

servidores

capacitados

para

triagem

e

encaminhamento adequado dos casos, pude constatar que no CEJUSC da capital este tipo de procedimento é feito pelo setor administrativo, tendo em vista informações acerca do perfil e da preferência dos mediadores. Não há funcionários cedidos por entidades parceiras, nem serviço de conciliação, a não ser nas pautas concentradas e na Semana Nacional da Conciliação, em que os mediadores são convocados para atuarem em casos de contenciosos de massa. Há certa rejeição dos mediadores pelo procedimento da conciliação, como se fosse uma prática desqualificada, tanto que não há conciliadores cadastrados no CEJUSCCapital. Os conciliadores geralmente estão lotados nos gabinetes dos juízes e nos juizados especiais, há uma separação explicita entre mediadores e conciliadores, ambos parecem desconhecer a outra prática e, muitas vezes, os mediadores desvalorizam a prática da conciliação. Em relação ao setor processual, recomendou-se produzir os seguintes dados: (i) quantidade de sessões de conciliação designadas em determinado período; (ii) quantidade de sessões de mediação designadas em determinado período; (iii)

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quantidade de sessões de conciliação realizadas em determinado período; (iv) quantidade de sessões de mediação realizadas em determinado período; (v) quantidade de acordos obtidos em sessões de conciliação realizadas em determinado período; (vi) quantidade de acordos obtidos em sessões de mediação realizadas em determinado período; (vii) percentual de acordos obtidos em relação às sessões de conciliação realizadas em determinado período; (viii) percentual de acordos obtidos em relação às sessões de mediação realizadas em determinado período; (ix) quantidade de audiências prejudicadas pela ausência do autor; (x) quantidade de audiências prejudicadas pela ausência do réu; (xi) quantidade de audiências prejudicadas pela ausência de ambas as partes; (xii) período de tempo entre o encaminhamento do processo ao CENTRO e a data designada para a audiência de conciliação; (xiii) período de tempo entre o encaminhamento do processo ao CENTRO e a data designada para a sessão de mediação; (xiv) quantidade de sessões de conciliação realizadas em determinado período por conciliador cadastrado; (xv) quantidade de sessões de mediação realizadas em determinado período por mediador cadastrado; (xvi) quantidade de acordos obtidos em sessões de conciliação realizadas em determinado período por conciliador cadastrado; (xvii) quantidade de acordos obtidos em sessões de mediação realizadas em determinado período por mediador cadastrado; (xviii) percentual de acordos obtidos em relação às sessões de conciliação realizadas em determinado período por conciliador; (xix) percentual de acordos obtidos em relação às sessões de mediação realizadas em determinado período por mediador.

Quanto às recomendações acerca do setor processual, como já foi mencionado, o CEJUSC-Capital, não há conciliadores cadastrados, os dados referentes à mediação processual são computados pelos funcionários do setor administrativo e gerenciados pela coordenação do CEJUSC. Observa-se que os critérios em relação aos resultados do acordo, se referem às variáveis: (1) “acordos obtidos”, (2) “acordos não obtidos”, (3) “audiências prejudicadas pela ausência do autor”, “ausência do réu, “ausência de ambos”. Quanto à atuação dos mediadores, as variáveis são: (1) “quantidade de acordos obtidos por mediador”, (2) “sessões de mediação realizadas por mediador”, (3) “percentual de acordos obtidos em relação as sessões de mediações realizadas em determinado mediador” Por oportuno, cumpre ressaltar o caráter produtivista dos critérios estatísticos, que apenas tem o objetivo de aferir os resultados e a eficiência dos mediadores pelo número de sessões e o número de acordos realizados. Conforme podemos notar, o único resultado positivo computado nesta metodologia de avaliação é o número de acordos efetivados, o que nos leva a pensar em outros tipos de resultados aferíveis, na possibilidade de acordos parciais e até mesmo questões de fatos dirimidas entre as partes, que poderiam diminuir a necessidade de discricionariedade do juízo e oferecer ao juízo critérios de verossimilhança, conforme pactuado entre as partes.

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A quantidade de mediações designadas está diretamente relacionada e dependente do encaminhamento das Varas Cíveis, de Família e dos JECRIM's, tendo em vista que geralmente estes juízes contam com conciliadores, psicólogos e outros auxiliares e muitos não conhecem a prática da mediação a ponto de se pautarem em critérios objetivos para encaminhamento, os casos encaminhados são oriundos dos mesmos juízos, geralmente aqueles que têm alguma relação com os integrantes do NUPEMEC e do CEJUSC. Caso haja encaminhamento, o processo precisa ser suspenso e, em alguns casos acompanhados, houve muitas sessões, os termos do acordo não correspondem ao vocabulário e até mesmo à lógica jurídica, tendo em vista as obrigações podem não corresponder a obrigações jurídicas, mas a declarações cooperação e até mesmo compromissos éticos e morais tutelados por outras formas sancionadoras que não a coercibilidade do direito. Em relação ao setor de cidadania: (i) quantidade de atendimentos prestados em determinado período; (ii) quantidade de orientações jurídicas prestadas em determinado período. No período de trabalho de campo, não tive a oportunidade de observar este tipo de serviço, quanto mais se tratando de mediação incidental, tendo em vista que os casos encaminhados são oriundos de processo judicial. Por outro lado, não se observou mediadores ou advogados disponíveis para atendimentos e orientações jurídicas. Em relação aos participantes (i) identificação dos reclamantes, reclamados e partes, com qualificação completa e CPF ou CNPJ; (ii) 100 (cem) maiores reclamantes, reclamados, autores e réus, com os respectivos CPF’s e CNPJ’s em determinado período; Na mediação incidental estes dados estão associados ao número do processo, comarca, vara, assunto, pois, os casos encaminhados para o CEJUSC são, geralmente, oriundos de processos entre pessoas físicas, este dado parece não se aplicar aos CEJUSC’s. Estes dados são gerenciados pelos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e respectivas Varas. Contudo, parece-me que com a edição da Resolução TJRJ n.º 16/2014, que Regulamenta o Plano Estadual de Autocomposição e o funcionamento do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos - NUPEMEC e revogam as disposições das Resoluções TJ/OE nº 19/2009 e 23/2011, nos artigos 9.º, 14 e 17 determinam que a prática da conciliação, assim como treinamento, cadastro, titulação e

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desligamento dos conciliadores passam a serem gerenciados pelo NUPEMEC, assimilando a prática da conciliação nos CEJUSC’s. 4. O mediador entre a teoria, a técnica e prática Conforme observa Azevedo et al (op. cit., p. 103), um treinamento deve ensinar aos futuros mediadores como utilizar as técnicas e ferramentas dos processos de mediação para desenvolver essas habilidades. Naturalmente, a prática supervisionada auxilia substancialmente a internalizar o domínio delas. Azevedo et al (Idem) recomendam que o curso de formação básica em técnicas e habilidades de mediação deve ter aproximadamente quarenta horas de aulas teóricas seguidas e outras cem de estagio supervisionado com instrutor que deve ter pelo menos duzentas horas de mediações realizadas. Ao concluir o curso teórico, os futuros mediadores devem se inscrever como observadores em um ou mais CEJUSC’s do TJRJ, através do cadastro do mediador, conforme ANEXO X, em que é exigido, currículo, diploma de graduação, certificado do curso de capacitação, foto, CPF e RG. Após a inscrição, os observadores são incluídos em equipes de mediação conforme a demanda e a sua disponibilidade, que deve ser informada no momento do cadastro. As equipes geralmente são formadas por dois mediadores e dois observadores, a formação é feita pelo do setor administrativo dos CEJUSC’s que, no caso da mediação incidental recebe as fichas de encaminhamento dos juízos competentes e no caso da mediação préprocessual, através da própria solicitação de uma das partes pelo site do TJRJ ou pessoalmente. Após o recebimento das fichas, os funcionários e entram em contato por telefone com as partes, definem as datas e formam as equipes, conforme a disponibilidade informada. Em observância à necessidade de uma abordagem interdisciplinar exigida pelo processo de mediação, verificamos junto ao NUPEMEC, que no cadastro da equipe do CEJUSC - Capital, o número de mediadores e observadores cadastrados e sua formação acadêmica.

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Gráfico 1. Número de mediadores cadastrado no CEJUSC-Capital por área de formação44.

Conforme

se

verifica

no

gráfico

acima,

dos

oitenta

e

cinco

mediadores/observadores cadastrados no CEJUSC-Capital, apenas vinte são servidores, apesar do curso de capacitação ter sido preferencialmente disponibilizado para os servidores. Outro dado importante é que dos 85 cadastrados, quarenta e cinco possui formação jurídica, a segunda formação com maior incidência é psicologia com quinze e psicologia e direito com cinco. Estes dados relacionados à minha experiência como integrante da equipe de mediação do CEJUSC-Capital indicam que apesar do manual de mediação, do histórico da institucionalização da mediação no TJRJ e dos cargos de gestão e coordenação dos centros serem, mormente, ocupados por servidores, a maioria dos mediadores/observadores são profissionais liberais. Mesmo após Ato Executivo n.º 3053 prever que os Servidores Mediadores devem cumprir expediente três dias ao mês no CEJUSC que esteja vinculado, em conversa com os mediadores/servidores, as queixas eram constantes no sentido de que os superiores não liberavam para tal e quando liberavam muitos colegas repreendiam e o serviço acumulava

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Dados extraídos no 1º semestre de 2014, a partir da contagem manual das fichas de inscrição com auxílio dos funcionários do NUPEMEC. Fonte: NUPEMEC/TJRJ.

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o que se soma ao fato de que a função de mediador judicial não faz parte do organograma do TJRJ o cargo, assim como a função de coordenador do CEJUSC, pois não é uma função regulamentada e ainda não há previsão regulamentação desta função, reiterando o caráter voluntário; Apesar de a maioria equipe ser composta por profissionais liberais, não serventuários, grande parte dos mediadores que conheci nesta função prestava ou prestou algum serviço para o tribunal, é aposentado, isto é, tem algum vínculo anterior com a estrutura judiciária ou são advogados, poucos são professores, pesquisadores ou profissionais liberais sem vínculo anterior com o Poder Judiciário. No próximo tópico, tornaremos mais densa a descrição e análise da política pública, pois trataremos dos casos observados no CEJUSC-Capital com o objetivo de proporcionar ao leitor a experiência dos usuários o terem contato com as ADR’s após o ingresso da ação judicial, identificando as variáveis observadas nesse processo de escolha entre a jurisdição e o consenso, os dilemas e os usos e significados de acesso à justiça, direitos, voluntariedade, imparcialidade, autonomia, assim como os resultados possíveis, os procedimentos, os documentos e critérios de avaliação do serviço, os dados estatísticos, os desdobramentos. Uma das formas de qualificação continuada após o curso de capacitação teórica é através da observação das mediações, que também são atividades reputadas aos supervisores, sendo somente nestas duas condições possível observar as sessões de mediação, que em regra são confidenciais e sigilosas. Assim, conforme consta no Manual de Mediação Judicial (AZEVEDO, 2013 pp. 254-256), recomenda-se que as partes sejam informadas da presença e da função dos observadores, que poderão ser mediadores, advogados, magistrados, professores e estudantes e serve como parte do estágio de formação, assim como da atividade de autosupervisão da equipe. Diferentemente da mediação privada, na mediação judicial não há necessidade de anuência das partes quanto à atividade de supervisão, pois é parte do processo de treinamento e da atividade de grupo de auto-supervisão, sendo ainda uma das atividades do supervisor.

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Identificamos ainda no material expositivo as seguintes orientações aos observadores: 1. Pontualidade; 2. Trajes; 3. Posturas adequadas; 4. Identificação funcional; 5. Retirar-se da sala somente ao fim da sessão, intervalos ou solicitar sua saída, sem interromper a mediação; 6. Evitar movimentos que possam interromper a sessão - ruídos e movimentos bruscos e desligar aparelhos celulares; 7. Evitar qualquer tipo de comunicação com as partes, advogados e mediadores e o outro observador; 8. Anotar as dúvidas e informações para serem tratadas com os mediadores ao final da sessão; 9. Toda e qualquer informação das sessões de mediação são consideradas confidenciais, não há produção de provas, não devem ser passadas informações e comentários sobre as sessões para terceiros de fora da sessão; 10. Ao final da sessão apresentar sugestões e dúvidas a equipe de forma construtiva.

O observador ainda recebe um extenso Formulário de Observação 45 (ANEXO III), de quatro páginas, com espaço para identificação da equipe, do CEJUSC, data de início e término, tempo total, número de sessões e resultado final, com 93 itens a serem observados e, ainda, um espaço para comentários do observador. Os 93 itens estão divididos em 11 critérios correspondentes às etapas da mediação e às técnicas e capacidades a serem empregadas, da seguinte forma: 1. Declaração de Abertura; 2 Habilidades Interpessoais; 3. Habilidades em escutar; 4. Estruturando Questões e Interesses; 5. Lidando com o Conflito; 6. Estratégia para Acordo; 7. Preconceito; 8. Reuniões individuais; 9. Advogados; 10. Acordo Escrito; 11. Encerramento da mediação. Nos casos objeto de estudo a seguir, conforme pactuado com a coordenação do NUPEMEC e com a coordenação do CEJUSC-Capital, informei, em cada caso, no primeiro contato com os mediadores e mediandos que além de minha posição de mediador, havia o interesse de utilizar os casos para minha pesquisa de mestrado e que eventualmente iria utilizar os casos como exemplo, sem citar dados pessoais que possibilitassem que outrem, senão os participantes pudessem identificar as partes e os advogados, que somente iria participar como observador se houvesse a anuência de todos. Portanto, além de estar comprometido com os princípios éticos da mediação, por não fornecer dados que permitam que terceiros identifiquem os participantes, todos os casos objeto de estudo estão relatados com a anuência a das partes e a autorização da

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Conforme verifica-se no item “CRÉDITOS”, ao fim do formulário: este formulário foi adaptado a partir de documentos desenvolvido, em 1992, pelas Professoras Sally Ganong Pope e Lela Porter para o Centro de Mediação do Brooklyn, em Nova York. Revisado pela Professora Carol Liebman, da Universidade de Columbia, em Nova York e pelo Juiz André Gomma de Azevedo do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

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coordenação do NUPEMEC e do CEJUSC-Capital, que além de consentir com o relato dos casos, também forneceram os dados estatísticos que permitiram descrever o cenário com maior precisão. A Portaria NUPEMEC nº 01/2014 (ANEXO XVI), com a finalidade de regulamentar os critérios para a certificação de mediadores e supervisores, conforme artigo 20 da Resolução 16/2014, estabeleceu os seguintes critérios: 1. A certificação ocorrerá anualmente, no mês de novembro, sendo que os mediadores devem apresentar a documentação até 30/11; 2. A primeira certificação terá a validade de um ano e poderá ser revalidada por mais um ano, caso o candidato não reúna os requisitos necessários para certificação sênior; sempre seguindo os mesmos critérios de avaliação, 3. Para obtenção da primeira certificação o candidato deverá comprovar 150 (cento e cinquenta) horas de atividade voluntária nos CEJUSC’s, a partir dos seguintes critérios: a) Mínimo de 90 (noventa) horas de mediação; b) Até 30 (trinta) horas de participação em mutirões; c) Até 10 (dez) horas de participação em pré-mediações e oficinas de parentalidade; d) Até 10 (dez) horas de participação em cursos, treinamentos e eventos de mediação; e) Mínimo de 10 (dez) horas em atividade de supervisão. Conforme estabelece o parágrafo único do artigo 3.º as horas serão comprovadas mediante certidão fornecida pelo Juiz Coordenador do CEJUSC ao qual o candidato esteja vinculado, devendo o mesmo apresentar nos CEJUSCS os comprovantes necessários à apreciação do magistrado. Além da documentação acima, o Certificado de conclusão de curso superior; Certificado de conclusão do curso básico de mediação ministrado no TJRJ ou por entidade devidamente habilitada pelo NUPEMEC, o Certidões de antecedentes cíveis e criminais; Certidão do Juiz Coordenador do CEJUSC ao qual se encontra vinculado, contendo o número de horas de mediação prestadas, bem como avaliação quanto à assiduidade, pontualidade e comprometimento na prestação voluntária; cópia dos seguintes documentos: Carteira de identidade; CPF; Título de Eleitor; Comprovante de endereço. Quanto à certificação do mediador sênior será emitida com validade de cinco anos após o mediador judicial completar 300 horas de mediação. O mediador sênior deverá 144

passar por processo de renovação de certificação a cada cinco anos, segundo a comprovação de vinculação ativa a um dos CEJUSCs do TJRJ encaminhada ao NUPEMEC pelo Juiz Coordenador do CEJUSC ao qual se encontra vinculado e a comprovação de 40 (quarenta) horas de capacitação contínua e comprovar que está inserido em atividade de supervisão. Antes de a Portaria regulamentar os critérios de certificação, o NUPEMEC os procedimentos de certificação já eram instruídos através do processo de certificação (ANEXO XV), com os seguintes documentos: 1. Cadastro do Mediador (ANEXO XV); 2. Curriculum; 3. Resumo Participação em Mediações (ANEXO IV); 4. Participação Eventos Internos (ANEXO XIII); 5. Participação Eventos Externos (ANEXO XIV); 6. Relatórios Observação Mediação (ANEXO III); 7. Relatórios Mediação (II); 8. Pesquisa Satisfação Destinatário (ANEXO VIII); 9. Declaração de Conclusão do Curso. Os casos a seguir foram observados após a conclusão do curso teórico de 40 horas em mediação judicial. Portanto, ocupava, mormente, a função de observador, atuando somente em três casos como comediador, acompanhado de mediadores experientes. Outra questão que merece destaque é a observação de Christopher Moore do fato de que a variedade de situações, fóruns, conflitos e culturas diferentes influenciaram tanto na variedade de papeis quanto de procedimentos. Moore destaca três classes de mediadores, definidos pelo tipo de relacionamento que estes têm com as partes em conflito: (1) mediadores da rede social. (2) mediadores com autoridade, (3) mediadores independentes (MOORE, op. cit., p. 48). Os mediadores de rede social caracterizam por fazerem parte da rede social duradoura e comum dos indivíduos ou grupos em conflito, podem ser amigos, vizinhos, sócios, colegas de trabalho, colegas de profissão, autoridade religiosa, líder comunitário, anciãos, reconhecidos no âmbito social que as partes estão vinculadas. Esta posição é reputada em decorrência da confiança depositada neste terceiro pelos indivíduos e pela coletividade, sendo sua obrigação pessoal com as partes e com a coletividade que determina e legitima esta posição, através do compromisso em manter os relacionamentos interpessoais tanto em situações presentes quanto em longo prazo, mantendo a coesão do grupo.

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A tarefa deste tipo de mediador dificilmente tem início e fim, pois este atua como agregador das relações sociais, assim como referência dos sentimentos morais da coletividade, atuando de maneira contínua antes, durante e após os conflitos, incluindo a manutenção dos compromissos assumidos pelas partes, sua autoridade está estritamente vinculada à sua credibilidade social. A segunda classe dos mediadores tem como característica distintiva o fato de que sua posição deriva da delegação superior da autoridade perante as partes e a coletividade, o vínculo que legitima sua posição não se origina das suas relações sociais, mas da autoridade superior às partes e à sociedade. Apesar de não poder se distanciar da característica elementar da mediação que é a de não substituir as partes na tomada de decisão, sua posição de autoridade tende a influenciar as partes a chegarem num acordo, eventualmente induzindo inclusive o conteúdo das obrigações, tendo como parâmetro, por exemplo, as decisões unilaterais da autoridade com poder de decisão como forma de persuasão para que as partes cooperem mutuamente em busca do acordo. Sua posição está diretamente ligada a uma posição formal em certa comunidade ou coletividade, por escolha ou indicação de uma autoridade superior ou imposição legal, até mesmo derivada do acesso aos recursos que as partes em conflito valorizam como forma de submeter-se a sua autoridade. É neste tipo de mediador que o mediador judicial pode ser classificado. Moore trata de três variações de mediador com autoridade: o mediador benevolente, o mediador administrativo/gerencial e o mediador e com interesse investido (Idem, p. 51). Não vamos investir maior densidade nas características de cada subtipo, pois para este trabalho, o tipo de mediador com autoridade já se conforma bem com o papel do mediador judicial. O último tipo de mediador é aquele procurado pelas pessoas em conflito que buscam uma intervenção de um mediador não vinculado às redes sociais ou instituições hierárquicas, mas sua posição é legitimada por sua reputação profissional em intervir em conflitos, seu compromisso com a neutralidade e a imparcialidade na utilização de procedimentos compromissados com a comunicação aberta, a equidade, a negociação

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justa e a durabilidade do acordo no decorrer do tempo e a obrigatoriedade do acordo, isto é, que os vínculos obrigacionais do acordo sejam efetivos (Idem, p. 54). O mediador independente se caracteriza pela neutralidade no relacionamento com as partes e a postura imparcial que ele assume perante o conteúdo do conflito, podem ser identificados em sociedades que desenvolveram profissionalmente a função de conselheiro, assistentes sociais, terapeutas, consultores legais, financeiros sem outras conexões. No item 2.2 do capítulo III, trataremos de como estes tipos de mediadores e a natureza das relações sociais guardam relação com a escolha, o alcance e os resultados nas formas de processamento de conflitos, buscando identificar variáveis explicativas através das condições necessárias para que jurisdição e consenso se adéquem a estas condições para que as formas de abordagem e o processamento sejam escolhidas de maneira consciente.

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II. ESTUDO DE CASOS Este capítulo tem o objetivo de apresentar cenário legal-institucional que evidencie os direitos passíveis do dilema jurisdição x consenso (1), justificar a seleção dos casos objeto de estudo (2), contextualizar as condições e posições dos atores perante os conflitos (3), posicionar o leitor na condição de primeira pessoa para que experimente os dilemas e os caminhos do processo de decisão (4), descrever a dinâmica e os dilemas das interações ocorridas nas sessões (5), identificar as variáveis que integram as decisões (6), analisar algumas questões a partir dos casos sob a perspectiva em terceira pessoa (7). A distância entre leis e princípios e o que ocorre na realidade é um desafio para a pesquisa jurídica, pois, se os princípios e regras impostas visam regular um mundo real, de forma distante ou indiferente à natureza humana e os dilemas cotidianos, estes somente serão efetivados por indivíduos que tenham habilidades sobre-humanas. Princípios como imparcialidade, neutralidade, autonomia da vontade, liberdade, igualdade não devem ser um ponto de partida da conduta humana, mas um ponto de chegada que, para tal, devem ser investigadas as condições necessárias para que estes se realizem. Portanto, é essencial criarmos ferramentas teóricas de base empírica que nos permitam descrever, identificar, experimentar e analisar nossas práticas, assim como princípios e técnicas decisórias tanto no exercício jurisdicional, quanto nas formas autocompositivas de resolução de conflitos. Esta proposta atinge frontalmente a crença de que o raciocínio jurídico/técnico é superior ao raciocínio humano, sendo indispensável que pesquisas jurídicas se aproximem das condutas e práticas do cotidiano, o que nos propiciará parâmetros mais concretos para pensarmos nas formas de resolução de conflitos, pois estas guardam relação direta com a forma com que respondemos aos dilemas cotidianos a partir de nossas capacidades cognitivas e sociais. Uma das questões a serem enfrentadas por aqueles preocupados com inconsistências entre princípios, leis, técnicas e a realidade é o aparente paradoxo concreto/abstrato. Este aparente paradoxo implica diretamente no confronto entre a narrativa dos casos e as teorias e técnicas utilizadas.

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A filosofia da linguagem e da mente, assim como da psicologia moral e filosofia experimental, vem abordando estes temas através de dilemas morais, que permitem demarcar como problemas abstratos e concretos são processados em nosso sistema cognitivo e sua repercussão nas decisões. Para tanto partimos de narrativas que colocam o leitor em primeira pessoa, como um exercício de alteridade, ao invés de análises herméticas, que indicam qual a atitude deveria ser a correta, sem levar em consideração as contingências enfrentadas nos casos concretos. Num segundo momento, após experimentarmos a posição em primeira pessoa, nos deslocamos para análises em terceira pessoa, identificando os aspectos externos e internos para no contraste entre as análises verificarmos as condições internas e externas que integram o processo decisório, nos permitindo refletir quais seriam as condições ideais e se elas são factíveis de serem implementadas, segundo condições materiais, psicológicas socioculturais na concepção de instituições político-jurídicas democráticas. Para um trabalho empírico, serão identificados os aspectos gerais que servirão como base para que as conexões, contrastes, correlações e causações sejam dinamizadas, acolhendo as rupturas e continuidades para dentro de uma análise sistêmica consciente da complexidade, instabilidade e intersubjetividade das relações humanas. 1. Aspectos gerais Nas sessões em que participei como observador/mediador, a equipe de mediação encontra-se com antecedência para os primeiros contatos e ajustes quanto à atuação de cada integrante, após nos dirigimos à recepção composta por cadeiras acolchoadas, dispostas em fila em frente à televisão, assim como todo ambiente do Fórum Central, o CEJUSC utiliza o sistema de ar condicionado, mas se diferencia por ser um setor ornamentado com quadros, cartazes de promoção da mediação, café, balas, bem diferente do que encontramos nas serventias, gabinetes e cartórios do TJRJ. A maioria das sessões de mediação que participei ainda era realizada na sala 106, Corredor “A”, Lamina I do Fórum Central, Av. Erasmo Braga, 115, composto por cinco salas, de 10 a 12 M², ar condicionado, mesa redonda, cadeiras, lousa branca, uma mesa e cadeira para computador, três delas tinham janela.

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Na recepção do CEJUSC situado na sala 106, Corredor “A”, havia de dois a três funcionários responsáveis pelos serviços administrativos, assim como pela formação da equipe de mediação, contato com as partes e mediadores, recepção, dar apoio geral às equipes de mediação e aos mediandos, contabilizar horas de mediação dos mediadores e observadores, registrar dados estatísticos, recebimento e devolução de fichas de encaminhamento dos casos (ANEXO I). A recepção das partes pelos mediadores e observadores foi sempre acolhedora, inicia-se pela apresentação da equipe. Atualmente o CEJUSC-Capital, funciona na Lamina V, Beco da Musica, sala T06, juntamente com o NUPEMEC, em um espaço mais amplo, com mais salas do mesmo padrão. Os requisitos para a declaração de abertura são cumpridos, as partes e advogados são informados sob os critérios do procedimento de mediação, assim como os princípios, objetivos, conforme consta no referencial teórico e no manual de mediação. Atualmente, o CEJUSC-Capital funciona na Lamina V, Beco da Musica, sala T06, juntamente com o NUPEMEC, em um espaço mais amplo, com mais salas do mesmo padrão, mas sem janelas. Algumas falas são recorrentes, geralmente pergunta-se às partes se elas chegaram bem, se já participaram ou conhecem os procedimentos, agradecem a presença, apresentam a equipe, fazem questão de destacar que não são juízes e que, diferentemente do processo judicial, na mediação as partes têm liberdade de se expressar de maneira simples, sem intermédio de seus advogados, muitos seguem quase que literalmente o roteiro da declaração de abertura (ANEXO V), inclusive lendo alguns pontos. A maioria das partes e advogados com quem tive contato nas sessões de mediação afirmou nunca ter participado deste procedimento, muitos alegam não conhecer, confundem com o processo de conciliação, que já é bastante difundido na prática judicial, tendo em vista estar previsto como uma fase processual no Código de Processo Civil, na lei 9.099/95 e no Código de Processo Penal (transação penal). Os casos encaminhados para os CEJUSC’s são oriundos das Varas de Família, JECRIM e Varas Cíveis, através de despacho do juízo competente e são recebidos através de uma ficha de encaminhamento (ANEXO I), apenas com o número do processo, a

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origem, o objeto, o nome das partes, dos advogados e as formas de contato, usualmente telefones e endereços. Os métodos alternativos de composição de conflitos, em espécie, a mediação incidental, quanto aos direitos passíveis de autocomposição, oscilam entre duas tendências, a primeira se refere à noção de justiça mais próxima à sociedade civil, na dimensão do interesse público, na proteção de direitos indisponíveis dos indivíduos e grupos na resolução dos conflitos, a segunda, a prevalência se dá em direção aos interesses privados, com base da liberdade individual e na autonomia da vontade entende-se que os direitos são propriedade dos indivíduos e, portanto, são “negociáveis”. O art. 8.º da Resolução CNJ n.º 125/2010 define que os CEJUSC’s, que deverão atender os Juízos, Juizados ou Varas com competência nas áreas cível, fazendária, previdenciária, de família ou dos Juizados Especiais Cíveis e Fazendários e oferecer os serviços de conciliação, mediação e de atendimento, orientação ao cidadão. O art. 2.º da Resolução TJRJ n.º 19/2009 define que mediação é uma forma de resolução de conflitos aplicável tanto antes da propositura da ação, quanto na pendência de recursos interpostos pelas partes e não se limita aos processos de natureza cível, incluídas, preferencialmente as questões referentes a consumo, família, as relações de vizinhança e todas as demais de trato continuado, mas se estende, também, às ações penais privadas; às públicas que versem sobre infrações de menor potencial ofensivo ou não, quando sujeitas a representação; às públicas incondicionadas de infrações de menor potencial ofensivo quando houver vítima direta, sujeita, entretanto, à apreciação do MP e do Juiz a aceitação do acordo como forma de encerramento do processo por falta de justa causa, e bem assim às demais ações penais públicas, como cláusula ou condição de eventual suspensão do cumprimento da pena ou do processo (IDEM).

Em suma, a mediação alcança conflitos que envolvem direitos disponíveis e relativamente disponíveis, tendo como parâmetro os mesmos direitos passíveis de acordo extrajudiciais. Os casos envolvendo direitos civis encaminhados ao CEJUSC-Capital, em sua maioria são casos oriundos de ações indenizatórias, de obrigação de fazer, reintegração de posse, consignação em pagamento. Os casos oriundos das Varas Cíveis são bastante reduzidos, no período da pesquisa apenas 34 casos foram encaminhados, um fator de relação imediata é que a conciliação é 151

realizada diretamente nas Varas Cíveis, pelos juízes ou auxiliares, além das Campanhas como a Semana Nacional da Conciliação e os Mutirões de Agenda Concentrada. Em relação aos conflitos que envolvem o direito penal, somente poderão ser objeto de mediação os casos sujeitos à ação penal privada e ação penal pública condicionada, definidos pela lei 9.099/1994, como delitos de menor potencial ofensivo. Em caso de acordo, estes casos implicarão na renúncia da queixa-crime ou da representação. As ações penais públicas incondicionadas podem ser objeto de mediação, sem que os direitos sejam transacionados, tem apenas a função viabilizar o diálogo e a relação. Em relação aos casos encaminhados do JECRIM’s para o CEJUSC-Capital, evidenciam-se como maior recorrência casos relacionados à lesão corporal, ameaça, injuria difamação, desobediência, violência doméstica, geralmente, causados por conflitos de vizinhança, família, relações continuadas em geral. Nos casos oriundos das Varas de Família, são objeto de mediação os direitos patrimoniais, sendo objeto de ponderação os conflitos que tratam de direitos indisponíveis, aqueles que a o titular não pode dispor ou renunciar por simples ato de vontade. Nesse caso, a viabilidade da mediação está condicionada à anuência do Ministério Público, ficando resguardados os direitos indisponíveis. No caso concreto, evidenciamos a maior recorrência de encaminhamento de casos de guarda, alimentos, regulamentação de visitas, divórcio, reconhecimento de união estável. Os autos do processo não são encaminhados, o processo fica suspenso, aguardando retorno. No TJRJ, conforme regulamenta a Resolução TJRJ n.º 19/2009, artigo 3º, parágrafo único, na hipótese de mediação não-voluntária: o respectivo procedimento não poderá superar o período de quarenta e cinco dias, prorrogáveis a critério do juiz ou do relator, durante o qual ficará suspenso o respectivo processo, salvo se antes disso o mediador declarar impasse nas tratativas ou a impossibilidade de se chegar a um acordo (Idem).

Os casos estão separados por origem, sendo 18 Varas de Família do Fórum Central, apenas um processo foi encaminhado pela Vara de Família do Fórum de Bangu, dos 3 JECRIM’S do Fórum da Capital e 1 JECRIM de Botafogo e 1 Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. No Fórum Central há 52 Varas Cíveis, contudo,

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apenas 11 Varas Cíveis do Fórum Central a 1ª Vara Cível do Méier encaminhou casos ao CEJUSC-Capital no período de da pesquisa de campo. Os casos encaminhados pelas Varas de Família serão os primeiros a serem estudados, tendo em vista ser a área com mais processos encaminhados ao CEJUSCCapital, posteriormente com os casos oriundos do JECRIM e, em seguida, analisaremos os casos enviados pelas Varas Cíveis, oportunidade em que trataremos também das Campanhas de promoção dos métodos consensuais de tratamento adequado dos conflitos, qual seja: Semana Nacional da Conciliação e do Mutirão de Agenda Concentrada. No período de 22 meses contemplado pela pesquisa de campo, conforme gráfico abaixo, 196 processos foram encaminhados pelas Varas de Famílias, 115 processos encaminhados pelos JECRIM’s e 34 pelas Varas Cíveis foram encaminhados para o CEJUSC-Capital. Apesar de a bibliografia especializada apontar diversos critérios para identificação casos mediáveis, não se verifica tais critérios na Resolução CNJ n.º 125/2010, tampouco na Resolução TJRJ n.º 19/2009 ou na Resolução TJRJ n.º 16/2014, o que corrobora com a observação de Filipo (2014) de que a sensibilidade do juízo é o critério adotado e que nas Varas de Família, a tentativa de decisões autocompositivas é maior e que mesmo nesta especialidade há pouca familiaridade com a Mediação por advogados e partes. Vejamos a narrativa de Filipo acerca de entrevista com a juíza-diretora do Centro de Mediação do Fórum da Capital: Suas explicações não deixaram claros os critérios usados para determinar quais processos devem ou não ser encaminhados para a mediação. A Resolução do Tribunal também não estabelece critérios, deixando essa decisão a cargo dos juízes. Entendi que seria necessário verificar como se dava essa seleção nos casos em andamento. Fui assistir audiências em Varas Cíveis, Varas de Família e Juizados Especiais Criminais, tanto na Comarca de Petrópolis como na da Capital. As audiências assistidas foram várias. Apenas em uma minoria a opção de seguir a via da mediação foi apresentada às partes, somente em Varas de Família. Não presenciei nenhum advogado que tivesse requerido o encaminhamento do caso para o Centro de Mediação. Como já afirmei anteriormente, parece que a mediação foi bem assimilada por alguns profissionais e por outros não (op. cit. p. 100).

Contudo, os juízes costumam designar audiências especiais de conciliação, não raro notamos a presença de profissionais de psicologia e serviço social, assim como não é raro que o juízo formule uma proposta de acordo, antecipando que caso seja obrigado a sentenciar ambos ou uma das partes poderá sair prejudicada (Idem). 153

Conforme podemos verificar abaixo no período da pesquisa de campo o número de processos encaminhados ao CEJUSC-Capital, apesar de ser maior na Vara de Família, ainda é baixo, tem em vista o universo de milhares de processos judiciais existentes.

Gráfico 2. Volume de processos encaminhado ao CEJUSC – Capital. Período. 07/12 05/14 por área.

Conforme podemos observar, o número de encaminhamentos das Varas de Família (196) e dos JECRIM's (115) são maiores do que das Varas Cíveis. Algumas hipóteses podem corroborar com estes fatos como: o tipo de relação entre as partes, tendo em vista que se trata geralmente de relações continuadas (famílias, vizinhos) em que fatores emocionais se apresentam maior complexidade para os juízes (1); a linearidade dos atos processuais, que apesar de mais flexíveis e adequados para os processos de família, não alcançam as motivações reais dos conflitos (2); pelo fato dos mediadores com formação em psicologia trabalharem como auxiliares do juízo em processos de família, possibilitando assim que estes juízos tenham mais acesso a informação acerca do processo de mediação (3). Em relação aos casos encaminhados pelos JECRIM’s, cumpre observar que geralmente trata-se de casos de conflitos entre vizinhos, ameaça, em alguns as partes chegado às vias de fato. Geralmente são casos com alguma peculiaridade ou impasse na audiência preliminar de conciliação, mas que são encaminhados ao CEJUSC, tendo em vista as limitações de tempo, da técnica da conciliação e dos objetivos da conciliação, para

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estas questões dialogaremos com a pesquisa de Michel Lima (2013) em estudo de campo em um dos JECRIM’s da baixada do Rio de Janeiro. Nos casos oriundos das Varas Cíveis, a hipótese que parece mais evidente diz respeito ao objeto. Predominantemente são questões objetivas, em que há pouca distância entre conflito aparente e o conflito real, por tratar-se de relações contratuais, de consumo, não são relações continuadas que se desdobram em instâncias normativas de convivência cotidianas. Os dados indicam que casos oriundos de processos cíveis, quando não resolvidos através do processo de conciliação, seguem o rito processual tradicional, quando se inicia na fase de instrução e julgamento. Nas campanhas da Semana Nacional de Conciliação e os Mutirões (2012) e no Mutirão de Agenda Concentrada (2013) em que participei, realizado a partir de convênios com os maiores demandados e demandantes, geralmente concessionárias de serviço público. Nos casos estudados no capítulo 5.4, houve encaminhamento de processos em diversas fases processuais, antes ou após iniciada a fase de instrução e julgamento, alguns na fase de execução, outros em segunda instância. Em todos estes casos não se verificou nenhum tipo de critério objetivo para o encaminhamento dos casos. Outro ponto comum entre os casos encaminhados, é que quando uma ou ambas as partes estavam assistidas pela Defensoria Pública, as partes compareceram desassistidas, os dados quanto à obtenção do acordo não permitem corroborar com falas reiteradas em entrevistas não estruturadas com mediadores, em que afirmam que geralmente a presença do advogado é um fator que dificulta a postura cooperativa entre as partes, a despolarização do conflito, pois os advogados são mais aptos a posturas adversariais. É problemática também a decisão unilateral do juízo decidir quais casos são passíveis de mediação, ainda mais quando esta decisão é baseada em sua sensibilidade, que não parece um critério minimamente objetivo para identificar ser adotado como regra de classificação dos a serem mediados, conciliados e até julgados. A partir do ingresso da ação ou da procura de uma das partes ao judiciário ou a qualquer terceiro imparcial, conforme veremos no capítulo III, o tempo, o tipo de 155

abordagem, as condições materiais, cognitivas e sociais são fatores essenciais que podem contribuir para uma abordagem mais adequada levando em conta o lugar de nossas intuições, emoções e da nossa razão perante os conflitos. A finalidade do estudo de casos é proporcionar ao leitor a experiência do que ocorre na dinâmica entre jurisdição e consenso, descreveremos os dilemas vividos para a após identificarmos as condições materiais, psicológicas, sociais e políticas em que a mediação se apresenta com forma de resolução de conflito, alternativa ao processo judicial e como o dualismo entre cooperação/competição, realidade/subjetividade, jurisdição/consenso não dão conta da complexidade, instabilidade e intersubjetividade das relações humanas. Os critérios utilizados pela escolha dos casos foram: 1) Casos em que foi possível o acordo; 2) Casos mais antigos; 3) Casos com maior número de sessão. Estes critérios foram adotados pelo motivo de apresentarem maior conteúdo empírico, tendo em vista que passaram por todas as fases da dinâmica de uma mediação judicial incidental. Os casos eleitos para estudo tiveram sua descrição organizada segundo as etapas (fases) previstas no curso de capacitação do processo de mediação, quais sejam 1) Planejamento; 2) Recepção das partes e sessão de abertura; 3) Sessões; 4) Finalização da mediação e elaboração do termo de entendimento. 2. Casos oriundos das Varas de Família Conforme gráfico abaixo, verifica-se disparidade entre as Varas de Família quanto aos números de casos encaminhados ao CEJUSC-Capital, inclusive há Varas de Família que nunca encaminharam casos ao CEJUSC. As Varas de Família com maior número de casos encaminhados são 11ª, 6ª e 9ª Varas, com destaque para a 11ª Vara de Família, com 89 casos encaminhados no período da pesquisa. Das 18 Varas de Família do Fórum Central, não consta nenhum processo encaminhado ao CEJUSC – Capital da 2ª, 3ª, 7ª, 8ª, 14ª e 17ª Varas de Família e consta um processo encaminhado da 1ª Vara de Família de Bangu.

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Gráfico 3. Relação de casos encaminhados das Varas de Família ao CEJUSC – CAPITAL46.

Conforme observamos abaixo, dos 196 casos encaminhados, 54 obtiveram acordo total e 5 obtiveram acordo parcial, o número de sessões sem início é de 53 e de desistência é de 33, que são os resultados que mais influenciam no baixo número de acordos, seguidos dos casos de não adesão (14), sem acordo (13) e abandono (10).

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Período de abrangência dos dados: de 07/12 – 05/14. FONTE: CEJUSC- CAPITAL.

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Gráfico 4. Resultado dos casos encaminhados das Varas Cíveis ao CEJUSC–CAPITAL47.

O número de sessões sem início e de desistência indicam que o investimento no setor de triagem qualificada para auxiliar as Varas, defensorias públicas, os advogados e sociedade civil a identificar poderia ser uma forma de aproximar os procedimentos para que estes sejam vistos como complementares e não como opostos, Conforme previsto na Resolução CNJ 125/2010, o CEJUSC também deve oferecer o serviço de cidadania, que consiste no atendimento dos usuários para orientações acerca das formas de resolução de conflitos e informações jurídicas, serviço evidenciado no período da pesquisa, o que indica não haver critérios que auxiliem aos juízes a identificarem os processos passíveis de serem encaminhados para o CEJUSC. Em relação aos 18 casos da Vara de Família em que integrei a equipe de mediação como observador/mediador, 6 obtiveram acordo total ou parcial, 4 houve desistência, isto é, uma ou ambas as partes desistiram após a adesão, 3 não houve início, 2 sem acordo, 1 não houve adesão, 1 a obrigação já havia sido cumprida. Tabela 6. Casos Observados oriundos das Varas de Família Caso Tipo de Ação Mediandos (A/R) Assistência Jurídica A/R Alimentos Ada / Petrônio Adv/adv 1 Guarda Fabiana / André Adv/Adv 2 Alimentos – Maria Berenice / Adv/Adv 3 execução Humberto Tania / Carlos Guarda Adv/DP 4 Eduardo Divórcio Litigioso Denise / Antônio Cezar DP/Adv 5 Guarda Domenic / Camila Adv/adv 6 Guarda compartilhada e José Luiz / Flaviane Adv/Adv visitação - Liminar 7 deferida Guarda Deborah / Rogério DP/DP 8 Reconhecimento de Maria Nazaré/ DP/Adv 9 União Estável Christopher Cumprimento de Marshall / Gilda Adv/DP 10 sentença Cibele e Guarda Adv/DP 12 Cláudia/Cristina Cumprimento de Katia/João DP/DP 13 sentença Regulamentação de Vinícius/Cláudia DP/DP 14 47

Período de produção de dados: 07/12 – 05/14. Fonte CEJUSC- CAPITAL.

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Resultados Acordo Total Acordo Total Acordo Total Acordo Total Acordo Total Acordo Total Desistência Desistência Desistência Desistência Não Adesão Obrigação Cumprida Sem Acordo

15 16 17 18

Visitas Cumprimento de Sentença Alimentos Regulamentação de Visitas Regulamentação de Visitas

Maria Cristina/Paulo

Adv/Adv

Sem Acordo

Fernanda/Ronaldo

Adv/DP

Sem Inicio

Pedro/Maria

DP/DP

Sem Início

Patrick

DP/DP

Sem Início

Dos casos de família em que participei, podemos verificar que nos casos em que houve acordo, as partes estavam acompanhadas por advogados, ao contrário do que mediadores e até doutrinadores alegam, o que pude notar nos casos oriundos da Vara de Família, os advogados contribuíram para o diálogo entre as partes, demonstram interesse pelo processo de mediação e pelo acordo, havendo ainda maior incidência de não acordos nos casos assistidos pela defensoria pública, sempre ausente. Em um dos casos de mediação, o defensor público acompanhava uma das partes pelo fato de ser primo, inclusive questão indagada pela advogada da outra parte quanto ao poder de representação, tendo em vista que não era o “defensor do caso”, não constava na procuração. Na ocasião aproveitei para perguntar por que a defensoria pública não acompanhava os assistidos nas sessões de mediação, ele respondeu que além do acumulo de processos e audiências em que a presença do defensor é obrigatória, o entendimento dele e o entendimento corrente entre os defensores é que não é necessária a presença dos advogados, inclusive ele entendia que na maioria dos casos era prejudicial. Outro ponto de destaque é que dentre os tipos de ação mais comuns, a “regulamentação de visitas” foi o tipo de caso mais encaminhado ao CEJUSC-Capital, geralmente uma ação decorrente ou acessória ao processo de separação, que indicam a possibilidade de encontro entre as partes em graus elevados na espiral do conflito. 2.1. Planejamento No caso concreto, a equipe era composta por dois mediadores e um observador, neste caso, minha posição é mediador, juntamente com outra mediadora, mais experiente, psicóloga, que chamaremos de Cláudia e a observadora, bacharel em direito, que chamaremos de Isabel.

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Todos chegaram antes do horário designado para as partes, nos apresentamos, preparamos a sala, era verão e, apesar do ar-condicionado, a temperatura da sala não era tão confortável, confirmamos se as partes foram comunicadas, se confirmaram presença, se tinham advogado. No início da reunião da equipe, conversamos sobre o que cada um entendia por mediação, seus objetivos, seus referenciais teóricos, relatamos nossas experiências, identificamos colegas em comum que já havíamos trabalhado em outros casos, indicamos bibliografias. Aproveitei para informar que além da posição de mediador, meu interesse também era acadêmico, que cursava mestrado em Sociologia e Direito na UFF e que tinha o objetivo de utilizar aquela experiência como trabalho de campo e perguntei se eles teriam algo a se opor se utilizasse o caso para estudo e análise em minhas publicações, preservando a identidade de todos, ambos aceitaram minha proposta desde que comunicasse as partes e elas aceitassem. E em seguida consultamos a Ficha de Encaminhamento (ver modelo no ANEXO I) e a Ficha de Resumo da Equipe de Mediação (ver modelo no ANEXO IV) para preencher nossas fichas, pois conforme modelo em anexo, nestes formulários estão disponíveis o nome das partes, endereço, telefone, número do processo, origem, rede envolvida (filhos, vizinhos, família). Segundo a ficha de encaminhamento, o caso é oriundo de um processo de divórcio litigioso, em que Denise é a parte autora e Marcos Cezar é o réu, ambos moram no mesmo endereço, num bairro de classe média da Zona Norte, ela estava assistida pela defensoria e ele em causa própria, portanto era advogado. Isabel logo identificou que era uma ação de divórcio litigioso, havia menores e, portanto, ela entendia que não era cabível mediação, pois o artigo 82, inciso II, do CPC prevê que o Ministério Público é competente para intervir: (...) II - nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade (...), havendo interesse público, as partes não teriam autonomia para decidirem conforme seus interesses, necessidades, vontades e possibilidades.

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Asseverou ainda que, segundo sua experiência, nesse tipo de ação os casais não fazem acordo, não há igualdade de condições entre as partes, há muita litigiosidade e ela não acredita que o resultado seria positivo. Disse ainda, que nós somente poderíamos tratar do divórcio e nesse caso havia questões de pensão, guarda muitas vezes o problema maior do divórcio. Contudo, Cláudia e eu discordamos de sua posição e nos posicionamos no entendimento de que o objetivo não era simplesmente o acordo e que além de tudo, caberia ao juízo competente avaliar os limites legais de eventual acordo, inclusive abrindo vistas para que o Ministério Público se manifestasse. A observadora não ficou satisfeita com a resposta e continuou reticente e, após esta primeira sessão não mais acompanhou as sessões. Nas mediações em que participei, esta fase inicial, de primeira reunião da equipe é muito importante para definir a posição de cada integrante e delimitar as divergências e congruências para definir uma forma de atuação da equipe, geralmente dessas reuniões é que a forma de atuar dos mediadores e observadores é definida. Quando há muitos conflitos em relação aos princípios, objetivos e ao procedimento em si, o mediador mais experiente ou com algum atributo de autoridade é que conduz as sessões. Em alguns casos os mediadores solicitam a presença mais ativa dos observadores, inclusive participando do debate. Outros mediadores preferem seguir o que recomenda a maioria do referencial teórico e reitera o Manual de Mediação Judicial, preservando a posição mais passiva do observador, sem que este faça intervenções nas sessões, podendo se manifestar apenas nas reuniões. Antes de receber as partes procuramos definir que iria fazer as declarações da abertura, e combinamos de dividirmos as tarefas e um iria intervindo na fala do outro quando achasse necessário, avisando antes com um sinal discreto (caneta sobre a mesa, mão sobre a mesa) para que um introduzisse o outro na fala. 2.2. Recepção das partes e declaração de abertura Concluída a fase prévia à recepção das partes, fomos até a recepção convidar as partes para entrar, cumprimentamos as partes, agradecemos a presença, indicamos seus 161

assentos, nos apresentamos os três como mediadores do TJRJ, explicamos a função dos mediadores e dos observadores. Perguntamos como eles gostariam de serem chamados e anotamos os nomes. Passamos para a declaração de abertura, deixei o roteiro de Declaração de Abertura (ANEXO V) sobre a mesa e Cláudia iniciou da declaração de abertura esclarecendo que não somos juízes, nem seria nossa função avaliar provas, culpa indícios, não temos acesso aos autos, nenhum conhecimento prévio dos fatos, direitos e argumentos de cada um, não temos a função de julgar, nem proferir nenhum juízo ou parecer acerca do que cada trouxer e que nossa função é auxiliar a comunicação entre os envolvidos, possibilitando que ambos possam cooperar com o outro para decidirem juntos qual a melhor solução para o conflito, Ressaltamos que o interesse principal dos mediadores não é o acordo, mas que a comunicação entre as partes seja mais cooperativa. Intercalamos as falas um complementando o que o outro dizia no sentido de informar que no processo de mediação era importante tentar ouvir o outro sem interromper, procurar se expressar de maneira clara, se esforçar para entender o que o outro quer dizer ou transmitir seus sentimentos, necessidades, possibilidades, caso haja algo que queira se manifestar quanto à fala do outro, eles poderiam utilizar o papel e a caneta que estava sobre a mesa para anotar e falar quando estiver com a palavra. Perguntamos à Denise se ela se sentia confortável por Marcus Cezar ser advogado e ela estar desassistida na sessão, ela respondeu que por enquanto não havia problema, acrescentou que é importante que ambos estejam motivados a encontrar conjuntamente uma solução, por isso, devem ser criativos e procurar entender as opções de solução apresentadas pelo outro. Cláudia prosseguiu dizendo que a presença do advogado não é essencial, pois o advogado funciona como um perito, apenas para consulta de seus clientes e fora da sessão de mediação e, por outro lado, o juiz e os advogados também avaliarão os termos de eventual acordo, caso seja necessário à homologação, que a homologação reveste o acordo da mesma força de uma sentença, caso não haja cumprimento, a parte que se sentir lesada poderá executar o acordo para obrigar a outra a cumprir o que acordado.

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Informamos ainda, que tudo que tudo que for dito nas sessões não poderá ser utilizado como prova, que os mediadores e observadores estão isentos da obrigação de testemunhar, que poderá haver mais de uma sessão, excluindo caso haja a ocorrência de algum crime durante o processo de mediação e que, conforme a necessidade e o interesse de uma das partes e/ou de ambos, também há possibilidade de haver sessões privadas, mantendo sempre o mesmo número e tempo de sessões para cada parte. Nesse momento, aproveitei para informar sobre minha condição de pesquisador e acadêmico e meu interesse em utilizar alguns casos para estudo e análise em minhas publicações. As partes concordaram e se mostraram solicitas, caso necessitasse de esclarecimentos, entrevistas, etc. Ao final, perguntamos se ambos desejariam prosseguir com o processo de mediação, se entenderam os procedimentos, objetivos, a resposta foi afirmativa e a partir da adesão, partimos para a próxima etapa que consiste em ouvir o que cada um tem a dizer sobre o caso, explicamos que o critério é iniciar com quem propôs a ação e, por isso a Denise iniciaria. Marcos Cezar, além de se mostrar interessado em aderir, ainda acrescentou que ele havia tomado à iniciativa de requerer na primeira audiência em juízo para que o caso fosse encaminhado para a mediação, pois envolvia outras questões que não se resolveria apenas com a partilha dos bens. Marcos Cezar estava sempre sorridente e Denise mais séria, nervosa. 2.3. Sessões No mesmo dia da sessão de abertura iniciamos a primeira sessão. Denise iniciou sua fala, informando que apesar de morarem na mesma casa, ambos não se falam, que gostaria de reestabelecer a comunicação, mas acha difícil depois de tanta briga e discussão, que mora na mesma casa porque não tem condições financeiras de sair. "Às vezes penso se as opções que fiz valeram a pena. Quando me casei estava fazendo faculdade de letras, insistiram para eu fazer licenciatura, trabalhava na biblioteca e tive que largar o trabalho a pedido dele, tive oportunidades. Hoje sinto como se ele tivesse tudo nas mãos, por isso não saio de casa, gostaria de ter minha casa, sair de lá, não quero ficar lá para não ter recordações. Meu pai é advogado, mas não quero envolve-lo, fico na defensiva porque não consigo conversar com ele, ele é advogado e domina me sinto na mão dele."

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"Eu quero me divorciar, ter minha casa, ficar com meus filhos, não queria depender dele, mas com o salário que ganho não tenho condições de manter sozinha minha casa e meus filhos, quando chego hoje em casa, não me sinto à vontade, não ficamos no mesmo ambiente, entro para o quarto, não nos falamos ele toma decisões sem me consultar, eu quero decidir sobre as coisas dos meus filhos. Somente quando meu filho ficou doente que nos falamos e ajudamos um ao outro. Ele sempre tem um argumento, é advogado, isso me deixa nervosa a gente briga, já houve brigas feias, não gostaria que meus filhos vissem."

Após a exposição de Denise, Marcos iniciou sua fala, disse que não se recursa a se divorciar, que não há problemas com a partilha, que eles têm o apartamento que eles moram mais um na Barra da Tijuca que está alugado. Que o maior problema para ele é guarda dos filhos, pois não quer deixar de conviver com os filhos e sabe que os filhos dependem dele, pois como ela tem que cumprir horário, ele que leva e busca na escola e cuida das crianças, pois tem horário mais flexível por ser profissional liberal, não gostaria que ela ficasse com a guarda, mas que fosse uma guarda compartilhada, que ele tenta falar com ela, mas ela fica nervosa, por isso ele evita, pois não quer brigar na frente dos filhos. O problema não é na divisão dos bens, nem no divórcio, desde que haja guarda compartilhada, gostaria de saber se ela aceitaria. Ao fim da fala de Marcos, Cláudia perguntou se havia mais algo a acrescentar por parte de ambos e perguntou para Denise se ela aceitaria, ela disse que quer ficar com os filhos com ela, que não quer que ele decida sozinho as coisas e quer sair de lá o mais rápido possível, pois quer ter o lugar dela. Cláudia insistiu: Para você o que significa guarda compartilhada? Denise respondeu: Significa que não vou poder decidir sozinha sobre as questões dos meus filhos, que eu vou ter que depender dele, acho complicado, pois não nos falamos e acho que vai ter problema com a divisão de horários e as decisões. Acho que precisamos ficar longe um do outro, pois não conseguimos conversar sem brigar. Então fizemos o resumo, ressaltando que ambos demonstraram bem seus interesses, necessidades, vontades, que entre eles há muitos interesses em comum como, por exemplo, concordarem com o divórcio, com a partilha, a preocupação com os filhos também é um fator que os aproxima, que é possível que consigam cooperar um com o outro se exercitarem a comunicação, pensando mais no futuro do que no passado, deixando claros os interesses, as necessidades e vontades um para o outro, buscando opções de solução conjuntamente, isso tudo pode ser possível através da mediação.

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Eles concordaram, ela parecia menos angustiada, ele apresentou certa preocupação em relação à melhoria na comunicação e à partilha dos bens, pois ela não tem prática com imóveis, noção de preço e que os inquilinos do imóvel da Barra da Tijuca acabaram de renovar o contrato, por outro lado, ele não gostaria que ela escolhesse um local longe de onde eles moram, não gostaria de mudar a rotina deles. Recomendamos a eles que pensem sozinhos em opções de solução, que Denise procure algumas opções de imóveis e, caso Marcos queira pode ajudar Denise, como sugestões não impondo ou tentando convencê-la. Sugerimos que pesquisem o valor dos imóveis, procurem imobiliárias e tragam avaliações de corretores, eles se comprometeram a fazê-lo, inclusive Marcos disse que ajudaria a procurar um imóvel perto da casa que eles moram e estudar uma possibilidade de desocupar o outro imóvel para venda. Marcamos o próximo encontro e nos despedimos. Reunião da Equipe A observadora iniciou dizendo não acreditar que eles chegariam a um acordo, pois percebeu muita mágoa nela, que ela parece uma pessoa difícil e ainda havia a questão dos menores. Por outro lado, Cláudia e eu discordamos, acreditamos que o problema era na comunicação e que ainda há informações pendentes em relação à postura dela e dele, nem sempre as pessoas mais sorridentes e “despachadas” são cooperativas, transparentes e, por outro lado, muitas vezes nos irritamos com certo bom humor, por outro lado, ela pode ter mais dificuldade que ele para falar, tendo em vista as condições que ela se encontra e as experiências que ela vivenciou, por isso, ainda é cedo para tirar conclusões. 2ª Sessão Cláudia e eu chegamos antes do horário combinado com as partes como é recomendado, organizamos a sala, revemos nossas anotações, conversamos sobre o processo, estávamos confiantes em seu sucesso, a observadora não compareceu. A estratégia definida foi fixar-se nas questões objetivas, como preço dos imóveis, prazos para venda, possíveis locais de compra do outro imóvel, investira na comunicação dos dois, ressaltar as qualidades e aguardamos a chegada de Denise e Marcos. Logo que chegaram, os recepcionamos e os convidamos para entrar, após cumprimentos e conversas amenas, perguntamos se eles chegaram a procurar um corretor 165

para avaliar os imóveis ou chegaram a ver algo. Ambos disseram que procuraram corretores, mas ainda não marcaram avaliação, quando ao apartamento da Barra da Tijuca, Marcos disse que não gostaria de rescindir o contrato de locação, que ainda não comentou avisou aos inquilinos, mas acredita que não será o problema, por outro lado, comprar apartamento agora não seria um bom negócio porque os imóveis estão muito caros devido à copa do mundo. Denise demonstrou insatisfação com a postura de Marcos, disse que não adianta procurar apartamento se não for vender o outro. Que não tem contato com os inquilinos, foi sempre Marcos que cuidou dessa parte e sente que vai ficar dependendo dele, que não aguenta mais não ter seu lugar, que a comunicação não melhorou. Cláudia e eu acolhemos o desabafo de Denise e sugerimos que anotássemos quais são os interesses em lista de prioridades, para pensarmos nas opções. Marcos mostrou-se solicito demonstrando não querer dificultar a partilha, mas também achava que vender e comprar imóveis não são uma coisa que se possa fazer por impulso. No contexto apresentado, sugeri em pensamos em outras opções, por exemplo: ao invés de Denise necessitar aguardar a venda e a compra de um novo imóvel, seria possível eles pensarem em um aluguel? Que Denise poderia administrar o aluguel do imóvel da Barra da Tijuca e com o valor deste alugar um perto de onde eles moram. Todos ficaram reticentes, mas depois desenvolveram a ideia. Denise suscitou dúvida em relação ao contrato, pois geralmente os contratos de aluguel são de trinta meses e conseguirem vender e encontrar o imóvel para compra antes do fim do contrato haverá multa, etc. Respondi ser só um exemplo, que deste exemplo podem surgir outras opções, Marcos disse que essa opção era possível, mas que Denise não teria experiência nem tempo para administrar o aluguel. Desta vez, Denise passou a impressão de estar mais propensa a falar com os mediadores e, algumas vezes, sorriu. Eles debateram a opção e começaram a refletir de maneira mais cooperativa. Marcos às vezes, se retraia perante as opções, preocupado com os valores e a viabilidade logística, etc., mas se comprometeu a ajudar.

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Outro assunto em pauta era referente à dificuldade de comunicação para dividirem a guarda, tendo em vista o receio de ambos com conflitos nas trocas, fins de semana, férias, datas comemorativa, festa no colégio. Marcos demonstrou preocupação com Denise em relação aos horários de escola, pois como ela teria horário para chegar ao trabalho e sair, talvez não conseguisse levar ou buscar os filhos no colégio. Denise disse que poderia resolver a situação no trabalho, adaptando seus horários para que conseguisse fazer esta tarefa e que não abriria mão de que eles dormissem com ela. Denise queixou-se que as decisões de Marcos em relação a qualquer questão envolvendo os filhos devem passar pela aprovação dela e que isso às vezes não acontecia, por isso resistia à guarda compartilhada. Questionei a ambos se caso uma decisão fosse tomada por um sem comunicar e algo errado acontecesse ambos resolveriam sozinhos? Qual seria a importância do outro num caso desses? Não seria melhor que as decisões fossem tomadas com a anuência dos dois para que ambos possam dividir a responsabilidade das consequências ao invés de assumir riscos de maneira unilateral sem que seja necessário? Dirigi-me a ambos, caso um de vocês tenham a guarda unilateral, você se sente em condições de assumir sozinha todas as responsabilidades pelas decisões em relação aos seus filhos? Vocês consideram o outro bom pai/mãe? Seus filhos não sentiriam falta, caso o outro não mais compartilhasse do convívio? Como vocês imaginam que seria caso, o juiz decidisse pela guarda unilateral em seu favor? Seria positivo para seus filhos? Denise respondeu: é que hoje não consigo imaginar qualquer divisão de tarefas com Marcos, pois acho que por um tempo seria bom a gente não ter contato, pois há muitas questões no passado que impedem que a gente consiga se dar bem. Perguntei, mas você não acha que o fato de vocês continuarem na mesma casa que faz você pensar assim, imagine-se em outra casa, às vezes uma mudança desencadeia outras e o que não tinha solução passa a ter, imagine-se agora com a guarda unilateral? Seus filhos não precisariam da presença e da ajuda dele, como as questões práticas se resolveriam? Denise respondeu, eu poderia contar com a ajuda dos meus pais, mas não gostaria de dar trabalho para eles. Marcos disse que seus pais também moram longe, ficaria difícil a logística. Denise disse que realmente seria complicado, mesmo porque ela não tem condições de pagar o colégio, as despesas dos filhos e manter outro apartamento, que ela teria 167

condições de se manter com o salário mais o aluguel do imóvel da Barra da Tijuca, mas mesmo assim dependeria da ajuda de Marcos, pelo menos por enquanto, pois ela quer se qualificar para um emprego melhor remunerado. Perguntamos a Marcos como ele pensava na questão das despesas, ele respondeu que continuaria pagando o colégio e as despesas dos filhos quando eles estiverem na casa dele. Perguntamos: E se Denise não tiver condições de suprir as necessidades dos filhos na casa dela? Você poderia ajudar? Ele disse que teria que fazer as contas, pois já perderia a renda do aluguel, teria que ver se era possível sustentar duas casas, que ele já ficaria com a educação, saúde e despesas do dia a dia. Denise respondeu que as contas básicas ele conseguiria pagar e que se viraria com o resto, mas em relação ao colégio e ao plano de saúde ela não poderia arcar e talvez precisasse de alguma ajuda para complementar a compra de medicamentos, roupa, pelo menos por enquanto, mas que ela pretende melhorar sua renda e se qualificar. Marcos disse ajudaria na medida do possível, mas que se compromete em arcar com a escola e o plano de saúde, desde que a guarda for compartilhada e que eles morem perto de sua casa. Ao fim da sessão recomendamos que eles pensem nas opções, imaginem-se no futuro, não pensem no passado, comecem a imaginar como seria a rotina de uma guarda compartilhada, testar se seria possível cumprir os horários, até que distância facilitaria a logística dos dois? Quanto é o aluguel do imóvel da Barra da Tijuca e quanto seria o aluguel perto de onde eles moram? Quanto é a atual despesa total da casa? Quanto Denise teria de despesa caso alugasse um apartamento? Seria possível arcar com as despesas sozinha? Em que Marcos poderia ajudar sem prejudicar seu orçamento? O que Denise poderia fazer para aumentar sua renda? Lembrem-se que a responsabilidade por manter a qualidade de vida dos filhos é de ambos e que é importante que os filhos convivam com os dois. 3ª Sessão Procedemos do mesmo jeito na 3ª Sessão antes das partes chegarem. Denise chegou um pouco antes, aguardamos Marcos chegar para que os dois entrassem juntos. Conversamos sobre a tabela de custos que Denise havia enviado por e-mail, com a proposta de dividir os custos da nova casa por três, ela teria condições de pagar a parte dela

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e a parte das crianças contaria com a ajuda do Marcos, pensamos em como passar esta proposta a Marcos para que ele pense cooperativamente. Quando Marcos chegou, ambos entraram, perguntamos sobre as tarefas que combinamos antes, ambos disseram que pensaram muito e trouxeram algumas opções, inclusive algumas informações de despesas. Marcos disse que a tomar conhecimento de um apartamento para alugar perto do apartamento deles, mas que não sabe se Denise se interessaria que ia ver combinar com ela para visitarem. Denise disse que pensou na opção do aluguel, mas está preocupada com seu orçamento e que de qualquer forma vai tentar fazer o possível, de repente alugar um apartamento menor. Conversou no trabalho sobre a possibilidade de maior flexibilidade no horário, mas ainda não obteve resposta, mas acha que será possível procurou alguns cursos de qualificação. Começamos a investir no diálogo direito entre os dois, ressaltando os interesses compartilhados de ambos, que eles tinham evoluído bastante na comunicação, Denise disse que tem mais dificuldade do que Marcos de falar, que pensa muito antes de falar algo, que Marcos tem mais facilidade e quando os dois conversam ele tem sempre argumentos para discordar dela, ela fica nervosa, mas tem conseguido ficar mais calma. Apresentamos a proposta de Denise a Marcos, de quanto seria mais ou menos as despesas do novo apartamento de Denise e se seria possível alguma ajuda na parte das crianças, ele avaliou os valores e disse ter dúvidas estudaria uma maneira de ajudar em cima do que Denise propôs. Denise agradeceu nossa disponibilidade em ajudar, mas ainda não conseguiu ver uma solução, que ainda há muita dificuldade na comunicação, pois o relacionamento deles passou por muitos problemas, ela começou a ficar emocionada e perguntamos se ela gostaria de uma sessão privada. Ela se manifestou positivamente e combinamos com Marcos que a sessão seria de 15 minutos para cada. Ele concordou e ambos saíram, conversamos um pouco sobre o objetivo da sessão e decidimos que Denise precisava ser ouvida, seus sentimentos precisavam ser validados. Na sessão privada, Denise se abriu, disse que passou por problemas sérios de saúde e Marcos não foi muito presente, parecia não dar muita importância, que isso a deixou

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magoada, pois o jeito dele de encarar problemas a incomodava e quanto mais eles debatem, mas os argumentos e o jeito dele a deixa irritada e a mágoa toma conta. Que sempre sentiu que ele não dava muita atenção para seus sentimentos, seus problemas e por isso parece que ela é mais fechada, mas ela nem sempre foi assim, no começo do relacionamento ele era mais solicito, a gente fazia as coisas juntos, era menos individualista, mais presente, mas quando ela ficou doente percebeu certa indiferença e a mágoa só aumentou. Que ele controla tudo sozinho, ela não participa das decisões. E no fim das contas acabo perdendo a razão, pois, além de ficar nervosa, ele controla e prove tudo. A acolhemos, valorizamos seus sentimentos, elogiamos a atitude dela, ela se emocionou, agradeceu, sorriu, disse que a mediação estava fazendo bem para ela. Perguntamos sobre o que chamou atenção dela quando o conheceu, o que mais a motivou a querer se casar ele? Ela disse que o jeito bem humorado, solícito, alto astral, que ela gostava muito desse jeito, mas depois de tudo que passou, até essa qualidade se tornou motivo de irritação, mas disse que ele é um bom pai e não tem nada que reclamar dele nesse ponto. A sessão privada durou mais do que o tempo combinado e após recebemos Marcos que parecia ter menos o que falar. Mas reconheceu que ela melhorou, está mais calma, o clima está mais ameno em casa, apesar de não conversarem nada além do essencial. Que acha que foi uma ótima ideia terem optado pela mediação e espera que eles cheguem num acordo. Perguntamos, por que acha que ela fica nervosa com ele? Como eles se conheceram, o que chamou atenção nele? O que o levou a decidir se casar com ela? Ele disse que não sabe, mas acha que é o jeito dele de não se irritar fácil, de ser mais equilibrado. Que eles se davam muito bem quando se conheceram que não sabia o motivo exato, eram jovens e foi acontecendo. A sessão de Marcos foi mais rápida, chamamos Denise e encerramos a sessão enumerando os interesses compartilhados pelos dois, que poderiam ser objeto de consenso, as opções apresentadas eram factíveis. Orientamos a ambos pensarem nos termos do acordo, nos horários para a guarda compartilhada, nos prazos para venda, aluguel e compra de novo imóvel, nos valores e na divisão do excedente da venda e da compra. Como viabilizariam os custos, caso alugassem outro apartamento. 170

2.4. Finalização da mediação e elaboração do termo de entendimento - 4ª Sessão Nesta sessão, antes da entrada das partes, definimos como estratégia nos concentrarmos na elaboração do acordo, tendo em vista que o divórcio, a partilha de bens e a guarda compartilhada eram interesses compartilhados entre ambos e as opções para viabilizar este interesse estavam no horizonte das partes. Ambos entraram estavam na recepção, desta vez trouxeram os filhos que ficaram aguardando na recepção. Ambos estavam com as opções bastante amadurecidas, fizeram o teste de realidade, só não estavam seguros quanto aos prazos, datas e detalhes os dias que cada um ficaria com a guarda. Após alguns acertos dos dias de cada um e da solução temporária de aluguel e prazo para venda e aquisição de outro imóvel e comprometimento de Marcos de que ajudaria Denise nas despesas dos filhos, elaboramos as cláusulas do termo de entendimento com os seguintes termos: Ambos acordaram com o divórcio, com a partilha de bens e a guarda dos filhos e com a ajuda de custo a ser prestada aos filhos de 10 e 9 anos. Estabeleceram critérios para melhor convivência, firmaram compromisso de uma convivência respeitosa, nos seguintes termos: a) Manter uma comunicação sadia e respeitosa; b) Comprometer-se a pensar antes de agir, respeitando o ponto de vista do outro, com propósito de não provocar situações favoráveis ao conflito; c) Comprometer-se a zelar pela saúde e o bem-estar dos filhos. Comprometimentos em relação à partilha: a) Venda do imóvel localizado na Barra da Tijuca, propriedade de ambos; b) Até ser celebrada a venda, o valor do aluguel deste imóvel será administrado por Denise, no período de 18 meses, valor este que Denise se compromete a locar outro imóvel próximo da casa onde resIdem e do colégio dos filhos; c) Consolidada a venda do imóvel da Barra da Tijuca, o valor pago será utilizado para comprar outro imóvel de valor semelhante aos imóvel que ambos resIdem juntos; d) O valor excedente será dividido em duas partes iguais entre os mediandos; e) o imóvel que ambos resIdem no momento será mantido em propriedade de Marcos e o outro adquirido com a venda do imóvel da Barra da Tijuca será de propriedade de Denise. Guarda dos Filhos: a) Ambos se comprometem a levar os filhos à escola quando estiverem em sua responsabilidade; b) A guarda será compartilhada da seguinte forma: segundas-feiras, quartas-feiras fixas e sextas-feiras quinzenais, Denise buscará os filhos na residência de Marcos às 18 horas, permanecendo com as crianças até o dia seguinte e ira leva-los à escola. Marcos ficará com os filhos nos demais dias, finais de semanas alternados entre os pais; c) Férias e datas festivas serão acordadas previamente de acordo com a necessidade dos pais e das crianças; d) Questões que dizem respeito aos filhos (alimentação, saúde, educação e lazer) devem ser decididas por ambos, de comum acordo, forma cordial, conforme descrito no item 1. e) Quando houver atrasos ou imprevistos, ambos se comprometerão a avisar e justificar o fato, com o devido respeito.

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Comprometimento em relação à pensão: a) Marcos se compromete a arcar com as despesas dos filhos, tais quais: 1. Despesas referentes à educação, 2. Despesas referentes à saúde; b) A genitora se compromete, assim que tiver condições financeiras, em contribuir com os custos da educação e saúde; c) Para efeitos fiscais, os filhos serão declarados como dependentes de Marcos. Ainda, foi acordado que os mediandos se comprometem que, em caso de dificuldade na comunicação, procurarão utilizar o diálogo pacífico e quando não for possível um acordo legítimo, elegem este centro de mediação e os mediadores abaixo assinados para auxiliá-los.

Após a leitura em voz alta, a concordância e assinatura de todos do termo de entendimento em mediação, parabenizamos as partes e informamos que o termo será encaminhado para o juízo competente para homologação, que talvez o termo devesse ser encaminhado ao MP e aos respectivos advogados, no caso, somente a Defensoria Pública, visto que Marcos estava advogando em causa própria. Apertos de mãos, agradecimentos e votos de felicidades recíprocos. Termo de entendimento encaminhado ao juízo competente para o seguinte trâmite: despacho encaminhando para o Ministério Público, com o retorno ao juízo, sentença homologatória, carta de sentença disponibilizada às partes, apresentação de embargos de declaração, acolhimento pelo juízo, envio ao MP, retorno, nova homologação, transito em julgado, nova carta de sentença. Atualmente o processo se encontra com pedido de desarquivamento feito por Denise, que enviou-nos o seguinte e-mail: Oi “Cláudia” e Valter, bom dia! Tudo bem com vocês? Peço desculpas pela liberdade de mandar um e-mail pra vocês assim, mas estou sem saber o que fazer e preciso de uma ajuda e de uma orientação. Não sei se vocês lembram de mim, mas estive na mediação do Fórum com vocês e o “Marcos”. meu ex-marido, e fizemos um acordo para resolver a questão da guarda, pensão e bens. Ficou acordado que o “Marcos” ficaria com o apartamento que moramos atualmente, na (...), e depois da Copa do Mundo, colocaríamos o apartamento da Barra, que está alugado, para vender, e compraríamos um apartamento na (...) pra mim, num valor aproximado ao que moramos hoje, e o dinheiro que sobrasse seria dividido entre nós dois. No acordo também estava que eu alugaria uma apartamento com o dinheiro do aluguel da Barra para morar, enquanto não resolvêssemos essa situação definitivamente. Não cheguei a alugar um apartamento pra mim, porque depois de colocar na ponta do lápis e pensar bem, ficaria inviável, ainda que usasse o aluguel da Barra. De qualquer forma, acredito que não houve prejuízo pra nenhum dos lados, tendo em vista que o dinheiro do aluguel da Barra continuou com o Marcos. Agora que a Copa passou, o “Marcos” (…) disse que combinamos de colocar o apartamento da Barra à venda depois que acabasse o contrato de aluguel. Nem

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sei quando acaba o contrato porque não tenho e nunca tive acesso a ele. E não é verdade que combinados de vender depois que acabasse o contrato, mas o problema é que no acordo não tem especificado quando colocaríamos o apartamento pra vender. É a palavra dele, contra a minha. O diálogo entre nós dois nunca foi bom, desde que nos separamos e eu decidi que queria o divórcio. Voltamos a nos falar depois que tivemos as reuniões com vocês na mediação, mas somente o necessário e, normalmente, quando se refere às crianças. Pra mim é muito desgastante conversar sozinha com o “Marcos” esse tipo de coisa, como o acordo que fizemos, porque cada hora ele fala uma coisa e isso me tira do sério. Hoje consigo me controlar, mas me faz muito mal. Por isso, gostaria de uma orientação pra saber o que faço. Se marco outra reunião com vocês e chamamos o “Marcos” (se existir essa possibilidade) ou se procuro novamente a justiça e faço sei lá o quê, entro com um processo!!! Segue, em anexo, o acordo. Desde já agradeço demais a atenção e ajuda. Aguardo retorno. Abraços

Neste contexto é que o dilema da jurisdição e consenso se evidencia, pois com explícito desequilíbrio de poder e possibilidade entre as partes, por mais que os interesses, necessidades e vontades reais tenham sido revelados, que as partes tenham atingido uma boa comunicação e as decisões tenham baseadas na vontade, interesses e necessidades das partes, estas, concebendo a complexidade, a instabilidade e intersubjetividade das relações humanas. Devemos admitir que acordos baseados em manifestações de vontade estão submetidos a transitoriedade e contingências quando as condições materiais, psicológicas, sociais não são simétricas48 ou quando não há um espaço público para que o cumprimento do acordo supere os interesses individuais e se torne um interesses compartilhado perante a comunidade, tendo em vista o interesse de ser estimado pela coletividade, que as

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Ernest Tugendhat desenvolve sua filosofia moral movimentando-se da filosofia hermenêutica para a filosofia analítica e propõe uma revisão da filosofia moral kantiana, questionando a consistência real do imperativo categórico, baseadas na razão pura prática. Nesse sentido, propõe a ideia de sentimentos morais, vinculando o sentido de igualdade à ideia de justiça, que redunda na categoria analítica da simetria. Em Diálogos em Letícia (TUGENDHAT, 2002), o autor procura enfrentar os dilemas propostos sustentando que anterior à ideia de justiça distributiva, que se origina unicamente quando há algo a repartir, a igualdade não se limita ao conceito distributivo, de distribuição de bens materiais na polaridade igualitarismo x nãoigualitarismo, em que se divide igualmente se não houver condições de desigualdade ou se divide desigualmente se não houver motivo para divisão igualitária, a tese da simetria é anterior, isto significa dizer nas palavras de Tugendhat que não se pode simplesmente dizer: “a repartição simétrica obrigatória, se não existem razões em contrário” – estas formulações são intoleravelmente vagas - , mas antes, “a repartição simétrica é obrigatória, se não existem razões que possam ser justificadas igualmente face a todos. Desta maneira, tanto a repartição igualitária quanto a distribuição desigual se seguem do sentido unitário do conceito de justificação de normas (Idem, p. 50-51).

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obrigações sejam resultado de sentimentos morais compartilhados, em que as condutas se baseiam na simetria entre as partes, sendo esta uma condição de liberdade. Segundo Tugendhat, diferentemente de Kant, a ética tem como base o sentimento de pertencimento ao grupo, uma vinculação anterior à razão pura prática. Nesse sentido, as decisões são baseadas em justificativas que atinjam o sentimento moral compartilhado, que estabeleça o vínculo do indivíduo com a coletividade e não um imperativo baseado na autoridade ou referenciais que não tocam a realidade das relações sociais. A preocupação com a estima e o pertencimento ao grupo é que vincula os humanos a obrigações acima de interesses individuais, mas para tal as relações deve ser simétricas, isto é, a igualdade não é o ponto de partida, mas o ponto de chegada para sociedades livres, não havendo necessidade de justificativa para tratamento igual, a justificativa somente é necessária para o tratamento desigual, sendo que esta justificativa alcance o sentimento moral coletivo, isto é, não seja uma justificativa individualizada. A execução do acordo é a prova de que as vontades, interesses e necessidades de um ou de ambos não estariam sendo atendidos e um ato de vontade, formalizado em circunstâncias ideais de comunicação, que não correspondem à realidade das partes. Estas decisões, baseadas na vontade, interesses, necessidades e possibilidade das partes, fatores transitórios, subordinados a diversas condições, sendo que seu processo sigiloso se tornará definitivo, sem nenhuma apreciação dos fatos, provas, evidências, isto é, sem necessidade de relação com a realidade, criando obrigações irreversíveis, legitimadas não pelo compromisso e a cooperação entre as partes, mas pelo o uso da força do Estado para que se faça cumprir obrigações sem evidências e justificativas racionais, baseadas nos fatos e na ordem jurídica. Isto é, subtrai-se o exercício jurisdicional, mas a força deste exercício se incorpora na manifestação da vontade produzida em condições ideais que não guardam relação com as condições materiais, psicológicas, sociais e políticas do cotidiano daqueles que aceitam o consenso, por não terem condições de objetivas de exercer seu direito subjetivo através do processo judicial. A opção de retornar ao CEJUSC em caso de dificuldade de comunicação e cumprimento do acordado revela uma hipótese mais coerente, caso o objetivo da mediação

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seja viabilizar uma relação cooperativa entre as partes, ainda mais se assumirmos que as relações

humanas

são

complexas,

instáveis

e regidas

pela intersubjetividade,

principalmente as relações continuadas em que os vínculos não são unicamente jurídicos. Por último, vale lembrar que o direito de família, possui características mais flexíveis em relação aos acordos e decisões heterônomas, tendo em vista considerar a instabilidade das relações familiares e a correlação entre as obrigações, por exemplo, de alimentos e a situação econômica das partes, podendo esta ser revista em caso de fato novo. O mesmo acontece com a guarda, no sentido de um dos genitores não mais ter condições de manter a guarda unilateral ou compartilhada, assim como horários, divisão de tarefas que estão submetidos às contingências da vida, isto é, as relações jurídicas na seara da família admitem a complexidade, a instabilidade e das relações intersubjetivas, isto é, da correlação de nexos causais recíprocos entre as partes, em que as obrigações não são meramente individuais, mas compartilhadas. 3. Casos oriundos dos JECRIM’s Conforme gráfico abaixo, 115 casos oriundos do 2º, 3º, 8º Juizados Especiais Criminais do Fórum da Capital, do Juizado Especial Criminal de Botafogo e do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Gráfico 5. Relação de casos encaminhados dos JECRIM’s ao CEJUSC–Capital por serventia49

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Período de abrangência dos dados: 07/12 – 05/14. Fonte: CEJUSC – Capital. Constam na relação de processos encaminhados casos provenientes do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher.

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Há grande disparidade de processos encaminhados entre as os Juizados, com destaque para o 2º JECRIM, a quantidade de processos encaminhados pelo 2º JECRIM, corresponde a 11 processos a mais do que o somatório do que outras serventias. Conforme os dados indicam abaixo, dos 115 casos encaminhados, 28 processos não obtiveram início, isto é não uma ou ambas as partes não compareceram, 34 acordos foram realizados e 1 acordo parcial foram realizados. Há alta incidência de não-adesão (15), desistência (13).

Gráfico 6. Resultado dos casos encaminhados das Vara Cíveis ao CEJUSC – CAPITAL50.

Os casos encaminhados para o CEJUSC, conforme prescreve o art. 61 da lei 9.099/9551, são casos denominados de menor potencial ofensivo52 em que não se obteve êxito na audiência de conciliação, mas são encaminhados antes do oferecimento da Transação Penal pelo Ministério Público, tendo em vista que a conciliação é primeira

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Período de produção de dados: 07/12 – 05/14. Fonte: CEJUSC- CAPITAL.

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Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa 52

Uma curiosidade em relação aos critérios de classificação dos crimes de menor potencial ofensivo em relação que se refere aos crimes com pena máxima não superior a 2 anos nos conduziu à comparação do crime de furto, não considerado de menor potencial ofensivo, pois sua pena máxima é de quatro anos e o delito de lesão corporal leve considerada de menor potencial ofensivo (que difere da lesão corporal grave, pelo fato desta, dentre outras características, resultar em lesão permanente e ou temporária que incapacite o indivíduo para atividade laboral), apresentando um paradoxo em relação à priorização da propriedade sobre a dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade corporal, lembrando que mesmo lesões corporais contra idosos e mulheres são passíveis de transação penal, medidas restaurativas e consenso entre as partes.

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tentativa de resolução de conflitos no JECRIM, cujos resultado possível a desistências da suposta vítima de prosseguimento com a queixa ou representação. Conforme observou Michel Lima (2013, 2014), a imensa maioria dos casos dos delitos processados no JECRIM envolve relações continuadas de parentesco, vizinhança, para ser mais preciso, segundo os dados levantados em sua pesquisa de campo em um dos JECRIM’s da Baixada Fluminense, indicam que 95% dos casos que chegam ao juizado pesquisado são compostos por conflitos que envolvem pessoas próximas entre si, onde apenas 5% dos casos são compostos por desconhecidos. As relações entre as partes são compostas por 42% entre vizinhos, 40% entre parentes, 6% entre cônjuges ou ex-cônjuges, 5% entre amigos íntimos, e 2% entre colegas de trabalho. Esses dados revelam que são os conflitos do cotidiano, compostos por dramas pessoais, que chegam ao juizado pesquisado. Além disso, os crimes de lesão corporal leve e de ameaça compõem a liderança dos conflitos, correspondendo a 38% e 30%, respectivamente, dos casos. No entanto, embora tais dados quantitativos possam propiciar uma ideia da demanda que chega ao juizado especial criminal, nem sempre permitem compreender aspectos qualitativos, sobretudo aqueles que se referem ao direito e à justiça neles exercidos. A maioria desses casos é resolvida nas conciliações, por meio de acordos que correspondem, até o momento, a 73% dos desfechos das conciliações. Porém, veremos que tal resultado quantitativo possui um desdobramento diferente nas práticas do juizado observado, onde os acordos entre as partes conflitantes não se referem necessariamente a resoluções dos conflitos, e que o juizado especial criminal não é tido pela maioria de seus operadores como uma parte legítima do Judiciário para administrar tais conflitos que são considerados como entraves às atividades jurisdicionais (LIMA, 2013, pp. 2–3)

Estes dados indicam que grande parte casos processados e julgados no referido JECRIM é proveniente de conflitos de relação continuada, de vizinhança, parentes, cônjuges ou ex-cônjuges, sendo lesão corporal leve e ameaça os mais recorrentes, sendo, em muitos casos, estes os crimes que precedem crimes mais graves como homicídio, dependendo da escala do conflito. Em consonância com o que evidenciamos nos casos encaminhados ao CEJUSC, conjugamos com hipótese de Michel Lima (2014) de que a conciliação no JECRIM é sinônimo de desistência da suposta vítima de prosseguir com a queixa-crime ou com a representação, tendo em vista que cabe à suposta vítima esta decisão, que se torna mais complexa quando querelado ou representado faz parte de seu ciclo social, familiar, etc.

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Segundo as informações da Associação Nacional de Entidades de Praças Militares Estaduais, 8% dos inquéritos são concluídos e 3% se transformam em condenações53, quadro que constitui um cenário de precariedade imposto àqueles submetidos a todo tipo de violências e que por falta de provas ou devido ao tempo entre a conclusão do inquérito e o recebimento da ação penal. Nesse cenário, o prosseguimento da ação penal sem ter constituído advogado desde o inquérito é arriscado, sendo esta a condição da maioria das vítimas e dos indiciados, mormente pertencentes às classes "e", "d" e "c", o que evidencia que a opção pelo consenso não necessariamente significa a retomada do diálogo entre as partes ou a restauração da relação, mas a desistência da ação, como forma de evitar a fase posterior de audiência preliminar com o Ministério Público que oferecerá a proposta de transação penal e até mesmo a decisão do juízo, que quase sempre utiliza o benefício das penas alternativas, quando não a absolvição por alguma nulidade ou falta de provas. Nas conciliações do JECRIM em que participei como advogado, a opção do acordo tem menor risco para as partes, tendo em vista que não há prosseguimento da ação penal e, portanto, não há registro em nome dos envolvidos, na transação penal, ao contrário, em caso de reincidência acarreta em perda do benefício do acordo e da transação penal durante 5 anos, art. 76, §4º, Lei 9.099/95. Os casos do CEJUSC que participei da equipe de mediação eram todos encaminhados pelos JECRIM’s após a tentativa infrutífera de conciliação, acrescentando mais um gargalo no afunilamento dos conflitos, identificado por Michel Lima como três etapas de administração de conflitos do JECrim, a conciliação é a que concentra a maior parte do número de processos judiciais, formando com as duas etapas posteriores um afunilamento do número de processos. Em média55, são realizadas cento e vinte conciliações por semana, quarenta audiências por semana no Ministério Público, e trinta audiências de instrução e julgamento por semana, como disposto no gráfico 2. O fluxo de processos judiciais do Juizado Especial Criminal apresenta uma forma de funil, iniciando-se com grande número de casos nas conciliações, e depois de seleções consecutivas, termina com um número bem menor de casos em sua última etapa56 (LIMA, 2014, p. 56).

A mediação judicial incorpora este sistema de afunilamento das queixas e representações antes do prosseguimento. Os casos relacionados abaixo foram objeto de 53

Dados disponíveis em http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/SEGURANCA/488025POLICIAIS-DEFENDEM-REFORMULACAO-DO-MODELO-DE-SEGURANCA-PUBLICA.html.

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observação direta e, conforme o princípio da confidencialidade, os nomes, datas, locais, foram substituídos para impossibilitar a identificação dos mediandos e da equipe. Conforme podemos observar, o número de acordos totais foi acima da média geral acima, nos casos que resultaram em acordo total as partes estava sem assistência jurídica, contudo a Defensoria Pública já havia sido constituída para a defesa do suposto autor do fato, ao contrário da suposta vítima. Todos os casos são oriundos de queixas-crime/representações que ainda não houve oferta de transação penal pelo Ministério Público, muitos menos chegaram à instrução em julgamento. Os artigos 62 e 63 da lei 9.099/95 estabelecem que as audiências de conciliação devam ser acompanhadas pelo Ministério Público, conduzida pelo Juiz ou pelo conciliador sob sua orientação, conforme observado por Michel Lima (2014),

os conciliadores

conduzem geralmente as audiências de conciliação sem a presença do MP e do Juízo. Diferentemente do procedimento de mediação, as audiências de conciliação são rápidas e o conciliador se baseia em argumentos práticos e processuais, informando as consequências processuais em caso de não resolverem a questão de forma consensual. As falas mais comuns por mim registradas foram: 1. Na audiência com o MP será oferecida a oportunidade de transação penal, caso a suposta vítima não aceite, será designada audiência de instrução e julgamento com o juiz, a vítima deve ter provas contundentes do fato e da autoria do suposto autor do fato, de qualquer forma no final das contas a pena será alternativa, bem parecida com a oferecida pelo MP; 2. Além de todo o desgaste processual, as vezes um pedido de desculpas acompanhado de um perdão pode ser mais eficaz; 3. Se não resolverem com a conciliação e deixarem para resolver com o MP ou com o Juiz, caso haja um novo processo criminal a parte não terá o benefício do acordo ou da transação penal. 4. Vamos trocar o litígio pela boa convivência. Tabela 7. Casos observados oriundos dos JECRIM’s Casos Tipo de Ação Mediandos (A/R) Assistência Jurídica V/R

Resultado

1

DESOBEDIENCIA

Clarissa/ Bruno

S/Adv / DP

Acordo Total

2

LESAO CORPORAL

Ana /Roberto

S/Adv / DP

Acordo Total

3

INJURIA

S/Adv/ ADV

Acordo Total

4

AMEAÇA E INJURIA

MP/ADV X DP (REUS)

Não adesão

Maria Fernanda/Marcela Marlene e Paulo/Alan

179

5

AMEAÇA

Augusto/Fernando

Adv/Adv

Não adesão

6

INJURIA

Ariane/Iara

ADV/ S/Adv

Não adesão

8

AMEAÇA

João Cláudio/Roberto Carlos

ADV/ADV

Não adesão

7

LESAO CORPORAL

Aline/Cíntia

ADV/ADV

Sem início

Estas falas são consequências reais do prosseguimento dos atos processuais, boa parte da doutrina e dos mediadores recriminam tais falas, pois podem ter o efeito de coagir a suposta vítima a “aceitar” a adesão pela mediação e a desistência através de um acordo de boa convivência. Contudo, argumento que estas informações por si só não são o problema central, pois se as partes estão bem assessoradas, tem condições materiais, psicológicas e sociais de decidirem pelo prosseguimento ou não da ação, tais informações somente servem para reforçar o risco previsível de qualquer ação judicial. A questão se torna complexa quando as condições para a decisão de prosseguir ou não são precárias e as decisões judiciais são baseadas em interpretações subjetivas da lei e dos fatos, nesse caso, as partes e os advogados não tem a dimensão concreta dos riscos da ação, sendo a rota de decisão baseada nos instintos de proteção fuga, ataque ou paralisação. Conforme observei, além das audiências de conciliação, antecede a audiência a denúncia/representação, o oferecimento de transação penal pelo MP. A mediação e utilizada como um prolongamento da fase conciliatória, nos casos acima, utilizada como um segundo recurso para resolução de conflitos entre a conciliação e a transação penal. A relação entre as partes dos casos encaminhados era sempre de vizinhança ou parentesco, isto é, outras instâncias normativas compunham a relação. O caso que será objeto de estudo é relativo a um processo de lesão corporal leve entre vizinhos idosos. Chamaremos a suposta vítima de Ana e o suposto autor do fato de Roberto. Nesta mediação estavam presentes uma mediadora, que chamaremos de Lourdes, aparentando 60 anos, advogada e um mediador, que chamaremos de Luiz Cláudio, aparentando ter 60 anos, advogado, conciliador do JECRIM. Nesta mediação estava na posição de observador, juntamente com outro observador, que chamaremos de Igor.

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3.1. Planejamento A equipe se reuniu com antecedência ao horário combinado com as partes. Organizou a sala, com água, balas, conferimos se as partes foram comunicadas, se confirmaram presença. Iniciamos a reunião da equipe, que foi dominada pelo mediador Luiz Cláudio, que iniciou contando sua experiência como conciliador em outro JECRIM e já fez mais de mil acordos, externou sua concepção das diferenças entre mediação e conciliação. Disse que na conciliação a Dra. (Juíza) está na sala ao lado, mas na mediação o caso é mais crítico, que não se sabe nem onde está o juiz responsável, estão somente os mediadores, por isso você não pode dar sua garantia pessoal e as pessoas não acreditam que o acordo irá funcionar. Afirmou que no JECRIM, onde trabalha há alguns anos, há uma Dra. (Juíza) disponível, que houve casos do advogado questionar que se tratava de direito indisponível, que deveria haver manifestação do Ministério Público, que tinha que prosseguir com a ação penal, e ele dá garantia pessoal ao advogado que caso o acordo fosse aceito, ele garantia que o MP iria aceitar, que se fosse preciso ele levaria a questão à Juíza. Que há casos que ele dá o telefone pessoal dele, que muitas vezes ele sugere o acordo e por isso ele dá garantias pessoais: “Às vezes as partes estão meio receosas em aceitar o acordo que eu sugiro, dizem que não vai funcionar. Eu pergunto: Você tem telefone? Tenho. Qual o número? Eu ligo para a pessoa e falo: Esse número é o meu, pode salvar, Conciliador Luiz Cláudio, se esse cara te encher o saco pode me ligar a hora que for, que eu vou lá e falo com ele olho no olho, quero ver ele não cumprir o acordo. Prosseguiu: Ontem mesmo me ligou alguém, uma confusão, não entendi nada, e ai passei a mensagem para a pessoa retornar, eu faço esse tipo de coisa, dou uma pressionada, então eu tenho por habito não perder nada. Na mediação é mais complicado, começa com 3 horas, mais 3 horas (...) Nesse momento, perguntei: Mas lá é conciliação, né? A Mediadora Lourdes me perguntou o que eu entendo da diferença entre mediação e conciliação. Respondi que pelo o que eu entendo na mediação não se transige direitos, que na mediação não se fala em direito, justiça, mas

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tenta se fazer com que as partes desconstruam o conflito e tentam compreender o outro, que aqui ninguém tem poder para fazer justiça. Luiz Cláudio, interveio, “mas mediação não é para fazer terapia! Você é advogado, perguntou para mim e para o outro observador. Luiz Cláudio: “Às vezes as pessoas chegam aqui, as vezes há vários conflitos mesmo caso, as vezes já passou por várias delegacias especializadas, as vezes tem outros conflitos envolvendo menor, idoso, os conflitos são assim, as vezes a pessoa a idosa, vai para o idoso, tem questão de menores, tem questões envolvendo mulher vai para outra delegacia, existem conflitos ramificados é como se fosse um câncer disseminando no organismo das pessoas. Continuou, realmente as pessoas tem dificuldade de diálogo e essas pessoas jogam tudo na justiça, mesmo assim na minha ótica a mediação não é terapia, é lógico que a gente tenta resolver aquele conflito que nos chega, as vezes em conflito as partes chegam assim, na conciliação passando para lá, que a gente propõe uma vida melhor, um acordo compromissado, um futuro melhor, o que a gente não pode fazer aqui, e o que eu pelejo em cima dessa conversa, porque as vezes a vítima chegam aqui e você pergunta o que ela quer e ela diz que quer prosseguir, então nós vamos encerrar a mediação, porque a proposta aqui é o não prosseguimento, na hipótese do não prosseguimento o que você acha que o justo, o que você quer. A vítima diz eu quero isso, isso, isso. A gente sempre tem que levar o que a vítima quer para o suposto autor do fato e se ele concordar a gente tenta fazer uma coletiva. Sempre fazemos uma coletiva, duas individuais e depois uma coletiva, para a gente resolver de maneira rápida, porque as vezes ainda está na injuria e esse não resolver logo pode acontecer coisa pior. Lourdes alertou que o caso é de lesão corporal, Igor ressaltou que existe uma parte que parece ter síndrome de down, Luiz Cláudio sugeriu que chamássemos as partes e sugeriu que os observadores ficassem na mesa e participassem. 3.2. Recepção das partes e declaração de abertura Roberto e Ana estava na recepção aguardando, Ana estava acompanhado de um jovem que aparentava ter síndrome de down que ficou aguardando na recepção. Roberto era um senhor franzino, roupas simples, aparenta aproximadamente de 70 anos, negro. Ana, senhora robusta, roupas simples, aparenta 60 anos, branca. As partes foram bem recebidas, o Mediador Luiz Cláudio iniciou a fala:

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“Sejam bem vindos ao núcleo de Mediação do TJRJ, o serviço de mediação é disponibilizado pelo Tribunal, é um serviço especializados em redimir conflitos, em trazer uma oportunidade melhor de resolver os conflitos, para que as vidas das pessoas prosperem mediante o que vamos praticar aqui. (....) todos somos advogados, mas não que analisamos matéria de direito, o senhor e a senhora tem a possibilidade de consultar seus patronos, no sentido até de conversar a respeito do que está sendo feito aqui, nada é obrigatório e não tem que ser resolvido hoje, se puder, se for do bom entendimento de todos que vocês saiam daqui com o problema resolvido melhor, se não, vocês podem levar o caso para seus advogados e podem volta depois.

Fizemos as apresentações individuais: Meu nome é Luiz Cláudio, sou conciliador de outro JECRIM há quase quatro anos, presto serviço gratuito e voluntário, somos mediadores do TJRJ, sou uma das partes que o Estado coloca à disposição dos senhores, passo a palavra para a Dra. Lourdes. Olá, meu nome é Lourdes, estamos aqui para ajudar vocês a resolver essa lide, trabalho com o Luiz Cláudio em outro JECRIM, sejam bem vindos. Em seguida, Igor se apresentou, boa tarde, disse que era advogado, só quero deixar claro que o Dr. Luiz e Dra. Lourdes falaram, estamos aqui simplesmente para ajudá-los, não faço conciliação, trabalho com minha esposa no meu escritório e faço mediações, aqui, espero que tudo seja resolvido a contento. Boa tarde, meu nome é Valter, apesar de sermos advogados, estamos aqui com equipe com uma abordagem interdisciplinar e estamos aqui para ouvir os senhores e chegarmos a um termo que não seja unicamente jurídico, para que tudo seja resolvido aqui entre vocês. Fiquem à vontade.

Lourdes tomou a palavra: como vocês sabem nós não somos juízes, estamos aqui para facilitar a comunicação que um dia acabou entre vocês para vocês terem uma vida daqui pra frente melhor. Luiz Cláudio: É o que a doutora falou é o seguinte: Há alguns momentos na vida da gente momentos antes do conflito - em que se a gente pudesse vislumbrar o que aconteceria, a gente não faria. Mas ninguém precisa morrer para resolver os conflitos. Se a gente pudesse prever o futuro ninguém seria atropelado. Um dia fui passear com minha cachorra e quebrei o pulso. Estou com uma platina aqui no braço, 22 parafusos. Ontem estava passando na rua e vi cair um objeto em cima do toldo do bar, uma pedra. As pessoas saíram para olhar e eu ainda vi a mulher varrendo batendo com a vassoura no parapeito e deve ter quebrado alguma coisa e caiu. Eu cheguei e disse: Isso é caso de polícia! Se vocês não chamarem a polícia eu vou chamar! Eu estava de sandália de dedo, camisa polo, barbudo, ninguém deu atenção, lamentavelmente aqui é o país do terno, ninguém chamou. Vi a viatura, chamei e disse: Olha! Eu sou conciliador do JECRIM, acabou de ocorrer um negócio aqui e vai cair na minha mão e eu acerto o cara, tive o trabalho de anotar a viatura, eles não fizeram nada, passei os dados para o comandante e os policiais serão notificados, faço questão.

Lourdes interrompeu a fala de Luiz Cláudio para confirmar o endereço e os nomes. Confirmaram o endereço e informaram o telefone. Sra. Ana, disse o endereço e depois indagou porque não tinha advogado. Lourdes disse que não era obrigatória a presença do

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advogado, só para esclarecer alguma coisa que eles tiverem dúvida, se for necessário eles chamariam algum. Tomou nota dos dados do Sr. Roberto. Luiz Cláudio retomou a palavra: Então como eu falei, temos momentos antes do conflito, que se a gente pudesse monitorava e nada acontecia, tem o momento do agarra, agarra, chega, chega, disse me disse que é a pior hora, tem o momento da polícia que lá não é lugar de ninguém conversar, eles vão fazer o trabalho deles, autuar, identificar o cometimento do crime, gravidade do fato e remeter ao JECRIM ou à Vara Criminal comum, ou até ao Tribunal do Júri. Quais são os momentos de atendimento do Estado: Policia Militar que faz o atendimento no local, segundo é na delegacia policial civil, que não tem a competência, não tem o que fazer, não tem que escutar os senhores o porquê de ter acontecido o que aconteceu, a política civil vai apenas colocar os fatos e ouvir as testemunhas e o delegado vai, com muita sabedoria encaminhar ao JECRIM ou à Vara Criminal comum. No JECRIM, por serem crimes de menor potencial ofensivo, existe o procedimento de ouvir as partes, não para esquecer o passado, porque já aconteceu, mas concertar o futuro para as partes chegarem a um compromisso. Quando o serviço de conciliação é eficiente, quando o conciliador explica bem o que é bom e o que é ruim, não vai pra frente. Porque as ações têm um custo, quando forem ações de iniciativa privada as partes têm que constituir advogados, defensoria pública. A ação contra o Estado quem toca para frente é Ministério Público, ações condicionadas, com a autorização dos senhores ou incondicionadas em que a vítima é o Estado e as partes são vítimas subsidiárias. Nós colocamos o tônus jurídico aqui, porque se passa da conciliação vai para a fase de instrução e julgamento, onde as partes apresentam as testemunhas para levar a convicção ao Juiz das suas necessidades e o juiz criminal fica assim, rostinho parado, parece que é engessado, só mexe o olho: Olha pra lá, olha pra cá, olha, dá medo!”. “Porque são cinco as verdades que chegam ao juiz: 1 A verdade verídica, a verdade da vítima, de quem cometeu o ato, a verdade das testemunhas e a da polícia. Cada um tem um enfoque, e o juiz pega aquilo tudo e decide. Ai de quem mente para o juiz! Se ele pega na mentira agora, está cada vez pior.” Então, o juiz convicto do que é a verdade, sentencia, não tem empate na justiça, um ganha e outro perde. Só que esses delitos de pequeno porte não terminam em prisão, não termina em nada não, termina sesta básica, não é o melhor para as partes, por que? A pessoa ver aquele que ela quer que seja punido pagando uma cesta básica, aumenta ainda mais o ódio e não proteção de nada. A proteção a gente consegue ou com um acordo ou antes da AIJ o juiz envia para o serviço de mediação para que haja uma tentativa.” “A Sra. já participou de uma mediação, dirigiu-se à Ana, que respondeu que não. Mas participou de conciliação e o juiz antes de decidir achou conveniente enviar para cá, certo? Estamos todo ouvidos, a Sra. conta tudo que quiser e o Sr. ouvirá educadamente, mesmo que o senhor não concorde. E a Sra., quando ele falar fará o mesmo exercício. Depois de ouvido os dois, a gente vai ouvir individualmente a Sra. para saber o que a Sra. espera e depois conversamos com ele. Agora vocês vão trazer as versões de vocês. Sem interrupções, mesmo que um não concorde com a versão do outro.

3.3. Sessões Ana iniciou a fala argumentando:

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“primeiro, eu sou uma mulher sozinha, tenho um filho doente, me dava muito bem com a mulher dele. O desentendimento foi coisa boba, moramos naqueles prédios antigos, que não possui banheiro nos apartamentos e utilizamos o banheiro coletivo para tomar banho e lavar roupa. Quando eu entrava no banheiro ele ficava me olhando, um dia perguntei se ele queria usar o banheiro, ele passou a mão em mim. E a mulher dele falava que ali não era lugar de lavar a roupa. Eu contei para a mulher dele e ele negou quando ela perguntou para ele, dizendo: Eu passei a mão da bunda mãe dela, essa filha da puta, a mulher dele falou para deixar ela lá, ela disse que ia chamar o pessoal do morro, ou melhor a polícia, ele disse vai lá chamar, vai lá chamar.

Luiz Cláudio perguntou: Você tem testemunha? Ana respondeu: Não tenho, foi 11 horas da noite, meus filhos estavam dormindo. Ele tem, porque é tudo farinha do mesmo saco. A vizinhança defende ele, porque o banheiro do andar fica na minha porta e o pessoal fazia sujeira, e eu briguei com todo mundo. Na hora da briga, ele pegou no meu braço com força, me arranhou saiu sangue.

Luiz Cláudio, intervinha constantemente e disse para Ana que só pela palavra dele e dela ele não será condenado: Tem que ter testemunha! A gente dá essas informações para vocês desenharem a decisão de vocês. Mas então o que ocorreu? Ana prosseguiu dizendo que: ele passou a mão na minha bunda novamente, que reclamou com a mulher dele e ele disse: “Que passei a mão nela, passei a mão na bunda filha da puta da mãe dela e foi para cima dela e falou: Você me respeita, puxou ela pelo braço e acabou arranhando ela, pela força que ele puxou, sangrou. Só não continuou porque a mulher dele veio debochando e falou: Deixar ela para lá! Eu chamei a polícia e minha filha fiz corpo delito na delegacia.

Luiz Cláudio intercedeu com tom irônico, “a senhora tá chateada com ele, não quer nem olhar na cara desse homem”. A senhora tem mais alguma coisa para contar? Ana disse contrariada que não. Luiz Cláudio, prosseguiu: “Então, vamos ouvir a versão dele para ver se a gente consegue arrumar uma “solucionática” para essa problemática, conforme dizia “Dadá Maravilha”. Ana desabafou: Mulher sozinha sofre muito... Luiz Cláudio retrucou: Já sofreu! Ana prosseguiu: Todo mundo quer abusar da sua fragilidade. Luiz Cláudio, completou: “Essa ótica é de muitos anos atrás, quando abandonadas pelo marido, até antes do divórcio... E perguntou: A Sra. foi abandonada? Ana respondeu: “Não, sou viúva”. Luiz Cláudio, concluiu: “Agora as mulheres sozinhas são independentes. Então hoje a sociedade respeita muito as mulheres sozinhas, as viúvas e as que não tem mais marido…” 185

Luiz Cláudio: “Agora o senhor vai contar a sua versão e a senhora vai fazer um exercício de ouvir e não interromper e a gente vai ouvir como corujinhas, mesmo que ele fale a maior barbaridade do mundo e a Sra. tenha vontade de avançar nele, a Sra. não faça isso. Vamos lá meu amigo!” Sr. Roberto: “Primeiramente, eu trabalho cedo, saio para trabalhar 7 horas e volto tarde 6:30, não tenho tempo para problemas, segundo lugar: nunca mais passei a mão nessa mulher... Luiz Cláudio, confirmou: Nunca mais? O Sr. já passou? Roberto: Não, nunca passei, eu saio cedo de casa e volto tarde. Luiz Cláudio: “Você acha ela bonita?” Roberto: Não. Luiz Cláudio Sua mulher é mais bonita? Roberto: É. Luiz Cláudio: Então o Sr. não tem necessidade de passar a mão nela. Nunca passou, né? Roberto: Nunca passei a mão em ninguém e, em terceiro lugar, nunca passei, pois vivo a minha vida e ela vive a dela, eu chego do trabalho entro em casa, tenho minha vida com minha família. Luiz Cláudio: O Sr. vive bem com sua senhora? Roberto: Sim, vivemos muito bem, faço ela rir, etc. Luiz Cláudio: Não tem contato com essa Sra.? Roberto: Não, só quando vou tomar banho e nesse dia houve problema ela estava lá. Luiz Cláudio: Nunca teve alternação? Não. Luiz Cláudio: Ela disse que o Sr. ficou olhando para ela no banheiro, nunca aconteceu, teve alguma curiosidade? Roberto: Nunca. Não. Meu relato é esse. Luiz Cláudio: O Sr. na realidade disse que foi ela que lhe agrediu? Ela veio lhe bater e o Sr.? Conta como foi. Roberto: Ela veio me bater e eu me defendi. Luiz Cláudio: O Sr. não pegou no braço dela? Ela veio lhe agredir e o braço dela bateu no Sr. e ela acabou se machucando. Roberto: Isso. Luiz Cláudio: Ninguém viu? Roberto: Viram sim, os vizinhos viram e minha esposa também. Luiz Cláudio: Sua esposa não é testemunha, é informante. No dia do Registro de Ocorrência o Sr. levantou o nome de algum vizinho com testemunha? Roberto: Não. Luiz Cláudio: A Sra. Morre de raiva desse homem ainda? Ana: Não antes dele fazer o que fez. Luiz Cláudio: Não... deixa eu perguntar uma coisa: tem algum envolvimento com seu filho nesse processo? Ana: Não. Só depois que eu vi o braço sangrando e ficou machucado, e depois eu vi e dei um tapa na mão dele, isso eu confesso. Depois a esposa dele disse que foi meu filho. Como meu filho? Ele dorme 7:30, nem estava lá. Luiz Cláudio: Mas ele não agrediu o seu filho em hipótese alguma. Ana: Não, não. Luiz Cláudio: Então, como é só entre vocês, é mais fácil resolver, nós vamos resolver isso com a graça de Deus. O Sr. tem mais alguma coisa para falar? Roberto: Não. Luiz Cláudio: Então se a gente conversar com ela e ela concordar e ofereça uma oportunidade uma vida melhor o Sr. concorda? Roberto: Sim. Luiz Cláudio: Então deixa a gente conversar com ela em particular, 5 a 10 minutos, viu como é fácil? Depois eu chamo o Sr.

Ambos saíram, Luiz Cláudio pergunta: E ai meninos? Vamos lá, quero escutar a opinião de vocês. O observador trabalha aqui, viu Lourdes? Eu quero saber a opinião de vocês. Lourdes: Acho que é um caso muito simples e fácil, até pela forma dela falar, o jeito carinhoso que ela fala, ela é simpática, vai resolver isso fácil, fácil, não vai adiante.... Luiz Cláudio: E ai, amigo, diga! Eu: É.... Luiz Cláudio, lembrando que aqui todos têm conhecimento da esfera penal. Se bem que aqui não é objeto, o objeto aqui é usar as técnicas de mediação para trazer a paz social, se ela mora numa comunidade, apesar de demonstrar o interesse de sair de lá, enquanto viver lá é importante ter uma paz social. Diga amigo: Eu: Eu acho que agora temos que ouvir a parte dela, qual a necessidade dela, o interesse, o que restauraria a paz entre eles, o reconhecimento dele.

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Ana retorna a sala: Luiz Cláudio: O que a Sra. quer? Make love no make war. Faça amor, não faça guerra. Ana: Eu só queria que fizessem alguma coisa sobre isso, estava quieta no meu canto, era tarde da noite, fico no meu quarto, depois das 7 horas fico no quarto com o meu filho. Eu: O que a Sra. acha que restauraria essa paz, o que retornaria a paz desde antes do conflito, uma retratação dele. Ana: De uns tempos para cá ele parou de mexer comigo, mas a mulher dele é debochada, abraça os outros meninos. Luiz Cláudio: O que a Sra. quer? Guerrear, punir esse homem ou viver em paz. Por que na justiça não tem empate. A gente quando estuda o direito penal, o primeiro impacto para a gente que estuda o direito é que o direito penal foi feito para proteger o bandido. Antigamente o cara roubava, o rei mandava cortar a mão esquerda, depois a mão direita. Ai começaram a medir as penas, o furto é menos grave que o roubo que é menos grave que o latrocínio. O direito penal foi feito para proteger o marginal da lei. Existem dificuldades técnicas do direito, que nem é objeto da mediação, mas se a senhora for levar a diante, a gente não pode negar o direito a Sra. Como vai conseguir provar o que aconteceu? Ana: Mostrando o papel do corpo delito. Luiz Cláudio: O corpo delito vai provar a materialidade do crime, mas não a pessoalidade. Ana disse: vou arrumar testemunha. Luiz Cláudio: O Ministério Público para oferecer a denúncia tem que ter prova da materialidade e a pessoalidade. Só vai acontecer algo contra ele, se houver como fazer. É importante saber onde está a limitação e até onde podemos levar uma vantagem, na mediação vocês ganham um pouquinho e perde um pouquinho, mediante o acordo, queríamos que a Sr. desenhe com a gente quais as condições para fazer esse acordo, uma proteção que a Sra. leva daqui, esse tipo de pequenos crimes não há prisão, ele vai fazer um serviço comunitário, vai ficar de castigo por 5 anos, não vai passar disso, vai ficar com raiva da Sra., mas se a Sra. quiser prosseguir, sua decisão é soberana, a lei manda proteger a vítima em primeiro lugar, que não poderia dizer para o autor do fato que não faça mais, a gente tem que dar uma oportunidade para ele e assim para uma vida melhor. Estou vendo que por enquanto a continuidade de vizinhança está difícil, quando a Sra. abrir seu coração... Lourdes, assume a mediação, essa é uma Sra. distinta. Lourdes: A raiva só faz mal a gente. Ana: é difícil ter essa segurança. Luiz Cláudio: a Sra. sai daqui com um acordo que vai para o juiz e é homologado, às vezes se prosseguir a só aumenta a raiva, as vezes mediando. Se a Sra. continuar, o juiz vai sentenciar e não vai ouvir mais Sra. A Sra. leva daqui a segurança de uma vida melhor, mediante o acordo, a questão se resolve daqui para frente, o pior é a raiva que a Sra. está sentindo, ainda está inchado (o braço). Ana: ainda está inchado, disse que estava doendo. Luiz Cláudio: mas é por causa disso? Ana: sim, fui à delegacia da mulher às 11 horas da noite, fui para a UPA, mas a fila estava muito grande e ai eu desisti. Luiz Cláudio: e mesmo assim enviaram o caso para o JECRIM? Disse que a maior dificuldade da Promotoria num caso desses é a falta de prova, que pode acontecer é chegar e o final o processo não dê em nada. Ana: O problema é que vou aceitar fazer o acordo e ele vai sair daqui achando que não deu em nada, como é que eu fico lá no prédio? Luiz Cláudio: Não se preocupe, vamos conversar com ele, ele vai se responsabilizar em não deixar isso acontecer, se acontecer algo com a senhora ele pode ser responsabilizado. Ana: Ele vai sair daqui cheio de razão e ainda vou ter que ouvir deboche da mulher dele. Luiz Cláudio: Nesse caso não podemos fazer nada, a mulher dele não faz parte do processo, mas conversamos com ele para que isso não aconteça, ele é uma boa pessoa, isso foi só um desentendimento. Vocês se davam bem antes, não era melhor assim? A senhora quer se mudar, mas existe essa possibilidade hoje? Ana: Não, estou procurando, mas está difícil. Luiz Cláudio: Então, é melhor que ambos saiam daqui com um acordo compromissado, em paz, do que continuar desse jeito. Esse acordo vai melhorar a convivência da Sr. no prédio, eles vão ver que a Sra. deu um voto de confiança para ele, que quer viver em paz. Ana: Se ele prometer que ele e a mulher dele vão me deixar em paz. Só quero viver minha

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vida em paz. Vamos conversar com ele, tenho certeza que ele também quer viver em paz.

Ana saiu. Luiz Cláudio chamou Roberto. E disse: Pronto para sair daqui em paz, não ter mais problema com essa Sra.? Roberto: É isso que eu mais quero. Luiz Cláudio: Mas o Sr. vai se comprometer em preservar a paz dela e não deixar que haja conflito também com sua esposa. Roberto: Quanto a mim, tudo bem. Luiz Cláudio: O Sr. vai conversar com sua esposa? Roberto: Sim. Luiz Cláudio: Então vou chamar a Sra. Ana para que os senhores ponham um ponto final nessa história e prossigam em paz.

3.4. Finalização da mediação e elaboração do “termo de entendimento” Luiz Cláudio chama Ana e diz: Sra. Ana, gostaria de parabenizar a Sra. e o Sr. Roberto por chegarem a um bom termo. Optarem pela paz, pelo o acordo compromissado, em que ambos a partir de agora vão viver em harmonia. Ana: Espero que sim... Vamos redigir o acordo, todos assinam e prosseguimos nossa vida melhor do que estávamos quando chegamos aqui. Assim, o termo de entendimento constou o seguinte: O processo de Mediação teve como objetivo estabelecer a forma de conveniência entre as partes, havendo concordância dos mesmos sobre o desejo de interromper as situações conflituosas que geravam desgastes e agressões entre os mediando no processo de n.º XXXX; Percebeu-se ao longo do processo que se deu em uma sessão de mediação, que os mediandos após uma autorreflexão, sinalizaram a vontade de pôr fim aos conflitos se comprometendo a terem daqui por diante um comportamento pacífico, respeitoso, amistoso e civilizado, o qual equilibra os interesses de ambas as partes; Assim foi acordado entre as partes os seguintes termos, objetivando finalizar o processo acima mencionado; As partes se comprometem a manter uma convivência respeitoso e pacífica, cuidando da forma de como se dirigir ao outro, usando de cordialidade e não agressão física e verbal, nem tampouco qualquer tipo de ameaça; Comprometendo-se ainda os mediandos a viver cada um a sua própria vida não interferindo um na vida do outro; Nada mais havendo, as partes optam pelo encerramento do presente feito acima referido, renunciando desde já a qualquer direito de ação judicial ou extrajudicial. Todos os presentes assinaram o termo.

Conforme descrito acima, Ana se encontra no dilema jurisdição-consenso no sentido de não ter uma instrução adequada desde o registro de ocorrência. Este tema é muito bem explorado pelo professor Kant de Lima que, ao comparar a sistema de justiça criminal no EUA e no Brasil, evidencia que nos EUA o inquérito tem a finalidade instruir o processo judicial (KANT DE LIMA, 1986, 1999; 2004).

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Por isso, tanto a polícia, quanto os envolvidos participam ativamente desta fase, os envolvidos constituem advogados e o direito ao contraditório é uma garantia legal desde o início da investigação, com procedimentos e atos objetivamente previsto por lei que, caso não sejam observados, a ausência ou inconsistência destes atos motivam a anulação do processo (Idem). No Brasil o inquérito é ato exclusivo da política civil e pode ser sigiloso, isto é, sem a ciência dos envolvidos, não há previsão processual do exercício do contraditório, apresentação de contraprova (Idem). O art. 60, da lei 9.099/1995 prevê a possibilidade de se ofertar a conciliação, que resulta na renúncia da ação por parte da vítima nos casos de menor potencial ofensivo, ao ser remetido para o MP, antes deste oferecer a proposta de transação penal e posteriormente a denúncia (ação penal pública incondicionada), queixa-crime (ação penal pública condicionada) ou o próprio ofendido, através da representação (ação penal privada). Posteriormente, caso não haja interesse das partes em conciliar/mediar, nos casos de ação penal pública o MP oferece uma proposta de transação penal em que o acusado, caso aceite perderá o benefício da conciliação e da transação pena em outro caso durante 5 anos. Enquanto o sistema criminal nos EUA a verdade é produto da convergência de evidências apresentadas pelas partes para que o resultado esteja próximo ao aceitável publicamente pelos envolvidos, no Brasil cada órgão tem a autonomia de criar sua verdade e quanto mais distante dos fatos é o órgão mais definitiva é a verdade oficial. É que entre a investigação em que os agentes públicos estão material e temporalmente mais próximos dos fatos, sendo também oportunidade das partes para fazer contraprova no ato da investigação e a ação penal, há uma hierarquia de autoridade na produção da verdade, este fato, relacionado com o alto índice de inquéritos não concluídos, a falta de procedimentos que deem previsibilidade e autonomia para o policial investigar e as partes participarem da constituição das provas, corroboram com o fato de 70% dos inquéritos são desconsiderados pelo MP e pelo juízo.

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Ana e Roberto estão diante dos dilemas da escolha entre jurisdição ou consenso, ambos tem diante deles o fato de não estarem assessorados por um advogado, de não terem ciência dos trâmites após o Registro de Ocorrência, de não participarem de maneira informada e consciente da constituição de provas, da imprevisibilidade e insegurança, a “opção” pelo acordo traduz, neste contexto, as precariedade material, psicológica e social e reafirma a falta de efetividade das leis, a ineficiência das instituições e a aceitação de sua condição de precariedade, estando as partes submetidas às regras normativas da vizinhança. A falta de informação, de condições de constituir um advogado, a impossibilidade de se mudar, além da raiva, do sentimento de impunidade, a indignação e ao final a condição de precariedade social, pois é sozinha, viúva, possui um filho com síndrome de down, tornam tanto o exercício jurisdicional quanto os métodos consensuais de resolução de conflitos distantes da realidade. Sem a informação acerca das formas produção de provas e sem assessoria jurídica a opção de prosseguimento remete-os a um imenso vazio de incertezas e a opção por aceitar o “acordo” não constitui uma forma de enfrentar a realidade de Ana e Roberto, pois os termos de acordo tratam de manifestações de vontade criadas num ambiente ideal de fala, em que mais vale um mau acordo do que uma boa sentença. Independentemente do sistema jurídico a ausência destas das condições materiais, psicológicas e sociais que viabilizariam tanto o exercício jurisdicional, quanto o consenso quando identificados pelo CEJUSC. O CEJUSC, também tem a função de atendimento e orientação aos cidadãos, que em casos como este seria de extrema importância, pois estabelecidos critérios objetivos de classificação da escalada do conflito, das condições materiais, psicológicas e sociais que envolvem as partes. Desenvolveremos de maneira mais densa tais condições no Capítulo III, cumpre aqui somente apresentar o conteúdo empírico para desenvolvermos posteriormente desenvolvermos a análise e reflexões interdisciplinares

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4. Casos oriundos das Varas Cíveis

Os casos oriundos das Varas Cíveis apresentam menor incidência de encaminhamentos, este dado relacionado com o número de Varas Cíveis (52) indica um aparente paradoxo, mas que a seguir a correlação com outras evidências apresentará uma explicação satisfatória deste cenário.

Gráfico 7. Relação de processos encaminhados da Varas Cíveis para o CEJUSC – CAPITAL54

Conforme podemos observar no gráfico abaixo, há um alto número de casos sem início (14), seguidos de casos em que não houve adesão (6) e que houve desistência, apenas quatro casos houve acordo. Estes números reforçam a hipótese que a falta de critérios que instruam os juízes e partes para optarem pelo processo de mediação necessita ser desenvolvido, tendo em vista que tanto judicialização casos “mediáveis” como a consensualização de casos que demandam o exercício jurisdicional são prejudiciais tanto ao caso concreto quanto ao sistema de justiça, pois nem sempre um acordo é melhor que uma sentença.

54

Período de abrangência dos dados: 07/12 – 05/14. Fonte: CEJUSC- CAPITAL. Não foram localizados casos encaminhados provenientes da seguintes Varas Cíveis: 1ª, 2ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 26, 27, 28, 29, 32, 33, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 44, 45, 46, 47, 48, 50, 51, 52.)

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Gráfico 8. Resultado dos casos encaminhados das Varas Cíveis ao CEJUSC – CAPITAL55

Assim como nos casos encaminhados pelas Varas de Família e pelos JECRIM’s, alta incidência de casos sem início, sem adesão e de desistência reforçam a necessidade de critérios mais precisos quanto aos casos mediáveis e que tais decisões sejam compartilhadas com as partes. Esta evidencia reitera a insuficiência da simples sensibilidade do juízo, que parece estar contribuindo para o resultado negativo. É possível também verificar que não somente os magistrados necessitam de critérios mais precisos para identificar em que grau está a espiral do conflito, mas os advogados, defensores e principalmente as próprias partes. Na tabela abaixo estão expostos os casos em que integrei a equipe de mediação na posição de observador/mediador, em coerência com os dados acima, apenas três casos da vara cível foram observados e em nenhum deles houve nem mesmo adesão das partes. O caso selecionado para estudo é o caso 1, que trata de uma questão relacionada a um espólio sem herdeiros diretos, mas com testamento com um único beneficiário. Este caso deu origem a processos diversos, tem em vista que o beneficiário reivindica de uma amiga e de um sobrinho de madrinha, os bens deixados por ela, sob a acusação de que ambos dispuseram dos bens tendo ciência da existência do testamento.

55

Período de abrangência dos dados: 07/12 – 05/14. Fonte: CEJUSC- CAPITAL.

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Tabela 8. Casos Observados oriundos das Varas Cíveis Casos Tipo de Ação Mediandos (A/R) Assistência Jurídica (A/R) Espólio de Júlia. Indenizatória/Dano Inv. Rodrigo x 1 ADV/ADV Moral Armando e Lucileide 2 Obrigação de Fazer Marilza x Solange DP/DP 3

Dano Moral

Edmison x Aldo.

ADV/ADV

RESULTADO Interrompida Não Adesão Sem Início

Conforme verifica-se na tabela acima, tive oportunidade de acompanhar apenas 3 casos e, em nenhum deles, houve acordo, não complementando o ciclo total da mediação. Com exceção do caso 3, os outros dois casos as partes compareceram ao CEJUSC. No primeiro caso a mediação foi interrompida porque uma das partes passou mal em uma das sessões e ocorreram algumas situações particulares que dificultam a manutenção do sigilo e da confidencialidade, por isso optei por não abordá-lo. No caso 2, a não adesão ocorreu prontamente, não havendo aparentemente conteúdo que justificasse descrição e análise. Notei que nestes três casos oriundos de Vara Cível, os conflitos eram entre pessoas físicas, mas relações tiveram como conteúdo questões de ordem financeira e não havia uma relação subjacente, as questões aparentes não indicavam haver questões ocultas a serem tratadas, o que não quer dizer que não havia ruídos na comunicação e animosidade. O fator mais evidente era a falta de interesse das partes em desenvolver uma comunicação efetiva, eram casos com graus elevados na espiral do conflito, mas que não havia esteio de relação continuada, como é mais comum nos casos oriundos das Varas de Família e dos JECRIM’S. Estes elementos indicam que as relações que possuem conteúdos normativos de outras instâncias como família e comunidade possuem questões ocultas que ao serem abordadas encontram possibilidades de reestabelecimento de vínculos e interesses em comum. No caso das relações econômicas, que na modernidade se caracterizam pela anomia, outras instâncias normativas não compõem a relação, havendo mais proximidade entre o conflito aparente e o conflito subjacente, está hipótese deve ser mais bem investigada observando mais atentamente as sessões de conciliação.

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Além das mediações observadas no CEJUSC-Capital, também tive a oportunidade de participar de duas campanhas, a primeira foi a 7ª Semana Nacional de Conciliação de 2012, oportunidade que o LAFEP e o TJRJ efetivaram um convênio de colaboração com o objetivo de produzir dados acerca das impressões dos usuários (advogados e partes) que participaram desta campanha, trataremos desta experiência a seguir. A segunda oportunidade ocorreu no Mutirão de Agenda Concentrada em que participei como mediador, que trataremos mais adiante. Nessas duas campanhas, os processos são oriundos da Vara Cível, na primeira oportunidade, a pesquisa de campo privilegiou a produção de dados quantitativos, com a aplicação de um questionário aos usuários, na segunda oportunidade trataremos do estudo de caso, em que a descrição e análise orientam-se pela observação participante. 4.1. Campanhas No tocante às práticas consensuais, dois tipos de campanhas são regulares no TJRJ: 1) A Semana Nacional da Mediação; 2) Mutirão de Agenda Concentrada. A primeira campanha é de caráter nacional e conta com o apoio direto do CNJ, com a adesão dos Tribunais Federais e Estaduais me datas estabelecidas pelo CNJ uma vez por ano. A segunda é denominada Mutirão de Agenda Concentrada, iniciativas oriundas do próprio Tribunal e de empresas identificadas como as maiores demandantes e/ou demandadas. Estas campanhas consistem em promover os métodos consensuais através de eventos em que o Tribunal disponibiliza seu espaço, servidores e voluntários e convoca mediadores e conciliadores para dedicarem-se a disponibilizar o serviço de práticas autocompositivas. São designadas audiências especiais em que os juízos, mormente da área cível, encaminham seus processos aos órgãos centralizados – no caso do TJRJ, o Centro Permanente de Conciliação (CPC/JEC) e o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC). Estas campanhas também contam com a adesão das empresas, geralmente as que possuem um alto volume de contencioso de massa, principalmente ligados à área consumerista e contratual. Nem sempre, nos processos encaminhado, as empresas figuram no polo passivo.

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Em alguns casos, os processos encaminhados tratam de ações de cobrança de bancos ou empresas no ramo imobiliário em face de pessoas físicas, devedoras. Em uma das campanhas que participei, uma grande incorporadora comemorava o sucesso das conciliações que produziram impacto positivo, tendo em vista que o capital negociado já estava provisionado fundo perdido. A Semana Nacional de Conciliação começou a ser configurada como campanha nacional no ano de 2006, com o Dia Nacional da Conciliação56 promovido pelo Movimento pela Conciliação do CNJ, que, atualmente, tem como coordenador o Desembargador do TJSP José Roberto Neves Amorim. Esta primeira iniciativa teve a adesão de 27 Tribunais de Justiça, 23 Tribunais Regionais do Trabalho e 5 Tribunais Regionais Federais. Foram designadas 112.112 audiências de conciliação, realizadas 83.987 com 46.493 acordos que, segundo os dados do CNJ, resultou no “percentual de sucesso” 55,36%. Como a pesquisa está focada nos Tribunais de Justiça Estaduais, nos ateremos aos dados disponíveis relativos a estes. Como podemos observar no gráfico abaixo, os Tribunais Estaduais foram os órgãos com maior volume de processos campanha, designando 82.523 audiências, com 58.981 audiências realizadas, 31.223 acordos. Desde a primeira edição, os processos são selecionados pelos Tribunais e disponibilizados aos Centros de Conciliação, as partes são intimadas através de publicação no diário oficial. Caso as partes tenham interesse, também podem solicitar a inclusão de seus processos na pauta. Empresas e órgãos públicos, que possuem altos índices de processos, são mobilizadas para participar e, inclusive, segundo informações do CNJ57, há Tribunais que fazem uma audiência prévia com empresa/órgão para trazerem boas propostas de acordo. Quando não há processos, também é possível solicitar previamente uma audiência, que é denominada audiência de conciliação pré-processual. 56

Dados disponíveis em: http://www.cnj.jus.br/images/programas/movimento-pela-conciliacao/2006semana_conciliacao_2006.pdf, consultados em 10.01.2014. 57

Informações disponíveis em:http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/acesso-ajustica/conciliacao/semana-nacional-de-conciliacao. Acessado em 10.01.2014

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Gráfico 9: Comparativo de volume de processos, audiências designadas, audiências realizadas e acordos obtidos entre os Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais e Tribunais do Trabalho58.

Quanto ao percentual de acordos obtidos, os Tribunais Regionais Federais lideram com 66,21% de êxito, contra 53,98 dos Tribunais Regionais do Trabalho e 52,96 dos Tribunais Estaduais. Segundo o relatório do CNJ, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, houve 450 audiências designadas, 340 realizadas e 191 acordos obtidos em um só dia. A partir de 2007, o Dia Nacional da Conciliação se estendeu para a Semana Nacional da Conciliação59, com a adesão de 26 Tribunais de Justiça, 22 Tribunais Regionais do Trabalho e 5 Tribunais Regionais Federais. Foram designadas 303.638 audiências, com 227.564 audiências realizadas, resultando num total de 96.492 acordos realizados, com um percentual de sucesso de 42,40%, envolvendo a quantia de R$375 milhões nos acordos. Segundo os dados do CNJ do ano de 2007 (Idem), houve a mobilização de 3.000 magistrados, 20.000 servidor-colaborador que atenderam mais de 411.000 pessoas. No TJRJ, foram designadas 15.601 audiências, realizadas 10.772, com 2.513 acordos, com o percentual de êxito de 23,32%. De 2006 a 2013, 8 campanhas anuais foram realizadas, sempre no segundo semestre de cada ano. Seguem abaixo os folders das campanhas:

58

http://www.cnj.jus.br/images/programas/movimento-pela-conciliacao/2006-semana_conciliacao_2006.pdf

59

Dados disponíveis em: http://www.cnj.jus.br/images/programas/movimento-pela-conciliacao/2007semana_conciliacao_2007.pdf, consultados em 10.01.2014

196

Figura 6. Campanhas da Semana Nacional da Conciliação de 2006 a 2013 60.

A 8ª Semana Nacional da Conciliação ocorreu de 02 a 06 de dezembro de 2013 e, segundo dados disponíveis no site do CNJ61, destacam-se a participação de 56 Tribunais, com 633.337 pessoas atendidas e 2.055 eventos paralelos, houve participação de 6.651 magistrados, 273 juízes leigos, 5050 conciliadores, 8.136 colaboradores. No TJRJ, temos os seguintes dados disponibilizados:

Entre os dias 02 e 06 de dezembro de 2013, foram designadas 28.786 audiências, com 23.903 audiências realizadas e 3.786 acordos realizados no TJRJ, com o percentual de êxito de 15,84%. Neste ano um dado importante disponível se refere ao à quantia negociada, o valor total é de R$6.978.369,19, média de R$1.843,20 por acordo.

60

Da esquerda para a direita, de cima para baixo, a primeira ocorreu em dezembro de 2006 e a mais recente, a VIII SNC, ocorreu em dezembro de 2013. Fonte: http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/acesso-a justica/conciliacao/semana-nacional-de-conciliacao. Acessado em 14.01.2014 61

Dados disponíveis em http://www.cnj.jus.br/images/programas/conciliacao/2013/relatorio_conciliacao_2013.pdf, acessados em 30 de abril de 2014.

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Contrastando os dados de 2007 com os dados de 2013, verificamos que apesar de em 2013 terem sido realizadas 13.131 audiências a mais do que em 2007, significando o aumento de quase 130% do número de audiências realizadas, o percentual de êxito caiu de 23,32% (2.513 acordos homologados) para 15,84% (3.786 acordos homologados). Estes dados não são suficientes para verificar a efetividade desta campanha, apesar de traçar um panorama do impacto da campanha e dos resultados. Num panorama geral, verifica-se que os números são bastante modestos, mas, por outro lado, não há dados quanto ao valor despendido pela campanha, nem detalhes sobre os processos. Por isso não temos como aprofundar análises de teor qualitativo. Contudo, no ano de 2012, a equipe do LAFEP/UFF em parceria com o NUPEMEC e o Centro Permanente de Conciliação do Juizado Especial Cível, participou de pesquisa de campo, através de um questionário elaborado pela equipe e aprovado pelo NUPEMEC. Para este trabalho, também contemplei conversas informais com usuários e mediadores, conforme veremos a seguir. O objetivo foi mitigar a produção dados quantitativos com a observação participante. Abaixo verificaremos estudo de caso em que participei como mediador em dos Mutirões (Agenda Concentrada), que consistem em campanhas mais específicas, que geralmente ocorrem através de convênio entre TJRJ e empresas do mesmo ramo (Telefonia, Seguro de Saúde, Energia, Água e Esgoto) de atividade ou até mesmo convênios bilaterais entre determinada empresa e o TJRJ. Estes convênios são direcionados a empresas com alto volume de processos, selecionados e organizadas em pautas e designadas audiências especiais através de publicação no Diário Oficial, solicitando a presença das partes na data e hora designada, através de um despacho do juízo competente. Conforme veremos, no mutirão em que participei, houve pouca ausência das partes. As empresas disponibilizavam prepostos e advogados que ficavam à disposição da campanha juntamente com os mediadores e funcionários do TJRJ. Os mutirões organizados pelo NUPEMEC, contam com participação voluntária de juízes e mediadores que são convocados pela coordenação. As campanhas podem durar

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dias ou semanas, depende do número de processos. As sessões são marcadas com curto espaço de tempo entre, aproximadamente de 15 em 15 minutos. Há certa resistência dos mediadores em participar dos mutirões, pois julgam que a prática exercida nestes mutirões é de conciliação, pois possuem outros objetivos e critérios que não coadunam com os princípios da mediação, por exemplo, o curto espaço de tempo e o interesse do Tribunal em aumentar o índice de acordos, alguns convencionaram chamar esta prática de conciliação qualificada. A maioria dos mutirões trata de casos provenientes das Varas Cíveis, o que contribui para explicar um baixo número de encaminhamentos de processos oriundos das Varas Cíveis para o CEJUSC-Capital. Ambas as campanhas são responsáveis por aumentar a estatística de atendimento do TJRJ, além de divulgar os métodos consensuais, tendo em vista que as campanhas são anunciadas nos veículos de comunicação, mesmo que timidamente. Além da possibilidade de conciliar/mediar os processos, o TJRJ disponibiliza o serviço de conciliação e mediação pré-processual, em que, antes de ingressar em juízo o usuário poderá procurar CEJUSC ou o CPC manifestar seu interesse em resolver seu conflito através da conciliação/mediação. No caso da mediação pré-processual, o interessado deve acessar o site do TJRJ, preencher um formulário eletrônico composto de nome, endereço, CPF e e-mail das partes, relatar o caso resumidamente e enviar a solicitação pelo próprio site62. Segundo a Ordem de Serviço n.º01/2012, as solicitações serão encaminhadas para os respectivos CEJUSC’s, autuadas com numeração própria (Classe 12 – Homologação de Transação Extrajudicial). Obtido o acordo, sendo o caso de intervenção do Ministério Público, o procedimento será encaminhado através do próprio CEJUSC para posterior homologação do acordo pelo Juiz do Centro de Mediação. Caso contrário, o acordo será enviado diretamente ao Juiz do Centro de Mediação para ser homologado, por sentença, mediante lançamento de assinatura digita no sistema DCP.

62

Ver: http://www.tjrj.jus.br/cs/institucional/mediacao/pre-processual

199

Após a homologação do acordo, por sentença, os documentos serão encaminhados ao Setor de Distribuição, afim de que seja distribuído para o juízo competente com numeração única do CNJ para que eventual execução do acordo trâmite perante o juízo competente e não através do CEJUSC. No caso da conciliação pré-processual, o serviço está disponível apenas para relações de consumo (RESOLUCÃO TJ/OE Nº 20, DE 18/07/2011), em que o interessado deve acessar o site do TJRJ63, (1) procurar se a empresa que compõe a relação de consumo possui e-mail cadastrado no Centro Permanente de Conciliação (CPC), caso não possua, (2) deve enviar e-mail para o próprio CPC que entrará em contato com a empresa. No caso (1), a empresa receberá diretamente o e-mail e a conciliação será assistida pelo TJRJ, no caso (2) o TJRJ entrará em contato com a empresa e acompanhará o procedimento. Em ambos os casos, se resultar em acordo, este será homologado, com fundamento no art. 585, II, c/c art. 733, do CPC, que trata dos títulos executivos extrajudiciais de seus efeitos vinculantes. 4.2. VII Semana Nacional da Conciliação O Conselho Nacional de Justiça em parceria com o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro promoveu de 07 a 14 de novembro de 2012 a 7ª Semana Nacional de Conciliação 2012. Aproximadamente 5000 audiências de conciliação e mediação se realizaram no Centro Permanente de Conciliação dos Juizados Especiais e Cíveis (CPCJEC) do nas instalações do CEJUSC – Capital do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. A maioria das ações é relativa à relação de consumo. Empresas como a CEDAE, CEG, Casas Bahia, Globex, B2W, Ricardo Eletro, Casa e Vídeo, Nextel, Vivo, Claro, Tim, Embratel, Gafisa obtiveram alto índice de acordos celebrados, inclusive em ações em que as empresas figuram no polo ativo, como no caso da Gafisa.

63

200

Ver: http://www.tjrj.jus.br/web/guest/projetos/conciliacao-pre-processual

Figura 7. Folder da campanha da VII Semana Nacional da Conciliação (2012) 64.

Nesta edição, a principal inovação se deu por conta da inclusão de processos de 2ª Instância na pauta de conciliação/mediação, além dos processos do Juizado Especial Cível e de processos de Vara Cível. Outra inovação de relevo foi o "Dia da Desjudicialização", que ocorreu no dia 14 de novembro entre 10 e 18 horas, no corredor D, sala 103, 1º andar, da Lâmina I do Fórum Central, em que dez boxes do Centro Permanente de Conciliação foram reservados exclusivamente para conciliação pré-processual. Essa inovação fez parte da comemoração do “Dia da Desjudicialização”, que teve como prioridade a resolução de conflitos ainda não formalizados, com a finalidade de promover acordos antes que os conflitos sejam objetos processos judiciais. A equipe LAFEP/UFF65 participou da SNC aplicando questionário de campo com objetivo de identificar as impressões dos usuários antes e após as conciliações e mediações. Foram

entrevistados

partes,

advogados

e

prepostos

que

participaram

das

conciliações/mediações no total de 78 pessoas.

64

Fonte: http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/acesso-a justica/conciliacao/semana-nacional-deconciliacao 65

Agradeço a participação de toda a equipe do LAFEP/UFF na elaboração do questionário, pesquisa e análise dos dados e na troca das observações participantes: Delton Meirelles, Fabiana Mascarenhas, Marcela Figueiredo, Juliana Torres, Ester Banayon, Giselle Picorelli, Cibele Cunha, Gabriela Gomes, Joice Capistrano, Cibeli Ambrosio, Gabriela Stellet, Paula Faria, Thalita Borsato, Mariana Padilha, Mariana Dornellas, Gabriel de Almeida, Juliane Genovez, Suzana Antunes, Carolina Gutierrez, Erika Alcantara, Simone Barros.

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Para esta pesquisa todos serão considerados usuários, a pesquisa de campo se desenvolveu tanto com observação participante quanto aplicação de um questionário elaborado pelo LAFEP/UFF. As perguntas tinham opções objetivas e eram aplicadas em dois momentos: 1) Antes do procedimento (7 questões); 2) Após o procedimento (15 questões) (Anexo VIII). Não houve distinção entre os usuários entrevistados, nem entre os métodos de resolução de conflitos utilizados, pois não acompanhamos os procedimentos e o foco da pesquisa é tão somente quanto às impressões dos usuários antes e após os procedimentos. Na opção pelo método de pesquisa buscamos mitigar os dados quantitativos com a observação participante dos integrantes, o objetivo principal não é verificar hipóteses, nem buscar conclusões acerca do que observamos, mas apresentar um panorama geral da 7ª Semana Nacional da Conciliação, tendo em vista ser uma campanha do CNJ em parceria com os Tribunais, que promove a autocomposição e alcança um grande volume de usuários. Temas gerais como informação, litigiosidade, segurança, interesse, linguagem, e temas comuns aos dois métodos como voluntariedade, adesão, satisfação, imparcialidade, neutralidade, comunicação a partir da perspectiva do usuário como um indicativo de como a mediação e a conciliação se tornam opções de resolução de conflitos e qual a impressão dos usuários ao se deparar com esta nova opção. A pesquisa foi aplicada pelos alunos de graduação em direito da Universidade Federal Fluminense e por acadêmicos do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense que compõe o Laboratório de Fluminense de Estudos Processuais LAFEP/UFF, com o apoio das coordenadorias do CPCJEC e do NUPEMEC entre os dias 07 e 14 de novembro de 2012. Para obtenção de dados quantitativos, o método utilizado foi o método survey que, segundo Freitas et al (FREITAS et al., 2000): A pesquisa survey pode ser descrita como a obtenção de dados ou informações sobre características, ações ou opiniões de um determinado grupo de pessoas, indicado como representante de uma população alvo, por meio de um instrumento, normalmente um questionário (Tanur apud Pinsonneault e Kraemer, 1993).

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Como principais características do método de pesquisa survey pode-se citar: (1) o interesse é produzir descrições quantitativas de uma população; e (2) faz uso de um instrumento pré-definido. A survey é apropriada como método de pesquisa quando: • se deseja responder questões do tipo “o quê?”, “por quê?”, “como?” e “quanto?”, ou seja, o foco de interesse sobre “o que está acontecendo” ou “como e porque isto está acontecendo”; • não se tem interesse ou não é possível controlar as variáveis dependentes e independentes; • o ambiente natural é a melhor situação para estudar o fenômeno de interesse; • o objeto de interesse ocorre no presente ou num passado recente. Pinsonneault e Kraemer (1993) classificam a pesquisa survey quanto ao se ao seu próposito em: • explanatória - tem como objetivo testar uma teoria e relações causais, estabelece a existência de relações causais, mas também questiona porque a relação existe; • exploratória - o objetivo é familiarizar-se com o tópico ou identificar conceitos iniciais sobre um tópico, dar ênfase na determinação de quais conceitos devem ser medidos e como devem ser medidos, buscar descobrir novas possibilidades e dimensões da população de interesse; • descritiva - busca identificar quais situações, eventos, atitudes ou opiniões estão manifestas em uma população; descreve a distribuição de algum fenômeno na população ou entre subgrupos da população ou ainda faz uma comparação entre estas distribuições. Neste tipo de survey a hipótese não é causal, mas tem o propósito de verificar se a percepção dos fatos está ou não de acordo com a realidade.

As questões foram dirigidas aos usuários em dois momentos: 1º) Antes do Procedimento e 2º) Após o procedimento e relacionados aos temas que serão objeto de análise dos dados. A equipe LAFEP/UFF esteve presente nas dependências do CPCJEC e do NUPEMEC, as conciliações foram concentradas principalmente no CPCJEC na sala 103, corredor D e as mediações na sala 106, corredor A da Lâmina I do Fórum Central. A abordagem da equipe LAFEP/UFF procedeu-se diretamente aos usuários antes do procedimento e com sua anuência, e assim eram dirigidas seis questões “Antes do Procedimento” aplicadas individualmente. Ao analisar o questionário, o primeiro ponto de destaque é o considerável número respostas “Não sabe/Não respondeu”, que vai aumentando no avançar das perguntas, que conduzem duas hipóteses: 1) A pressa e a falta de interesse das pessoas após o sair das sessões; 2) A falta de informação e entendimento do que havia ocorrido na audiência. Outro ponto relevante é que, no NUPEMEC, em que o paradigma procedimental é a mediação, o número de usuários era menor, enquanto no CPCJEC que o paradigma procedimental é a conciliação, o volume de usuários era consideravelmente maior.

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Verificou-se também que as sessões de conciliação eram mais curtas do que as de mediação, que o espaço físico do CPCJEC em que eram realizadas as conciliações é composto de 10 boxes abertos e que as sessões eram acessíveis a todos, já no NUPEMEC as sessões foram realizadas em salas fechadas, privativas e espaços menores. As fotos das instalações do CPCJEC abaixo retratam a estrutura e a adesão diversas empresas, geralmente concessionárias de serviço público, que se organizam em baias, disponibilizando prepostos e advogados.

Figura 8. Instalações do Centro Permanente de Conciliação dos Juizados Especiais Cíveis.

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As observações acima se justificam por se tratar de uma campanha dirigida originalmente para a conciliação, de iniciativa do CPCJEC que foi estendida para o NUPEMEC, especializado em mediação de conflitos, para agregar procedimentos consensuais distintos à campanha.

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Fotografia retirada no trabalho de campo desenvolvido na VII Semana Nacional da Conciliação, em novembro de 2012. Fonte: Arquivo Pessoal.

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Nesse sentido, verifica-se que o procedimento de mediação foi adaptado para atender a demanda e o rito mais célere, o objetivo principal é de resolver o conflito em uma única sessão. Essa conclusão distancia a análise quanto à diferença dos procedimentos utilizados, tendo em vista que apesar de se tratar de abordagens diferenciadas, não é possível diferenciá-las no contexto apresentado, no total foram entrevistas 78 pessoas. QUESTÃO 1 Como você chegou até aqui? (VOLUNTÁRIEDADE, INFORMAÇÃO) (17) Convite 21,8% (6) Voluntariamente 7,7% (28) Intimação 35,9% (3) outro 3,8% (0) Telefonema (1) Aviso de Advogado (1) Site (12) Não sabe/Não respondeu 15,34%

A questão 1 foi formulada com as hipóteses mais comuns de comunicação e acesso à Semana Nacional da Conciliação (SNC). Os dados permitem observar que 35,9% dos usuários entrevistados responderam que foram intimados, enquanto 21,8% convidado, 7,7% através de ato voluntário e 3,8%, aviso de advogado, site, sendo que 15,3% não respondeu. É importante pontuar que o questionário não tem a finalidade de apurar o conceito legal das formas de conhecimento e abordagem que levaram aos usuários a participarem da SNC, mas apenas a impressão que os mesmos tiveram da motivação que os fizeram presentes. Nesse sentido, é possível atestar o baixo índice de usuários que responderam participar da SNC voluntariamente. Esse índice associado à informação de que a maioria dos usuários é oriunda de processos judiciais e que em seus respectivos processos houve um despacho do juízo comunicando que os mesmos deveriam comparecer à SNC em data e horário determinado, leva a reflexão que a opção pelos métodos consensuais de resolução de conflitos, ainda são dependentes de uma motivação exterior a vontade das partes. QUESTÃO 2 Você já participou de um processo judicial? (LITIGIOSIDADE) (44) Sim 56,4% ( 14 ) Não 17,9 ( 20 ) Não sabe/Não respondeu 25,6%

A questão 2 (dois) tem condão verificar indícios acerca de em que medida os entrevistados participantes são egressos de processos anteriores, isto é, já experimentaram a prestação jurisdicional.

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Observa-se que 56,4% dos entrevistados já participaram de outros processos judiciais, o que conduz à hipótese de que boa parte dos usuários já está familiarizada com o ambiente judicial. QUESTÃO 3 Você conhece os procedimentos de mediação/ conciliação? (ADESÃO/ CONHECIMENTO/ INFORMAÇÃO) (22 ) Totalmente 28,2% ( 16 ) Parcialmente 20,5% ( 20 ) Não 28,2% (20) Não sabe/Não respondeu 28,2%

Quanto ao conhecimento dos usuários em relação aos procedimentos da conciliação/mediação, os dados conferem que 28,20% dos entrevistados conhecem totalmente o procedimento, enquanto 20,5% possuem conhecimento parcial, 28.20% não conhecem e 28.20% não sabe/não respondeu a questão. Os dados apresentados permitem analisar que, diferentemente dos dados que atestam um alto índice de entrevistados que participaram de processos judiciais (56,4%), apenas 28,2% dos entrevistados conhece totalmente os procedimentos contemplados na SNC, 20,5% conhecem parcialmente, 28.2% não conhecem e 28,2% não sabe/não respondeu a questão. Esses dados indicam a necessidade de campanhas e estratégias de informação ao público que vão além dos corredores do Poder Judiciário e que permitam aos indivíduos conhecimento das formas de resolução de conflitos alternativas ao tradicional processo judicial para que os mesmos decidam de maneira consciente de que forma pretendem resolver o seu conflito. A informação é uma variável importante no processo de escolha e tomada de decisão em relação aos procedimentos, elementar para que os indivíduos participem conscientemente desde a escolha das formas de administração. Por outro lado, a segurança e o conhecimento acerca dos procedimentos da conciliação e a mediação pode contribuir para decisões conforme a demanda das partes em conflito. No entanto, se verifica que as partes não tem conhecimento claro dos procedimentos e, por outro lado, a técnica, muitas vezes instrumentalizada, dificulta a comunicação mais aprofundada entre partes e mediadores. As opções de abordagem e processamento de conflitos disponíveis, tanto quando o paradigma é juízo de autoridade e do julgamento quanto o diálogo e o consenso, são mais

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efetivas e traduzem o sentimento de justiça quando todos estão esclarecidos e seguros sobre os procedimentos e tem igual acesso às opções. QUESTÃO 4 Você se sente a vontade em participar (VOLUNTARIEDADE/SEGURANÇA/ADESÃO) (36 ) Totalmente 48,7% ( 8 ) Parcialmente 10,3 ( 4 ) Não 5,13% (20) Não sabe/Não respondeu 28,2%

deste

procedimento?

A questão acima tem a finalidade de identificar o nível de segurança dos entrevistados antes do início do procedimento e o quanto os mesmos sentem-se à vontade para participar dos procedimentos. Diante dos dados apresentados 48,7% dos entrevistados responderam estar seguros participar do procedimento, contra 10,3% sentem-se parcialmente seguros, 5,13% não se sentem seguros e 28,2% não sabe/não respondeu a questão. Verifica-se, portanto, que a maioria dos entrevistados sente-se totalmente seguros para participar dos procedimentos, mesmo com o baixo índice de voluntariedade e de conhecimento sobre o procedimento aferido nas questões 1 e 3. Esse dado indica que o nível de confiança no Poder Judiciário é alto e que apesar da falta de voluntariedade e do baixo grau de conhecimento acerca dos procedimentos, os entrevistados não se sentem inseguros em participar dos procedimentos. APÓS O PROCEDIMENTO As questões “após o procedimento” compunham o mesmo questionário aplicado “antes do procedimento” e eram dirigidos aos mesmos usuários após as sessões. Insta ressaltar a dificuldade da aplicação dos questionários após as sessões, pois parte considerável dos usuários saia das sessões e resistiam em responder a segunda etapa de perguntas por estarem com pressa, o que aumentou ainda mais o volume de respostas “Não sabe/Não respondeu”, conforme se verifica abaixo: Você aceitou participar procedimento de mediação/conciliação? (ADESÃO) (47 ) Sim 60,2% ( 3 ) Não 3,8% ( 28 ) Não sabe/Não respondeu 35,9% Suas expectativas foram atendidas? (SATISFATIVIDADE) ( 18 ) Totalmente 38,3% ( 16 ) Parcialmente 34% ( 13 ) Não 27,7% ) Não sabe/Não respondeu 66%

( 31

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Verificamos que 60,2% dos entrevistados aderiu aos procedimentos, 3,8% não aderiu e 35,9% não sabe/não respondeu atestando um alto grau de adesão dos usuários entrevistados. Na pergunta 7.2 objetivamos evidenciar o grau de satisfatividade dos 47 usuários que aderiram o procedimento, 38,3% responderam que suas expectativas foram totalmente atendidas, 34% responderam que suas expectativas foram parcialmente atendidas e, 27,7% responderam que suas expectativas não foram atendidas e 66% não sabe/não respondeu. QUESTÃO 8 Você teve a oportunidade de falar o que desejava (COMUNICAÇÃO) ( 45 ) Sim 57,7% ( 3 ) Não 3,8% ( 20 ) Não sabe/Não respondeu 25,6%

Verifica-se que o objetivo da pergunta 8 (oito) é identificar a comunicação e a oportunidade de fala dos participantes, nesse quesito, os dados indicam que 57,7% respondeu ter havido oportunidade de falar o que desejava, 3,8% afirmaram que não tiveram a oportunidade de falar o que desejava e 25,6% não sabe/não respondeu a questão. QUESTÃO 9 Você acha que o mediador/conciliador foi: (IMPARCIALIDADE) ( 42 ) Foi imparcial 53,8% ( 3 ) Favoreceu a outra parte 3,8% sabe/Não respondeu 42,3%

( 33 ) Não

QUESTÃO 9.1 O que você acha que determinou o favorecimento da outra parte? (LINGUAGEM/COMUNICAÇÃO/FORMALISMO) ( 8 ) A linguagem utilizada 22,2% ( 2 ) A falta de oportunidade de fala 5,5% ( 1 ) A falta de esclarecimento acerca do procedimento 2,8% ( 0 ) Falta de tempo (25) Não sabe/Não respondeu 69,4%

O objetivo desse quesito é buscar indícios sobre a impressão dos usuários quanto à imparcialidade dos conciliadores/mediadores, 53,8% dos entrevistados atestaram a imparcialidade do conciliador/mediador, 3,8% entendeu que o mediador favoreceu outra parte e 42,3% se enquadraram na resposta “Não sabe/Não respondeu”. Quanto aos 3 usuários que responderam que o conciliador/mediador favoreceu a outra parte e os 33 que optaram pela alternativa “Não sabe/Não respondeu”, na questão 9.1 objetivamos a impressão quanto aos motivos que determinaram o “favorecimento” da outra parte.

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Assim como a questão cinco, a questão acima deve ser checada no sentido de distinguir a resposta das partes, tendo em vista que os advogados/defensores não devem ser computados. QUESTÃO 11 Além do Tribunal, em quais outros lugares este procedimento poderia ajudar a resolver os conflitos? (ESPAÇOS PÚBLICOS/JURIDICIZAÇÃO) (11 ) Associação de Moradores ( 10 ) Igrejas ( 10 ) Escola (18 ) Empresa/Local de trabalho ( 10 ) Escritório de advocacia ( 16 ) Universidades ( 3 ) outros _____ 2 ( 4 ) Não sabe/Não respondeu (3) SOMENTE NO TRIBUNAL

A questão acima tem o objetivo de verificar a possibilidade de aceitação dos usuários quanto ao desenvolvimento da prática consensual de resolução de conflitos em espaços diversos, além dos oferecidos pelo Poder Judiciário. Algumas alternativas de espaços foram apresentadas e houve grande incidência de aceitação pela prática consensual fora dos tribunais, apenas 3,8% dos usuários entrevistados responderam entender que “somente no tribunal” estes procedimentos podem ajudar a resolver conflitos. QUESTÃO 12 Você adotaria esse procedimento novamente? (CREDIBILIDADE) (42) Sim 61,5% (5) Não 6,4% (31) Não sabem/Não respondeu 39,7%

Quando questionados se adotariam novamente os procedimentos consensuais como forma de resolução de conflitos, 61,5% dos usuários entrevistados responderam positivamente, enquanto apenas 6,4% disseram não pretenderem utilizar novamente e 39,7% estão entre os que optaram pela resposta “Não sabe/Não respondeu” um dos procedimentos adotados na SNC. Esses dados conferem alto índice de credibilidade dos procedimentos consensuais praticados na SNC e a possibilidade de êxito da campanha no sentido de divulgar as formas consensuais de resolução de conflitos como uma alternativa possível. QUESTÃO 13 Você indicaria este procedimento para (CONFIANÇA/CREDIBILIDADE/CONHECIMENTO) (42) Sim (3) Não (33) Não sabe/Não respondeu

alguém?

A questão 13 permite pensar a hipótese do potencial de divulgação da mediação e da conciliação ao público, pós a adoção dos procedimentos consensuais configura a

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alternativa de incidência 61,5% favorável à adoção dos procedimentos em outros casos, somente 6,4% não adotariam. A questão 13, acerca da indicação dos métodos consensuais para outras pessoas apontam a possibilidade de divulgação e propagação dos métodos autocompositivos pelos próprios usuários, pois, dentre os que indicariam e os que não indicariam o procedimento para alguém, 61,5% responderam “sim”, enquanto apenas 3,8% responderam “não”. QUESTÃO 14 Foi possível celebrar o acordo? (RESULTADOS) (25) Sim 32%

(22) Não 28,2%

(31) Não sabem/Não respondeu 39,7%

A questão 14 tem o condão refletir a incidência de acordos realizados, o resultado é bastante equilibrado, dos 78 usuários entrevistados, 32% responderam “sim”, foi possível celebrar o acordo, enquanto 28,2% responderam que “não” foi possível celebrar o acordo. É relevante salientar que neste caso, o alto grau de respostas “Não sabe/Não respondeu” (39,7%) interfere negativamente na análise da questão, pois é uma alternativa incomensurável, tendo em vista que os resultados possíveis nesta questão se limitam às duas primeiras alternativas “sim” ou “não” e qualquer redução comparativa entre as duas respostas válidas não permite concluir a incidência de acordo dentre o universo total de entrevistados. Observou-se bastante dificuldade e resistência de abordar os usuários após o procedimento, grande parte da resposta não sabe/não respondeu deve ser atribuído à evasão dos usuários após o procedimento sem responder o formulário. QUESTÃO 14.1 De quem partiu a proposta? (22) Ambos 68,7%

(5) Você 15,6% (5) Outra parte 15,6% (2) 6,2%

Conciliador/Mediador (42) Não sabe/ Não respondeu (61,5% dos 78 usuários)

Na questão acima (14.1), apesar do alto índice de respostas “Não sabe/Não respondeu” (61,5%), é possível uma análise mitigada dentre as opções que permitem verificar de quem partiu a proposta. Dentre os 32 usuários que responderam a questão,

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68,7% dos usuários optaram pela resposta “ambos”, 15,6% responderam ser a fonte inicial da proposta e 15,6% disseram que a proposta partiu de outra parte. Apesar das dificuldades naturais advindas deste tipo de pesquisa com perguntas objetivas e em duas etapas, as principais evidências que podemos apontar são: 1. A falta de conhecimento dos usuários acerca dos procedimentos e técnicas autocompositivas; 2. A diferença da dinâmica dos procedimentos e na disponibilidade das empresas em oferecerem propostas de acordo; 3. O alto interesse na realização do acordo, tanto para as empresas, quanto para o Poder Judiciário, tendo em vista que estes resultados integram tanto a estatística dos relatórios publicados pelo CNJ, quanto à divulgação da campanha na mídia, sempre voltada a relacionar o sucesso da campanha ao alto índice de acordos. Estas evidências serão contribuirão para compreendermos a dinâmica do estudo de caso que será realizado no próximo item, quando participei enquanto mediador de um Mutirão de Agenda Concentrada, que consiste em realizar convenio com empresas e órgãos públicos para concentrar processos de uma ou mais empresas. Geralmente, estes mutirões concentram-se em uma empresa ou empresas do mesmo ramo. O NUPEMEC e o TJRJ disponibiliza espaço e mobiliza um número considerável de mediadores voluntários para realizar um número considerável de audiências de conciliação/mediação. As empresas apresentam propostas para os usuários e há um juiz de plantão para coordenar os trabalhos e homologar os acordos. 4.3. Mutirões (Agenda Concentrada) Os mutirões de agenda concentrada consistem em convênios entre o Tribunal e empresas com alto índice de ações. O convênio consiste em agendar audiências de especiais entre a empresa e as partes, concentradas numa pauta com horários designados no período da manhã e da tarde, em que a empresa formula uma proposta de acordo às partes. Geralmente os mutirões duram de 2 a 5 dias em que mediadores e juízes são convocados pelo NUPEMEC. Na oportunidade em que fui convocado, a empresa conveniada era da área de seguro de saúde e assistência médica, uma das maiores empresas do ramo. Os mediadores resistem em participar desses mutirões porque entendem que o que é praticado é

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conciliação, vista como uma prática menos qualificada que colide com os princípios da mediação. Nos casos em que participei na posição de mediador a empresa figurou sempre no polo passivo. A figura abaixo traduz a estrutura das salas, nas sessões em que participei havia a presença de dois mediadores, o preposto e o advogado da empresa, assim como os mediadores, o preposto e os advogados permaneciam na sala enquanto as partes saiam e outras entravam. O caso eleito para estudo trata de falta de autorização para atendimento e internação de urgência de uma criança que apresentava sintomas de estado grave, precisava ser internada e passar por exames. Os fatos ocorreram na Baixada Fluminense, onde as partes resIdem, de madrugada e a criança foi impedida de ser atendida, permanecendo no corredor do hospital, com recomendação de se retirar e procurar outro hospital, pois o seu plano não autorizou o atendimento devido à carência. Foi necessário ir, de taxi, ao plantão judiciário na sede do TJRJ, no centro do Rio de Janeiro, aproximadamente, 23 km de distância do local onde se encontravam, na mesma madrugada para requerer uma medida de liminar para que a criança seja atendida, seu estado se agravou devido à demora no atendimento, correndo risco de morte.

Figura 9. Salas do mutirão de mediação realizado em 04.11.2013.

Os prepostos e advogados ouviram o caso e, assim como nos outros casos, ofereceram R$2.000,00, os pais e o advogado argumentaram que, tendo em vista o risco e a gravidade da situação, além das despesas com deslocamento, advogado não aceitou e fez a contraproposta de R$10.000,00.

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O advogado e a preposta disseram que estaria muito acima da alçada das propostas permitidas pela empresa, mas que, como o caso era mais grave ofereceria R$3.000,00, mais a anistia de seis meses de mensalidade. As partes não aceitaram. Diante da dificuldade de aceitação do acordo, a mediadora decidiu chamar a juíza de plantão que estava homologando os acordos para avaliar a situação e o preposto se comprometeu em ligar para a empresa. Ao ligar para a empresa, conseguiu aumentar a proposta para R$5.000,00, mantendo a anistia de seis meses. As partes e advogados se recusaram novamente, pois entendiam que o caso era grave, envolvia risco de morte de uma criança e no mínimo que aceitariam era R$8.000,00, mais a anistia e os honorários do advogado. Diante do impasse, o juiz retornou à sala para saber se a empresa já havia feito à proposta. A preposta responde que sim e repetiu a mesma proposta que havia feito às partes e as mesmas recusaram. O juiz analisou rapidamente o processo e aconselhou às partes a aceitarem, pois apesar dela não ser titular do processo, acredita que o valor estaria no patamar da condenação, não sendo garantido que as partes seriam indenizadas no valor que esperavam e ainda havia a questão do tempo. Após as audiências, em conversa informal com os prepostos e advogados da empresa, perguntei como são analisadas as propostas que serão oferecidas, eles responderam que fazem um estudo da média das condenações em casos semelhantes, as empresas calculam um teto máximo e mínimo e um valor disponível por dia e pelo convênio. No caso em questão, que passou do teto máximo estabelecido, foi autorizado tendo em vista que naquele dia os outros acordos foram fechados com valores próximos do teto mínimo e havia alguma margem para acréscimo. Em outra conversa informal com o advogado de outra empresa que participou da semana da conciliação, fiz a mesma pergunta e a informação prestada é que em alguns casos as propostas também são analisadas pelo Tribunal. Neste contexto, quais seriam as condições materiais, psicológicas, socioculturais e político-jurídicas que constituem a decisão de aceitar ou não a proposta. Quais são os elementos que constituem o consenso entre as partes, houve condições para que ambas as 213

negociassem com base na cooperação, na autonomia da vontade, no empoderamento, voluntariedade, esta decisão traduz o sentimento de justiça? A simples indenização concedida pela empresa mudaria a conduta das empresas? Conforme observamos, as propostas de acordo tem o viés econômico como parâmetro, isto é, buscam elaborar propostas que amenizem o impacto financeiro, inclusive, nas empresas de capital aberto, amortizando provisionamentos quanto ao risco da demanda e aumentando seu capital ativo. Fatos, direitos, condutas são desconstruídos e reconstruídos sob os signos dos interesses, necessidades, vontades, possibilidades e o Poder Judiciário, sobrepõe princípios e interesses econômicos e de gestão ao seu papel fundamental de espaço público de garantia de direitos e realização da justiça.

214

III. POR UM MODELO DE PESQUISA INTERDISCIPLINAR DE BASE EMPÍRICA As revoluções e reformas ocorridas no limiar entre o que se convencionou demarcar como a alta idade média e a idade moderna se caracterizam pelo deslocamento da centralidade do conhecimento acerca da natureza e da humanidade baseado na relação criador/criatura, objeto da vontade divina e das tradições para o conhecimento da natureza e da humanidade centrado na vontade e na capacidade humana, de observar, sistematizar e prever fenômenos naturais e sociais, rompendo o controle do conhecimento monopolizado pela tradição católica, desenvolvido durante séculos. Nesse período pregresso, a vontade oculta, divina, legitimou a autoridade e o poder entre classes definidas pelo nascimento (origem) como forma moduladora da hierarquia social e como fonte das regras de conduta, processamento de conflitos e decisões, cristalizando a forma de organização social em que verificamos a baixa a mobilidade no acesso e distribuição de recursos e alta concentração de poder. A Reforma Protestante impulsionou a quebra do monopólio exegético da Igreja Católica para tratar das questões naturais, humanas e divinas, permitindo maior centralidade aos indivíduos para manifestar suas crenças, desenvolver outras formas de explicar os fenômenos que nos circundam, o que fomentou a produção e divulgação do conhecimento e maior circulação das ideias, descobertas, novos espaços e instituições. A modernidade procura se distinguir na tentativa de que, o conhecimento não mais se paute na autoridade e na tradição, isto é, a validade de qualquer proposição normativa não mais está condicionada à origem, ao poder de seu proponente, mas por razões e evidências demonstráveis, raciocínios experimentais, critérios que, inclusive, justificam as formas de organização social do Estado moderno. O conhecimento fundado em teorias e métodos científicos constituiu um novo tipo de organização social com instituições, leis e burocracias baseadas na especialização do saber em disciplinas compartimentalizadas. Contudo, a cisão entre natureza/cultura, permanece ainda na divisão do saber entre as ciências naturais, sociais, assim como nas barreiras entre filosofia e ciência, que ainda é evidenciada no distanciamento entre a ética e o conhecimento científico. Na modernidade, o direito, regras de conduta, conflitos, formas de processamento de conflitos e a Justiça - temas transversais entre os diversos saberes e instâncias sociais 215

cada vez mais se centralizaram nas instituições político-jurídicas estatais, que através de processos

legislativos,

agências

reguladoras,

políticas

públicas,

procedimentos

administrativos, agentes especializados, doutrinas, teorias da decisão, entre outras formas de gestão desenvolvidas no Estado moderno se autonomizaram a partir do distanciamento de questões éticas e políticas entre o Estado e a sociedade, como se as instituições e leis e práticas fossem anteriores à natureza moral e social de nossa espécie. Neste prisma, observa-se que o Direito, na constituição do conhecimento disciplinar, vem se desenvolvendo como um saber hermético e hiperespecializado, que sobrepõe o sistema legal estatal a outras formas de normatividade67 desenvolvidas em outras

importantes

instâncias

normativas

como

família,

comunidade,

religião,

negligenciando que todas estas instâncias têm em comum o fato de terem sido criadas a partir das condições materiais forjadas no intercâmbio entre nosso sistema cognitivo e nossa natureza gregária. Apesar de toda a linearidade que observamos nas ciências sociais para buscar uma origem, um processo histórico e uma definição de direito vinculado à modernidade, com Atahualpa Fernandez podemos conceber que a origem do direito tem que ver com um desafio adaptativo que os seres humanos tiveram que afrontar: um desafio que nasceu da necessidade humana de entender e valorar o comportamento de seus congêneres, de responder a ele, de predizê-lo e de manipulá-lo e, a partir disso, de estabelecer e regular as mais complexas relações da vida em sociedade. Outras espécies como as dos chimpanzés têm pressões seletivas muito similares e, ainda assim, não desenvolveram nossos sistemas de normas estabelecidos através de códigos explícitos (FERNANDEZ; FERNANDEZ, 2012, p. 1).

Ao conceber o direito anterior à dimensão cultural e pensarmos a normatividade como uma ferramenta adaptativa de nosso processo evolutivo enquanto espécie, presente em todas as culturas possibilitamos correlacionar temas e problemas compartilhando o

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Confome Pedro Murias, utilizo a palavra “normatividade“ ou o termo “normativo” no sentido abrangente, não limitado ao campo jurídico, pois também tenho a finalidade de tocar em temas como valor, dever, sentido, convenção. Em suas próprias palavras: são normativas, portanto, expressões estéticas como «é feio» ou «é sublime», o conceito epistemológico de justificação,1 as asserções de obrigação, permissão ou culpa, as de significado ou referência linguísticos, os conceitos de bem e mal, e as «realidades» a que podemos com maior consenso chamar convencionais ou institucionais, como a vitória num jogo, o dinheiro, os «símbolos», os governos, as fronteiras políticas, as funções atribuídas a objectos, os títulos nobiliárquicos ou académicos, as «pessoas colectivas», etc.(...) Com as palavras «normativo» e «normatividade», não pretendo acolher nem impugnar o entendimento de que as instâncias de normatividade seriam o produto de normas.2 opção por «normativo» não pretende implicar que (1) existam entidades chamadas «normas», (2) que essas entidades criem as realidades normativas em termos análogos a uma relação de causalidade, ou sequer (3) que um conceito de «norma» seja imprescindível ou conveniente para explicar aquilo a que chamo «normatividade» (MÚRIAS, 2006, p. 1).

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mesmo objeto, evitando o relativismo cultural e consolidado estudos a partir de nossa capacidade adaptativa, que nos possibilitou criar diversas formas de vida e, a partir linguagem, diversas variadas culturas, religiões, leis e instituições, nos mais diversos contextos naturais e socioculturais, cada vez mais intercambiáveis. No que se refere às leis e instituições político-jurídicas do Estado moderno, a partir da metade do século XX, após duas guerras mundiais, crises econômicas, perseguição racial, étnica, de gênero, observa-se que a sociedade civil vem se organizando através da gramática dos direitos (civis, individuais, humanos) como forma de resistência vocalizada em movimentos sociais contra governos coloniais, ditatoriais, tradições de classe, moralismos, intolerância religiosa, desigualdade de gênero, raça, etnia, inclusive em democracias em que a desigualdade social, a intolerância, a segregação e as iniquidades persistem sob o manto da liberdade, enquanto um princípio absoluto, mesmo em detrimento da igualdade de direitos e oportunidades. Estas questões refletem diretamente na proposta de produção de conhecimento e de organização social da era moderna, que tem como base a crença na razão e na capacidade de sistematização do conhecimento através de métodos científicos, mas que vem perdendo força na pós-modernidade com movimentos apoiados no relativismo epistêmico e cultural, em que a verdade é uma produção do sujeito cognoscente ou uma construção para justificar o poder de classes. Como observou Marx Weber (WEBER, 1991, 1999), o Estado moderno justificouse pela racionalização instrumental das instituições político-jurídicas, fruto da própria racionalização da moral baseada em princípios a priori, que muitas vezes se distanciam dos dilemas cotidianos. Esta concepção precisa ser enfrentada sistematicamente com pesquisas empíricas, testes, revisões para que as teorias cada vez mais sejam consolidadas de conteúdo empírico e mecanismos que permitam incorporar a complexidade, instabilidade e intersubjetividade das relações humanas. Este distanciamento, a cada dia emerge enquanto problemas centrais de crítica às instituições político-jurídicas estatais, tendo em vista a insuficiência do empirismo ingênuo e do construtivismo idealista que apostou no Direito enquanto desencadeamento legislativo-institucional e no simples exercício exegético de subsunção dos fatos à norma e na vontade soberana de seus agentes legalmente legitimados.

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Observamos assim, maior investimento no desenvolvimento e fortalecimento dos direitos internacionais, humanos, constitucionais, de teorias da decisão, regras de interpretação, teorias hermenêuticas e analíticas na ceara jurídica, ampliando as formas de processamento e gestão dos conflitos, movimentos que desde a metade do século vem impulsionando um grande investimento do Estado em reformas legislativas e institucionais. Contudo, um dos problemas de impulso dessa pesquisa é que a crítica à racionalização das instituições político-jurídicas e à ciência como forma de produção de verdades inquestionáveis vem justificando a redução da razão e da ciência a um simples discurso socialmente construído, objeto de vontade de poder dos sujeitos, do inconsciente. Estas questões caracterizam o pensamento pós-moderno, colocando em xeque a possibilidade de produção de conhecimento baseado em evidências e justificativas racionais, que nos últimos 400 anos, nos permitiram explicar e compreender a natureza e a nossa existência como nunca antes foi possível. Apesar da grande melhoria que as reformas legislativas e institucionais vêm empreendendo, graças ao pensamento crítico e nossa capacidade de sempre identificar a incompletude da realidade que nos cerca, temos de um lado o construtivismo idealista68, em que a realidade é construída através de mera interpretação subjetiva do sujeito, reduzindo as questões como meramente culturais ou psicológicas e, de outro, a produção do conhecimento baseado na razão e na ciência, admitindo a complexidade da natureza humana, a partir do diálogo interdisciplinar, de base empírica em consonância com métodos científicos. Um dos pontos paradoxais é o argumento de excesso de demandas judiciais como reflexo de uma sociedade litigiosa que provoca o inchaço do judiciário inviabilizando a prestação jurisdicional efetiva. Contudo, conforme último relatório do CNJ em 201269,

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No campo jurídico verifica-se esta tendência pelo amplo investimento em reformas legislativas, baseadas em ideais, sem subsídio empírico, que sob fundamento principiólogico pretendem alcançar e instruir a realidade sustentando-se pela autoridade do Estado. Conforme observa Bunge: El Derecho no es omnipotente, el imperio de la ley no es sino una ilu- sión de Dworkin y de los demás idealistas jurídicos. La ley puede iniciar, parar, entorpecer los procesos sociales, puede cambiarles el rumbo, pue- de acelerarlos o detenerlos, etc. Pero la ley no es suficiente, la legislación no basta para conducir a la sociedad. En otras palabras, el imperio de la ley es puramente imaginário(BUNGE, 2000, p. 136). 69

Ver relatório completo em http://www.cnj.jus.br/images/pesquisasjudiciarias/Publicacoes/100_maiores_litigantes.pdf acessado em 14.12.2014

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acerca dos 100 maiores litigantes na Justiça Estadual, os Bancos (contratos de adesão) figuram no topo da lista no que concerne à Justiça Comum (11,14%) e Juizados Especiais Cíveis (14,9%), seguidos respectivamente das prefeituras municipais (Justiça Comum), serviços de telefonia (JEC), entre outros serviços essenciais. Na Justiça Federal o quadro e bastante parecido, sendo o Setor Público Federal líder na Justiça Comum, responsável por 68,8% das demandas e nos JEF, responsável por 98,29% líder de demandas, seguido dos Bancos, com respectivamente 13,4% das demandas na Justiça Comum e 7,19% nos JEF. Estes dados indicam o grande impacto dos processos repetitivos com identidade de objeto e causa de pedir no volume de processos que tramita no Poder Judiciário, que vêm sendo objeto de campanhas para a utilização de métodos consensuais de resolução de conflitos. Contudo cabe problematizar que este o alto volume de processos repetitivos tem relação com serviços essenciais que superam a mera satisfação dos interesses e necessidades individuais e alcançam o status de interesse público, tendo em vista tratar-se de serviços essenciais de interesse da coletividade e por isso necessitam de regras bem estabelecidas para a garantia de direitos essenciais e de estabilidade na prestação do serviço. Por outro lado, corrobora contra a proposta de fomento às formas consensuais de abordagem e resolução de conflitos, tendo como justificativa o volume de processos que inviabiliza a prestação jurisdicional efetiva para casos mais complexos, o fato de serem casos que por possuir características gerais, identidade de objeto, de causas de pedir e recorrência do mesmo demandante ou demando, passível de criação de critérios objetivos para o julgamento e a dosimetria das penas; Esta via contribuiria para maior celeridade, efetividade do exercício jurisdicional, e maior efetividade das leis, através de maior previsibilidade e certeza da pena como forma dos prestadores de serviço público e dos indivíduos calcularem as consequências do não cumprimento da lei, além de possibilitar maior isonomia nos critérios de julgamento e sentença, maior segurança jurídica, maior controle do Estado em relação às atividades de interesse público, em face da alternativa do acordo que, em muitos casos, tem como parâmetro o interesse, necessidade, vontade e a viabilidade econômica das partes transacionarem, permitindo que o descumprimento da lei seja economicamente gerenciado com o menor impacto possível e que as desigualdades materiais integrem o acordo. 219

Portanto, se faz necessário definir qual o caminho a seguir, se investimos no construtivismo idealista que negligencia a complexidade das relações humanas e reduz os problemas e soluções a reformas legislativas, institucionais, baseadas em princípios e técnicas num projeto de humanidade que negligencia as condições de desigualdade, nossa história evolutiva ou se buscamos um modelo que contemple a complexidade, instabilidade e a intersubjetividade que permita explicações teóricas atentas às práticas sociais e que de forma sistemática nos propicie compreender a realidade baseada em evidências e hipóteses demonstráveis e revisáveis. Muitos trabalhos empíricos vêm demonstrando os dilemas do exercício jurisdicional atualmente enfrenta a dificuldade a discricionariedade, que possibilita interpretações baseadas em critérios subjetivos como livre convencimento motivado, persecução racional de provas, conforme expresso nos art. 131 e 436 do antigo CPC (MENDES, 2008; KANT DE LIMA, 2009; ALMEIDA, 2014)70, redução, modulação da

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O Novo Código de Processo Civil parece buscar a mudança de paradigma e princípios movimentando-se de princípios de discricionariedade inquisitoriais, exegéticos, centrados no poder individual do intérprete, baseado no livre convencimento da autoridade, fonte da verdade real para princípios de discricionariedade hermenêuticos, baseado em princípios constitucionais, em decisões com maior conteúdo justificativo, ressaltando a dimensão moral dos princípios. Contudo, que podemos notar o poder instrutório do processo ainda está centralizado no Juízo, conforme verificamos no Capítulo XII – Das Provas, como, por exemplo, no Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito. Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento, no Art. 375. O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial. E ainda no Capítulo XIII – Dos Elementos e Dos Efeitos da Sentença, na Seção II, com destaque para o §1º artigo 489, que define condições que desqualificam a decisão judicial (interlocutória, sentença e ou acordão), quais sejam: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. Estas mudanças, que ainda não foram submetidas a teste de realidade no Brasil, pois o período de vacância destas alterações termina em Fevereiro de 2015, são mudanças importadas de outros sistemas jurídicos, tradicionalmente os mais influentes são o Alemão e o Estadunidense, que devem ser conjugadas com outras alterações para se produzir uma análise sistêmica e após ser submetida ao teste de realidade, o que não é objeto deste trabalho, mas contribuem como exemplo e como forma de atualizar o estado da arte. A questão que se coloca nessas mudanças é que por mais que pretenda se limitar a discricionariedade do juízo, vinculando suas decisões a princípios, regras hermenêuticas, estes mesmo princípios e regras hermenêuticas são criados dentro do próprio sistema fechado, sem se submeter a testes e revisões, são princípios apriorísticos que demanda interpretação autorizada dentro do campo jurídicos, afastando a dicção do direito

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oralidade na prática de redução a termo (BAPTISTA, 2008; OLIVEIRA, 2008a, 2008b; OLIVEIRA, L. DE, 2010), além de inconsistências procedimentais e processuais que reificam desigualdades tendo em vista que desde o registro do boletim de ocorrência até a sentença definitiva os atos do judiciário são resultado da interpretação autônoma da autoridade competente e quanto mais distante dos fatos mais definitivas são as decisões, de previsibilidade sempre reduzida. (KANT DE LIMA, 1989, 1999, 2004; FERREIRA, 2013). Acerca das formas de abordagem e resolução dos conflitos baseadas no consenso, ainda é incipiente o número de trabalhos de campo, destacam-se SCHUCH, 2008, 2014; FILIPO, 2014; LIMA, 2014, que vem colocando em questão a relativização de direitos, assim como dos dilemas vividos por cidadão que, ao buscarem a prestação jurisdicional, se deparam com a opção do acordo diante da falta de segurança jurídica seja pelas próprias razões apresentadas nas pesquisas acima, seja por questões de ordem material, psicológica ou sociocultural, como a falta de condições de contratar assessoria jurídica qualificada, pagar à custa do processo, disponibilidade para estar presente nas audiências, dificuldade de transporte, alienação, medo, insegurança perante o juízo, em que a opção do acordo pode significar uma via de conformação dessas condições de precariedade. Estas pesquisas demonstram os dilemas sociais e culturais da realidade aferida nos tribunais, em cenários que se repetem ao serem postos em descrição e análise. A etnografia tem sido uma ferramenta bastante utilizada para as pesquisas empíricas no direito, graças à iniciativa de pesquisadores71 que há mais de 30 anos, vêm demonstrando a necessidade de submeter os princípios e ideologias do campo jurídico à descrição e teste de realidade. Sob a perspectiva sociocultural, Ivez Dezalay e Bryan Garth, deslocam o foco de análise deste movimento de mudanças no modelo de Estado das instituições políticojurídicas em abstrato para as pessoas e no conhecimento que elas (re) produzem, sendo o Direito o ponto de partida desta análise por ser fonte de destaque de uma linguagementre leigos e especialistas, se antes o ditado era “manda quem pode obedecer quem tem juízo” agora podemos atualizá-lo “interpreta quem pode e obedece quem tem juízo” entre os súditos os juízes de 1º Grau. 71

Destaco como nomes de primeira hora no Brasil o trabalho o do antropólogo estadunidense Robert Weaver Shirley (SHIRLEY, 1987) e dos brasileiros Roberto Kant de Lima (KANT DE LIMA, 1986), Roberto Cardosos de Oliveira (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1989), que desenvolveram teórica e metodologicamente suas pesquisas em intercambio com Universidades estadunidenses na década de 1980.

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chave de legitimação, adotando como exemplo o caso da relação Estados Unidos América Latina, entre 1960 e 1990 (DEZALAY; GARTH, 2000). A partir desta proposta, Dezalay e Garth centram sua investigação na “estratégia internacional”, em que indivíduos que utilizam o capital internacional - títulos universitários, conhecimento técnico, contatos, recursos, prestígio e legitimidade obtida no exterior - para construir suas carreiras em seus países natais (...) e as “lutas palacianas”, lutas não apenas pelo controle do Estado, mas também pelos valores relativos dos indivíduos e dos conhecimentos que dão forma ao Estado (Idem, p. 164). Contudo, anteriores às questões culturais, há questões naturais e psicológicas atinentes à nossa espécie que nestes últimos 30 anos também vêm sendo desenvolvidas para compreendermos como nossa história evolutiva contemplou-nos com um cérebro que nos permitiu desenvolver habilidades jamais vistas em outras espécies de forma tão complexa, iniciando pela linguagem. Estas pesquisas vêm estreitando a distância entre natureza e cultura, sendo a última um produto da natureza humana que apesar de características comuns e limitadas produz uma diversidade de modos de vida, graças à capacidade elástica de nosso sistema neurobiológico de produzir respostas rápidas ou mais elaboradas a partir do contato com o meio externo, como forma de aprimorar nossas condições de adaptabilidade e desenvolvimento. Assim, a partir do conhecimento de nossa natureza, que nos iguala enquanto espécie e a necessidade de desenvolvimento de um pensamento complexo, devemos proceder ao entrelaçamento dos saberes em torno da natureza humana que comporta universalidades e singularidades naturais psicológicas, socioculturais, justamente pela elasticidade de nossa composição neurobiológica. Em espécie, é principalmente nas ciências sociais teóricas e aplicadas que não se observa um diálogo coerente entre as pesquisas, muito menos com as descobertas das ciências naturais em torno de características comuns de nossa espécie, o que poderia colaborar profundamente para que as ciências sociais se constituam como variáveis explicativas em torno de nossa existência universal enquanto espécie integrante de um processo evolutivo, antes de tudo biológico.

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O que se observa precisamente no Direito é o recrudescimento de posições dicotômicas entre teorias positivistas, jusnaturalistas, universalistas e relativistas, que se consolidaram no campo jurídico enquanto teorias normativas fundadas em pressupostos teóricos muito distantes da prática jurídica e de seus desdobramentos na vida dos indivíduos e grupos, que não está condicionada a relativismos culturais, psicológicos e políticos. A hiperespecialização do saber e a cisão entre o natural e o cultural relegaram as ciências sociais, sobretudo o Direito a negligenciar as descobertas acerca de nossa evolução da genética e da relação mente/cérebro das ciências “neuro”, tendo em vista a concepção disciplinar dualista entre natureza/cultura, ser/dever ser, práxis/ética em que o dever ser é, em regra, o ponto de partida para pensar as questões cotidianas do ser, sem se submeter à realidade, reduzindo a possibilidade de desenvolvermos sistemas normativos que possibilitem aos indivíduos tomarem decisões conscientes, tendo acesso às variáveis naturais, psicológicas, socioculturais e políticas que compõem os dilemas cotidianos. Por outro lado, formas de decisão enquanto opções à sentença judicial vêm sendo assimiladas com o desenvolvimento de teorias e técnicas que procuram viabilizar a cooperação ao invés da competição e privilegiar decisões consensuais, a exemplo da mediação e da conciliação que trazem ao campo jurídico saberes que podem contribuir para que se crie uma via de mão dupla em que o dever ser tenha como ponto de partida um conhecimento mais consolidado do ser. Como observa o filósofo Ernst Tugendhat (TUGENDHAT, 2002), relações simétricas, a partir da vontade dos envolvidos, constituindo vínculos colaborativos, baseados em sentimentos de justiça compartilhados, que não se reduzam a interesses individuais ou a comandos normativos baseados na autoridade e no poder de um juízo universal soberano, são desejáveis levando-se em conta a liberdade e a igualdade como direitos complementares. Isto significa que tanto decisões heterônomas quanto o consenso devem ter como base a necessidade de justificativa apoiada numa simetria moral, que demarca a distinção entre poder ou direito, arbitrariedade e justiça. Contudo, para tal, devemos estar atentos às condições necessárias para que a liberdade não seja apenas negativa, isto é, liberdade para agir livre sem coerções, mas positiva, que somente se considera livre quem possui as condições necessárias para agir e 223

para isso o Estado precisa garantir condições materiais, psicológicas, socioculturais e políticas. Atahualpa Fernandez e Marly Fernandez ((FERNANDEZ; FERNANDEZ, 2008) utilizam a história do montanhês, de Hayek72 para explicar a diferença entre liberdade negativa (liberal) e liberdade positiva (republicana) no sentido de que no primeiro caso, no da liberdade negativa, um montanhês que cai num abismo, do qual é incapaz de sair, é livre neste sentido porque não há ninguém que o impeça de sair; no segundo caso de liberdade positiva, nosso montanhês precisamente não seria livre neste sentido, se não pode sair, ainda que ninguém o impeça. Falta-lhe capacidade e oportunidade de atuar (FERNANDEZ; FERNANDEZ, 2008, p. 89).

Nesse sentido, os autores concebem como justificativa da existência do Estado, instituições e leis é a garantia da liberdade não como uma contingência no sentido negativo de não sofrer interferência dos outros ou para garantir que os indivíduos oportunidades para se autodeterminarem, mas que os indivíduos tenham capacidade para tal, e apontam como condição necessária à composição de um aparato histórico-institucional que imponha ao Estado a obrigação de assegurar e promover, no contexto de uma sociedade igualitária, a liberdade necessária para que o indivíduo possa auto constituir-se como entidade separada e autônoma, e que, em igual medida lhe seja garantida a plena capacidade para resistir à 72

Fredrich Hayek foi um economista, austríaco que publicou em 1944 o livro O caminho da Servidão (HAYEK, 2010) em que faz críticas aos Estados totalitários, justificando sua defesa a liberdade do mercado de qualquer intervenção estatal. Por outro lado, faz ataques ao movimento dos trabalhadores contra o sistema de acumulação de riquezas. Suas teorias baseiam-se na crença de um evolucionismo histórico em que o autodesenvolvimento do mercado é visto como um processo impessoal e baseado na eficiência razão econômica. Em 1974, Hayek foi condecorado com o prêmio Nobel de Economia, por desenvolver a teoria das flutuações econômicas e monetárias defendiam uma visão naturalista e evolutiva da economia em que a competição é a mola propulsora, concentrando o papel do estado em garantir a liberdade negativa (liberal), cuja função é preservar a liberdade dos indivíduos com o mínimo de limitações legais .Nesta perspectiva o campo da ação humana no desenho voluntário das leis e instituições seria quase nulo, isto é, as regras do mercado devem sobrepor-se às leis e às instituições. Estas ideias foram formuladas desde a década de 1940 com o intuito de combater o Estado de Bem Estar Social e o keinesianismo com o apoio das classes dominantes. A partir desses movimentos, reuniram-se teóricos e estudiosos que compartilhavam destes princípios, consolidando a Sociedade de Mont Pèlerin, que até o presente promove reuniões internacionais bienais, sendo a principal fonte de formação do que se denomina neoliberalismo¸ que tem como marcos institucionais a criação da Banca de Bretton Woods, que em 1944, com previsão vitória da segunda guerra mundial, os Estados Unidos mobilizou 44 países para a conferência New Hampshire para estabelecer diretrizes políticas e econômicas, com a posterior criação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Econômico, instituições fundamentais para a expansão de um modelo político e econômico pelo mundo, nas décadas de 1970 e 1980, com a crise do Estado de Bem Estar Social, , culminando no governo de Margareth Thatcher (Grã-Bretanha) e Ronald Reagan (EUA), com a sobreposição da política econômicas monetarista, baseadas na liberdade de mercado, sobre as políticas de bem-estar social, que na década de noventa culminou em reformas estruturais promovidas nos países periféricos, que criou diretrizes de desenvolvimentos que condicionavam auxílios financeiros, técnicos e estruturais, como o Consenso de Washington na américa latina. (MATURANA et al., 1995; PEREIRA, 1997; MÜLLER, 2000; MATURANA, 2001; MORIN, 2003b; FERNANDEZ, 2004; KEIL, 2004; FERNANDEZ; FERNANDEZ, 2007; HAYEK, 2010; MORAIS; MARCELINO JUNIOR, 2012)

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interferência arbitrária não somente do próprio estado, mas também de todos os demais agentes sociais (Idem).

Segundo os autores, a obrigação reputada ao Estado - incluo aqui a sociedade civil que é o conteúdo desta forma de organização - somente é factível se concebermos a moral, entre outras condições necessárias, como fundamento do direito, que significa o reconhecimento de que somos nós mesmos que outorgamos ao outro o respeito mútuo e este direito é antes um direito moral de todo homem, sendo esta uma estratégia socioadaptativa que possibilitou nossa existência enquanto mamíferos dependentes, com capacidades cognitivas inatas de criar vínculos morais acima de interesses individuais (Idem). Ao contrário do que Hayek postula a liberdade (negativa) do mercado e a competição não são condições suficientes para o desenvolvimento dos indivíduos e grupos, pois graças ao desenvolvimento da linguagem podemos expressar previamente nossos interesses e necessidades, sendo a linguagem é responsável pela influência recíproca de pensamentos e ações tanto para a competição quanto para o cooperação em que ajustarmos as trocas, formularmos regras de conduta, que serviram para prevenir e resolver conflitos. Assim, devemos romper com a ideia de todos podem prover para si mesmos as condições de existência, pois este individualismo depõe contra a cooperação que nos permitiu criar vínculos comunitários, éticos e justifica o monopólio da autoridade como um poder que restringe e não promove a liberdade (plena). É na busca das condições necessárias que propiciem esta liberdade plena (se está for factível), que o direito se torna objeto de diversas linhas de pesquisa de gestão, economia, teoria dos jogos, psicologia, filosofia da linguagem, da mente, ciências cognitivas. No que tange ao tema da jurisdição e consenso desta pesquisa, vimos que a mediação judicial se baseia na capacidade cooperativa dos indivíduos compartilharem interesses, necessidades e vontades diante de um conflito, contudo, conforme verificamos no caso concreto, muitas variáveis devem ser observadas para que a mediação possibilite que o consenso produzido pela mediação seja a expressão da vontade e para tal o Estado deve garantir condições para que os envolvidos no conflito possam estabelecer acordos

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simétricos e que a mediação não seja uma escolha daqueles que não possuem condições materiais, psicológicas e sociais de garantir seus direitos. A observação, identificação e análise destas condições materiais, psicológicas e sociais vêm ocupando espaço em pesquisas interdisciplinares, aproximando as ciências sociais (teóricas e aplicadas) às ciências naturais sob o viés evolucionista como primatologia, etologia, biologia, ciências cognitivas, neurobiologia, neurociência e à filosofia da mente, da linguagem e da ética, concebendo a complexidade, instabilidade e intersubjetividade das relações humanas. Nos últimos 40 anos, o enlace entre estes saberes vem rompendo as barreiras do conhecimento que separam o homem enquanto espécie do homem enquanto ser político/moral,

possibilitando

que

estudos

empíricos

voltados

às

práticas

e

comportamentos de nossa espécie nos forneçam explicações mais precisas a partir do conhecimento da natureza humana (ser) e que este conhecimento seja à base de estudos normativos (dever ser). Há uma tradição no campo da filosofia prática, predominante na filosofia do direito que faz uso prescrição de regras como guias de canalização de condutas. Conforme observa o professor Noel Struchiner, estas regras prescritivas são ou pretendem ser guias grosseiros de canalização de condutas. Regras são instrumentos grosseiros em dois sentidos diferentes do termo “grosseiro”. 1. Em primeiro lugar, regras clamam por autoridade. Para que as regras possam de fato funcionar como regras, elas devem entrar no lugar ou pelo menos afastar ou oferecer algum tipo de resistência às nossas deliberações ou sopesamento de razões de primeira ordem, isto é, à totalidade de razões relevantes que poderíamos levar em conta na ausência da regra para decidir sobre as nossas ações (ou abstenção das mesmas). Nesse sentido as regras são grosseiras porque são autoritárias; porque pretendem entrar no lugar do nosso melhor juízo sobre a questão em pauta, isto é, entrar no lugar ou afastar a nossa deliberação ou balanço acerca da totalidade de razões que consideramos relevantes para a decisão. 2. Regras são instrumentos grosseiros, também, em um segundo sentido: regras são generalizações probabilísticas atualmente ou potencialmente sobre ou subinclusivas em relação às suas considerações subjacentes, também chamadas de justificativas ou propósitos. Eles incorporam mais ou menos do que deveriam de acordo com os seus propósitos ou justificativas. Nesse sentido regras são grosseiras porque são inevitavelmente mal acabadas, gerando resultados subótimos em certas ocasiões. Em suma, regras visam a exercer uma pressão no mundo, guiando comportamentos, através da simplificação de um universo complexo de considerações normativas.(STRUCHINER, 2009, p. 63).

Com objetivo de ser mais didático, Struchiner exemplifica em que sentido as regras são generalizações probabilísticas sobre e subinclusivas com o seguinte exemplo: uma regra do âmbito eleitoral: a regra que torna facultativo o voto aos 16 anos e veta o mesmo para os menores de 16. O propósito dessa regra é garantir a

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cidadania e a participação política para aqueles que já são suficientemente maduros para exercer essa prerrogativa com responsabilidade. Tal regra é ao mesmo tempo sobreinclusiva e subinclusiva. Ela é sobreinclusiva na medida em que permite o voto para alguns jovens passíveis facilmente de serem manipulados, desinteressados por política e que são imaturos. Consequentemente, a regra permite o voto para um grupo de pessoas que o seu propósito excluiria. Ela é, também, subinclusiva, já que alguns jovens com menos de 16 anos, porém suficientemente maduros, não poderão votar. Logo, ela deixa de incorporar casos que o seu propósito incorporaria. Tais enunciados com pretensões normativas só funcionam como regras se é o caso que as nossas relações com os mesmos os transformam em instrumentos capazes de oferecer algum tipo de resistência às nossas considerações de primeira ordem que certamente fariam o trabalho normativo na ausência das regras3 (STRUCHINER, 2009, p. 64).

Nesse sentido, a pretensão normativa das regras somente se justifica por viabilizar a sobreposição aos julgamentos em primeira ordem, aqueles que têm como recurso a realidade sempre contingente e individual daquele que decide. Contudo, na prática jurídica, a sobre e subinclusão das regras são objeto de argumentação, forma pela qual buscamos atingir o caso concreto. Como ressalta Struchiner, na construção do cenário argumentativo onde as leis se encontram com o caso concreto o fenômeno da sobre e subinclusão se precipita a argumentação prática funciona com fio condutor. Segundo o autor, MacCormik (1993) contribui para compreendermos as várias possibilidades do exercício de aduzir razões contra ou a favor de algo, pois a argumentação pode seguir um roteiro que nos conduz ao contexto da argumentação especulativa, que se ocupa em sustentar a crença na verdade ou falsidade de estado de coisas, através da reconstituição do passado ou ao contexto da argumentação prática, que se ocupa em aduzir razões para ações, sustentando opiniões em relação ao que deve ser feito, sendo também possível na prática do direito que as argumentações práticas sejam proposições acerca das ações e comportamentos, recorrendo a qualificações deonticas destas ações. Especificamente no contexto da argumentação prática, Struchiner ressalta ser possível distinguir entre argumentação prática pura e institucional. Na argumentação prática pura, dois roteiros argumentativos são legitimamente seguidos: o teleológico ou consequencialista (1) e deontológico (2), nas palavras de Struchiner: Os primeiros são argumentos segundo os quais certa ação deve ou não ser realizada em função das consequências produzidas por ela, que podem ser valoradas positiva ou negativamente. Os argumentos teleológicos são argumentos voltados para o futuro. Os argumentos deontológicos, por sua vez, são argumentos baseados em princípios que dizem o que é certo e o que é errado, ou justo e injusto. A argumentação deontológica está, portanto, voltada para o passado. Argumentos deontológicos e consequencialistas são chamados de

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“argumentos de substância”, isto é, argumentos que são legítimos ou válidos independentemente de suas fontes (Idem, p. 65).

Alguns exemplos encontrados em manuais de ética normativa são trazidos por Struchiner para esclarecer as diferenças, vejamos: Em primeiro lugar, imagine que um avião repleto de passageiros tomado por terroristas está voando em direção à um prédio comercial onde trabalham milhares de pessoas. Surge a questão sobre se o avião deve ser abatido antes da colisão ou não. De acordo com o argumento teleológico ou consequencialista, o avião deve ser abatido para que seja evitada a morte de uma maior quantidade de pessoas inocentes. De acordo com uma argumentação deontológica, por outro lado, é possível sustentar que, independentemente das consequências, não se deve abater o avião porque simplesmente não é correto tirar a vida de pessoas inocentes. Um outro exemplo que segue a mesma linha de raciocínio descreve a seguinte situação: um cirurgião tem cinco pacientes que estão à beira da morte. Um deles precisa de um transplante de coração, dois deles precisam de transplantes de rim e dois precisam de um transplante de pulmão. Aparece um paciente saudável em seu consultório e o cirurgião se vê diante do seguinte dilema: matar o paciente inocente para fazer o transplante dos órgãos para os pacientes que estão à beira da morte ou não? De acordo com um argumento consequencialista, é válido salvar cinco vidas em troca de uma5 Segundo o argumento deontológico, não é justo tirar a vida de alguém, mesmo que seja para salvar outras pessoas. A questão, para tornar-se uma longa história curta e manter uma explicação simples da argumentação prática pura, é que, do ponto de vista empírico, ou bem se argumenta a favor ou contra algum curso de ação em função das consequências provenientes da sua adoção, ou se argumenta a favor ou contra algum curso de ação utilizando argumentos deontológicos, que independem dos desdobramentos das ações realizadas (Idem, ´p. 65-66).

Contudo, com o autor verificamos que um elemento importante é incorporado a argumentação prática quando esta segue o roteiro institucional, realizada no âmbito do direito, podemos denominar este elemento de “argumento de autoridade” ou “razões de autoridade”. É que no campo jurídico é considerado um bom argumento de se fazer ou deixar algo pelo fato de alguém ter prescrito ou não uma regra que direcionada a alguma conduta comissiva ou omissiva que está sob o julgamento deôntico, tais razões de autoridade estão na base da arquitetura institucional e tem a utilidade de se sobrepor a argumentação prática pura, seja pela via teleológica ou deontológica, que fora do alcance gravitacional daquela instituição seriam argumentações que sustentariam a decisão. Nesse cenário, conclui o autor com Raz (1985) que o direito, ou as regras jurídicas, têm uma pretensão de autoridade Os responsáveis por confeccionar as regras,

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na maioria dos casos, esperam que elas funcionem como razões excludentes peremptórias6 (Idem. p. 66). Alguns exemplos podem nos esclarecer quanto esta dinâmica: Imagine uma partida de futebol entre uma equipe cujos torcedores são pessoas pacatas e pacíficas e uma equipe tradicionalmente conhecida pelos seus torcedores baderneiros, agressivos e violentos (pense nos hooligans ingleses ou na torcida Mancha Verde). Talvez, sempre que ocorresse um jogo configurado dessa maneira, o árbitro, por razões morais conseqüencialistas, devesse dar a vitória para o time cuja torcida é violenta, tentando, assim, evitar desdobramentos catastróficos. Pense agora que o jogo envolve uma equipe com centenas de torcedores e outra equipe com milhares deles. Fazendo uso de um raciocínio utilitarista, talvez o juiz da partida devesse atribuir a vitória para o time que tem a maior torcida, para maximizar o prazer da maior quantidade de pessoas. O ponto é que as regras do futebol fornecem razões excludentes ou protegidas. As regras de futebol tiram da jogada outras razões que seriam consideradas boas razões em contextos diferentes. As regras jurídicas, do ponto de vista dos responsáveis pelo desenho institucional, deveriam desempenhar a mesma função, ao mesmo tempo estabelecendo soluções e fechando as portas para a consideração de outras razões que em outras circunstâncias seriam bemvindas (Idem, p.67)

Nesse sentido, concluímos com o autor que os problemas que justificam a adoção de regras prescritivas, qual seja, transformar enunciados em instrumentos capazes de oferecer algum tipo de resistência às nossas considerações de primeira ordem (Idem. p. 64), se revigoram ao recorrer à argumentação prática institucional que sobrepõe o argumento de autoridade a necessidade de acessar e utilizar as regras de maneira racionalmente justificada perante a comunidade de considerações de primeira ordem. A racionalidade das regras prescritivas é evidenciada quando se justifica a adoção determinadas condutas em certas circunstâncias. O “aparente” paradoxo observado por Struchiner ocorre quando as circunstâncias se materializam ou quando a adoção das regras prescritas não é o melhor curso da ação a ser seguido ou não é o melhor curso possível. Seguindo o raciocínio do autor, a situação pela qual o roteiro prescritivo não é o melhor possível, tendo em vista a sobre ou subinclusão ou por considerar a totalidade das razões relevantes, a racionalidade de seguir as regras é naturalmente passível de ser indagada. Struchiner chama atenção para outra questão pertinente no sentido de que, mesmo quando a adoção das regras é consonante à melhor escolha racional, parece irracional optar por certa conduta por estar prescrita na regra e não por ser a melhor opção. Nesse sentido,

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Struchiner resume com MacClennen (2004), como se apresenta o aparente “paradoxo” das regras da seguinte forma: na primeira hipótese, seguir a regra seria irracional, uma vez que existem cursos de ação mais atraentes. Na segunda hipótese, a regra se torna supérflua, já que deveríamos realizar X não porque a regra assim determina, mas porque se trata da melhor opção ou da opção correta (Idem, p. 67).

Diante deste cenário, Struchiner apresenta algumas posturas possíveis utilizadas para equacionar o problema, não é tarefa deste trabalho desenvolver um raciocínio teórico nesse sentido, mas o pensamento do autor servirá para configurar o estado da arte que se encontra as formas de abordagem e processamento dos conflitos no âmbito do jurídico e os caminhos que o sistema legal moderno percorre da prescrição, a eleição das condutas e decisões. Como forma de fecharmos este tema e objetivarmos as hipóteses levantadas pelo autor, abreviaremos a exposição destas posturas, exporei resumidamente as posturas possíveis apresentadas pelo autor: 1) O particularismo (SHAUER, 1998 apud STRUCHNER, Idem, p. 68), põe em questão a racionalidade de ser guiado por regras, revigorando a centralidade ao pensamento em primeira ordem; 2) O compatibilismo das “regras” ou particularismo sensível às “regras” (SHAUER, 1998 HURD 2005, apud Idem), que admite não ser racional ser guiado estritamente por regras, mas propõe que o melhor caminho do ponto de vista da argumentação prática é utilizar a existência da regra como uma razão de primeira ordem que pode ser sopesada com outras razões de primeira ordem (Idem). Nesta possibilidade, o autor ressalta que o particularismo opera frequentemente na logica consequencialista, de forma sofisticada, pois aquele que decide inclui dentre todas as consequências a consequência de não ser aplicada a regra. 3) Teoria Revisionista (JOHN RAWLS, 1955, JOSEPH RAZ, 1985, BRAD HOOKER, 2000; FREDERICK SCHAUER, 1998, SCOTT SHAPIRO 2005 apud STRUCHINER, 2009, p. 68), defende que mesmo que uma regra aponte para o resultado errado (sub ou sobreinclusivo) não devemos desacatá-la, negligenciando sua orientação, pois o paradoxo das regras é meramente aparente, no sentido de que a escolha pela imposição das regras se justifica justamente pelo fato de nos protegermos das alternativas

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que pessoas com prerrogativas de autoridade tenham a liberdade de julgar os casos segundo o que considera relevante em primeira ordem. Com Struchiner concluo ser mais cautelosa a terceira posição, pois tem como base a principal justificativa da finalidade das regras prescritivas, qual seja a previsibilidade das condutas aceitas pela probabilidade dos resultados e limitação do arbítrio em primeira ordem da autoridade constituída. Esta opção nos leva a dois posicionamentos centrais para abordar o que denomino aqui, paradoxo entre “jurisdição e consenso”, no sentido de que as decisões judiciais (sentenças de mérito ou homologatórias) se impõem pela força da argumentação prática às questões de primeira ordem entre as partes e a coletividade. Quando decisões judiciais têm como elemento constitutivo questões subjetivas de primeira ordem, como vontades, necessidades e interesses dos indivíduos em conflito, esta se comunica com outras instâncias normativas, a partir da cristalização destas questões traduzidas num consenso entre as partes, constituído num cenário ideal de comunicação. Contudo, o consenso, entendido como acordo de vontades, interesses e necessidades, é sempre contingente e vigora segundo regras interpessoais e sociais, em instâncias normativas diversas em que a legalidade somente alcança quando decide o caso concreto, portanto, o exercício jurisdicional ao entrar na seara do consenso, resulta em pelo menos duas hipóteses elaboradas a partir desta pesquisa: 1) Subverte a finalidade do exercício jurisdicional e do direito que é a prescrição normativa de condutas argumentativamente arrazoadas, tendo em vista que o resultado não está mais vinculado à argumentação prática teleológica ou deontológica do caso concreto e justificação acerca de qual a melhor decisão, independentemente da postura particularista, compatibilista ou revisionista adotada diante do paradoxo; 2) Subverte o elemento fundamental do consenso que é a necessidade do compartilhamento de interesses e da cooperação mútua dos envolvidos, tendo em vista sua característica contingente e voluntária dos envolvidos submeterem seus interesses, necessidades e vontades individuais aos interesses, necessidades e vontades compartilhados, que ao serem reduzidos a acordos validados por sentenças

homologatórias,

passam

ter

como elemento

vinculativo

a

coercitividade do Estado, pois a qualquer momento o acordo pode ser

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executado, independentemente das circunstâncias que levaram o seu eventual descumprimento, abdicando do desenvolvimento de instâncias normativas criadas na relação direta entre os indivíduos e grupos que, como veremos nas sociedades estudadas, possui funções importantíssimas de fomento das relações sociais, atualmente esvaziadas e institucionalizadas pelo Estado.

A partir do cenário apresentado, esta pesquisa está direcionada a descrever e análise a mediação enquanto opção ao processo judicial, considerando os dilemas da sobre e subinclusão e o dilema da argumentação institucional baseada na autoridade de seus agentes e como diante destes dilemas a mediação reage como opção dentro da jurisdição a partir das hipóteses elencadas acima. A questão que pretendo enfrentar se coloca de maneira mais precisa quando aproximadas dos problemas sugeridos por Struchiner ao considerar que os revisionistas estão certos sobre a racionalidade de impor regras, mas que existe uma espécie de assimetria entre a racionalidade de impor regras e a racionalidade de seguir regras (Idem), pois, lógica da imposição de regras parece ser distinta da lógica da recepção e seguimento de regras (Idem). Nesse sentido, com Struchiner, concluímos que sob o prisma do arquiteto do sistema, que parte da crença de que institucionalismo transcendental73 é imprescindível como forma de organização social (SEN, 2012), a preocupação dos revisionistas é essencial, pois faz sentido construir um sistema de regras que de fato funcionam como regras sérias (Alexander e Sherwin, 2001), excluindo considerações de primeira ordem, se é o caso que essa opção evitará mais erros do que acertos (STRUCHINER, p. 68). Dificultar que os que têm a prerrogativa de tomar decisões tenham mais chances de errar e cometer abuso de poder, quando tenham a liberalidade de sobrepor as razões que

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Amartya Sem contribuiu para questão tratada neste trabalho ao apresentar a diferença entre correntes iluministas buscam fundamentar uma teoria da justiça calcada na comparação focada em realizações e escolhas sociais, de cunho consequencialista, uma teoria da justiça calcada no institucionalismo transcendental que se justifica na crença alegação hobbesiana — e rawlsiana —, de que necessitamos de um Estado soberano para aplicar os princípios de justiça através da escolha de um conjunto perfeito de instituições (SEN, 2012, p. 44), pois abre um horizonte de possibilidades de resolução de conflitos sem a necessidade do aparato institucional que tem como fundamento a legitimidade do uso da força do poder soberano ao intervir nas relações sociais, sendo as relações sociais potencialmente produtoras de outras instancias normativas que viabilizam a cooperação e o consenso como forma de resolução de conflitos com elementos transitórios e limitados às próprias instâncias normativas, sem que recorram ao uso legítimo da força do Estado.

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lhe parecem relevantes sobre as regras passa a ser uma tarefa daqueles que buscam justificar o institucionalismo transcendental, como é o caso de Rawls, que adota a estratégia da posição original e do equilíbrio reflexivo para limitar conciliar os julgamentos deontológicos a um consequencialismo de tradição contratualista, a partir do consenso sobreposto, utilizando como referência fatos históricos e sociais das sociedades democráticas plurais, para fundamentar seus princípios constitucionais essenciais, como um ponto de vista comum entre todos. Por outro lado, sob o ponto de vista individual a questão se torna mais complexa, pois o agente responsável pela decisão sobre a aplicação das regras, no caso concreto pode se deparar com situações em que, sob sua perspectiva, ao levar em conta todas as razões, conclui que a melhor solução racional possível somente é viável se a regra for negligenciada ou desviada. Seria racional não fazê-lo? O ponto fulcral que Struchiner deixa em aberto é que de fato as regras exigem ou pressupõe que as pessoas abdiquem de sua de sua autonomia de enfrentar as questões em primeira ordem, sendo a imparcialidade uma condição de validade das decisões judiciais, mas como a racionalidade das decisões quando se tem certeza que a opção de manter a sobreposição das regras sobre as outras razões é racionalmente errada. Estas questões nos levam a indagar até que ponto é racional que as questões levadas aos tribunais devem ter sempre uma decisão definitiva e heterônoma? Isto é, uma sentença que vincula as partes a obrigações que tem como força vinculativa a força do Estado contra aquele que não cumpriu a obrigação. Certamente, intuo que uma resposta razoável descartaria decisões cuja argumentação prática institucional não alcançou as circunstâncias do caso concreto, sejam estes argumentos deontológicos ou teleológicos, mas simplesmente foi objeto de acordo. Como já mencionado, o consenso possui caráter contingente, regido por interesses, vontades, necessidades, sempre estão submetidos a nossa intuição, emoção e sentimentos que motivam nossas razões, ao argumentar que é no mínimo temerário que o direito enverede por estes caminhos e delimitar o espaço de atuação do direito no campo da argumentação prática institucional, abrimos a possibilidade de que instâncias normativas não institucionalizadas exerçam a função de viabilizar negociações cooperativas em relações simétricas que em que se busca a convivência da parcialidade a partir de

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consensos parciais e voluntários, em que os interesses compartilhados vinculem as partes livremente. Desse modo, diante de circunstancias concretas a argumentação prática institucional é uma das opções dentre outras disponíveis na sociedade, cujo critério principal seria a liberdade de escolha dos indivíduos aos diversos caminhos de abordagem e processamento dos conflitos, sendo a opção pela via institucional sempre disponível, com critérios que delimitem mais precisamente a atividade jurisdicional, tendo em vista as razões já trazidas pelo revisionismo. Ao delimitar o alcance da atividade jurisdicional, pode-se pensar em outras instancias normativas e formas de abordagem e processamento dos conflitos fora da argumentação prática institucional, baseada na autoridade do agente estatal. Fora das instancias normativas em que se exerce a argumentação prática institucional, abre-se um vasto campo de pesquisa para se estudar outras instancias normativas baseadas na relação social, na cooperação e na vinculação entre as pessoas através de sentimentos morais. Nesse sentido, a mediação pode servir para auxiliar outros tipos de argumentação racional, livre dos argumentos de autoridade da esfera institucional e da força vinculativa baseada no uso da força do Estado. A neurobiologia e a psicologia cognitiva evolucionista, associada à psicologia moral e a filosofia experimental, vem demonstrando que a normatividade é uma capacidade e um elemento de nossa natureza cognitiva, isto é, para seguirmos regras, nos vincularmos a obrigações, criarmos sanções positivas e negativas, não é um atributo institucional criado pela cultura, mas, sobretudo uma competência resultante de nossa evolução neurobiológica graças a necessidades socioadaptativa. A minha intuição me aproxima da Amartya Sen no tocante à necessidade de aprofundarmos estudos que tem como objetivo viabilizar vínculos e obrigações a partir da melhor escolha racional dentre as existentes perante o caso concreto em que a argumentação racional pública e as perguntas referentes à justiça passem focar as questões de justiça em primeiro lugar nas avaliações das realizações sociais, isto é, examinar o que realmente acontece (em vez de se concentrar na mera apreciação das instituições e arranjos); e, em segundo lugar, nos problemas comparativos relativos à melhoria da justiça (em vez de tentar identificar ordenações perfeitamente justas) (SEN, 2012).

A antropologia, a etologia, e a primatologia, tem um sem número de trabalhos descritivos que nos permitem observar cientificamente o que realmente acontece nas 234

relações sociais para subsidiar argumentações racionais públicas e teorias da justiça a partir comparações mais próximas da realidade. Esta aproximação vem demonstrando a partir do conhecimento, ainda que incipiente, de nossas natureza neurobiológica e de nossas competências cognitivas, como utilizamos roteiros curtos, com pouco gasto energético, quando necessitamos de respostas rápidas (atacar, fugir, paralisar em situações de perigo) ou não necessitamos refletir (situações corriqueiras, como dirigir), cujos principais recursos são os instintos inatos e os sentimentos inconscientes guardados em nossa memória, ou roteiros mais longos, lentos e conscientes, que nos permite o sopesamento consciente das informações, emoções e sentimentos, cuja razão nos leva a buscar a melhor decisão possível ou justifica-las a posteriori. Resta saber o alcance destas decisões, se atendem interesses, necessidade e vontades individuais ou coletivos e de que forma podemos utilizar estes roteiros para viabilizar a coexistência de ambos os interesses em benefício da dignidade humana. Todas estas questões dependem das condições socioculturais e político-jurídicas que o caso concreto apresenta. Portanto, se justifica o alinhamento das ciências sociais, psicológicas, jurídicas em torno das descobertas realizadas pelas ciências naturais, como a genética e a neurobiologia, para que o conhecimento científico seja produzido através do diálogo entre natureza e cultura, mais próximos as característica de nossa espécie e anterior às classificações, conceitos e categorias das ciências sociais, como forma de avançarmos a partir de um ponto comum para o deslinde das questões humanas entre indivíduos, grupos, instituições, países. É sob o prisma das práticas consensuais que este trabalho se posiciona, pois opções se destacam no movimento de reformas das instituições político-jurídicas, sobretudo como opções de gerenciamento e processamento de conflitos no âmbito do Poder Judiciário, com a flexibilização, informalização e relativização de procedimentos, decisões, ampliando os usos e significados da ideia de direto e Justiça. Estes temas serão tratados aqui a partir do estudo interdisciplinar, de base empírica, consolidando um percurso teórico e metodológico consciente das problemáticas identificadas por Mario Bunge em relação do empiricismo ou realismo ingênuo, baseado na passividade do observador perante o mundo, em que dados sensoriais são tidos pura e

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simplesmente como reais e do reducionismo do materialismo fiscalista, em dados sensoriais se reduzem a mecanismos materiais, assim como das desventuras em voga do pensamento pós-moderno que, através do idealismo construtivista vem amparando um relativismo absoluto, reduzindo evidências à mera interpretação do sujeito, cultural e de discursos. O professor Ricardo Nery Falbo concebe: Primeiro: nenhuma disciplina esgota seu objeto. Segundo: nenhuma disciplina se reduz à outra disciplina (FALBO, 2011, p. 3), sendo este movimento ainda muito incipiente, carente de teorias e métodos, que ao orbitar no campo jurídico muitas vezes é reduzido à falácia naturalista ou moralistas74, em que dados, categorias e conceitos disciplinares buscam coerência na construção do objeto, mas se chocam dissolvendo-se discursos e teorias não falseáveis. O professor Ricardo Nery Falbo tratou com propriedade do tema da interdisciplinaridade, ressaltando a hipótese da sociologia jurídica como um projeto interdisciplinar que se caracteriza pelo fato de rejeitar os limites considerados excessivamente restritivos da sociologia e do direito e de buscar a superação destes mesmos limites. A explicação que ela (sociologia jurídica) oferece de si mesma como discurso interdisciplinar é constituída através do confronto de critérios constitutivos de seus objetos de estudo. De natureza distinta, estes critérios deveriam ser situados historicamente em momentos diferentes quanto a perspectivas referentes a objetos particulares. Do ponto de vista histórico, a ausência de articulação e de hierarquização destes critérios pela sociologia jurídica resulta na equiparação ou equivalência dos mesmos. Esta crítica vale também para a ausência de historicidade quanto à variedade das opções metodológicas (FALBO, 2011, pp. 16-17).

A procedente preocupação do professor Falbo, aponta para a dificuldade das ciências sociais em criar condições de possibilidade de diálogo, tendo em vista que a sociologia alberga diversas teorias que definem separadamente tanto os problemas quanto

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Segundo Atahualpa Fernandez: Simétrica à falácia naturalista, a falácia moralista consiste em inferir um fato de um desejo, valor, imperativo ou enunciado moral ou deôntico. A falácia naturalista consiste em inferir “deve” de “é”; a falácia moralista consiste em inferir “é” de “deve”. Como está explícito, ambas são falácias e insustentáveis logicamente. Pinker chamou a atenção sobre a frequência com que diversos intelectuais bem intencionados e “politicamente corretos” caem na falácia moralista. Não podemos inferir nada acerca da natureza humana a partir de nossos meros ideais políticos ou de vagas elucubrações acadêmico- filosóficas. A investigação da natureza humana é uma questão tão fática como a medida do perihelio de Mercúrio. Resulta epistemologicamente insustentável a posição dos que postulam uma natureza humana de certo tipo com independência de qualquer informação empírica sobre esta e meramente como condição transcendental de possibilidade da moralidade, da responsabilidade, da liberdade, da igualdade, da dignidade humana (FERNANDEZ; FERNANDEZ, pp. 19 – 20).

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os objetos, sob critérios de validade autônomos ente si, constituindo paradoxalmente a ameaça ao projeto interdisciplinar da sociologia jurídica, sendo que a complexidade constitutiva do objeto deve representar o centro das preocupações da sociologia jurídica, ela não tem excluído do projeto interdisciplinar que representa esta disciplina a preocupação lógica com a unidade do objeto enquanto categoria-chave da interdisciplinaridade. Nisto consiste o paradoxo que define seu projeto interdisciplinar: a preocupação com a unidade do objeto - ainda que espontânea e implícita - parece privar o objeto de sua complexidade constitutiva (FALBO, 2011, p. 15).

Contudo, a complexidade constitutiva do objeto não deve negligenciar a materialidade e a natureza do que se pretende conhecer, nem mesmo reduzir-se ou condicionar-se a esta. A questão é saber como as observações em terceira pessoa (res-extensa) podem se relacionar com as experiências em primeira pessoa (res-cogitans)

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, admitindo-se que o

dualismo cartesiano é insuficiente para explicar esta relação por não dar conta da relação causal entre mente e corpo. Ocorre que, recursos científicos atuais que permitiam observar tal relação com atualmente vem se desenvolvendo pelas ciências “neuro”, em que a dinâmica cerebral pode ser analisada em terceira pessoa enquanto experiências sensoriais são mentalmente experimentadas em primeira pessoa. É justamente por não concebe-las como separadas, que considero mais profícuo conceber enquanto caminho epistemológico que propõe o materialismo não-redutivista, a partir do emergentismo e do realismo científico de Mario Bunge (BUNGE, 1974, 1989, 2014; DEUTSCH, 2009) e do monismo anômalo de Donald Davidson (DAVIDSON, 2002, 2004a, 2004b, 2005a; DAVIDSON; ENGEL, 2014). Nessa concepção, “a mente é propriedade que emerge do funcionalismo neural, mas não se reduz a ele” (BUNGE, 2014, p. 46), isto é, as experiências sensoriais em primeira pessoa (res-cogitans) emergem das condições materiais que possibilitam a observação em terceira pessoa (res-extensa), admitindo o pensamento complexo de Edgard Morin, como base para o desenvolvimento do conhecimento científico.

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Nesse sentido, Descartes apresentou como solução para epistemológica cisão entre o físico, fisiológico (res extensa) e o psíquico, mental (res cogitans). Como duas instâncias substancialmente incomunicáveis.

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Tendo como objeto a mediação, incluída como modalidade de administração e processamento dos conflitos no movimento de reformas das instituições político-jurídicas denominadas nos EUA como ADR - Alternative Dispute Resolution resta-nos investigar as propriedades materiais pelas quais emergem as possibilidades de compreensão desta prática, associando-a com experiência de campo na dinâmica entre a experimentação em primeira pessoa e a observação em terceira pessoa, não negligenciando as variáveis materiais, psicológicas, socioculturais e político-jurídicas desta prática dentro do campo de pesquisa eleito. Desde a década de 1980, um movimento de reformas legislativa e institucionais do Poder Judiciário, vem configurando um quadro de opções de processamento de conflitos (mediação, conciliação, arbitragem) ao processo judicial tradicional, que em alguns estados norte americanos é denominado multidoor system, diante da justificativa do acúmulo do processo, da morosidade, ineficiência e do aumento da litigiosidade da sociedade, acusada de judicializar as relações sociais. No Brasil, verifica-se no processo de redemocratização (1980), com mais evidência a partir da década 1990, em que agências multilaterais, acadêmicos, profissionais e convênios públicos e privados vêm contribuindo para incorporar ao Poder Judiciário o sistema multiportas, a partir do fomento técnico, financeiro e político de reformas institucionais, legislativas e políticas públicas que têm a finalidade de promover práticas cooperativas como a mediação e a conciliação como forma de processamento e gestão de conflitos. Não há dúvida de que decisões que contemplam a cooperação entre indivíduos e grupos, a partir da autonomia da vontade, conjugando necessidades, interesse e possibilidades, em busca de acordos simétricos, sem juízos de autoridade ou poder são desejáveis num Estado Democrático de Direito, mas o que importa para esta pesquisa é saber como a mediação se apresenta neste quadro de opções aos indivíduos e grupos, como as escolhas entre a jurisdição e o consenso se processam, quais são as variáveis que compõe esta dinâmica no âmbito do Poder Judiciário. Partimos do pressuposto de que o estudo do acesso à Justiça necessariamente deve ser constituído pelo conhecimento interdisciplinar, que se traduz no entrelaçar entre variáveis biológicas, psicológicas, sociais e políticas, para que a consciência dessas

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variáveis possibilite a identificação de condições necessárias para que as opções de resolução de conflitos sejam acessíveis de maneira igualitária, enquanto um valor compartilhado, atentos em proporcionar condições simétricas tanto para a competição, quanto para a cooperação, para que a cooperação seja uma escolha consciente das partes e não uma forma de reafirmar a desigualdade de condições, quando a competição se torna inviável. A importância de nos dedicarmos às questões humanas concebendo sua complexidade justifica o interesse pela mediação como objeto de pesquisa, pois uma das características da mediação é a assimilação de múltiplos saberes. Nesse trabalho, nos limitaremos, mais especificamente, à mediação apresentada como opção ao processo judicial tradicional após o ingresso da ação judicial, denominada mediação incidental, por possibilitar contrastes diretos entre as opções de resolução de conflitos e acesso à Justiça. Conforme pude notar no curso de capacitação e na experiência enquanto observador/mediador no CEJUSC do Fórum Central do Tribunal de Justiça, a mediação vem se consolidando não somente como uma opção de processamento de conflitos e construção de obrigações, mas como uma técnica amparada em diversos saberes, o que pode traduzir a assimilação da insuficiência do Direito como ciência normativa, assim como da necessidade de, nos termos de Edgard Morin, buscarmos nos atentar para a necessidade do pensamento complexo76 em torno das questões humanas. Esta hipótese nos move a compreender a repercussão da mediação no campo jurídico, descrevendo e analisando como a assimilação de outros saberes integra o quadro de opções de processamento de conflitos e influência na dinâmica do processo de escolha entre as opções apresentadas, buscando identificar como o saber vem interagindo no ambiente institucional do poder judiciário. Em palavras mais diretas, esta pesquisa parte do pressuposto de que é indispensável compreender como se dá o acesso a todas as opções e o que compõe este processo de

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Segundo Edgard Morin: “O pensamento complexo, portanto, busca distinguir (mas não separar) e ligar. Ao mesmo tempo, impõe-se, como vimos acima, outro problema crucial: tratar a incerteza. Por quê? Porque por toda parte, nas ciências, o dogma de um determinismo universal desabou, enquanto a lógica, chave-mestra da certeza do raciocínio, revelou incertezas na indução, impossibilidades de decisão na dedução e limites no princípio do terceiro incluído. Assim, o objetivo do pensamento complexo é ao mesmo tempo unir (contextualizar e globalizar) e aceitar o desafio da incerteza (MORIN, 2003a, pp. 14 – 15).

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escolhas entre a jurisdição e o consenso com vistas a compreender os usos e significados da ideia de “aceso à Justiça”. Para tanto, privilegiaremos a dimensão do cidadão comum ao ingressar no poder judiciário, utilizando os casos observados como forma de articular análises teóricas e experimentais acerca deste processo de escolhas. Diante da impressionante evolução dos meios de comunicação, o acesso à informação e ao conhecimento, a cada dia mais nos aproxima. Não obstante os contrastes naturais e culturais cada vez mais ficam evidente o núcleo duro que nos define enquanto espécie, que a partir de nosso processo evolutivo permitiu-nos criar normas, mecanismos de cooperação e disputa, de resolução de conflitos e instituições diversas nas mais variadas culturas, na medida da elasticidade de nossa capacidade cognitiva e adaptativa comum a todos e que diferenças não justificam desigualdade de dignidade e decência a partir de distinções de gênero, raça, cultura, etnia, nacionalidade, religião. Apesar de admitir a diferença entre as condições naturais e culturais que constituem os indivíduos e sociedades, de maneira alguma, estas diferenças permitem-nos superar as condições humanas que nos igualam enquanto espécie. São essas características físicomentais que adquirimos enquanto espécie o ponto de partida para um estudo interdisciplinar, de base empírica em qualquer pesquisa acerca dos sistemas jurídicos, da sociedade, das instituições. Nesse sentido, é imprescindível revisitar questões acerca da natureza humana que alicerçam os modelos de organização social para compreender como as instituições e as leis podem contribuir para que as decisões que reforcem o sentimento de justiça compartilhado, reintroduzindo a política e a ética na difícil tarefa de produzir um conhecimento aproximando razão e experiência, natureza e cultura, corpo e mente, como forma de revisão e aprimoramento das instituições, leis e sentimentos de justiça cada vez mais amplamente compartilhadas entre os povos. Esta proposta busca justificar a necessidade de buscarmos soluções baseadas em interesses compartilhados não mais nos limites do Estado, raça, cultura ou qualquer forma de distinção hierárquica, mas como seres humanos legitimados pelo direito de decidir nossas preferências e responsáveis por assegurar ao outro as mesmas condições de escolha.

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1. Aproximações entre o conteúdo empírico e teoria Conforme ressaltam NADER & TODD (1978), a antropologia possui um sem número de trabalhos etnográficos e descritivos, nas mais variadas sociedades, que apontam práticas de processamento de conflitos com a intervenção de terceiro (s), podendo ser genericamente classificadas em três tipologias: adjudicação, arbitragem e mediação. Diferentemente de decisões hierárquicas, fundadas no juízo universal, produzidas pela intervenção de terceiro(s) baseada na autoridade do juiz (adjudicação) ou na expertise de um árbitro eleito (arbitragem), acima da parcialidade das partes, a mediação se caracteriza por proporcionar a criação de vínculos obrigacionais simétricos, baseados em interesses compartilhados, que têm como base a cooperação entre os envolvidos no conflito. Assim, a mediação pode ser descrita como prática de processamento de conflitos, em que há intervenção de terceiro (s) eleitos ou não, sem poder decisório vinculante, mas com a prerrogativa de auxiliar os envolvidos estabelecer entre si comunicação que permita a criação de regras de conduta, de convivência, acordos, que tem como base a vontade, necessidade e interesse dos indivíduos e grupos em conflito, sendo a falta de poder decisório o que diferencia a mediação da arbitragem e da adjudicação. (AZEVEDO, 2013; VASCONCELOS, 2008; CALMON FILHO, 2008; ALMEIDA, 2009; NETO, 2009; SPENGLER; NETO, 2010; MELLO; BAPTISTA, 2011; OLIVEIRA, 2011; PINHO; DURÇO, 2012; ROY, 2012). Neste contexto, nas palavras de Christopher Moore, a mediação é definida como: um prolongamento ou aperfeiçoamento do processo de negociação que envolve a interferência de uma aceitável terceira parte, que tem poder de tomada de decisão limitado ou não-autoritário. Esta pessoa ajuda as partes principais a chegarem de forma voluntária a um acordo mutuamente aceitável das questões em disputa. Da mesma forma que ocorre com a negociação, a mediação deixa que as pessoas envolvidas no conflito tomem as decisões. A mediação é um processo voluntário em que os participantes devem estar dispostos a aceitar a ajuda do interventor se sua função for ajudá-los a lidar com suas diferenças – ou resolvê-las (MOORE, 1998, p. 22-23)

A mediação, apesar de uma prática verificável em diversas sociedades, a partir da década de 1970 nas sociedades ocidentais, vem se institucionalizando também como técnica de administração de conflitos, agregando conhecimento de negociação, gestão, teoria dos jogos, semiótica, psicologia, economia, antropologia, sociologia, direito.

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Conforme observa o juiz André Gomma Azevedo77 et al, organizador do Manual de Mediação Judicial, publicado pelo Ministério da Justiça, a mediação é praticada muitas vezes de maneira informal ou intuitiva em diversas instâncias (família, trabalho, amizade), o que distingue da mediação técnica, por estar amparada por princípios, procedimentos e técnicas de um processo autocompositivo, com a intervenção de terceiro (s), neutro (s) e sem interesse na causa, qualificado para contribuir e facilitar a negociação, proporcionando aos envolvidos melhores condições de compreenderem sua posição no conflito e tomarem decisões (AZEVEDO, 2013, p. 83). Esta preocupação indica a necessidade de legitimação da prática fundamentada pela especialização, objetividade e impessoalidade como forma de incorporação desta na burocracia legal, o que distingue a legitimação baseada na relação direta entre as partes e o terceiro interventor, como no caso de terceiros que exercem essa função em comunidades, tribos, igrejas. A mediação, além de apresentar uma forma de processamento de conflitos que possibilite vínculos obrigacionais mais simétricos, a partir parcialidade das partes em detrimento do juízo universal imparcial, representa o diálogo entre Direito e outras disciplinas, pois, enquanto técnica buscou fundamentação teórica em outras áreas do conhecimento como linguística, psicologia, gestão, ciências cognitivas, matemática aplicada (AZEVEDO, 2013, p. 233). Não se pretende esgotar os conceitos em torno do tema acesso à justiça, esta pesquisa tem a finalidade de através da descrição das práticas em torno do tema, identificar as categorias que permitam uma análise interdisciplinar do tema no campo de pesquisa eleito, para posteriormente buscar reflexões mais abrangentes através de estudo comparativo.

77

. Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Mestre em Direito pela Universidade de Columbia em Nova Iorque. Ex-mediador no Institute for Mediation and Conflict Resolution (IMCR), em Nova Iorque - EUA. Ex-mediador no Harlem Small Claims Court, em Nova Iorque - EUA. Ex-consultor Jurídico na General Electric Company (GE), em Fairfield, CT - EUA.

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No que concerne ao curso de capacitação de Mediação Judicial, verificou-se que o referencial teórico é baseado em princípios do construtivismo de o Mary Parker Follet78 (1868-1933), Morton Deutsch (1920)79. Conforme este referencial teórico, os conflitos são classificados como destrutivos e construtivos, sendo destrutivos os de cunho adversarial e competitivo ou construtivos de cunho cooperativo. Na forma construtivista de produção de conhecimento proposta, os acordos partem da premissa de que as partes não devem barganhar, nem fazem concessões mútuas, mas utilizar a criatividade para construir acordos que contemplem ambos os interesses. Apesar de não haver critérios objetivos que definam previamente o perfil de pessoas aptas a serem mediadoras, no Manual verifica-se a orientação para a seleção de profissionais que tenham o perfil apropriado, tempo livre para dedicação ao aprendizado, seriedade de propósito, abertura para aprendizado multidisciplinar, humildade, entre outras qualidades (Idem). O modelo de capacitação, aposta no treinamento em que a capacitação se dá a partir de informações teóricas básicas e o conhecimento é aperfeiçoado no decorrer da prática, 78

Formada em filosofia, direito, economia administração pública, na época proeminente do taylorismo desenvolve teorias a partir das relação entre trabalhadores, defendendo que a condição para o desenvolvimento do homem é a responsabilidade, seus estudos desenvolveram-se acerca da ideia de Resposta Circular que tem como premissa a ideia de que uma pessoa influencia a outra num ciclo vicioso de constante mutação recíproca e do Conflito Construtivo, para Follet o conflito é uma forma de externar as divergências, que pode se manifestar de forma positiva ou negativa. Segundo a autora, há três soluções possíveis diante do conflito: a) dominação como alternativa lesiva para uma das partes; b) conciliação alternativa lesiva para ambas, pois ambas terão que ceder e; c) integração, opção em que a autora propõe que a solução não deve ser concretizada antes de serem pensadas de maneira criativa e inovadora, buscando atender as demandas individuais e não suprimi-las. Este pensamento deu origem a Escola das Relações Humanas e tinha como principal finalidade a gestão das relações entre trabalhadores e empresas, que ganhou força após a crise de 1929. Contudo, esta teoria apresenta algumas limitações por não considerar a necessidade de um ambiente ético e democrático para que o conflito construtivo se desenvolva. Não se atentando para problemas reais das empresas, produziu conclusões inseguras, artificiais e tendenciosas. Por outro lado, apesar das empresas concordarem com a importância do desenvolvimento das relações humanas para o bem estar, os teóricos não consideravam que o objetivo da empresa é obter lucro e produzir bens, sendo o bem-estar um objetivo secundário. Ainda foi observado alguns aspectos de manipulação e demagogia. 79

Psicólogo social, concluiu o Ph.D. no MIT, sob orientação de Kurt Lewin, com a tese que compara os efeitos psicológicos e a produtividade dos grupos classificados como cooperativos e competitivos, desenvolvendo a Teoria da Cooperação e da Competição, fundada na teoria da interdependência social entre objetivos (cooperativos e competitivos) e os tipos de ações tomadas (efetivas e negativas).Três conceitos, são utilizados por Deutsch para avaliar os processos sociais e as relações pessoais nos grupos: a) substituição, que consistes nas ações de uma pessoa capazes de satisfazer os interesses do outro; b )cathexis, capacidade de energia mental do indivíduo se avaliar e avaliar o contexto a sua volta; c) inducibility, como a capacidade do indivíduo aceitar a influência de outro).

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com o desenvolvimento pessoal contínuo. São diversas as competências a serem desenvolvidas pelo mediador judicial: 1) Competências Autocompositivas; 2) Cognitivas quanto ao Conflito;3) Perceptiva; 4) Emocionais; 5) Comunicativas; 6) Do pensamento criativo; 7) Negociação;8) Quanto ao pensamento crítico; 9) Formulação do Pedido (Idem, p. 217-229). Outra característica identificada no manual é a importância de se adotar um método de negociação, cuja a bibliografia de referência é a obra Como chegar aos sim (FISHER, ROGER; et al., 2005), com técnicas baseadas nos seguintes fundamentos: i) separação das pessoas do problema; ii) foco nos interesses e não em posições; iii) geração de opções de ganhos mútuos; e iv) utilização de critérios objetivos (AZEVEDO, Idem, p. 68). Além das competências a serem adquiridas, o mediador deve conduzir sua intervenção segundo os princípios que legitimam a autocomposição: informalidade; oralidade; autonomia das partes; neutralidade; imparcialidade; consciência relativa ao processo80;

consensualismo

processual;

decisão

informada81;

confidencialidade;

empoderamento82; validação83; simplicidade84; economia processual85; celeridade. Assim como o direito, a mediação judicial se caracteriza por ser baseada em princípios e procedimentos que reputam ao mediador prerrogativas muito próximas do juiz, como imparcialidade, neutralidade, contudo, agregando técnicas e teorias de outros saberes. É justamente neste viés interdisciplinar que o objeto de pesquisa nos conduzirá a analisar os usos e significados do consenso dentro do campo jurídico, que vem se consolidando através do desenvolvimento de técnicas e teorias em que o direito e a justiça vêm ganhando novos contornos.

80

Informar as partes acerca das consequências de sua participação no processo autocompositivo e a liberdade de encerrá-lo quando quiser. 81

Legitimar que as decisões sejam praticadas preservando a autonomia da vontade e o consensualismo processual, proporcionando as partes a plena consciência de seus direitos e a realidade fática que se encontra, por exemplo, utilizando a técnica do teste de realidade. 82

Componente educativa que busca capacitar as partes para utilizarem as técnicas de negociação em seu cotidiano 83

Reconhecimento mutuo de interesses e sentimentos, para o desenvolvimento da empatia e da compreensão entre os envolvidos, como forma de humanização do conflito. 84 85

Desburocratizar os procedimentos e torna-los totalmente compreensíveis às partes. Processos com menos etapas e fases, mais direitos.

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2. Problemas e justificativas teóricas e metodológicas de impulso 2.1. O pensamento construtivista e seus reflexos na produção do conhecimento social, normativo e institucional O pensamento construtivista de grande impacto na produção do conhecimento nas décadas de 1980 e 1990, que tem como inspiração mais notória a obra A estrutura das revoluções científicas de Thomas Kuhn (KUHN, 1998), visando enfrentar o problema do argumento de autoridade travestido de científico e se contrapor a ideia incipiente de ciência baseada no empiricismo ingênuo. Este tipo arcaico de empirismo concebia que as observações, descrições e teorizações científicas constituíam uma forma precisa de conhecimento acerca do objeto, negligenciando ou neutralizando o papel do sujeito cognoscente e do contexto social e político em que o conhecimento é produzido (BUNGE, 1974; EL-HANI; BIZZO, 2008; PIETROCOLA, 2014). A exacerbação deste movimento que questiona o empirismo ingênuo ganha significado mais explícito no que Glasserfeld propõe como construtivismo radical (GLASSERFELD, apud PIETROCOLA, 2014, p. 2), mas que se manifesta nas mais criativas e formas e elucubrações idealistas, insensíveis às características da natureza humana. Nas palavras de Pietrocola: Nessa concepção, a produção de conhecimento não é a busca da realidade ontológica associada ao mundo experiencial, mas apenas e tão somente a sua organização a partir de um processo de contínua adaptação cognitiva. Os aspectos epistemológicos de análise recaem sobre a impossibilidade de um mundo físico exterior acessível direta ou indiretamente (Idem).

Essas características são identificáveis no direito e vem ganhando fôlego através da assimilação da psicanálise, tendo em vista que essa concepção não se limita apenas ao construtivismo radical proposto por Glasserfeld, mas também constitui a base epistemológica para versões não-radicais que reverberam a valorização extremada dos processos cognitivos individuais como forma de construção da verdade e do conhecimento, sendo esta a característica mais preocupante do construtivismo como um todo. Esta ideia é visível tanto na elaboração de leis, políticas públicas, em espécie, conforme veremos no Capítulo I, nas técnicas de mediação, tanto no processo de 245

formulação desta política pública, quanto no curso de capacitação e implementação das mesmas supervalorizando o papel do aprendiz no processo de ensino/aprendizado (...) em detrimento de elementos pertencentes ao mundo físico (Idem, p. 3). A ideia de que a realidade pode ser construída e desconstruída através de princípios, técnicas e interpretações, caem com uma luva na crença do poder transformador das leis e políticas públicas, visíveis através da aplicação de técnicas importadas e naturalizadas sem o desenvolvimento sistêmico de um modelo de pesquisa em que a ciência básica e a ciência aplicada locais, são a fonte primária das técnicas e da transmissão destas através de serviços86 que se comunique com as condições biológicas, econômicas, culturais e políticas de determinada sociedade, estabelecendo, de forma crítica e horizontal, conexões com outras sociedades (BUNGE, 1980; MATURANA, 2001). Uma das mais notáveis e originais reações ao pensamento denominado genericamente pós-modernista (cabendo nessa crítica o pós-estruturalismo e o construtivismo social), foi o experimento não-científico do físico norte americano Alain Sokal que, em 1996, submeteu um artigo à uma badalada revista cultural americana, a Social Text, intitulado "Transgredindo as fronteiras: em direção a uma hermenêutica transformativa da gravitação quântica". Com citações do panteão da "teoria francesa" contemporânea: Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Félix Guattari, Luce lrigaray, Jacques Lacan, Bruno Latour, JeanFrançois Lyotard, Michel Serres e Paul Virilio, defendendo que a realidade física, não menos que a “realidade social, é no fundo uma construção social e linguística" (SOKAL; BRICMONT, 2010, p. 17). Com estes referenciais teóricos, o artigo foi recebido e publicado com entusiasmo editores da revista, pois continha fortes inclinações ao pensamento pós-modernista, com argumentos e afirmações bem aceitas pelas ciências sociais nos EUA, Europa e consequentemente no terceiro mundo.

86

Bunge exemplifica divide organiza estes saberes entre ciclo científico ou técnico integral através de um quadrinômio que nos permite distinguir os objetivos e resultados de cada um, isto é, no primeiro o conhecimento e no segundo um artefato ou plano de ação que promete resultados de valor prático para determinado contexto. Ver exemplo completo deste quadrinômio em BUNGE, 1980, pp. 32-33.

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Em síntese o texto argumenta no sentido do pensamento pós-modernista que a ciência é apenas mais um “discurso”, uma narrativa, assim como a religião, a “verdade” produzida tem a função social de estabelecer as regras do jogo a favor do grupo dominante, forma extrema de relativismo cognitivo: depois de ridicularizar o obsoleto "dogma" de que "existe um mundo exterior, cujas propriedades são independentes de qualquer indivíduo e mesmo da humanidade como um todo", proclama categoricamente que "a 'realidade' física, não menos que a 'realidade' social, é no fundo uma construção social e linguística". Por meio de uma série de raciocínios de uma lógica espantosa, o artigo chega à conclusão de que "o 1t de Euclides e o G de Newton, antigamente imaginados como constantes e universais, são agora entendidos em sua inelutável historicidade". O restante prossegue na mesma linha (Idem, p. 16).

Logo após a publicação do artigo, Sokal publicou outro artigo revelando que tudo aquilo não passava de um embuste, que sua intenção era denunciar como absurdos lógicos, misticismo, com um palavreado pomposo e raciocínios confusos que denotam profundidade e erudição eram bem recebidos pós-modernistas como reflexões sérias. No ano seguinte, juntamente com Jean Bricmont, professor de física da Universidade de Louvain, Sokal publica na França o livro Impostures Intellectuelles87, uma crítica mais extensa e sistematizada do ocaso de “Progredindo Fronteiras”, que tinham dois objetivos centrais: Mostrar que intelectuais famosos como Lacan, Kristeva, Irigaray, Baudrillard e Deleuze abusaram repetidamente da terminologia e de conceitos científicos: tanto utilizando-se de ideias científicas totalmente fora de contexto, sem dar a menor justificativa - note-se que não somos contra a extrapolação de conceitos de um campo a outro, e sim contra extrapolações feitas sem fundamentação -, quanto atirando a esmo jargões científicos na cara de seus leitores não-cientistas, sem nenhum respeito pela sua relevância ou mesmo pelo seu sentido(1); Um segundo alvo do nosso livro é o relativismo epistêmico, especificamente a ideia a qual, pelo menos quando manifestada explicitamente, é muito mais comum no mundo anglófono do que no francófono - de que a moderna ciência não é mais que um "mito", uma "narração" ou uma "construção social", entre muitas outras(2) (Idem, p.10).

Nesta obra, os autores revisam a bibliografia de nomeadamente de autores como Jacques Lacan, Julia Kristeva, Luce Irigari, Bruno Latour, Jean Baudrillard, Gilles Deleuze e Felix Gatarri, Paul Virilo. Podemos observar o teor da análise crítica dos autores, por exemplo, através da crítica à Lacan: O aspecto mais surpreendente de Lacan e seus discípulos é provavelmente sua atitude diante da ciência, privilegiando, indo a extremos difíceis de imaginar, a "teoria" (ou, mais precisamente, o formalismo e o jogo de palavras) em

87

Editions Odile Jacob, Paris, outubro de 1997.

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detrimento da observação e da experiência. Além do mais, a psicanálise, supondo que ela tenha uma base científica, é uma ciência muito jovem. Antes de se lançar em vastas generalizações teorias, seria prudente checar a adequação empírica de pelo menos algumas de suas proposições. Ora, nos escritos de Lacan se encontram principalmente citações e análises de textos e conceitos. Os defensores de Lacan (bem como de outros autores aqui discutidos) inclinamse a responder a essas críticas recorrendo a uma estratégia que iremos chamar de "nem/nem": esses textos não devem ser avaliados nem como ciência, nem como filosofia, nem como poesia, nem (...) Fica-se então diante daquilo que se poderia chamar um "misticismo laico": misticismo, porque o discurso objetiva provocar efeitos mentais que não são puramente estéticos, e sem se direcionar, de modo algum, l razão; laico, porque as referências culturais (Kant, Hegel, Marx, Freud, matemática, literatura contemporânea (...) nada tem a ver com as religiões (Idem, pp. 47-48).

Segundo os autores, o maior problema é que o relativismo do pensamento pósmoderno não se limitou aos departamentos de filosofia europeus ou de literatura norteamericanos, alastrou-se para o “Terceiro Mundo” atingindo a maior parte da população mundial que ainda vive precariedades bem distantes dos preceitos “ultrapassados” do Iluminismo. Aliando-se a superstições, o relativismo coloca em pé de igualdade soluções baseadas no método científico com soluções baseadas na “cultura”, tendo em vista que a defesa de que soluções objetivas, científicas não podem sobrepor-se a soluções de outros saberes, pois ambas não são detentoras da realidade. A problemática deste tipo de resposta é que no cotidiano, as escolhas devem ser feitas e vidas são decididas como, por exemplo, tomar um medicamento, uma vacina, calcular um projeto de edificação, sendo para tal o relativismo teoricamente insustentável. Conforme observam os autores, o resultado é que os intelectuais caem facilmente na hipocrisia de utilizar a ciência "ocidental" quando ela é absolutamente necessária- por exemplo, quando eles estão seriamente enfermos -, ao mesmo tempo em que estimulam o povo a acreditarem superstições (Idem, p. 108). Segundo Jairo José da Silva (SILVA, 2004) a polêmica resultou em reações no Brasil, algumas contra e outras a favor. Cláudio Weber Abramo, em 15 de novembro de 1996, publicou na Folha de São Paulo, o artigo “O telhado de vidro do Relativismo”, revelando que a farsa de Sokal realizava uma antiga fantasia sua. No mesmo jornal, o economista referência da Ditadura Militar de 1964, Roberto Campos, publicou o artigo a “A brincadeira de Sokal...” em que direciona a crítica de

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Sokal a filosofia, principalmente a de esquerda, equiparando a crítica pós-moderna à oposição stalinista à teoria da relatividade (vista como ciência judia) e à genética de Mendel (contrária à teoria de Lissenko), a prata da casa, mas “esquece” as “teorias científicas” nazistas dos nazistas e dos fascistas entre outras críticas (Idem, p. 7). Em 06 de outubro de 1996, Sokal responde à crítica de Campos na própria folha de São Paulo, em “A razão não é propriedade privada”, que desautoriza Campos a utilizar sua crítica como um ataque à esquerda, reafirmando sua posição política de esquerda e seu objetivo político era o de fortalecê-la pela crítica de seus excessos (Idem, p. 8). Jesus de Paula Assis, em “As razões do relativismo civilizado” publicado no mesmo número da Folha de São Paulo, distingue “relativismo civilizado”, em que a ciência natural assenta em bases que têm condicionantes históricos e sociais e um relativismo “enlouquecido”, em que os condicionantes são totalmente responsáveis pelo conteúdo das asserções científicas”, argumentando que Sokal havia confundido esses dois relativismos, jogando na mesma vala comum Feyerabend e Derrida e que Sokal escolheu um adversário fraco para o seu “experimento”, já que, ainda segundo ele, Social Text é uma revista inexpressiva nas áreas de filosofia e sociologia da ciência (Idem, p. 9). Jairo José da Silva considera estas e outras críticas de Jesus de Paula Assis pertinentes, ao considerar que Sokal parece negar que existam estudos sérios sobre as condicionantes sociais e políticos da produção científica, Mas, conforme concluímos com Silva, não se pode confundir o contexto de descoberta com o contexto da justificativa, pois mesmo que a ciência seja uma forma de expressão cultural, não se pode negar que a ciência ainda possui os melhores critérios de validade objetiva que nos possibilitam a aproximação da realidade. Silva ressalta a crítica do anticomunista Olavo de Carvalho, em “Sokal, parodista de si mesmo”, publicado em 21 de outubro de 1996, que saiu em defesa de Roberto Campos, polarizando o debate e fixando sua posição ao lado de Campos de achaque à esquerda, ao argumentar que a paródia atinge toda a esquerda, inclusive o próprio Sokal, classificando a atitude de Sokal como um “malandríssimo autopreservatório, pois esses esquerdistas são assim mesmo, entregam os anéis (i.e. traem) para não perder os dedos” (Idem, p. 9).

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No decorrer, segundo Silva, dos anos ainda temos a resenha do livro de autoria do matemático Roberto Fernández, publicada na Folha de São Paulo em 11 de abril de 1998, sob o título “O rei está nu”, em que Silva destaca que o autor, após resumir os pontos centrais de Imposturas Intelectuais, comete alguns deslizes ao afirmar que Sokal e Bricmont tem uma posição filosófica que “contraria o relativismo cognitivo e questiona as teses de Popper, Quine Kuhn e Feyerabend (que nutrem o ceticismo epistemológico)”, sendo esta conclusão, conforme Silva, falsa, pois Sokal e Bricmont não colocaram estes autores no mesmo saco dos pós-modernistas: Os estudos de Kuhn e Feyerabend em história e filosofia da ciência, o estilo elegante e claro da prosa de Quine, a profundidade do pensamento de Popper não têm rigorosamente nada a ver com a ignorância científica, o “nonsense” da expressão e a desonestidade intelectual expostas por Sokal e Bricmont (Idem, p. 10).

A última crítica destacada por Silva como mais interessante, se refere ao artigo intitulado “Quinze minutos de notoriedade”, publicado pela Folha de São Paulo em 9 de maio de 1998, de autoria de Bento Prado Jr. Como especialista em Bérgson, que ao disputar sobre a teoria da relatividade com Einstein, foi refutado e corrigido, mas persiste como referência dos pós-modernistas, sendo este o objeto de crítica do capítulo 11 de Imposturas Intelectuais. Prado Jr., segundo Silva, inicia lembrando que realismo e idealismo são posturas filosófica, não podendo se presumir que uma crítica realista como de Sokal e Bricmont sejam isentas filosoficamente, tenta desqualificar as críticas apropriando-se da afirmação de Wittgenstein de que “os matemáticos são maus filósofos”, critério que, conforme lembra Silva, serviria para desqualificar Leibnitz, Descartes, Husserl, Frege, todos eminentes filósofos e matemáticos profissionais. Como expert em Bérgson, Prado Jr. argumenta que Bérgson não criticou a teoria da relatividade de Einstein, apenas sua interpretação filosófica, retratando-se de seus erros e argumentos técnicos, o que resultou em resposta de Bricmont e Sokal, publicada em 13 de julho de 1998, intitulada “Imposturas e Fantasias”, demonstrando que os argumentos de Prado Jr. são falsos. Conforme podemos notar com Silva, estes exemplos de crítica, mais do que a importância de seu conteúdo, revelam a situação ambígua que a ciência ocupa na atual sociedade, em que as descobertas científicas que nos informam e explicam de maneira cada 250

vez mais precisa as características do ser humano e da natureza divIdem espaço com o qualquer charlatanismo, misticismo, pseudociência que ofereça respostas fáceis e confortáveis perante questões complexas, mesmo que estas não tenham compromisso algum com a razão, à observação e os resultados, dividindo espaço com a mesma credibilidade e reverenciam nos programas governamentais, meios de comunicação, livrarias, congressos, programas de pesquisa. Esta observação implica na defesa de se pensar a ciência, a razão e a lógica como recursos da natureza humana para se teorizar sobre a realidade, em que uma teoria deve ser considerada científica justamente por obedecer critérios que permitam que esta seja revisada, complementada, delimitada, refutada, sendo esta a característica mais importante da virada da idade média para a idade moderna. A busca ainda que incompleta e talvez infinita de critérios de produção e validade de conhecimento que supere argumentos de autoridade, obscurantismo, critérios estes baseados na observação de condições necessárias que obedeçam a uma constante e permitam não certezas universais, mas certa previsibilidade acerca dos fenômenos sociais e naturais para podermos planejar e escolher os caminhos a seguir de maneira democrática. Contudo, o que se observa tanto nos departamentos das ciências básicas, quanto no das ciências aplicadas, assim como nos cursos técnicos e políticas públicas é que o construtivismo social vem sendo uma fermenta utilizada por “cientistas” sociais e de humanidades, em que a realidade é concebida como uma construção do sujeito cognoscente, independentemente do que existe objetivamente. Neste relativismo epistêmico e cultural, estes “cientistas” ocupam local privilegiado de criadores da realidade pela qual seus discípulos passam a “enxergar” o mundo, a partir de suas “teorias”, “categorias” e soluções fáceis, geralmente vendidas como a “grande sacada” que ninguém executa por falta de conhecimento, por alguma má intenção consciente ou inconsciente. Portanto, o pensamento pós-modernistas, através de expoentes como o pósestruturalismo e construtivismo social ocupa-se de rejeitar direta ou indiretamente a tradição do racionalismo Iluminista, igualando métodos científicos e racionais de teorização da realidade com discursos teóricos desconectados de regras de validade que

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não se submetam a teste de realidade, encarando a ciência como mais uma narrativa, “mito”, “construção social”, produto do relativismo cognitivo e cultural. Como já ressaltamos, o fato mais trágico é que, principalmente nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, como podemos observar com Bunge (op. cit.) prioriza-se a importação das Ciências Aplicadas e das Técnicas desenvolvidas em outros contextos, realidades e necessidades sobrecarregando os problemas e soluções nas condições econômicas, sem considerar as condições biológicas e políticas, justificando e atribuindo os impasses com o relativismo cultural. Assim, governos e instituições seguem negligenciando que é a partir das condições biológicas e materiais que as psicológicas, sociais, econômicas e políticas são possíveis, ao ignorar ou negar o necessário desenvolvimento sistêmico do conhecimento e correlação entre natureza e cultura em favor da dignidade humana para pensarmos os problemas locais, regionais e universais. 2.2. Fundamentos e justificativas para um modelo científico de pesquisa interdisciplinar de base empírica. A possibilidade de uma abordagem descritiva e analítica da natureza inata dos julgamentos morais a partir da analogia linguística sugerida por Rawls na obra Uma teoria da Justiça (RAWLS, 1997), nos seguintes termos: Podemos estabelecer aqui uma comparação com o problema de descrever o senso de correção gramatical da nossa lingual natal. Nesse caso, o objetivo é caracterizar a habilidade de reconhecer frases bem formadas mediante a formulação de princípios claramente expressos que fazem as mesmas distinções utilizadas pelos que utilizam a língua natal. Essa tarefa sabiamente exige construções teóricas que em muito ultrapassam preceitos ad hoc do nosso conhecimento gramatical explícito. Pode-se presumir que uma situação semelhante ocorra na teoria moral. Não há razão para supor que o nosso senso de justiça possa ser caracterizado adequadamente pelos preceitos do senso comum ou derivados dos princípios mais óbvios da aprendizagem. Uma explicação correta das atitudes éticas certamente envolve princípios e construções teóricas que vão muito além das normas e padrões referidos no dia-a-dia; eventualmente pode também exigir um conhecimento bastante sofisticado da matemática. Assim a ideia de posição original, onde se dá um consenso acerca de princípios, não parece pro demais complicada ou desnecessária. Na verdade essas noções são bastante simples e podem servir apenas de início (Idem, p. 50).

Esta analogia linguística sugerida por Rawls viabiliza a introduzir ao campo de estudos sobre a moral teorias e métodos que se aproximam da teoria da Gramática Universal, desenvolvida por Chomsky a partir da década de 1960, argumentando que no 252

campo da linguagem há capacidades humanas inatas. A aproximar sua teoria da justiça e sua investigação sobre a moral da linguagem, Rawls argumenta para a necessidade de investigarmos indícios de uma possível competência moral inata análoga à competência linguística, sob a hipótese de haver um sentimento de justiça natural. Conforme podemos observar em Justiça como Equidade: uma reformulação – da obra Teoria da Justiça - de John Rawls (RAWLS, 2003), consiste em desenvolver uma Teoria da Justiça, cuja concepção de Justiça como equidade é atualizada a partir do liberalismo político de Locke e do contratualismo de Rousseau, Como uma alternativa ao utilitarismo, a Teoria da Justiça de Rawls constitui-se de princípios que articulam uma concepção liberal ampla de direitos e liberdades básicos e só admitem desigualdades de renda e riqueza que sejam vantajosas para os menos favorecidos (Idem, XI), proposta esta, classificada por comentadores de Rawls como Liberalismo Igualitário. Entre os elementos que incorporam esta reformulação teórica, encontramos algumas respostas de Rawls à Habermas que evidenciam diferenças entre os autores, em relação ao desenvolvimento teórico a partir do construtivismo kantiano. Podemos notar a importância do pensamento dos autores na tradição kantiana ao identificamos que a formulação teórica de ambos encontra-se como grande referencial teórico da maioria dos autores contemporâneos acerca da teoria moral. Estas diferenças são o ponto de partida que adotaremos para argumentar que a teoria de Rawls se destaca como mais interessante por buscar uma concepção de justiça associada a uma teoria política, e não metafísica (Idem). Isto é, uma teoria mais aproximada da realidade social e política contemporânea do que a princípios morais e normativos oriundos de outros saberes. Na obra o Liberalismo Político (1993), Rawls se ocupa das condições sociais e políticas para que instituições livres sejam espaços em que a pluralidade de doutrinas distintas e incompatíveis entre si, mas que não carecem de razoabilidade, argumentando que o liberalismo político reconhece esse “fato do pluralismo razoável”, mostrando de que maneira uma concepção política se ajusta a doutrinas abrangentes diversas e até mesmo conflitantes: pode ser objeto de um consenso sobreposto a elas (Idem, 2003, XII).

253

Em Justiça como equidade, Rawls empreendeu revisões em sua anterior, Teoria da Justiça, que vão além da concepção política de justiça, como a necessidade de uma ideia de consenso sobreposto a doutrinas religiosas, filosóficas e morais abrangentes ou parcialmente abrangentes, a fim formular uma concepção mais realista de uma sociedade bem ordenada, dado o pluralismo de tais doutrinas na democracia liberal (Idem, XVIII) 88, pois reformula sua teoria de justiça como equidade como uma concepção política de justiça voltada às condições necessárias para a construção de instituições político-jurídicas justas e democráticas. Para precisar o construtivismo de Rawls, empreenderemos uma análise comparativa, partindo do ponto comum entre os Rawls e Habermas, qual seja, o construtivismo kantiano e ao final tangenciaremos com algumas considerações de Amartya Sen acerca da teoria de Rawls. A base genérica de comparação entre as teorias da justiça de Rawls e Habermas é o argumento de que ambas são versões do construtivismo kantiano, que se fundamenta na tentativa de reunir o antirrealismo e o cognitivismo forte. O contraste da entre a teoria habermasiana, classificada como “construtivismo reconstrutivista” e a teoria da justiça de Rawls, explicita que a pretensão de universalidade de Rawls é constituída pelo cognitivismo forte baseado no revisionismo construtivista kantiano. Este cognitivismo forte fica evidente quando se observa que o construtivismo de Rawls investe na capacidade reflexiva dos indivíduos, o contraste com Habermas nos direciona a compreensão dos conceitos de equilíbrio reflexivo e consenso sobreposto, como as bases da pretensão de validade universal, contra qualquer interpretação particularista e relativista de sua proposta teórica (BRAGA, 2013). Para classificarmos as teorias de Rawls e Habermas, na tradição do construtivismo kantiano, devemos identificar que ambas buscam seguir a proposta metaética do construtivismo kantiano, conciliando três teses antirrealismo em relação a propriedades e fatos especificamente morais, cognitivismo forte em relação à justificação de enunciados morais

88

Note-se que John Rawls concentra-se no liberalismo político, que conjuga e ideia da liberdade, tendo como pressuposto instituições públicas garantidoras de igualdade, revisitando a ideia contratualista de Rousseau, o que nada tem a ver com o liberalismo econômico, que a liberdade é um princípio absoluto. Conforme refletimos na distinção entre liberdade negativa e positiva, na alegoria do montanhês, de Hayek.

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substantivamente determinados, e internalismo em relação à conexão entre razões epistêmicas (razões para crer na validade de determinados enunciados morais) e razões para agir, ou motivos (O’NEILL, 2003, p. 347-349 apud BRAGA, 2013, p. 2).

Na proposta teorética de Rawls, o equilíbrio reflexivo opera no indivíduo a partir de convicções iniciais do sujeito, não como última instância intransponível, mas como ponto de partida do exercício reflexivo racional, sendo a justiça um ideal a ser definido paulatinamente, num processo de descoberta da razão pura, não para o convencimento dos sujeitos empíricos quanto aos princípios que regem as reflexões, mas como um aprimoramento do processo de descoberta do que a razão pura exige de nós. Portanto, busca-se a sensibilização e não o convencimento dos sujeitos, sendo o equilíbrio reflexivo sempre aprimorável individualmente, o que se distancia da concepção habermasiana da teoria da ação comunicativa, pois para Rawls o equilíbrio reflexivo “amplo”, no domínio da consciência individual, antecede o equilíbrio reflexivo “geral”, que alcança o domínio dos sujeitos concretos. Embora Rawls esteja interessado no equilíbrio reflexivo geral, que viabiliza o caráter compartilhado de concepções de justiça, este ressalta a primazia do caráter reflexivo amplo, o que reforça sua opção pelo cognitivismo forte, e que o compartilhamento de concepções de justiça não constitui um fundamento além da própria discussão, mas constituem um âmbito propício para um trabalho reflexivo de superação em função de um ideal universal de razoabilidade plena (Idem, p. 31). É nesta tensão entre o caráter reflexivo amplo e geral que o conceito de consenso sobreposto reage, segundo Braga (Idem). É plausível afirmar que tal conceito designa um caso especial de equilíbrio reflexivo geral – trata-se do equilíbrio no qual coletivamente se endossa a modelagem da deliberação justa como deliberação entre sujeitos perfeitamente razoáveis, típica do último Rawls. Ora, se o consenso sobreposto deve ser interpretado como um caso de equilíbrio reflexivo geral, a interpretação da tensão acima defendida implica que tal conceito deve ser entendido como um consenso logicamente subordinado à dinâmica reflexiva da consciência individual e à perfectibilidade contínua envolvida nesta dinâmica; subordinado, portanto, ao ideal de um encontro da racionalidade empiricamente condicionada com as exigências da razoabilidade plena. O consenso sobreposto não é um consenso concreto entre sujeitos empiricamente dados, baseado numa coincidência feliz (mas contingente) das convicções historicamente da- das numa cultura específica (Idem, p. 32)

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A teoria da justiça como equidade de John Rawls vem servindo de ponte para uma abordagem naturalista que propicia argumentos em favor da existência de nossa natureza humana que explicariam a existência de sentimentos essenciais de justiça, a partir da ideia de equilíbrio reflexivo consenso sobreposto, como rotas de fundamentação da Posição Original, como forma de negar qualquer interpretação coerentista ou relativista, cabendo a Rawls demonstrar que sua teórica é compatível com a pretensão de validade universal própria do cognitivismo forte. . O construtivismo kantiano, que propõe que a intersubjetividade se enquadre na racionalidade prática, o ponto de distinção entre Rawls e Habermas é a concepção distinta da relação entre a consciência individual e o contexto intersubjetivo em que a racionalidade prática é exercida, destacando o papel da teoria moral neste processo. Para Rawls, a razão prática pura opera a partir do discurso prático que não necessariamente ocorre em processos reais e concretos de discussão, embora a reflexão do sujeito razoável prescinda a abertura e experiência a demandas, interesses e pontos de vista de outros, esta reflexão não está condicionada a participação real em discussões concretas, como ocorre na fundamentação da forma discursiva de justificação da teoria habermasiana. Para concluir, nos serviremos das palavras de Antônio Saturnino Braga: No construtivismo habermasiano a racionalidade prática é situada no plano das interações comunicativas que desde sempre enquadram e enformam os sujeitos concretos. O procedimento ideal equivale nesse caso à realização plena de exigências fortes em certo sentido presentes em tais interações comunicativas – no sentido, a saber, de condições ideais que os participantes em alguma medida reconhecem, e que por isso são faticamente influentes. No construtivismo rawlsiano, em contrapartida, a racionalidade prática é situada no plano dos sujeitos individuais que empreendem hipoteticamente o procedimento intersubjetivo de construção dos princípios de justiça (Idem, 23).

Portanto, nas palavras de Braga, a diferença entre o “construtivismo reconstrutivista” de Habermas e “construtivismo revisionista” de Rawls é o objetivo assumido por cada interpretação do construtivismo kantiano, vejamos: Na tradição habermasiana o teórico moral assume uma função meramente reconstrutiva: trata-se apenas de reconstruir exigências fortes presentes e em certa medida reconhecidas nos processos comunicativos e discursivos que prefiguram o procedimento intersubjetivo plenamente racional. Na tradição rawlsiana, em contrapartida, o teórico moral assume duas funções em certo sentido construtivas. Sua “construção” equivale à colocação de duas propostas para os sujeitos concretos. Em primeiro lugar, ele propõe aos sujeitos um modelo ideal de exercício da racionalidade prática. Em segundo lugar, uma vez que a plausibilidade deste modelo para os sujeitos concretos depende dos princípios de

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justiça que seriam construídos pelos sujeitos ideais que o empreendem, cabe ao teórico moral apresentar aos sujeitos concretos uma hipótese a respeito de quais princípios seriam acordados por estes sujeitos ideais (Idem).

A partir da teoria moral rawlsiana, em que seu construtivismo propõe aos sujeitos concretos um modelo ideal de exercício da racionalidade prática, sendo a plausibilidade deste modelo condicionada aos princípios de justiça criados por sujeitos ideais a serem apresentados pelo teórico moral aos sujeitos concretos como hipótese a respeito dos princípios a serem acordados por sujeitos ideais, Rawls propõe que o conhecimento moral humano é universal, nesse sentido sugere que esta universalidade é análoga aos conceitos e modelos empregados no estudo da linguagem como uma competência natural e inata. A filosofia da linguagem percorreu um longo caminho desde o início do século XX, até a filosofia da mente e a filosofia experimental de tradição analítica. Mas foi a partir da metade do século XX que autores como Wittgenstein (WITTGENSTEIN, 1999), com superando sua elaboração teórica de matizes positivistas em Tratactus LogicusPhilosophicus na obra Investigação Filosófica, que contribuí como alternativa à tradição pós-positivistas tanto para os racionalistas quanto para os empiristas. Concebendo o significado das palavras a partir de seu uso nos jogos de linguagem89, Wittgenstein contribui para a obra de Austin (AUSTIN, 1990), que buscou descrever a partir de categorias analíticas os atos de linguagem como locuções constatativas e locuções preformativas que traduzam a relação entre as palavras e as ações. Nesta mesma tradição, John Searle (SEARLE, 1984), quem bem definiu de maneira genérica que a filosofia da linguagem busca compreender os atos de linguagem quando faço barulhos com minha boca, estou tipicamente fazendo uma declaração, uma pergunta, um pedido ou uma promessa, ou estou ainda desempenhando um outro tipo de ato de fala e como este se relaciona com a realidade (SEARLE, 2007). Mas foi Chomsky que, segundo Searle (1972), revolucionou o estudo da linguagem com a publicação de Estruturas Sintáticas (1956), pois

89

Para Wittgenstein não é de uma definição do conceito de esfera física que precisamos; em vez dele, devemos descrever um jogo de linguagem relacionado com o nosso ou, antes, toda uma série de jogos de linguagem relacionados, e será nestes que tais definições poderão ocorrer. Tal contraste destrói os preconceitos gramaticais e torna possível para nós perceber o uso de uma palavra como realmente é, em vez de inventar o uso para a palavra (WITTGENSTEIN, 2003, p. 163).

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ao mesmo tempo que é um grande ataque contra a concepção do homem implícito nas ciências behavioristas, o ataque é feito de dentro da própria tradição de rigor científico e precisão que as ciências comportamentais têm buscado aspirar. Seu ataque a visão de que a psicologia humana pode ser descrita, correlacionando o estímulo e a resposta não é um argumento a priori conceitual, muito menos é o grito de um humanista angustiado ressentido por ter sido tratado como uma máquina ou um animal. Pelo contrário, é uma reivindicação que uma análise realmente rigorosa da linguagem vai mostrar que tais métodos quando aplicados a linguagem não produzem nada mais que falsos capuzes ou trivialidades, que os seus praticantes simplesmente imitavam "as características da superfície da ciência" sem ter no seu "conteúdo intelectual significativo”. (SEARLE, 1972, p. 1)90

Chomsky propõe um modelo de pesquisa e estudo da linguagem, não como um catálogo de palavras e comportamentos, mas como um estatuto da natureza humana, um intercâmbio entre sintaxe e a mente, natureza e a cultura. Conforme Searle observa, da publicação de estruturas sintáticas de Chomsky muitos, provavelmente a maioria dos linguistas americanos consideraram o objetivo de sua disciplina como sendo a classificação dos elementos de linguagens humanas. Linguística era para ser uma espécie de botânica verbal. Como Hockett escreveu em 1942, "Linguística é uma ciência classificatória" (Idem). A teoria da Gramática Gerativa foi assim denominada porque Chomsky evidenciou que um número limitado de fonemas e morfonemas permite um número ilimitado de sentenças, inclusive sendo possível criar novas sentenças como fatos sintáticos, realidade que a explicação estruturalista não alcançava, por isso descrever uma linguagem natural uma teoria dedutiva formal, que deverá conter um conjunto de regras gramaticais que poderia gerar o conjunto infinito de sentenças da linguagem, não geraria qualquer coisa que não era uma sentença, e daria uma descrição da gramatical estrutura de cada sentença (...) sendo seu objetivo de construir um dispositivo que geraria todas as frases de um idioma (Idem, p. 3).

Segundo Searle, para Chomsky a linguagem é definida pela estrutura sintática (não através da utilização da estrutura em comunicação) e a estrutura sintática é determinada pelas propriedades intrínsecas da mente humana (não por necessidades da comunicação) (Idem, p. 5). O autor ainda observa que, conforme Chomsky argumenta, se não houvesse a estrutura profunda, a linguística como um estudo seria muito menos interessante, porque

90

Tradução livre do autor.

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não se poderia então argumentar a partir de sintaxe a estrutura da mente humana, que para Chomsky é o principal interesse da linguística (Idem, p. 6). A teoria da gramática gerativa de Chomsky contraria o dualismo cartesiano, na medida em que evidencia que não é o pensamento que é inato e anterior a experiência, mas é a capacidade linguística sintática desenvolvida em nossa evolução neurobiológica que nos permite desenvolver a linguagem enquanto indivíduos. Por outro lado, esta teoria também refuta a teoria empirista que concebe a mente como uma tabula rasa e a linguagem simplesmente como uma aquisição cultural no processo de comunicação, sendo os significados o resultado de um consenso. Para Chomsky nossa capacidade linguística é inata, sendo a cultura, os idiomas e todo conhecimento adquirido expressão dessa capacidade inata. Assim, concebemos como modelo de pesquisa, a conjugação de observações e análise em terceira pessoa (res extensa), para identificarmos a base material e a dinâmica que o objeto interage com o mundo, partir dos dados, descrição de casos concretos, observação sistemática e, em primeira pessoa (res cogitans), a partir de experimentações, experiências, depoimentos, que nos permite vivenciar dilemas comuns, dentro do contexto descrito. Ao problematizar a dicotomia entre empirismo, em que o conhecimento é produzido através da observação rigorosa do comportamento real do homem e o racionalismo em que o conhecimento é produzido com investigações que revelam leis ocultas, mistérios que se apresentam de forma distorcida quando observamos um comportamento, Chomsky aproxima o estudo da linguagem e do comportamento da biologia e da psicologia. Não é objetivo de este estudo desenvolver questões com a densidade teórica e filosófica merecida, tarefa que pretendo desenvolver na próxima etapa de pós-graduação, tendo em vista demandar estudos mais aprofundados, com vínculos mais diretos com as ciências básicas e a filosofia que nos remeterá a problemas mais complexos. Entretanto, buscamos desenhar o percurso teórico e metodológico em que o trabalho será desenvolvido e fundamentar um modelo de pesquisa que permita transitar entre teorias, técnicas e práticas no campo jurídico, buscando critérios de analíticos e

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explicativos de base empírica, que contemplem o diálogo com pesquisas interdisciplinares em torno de temas conexos e problematizações interdependentes, voltado para o tema acesso à justiça e crítica às instituições político-jurídicas. Segundo Searle, a linguagem é um poderoso instrumento em que sons, movimentos, símbolos emitidos por indivíduos e grupos tem o poder de provocar reações, pensamentos e respostas em outros indivíduos e grupos. Compreender a interação entre indivíduos nos permite saber como estes constituem regras de comportamento, como estas regras se sobrepõem a vontades individuais e possibilitam tanto a cooperação, quanto a competição em proveito de nossa evolução adaptativa natural e sociocultural. No contexto social, temos uma intrigante teoria apresentada em www.ted.com pelo biólogo evolucionista Mark Pagel (PAGEL, 2011)

91

, sugerindo que a linguagem é uma

peça da “tecnologia social” que permitiu aos seres humanos a desenvolver a cooperação como uma importante ferramenta socioadaptativa. A linguagem uma ferramenta que permite que implantemos um pensamento de nossa mente diretamente na mente de outro indivíduo ou grupo e vice e versa e assim como você utiliza o controle remoto para fazer ajustes internos na televisão conforme sua vontade, você utiliza a linguagem para alterar o cérebro de outra pessoa conforme seu interesse. O autor propõe que imaginemos o senso de maravilha de um bebê quando descobre pela primeira vez, que só proferindo um som, ele pode conseguir que objetos se movam pelo quarto como por mágica, e talvez mesmo até sua boca (Idem, p. 2). Observa o autor que o poder da linguagem pode ser reconhecido através da censura de livros que não podemos ler e frases que não podemos falar, palavras podem levar a penas, prisões e até à morte. Como base comparativa, Pagel menciona o fato dos chimpanzés não desenvolvem ferramentas, comércio entre outras habilidades e sugere que a resposta está na ausência de uma competência distinta de nossa espécie que psicólogos e antropólogos chamam de aprendizado social, eles não têm a capacidade de aprender com os outros copiando, 91

Ver: http://www.ted.com/talks/mark_pagel_how_language_transformed_humanity?language=pt-br, acessado em 14.07.2014.

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imitando ou simplesmente observado, não aprendendo com a ideia dos outros e com o erro dos outros, o que põe em cheque a frase “macaco de imitação”, pois esta habilidade é característica de nossa espécie, que alguns primatas superiores fazem com dificuldade. Segundo o autor, em nosso processo evolutivo, dois caminhos eram possíveis, o primeiro era nos socializarmos em pequenos grupos para que todo o conhecimento desenvolvido não seja compartilhado com outros grupos, limitando a possibilidade de desenvolvimento de conhecimento e de aprendizado social, assim como outras capacidades biológicas e cognitivas, aos pequenos grupos, o que, segundo o autor, limitaria a variedade de conhecimento e possibilidade de aprendizado compartilhado, limitando também nossa capacidade de adaptação e evolução e talvez continuaríamos vivendo em florestas. Por outro lado, a expansão da socialização entre indivíduos e grupos permitiu o desenvolvimento de competências linguística, tendo em vista a necessidade de estabelecermos regras de conduta anteriores aos atos, possibilitando a cooperação anterior à agressão e a troca ao invés do roubo de ideias, ferramentas e produtos. Pois com nossa capacidade de observação e aprendizado social, bastava que observássemos o outro para antecipar suas atitudes para nos beneficiarmos delas, seja roubando ideias, ferramentas ou produtos. Contudo, nossa elasticidade adaptativa e nossa evolução neurobiológica permitiu a criação de idiomas, culturas e costumes que são a expressão de nossa de nossas capacidades e possibilitam que nós ainda preservemos o conhecimento e outros capitais sociais entre pequenos grupos, inclusive podemos a partir de características comuns e limitadas expressar essa capacidade de maneira ilimitada e criativa. Uma evidência interessante apontada pelo autor é que observamos maior variedade de culturas, idiomas, costumes em territórios em que as sociedades se desenvolveram em proximidade com outra. Por outro lado, em sociedades que se desenvolveram afastadas isolada, os idiomas, a cultura e os costumes se desenvolveram de maneira mais homogênea. Esta observação evidencia a importância de termos desenvolvido a linguagem como uma tecnologia social para compartilharmos o conhecimento ao invés nos fecharmos em grupos afastados, pois é no contato com os outros que nossa criatividade se desenvolve e

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isso somente seria possível com o desenvolvimento da linguagem, que permitiu a troca de conhecimento entre indivíduos e grupos que desenvolveram habilidades diferentes, sendo cooperação um fator importante para nossa evolução enquanto espécie. Como instâncias normativas, as instituições públicas do Estado moderno vêm sendo forjadas por um longo movimento que se funda na natureza e no homem como fonte de conhecimento baseado na ciência e na racionalidade contra a sociedade feudal que se funda na vontade divina como fonte do conhecimento da natureza e do homem, conhecimento monopolizado por autoridade delegada aos representantes e interpretes autorizados de Deus, definidos pela loteria natural e social do nascimento e da hereditariedade. Portanto, a modernidade tem como característica a secularização da Natureza e do Homem como criação divina, sendo a observação dos elementos, das dinâmicas, as explicações e as justificativas racionais destes não mais associados à autoridade ou vontade divina, uma declaração para ser aceita deve cumprir critérios científicos e racionais, revisáveis, testáveis, independentemente da autoridade de quem os profira. Esse processo de ruptura com a autoridade fundada na crença e na tradição e, sob o signo da liberdade individual, ampara uma organização social baseada na autonomia da vontade e na voluntariedade de cidadãos livres que contraem obrigações sociais e políticas, em que o Estado, através da burocracia especializada, regida pela impessoalidade, racionalidade, objetividade se torna guardião e juiz universal dos direitos naturais do indivíduo e civis do contrato social (ROUSSEAU, 1712, 1995, 2001; WEBER, 1991, 1999). Em Kant, a moralidade anterior à experiência e aos sentimentos, propicia sua instrumentalização através das instituições, leis e juízos universais. Este empreendimento traduz o esforço de passagem da modernidade que é o de secularização de valores antes monopolizados pela tradição e pela igreja católica para constituírem premissas sobre as quais o Estado moderno é concebido (KELSEN, 1946, 1999, 2005; KANT, 1980, 1986; WEBER, 1985, 1991). No âmbito do direito moderno, Hans Kelsen (1881-1973) merece destaque ao problematizar a relação entre a ciência jurídica e a política como ponto de impulso para justificar sua Teoria Pura do Direito, com bases científicas num ideal uma ciência objetiva do Direito e do Estado.

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No primeiro prefácio da obra Teoria Pura do Direito (1936), pode-se extrair os dilemas enfrentados pelo autor no contexto pós-primeira guerra mundial e da crise de 1929, em que as ciências sociais e a jurisprudência não conseguiam dar uma resposta efetiva, sucumbindo à ideologia e ao interesse dos poderosos (KELSEN, 2005, p. XIII). Kelsen observa que ciência natural, adquiriu certa independência da política porque havia o interesse social no progresso com o desenvolvimento de técnicas que produziram vantagens indiscutíveis como a construção de máquinas e terapêutica médica. Este resultado, contudo, ainda não foi alcançado pelas ciências sociais, o que justifica uma Teoria Pura do Direito, com o verdadeiro status científico, com uma ordem normativa e institucional que não se submeta a política e a ideologias (Idem). No segundo prefácio da obra Teoria Pura do Direito (1960), Kelsen observa os efeitos do tempo e da multiplicidade de ordenamentos jurídicos positivos que sua validade estava submetida, aponta necessidades de revisão, tendo em vista as convulsões sociais após a segunda guerra. O ponto fundamental da segunda edição é debater o problema da Justiça enquanto problema valorativo, defendendo que esta questão deveria ser tratada fora da Teoria Pura do Direito, pois sua teoria tinha como objetivo criar critérios formais que demarcavam a distinção das normas jurídicas positivas de outros tipos de normas, como a religiosa, moral, costumes, assim como as normas do Direito Natural, criando critérios que permitiam identificar o campo temático da Ciência Jurídica em que as normas são válidas no sentido estrito, sendo válida quando pertence a um ordenamento jurídico que é válido porque é eficaz, ao criar obrigações que são geralmente cumpridas. Kelsen ousou formular sua Teoria Pura do Direito no tempo em que a fonte do direito era o dogma da lei como iluminação divina, elevando o Juiz a um ser imaculado, que revelavam o verdadeiro sentido da lei, de maneira neutra. A partir de sua razão pura, sem influência de suas crenças, convicções, sendo as leis universais e eternas, em um desencadeamento indistinto de juízos morais, jurídicos e políticos, não havendo diferenciação entre descrição e prescrição, entre opiniões, decisões e leis. A Teoria Pura de Kelsen foi mal recebida pelos dogmáticos e jusnaturalistas, dentre os protestos, argumentavam que Kelsen pretendia separar o Direito da Moral, como se Kelsen pretende-se reduzir o direito a uma formula normativa desvinculando-o de seu conteúdo moral. Ao contrário, o objeto de Kelsen era teórico, no sentido de formular uma 263

Ciência Jurídica no sentido estrito, normativo, sem abranger o significado de Direito, mas apenas as condições de validade das normas positivas. Kelsen desenvolveu, portanto, uma teoria do ponto de vista estritamente normativo, sem buscar a relação de causalidade com a prática jurídica. Sendo assim, a preocupação de Kelsen não é em constituir uma teoria do Direito puro, mas uma teoria pura do direito, sendo a pureza associada à forma e não conteúdo do direito, interessandose em identificar as condições de reconhecimento da norma jurídica, calcada no seu poder de imputar obrigações e estas serem atendidas. Contudo, o problema do hiato entre direito positivo e justiça avança com maior ênfase a partir da segunda metade do século XX. Podemos verificar teorias que sustentam revisões nos mais variados graus e rupturas, o problema da subsunção do caso concreto à lei abala a legitimidade do Estado moderno. O desenvolvimento da hermenêutica jurídica, teorias da decisão e os métodos alternativos de resolução de conflitos, justificam a necessidade de reforma das instituições como forma de revigorar a legitimidade das instituições, construindo pontes de ampliação de acesso à justiça, através das instituições político-jurídicas. A crítica ao empreendimento de Kelsen, assim como aos iluministas e a Kant e seus seguidores, quando não leva em conta a contextualização dos problemas enfrentados no contexto social e político de seu tempo, nada produzem análises proveitosas. Por outro lado, negar os problemas que se desdobraram perante o limite de alcance material e temporal destas teorias é cercear a capacidade de revisão e atualização do conhecimento, enquanto forma de explicar o mundo. Diante desta problemática o filosofo Ernst Tugendhat aponta um caminho a partir da filosofia analítica que contempla o que ele denomina sentimentos morais para desenvolver sua teoria moral como alternativa à teoria moral kantiana que constituiu uma tradição deontológica e prescritiva que ainda dominam as teorias do Direito e da Justiça na sociedade contemporânea, que pode ser denominada racionalidade estéril. Ao incluir a emoção dentro de sua teoria moral, Tugendhat se aproxima das críticas de Schopenhauer outro filosofo alemão que não se alinhou a teoria moral kantiana. Contudo, Tugendhat preocupa-se em delimitar seu campo de aproximação demonstrando elementos que distanciam sua proposta teórica do pensamento niilista que tem seu auge na

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tradição que busca fundamento no pensamento de Nietzsche acerca do conceito de verdade e vontade de poder e que acaba por ir de encontro ao pensamento de Schopenhauer. Tugendhat segue a trilha de Schopenhauer ao critica Kant por negligenciar a importância dos sentimentos e das emoções na constituição da moralidade. A alternativa de reduzir os sentimentos e emoções a vícios levou a Kant fundamentar sua teoria moral a partir da razão pura prática, concebendo no imperativo categórico princípios absolutos do ter de fundados na razão, em outras palavras, a força coercitiva da moral não é baseada nem em concepções de felicidade (razão pura), nem em motivações finalísticas consequencialistas, razão prática. Kant contribui para pensamento iluminista, tanto resolver epistemologicamente a questão da dicotomia racionalismo/empirismo, ambas em seus estágios incipientes, contagiadas de ideologias que tentavam suprir a ausência das certezas da dogmática e da religião. Mas é na teoria da moral que nos interessa sua contribuição, por isso nos ateremos à obra Fundamentação Metafísica dos Costumes (KANT, 1986), pois Kant desenvolve sua teoria como alternativa ao contratualismo utilitarista, desvinculando os julgamentos morais e legais de resultados práticos em prol da maioria, isto é, de uma teoria moral consequencialista evitando os abusos de arbítrios populistas e por outro lado, faz frente a teorias dogmáticas assentadas na vontade divina. Nessa tarefa, Kant combate em primeira ordem às teorias empiristas e relativistas, pois ambas estão subordinadas a experiência e ao subjetivismo da psicologia, defendendo o construtivismo baseado na razão pura prática, cujos princípios são universais, superiores e anteriores a qualquer consequência externa, baseadas no interesse pelo resultado ou razão interna, baseadas em intuições, sentimentos, emoções. Uma vontade perfeitamente boa estaria, portanto, igualmente submetida a leis objectivas (do bem), mas não se poderia representar como obrigada a acções conformes a lei, pois que pela sua constituição subjectiva ela só pode ser determinada pela representação do bem. Por isso os imperativos não valem para a vontade divina nem, em geral, para uma vontade santa; o dever (Sollen) não está aqui no seu lugar, porque o querer coincide já por si necessariamente com a lei. Por isso os imperativos são apenas fórmulas para exprimir a relação entre leis objectivas do querer em geral e a imperfeição subjectiva deste ou daquele ser racional, da vontade humana, por exemplo (KANT, 1986, p. 49).

A partir desta definição Kant divide os imperativos em hipotéticos, aqueles cuja ação é motivada para se alcançar o resultado (para pegar o têm das 11h00min horas tenho 265

que estar dentro do trem até as 11h00min) e imperativos categóricos, em que a ação se justifica por si própria, anterior a qualquer hipótese. Em suma, no primeiro caso Kant classifica como boa a ação atingir o resultado, no segundo a ação por si só e suficientemente boa, por conseguinte como necessária numa vontade em si conforme a razão como princípio dessa vontade. No caso do imperativo hipotético ação é classificada como boa em virtude do resultado ser possível ou real. Quando o resultado é possível, tem-se um princípio problemático, quando é real tem-se um princípio assertórico-prático. Para Kant, o imperativo categórico que declara a acção como objectivamente necessária por si, independentemente de qualquer intenção, quer dizer sem qualquer outra finalidade, vale como princípio apodíctico (prático) (Idem). Condicionando a felicidade como finalidade universal da ação, Kant distingue três princípios que conduzem a ação para um resultado (imperativo hipotético possível), para o que é bom para a felicidade individual (imperativo hipotético assertórico) e aquele superior ao resultado e anterior à felicidade, que é imperativo categórico ou imperativo moral. Kant marca a diferença entre os três princípios para explicitar a diferença da força vinculante

ou

obrigatória

imposta

à

vontade,

sobrepondo

o

imperativo

categório/moral/legal aos outros: Para tornar bem marcada esta diferença, creio que o mais conveniente seria denominar estes princípios por sua ordem, dizendo: ou são regras da destreza, ou conselhos da prudência, ou mandamentos (leis) da moralidade. Pois só a lei traz consigo o conceito de uma necessidade incondicionada, objectiva e consequentemente de validade geral, e mandamentos são // leis a que tem de se obedecer, quer dizer que se tem de seguir mesmo contra a inclinação (..). Os primeiros imperativos poderiam ainda chamar-se técnicos (pertencentes à arte), os segundos pragmáticos (*) (pertencentes ao bem-estar), os terceiros morais (pertencentes à livre conduta em geral, isto é aos costumes) (KANT, 1986, p. 53)

Para fundamentar a superioridade e anterioridade do imperativo categórico sobre o hipotético ou assertórico, baseado em princípios de vontade, Kant recorre à máxima Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal (Idem, p. 59). Nesse sentido, Kant ainda complementa: Uma vez que a universalidade da lei, segundo a qual certos efeitos se produzem, constitui aquilo a que se chama propriamente natureza no sentido mais lato da palavra (quanto à forma), quer dizer a realidade das coisas, enquanto é determinada por leis universais, o imperativo universal do dever poderia também exprimir-se assim: Age como se a máxima da tua acção se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza (Idem).

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A partir destas premissas, Kant prossegue enumerando exemplos que buscam evidenciar a eficácia de submetermos os juízos individuais aos juízos universais da natureza, sendo o imperativo categórico baseado em princípios que não se submetem a hipóteses e, portanto, qualquer tentativa de querer derivá-lo do que é empírico, sendo o dever-ser uma necessidade prática-condicionada da ação tem de valer, portanto para todos os seres racionais (os únicos aos quais se pode aplicar sempre um imperativo), e só por isso pode ser lei também para toda a vontade humana (Idem, p. 64). O argumento de Kant se encaminha no sentido de que o homem, enquanto ser racional deve ser um fim em si mesmo, não somente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade, sendo a natureza racional um fim em si mesma, pois esta não se submete a subjetividade da vontade, o que o autor classifica como imperativo prático: Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca // simplesmente como meio, estabelecendo uma série de deveres contingentes (Idem, p. 69). Para resolver a questão da origem do imperativo categórico/moral, Kant recorre ao conceito de autonomia da vontade, propondo que todo o homem deve ocupar a posição de legislador universal e as leis devem ser baseadas nesse homem, que ao se deparar com ela fará identificará seu imperativo categórico anterior de qualquer hipótese ou vontade. Esta legislação tem de poder encontrar-se em cada ser // racional mesmo e brotar da sua vontade, cujo princípio é: nunca praticar uma acção senão em acordo com uma máxima que se saiba poder ser uma lei universal, quer dizer só de tal maneira que a vontade pela sua máxima se possa considerar a si mesma ao mesmo tempo como legisladora universal (Idem, p. 76)

É nesta altura que o cognitivismo forte de Kant, que coloca a concepção da natureza humana, fundada na autonomia da vontade, como legislador universal - incluo aqui a posição de julgador universal oriunda da mesma concepção, torna inevitável a aproximação com a crítica de Ernst Tugendhat, pois é para Kant o ser humano racional emancipado é aquele que opta por fazer escolhas racionais, anteriores a experiência e a emoção. Neste trabalho, críticas como a Tugendhat tem a finalidade de fundamentar nossa objeção acerca forma com que as leis e políticas públicas são formuladas, negligenciando as condições neurobiológicas, cognitivas e sociais para o processamento dos conflitos.

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O cognitivismo forte kantiano aposta na ideia internalista de um espírito (racional) que controla os vícios do corpo (sentidos, emoções), que ao ser naturalizado transformou a ideia do livre-arbítrio que justificava a punição retributivista de Deus para a autonomia da vontade que justifica punição retributivista do Estado, como forma de penalizar o indivíduo para que este retribua através de sua pena o infortúnio que este deliberou racionalmente causar ao outro, à coletividade e ao Estado. Tugendhat sustenta sua teoria dos sentimentos morais apoiando-se filosofia analítica desde Wittgenstein92, mas traçando seu próprio caminho ao se dedicar a revisar e apontar as inconsistências na teoria moral kantiana, aproximando-se da crítica de Iris Murdoch, que evidencia que a teoria moral kantiana assim como seus desdobramentos, como certamente ocorreu com o existencialismo, criou uma atmosfera inabitável ao ser

92

Conforme ressalta Ronai Pires, conscientes da negativa enfática de Tugendhat quanto a sua teoria moral incorporar o espírito especificamente wittgensteiniano (Idem, p. 1), no que se refere a sua aproximação com a etnologia podemos especular alguma identidade metodológica entre Tugendhat e Wittgenstein, traçando algumas conexões de sua abordagem acerca da moral com o pensamento de Iris Murdoch, ambos (Tugendhat e Murdoch) inegavelmente enveredaram-se pela filosofia analítica para formular sua crítica à moral kantiana no sentido de caracteriza-la como estéril perante a natureza humana, negligenciando as motivações e afetos como condições de reflexão sobre a ética, no sentido de abordar a realidade dos seres humanos a partir de suas práticas, costumes, crenças. Para incluir Murdoch no raciocínio, Pires cita algumas passagens de Iris Murdoch que caracteriza a conexão de pensamentos que tem como um dos pontos de tensão mais explícitos a aproximação da atividade da filosofia analítica dedicada a moral à atividade de um etnólogo/antropólogo: Para ela, nossas reflexões em filosofia moral devem buscar a mais realista caracterização e consideração dos atributos humanos. Isso implica, por certo, uma investigação aparentemente empírica. Veja esse trecho: “A natureza humana, diferentemente das naturezas de outros seres espirituais hipotéticos, tem certos atributos passíveis de serem descobertos, e esses deveriam ser adequadamente considerados em qualquer discussão da moralidade.” Se nos perguntamos sobre como isso pode ser feito em filosofia, o que temos é apenas a resposta anteriormente mencionada: “apelar para certas áreas da experiência, apontar para certas características”. Ou ainda, assumir “certas suposições fundamentais”, como ela escreve em outro parágrafo .. Pires arremata seu argumento incorporando a observação de Wittgenstein que delimita a distinção entre da atividade de um filosofo e etnólogo: Se olhamos para as coisas de um ponto de vista etnológico (ethnologische Betrachtungsweise), isso quer dizer que consideramos que a filosofia é etnologia? Não, apenas significa que estamos adotando uma posição totalmente exterior, de modo a sermos capazes de ver as coisas com maior objetividade.”. Na mesma linha, o autor transcreve a sugestão de Tugendhart sob o seu proceder analítico nos permite a correlação de pensamentos: “Eu parto da maneira como a palavra [moral] é entendida pela etnologia” e a natureza metodológica que Wittgenstein apresenta em diversos momentos das Investigações Filosóficas. Tal reflexão é introduzida por uma pequena observação constante do parágrafo 25: “Comandar, perguntar, contar, tagarelar, pertencem à história de nossa natureza assim como andar, comer, beber, jogar.” Essa é a primeira de um conjunto de quatro observações, nas Investigações Filosóficas, que giram em torno do tema da “história de nossa natureza, combinando também com o paragrafo 143 de Investigações Filosóficas: “O que devemos dizer para explicar a significação, isto é, a importância de um conceito, são freqüentemente fatos naturais extraordinariamente gerais. Tais fatos não são quase nunca mencionados devido a sua grande generalidade.” e o parágrafo 415: “O que fornecemos são propriamente anotações sobre a história natural do homem; não são curiosidades, mas sim constatações das quais ninguém duvidou, e que apenas deixam de ser notadas, porque estão continuamente perante nossos olhos (WITTGENSTEIN aput PIRES, 1993, pp. 2–5)”

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humano de carne e osso ao extirpar os sentimentos e as emoções da filosofia e sobrevalorizar a ideia de autonomia da vontade e do individualismo (PIRES, 1993). Nessa esteia, Tugendhat desenvolve sua teoria dos sentimentos morais apostando na possibilidade de sustentar que nascemos com determinados instintos morais, em um marco em que a educação intervém para graduar os parâmetros e guiar-nos até a aquisição de sistemas morais e jurídicos particulares. Há algo, pois, no cérebro humano que nos permite adquirir um sistema de valores e princípios ético-jurídicos e que permite sustentar a existência de universais morais em um sentido forte do termo (TUGENDHAT, 1979; HAUSER 2008 apud FERNANDEZ E FERNANDEZ, 2011, p. 6).

Para subsidiar sua proposta teórica acerca da importância de se considerar os sentimentos morais no estudo da ética, retornando ao conceito de “bem” que para o autor é por onde se ergue os sentimentos morais, lembrando que já para Aristóteles o afeto não era apenas um sentimento, mas referia-se per definitionem a um conteúdo proposicional, no qual, no caso dos afetos não-morais, aparece a expressão ―bom para e, no dos morais, a expressão ―bom (TUGENDHAT, 2002, p. 24). Ao erguer sua teoria dos sentimentos morais correlacionando-a ao sentido de bom, a ação passa a ser julgada no binômio bom/ruim que não mais está referenciada à expressão “bom para mim” quando algum ato causa indignação este se motiva pelo fato de que tal ação é simplesmente ruim, para esclarecer melhor esta ideia, o autor recorre à exposição de Peter Frederick Strawson em Freedom and Ressentiment (1962) argumentando que faz sentido falar de um sentimento análogo que alguém possui quando julga como moralmente ruim a ação de outro que o afeta (Idem, p.133). Assim como, o sentimento de culpa (é) aquele sentimento que alguém possui frente uma ação sua, quando ela é tal que, se outro a praticasse, frente a ela, o indivíduo sentiria ressentimento ou indignação (Idem), aderindo à tríade strawsoniana “indignaçãoressentimento-sentimento de culpa” Tugendhat ressalta presença da palavra “ruim” no juízo sobre o qual se erguem o julgamento, concluindo o autor pela necessidade de um conceito de bem (Idem). A partir de Strawson, Tugendhat analisa a normatividade da ética, supondo que necessidade de aprovação pela comunidade a qual as palavras bem/bom, justas, devidas corretas assim como seus contrários, adotando a tríade strawsoniana como indignaçãocensura-vergonha. Arruda e Gonçalves explicam melhor a ideia de Tungedhat: 269

Empregadas em uma acepção moral, doravante examinada, essas palavras expressam o que é considerado como devido, como desejável, como cooperativo, como elogiável, enfim, como algo considerado bom para a sociedade. A ética, nesse sentido, é subjetiva enquanto trata de certos sentimentos, mas rapidamente torna-se objetiva se nos dermos conta de que esses sentimentos são comuns, compartilhados e circulantes em uma rede social de mutualidades (JÚNIOR; GONÇALVES, 2002, pp. 58–59).

Outra questão que Tugendhat enfrenta em Diálogos em Letícia diz respeito às motivações que vinculação dos indivíduos a uma comunidade moral, tendo em vista que ao se vincular a uma comunidade moral, o indivíduo deve se sujeitar às sanções positivas e negativas do grupo, sendo crucial que este conceba a importância do apreço, primeiro individualmente ao preocupar-se em ser digno de apreço para depois buscando o apreço do grupo. Do mesmo modo, ao internalizar a necessidade de ser digno de apreço o indivíduo também internaliza a censura, não mais a atrelando ao fato de ser censurado, mas ao sentimento de que tal conduta é censurável. A indignação, segundo Tugendhat corresponde ao sentimento de culpa; ao menosprezo e à vergonha, a preocupação com o menosprezo passa a ser anterior à preocupação com apreço, sendo que a possível indignação dos outros que estão aptos a julgar afeta o indivíduo, na medida em que não se sentir menosprezado se torna mais importante do que os outros interesses, tendo em vista que se busca fazer parte do grupo. Ocorre que fazer parte de uma comunidade moral, na maioria dos casos, não é uma escolha, mas uma contingência do nascimento social, inclusive ao estender a questão à subordinação à lei estatal, o nascimento se torna um fator arbitrário, uma questão mais cristalizada com o surgimento do Estado-nação. Contudo Tugendhat sugere que uma resposta a este problema é a necessidade de justificação de uma norma, advertindo que uma norma não justificada não é uma norma moral, mas uma norma de poder. Por outro lado, a justificativa não deve ser dirigida aos indivíduos de maneira particular, mas deve ser feita a todos os indivíduos, considerando a igualdade como uma regra que para ser relativizada deve ser justificada em favor do interesse coletivo acima da posição do indivíduo no grupo, sendo este o cerne do conceito de simetria.

270

Num primeiro momento, a ideia de simetria parece se aproximar da ideia de justiça como equidade de Rawls, mas não deve ser confundida, pois Tugendhat faz sérias restrições à teoria de Rawls por adotar a ideia de posição original como instrumento de justificação de sua teoria da justiça. Rawls pressupõe que a posição original e o véu da ignorância garantiriam ao sujeito a condição de imparcialidade, habilitando-o ao exercer o juízo universal, retomando a formulação kantiana da razão pura prática, referenciada em princípios a priori, anteriores a experiências, intuições, emoções e sentimentos morais. A ideia de autonomia da vontade torna mais simples a justificativa do imperativo categórico e da pena retributivista, negando a complexidade, instabilidade e intersubjetividade em que nossas intuições, emoções e racionalidade atuam conforme as conexões internas e externas, esta teoria se sustenta no argumento de que a ideia de livrearbítrio é essencial para a atribuição de responsabilidade e para manter a estabilidade social. Este

argumento

vem

sendo

questionado

pela

teoria

consequencialista

(TUGENDHAT, 1997, 2002; SEN, 2012), que defende que as condutas reprováveis podem ser dissuadidas pelos resultados negativo, concentrando as sanções e coerções na consciência do resultado possível. Amartya Sen ao contrapor teorias deônticas e consequencialistas apresenta razões para que ambas apresentarem problemáticas parecidas que alcançam tanto a proposta utilitarista enfrentada por Kant ao desenvolver uma teoria moral concebendo a premissa autonomia da vontade, uma forma de secularização da ideia de livre-arbítrio de Santo Agostinho. Amartya Sen sugere que tanto o utilitarismo quanto a tradição da teoria moral de Kant sofrem da mesma inconsistência a entender a moralidade e a normatividade como uma adesão de vontades individuais, presumindo que esta adesão e o cumprimento dos imperativos categóricos são escolhas racionais (puras e práticas) exercidas pelo livrearbítrio, que deve ser exercido negligenciando o papel emoções e sentimentos inatos e adquiridos pelas experiências – uma eminentemente tarefa platônica. Conforme explicitado acima, argumentar contra a razão, tarefa encampada pelo pensamento pós-moderno, não constitui a proposta deste trabalho, menos ainda refutar as 271

contribuições do contratualismo desde Hobbes, Locke, Rousseau, Kant até as mais refinadas e vigorosas na atualidade como a teoria da Razão Comunicativa de Habermas e a teoria da Justiça como Equidade. Ainda que se busque, como propõe Sen, alternativas à tradição contratualista de Hobbes a Habermas, não se pode abrir mão das contribuições desta tradição teórica do iluminismo e conforme ressaltou Sen através do que expressou de Christine Korsgaard: “Trazer a razão ao mundo torna-se a tarefa da moralidade, e não da metafísica, e tanto o trabalho como a esperança da humanidade” (KORSGAARD, 1996, p. 3 apud SEN, 2012, pp. 14–15). A partir deste argumento Amartya Sen sugere que uma decisão associada às realizações sociais, não anula o julgamento deontológico, nem a responsabilidade do agente, mas inclui a emoção e a experiência como componente fundamental da racionalidade humana o impacto social, tendo em vista que o procedimentalismo contratualista encampado contemporaneamente por Habermas e Rawls. Ao incorporar a imparcialidade, como no caso de Rawls, como etapa zero, através da posição original e do equilíbrio reflexivo como um pressuposto justificador juízos universais e definitivos sobre o que e justo ou injusto, reduz-se a importância do fato de que as escolhas reais são feitas por humanos. Considerando a razão uma capacidade que nos permitiu alcançar a posição privilegiada entre as espécies e reconhecendo que história demonstra os desastres cometidos quando abrimos mão desta capacidade, escolhas racionais não permitem pressupor que a tarefa da razão é vincular e submeter os indivíduos a uma única decisão baseada no pressuposto de racionalidade acordo transcendental único, pressupondo que mundo seguirá na direção ditada pela razão (Idem, p. 14). Ao contrário, argumentamos a partir de Sen e Tugendhat que, levando em conta as realidades e as opções advindas desta, seria possível fazer a melhor escolha possível, buscando sempre, através da justificativa racional e do debate público. Esta escolha deve buscar argumentos que alcancem o sentimento de justiça da coletividade, obrigando a quem cabe à decisão, apresentar publicamente justificativas que sobreponha interesses compartilhados a interesse individuais.

272

Diferentemente do humano, portador do juízo natural, seja utilitarista, seja da razão pura-prática, o humano de carne e osso possui opções limitadas, tanto por suas competências inatas quanto por suas competências adquiridas, o que torna inalcançável a tarefa de julgar as condutas a partir de sua intencionalidade, tendo como tabula rasa a razão. Portanto, se levarmos em consideração que o agir é uma questão de escolha racional pura-prática, conceberemos a possibilidade de condicionar alguém à posição do observador ideal (juízo universal), que deliberará escolhas úteis ou agradáveis para todos, independentemente de sua posição perante o dilema cotidiano e das condições materiais, psicológicas e socioculturais, negligenciando a humanidade dos indivíduos, que atesta que suas decisões são produto da interação entre emoções, sentimentos e da razão. Por isso, para compreender a finalidade e as causas das emoções e sentimentos morais no processo de tomada de decisão devemos admitir a complexidade, instabilidade e intersubjetividade das relações humanas. Em alternativa ao denominado institucionalismo transcendental93 da tradição contratualista, Sen resgata e aproxima-se de outra vertente do pensamento iluminista de abordagem comparativista, não deixando de lado o ponto de convergência entre as duas, qual seja a necessidade de argumentação racional, sendo o papel e o alcance desta que constitui o ponto de divergência entre as tradições contratualistas e comparativas. A tradição iluminista alternativa ao institucionalismo transcendental contempla um gama de teóricos do iluminismo que se concentram em abordagens comparativas cujos

93

Amartya define o institutucionalismo transcendental a partir de Uma abordagem — iniciada por Thomas Hobbes no século xvii, e seguida, de diferentes modos, por destacados pensadores, como Jean-Jacques Rousseau — concentrou-se na identificação de arranjos institucionais justos para uma sociedade. Essa abordagem, que pode ser chamada de “institucionalismo transcendental”, tem duas características distintas. Primeiro, concentra a atenção no que identifica como a justiça perfeita, e não nas comparações relativas de justiça e injustiça. Ela apenas busca identificar características sociais que não podem ser transcendidas com relação à justiça; logo, seu foco não é a comparação entre sociedades viáveis, todas podendo não alcançar os ideais de perfeição. A investigação visa identificar a natureza do “justo”, em vez de encontrar algum critério para afirmar que uma alternativa é “menos injusta” do que outra. Segundo, na busca da perfeição, o institucionalismo transcendental se concentra antes de tudo em acertar as instituições, sem focalizar diretamente as sociedades reais que, em última análise, poderiam surgir. É claro que a natureza da sociedade que resultaria de determinado conjunto de instituições depende necessariamente também de características não institucionais, tais como os comportamentos reais das pessoas e suas interações sociais. No detalhamento das prováveis consequências das instituições, se e somente se uma teoria institucionalista transcendental as comentar, são feitas algumas pressuposições comportamentais que ajudam na operação das instituições escolhidas (IDEM, pp. 29-30).

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objetivos são as realizações sociais, a partir de instituições, comportamentos, emoções, sentimentos reais, este conjunto de pensadores do século XVIII e XIV comportam autores como Adam Smith, do Marquês de Condorcet, de Jeremy Bentham, Mary Wollstonecraft, Karl Marx, John Stuart Mil, em que Sen se apoia para apontar dois problemas básicos da abordagem transcendental da justiça, que constituem uma dupla divergência: Primeiro, pode não haver nenhum acordo arrazoado, mesmo sob estritas condições de imparcialidade e análise abrangente (por exemplo, como identificadas por Rawls em sua “posição original”) da natureza da “sociedade justa”: esse é o problema da factibilidade de encontrar uma solução transcendental acordada. Segundo, um exercício da razão prática envolvendo uma escolha real exige uma estrutura para comparar a justiça na escolha entre alternativas viáveis, e não uma identificação de uma situação perfeita, possivelmente inacessível, que não possa ser transcendida: esse é o problema da redundância da busca de uma solução transcendental (Idem, pp. 31-32).

Independentemente de se aferir a intencionalidade, pode-se penalizar quem os cometeu apenas comprovando o fato e a autoria, sendo as questões de imputabilidade definidas de maneira objetiva, alterando a função da punição concentrada na vingança entre os indivíduos, para a penalização concentrada em definir condutas reprováveis, suas consequências punitivas e dissuadir o grupo a cometê-las94.

94

Reconhecer a complexidade, instabilidade e intersubjetividade não significa reconhecer que o real não existe ou qualquer relativismo epistêmico, cultural, mas que nenhuma teoria da relação mente/cérebro, sujeto/objeto nos possibilita captar toda a realidade existente, pois utilizamos a intuição, as emoções e a razão conforme os problemas reais se apresentam contingentemente. Conforme ressalta Pierre Jacob, Chomsky adverte que desde a superação da filosofia mecânica, o problema mente/corpo não pode ser considerado superado. Ele ressalta que o nosso conceito da física está em constante evolução com o desenvolvimento das ciências físicas. Em sua opinião, uma vez que a demolição newtoniana da filosofia mecânica, não sabemos como definir o físico (JACOB, 2001, p. 37). Nesse sentido qualquer tentativa de redução entre mente e corpo deve manter-se no benefício da dúvida. Independentemente da consciência, a intencionalidade ainda é um mistério para a física e para a biologia. Qualquer tentativa de reduzir a biologia à física é problemática, o que não inviabiliza o desafio presente de unificar a ciência cognitiva com as ciências naturais fundamentais, sem reduzir a primeira a segunda. No tocante aos julgamentos morais, a busca em punir o indivíduo atribuindolhe a pena que merece de forma retributiva ao Estado ou indivíduo ou grupo ofendido, tendo como elemento modulador do julgamento o binômio livre-arbítrio/intencionalidade, evidências apontam que este critério está mais relacionado à intuição do que à razão. No entanto, conforme Cohen e Greene argumentam que a resposta depende do domínio da vida em questão. Ao navegar pelos corredores do supermercado, uma representação intuitiva, euclidiana do espaço não é apenas adequado, mas provavelmente inevitável. No entanto, quando é,, por exemplo, planejando o lançamento de uma nave espacial, podemos e devemos fazer uso dos princípios físicos da relatividade que são menos intuitivo, mas mais preciso. Finalmente, há a preocupação de que ao rejeitar o livre-arbítrio pode-se tornar tudo inútil na vida: por que se preocupar com qualquer coisa, se está tudo foi determinado? A resposta é que você vai se preocupar, porque você é um ser humano, e é isso que os seres humanos fazem. Mesmo se você decidir, como parte de um de exercício mental, que você vai ficar sentando sem fazer se você tiver concluído que você não tem livre-arbítrio, você eventualmente se levantará para fazer-se um sanduíche (GREENE; COHEN, 2004, p. 1784 - Tradução livre do autor). Este argumento contribui para concluirmos que apesar do livre-arbítrio/intencionalidade estar mais amparado na intuição do que na razão, para situações cotidianas este critério pode ser mais adequado, tendo em vista a importância de realizar tarefas e assumir compromissos convictos de que temos o controle da

274

As características inatas e adquiridas têm mais influência em nossas escolhas do que imaginaram Santo Agostinho, os iluministas e Kant, Nietzsche, Freud e Piaget e toda uma tradição que se sustenta até hoje ao defender o livre-arbítrio ou a autonomia da vontade em suas diversas versões como um fato, um princípio, tornando qualquer questionamento ou investigação que submeta este princípio outras hipóteses, testes e experiências que o aproxime da realidade é visto como um sacrilégio contra o que faz de nossa espécie tão especial – a intencionalidade. Não é tarefa deste estudo aprofundarmos o debate entre as formas de pensamento que enfrentam o problema da relação mente-cérebro, sujeito-objeto, mas se há algo que não podemos questionar é da existência do mundo físico e a possibilidade de estabelecermos relações de causalidade através da observação, identificação, descrição e testes, mesmo consciente que este exercício não contempla todas as variáveis e que muitos delas parecem completas por nossa tendência de justificar os resultados para nós mesmos e para os outros. É certo que para o desenvolvimento da ciência, o primeiro passo foi optar em enfrentar os problemas a partir da redução, decomposição e especialização. O paradigma da simplificação, conduzido pelos princípios da generalidade, redução e separação possibilitou o desenvolvimento do conhecimento especializado dentro de cada disciplina, que gerou avanços inescusáveis na física, química, biologia, mas o próprio avanço da ciência demonstra que os problemas enfrentados pelas disciplinas possuem uma universalidade inseparável e que abordados de forma apartada põe em crise o estatuto da própria cientificidade (MORIN, 2005).

Contudo, de um lado, observamos teorias baseadas no ceticismo, constituindo uma hermenêutica jurídica que reivindica rupturas que atingem o estatuto científico do conhecimento num esforço relativismo epistêmico, representado pelo pós-estruturalismo e pelo pós-modernismo em que a verdade se reduz a interpretação, à obscuridade do inconsciente e a vontade de poder. Não se pode olvidar que certo ceticismo é positivo quando coloca em questão a ilusão de completude que o materialismo e o realismo ingênuo criaram em torno de si, situação e de que nossas escolhas são livres e conduzidas por nossa intenção, contudo quando estamos decidindo pela a vida ou a liberdade de determinada pessoa, este critério se mostra insuficiente.

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bastando-se da coerência interna entre seus pares para postular a universalidade e normatividade de suas hipóteses, muitas vezes com caminhos nada claros. Por outro lado, temos como proposta de continuidade, revisões enclausuradas em pressupostos iluministas do século XIX, acerca da concepção de natureza humana produto de uma secularização inacabada de dogmas religiosos que cingiram o conhecimento entre as ciências naturais e do espírito em disciplinas que tratam da universalidade das questões humanas como se fossem autônomas, sustentando o proceder científico disciplinar em busca de uma teoria pura como forma de esculpir a realidade. Nestes termos, a questão que se coloca é saber em quais pontos nosso tempo imprime continuidades e rupturas para que a ponte direito-justiça seja construída de maneira sólida. Verifica-se como alternativa a busca pelo diálogo entre as disciplinas que se aproximam por afinidade temática e interação entre os problemas. Conforme acentua Morin (2003) os dilemas contemporâneos trazem novos desafios para o conhecimento científico, pois há necessidade da formação do conhecimento admitindo a complexidade do pensamento atento à universalidade de variáveis que compõe os problemas humanos em que somente o conhecimento consciente pode assegurar a dignidade entre os homens. O ponto chave de seu argumento parece ser a necessidade de admitir a necessidade de compreender que O pensamento complexo não se reduz nem à ciência, nem à filosofia, mas permite a comunicação entre elas, servindo-lhes de ponte. O modo complexo de pensar não tem utilidade somente nos problemas organizacionais, sociais e políticos, pois um pensamento que enfrenta a incerteza pode esclarecer as estratégias no nosso mundo incerto; o pensamento que une pode iluminar uma ética da religação ou da solidariedade. O pensamento da complexidade tem igualmente seus prolongamentos existenciais ao postular a compreensão entre os homens (MORIN, 2003a, p. 21).

A ciência atual nos oferece um ferramental teórico e empírico cada vez mais preciso acerca de nossa história evolutiva, do mapeamento genético, nossa hereditariedade filogenética, da linguagem, a relação mente-cérebro que, juntamente com a filosofia, nos permite um olhar mais preciso sobre a natureza humana que tornam reducionista a presunção de validade de tais pressupostos filosófico-dogmáticos. As descobertas científicas são inescusáveis, as ciências sociais (teóricas e aplicadas) e a filosofia, que negam sua realidade se excluem do debate e se reduzem a discursos e troca de monólogos que ressaltam a obscuridade e não contribuem para escolhas conscientes que contemplem uma visão ética do que o conhecimento pode

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contribuir para o florescimento da humanidade em cada indivíduo, possibilitando que suas escolhas sejam verdadeiramente livres e conscientes. Infelizmente, grande parte Ciências Sociais e o Direito ainda ancora-se em concepções da natureza humana desenvolvidas até o século XIX, obscurecido contemporaneamente pelo relativismo epistêmico pós-moderno que, através de embate teórico produz teorias, técnicas e reformas que pouco se comunicam com os dilemas reais. A partir da metade do século XX, construções teóricas surgiram com vistas a responder a crise de legitimidade dos Estados modernos após duas guerras mundiais e outras violações em larga escala contra humanidade. No campo do direito, a discricionariedade baseada na autoridade legal, já não encontra o conforto do poder legal, pois tais decisões baseadas no direito positivo/costumes refletem a ordem normativa e social objeto de combate da sociedade civil organizada. Como já dissemos, nesta encruzilhada, teorias hermenêuticas, de interpretação jurídica, juntamente com a materialização de direitos de minorias através da regulação estatal e incremento de práticas inclusivas nas instituições embasou um movimento de reformas baseadas em princípios e técnicas que correm o mundo através de leis, políticas públicas e a retórica da inclusão, emancipação, liberdade, igualdade, oxigenando ideais liberais e democráticos. A negação da ciência enquanto forma de explicar o mundo seria o retrocesso ao obscurantismo, não sendo proveitoso embarcar no ceticismo que fundamenta o relativismo epistêmico, desqualificador do empreendimento científico de consolidar condições de validade do conhecimento falso/verdadeiro, num processo de liquefação da verdade enquanto realidade é socialmente construída entre as instâncias de poder. Ambos os lados, disputam posição de destaque para definir o que consiste a ciência do espírito. É na cisão da ciência que ambos os movimentos têm seu impulso na mesma gênese, a compartimentalização do homem enquanto corpo/alma, razão/emoção, humano/animal, consciente/inconsciente. Para tanto, se faz necessária uma rápida digressão para identificarmos como tais pressupostos que fundamentam tais reformas foram se desenvolvendo e contrastá-los com 277

pesquisas interdisciplinares e empíricas para verificar a possibilidade de revisão de tais pressupostos para que as reformas legais e institucionais estejam mais próximas da natureza humana. Para situarmos o contexto atual, devemos considerar que estamos dando um salto sobre um longo período histórico sobre o mundo antigo da Grécia, o Império Romano, sua queda e a reafirmação do cristianismo como ideologia dominante, sob forte influência da filosofia grega, principalmente do platonismo com Santo Agostinho (STEVENSON; HABERMAN, 2005). Inclusive na obra O livre-arbítrio, Santo Agostinho argumenta que se o mal não pode vir de Deus, o pecado provém do livre-arbítrio: “as más ações são punidas pela justiça de Deus. Ora, elas não seriam punidas com justiça, senão tivessem sido praticadas de modo voluntário.” (AGOSTINHO, 1995, p. 27). Em espécie, nos ocuparemos em entender a dinâmica em que a mediação incidental se apresenta como opção de resolução de conflitos e identificar as variáveis a partir de pesquisas preocupadas em compreender o tema com perspectiva mais ampla acerca da natureza humana contemplando a dinâmica entre aspectos naturais, psicológicos, socioculturais e políticos e como estes aspectos constituem as normas, as opções de resolução de conflitos, o processo de tomada de decisão. Nesse sentido, através de pesquisas com afinidade temática, identificaremos uma série de problemas comuns que nos permitirá identificar o maior número possível de condições necessárias a serem observadas para um entendimento mais amplo do tema, com vistas a possibilitar escolhas e caminhos mais conscientes e seguros quando nos deparamos com uma situação conflitiva, assim como, de que forma podemos colaborar enquanto terceiros (mediadores, árbitros, juízes), quando instados a intervir. Para um estudo interdisciplinar de base empírica, necessário se faz empreender generalizações que nos permitam identificar variáveis básicas para um estudo comparativo que dialoguem com categorias analíticas de estudos em outras áreas do conhecimento. Num primeiro momento, a tarefa será descrever as formas de processamento de disputa na relação entre a estrutura e a função destas do contexto geral ao contexto do campo pesquisado, para após contrastarmos com outras variáveis disponíveis por pesquisas desenvolvidas em outras disciplinas em torno desta temática.

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Diante da definição do objeto de pesquisa, insta asseverar a necessidade de desenvolver o tema acesso à justiça numa perspectiva interdisciplinar e de base empírica, tendo em vista que a mediação tem como característica a multidisciplinaridade, que sugere a existência de pesquisadores de diversas disciplinas com afinidade temática em torno de problemas interconectados. Para uma pesquisa interdisciplinar de base empírica é necessário inscrever a medição técnica dentro do quadro mais amplo, para a partir de variáveis gerais, construirmos um ferramental analítico que permita contextualizar como as opções de resolução de conflito se conjugam na estrutura político-jurídica e as dimensões políticas, sociais, psicológicas e biológicas, para compreender quais a variáveis que definem o papel do indivíduo na resolução de seus dilemas. Com o objetivo de possibilitar o desenvolvimento de pesquisa interdisciplinar, de base empírica, partiremos do significado de mediação na órbita das opções ao processo judicial institucionalizada pelo Estado para inscrevê-la num quadro analítico mais geral e identificar variáveis socioculturais e político-jurídicas em que esta opção de resolução de conflitos é apresentada e o processo de escolha de tais opções dos indivíduos e grupos em conflito perante estas variáveis. Nesse sentido, se necessário compreender qual a concepção de natureza humana para a qual as técnicas, princípios, teorias se direcionam, quais são os pressupostos que tomam como premissas o consensualismo, a autonomia da vontade, da imparcialidade, neutralidade, da consciência, empatia, do contratualismo que pauta não somente a mediação, mas a teoria do direito, a hermenêutica jurídica, técnicas de tomada de decisão, a psicologia, a teoria dos jogos, a linguagem, a comunicação, percepção, emoção, criatividade, sentimento de justiça. Cada vez mais, se tornam inócuas pesquisas isoladas pela hiperespecialização das disciplinas que não explicitam de maneira clara e acessível seus métodos e não submetem suas teorias e observações ao diálogo com outras disciplinas, fragmentando o homem e adequando-o aos seus paradigmas o que vai de encontro com a necessidade de universalidade de um conceito de humanidade superior a teorizações que não se condicionam a se comunicar com os dilemas reais da humanidade.

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Entre os fundamentos teóricos para se desenvolver um modelo de pesquisa que possibilite explicações baseadas em observação, descrição, experimentação, testes, revisões e análise que propõe superar o dualismo cartesiano, sob o viés naturalista e materialista, que nos servirá para o estudo do julgamento moral. Interessa-nos saber como processamos o sentimento de justiça compartilhado, estabelecemos e nos vinculamos, qual o papel sanções positivas e negativas, justificamos penas, criamos, significamos, reformulamos e extinguimos leis e instituições. Não é demais reiterar que, nos últimos quatrocentos anos, este caminho evolutivo, com todos os percalços que a história nos permite observar, foi catalisado pelo renascimento do homem como fonte de conhecimento, em que a razão e a ciência ganharam predominância na observação e explicação dos fenômenos que nos cercam e nos habitam. Nunca em nossa história evolutiva de mais de 200 mil anos avançamos tanto em relação ao conhecimento nossa composição genética, de nossas conexões neurobiológicas, da natureza, dos astros. Conseguimos ampliar e nos aproximar cada vez mais da realidade através de teorias científicas baseadas em mecanismos de observação, decomposição, experimentação, lógica das evidências. Não se pode negar que não nos livramos de argumentos de autoridade que se apropriam do status científico/acadêmico para fazer vigorar juízos de valor, crenças e preconceitos de toda ordem. A própria razão e a ciência buscam teorias e métodos cada vez mais precisos para identificar, revisar, complementar e refutar teorias, tendo em vista ser critério de validade científica o desencadeamento racional de evidências demonstráveis que subsidiam teorias que buscam explicar a realidade. A própria subordinação da teoria a evidências, experimentações, testes e revisões é o que torna a ciência a melhor forma de responder perguntas não de maneira definitiva, mas através de hipóteses cada vez mais próximas da realidade. No entanto, observamos nos últimos tempos o que muitos vêm classificando como pensamento pós-moderno, em que não a própria realidade é questionada, como se esta

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fosse construída, relativizando qualquer hipótese ou evidência como objeto de discurso e motivação de poder, sendo a realidade produto antes de inconsciente e da cultura. O pensamento pós-moderno não constitui uma unidade de pensamento, mas um mecanismo de fracionamento das ideias, que escapam justamente a tentativa de um diálogo racional, baseado em evidências, pois questiona a própria racionalidade e as próprias evidências, com algo construído pela vontade de poder, do desejo e patologias psicanalíticas. Este pensamento tem sido preponderante nas ciências sociais e na psicologia, tendo em vista que se concentra na cultura e no inconsciente como forma de construção e desconstrução da realidade. Nesse sentido, justifica-se problematizar alguns dilemas que o direito e a mediação vêm enfrentando perante o relativismo e o construtivismo cada vez mais evidente no diálogo entre direito, ciências sociais e psicologia, diante de uma ideia fragmentada de ser humano, que foi crucial para o desenvolvimento da ciência. É verdade que tanto a sociedade quanto a natureza continuariam funcionando sem a ajuda de teorias científicas, pois nossa intuição, emoção, crenças e aprendizado social nos bastam como recursos pré-teoréticos. Contudo, sugere Mario Bunge: Suprimam toda teoria científica e a própria possibilidade de progredir ou mesmo de manter boa parte do que foi conseguido desaparecerá. Mas também: apliquem mal as teorias científicas e a própria humanidade pode chegar ao fim (BUNGE, 1974, p. 9). Não se deve negar que a fragmentação, simplificação permite o desenvolvimento do saber de maneira mais objetiva e especializada, contudo, com o avanço tecnológico as condições de compartilharmos informações, dados, experiência com conteúdos empíricos mais abrangentes e precisos vêm possibilitando voltarmos à atenção ao homem em sua singularidade e universalidade a partir de características da natureza humana constituídas tanto pela biologia, quanto pela psicologia e pela cultura. Segundo observa o autor, após a Segunda Guerra Mundial podemos verificar um importante movimento na metodologia das ciências não-físicas no que concerne a

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valorização da teoria, principalmente das teorias formuladas com auxílio da matemática, pois antes se observava, se classificava e se especulava: agora se acrescenta a construção de sistemas hipotético-dedutivos e se procura pô-los à prova experimental, até em psicologia e em sociologia, outrora bastilhas do vago. Outrora se utilizava apenas a linguagem comum para exprimir ideias, resultando sempre falta de precisão, na verdade falte de clareza. A matemática só intervinha no final para comprimir e analisar os resultados de pesquisas empíricas na maioria das vezes superficiais por falta de teorias: fazia-se uso quase que exclusivamente da estatística, cujo aparato podia disfarçar a pobreza conceitual. Agora se usam cada vez mais várias teorias matemáticas para a própria construção das teorias. Começa-se a compreender que o objetivo da pesquisa não é a acumulação dos fatos, mas sua compreensão, eu que esta só se obtêm aventurando e desenvolvendo hipóteses precisas (Idem, p. 11-12).

O físico David Deutsch ressalta que a importância da revolução científica para o progresso de nosso conhecimento não está somente na empiria, na verificação, mas na busca por explicações difíceis de variar (...). é o princípio regulador básico do Iluminismo. Portanto, na ciência, duas abordagens falsas frustram o progresso. Uma delas é bem conhecida: teorias que não podem ser testadas. Mas a mais importante é a das teorias sem explicações. Sempre que lhe dizem que alguma tendência estatística vai continuar, mas não lhe oferecem uma explicação difícil de variar do que causa aquela tendência, estão lhe dizendo que isso é obra de um feiticeiro. Quando lhes dizem que as cenouras têm direitos humanos porque elas têm metade dos genes em comum conosco -- mas não dizem como percentagens de genes atribuem direitos -- feiticeiro. Quando alguém anuncia que o debate natureza vs aprendizado/ensinamento foi resolvido porque existe evidência de que uma porcentagem definida de nossas opiniões políticas é herdada geneticamente, mas eles não explicam como os genes causam opiniões, eles não resolveram nada. Estão apenas dizendo que nossas opiniões são causadas por feiticeiros, e consequentemente as deles também são. O fato de que a verdade consiste em proposições difíceis de variar sobre a realidade é o fato mais importante a respeito do mundo físico. É um fato que, em si mesmo, é invisível, mas é impossível de variar (DEUTSCH, 2009, p. 5) 95.

A definição do objeto, os problemas a serem enfrentados, os objetivos da pesquisa e o alcance de seus resultados no domínio da vida em questão são bons referenciais para definirmos um modelo de pesquisa que possibilite o desenvolvimento teórico para a abordagem e solução dos problemas reais. Conforme ilustram Cohen e Greene, os recurso e escolha das ferramentas utilizadas para enfrentar um problema depende do domínio da vida em questão. Ao navegar pelos corredores do supermercado, uma representação intuitiva, euclidiana do espaço não é apenas

95

Ver: http://www.ted.com/talks/david_deutsch_a_new_way_to_explain_explanation, acessado em 10.jun.2014.

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adequado, mas provavelmente inevitável. No entanto, quando é, por exemplo, planejando o lançamento de uma nave espacial, podemos e devemos fazer uso dos princípios físicos da relatividade que são menos intuitivos, mas mais preciso (op. cit.)

As questões aqui apresentadas não são tão simples quanto navegar pelos corredores do supermercado, mas também não tenho a pretensão de desenvolvimento teórico tão preciso quanto é necessário para o lançamento de uma nave espacial. Este modelo teórico propõe o pluralismo de propriedades e não o pluralismo de substancias, pois a única substancia existente para Bunge é a matéria, apesar desta matéria ser substancialmente única ela alcança propriedades diversas. A partir da teoria geral dos sistemas, Bunge argumenta que sua teoria considera o sistema uma entidade complexa em que seus componentes comunicam-se entre si formando uma totalidade unitária que se comporta como uma entidade, mas não se reduz a um somatório de elementos. Assim, a realidade se organiza numa multiplicidade de níveis de realidades e cada um deles forma um sistema seja este físico, químico, fisiológicos, biológicos, psicológicos, sociais, culturais, sendo as propriedades classificadas por Bunge entre propriedades resultantes e propriedades emergentes, sendo resultante aquela propriedade produto que compõe o sistema, que pertence a algum de seus componentes e a emergente e aquela que está contida no sistema sem ser resultado de algum dos seus subsistemas ou peçascomponentes, mas sim superveniente a este. Diante desta característica, esta pesquisa propõe identificar as propriedades resultantes e as propriedades emergentes de nosso sistema normativo e das formas de abordagem e processamento dos conflitos, limitadas às dimensões socioculturais e políticojurídicas, apontando algumas variáveis que influenciam na escolha das formas de abordagem e processamento dos conflitos, assim como no alcance das decisões tomadas. Depois de realizada a tarefa de esquematização do objeto-modelo, passaremos a traçar uma variedade de conceitos que deve ser distinguidos para converter coisas concretas em imagens conceituais cada vez mais ricas de informação para após expandi-las em modelos teóricos progressivamente complexos e cada vez mais fieis a realidade. Bunge descreve as etapas deste método da seguinte forma:

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A observação é apenas uma fonte (não a única) de problemas e um teste (não o único tampouco) de nossos modelos teóricos. A intuição – ou melhor, os diversos tipos de intuição - é uma fonte de ideias que devem ser formuladas explicitamente e submetidas à crítica da razão e dos fatos para serem fundadas; A razão, enfim, é o instrumento que nos permite construir sistemas com a pobre matéria-prima dos sentidos e da intuição. Nenhuma destes componentes do trabalho científico – observação, intuição e razão – pode por si só, nos dar a conhecer o real. Elas não passam de aspectos diversos da atividade típica da pesquisa científica contemporânea: a construção de modelos teóricos e sua comprovação (Idem, p. 30)

Segundo Bunge, nas ciências sociais reina a dicotomia entre ciências da natureza e as ciências do espírito, concebendo apenas a aplicação da matemática à ciência que consistia num conjunto de técnicas aplicadas somente em objetos nas ciências físicas, mas atualmente a matemática e a ciência reformuladas pela filosofia se tornou mais viável ao conceber que estas são aplicadas sobre juízos acerca dos fatos e não sobre os fatos, abrindo a possibilidade de se utilizar a matemática nas ciências sociais não somente através da estatística, mas para a formulação de teorias (Idem, p. 41-42). Portanto, deve se investir no desenvolvimento sistêmico de um modelo de pesquisa em que Ciência básica, Ciência aplicada, Técnicas e Economia se comuniquem com as condições biológicas, econômicas, culturais e políticas de determinada sociedade que estabeleça conexões de forma crítica e horizontal com outras sociedades (BUNGE, 1980; MATURANA, 2001). O que podemos notar com Bunge é que principalmente nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, prioriza-se a importação das Ciências Aplicadas e das

Técnicas

desenvolvidas

em

outros

contextos,

realidades

e

necessidades

sobrecarregando os problemas e soluções nas condições econômicas, sem considerar as condições biológicas e políticas, atribuindo os impasses a justificativas baseadas no relativismo cultural. Bunge exemplifica, divide e organiza estes saberes como um ciclo científico ou técnico integral através de um quadrinômio que nos permite distinguir os objetivos e resultados de cada um, isto é, no primeiro o conhecimento, as Ciências Básicas e no segundo um artefato ou plano de ação que promete resultados de valor prático para determinado contexto, com as Ciências Aplicadas, Técnica e Economia. (BUNGE, 1980, pp. 32-33).

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O problema das nações pobres ou em desenvolvimento é que muitas vezes financiam pesquisas, políticas públicas de alto alcance, que demandam tempo, estabilidade e recursos, que quando não são abortadas, são inócuas ou produzem dados que não retratam a realidade, quando negligenciam a necessidade dos primeiros passos em pesquisas básicas. Conforme propõe Mario Bunge, um modelo de pesquisa científica deve ter a função de contribuir para o desenvolvimento das ciências através conhecimento teórico da realidade, sendo esta uma das características da ciência moderna a superação das formas de organização social em que a crença, a opinião e o conhecimento intuitivo eram suficientes. O progresso do conhecimento científico, acima das evidências e conteúdo empírico, caracteriza-se por seu caráter teórico de produzir variáveis explicativas que possibilitem nos aproximar da realidade, submetendo a teoria a uma sistemática de observação, teste e revisões. Os modelos de pesquisa devem ser consolidados com o objetivo principal de explicar a relação entre hipóteses, teorias, evidências e dados empíricos, com a função de mediar teoria e realidade, com mecanismos que possibilitem revisões, testes, complementações, refutações. Nesse sentido, a partir de teorias gerais objetiva-se criar um objeto-modelo96 (hipotético-dedutivo) e ensaiar um aprofundamento teórico da realidade, através de modelos teóricos aproximem de hipóteses e propostas aos conteúdos empíricos e evidências, através da sistematização de observações, testes e revisões constantes. Conforme comenta Maurício Pietrocola, ao longo do trabalho de Bunge podemos evidenciar que mesmo reconhecendo a importância das teorias o autor considera que as teorias por si só nada valem no contexto científico, pois sendo abstrações produzidas por nossa razão e intuição não se aplicariam a priori às coisas reais. Por outro lado, os dados empíricos apesar de mais próximos da realidade, não podem ser inseridos em sistemas lógicos e gerar conhecimento. Desta aparente

96

Segundo Mario Bunge. objeto-modelo representa apenas parcialmente o objeto concreto por um conjunto de características gerais, pois o sujeito cognoscente não apreende o objeto como ele é, mas tal como ele se desenvolve através de suas operações, possibilitando que uma teoria se aplique a esta representação do objeto real (objeto-modelo), sendo uma forma de conquista conceitual da realidade que começa, o que parece paradoxal, por idealizações. Extraem-se os traços comuns de indivíduos ostensivamente diferentes, agrupando-os em espécies (classes de equivalência). Fala-se assim do cobre e do homo sapiens. É o nascimento do objeto-modelo ou modelo conceitual de uma coisa ou de um fato. (BUNGE, 1974, p. 13)

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dicotomia entre teórico e empírico, é introduzida a modelização como instância mediadora (PIETROCOLA, 1999, p. 222).

No processo de teorização científica de Bunge, Maurício Pietrocola enumera três elementos que o autor considera fundamental: 1-Teoria geral - que pelo fato de ser geral se aplica potencialmente a qualquer parte da realidade, mas é impotente por si só na resolução de problemas; 2 - Objeto-modelo – que se constituem em imagens conceituais (e portanto abstratas) dos elementos pertencentes a um sistema real que se pretende interpretar através de uma teoria geral. 3- Modelo teórico (ou Teoria específica) – “...é um sistema hipotético-dedutivo que concerne a um objeto-modelo” (Bunge, 1974, p. 16) e “..., é obtido pela adjunção de suposições subsidiárias a uma estrutura geral... cobrindo uma espécie em vez de um gênero extenso de sistemas físicos”. (Bunge 1973, p. 53) (Idem)97

Os objetos-modelos, segundo Pietrocola são formulados através das propriedades comuns, ou admitidas como comuns de determinado grupo de objetos reais em foco. Apesar de um alto grau de realidade, não permitem nenhuma operacionalização que vá além do próprio estabelecimento de semelhanças (Idem, p. 222-223). As teorias gerais, por outro lado, segundo autor, são opostos extremos dos objetosmodelos, pois embora altamente operacionalizáveis (em função de sua estruturação matemática) não se referem a nada especificamente pertencente ao mundo real, embora possam vir a se referir pela adição de suposições adicionais (Idem, p. 22). No decorrer dos capítulos anteriores desenvolvi e apresentei o objeto-modelo e as teorias gerais que contemplem uma abordagem interdisciplinar de base empírica, acerca das formas de abordagem e processamento dos conflitos e da normatividade. Contudo, levando em conta a complexidade, instabilidade e intersubjetividade dos fenômenos naturais e sociais, este é considerado um sistema que segundo Bunge: é um objeto complexo cujos componentes estão ligados entre si, de maneira que (a) qualquer mudança em um dos componentes afeta os outros e, com isso, todo o sistema; e (b) o sistema possui propriedades que seus compenetres não possuem, entre elas a de se comportar como um todo em relação a outros sistemas. Um sistema é conceitual se é composto por objetos conceituais; por exemplo, uma teoria é um sistema conceitual. E um sistema é concreto (ou material) se todos os seus compenetres são concretos; por exemplo, uma sociedade é um sistema concreto.

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Para exemplificar, Bunge utiliza o exemplo o sistema de movimento da lua, em que o objeto-modelo é concebido como sólido esférico girando em torno do seu eixo, em rotação à volta de um ponto fixo, etc. a teoria geral é a Mecânica clássica e teoria gravitacional e o modelo teórico é a Teoria Lunar vem quadro em (BUNGE, 1973, p. 53).

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Este capítulo tem a finalidade de ensaiar de maneira incipiente um modelo teórico que procure subsidiar explicações acerca das formas de abordagem e processamento dos conflitos a partir da Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos no âmbito do Poder Judiciário. Não é objetivo deste trabalho, justificar e desenvolver com maior densidade o modelo teórico, mas apresentá-lo como proposta de pesquisa a ser desenvolvida com maior densidade e alcance no âmbito do doutorado. Nesta altura, cabe apenas apontar as condições necessárias nas dimensões socioculturais e político-jurídicas que estudo das formas de abordagem e processamento dos conflitos e da normatividade pode ser conduzido. Conforme veremos, estas condições podem ser vistas como dimensões de análise que apresentam variáveis gerais, que a sociologia e a antropologia têm identificado nas mais diversas culturas. Portanto, nesta etapa serão abordadas as dimensões socioculturais e políticojurídicas das formas de abordagem e processamento dos conflitos, assim como da normatividade. Demonstraremos que a escolha das formas de abordagem e processamento dos conflitos, ao contrário de ter como critério a sensibilidade do juízo ou de qualquer técnico, deve se pautar em critérios atentos às variáveis que constituem a realidade dos casos concretos. 3. Estruturas e processos socioculturais e político-jurídicos Nesta altura nos dedicaremos a buscar uma base de generalizações acerca dos elementos e dos mecanismos nos níveis e socioculturais e político-jurídicos, para após promover propor um estudo dinâmico em que tais elementos e mecanismos serão incorporados a um estudo sistêmico que contemple a complexidade, instabilidade e intersubjetividade das relações humanas. Em The disputing process – Law in ten societies (NADER, TODD, 1978), Laura Nader e Harry Todd Jr. antropólogos da Universidade da Califórnia, inventariaram uma série de estudos de campo, descritivos e etnográficos, cujo foco era os sistemas normativos e as formas de processamento de conflitos.

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Foram enumeradas dez sociedades, as quais os autores apresentam sua proposta sociológica e antropológica de abordagem do tema sob o aspecto estrutural funcionalista para posteriormente desenvolvermos o estudo denominam pelos autores como dinâmico. Nesta coletânea de estudos de campo acerca das formas de processamento de conflitos, os autores demonstram que apesar das diferentes culturas os sistemas normativos, os mecanismos e as condutas individuais e sociais perante os conflitos são passíveis de generalização, sendo um caminho interessante intercambiar os estudos em neurobiologia, neurociência cognitiva, psicologia moral, a estas generalizações, como faremos a seguir. Neste estudo Nader e Todd, identificaram algumas estruturas e funções gerais do que aqui convencionamos chamar de instâncias normativas e de formas de abordagem e processamento dos conflitos para não delimitarmos aos usos e significados da gramática jurídica moderna, concebendo a normatividade no âmbito da cultura, religião, estados outras formas de expressão de nossa natureza normativa que constituem os sistemas normativos. É a partir da capacidade e da necessidade humana de prevermos intenções e atos é que criamos normas, instituições e nesta seara, a antropologia tem catalogado uma série de funções como de juízes, conselheiros, intermediários, atravessadores, mediadores, conciliadores, chefes. Através das instituições, podemos observar o espaço público em que os conflitos são abordados e processados e a forma como os terceiros ocupam seu papel na negociação, mediação, arbitragem e no processo jurisdicional (adjudication), Este cenário demonstra nossa capacidade de criação, adaptação e eliminação de normas, funções, formas de abordagem e processamento dos conflitos, assim como, é possível reinventarmos instituições conforme nossas demandas naturais, cognitivas e socioculturais. Esta pesquisa se identifica com o objetivo do trabalho de Nader e Todd em distinguir os componentes do processo de disputa, a fim de melhor entender as condições básicas e as consequências de sua utilização (Idem), alinhando a sociologia e a

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antropologia, a neurobiologia, psicologia moral, neurociência cognitiva e a filosofia moral e experimental para o estudo dos conflitos, da normatividade e das instituições. Nader e Todd, a partir do inventário de estudos de campo e etnografias nos fornecem tipologias gerais relacionadas às práticas e condutas de indivíduos e grupos extraídas de dez sociedades. Estas formas de abordagem e processamento dos conflitos permitem-nos identificar tipos de procedimentos sem a necessidade de cristalizarmos estas estruturas, procedimentos e funções sob a classificação de sistemas legais, sociais ou de costumes e permitir que consideremos que, apesar da diversidade de culturas em que os conflitos são abordados e processando, temos características biológicas e cognitivas comuns que nos permitem limitar o número de funções e processos acerca das formas de abordagem e processamento dos conflitos. 3.1. Monádica, Diádica e Triádica: três formas de abordagem e processamento dos conflitos Conforme observam Nader e Todd, diversos procedimentos são criados para lidar com os problemas, mas algumas variáveis cruciais são a presença ou ausência de um terceiro e a base da intervenção do terceiro, e o tipo de resultado (se houver). Os mesmos modos processuais básicos são usados em todo o mundo na tentativa de lidar com queixas, conflitos ou disputas: adjudication, arbitration, a mediation, a negociation, a coercion (ou conquest, Boulding[1962]), avoidance, “lumping it” (NADER; TODD, 1978, pp. 8–9)

Estas variáveis gerais nos permitem identificar as opções utilizadas por indivíduos e grupos quando sentem prejudicados pela conduta injusta ou violenta de outrem e como acessam as regras, procedimentos e instituições. Em diversas sociedades antropólogos têm produzido trabalhos sobre terceiros que o ocupam a função de julgar, arbitrar, mediar e estudos comparados entre a negociação de procedimentos como mediação, arbitragem e formas de decisão jurisdicional, o que nos permite distinguir as variáveis características das formas de processamento de conflitos e compreender a dinâmica e os resultados de cada opção (Idem).

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Os autores tipificaram as condutas em três instâncias unilaterais: sujeitar, evitar coagir, diádicas negociar em a partir da intervenção de terceiros como triádicas: mediação, arbitragem e adjudicação. Ao “sujeitar-se” (lumping it), o indivíduo não oferece resistência, não sustenta sua reclamação ou queixa, o problema persiste ou é resolvido sem a resistência da parte que se sente indignada e a relação continua. Esta situação é comumente, percebida em casos em que as pessoas não têm acesso aos meios para resistir (direito, informação, força) ou que os ganhos de tal resistência são muito baixos perante o alto custo, psicológico, social, material. Segundo os autores, Galanter (1974, p. 125-126) define esta condição como um sentimento de impotência que envolve aspectos físicos, psicológicos, sociais e políticos, por exemplo, em sociedades em que o simples fato de litigar é visto como reprovável e situações em que a pessoa não tem alternativa de evadir-se ou impor-se por limitações materiais, emocionais, físicas (Idem, p. 9). Por outro lado, evitar (avoidance), consiste no rompimento completo ou parcial da relação com a outra parte, atitude muito comum e, de certo modo, vista como sanção unilateral, tendo em vista que o rompimento pode trazer consequências negativas para a outra parte sem que ela tenha participado diretamente da decisão. Estas duas variáveis, segundo os autores já forma descritas em diversas sociedades como Hopi (COX 1968), os escandinavos (YNGVENSSON, 1970), e os coreanos (HAHM, 1967). A “imposição” (coercion), e caracterizada quando uma parte impõe o resultado ao outro, geralmente utilizando ameaça ou a força que dificilmente será solucionado de forma pacífica Estas três formas de lidar com os conflitos de maneira unilateral, podem ser encontradas em todas as sociedades. Segundo Nader e Todd, esta forma de lidar com o conflito pode ser encontrada em qualquer lugar, mas Epstein (1974), Koch, (1974), descreveram este procedimento como característico na Nova Guine (Idem, p 10). Na dimensão diádica, temos a negociação, quando as partes envolvidas no conflito, buscam sua resolução a partir da concordância mutua, sem a ajuda de terceiros. Segundo os autores: Nesta situação, as partes tentam convencer uns aos outros. "Não buscam chegar a uma solução em termos de regras, mas os dois criam as regras pelas quais eles

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podem organizar a sua relação com o outro" (GULLIVER, 1973 apud NADER E TODD, Idem, p. 2-3) (...) Existe menos documentação disponível para os padrões de negociação para os comportamentos relacionados ao de “evitar” e de “sujeitar-se” do que para os procedimentos com terceiros, apesar do fato de que nos países industrializados, como a negociação dos Estados Unidos, os comportamentos de “evitar” e de “sujeitar-se” são as reações mais frequentes para a situação de disputas (BEST, 1976 apud NADER E TODD, Idem, p. 10).

A dimensão triádica, a qual se encontra a mediação, juntamente com a arbitragem e adjudicação, envolve a participação de terceiros. Na mediação o(s) terceiro(s) intervém em um conflito em que ambas as partes, solicitaram ou aceitaram a intervenção indicada por alguém em posição de autoridade. Nader e Todd exemplificam a figura do mediador a partir de uma série de pesquisas: O mediador pode ser institucionalizado como neutro, como o chefe Nuer pele de leopardo (Evans-Pritchard 1940), ou pode ser uma pessoa de reconhecido prestígio, como o intermediário Ifugao (Barton 1919: 18-19). O burgermeister das aldeias rurais Bavarian (Todd 1972, 1978) e o mukhtaar das aldeias Libanesas (Rothenberger 1970, Wity, 1975) são exemplos de mediação em sociedades de pequena escala representados neste volume. O trabalho de Nader sobre o presidente zapoteca (1964a, 1969b) ilustra como uma única pessoa, o presidente, pode ser a mediador, juiz, arbitro, tudo em um só dia. Gulliver (1973) analisou em profundidade os tipos de mediadores, suas funções e sua razão de ser, apontando para a riqueza dos dados sobre a mediação na literatura antropológica (Idem, p. 10) 98.

A arbitragem se caracteriza pelo consentimento das partes na intervenção de um terceiro. Ambos devem concordar em aceitar de antemão a decisão que este proferir. Nessa forma de processamento de conflitos, ambas as partes concordam em submeterem-se a provas, jogos, procedimentos arbitrados pelo terceiro que resultará numa decisão. O terceiro na arbitragem funciona como um agente não-humano (KOCH 1974: 28, CF. ROBERTS 1965 apud NADER; TODD, p. 10). Quando falamos de adjudicação de maneira genérica nos referimos à presença de terceira pessoa que tem autoridade para intervir em uma disputa com ou sem o consentimento das partes para proferir uma decisão com os meios à sua disposição, e, além disso, de fazer cumprir que decisão (Idem, 10). Estas tipologias nos permitirão apontar hipóteses que contemplem variáveis no âmbito individual, social e político para compreendermos como estas formas de lidar com

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Tradução livre do autor.

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o conflito apresentam-se aos indivíduos, apontando as limitações dos diversos procedimentos, os resultados e consequências em outros contextos. A existência de uma variedade de regras de conduta dentro do mesmo sistema normativo e o uso de mais de um procedimento como opção no curso de um conflito, indica que não há uma opção melhor do que outra para resolução de todos os problemas. Esta hipótese justifica a necessidade de desenvolvermos estudos interdisciplinares de base empírica que concebam a insuficiência disciplinar do direito em dar resposta aos dilemas humanos e que, a partir do estudo das práticas, nos possibilite conhecer como as opções de resolução de conflitos são apresentadas no âmbito do Poder Judiciária, identificando as variáveis que compõem o processo de escolha. Já não é tema de debate a limitação do sistema legal baseado na centralidade da lei e de um juiz com poder e autoridade para decidir os conflitos de forma peremptória com na subsunção dos dilemas concretos à lei de forma hermética e mecanicista ou de relativismos que inviabilizam qualquer tentativa de se conhecer a realidade de maneira objetiva. Nesse sentido, partimos do pressuposto de que é possível produzir dados a partir da observação participante da dinâmica em que as práticas estão inseridas de como os objetivos e interesses dos atores se refletem nas demandas judiciais com a busca por restituição, retaliação, ou impedir o agravamento de uma situação de conflito. A partir do trabalho de campo, o resultado das opções também pode nos ensinar sobre processo de escolhas em relação às variáveis sociais e políticas. A utilização das opções monádicas, diádicas e triádicas, com indicativos da diferença de resultados de quando a pessoa opta por agir unilateralmente, quando busca a negociação direta e quando há participação de terceiros, agindo como um mediador, árbitro ou o juiz (adjudicator). Nesta altura, para buscar um diálogo das condições sociais com as condições biológicas e cognitivas, necessitamos identificar as hipóteses implícitas e explicitas sobre as opções e as limitações das formas de abordagem e processamento dos conflitos para traçar uma correlação entre os procedimentos, os resultados e as consequências. O próprio fato de existir mais de uma forma de abordagem e processamento de conflitos na mesma sociedade e que em muitos casos podem ser utilizadas no curso de um único conflito evidencia que nenhuma das alternativas é adequada para qualquer situação 292

ou tipo de conflito, dependendo das variáveis sociais e até mesmo do objetivo das partes (compensatória, vingança, prevenir conflitos mais graves). Por outro lado, conforme destaca Nader e Todd a partir do estudo de Starr no caso dos turcos e observa Owen Fis no contexto dos EUA, a jurisdição (adjudication) também pode ser entendida como forma de transformação da realidade social e mudança do status quo a partir da gramática dos direitos. Este potencial transformador do direito acaba por se tornar precário a partir do momento em que o acordo é utilizado com forma de flexibilizar direitos e abreviar processos, podendo ser utilizado como forma de retomar o poder, como ressalta Nader e Todd no caso estudado por Rothenberger na aldeia muçulmana no Líbano, ou no caso da aldeia na Baviera estudado por Todd (NADER; TODD, 1978; FISS, 1979, 2004, 2005). Ao reconhecermos a complexidade, instabilidade e intersubjetividade das relações sociais não somente as opções de abordagem ou resolução de conflitos devem ser objeto de investigação, mas o nível de envolvimento entre as partes e as diversas formas de organização social. Esta forma de abordagem possibilita a explicação dos distintos resultados e repercussões entre a atitude unilateral de uma pessoa, agindo em favor de seus interesses tem consequências diferentes de uma atitude diádica ou a partir da intervenção de terceiros. A observação, descrição e análise do contexto em que os conflitos se desenvolvem, pode ajudar a identificar as variáveis e as condições necessárias, as diferenças e semelhanças do tipo de abordagem e processamento adequado dos conflitos, conforme o caso concreto, a partir do diálogo entre as condições biológicas, cognitivas e sociais, outra contribuição de Nader e Todd e a aproximação entre os modos processuais e a natureza das relações sociais e agrupamentos. É neste ponto que o direito e as ciências sociais se alinham às descobertas e métodos da neurobiologia, a neuroética, a psicologia moral e a filosofia experimental para viabilizar um estudo interdisciplinar acerca dos sistemas normativos, dos julgamentos morais, e das formas de abordagem e resolução dos conflitos. Com Max Gluckman (1955), Nader e Todd sugerem que, se for possível identificar características naturais das relações sociais entre as partes em conflito, poderíamos criar 293

critérios que contribuiriam para a escolha das formas de abordagem e processamento dos conflitos. 3.2. Simplex e multiplex: dois tipos básicos de relação social que caracterizam o tipo de intervenção de terceiros e o alcance das decisões Segundo Nader e Todd, Gluckman distingue a natureza das relações entre as de interesse simples (simplex) e as de interesses múltiplos (multiplex) nos seguintes termos: "Nas sociedades mais diferenciadas uma pessoa está ligada a uma variedade de pessoas diferentes, que em muitos dos quais seu relacionamento é formalmente confinado a um único interesse, como, por exemplo, o do trabalhador com o seu empregador, um viajante de ônibus com o condutor, uma dona de casa com um lojista, mesmo um inválido com um médico, ou um paroquiano com um padre. Na sociedade Barotse ... quase toda relação social serve a muitos interesses ... O chefe está relacionado aos seus aldeões por política, bem como laços de parentesco. Pelo nascimento e por residência em uma aldeia um homem adquire sua condição cívica e está ligada a uma série de senhores ... Esta adesão múltipla de diversos grupos e em diversos relacionamentos é uma importante fonte de brigas e conflitos, mas é igualmente a base de coesão interna, em qualquer sociedade (GLUCKMAN 1955, pp. 18-20 apud NADER E TODD, Idem, pp. 1112) ".

Na relação multiplex, as partes em conflitos e os neutros não se relacionam de maneira impessoal, transitória e limitada a atividade institucional ou a um determinado conflito, as relações são contínuas e persistem fora da instituição ou do processamento do conflito, portanto a natureza das relações entre as partes e o terceiro afetará a maneira e a forma de abordar e processar o problema, exercendo outro tipo de influência no cumprimento do que foi decidido. Neste caso, o cumprimento do que foi acordado ou decidido tem como força vinculativa o compromisso pessoal entre as partes, a coletividade e o neutro, a força normativa está ligada a sentimentos morais baseados em vergonha, estima, status perante a autoridade do terceiro e a comunidade, legitimidade é diretamente condicionada a estima e à confiança da referida instância, portanto, diferentemente da autoridade legal, a autoridade pela eleição das partes e da comunidade possui mecanismos interpessoais e coletivos de legitimação, coerção e controle do poder. Na relação simplex, o vínculo institucional e profissional, a maneira e a forma de abordar estão diretamente relacionados ao poder que certa instituição representa perante as partes e os neutros, a autoridade é legitimada pelo arbítrio da lei ou do poder hierárquico e está condicionada a lei ou a vontade da autoridade que representa estes poderes, os 294

interesses se movimentam da preocupação com as relações sociais e com a legitimidade da autoridade perante a coletividade para a preocupação com os interesses institucionais ou da autoridade superior e a manutenção da autoridade revestida pela instituição. Assim, a natureza das relações delimita o alcance da forma de processamento e abordagem dos conflitos, Nader e Todd, apresentam a formulação da seguinte hipótese: Relações que são múltiplas e envolvem muitos interesses exigem certos tipos de soluções compromissadas, o que permitirá continuidade das relações (Idem, p. 13), resumindo o seguinte quadro: Tabela 10: Relação entre a natureza das relações, as formas de processamento e o conteúdo dos resultados. Disputantes relações

em

múltiplas

Negociação contam com

ou continuas

mediação tentativa

ou na de

resultados com vontade

a

de

compromisso

de

levar a

resolução e... Disputantes

em

contam com

relações simples

Adjudicação

ou

com vontade

decisões

arbitragem

em

de levar a

vencer ou perder

tentativas

de

de

resolução

Conforme visto no capítulo II, item 4, a partir das características apontadas por Moore (MOORE, 1998, pp. 48–74), o mediador judicial pode ser tipificado como mediador com autoridade, pois o que reveste sua posição e prática é sua relação institucional com o Poder Judiciário e esta forma de autoridade reverbera em sua relação com as partes. Sua posição não foi constituída pela autoridade legitimada pelas partes, nem pela comunidade e nem por sua expertise e notoriedade profissional. As características da função do mediador judicial nos permite classificar a relação deste com as partes dentro dos parâmetros do tipo simplex. Embora se conceba a mediação como uma forma de restabelecer vínculos sociais, a força vinculativa é institucional e seu alcance para a manutenção das relações sociais aproxima-se das decisões tomadas arbitragem ou adjudicação.

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Portanto, as sanções positivas e negativas e o poder coercitivo não vigoram com base no compromisso pessoal e coletivo que advêm das relações sociais cotidianos das pessoas, mas do poder outorgado por lei ou estatuto, o que Weber chama de autoridade legal. 3.3. Queixa ou pré-conflito, palco dos conflitos e disputa: as três fases básicas do conflito. Ainda com Nader e Todd, observamos que o conflito apresenta pelo menos três fases de processamento de distintas: (1) a queixa ou pré-conflito, (2) o palco dos conflitos, (3) a fase da disputa. A fase 1 é caracterizada pela percepção unilateral de alguma injustiça pelo indivíduo ou grupo, motivando ressentimentos ou reclamações, mesmo que os motivos desta percepção sejam reais ou imaginários. Nesta situação, a queixa é carregada pelo potencial de irromper o conflito ou de diminuir esta percepção, podendo ser escalada para o confronto, evitada com a redução da interação social. Nesta fase, o indivíduo ou grupo que se sente lesado pode coagira a outra parte sem estabelecer um diálogo, sem comunicar às motivações que levam este a proceder desta fora, sendo esta fase classificada pelos autores como monádica (Idem, p. 14). Quando a parte que teve a percepção de injustiça decide por resistir ativamente ao conflito e opta pelo confronto, comunicando seu ressentimento, sentimento de injustiça, esta parte lança-se ao desafia desafio de coagir e/ou negociar com a outra parte, configurando-se a fase 2. Nesse momento, ambas as partes têm consciência mutua da existência da discordância, caracterizando a fase diádica. Nesta fase há possibilidade de ambas as partes escalar ou tentar escalar o conflito através da coerção ou da negociação, geralmente tentando convencer a outra parte de acolher suas razões e atender seus interesses, necessidade e vontades, o que caracteriza a fase diádica é que as partes comunicam-se diretamente (Idem, pp. 14-15).

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Quando a percepção de injustiça ou os motivos desta percepção são escalados da fase monádica ou diádica e se tornam públicos, ambas ou uma das partes buscam o espaço público para expor suas percepções, permitindo a intervenção de um terceiro (pessoa ou grupo), que caracteriza a fase 3. Esta fase é denominada pelos autores como triádica, pois há uma triangulação a partir da intervenção de um terceiro, com o consentimento ou não das partes em conflito (Idem, p. 15). Estas fases não obedecem à relação de causalidade entre si, nem são fases obrigatórias para a escalada do conflito, o indivíduo, grupo ou as partes em conflito podem agir de maneira unilateral ou bilateral sem necessariamente estarem restritos à determinada fase, podem escalar ou retroceder em suas posições e atitudes, tanto individualmente quanto em conjunto. O conflito pode retroceder para aceitação ou escalar para as a agressão, as pessoas pode se prejudicar com atitudes cooperativas ou se preservar através do adversariais, assim como, confundir-se com outras questões de divergência, sem qualquer linearidade, inclusive se perdendo em eventos que se desdobram no tempo ocasionando outras animosidades, hostilidades e inimizades, entre as partes e os terceiros sejam representantes ou interventores (Idem). Ao contrário, a proposta parte da observação sistemática das práticas que possibilitem explicações de como as condutas traduzem padrões de comportamento, normas e instituições, assim como no estudo de caso observamos os conflitos, as formas de processamento e o seu resultado no caso concreto. Assim como os autores observam, a partir das próprias pesquisas e de outras pesquisas antropológicas, considero necessária uma abordagem sistêmica que conceba a complexidade, instabilidade e intersubjetividade das relações humanas, justificando a necessidade de se abordar os conflitos de maneira dinâmica, contemplando as instâncias normativas e as formas de abordagem e processamento dos conflitos como dimensões que se comunicam. Nader e Todd propõem analisar as formas de abordagem e processamento dos conflitos em duas dimensões: da estrutura das relações sociais (1), em que vamos observar

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a dinâmica que conjuga variáveis como controle dos recursos escassos, a distribuição de poder, o objetivo dos atores, o acesso ao fórum, o tempo e os custos do conflito e das formas de abordagem e processamento. Na dimensão cultural daremos atenção à dinâmica de definição de ideologias, valores e atitudes a partir da percepção e cognição que vinculam indivíduos em determinado grupo, que definem os insiders e outsiders, estritamente ligados à questão da empatia e como as instancias normativas definem sanções positivas e negativas em relação às condutas, como as penas e as regras do jogo são definidas tanto para os insiders quanto para os outsiders, como se define demarcação “nós” e “eles”. Por outro lado, verificaremos como este processo de integração entre instâncias normativas e sistemas legais, demonstrando de maneira sistêmica a dinâmica do processo de escolha entre manter o conflito na instancia comunitária, buscar instituições estatais. Por último verificaremos o contato entre sistemas normativos heterogêneos que definem novos sentidos à lei, desintegrando a função elementar desta que é a de consolidar e integrar sentimentos de justiça, objetivos coletivos, pois ao flexibilizar o sentido da lei, da justiça, as escolhas serão feitas para contemplar objetivos, interesses, necessidades individuais, em detrimento da coletividade, evidenciadas na intolerância do pluralismo social e cultural, na desigualdade de poder mais acentuadas em sociedades heterogêneas, no profissionalismo, que altera os padrões de acesso aos mecanismos de disputa, pois a legitimação do intermediário fica restrita a competência legal. 4. Dimensão social A análise sistêmica das formas de abordagem e processamento dos conflitos e da normatividade implica uma alteração substancial do princípio do equilíbrio inerente a estudos em favor de uma abordagem mais dinâmica que trata da disputa como um evento em uma série de eventos que ligam pessoas e grupos ao longo do tempo e, possivelmente, envolvendo outras disputas que podem ser observadas como variáveis que aos serem incorporadas à forma de abordagem e processamento dos conflitos alteram o resultado. Segundo Nader e Todd os conflitos são processos sociais embutidos nas relações sociais. O foco da atenção se desloca "a partir da própria disputa (e as técnicas para

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manuseá-lo) para os processos sociais de que a disputa é uma parte" (Starr e Yngvesson 1975: 562-63, 564; op. cit. p. 16). Como foi observado por Starr e Yngvesson: "A literatura (...) reflete um preconceito que tem caracterizado muita pesquisa antropológica, tanto legal quanto e em outras áreas, até a década passada. Uma ênfase Durkeheimiana na harmonia de interesses e objetivos comuns se fortemente influenciado o pensamento e parece ter moldado as formas em que os antropólogos perceberam o tratamento de litígios, particularmente entre as pessoas em relações múltiplas, as relações em curso (...) relações múltiplas, as relações em curso são frequentemente não harmoniosas (...) relações atuais podem ser baseadas no conflito ou têm elementos de conflito estruturados dentro deles, e o aspecto contínuo pode ou não pode ser voluntário. Exemplos de tais relações de conflito são aquelas baseadas em dívida (por exemplo, relações meeiro/pais) ou relações de dívida entre afins em relação à noiva riqueza [Van Velsen, 1964), a herança (por exemplo, certo filho / relações pai em sistemas de herança patri-primogenitura, irmão relações em outros sistemas agnáticos ou cognáticos) casamento e outros (STARR E YNGVESSON, 1975: 559, 564 apud NADER E TODD, p. 16-17) "

Nesse contexto, o tipo de relação social desempenha um papel importante, pois quando a continuidade da relação é importante para os envolvidos e não se restringem ao que motivou o conflito, a escolha da abordagem e processamento do conflito e feita para reforçar esse objetivo. 4.1.Relações sociais Nader e Todd citam algumas pesquisas que exemplificam esta variável como um fato significativo observado em diversos trabalhos: Em um artigo já clássico Stewart Maaulay (1963) descreve o ato de evitar a lei como uma forma de construir e manter boas relações comerciais; empresários preferem não usar contratos nas suas relações com outros empresários, e até mesmo preferem não usar o direito penal para lidar com a atividade criminosa (Sutherland 1949: 248). Há um número de outros exemplos de “atos de evitar” a lei, sobretudo quando de soma zero (tudo ou nada) as operações que militam contra as relações continuadas (van der Sprenkel 1962: 112-23; Hahm 1976: 1920). Colier (1973), em seu trabalho sobre a Zinacantecas do sul do México, sugere que os índios que desejam preservar um relacionamento valorizado vão procurar um procedimento de solução que promove a reconciliação, e ela observa que, apesar disso, esses índios usam procedimentos legais Ladinos quando necessário, a decisão tomada por outro Zinacantan a recorrer ao tribunal Ladino é "como uma decisão de ir à guerra." Entre os Jale da Nova Guiné (Koch, 1974), membros de uma mesma linhagem paterna geralmente mediam e participam em rituais de reconciliação, mas a distância geográfica, mesmo entre parentes, aumenta a probabilidade de confronto mais amplo (Idem, pp. 16-17).

Por outro lado, argumentam os autores, que as relações continuadas não determinam que as partes optem sempre por formas de abordagem e soluções consensuais,

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em muitos casos, a própria natureza das relações continuadas como família, parentesco é motivo do conflito, como disputa por heranças e questões de status e controle de comportamento de gênero, classe ou outro fator distintivo. Este fator também pode impedir a escalada do conflito dependendo da relação entre a posição das partes e os atos advindos de pessoas nessa posição esperados pela sociedade, sendo importante identificar quem praticou a conduta antes a própria conduta, como por exemplo, condutas cometidas por membros de categorias privilegiadas na comunidade. Os autores apoiam-se em Canter, que observou que uma das quatro razões para um chefe da Zâmbia de rejeitar um caso discutível na aldeia, ou é por que envolve as relações estreitas entre disputantes que tiveram uma longa história de conflito entre si ou por que se trata de um chefe de outra aldeia ou de um membro da elite política (Idem, p. 17). Portanto, os laços entre os envolvidos no conflito, partes ou intermediários, tem sua variável interna e externa que estão inscritas em diversas instâncias normativas como parentesco, vizinhança, religião, comercio, amizade, concorrência, sendo que estas variáveis devem ser consideradas e incorporadas na análise e compreensão das dimensões sociais da dinâmica do conflito. Outra variável que os estudos antropológicos põem em descrição para incorporar o mosaico de análise das relações humanas é a relação entre o objeto da disputa e o acesso/valor deste objeto/recurso e poder de controle destes entre as partes. Quando a disputa tem como base o acesso/valor do objeto/recuso em disputa, este pode ser mais relevante que as relações sociais entre indivíduos e até mesmo entre o indivíduo e a sociedade. Por isso, estudos antropológicos indicam que quanto mais em situações de escassez e precariedade, em que a disputa pelos objetos/recursos atinge as intuições primárias de sobrevivência do indivíduo ou vínculos emocionais entre pessoas formando grupos “nós” e “eles” que elegem uma ordem de prioridade, sendo o próximo passo sacrificar as relações sociais para monopolizar o acesso ao objeto/recurso. Estas relações de escassez não somente são pautadas em objetos/recursos materiais (dinheiro, terra, controle sobre pessoas), mas Nader e Todd apresentam pesquisas de campo de Rothenberger, Starr, Ruffini, e Todd em que nota-se que recursos não materiais 300

também podem ser considerados como fator de preocupação: honra, orgulho, prestígio, poder, valentia (Idem, p.18). A valoração do objeto de disputa tem relação direta com a ordenação de prioridades naturais e culturais, a escassez de um objeto/recurso pode ser compensada por outro, os autores citam o exemplo do trabalho Lowy em Gana, em que mesmo a falta de dinheiro é compensada com o crédito pessoal, que pode ser contextualizada com o ditado "Um bom nome vale mais do que dinheiro" (Idem, p. 19). No cenário de precariedade ou escassez conjugada com a variável multiplex, simplex também parece não ser determinante. Estudos de Forman em uma aldeia do equador incorporam a coletânea de pesquisas de Nader e Todd, informando que ao descrever e analisar disputas em relacionamentos multiplex, contínuos, independentemente da natureza da relação, o conteúdo em disputa e as questões diferentes geram estratégias diferentes e resultados diferentes. Os autores apontam que, segundo Forman, apesar das pessoas que optam pela disputa em detrimento da cooperação terem consciência do risco real ou potencial de sua estratégia em suas relações sociais, na perspectiva em primeira pessoa, diante do conflito, há espaço para justificar a justiça do raciocínio custo-benefício, isto é, o objeto da disputa pode ter o valor maior do que pôr a relação em risco. Outro exemplo interessante de como o nível do conflito pode aumentar conforme a escassez real ou percebida guarda relação com a escolha da instância normativa e a forma de processamento o conflito, que varia conforme as condições biológicas, psicológicas e sociais de escassez ou abundancia é o exemplo do caso dos índios Hopi em que poderiam usar o “ato de evitar” como técnica para lidar com expansão Navajo enquanto havia muita terra para escapar (Cox 1968). A situação mudou significativamente quando o número da população Navajo aumentou. Evitar não era mais uma forma de adaptação e uma maneira de Hopi para lidar com a caça furtiva (Idem).

4.2.Distribuição de poder Estudos antropológicos evidenciam que o controle dos objetos/recursos escassos está diretamente ligado ao poder e legislar, sendo uma das formas de distribuição e delegação de poder, assim como de criar instituições, ordenar prioridades, hierarquizar direitos, criar formas de processamento de conflitos. Estes mecanismos podem ser

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utilizados para distribuir, centralizar, legitimar e destituir e manter o poder de indivíduos e grupos. Nader e Todd generalizam tal variável, demonstrando que esta compõe pequenas e grandes sociedades, através de exemplo identificado em estudos nas pequenas sociedades na Nova Guine, Turquia e Suécia, existem leis que favorecem grupos dominantes e táticas inventados pelos povos locais que buscam maior equidade. Em um dos estudos inventariados, Barton (1919) descreveu um sistema de multas entre os Ifugao das Filipinas, que foi organizado de acordo com a capacidade de cada classe de pagar (Idem, p. 19). Os autores também citam como exemplo um estudo de Nader (1969b) e outro de Lowy (1971), vejamos: Nos Zapotecas (Nader 1969b) havia a exigência de que os poderosos fossem mais responsáveis do que os impotentes e, portanto, se penalizava os ricos que roubam mais severamente do que os pobres. As partes mais fracas encontram vias de recurso que podem ser percebidas como mecanismos competitivos de disputa controlados pelas partes dominantes. Na cidade de Koforidua em Gana, Lowy (1971) descreve as variedades de acesso que as pessoas têm aos tribunais de processos sobrenaturais (Idem).

A partir destes exemplos, Nader e Todd indicam que tanto em sociedades plurais ou multiétnicas, em que um segmento pode se impor ou forçar uma imposição de suas normas a seguimentos minoritários que, apesar de discordarem são forçados a se submeter, quanto nas comunidades monoétnicas há também uso do poder, mesmo que nesse caso tenha abrangência restrita, como por exemplo: O pai latifundiário na Turquia rural poderá reter quase total controle sobre seu filho arrendatário-agricultor. No Líbano, o resultado de uma disputa em um vilarejo sunita pode girar sobre como as pessoas estão relacionadas. O grupo privilegiado em uma aldeia da Baviera rural ou em vila de pescadores escandinavo é composto por pessoas de status mais elevado na comunidade, as pessoas que controlam o acesso a várias agências de intermediação em que os conflitos e as disputas podem ser processados. Entre os Lenje na Zâmbia, Canter aponta que as mulheres são tratadas como menores de idade em disputas conjugais, mas como não menores em disputas que envolvem problemas não conjugais (Idem, p. 20).

Segundo Nader e Todd, num tribunal, o controle da definição das normas ou da organização da discussão, a facilidade de acesso à assessoria de defesa, como a um advogado, são alguns fatores que nos servem para observar a efetividade das leis e a distância entre a organização social e normativa ideal e seu funcionamento, ressaltando que os contrastes mais evidentes tendem a aparecer em sociedades cultural e socialmente heterogêneas (Idem, p. 20). 302

Sob um viés mais amplo e interdisciplinar, nos distanciamos da abordagem eminentemente culturalista dos trabalhos etnográficos do autor, para a aproximação entre natureza e cultura através da concepção da linguagem como um órgão natural, da relação mente/cérebro e externo da relação indivíduo coletividade e natureza. Como forma de expressão de nossa capacidade e competência linguística a lei é um veículo de equalização de poder, tanto nas relações de equidade quanto nas relações de dominância entre grupos e subgrupos em detrimento de outros, superando a visão behaviorista de Skinner e Watson e cognitivista de Freud e Piaget. Ambas as abordagens, derivadas do dualismo cartesiano, sendo a normatividade um componente neurobiológico que se expressa das mais variadas formas, assim como os idiomas e cultura (CHOMSKY, 1959, 1998; SEARLE, 1972; HAUSER ET al., 2002). Os estudos antropológicos inventariados por Nader e Todd descrevem uma variedade de funções da normatividade, como em sociedades indígenas isoladas, mas em sociedades com características como estratificação e diversidade cultural o poder deriva mais das posições sociais do que da própria lei em relação aos seus usos e significados no cotidiano (op. cit., p. 20). Estes estudos sugerem que em sociedades menores, homogêneas, uma espécie de controle social é reflexo da maior proximidade entre as pessoas em conflito, assim como dos terceiros interventores, facilitando o compartilhamento de uma gama de laços interpessoais e de consenso (submissão/aceitação) em relação às posições de poder. Em sociedades menores, homogêneas, os indivíduos dependem de sua relação com o(s) outro(s) para seu bem-estar, fator de controle social que não se verifica de em sociedades heterogêneas não se verifica de maneira generalizada em sociedades isoladas. Quando a autonomia dos indivíduos perante as relações individuais e coletivas em relação ao seu bem-estar é verificada, a tendência é que os meios legais sejam utilizados em proveito exclusivo deste individualismo, favorecendo seu uso nas relações de poder. As motivações para o uso dos mecanismos de disputa são variadas, estudos sobre as formas de processamento de conflitos que privilegiam o ponto de vista do litigante, em primeira pessoa, conduz nossa atenção para a variedade de formas de utilização dos terceiros intermediadores e das formas de processamento dos conflitos. 303

Estudos de campo demonstram que os tribunais não somente funcionam como arenas para o esclarecimento das relações sociais, mas em arenas utilizadas para diversas condutas com diversos objetivos. A importância que deve ser dada para estudos que privilegiam a perspectiva das partes em conflito é que diferentemente de estudos que contemplam as formas de processamento de conflitos e o processo decisório apenas sob a perspectiva do juiz, árbitro, mediador, negligencia a dimensão sociologia do tribunal como um espaço de interação. Os autores apontam estudos Duane Matziger, México (1960), que mostra a diferença entre as decisões quando os atores do tribunal são membros da mesma comunidade indígena e quando um dos atores é um Ladino (Idem, p. 21). 4.3.Interesses individuais Na perspectiva das partes, podemos analisar o processo de disputa sob o prisma dos valores, objetivos, estratégias dos diversos atores ou sob o prisma da posição dos atores como membros de um grupo e observar a dinâmica e os padrões de coalizão. Os interesses individuais, conforme ressaltam os autores a partir do trabalho de Matziger (1960) e outros se evidenciam em dinâmicas como: O litigante pode estar disposto a perder uma batalha, se, no final, ele ganha a guerra. Um juiz pode estar disposto a comprometer um caso difícil, se a paz da aldeia está em questão (Nader 1969b). Um tomador de decisão pode ser um representante burocrático do governo nacional ou, como na descrição de Pamell no México, uma autoridade em nível local, cuja lealdade não está ligada a nenhum sistema nacional nem local de relações, mas a ambições pessoais (Idem, p. 22).

A própria decisão de “ir ao tribunal” tem significados diferentes dependendo da relação do indivíduo com a instituição suas funções Ir ao tribunal em Gana pode aparentemente ser o de maximizar recompensa monetária do autor; mas o mais importante pode ser a maneira de suscitar um pedido de desculpas ou um acordo fora do tribunal. Na aldeia turca, um aldeão pode ir ao tribunal para "neutralizar" as diferenças de ordem entre si mesmo e seu oponente (Idem, p. 22).

As alternativas de processamento dos conflitos ao sistema jurídico oficial podem ser utilizadas pelas partes para maximizar suas possibilidades de atingir seus objetivos, pois a ameaça de levar a questão aos tribunais oficiais pode servir de coação para que a outra parte aceite resolver o problema de forma informal, conforme exemplificam Nader e Todd. 304

Os indivíduos e as instituições que participam na rede Transnacional descrito por Pamell no México podem ativar esta rede quando a estrutura jurídica formal não serve os seus objetivos. Os libaneses nas aldeias descritas por Witty e Rothenberger tem o sistema estadual para recorrer como o fazem os povos, na maioria das outras sociedades descritas aqui como parte de Estados-nação, embora possam considerá-lo apenas como um último recurso (Idem, p. 22).

Nader e Todd propõem que a reação das pessoas em relação ao sentimento de injustiça, ao serem observadas e descritas nos possibilita identificar uma variedade de condutas como vandalizar, contrariar, buscar compensação, castigo. Estas condutas guardam relação com as formas de abordagem e processamento dos conflitos, seu funcionamento e o acesso às formas e instituições. Portanto, para os autores, o acesso torna-se palavra-chave, conforme exemplificam: Entre os Zapoteca de Oxaca, no México, as expectativas de acesso são tais que um Zapoteca fica irritado de esperar algumas horas para ser ouvido em um tribunal, em um "gueto" Washington, DC, uma mulher negra não acreditou que num escritório recém-inaugurado de assistência jurídica, ela tinha que esperar um mês para uma reunião para discutir um problema do consumidor. O acesso lento não é acesso, e alguns dizem que é a maneira mais rápida de perder potenciais clientes legais (Cohn 1977 apud NADER, TODD, Idem, p. 23).

A variedade de instituições e de formas de processamento de conflitos nos permite observar que a disponibilidade destas opções e o processo de escolha não se traduzem como ampliação de acesso à justiça, na medida em que tais opções e o processo de escolha têm como variável a desigualdade de condições materiais, psicológicas e sociais. Alguém sem condições materiais, psicológicas e socioculturais irá tentar soluções alternativas às institucionais, tendo em vista que no caminho entre seu direito subjetivo e sua materialização, as precariedades de sua realidade oferecem custos mais altos do que a expectativa de ganho99. A necessidade de ter o problema resolvido altera o significado de direito e justiça para uma questão de gestão de conflitos que devem ter uma solução, mesmo que não traduza o sentimento de justiça e a expectativa criada pelo direito positivado.

99

Por exemplo, no caso “da mulher do gueto” de Washington, para buscar seus direitos, terá que superar fatores como o tempo do atendimento, como a distância de sua casa ao Fórum, a dificuldade de acesso e o custo do transporte para locomoção, o impacto de eventual ausência no trabalho em função das audiências, o valor das custas processuais, a dificuldade de comunicação, questões emotivas advindas da insegurança pela falta de informação, de empatia, o medo da autoridade, variáveis que alteram tanto sua opção pelo processo judicial quanto o valor da proposta de eventual acordo, perante sua chance de êxito diante de suas condições precárias.

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No estudo de caso, acerca da conciliação feita no mutirão do TJRJ, a partir do convênio entre o Tribunal e a empresa de seguro de saúde, entre a mãe que teve o atendimento de emergência de seu filho negado pela empresa em plena madrugada, verifica-se que por variáveis semelhantes à mãe, mesmo demonstrando indignação, aceitou a proposta de acordo após o parecer da juíza. O fato da parte residir em Duque de Caxias, distante do Fórum central, da insegurança jurídica demonstrada pela juíza, pelo tempo e o curto a ser despendido para retornar na próxima audiência, o risco natural do processo que sempre existe aumenta geometricamente. Neste contexto, a prestação jurisdicional se reduz à gestão dos passivos oriundos de atos ilegais das empresas que deslocam a questão da ilegalidade de suas condutas para a negociação entre o interesse das empresa em diminuir o impacto financeiro de seus passivos judiciais e do Tribunal em diminuir o volume de processos. Se por um lado este cenário pode ser visto como ampliação de acesso à justiça, por outro, podemos questionar se esta inclusão é seletiva, tendo em vista que cada opção tem um custo e a disponibilidade destas opções está diretamente ligada ao impacto deste custo na utilização do sistema. É neste sentido que a problemática da relativização dos direitos se contrasta com objetivos como economia processual, celeridade, eficiência, em que o direito subjetivo encontra limitações objetivas, conforme as prioridades eleitas por parte de quem tem poder. Nader e Todd (Idem) apresenta esta questão a partir de diversos trabalhos de campo, como: Canter aponta que o Lenje da Zâmbia utiliza uma gama de agentes de intermediação em uma ordem hierárquica, e que esta ordem é estabelecida pelos próprios agentes de intermediação, que insistem no processamento de disputa hierárquico. Sobre os ganenses, Lowy aponta que também existe um arranjo hierárquico no sistema do tribunal, mas, outra alternativa não hierárquica também está presente. Na Sardenha (Ruffini 1974), os pastores têm de escolher entre dois sistemas políticos concorrentes - o italiano e o sardo. Embora os pastores sardos prefiram evitar o uso do sistema italiano formal e a maior parte opta por recorrer ao sistema informal de nível local, a ameaça de crescentes disputas, chamam a atenção dos policiais e tribunais italianos que veem o pastor como uma ferramenta de negociação adicional que pode ser usada para obter uma solução mais vantajosa (Idem, p. 23).

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Por outro lado, a ausência de alternativas pode ser crucial para a escalada do conflito, pois a dependência de uma só forma ou instância normativa para a resolução de conflitos torna tênue o limiar entre paz e guerra, por exemplo A falta de mecanismos institucionais com terceiros para a disputa entre os Jale da Nova Guiné deixa a questão da paz ou a escalada dependente da eficácia das redes de parentesco e residenciais. Quando estas se quebram, o conflito dentro da aldeia muitas vezes degenera em guerra entre aldeias (Idem, p. 23).

Diante destas variáveis, podemos identificar alguns critérios em relação ao conflito, sua escalada e com a forma adequada de abordagem e processamento dos mesmos. Alguns fatores contribuem para identificarmos nos casos concretos, que mesmo que haja uma diversidade de mecanismos institucionais com terceiros para intermediar disputas, o tempo, os custos. 4.4.Tempo A variável "tempo" exerce influência essencial no processo. Em diversas variáveis, o fator tempo pode ser identificado no processo de disputa: a demora, querer evitar a tomada de decisão, esfriar o caso e atrasá-lo podem culminar de certa forma em "casos salvos” ou aumentar a rigidez das partes dependendo de qual seja a situação no caso concreto. Segundo Nader e Todd, a primeira vista é uma estratégia para adiar a tomada de decisões, ou para evitá-la por completo. Em algumas sociedades réus em um processo civil podem requerer repetidamente, e receber, adiamentos de um caso como parte de sua estratégia global de obter sucesso no caso. Conforme os autores, Starr (1968, apud NADER E TODD, op. cit. p. 17) mostra como atraso contínuo em processos judiciais na Turquia pode aumentar o custo desses processos, de tal forma que a rendição de uma das partes é inevitável. A lentidão também pode fornecer as partes em litígio um tempo para reexaminar seus respectivos pontos fortes e fracos. Na comunidade estudada por Yngvensson (1970 apud NADER E TODD, op. cit. p. 18) ações sobre disputas e conflitos que foram repetidamente adiadas até que um consenso geral pudesse ser alcançado entre os membros da comunidade (cf. Frankenberg 1957).

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Disputantes podem ser capazes de utilizar o tempo adicional para redefinir as questões em disputa, ou conseguir uma catarse por "falar do problema até a morte". O tempo é crucial para o pescador individual, uma vez que envolve uma escolha sobre se deseja prosseguir para a próxima etapa do processo. Entre os aborígines australianos, segundo os autores, Williams relata (1973) a crença corrente de que o tempo deve (...) mediar um crime e um ato de retaliação ou de resolução; a reação imediata é, no mínimo, inadequada, e em algumas situações, pode constituir-se uma ofensa (Idem). Os aborígines consideram que algumas situações se resolverem por si mesmo. Considerando que “apressar" ou qualquer indicação de “aceleração” é uma má forma de resolver conflitos (Idem, p. 171). Outra função do tempo é apontada por Canter, que observou que o atraso no julgamento de casos, em alguns casos, pode ser a capaz de construir um caso mais grave para o futuro do processo judicial, quando a situação parece madura, o requerente entra em batalha armado com todas as formas para se livrar. O tempo também é um fator em termos de quantidade do mesmo reservado para casos que devem ser ouvidos em um fórum específico. Lowy contrasta o tempo dado aos casos que correm perante a Comissão de Reconciliação com os dos tribunais de Gana e o impacto dessa diferença nas decisões. 4.5.Custos Outra variável apurada por Nader e Todd a partir dos trabalhos descritivos e etnográficos é questão dos custos envolvidos na promoção de uma ação, que foi observada, quando tratamos da questão da estrutura das relações sociais. Em um nível mais geral, no entanto, para os autores o custo puro e simples - fora do domínio de recursos escassos e as relações sociais - podem ser considerados separadamente, pois o mesmo pode ser sociológico, psicológico ou de natureza econômica. A distância física do tribunal ou do terceiro (juiz, arbitro, mediador, conciliador, chefe, guru) pode ser um fator importante, pois quanto maior à distância, maior a despesa de recursos econômicos e de tempo a fim de apresentar uma queixa diante de um terceiro, este custo pode aumentar exponencialmente se a ele é adicionado o custo do transporte de

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testemunhas e /ou assistente ao fórum, assim como os custos para obtenção de provas, ou as custas processuais. A abordagem dos riscos de escalada do conflito, pelo fato de exposto o caso a um terceiro também deve ser considerada um custo, pois a simples veiculação de uma queixa pode gerar e aumentar a animosidade entre as partes. Se uma pessoa leva a outra ao tribunal, ou vai recorre à polícia ou algum outro terceiro, ela deve ser capaz de prever com alguma certeza que há chances de êxito maior chance de êxito em longo prazo do que em curto prazo. Segundo ressalta os autores no trabalho de Ruffini: o pastor sardo que perdeu ovelhas para um ladrão pode achar que as chances de recuperar parte ou a totalidade do seu rebanho são praticamente nulas se ele relata o roubo à polícia. Em vez disso, ele prefere utilizar canais mais informais - o baracelli, que compreende uma rede de relações sociais informais em toda a ilha - em um esforço para obter as suas ovelhas de volta. Indo para a polícia pode muito bem resultar em disputa; e o pastor que utiliza esse canal pode achar que ele perde o status dentro da comunidade ou, pior ainda, que ele está condenado ao ostracismo inteiramente (custos sociológicos e psicológicos), sem esperança de algum dia recuperar seus animais (Rufine, 1974 apud NADER E TODD, p. 26).

Em outro trabalho citado pelos autores, Koch fornece outro exemplo, que de algum modo na sociedade Jale, quando há “danos à propriedade” - incluindo o ferimento de cães e porcos – chama-se inicialmente a parte responsável para reparo ou restituição. Se tais reivindicações permaneçam insatisfeitas, a queixa pode precipitar um confronto o pode levar a lesões e até mesmo assassinatos. À medida que a espiral do conflito aumenta, o apoio e as alianças estruturais determinam o envolvimento de mais pessoas na disputa, alcançando inclusive à participação de representantes, irmãos, grupos de homens da casa, vizinhos e amigos de comércio ou de outra aldeia. Os custos psicológicos têm, na época dos relatos eram dificilmente considerados tento em vista que não havia os recursos que a neurobiologia cognitiva hoje dispõe, mas já era considerada a necessidade e importância desta variável e de seu impacto no estresse, mesmo sendo uma preocupação limitada sobre a saúde do corpo. Mesmo que ainda seja problemático precisar exatamente qual o impacto desta variável na decisão de procurar um terceiro e sua escolha e utilização adequada, Nader e

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Todd destacam que Lowy já levantava a questão de que ir ao tribunal em Gana pode não envolver apenas os custos diretos de ajuizamento de ação, mas também pode resultar em confusão e grandes custos psicológicos para os usuários do Tribunal, além dos custos do processo que podem ainda ser mais altos, caso o autor necessite recorrer. 5. Dimensão Cultural Nader e Todd (op. cit.) denominam dimensão cultural ao que se refere como domínio da ideologia, valores e atitudes, tudo dentro do reino da percepção e cognição. Segundo os autores, com exceção de alguns estudos como Hoebel (1954), Gluckman (1965), Graburn (1969), e Spradley (1970), a maioria dos sobre litígios e disputas tratam apenas das relações sociais, da estrutura social e das redes sociais. Argumentam que a perspectiva cultural no estudo do direito exige que descobrimento do ponto de vista “privilegiado” (insider) dos nativos, e às vezes isso significa uma redefinição do próprio domínio que estamos olhando. Com Graburn (1969), os autores apontam para o ditado fluente na cultura esquimó, "não há lei, não há crime" e asseveram que este valor é expresso também no direito ocidental - do pensamento romano ao common law anglo-americano (e estatutos, também) – na máxima "nulla poena máxima leges seno" (sem uma lei, não há crime) da tradição civil law. Os estudos utilizados por Nader e Todd, aqui citados como exemplos, demonstram que toda ação tem em sua disputa o componente ideológico ou cultural. Atos depravados em si mesmo são culturalmente definidos, enquanto que o comportamento aceitável gira em torno de determinadas normas sociais e até que ponto um indivíduo ou grupo pode desviar-se de normas dependentes da estrutura da cultura, para fundamentar este argumento citam exemplos descritos em diversas sociedades, como: Os bávaros utilizam o conceito de personagem para explicar o fracasso econômico e social, as consequências e as frustrações que acompanham de tal falha. Os sardos acreditam que o roubo de gado é um ato de coragem, em vez do crime que a legislação nacional italiana qualifica, e eles negociam esse roubo. Os Lenje da Zâmbia têm medidas de competência que nos informam a relação da norma para as instituições jurídicas: "Se os tribunais dos magistrados estivessem trabalhando teriam diminuído a frequência de roubo de gado". As aldeias de Loani, México, medem a sua própria competência na resolução de litígios, em contraste com o sistema jurídico do Estado e eles recorrem a táticas complicadas para resistir ao envolvimento das agências judiciais de fora em assuntos da vila. (…) Entre os pescadores do Atlântico, em nossa amostra o exemplo do incêndio

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do local designado como propriedade das pessoas confirma este ponto de vista. Os "insiders" nesta comunidade pesqueira tiveram incidência muito maior em violações do que os "outsiders" tiveram. Conforme observam os autores, muitos dos estudos reunidos em sua obra referem-se à dicotomia "dentro" / "fora", que descreve o arranjo dualista de categorias ou grupos de indivíduos encontrados nas comunidades estudadas (Idem, pp. 27-28).

A maioria destas categorizações é baseada em categorias êmicas. Nader e Todd citam algumas categorias identificadas em outros trabalhos, como: "Pescadores" (Yngvesson), "caráter" (Todd), "filho do lugar" (Witty), "pastores" (Ruffini) - categorias que divIdem as aldeias entre "nós" e "eles", para os autores cada categoria tem seu próprio sistema normativo/simbólico, seu próprio padrão para o comportamento retidão e adequada, por exemplo: A discussão de Canter da etnia como um fator para alcançar acordo mediado é informativa aqui, pois vincula um número de outros estudos que abordam a questão do acesso ao agente de solução. Em seu artigo Canter observa que para ser Lenje em um distrito com uma maioria Lenje é preciso ter alguma uma ampla rede de parentesco, social e laços residenciais. Para ser Lenje é preciso ter alguma posição privilegiada - não só uma posição privilegiada na linguagem, em maior status social, em conhecimento pessoal do comportamento do outro passado, mas, mais importante, uma vantagem no acesso a fóruns de resolução de conflitos (Idem).

Destacam os autores que entre os membros dos "insiders" ou "nós" as mesmas posições privilegiadas são encontradas, organizando a sociedade duplamente, pois fazer parte dos "ricos" garante que eles saiam na frente (Galanter, 1974), esta ideologia se reflete na dinâmica de disputa em provérbios ganenses da cidade de Kofuridua: "Você não deve atingir dez antes do vizinho alcançar nove"; "se você puxar a corda duramente vai partir", "se você perseguir sua causa própria você faz o mal"; "um bom nome vale mais do que dinheiro." Os símbolos estão na própria base de processamento de litígios. A lealdade familiar, obrigação de cuidar do passado, sentimento e vergonha são muitas vezes utilizados em discussões em que as decisões familiares são enquadradas entre os Lenje da Zâmbia (Idem, p. 28).

Verifica-se também na coletânea de estudos etnográficos reunidos por Nader e Todd, algumas virtudes que ajudavam a definir a posição de autoridade, como: coragem, vingança, sagacidade, astúcia e perspicácia ajudam a definir o pastor sardo como um homem capaz ou um homem corajoso, no que não é temerário; e é o corajoso, o capaz, pessoa que é capaz de recorrer a suas redes de parentesco e de amizade para obter ajuda na resolução de problemas. Como Rothenberg aponta em seu ensaio, a terra, um recurso superior na aldeia que ele estudou, é menos uma base para a disputa do que a honra e a vergonha. Tal como acontece com outros povos descritos neste volume há uma restrição cultural contra ventilar queixas fora da comunidade. Na verdade, tendo uma disputa fora dos canais informais de aldeia, ou seja, fora das mãos dos mecanismos de

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processamento de disputa indígenas locais, pode levar ao ostracismo, censura, e uma gama ainda maior de sanções negativas (Idem, pp. 28-29).

Estes estudos são utilizados por Nader e Todd para sugerir que a descoberta da dimensão cultural, seja através de categorias populares como "caráter" (Todd), "honra" (Rothenberger), ou "valor" (Ruffini) ou através de distinções como a que usa Lowy entre "argumento" e "caso", ou que Yngvesson, Witt e Todd usam entre "insiders" e "outsiders", abre uma porta para revelar como informantes percebem o mundo, incluindo a forma como eles veem e avaliam os mecanismos de processamento de disputas para decidir sobre o seu caminho de ação. A partir dos trabalhos citados e das argumentações dos autores, mesmo que de forma não convergente com suas conclusões, podemos verificar que nas diversas manifestações culturais, as condições neurobiológicas e os processos cognitivos são a base pelas quais esta diversidade de cultura é criada e por mais que a cultura, os símbolos, normas, instituições sejam diversas e até mesmo inconciliáveis. Todas as sociedades somente foram possíveis graças a nossas capacidades neurobiológicas que dão significado às emoções e sentimentos, neste mosaico de formas de vida podemos identificar um núcleo de características humanas, que coaduna com o trabalho de Greene que evidencia as limitações de teorias deonticas da decisão e da justiça. Assim como, os estudos citados por Nader e Todd, julgamentos morais, buscam se fundamentar em princípio recorrem à emoção e ao sentimento de empatia dificultando decisões imparciais que necessitam de previsibilidade quanto ao resultado, os trabalhos acima, reiteram o argumento de Greene no sentido de no campo da moral ainda nos comportarmos em tribos. 6. Dimensão político-jurídica 6.1. Fronteiras do legal e do ilegal O campo de pesquisa demarcado neste trabalho circunscreveu os problemas enfrentados dentro das fronteiras dos Estados-nação, ao nascermos todos sentem o poder de um sistema legal do país uns optam por usá-lo ou não quando há escolha, ou encontram maneiras de lidar com ele.

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Apesar de Nader e Todd apresentarem também sociedades que não tem contato algum com a forma de organização social baseada em leis e instituições das sociedades ocidentais modernas denominadas Estado-nação, como os Jale da Indonésia, Nova Guiné, as maioria das sociedades estudadas servem de exemplo da crescente incorporação da lei tradicional local (os povoados da Zâmbia) ou a crescente incorporação de lei estadual para o sistema local tradicional (os zapotecas e outros grupos indígenas em Oxaca, México). No entanto, asseveram que em muitos países industrializados ainda encontramos enclaves economicamente autossuficientes que, ou não precisa, ou ativamente evitam o contato o sistema nacional, muitos dos trabalhos apresentados por Nader e Todd, em 1978 estavam preocupados com contato ativo entre a população local e as diferentes partes do sistema jurídico nacional e acenavam pela necessidade de discussão sobre o sentido da lei. A contemporaneidade demonstra que as fronteiras internas e externas dos Estadosnação estão cada vez mais sobrepostas por organismos multilaterais, índices de desenvolvimento, critérios homogêneos de desenvolvimento que justificam intervenções das mais variadas formas e reconfiguram o significado de direito, com a exclusão inclusiva que faz do excluído a exceção exemplar para que não se adapte a regra. Nesse movimento, direitos individuais são flexibilizados e políticas públicas são centralizadas sob o signo da segurança, a força militar é utilizada para programas sociais, humanitários, de saúde sob a égide da pacificação e da harmonia, redesenhando os contornos político-jurídicos dos Estados-nação, criado sob os ideais da igualdade e da liberdade através da universalização de direitos. Sendo esta a última dimensão que iremos tratar aqui. 6.2 Dos usos e significados de direito e justiça no livre comércio de princípios, técnicas e soluções pacificadoras e civilizatórias. Nos últimos 30 anos, assistimos um processo de integração e homogeneização prioridades em países em desenvolvimento, cada vez mais estamos mais os que viviam a margem estão integrados em estruturas estaduais e nacionais, sendo esta integração a maior fonte de violência contra indivíduos e grupos minoritários. Em 1978, Nader e Todd consideravam que

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um dos principais problemas para os países no futuro será que uma de suas ferramentas mais poderosas para integrar e consolidar os objetivos nacionais pode ser desprezada e rejeitada pela maioria do povo comum. As razões são muitas, está na intolerância que caracteriza o pluralismo social e cultural; está na desigualdade de poder que se torna mais acentuada em sociedades diferenciadas e estratificadas; está no profissionalismo que altera os padrões de acesso aos principais mecanismos de disputa, está no problema de competência legal (Idem, p. 30).

Argumentam que em muitos casos as coisas da vida estão todas em um conjunto de variáveis - a distribuição do poder e que em todas as sociedades descritas neste volume, onde a presença do Estado-nação é predominante em diferentes graus de interesse conflito. Em todos os lugares, exemplos são abundantes do direito dos membros das elites nacionais de dominar e controlar tudo. A lei nos pontos de interseção entre os sistemas nacionais e locais não são aquelas que muitas vezes servem os interesses das populações locais. Em muitos dos países em desenvolvimento, o pessoal menos qualificado é enviado para o interior. Em muitos locais, a legislação nacional é executada por cima do direito consuetudinário e, pior ainda, utilizam a legislação nacional para legitimar atos de conquista e do imperialismo (HAHM, 1967 apud NADER; TODD, 1978). Grande parte da dificuldade da administração legal surgiu a partir de uma total ignorância ou esquiva da questão do pluralismo. De fato, não é incomum na história que os preconceitos da classe dominante prevalecem sobre a sociedade como lei. Nesse sentido Nader e Todd reiteram o que Pound afirmou: "a Justiça, como o fim da lei, é o compromisso ideal entre as atividades de cada um e as atividades de todos em um mundo lotado. A lei visa harmonizar essas atividades para ajustar as relações de cada um com os seus semelhantes, de modo estar de acordo com sentido moral da comunidade. Quando a comunidade é uma em suas ideias de justiça, isso é possível. Quando a comunidade está dividida e diversificada em grupos e classes e interesses, a compreensão mútua não muito boa, quando há ideias conflitantes da justiça, a tarefa é extremamente difícil (1906:339) (Idem, p. 31)."

Esta ignorância ou esquiva do pluralismo também está intimamente relacionada com a negligencia e a má utilização da lei que resultaram em negativismo generalizado e desrespeito da lei ou em conflito entre sistemas (como evidenciado nos Estados Unidos ou em qualquer nação jovem em que a lei está em um "estado desenvolvimentista").

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Os autores ressaltam a discussão levada por P.C. Hahm (1967: 146-66; 1968) em relação ao desenvolvimento de atitudes de desrespeito à lei na Coréia, como resultado de expectativas tradicionais da estrutura política, bem como dos encontros iniciais da Coreia tinha com leis de custódia estrangeira e a lei dos tribunais. Apresentam estudos de que na China, tais atitudes negativas para com os tribunais de justiça e a lei resultaram em uma "sociedade anti-litigio”, apesar de que na China o "... maior controle sobre os indivíduos está nas mãos dos grupos imediatos a que pertenciam (...) assuntos que primeiro eram tratados por aqueles mais capazes de conhecer tanto os fatos do caso quanto a lei local, maioria dos casos poderia não ter futuro. Esta foi uma forma de proporcionar uma grande diversidade costumes em toda a área da China, que, para ter cobrado os tribunais oficiais com toda a carga de aplicar a lei teria exigido uma administração muito mais cara e deu origem a problemas de codificação elaborada (VAN DER SPRENKEL 1962:119 apud NADER; TODD, Idem, p. 31)".

Prosseguem os autores asseverando que Antonio Pigliaru (1959) descreve o sistema de conflito encontrado na Sardenha, onde a vingança é o sistema em concorrência com o Estado. O sistema tradicional não incorpora as leis do Estado que não são coerentes com o seu sistema e reiteram que é tarefa do antropólogo consultar as condições em que a diversidade é tolerada pelo Estado. Nesse sentido citam o trabalho de Ehrlich (1936:14), que nos fornece uma hipótese: "É somente quando o Estado cresce extremamente poderoso e começa a tender para uma forma absoluta que começam a surgir à ideia de fazer do Estado autoridade que no decorrer do tempo se torna a única fonte de direito". Nader e Todd argumentam que o simples reconhecimento do pluralismo já, por vezes, nos ajudou a "dar sentido" a comportamentos definidos como desviantes pelo Estado citando o estudo de Whyte (1955) que deu sentido ao comportamento de gangue, visualizando a quadrilha não tanto como um grupo desviante, mas sim como subcultura cujos membros estão em conformidade com as normas da subcultura (Idem, p. 32). Na mesma linha que Sutherland desenvolveu sua teoria do crime (1949), por meio dos conceitos da homogeneidade e do pluralismo vertical: "o comportamento criminoso é aprendido em associação com aqueles que os define desfavoravelmente (Idem)". A maior parte da literatura sobre o pluralismo e direito tem lidado com o "problema" do pluralismo nas novas nações, no sentido que o sistema jurídico reflete seu antigo colonialismo.

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Nesses termos, segundo os autores, o colonialismo era considerado uma forma de bloqueio ou de controle para dividir e conquistar. Administradores coloniais ocidentais com pouca ou nenhuma formação em direito local tradicional foram enviados para os postos avançados coloniais e se esperava que fossem supervisionar tribunais e assembleias operando de acordo com a legislação do local, onde a lei local não entrar em conflito com a lei do poder colonial. Após o desaparecimento das colônias e da criação de novos Estados, o poder apoiado na ordem jurídica plural foi substituído, na sua maior parte, pelo governo “nacional" centralizado, cujos objetivos explícitos eram usar a lei como um meio de resolver o problema do pluralismo. Para Nader e Todd, a motivação de novos Estados é de um tipo diferente das potências coloniais e tem suas raízes profundamente plantadas em uma hipótese de que o sucesso nacional (que é medido para significar o desenvolvimento econômico) depende da criação de um povo homogêneo e que a melhor maneira de fazer isso é por meio da lei, geralmente, do direito importado do Ocidente. Suspeitam que nesta justificativa haja também algo que cheira a magia simpática à ideia de que se as nações que importam um sistema jurídico ou código de um país progressista também vão ter pelo menos as sementes do progresso e da modernidade. Para fundamentar esta suspeita, ressaltam o L. Friedman (1969) que apresenta uma crítica, desafiando esta posição, que se baseia em grande parte em "crenças" em vez de evidências. Nader e Todd chamam atenção para a dificuldade dos estudiosos em aceitar a premissa de que a sociedade deve ter leis para controlar o comportamento de todos os seus membros, pois em nenhuma sociedade objeto de estudo empírico isto foi observado e que: A questão sobre o que constitui um comportamento ilegal torna-se discutível em sociedades onde pessoas de diferentes modos de vida, com diferentes expectativas e prioridades vivem sob uma autoridade política central "legítima". Uma parte da população de uma sociedade está geralmente tentando afirmar sua autoridade sobre outras partes (Idem, p. 34).

A situação que os estudos citados pelos autores em colônias ou novas nações não é diferente desta na educação de países "avançados" tecnologicamente onde aqueles com educação tecnológica podem vir a sentir-se, consciente ou inconscientemente, que tem o

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direito de tomar decisões que afetam o bem-estar de todos em sua sociedade, argumentam que: Em qualquer sociedade, então, temos subculturas com seus próprios sistemas de lei, e as várias subculturas podem estar em conflito um com o outro, um segmento geralmente impõe, ou tenta impor, os seus valores sobre os outros, um segmento geralmente impõe ou tenta impor os seus valores sobre os outros que são forçados a cumpri-las (Barnes, 1961). Isso não é, como para Hoebel (1954), que em uma sociedade algum indivíduo ou grupo é reconhecido socialmente, isto é, pela sociedade como um todo, como tendo o privilégio de aplicar força (Idem, p. 36).

Outra crítica dos autores que coaduna com os problemas identificados neste trabalho é que no desenvolvimento da lei, pelo menos a parte do que é conscientemente projetado, "realidades" da situação na maioria das vezes não são absorvidas como parte dos dados cruciais para o planejamento realista. Uma coisa é reconhecer que a lei não é, de fato, um monopólio do Estado; isso é outro assunto, e que desesperadamente exige conhecimento das "realidades" chegar a acordo sobre as consequências dos objetivos de um monopólio estatal centralizado, por exemplo, a garantia da velocidade da justiça, e o acesso das pessoas aos fóruns legais. Direitos sem acesso a fóruns não é direito para todos (Idem).

Conforme destacam os autores, a Sardenha é um lugar onde as leis estaduais funcionam como legítimas e ao lado destas leis estaduais temos um funcionamento de fato do sistema legal sardo. O Estado italiano vê os pastores sardos como fora da lei. Os pastores veem que a leis estaduais funcionam como algo estrangeiro e não sensíveis às suas necessidades diárias (Ruffini 1974). A lei estadual parece não natural, pois é imposta de fora, enquanto a suas emergem de seu próprio contexto e parece natural. Os pastores argumentam que a lei estadual não está em sintonia com a sua realidade e ao descrever o outro sistema legal, os sardos usam adjetivos como arbitrário, caro, demorado, corrupto, sendo mais generosos ao descrever seu próprio sistema (Ruffini 1974). Nader e Todd argumentam que o trabalho de Ruffini lida principalmente com a forma como o roubo de gado é tratado por sistemas de reboque, os quais o antropólogo pode dar ao luxo de chamar de legal. O que é isso de roubar gado? O que é o roubo para estes Sardos? A distribuição é uma necessidade em um sistema onde a escassez, em vez de abundância é a norma, exemplificando através da afirmação de um sardo: A providência de Deus é misericordiosa para com todas as suas criaturas, como ele iria permitir que os pastores de Gallura possuírem 500, 800 ou 1.000 ovelhas,

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enquanto nós temos pequenos rebanhos de cem? Portanto, por meio de fraude ou bravura, pode roubar-lhes algumas centenas, ajudamos, pelo menos em parte, a [distribuir propriedade] (RUFFINI 1974 apud NADER E TODD, p. 34). .

Em outra reposta de um pastor apontada por Nader e Todd a partir do trabalho de Brigaglia, observamos que "se alguém rouba o meu rebanho, ele rouba o meu rebanho, ele não me ofende. Depende, dependendo de quem ele é, ele me ofende, e como ele rouba, e por quê...” (BRIGAGLIA, 1971: 186-88 apud Idem). Nesse cenário, verificamos com os autores que nos termos de Brigaglia roubo de gado não é crime, mas “só um movimento de alguma coisa de um lugar para outro”, assim como, segundo Ruffini, para os pastores sardos "o roubo de gado não é considerado como um crime, mas como a fonte de uma disputa, que deve ser resolvido de forma amigável, sem o Estado" (Idem, p. 35). Portanto, compreender como funciona a justiça no contexto de atitudes e valores nativos é fundamental para qualquer análise construtiva das consequências de certas direções do desenvolvimento legal. Em outro exemplo, os autores citam o trabalho de Canter (1976) que descreve o roubo de gado em casos que ocorreram na chefia dos Mungule na Província Central da Zâmbia. Segundo destacam os autores, mungule é uma área multiétnica, é a casa do povo de língua Lenje matrilinear, e nesta área há uma dicotomia entre o processo de resolução aplicável a casos civis e criminais, conforme ressaltam os autores. Os processos cíveis, como divórcio, adultério, roubo, disputas de terras, e outros foram deixados para o tribunal local, o que resolve disputas, principalmente pelo direito consuetudinário não escrito e ainda mudando elaborado por estatutos e legislação. Por outro lado, os processos penais devem ser ouvidos em tribunais de magistrados nos centros urbanos. Tais audiências seguem uma forma ditada pelo código penal unificado, um código imposto originalmente pelos britânicos. Pelo menos nos últimos vinte anos o povo de Mungules levou o caso de roubo de gado fora da comunidade para o tribunal dos magistrados, ao centro urbano e durante este período o roubo de gados tem aumentado. Em 1970, o aumento do número de casos e a concomitante falta de dissuasão pelos julgamentos dos tribunais dos magistrados precipitou uma demanda local do que ladrões de gado devem ser julgados pelo tribunal local e não fora da comunidade (Idem, p.35).

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Conforme observam os autores, em situações do direito consuetudinário se uma ação não funcionar outra solução é procurada. Assim, no caso supracitado o que ocorreu é que os padrões locais de funcionalidade não pode pôr em prática a avaliação da competência do sistema jurídico nacional que não tem nenhuma maneira rigorosa de medir competências, assim como ocorre em nosso sistema. Os autores destacam ainda que nos Tribunais Lenje há dois procedimentos resultam uma decisão justa entrar em conflito: aquelas baseadas na prova e aquelas baseadas na sanção. Conforme afirmam os autores, as assembleias e tribunais locais entendem que o ônus da prova deve ser distribuído entre os litigantes, cada um deles representado si mesmo. Nos tribunais dos magistrados o uso de advogados colocou o ônus da prova pesadamente sobre o autor (Idem, p. 35). O segundo ponto de contraste e incompreensão, conforme destacam Nader e Todd, está na área das sanções. O sistema local foi baseado principalmente na responsabilidade coletiva e na compensação, no curso normal dos acontecimentos, a autoajuda não era parte do processo usual. Nos Tribunais de Magistrados, por outro lado, prevaleciam as sanções punitivas, envolvendo anos de prisão e trabalho forçado, sendo a compensação pelo roubo percebida como única consideração secundária e, em muitas vezes, adiada por anos (Idem, p. 36). Assim, concluem os autores: A forma como as pessoas locais mediram o sucesso ou fracasso de tribunais de magistrados era simples: se roubo de gado diminuiu em frequência, o tribunal nacional foi um sucesso, uma vez que não diminuiu, foi um fracasso. A resposta do local foi o aumento da autoajuda, resultando em soluções que muitas vezes eram devastadoramente prejudiciais e perturbadoras. Os funcionários nacionais responderam por sua vez, aumentando a pena máxima para ladrões de gado condenados de 7-15 anos de trabalhos forçados (Idem).

Por outro lado, segundo os autores observam, a situação do pluralismo nem sempre precisam resultar em efeitos negativos sobre as populações locais e, na verdade, pode ser manipulada pelo agente local para sua própria vantagem, como, por exemplo, no trabalho de Witty, publicado em 1975, a partir de uma pesquisa em um pequeno vilarejo libanês de 900 pessoas, numa comunidade de cristãos e xiitas moslesm: Ambos os grupos usam o órgão jurisdicional nacional na cidade vizinha, como forma de mudança das normais locais de comportamento, sem envolver-se demasiado no sistema legal formal. De acordo com Witty, a presença da corte aqui incorpora o meio pelo qual um indivíduo pode resolver seus problemas localmente. Ele pode usar os procedimentos fora da aldeia para humilhar seus adversários e para mudar alianças e padrões de poder na aldeia. Nas situações

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que ela descreve, a legislação nacional é utilizada em uma tentativa ativa para ganhar poder dentro da aldeia (Idem, 37).

Nesse sentido, argumentam os autores que esses procedimentos geralmente não são seguidos em casos de violência, no entanto, a manipulação dos procedimentos do tribunal não atinge nenhum resultado valorizado, eles também são evitados nos casos em que é importante para as aldeias atingir padrões ideais de justiça social. Portanto, podemos concluir com os autores que estes ideais são muitas vezes frustrados nos tribunais nacionais pela razão comum para os americanos: sem dinheiro, sem acesso e nenhum conhecimento jurídico. Um aldeão libanês que não foi capaz de juntar £ 7000 como um gerente de loja, demorou sete anos para juntar e seu filho completar a faculdade de direito (Ibdem). Por isso, segundo Canter, entre os Lenje uma disputa pode ser tratada tanto através das regras da própria disputa ou seguir todos os procedimentos e legalmente previstos e a solução ainda pode ser considerada "injusta" porque as expectativas sociais e presunções culturais de processamento de disputa foram ignoradas, com isso, verificamos como os autores que. a ação de "julgar bem" é informada pelo contexto social. No exemplo libanês apresentado no artigo de Witty, o litigante estava tentando manipular o contexto político e social em uma tentativa de mudar as relações de poder existentes e sua posição frente aos homens da lei e os outros moradores. O homem que esperou sete anos para cobrar uma dívida foi motivado por um forte senso de justiça, efetivada apenas por autoajuda de um tipo diferente que existe entre os Lenje (Ibdem).

Contudo, ainda em consonância com os autores, podemos considerar que não é simplesmente a heterogeneidade que traz o pluralismo jurídico, mesmo em culturas mais homogêneas, sistemas de "justiça alternativa" estão geralmente disponíveis. A variedade de motivos para prosseguir uma disputa - para ganhar poder, para obter recursos escassos, para ganhar a justiça, para compensar um quase-erro, garante que isso seja assim, é nesse sentido que podemos considerar, com os autores que sempre que duas ou mais culturas jurídicas aplicam-se ao mesmo grupo, ai está o que Bohannan refere-se a como um "trabalho mal entendido" (1957, 1965, apud Idem, p.37). Concluímos, portanto, com os autores que em todas estas situações pluralistas parece que a justiça ou algo chamado de "justiça" é difícil para a ordem jurídica nacional alcançar, os litigantes

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geralmente não entendem o que está acontecendo ou porque uma decisão foi escolhida em detrimento de outra. É ainda pior quando o litígio envolve litigantes de status desigual em associação de grupos diferentes, pois em tal situação, a queixa é geralmente ouvida na esfera jurídica da cultura dominante, uma cultura cujos valores são normalmente bastante estranhos para uma das partes. Decisões equitativas, alguns diriam, são impossíveis em áreas altamente estratificadas, e certamente a justiça como motivação para as decisões tomadas não é possível se a lei considera a justiça legal (ou "da lei") em vez de justiça social como seu fim (Ibdem).

6.3 Direitos entre ‘nós’ x ‘eles’ e as novas fronteiras dos Estados-Nação Os conflitos descritos no trabalho de campo e os citados por Nader e Todd em sua maioria são entre as pessoas que se conhecem ou que, pelo menos, compartilham alguns vínculos sociais e políticos comuns. Conforme os autores, a situação social pode permanecer estável durante anos a até mesmo décadas, mas em países onde a industrialização cresce, onde não só a mudança de padrões de produção, mas de padrões de consumo, necessidades e direitos demonstram efeitos dramáticos sobre resolução de litígios (BERTHOUD, 1972 apud NADER; TODD, op. cit. p. 37). Nader e Todd exemplificam que, em uma nação como os Estados Unidos, há um aumento no contato entre estranhos de poder desigual. Quando a maioria das disputas reais e potenciais é entre estranhos, em vez de entre as partes que se conhecem, algumas mudanças estruturais ocorrem na lei. Conforme vemos atualmente no Brasil, Nader e Todd já chamavam a atenção para o fato de que: em relação à população e ao crescimento e necessidade de buscar o Tribunal para a resolução de conflitos, o Tribunal declina seu pessoal da função de resolução de litígios para o arranjo das transações econômicas, diminuição de acesso, o verdadeiro autor torna-se a vítima, o Estado torna-se o verdadeiro querelante, a função do direito como um equalizador de poder diminui e o papel da Direito é reduzir a relação com as questões que afetam a qualidade da vida cotidiana e o processo extrajudicial se desenvolve em resposta direta a essas tendências como procedimentos de autoajuda (Idem, p. 38).

O problema da concentração de poder, da falta de liberdade e de condições mínimas de igualdade entre os indivíduos e grupos, determinadas pelo nascimento, ainda são demandas do iluminismo. Conforme observam os autores, estas questões se revigoram nas sociedades industrializadas, pois a sociedade moderna é cada vez mais é dominada por grandes corporações e multinacionais e pela criação de tecnologias de governo que 321

alcançam precisamente indivíduos ou grupos criando fronteiras intransponíveis, dentro e fora dos Estados-nação. A diferença na contemporaneidade é a ausência ou diminuição das formas de controle social através de relações multiplex, pois, a cada dia a desigualdade entre as pessoas em disputa, cria fronteiras e dificulta compartilhamento de um conjunto amplo laços interpessoais e regras compartilhadas, a facilidade de comunicação cada vez mais nos submete a conflitos os quais utilizamos a empatia para restringirmos nossas tribos morais, aguçando ainda mais a competição entre indivíduos e grupos. Por outro lado, em organizações sociais que vigoram a relação simplex, as pessoas em disputa não conhecem uns aos outros, possibilitando um desequilíbrio no poder, e quando os profissionais estão fortemente do lado dos demandantes poderosos, instituições formais deixam de atender às necessidades coletivas e se dedicam a justificar a necessidade das instituições. Este cenário nos permite observar que a "profissionalização", a falta de informação, custo, tempo, distância, vergonha e preconceito são alguns dos fatores que têm relação acesso aos serviços institucionais em uso nas sociedades complexas, mas segundo os autores, mais importante do que o acesso é a recepção, isto é, as condições em que os indivíduos, grupos e países são incluídos nesse sistema. Se nós olharmos para os países em desenvolvimento, podemos ver que as mudanças que devem ter ocorrido no Ocidente ao longo dos últimos cem anos ou mais estão a acontecer em questão de décadas. Em adicional, para as questões de equidade, acesso e recepção, nós, no Ocidente tivemos mudanças ao longo do tempo no status e as relações dos litigantes, como a mudança do autor para o status de vítima, de um ativo a um papel passivo para o demandante, o que também afeta o anúncio e aumenta de certa forma o papel de réu (IDEM, p. 38).

No mundo ocidental, prosseguem os autores: a lei é geralmente considerada algo independente de outros aspectos da vida social, ou pelo menos não de assimilação de outros aspectos da vida e, como R. Abel observa (1973) é de suma importância reconhecer como esta separação surgiu assim como o que é intrínseco a noções ocidentais de lei. Sir Henry Maine (1963) falou sobre a diferença entre a lei e as necessidades e opiniões sociais. O Islã tradicionalmente é reconhecido por esta lacuna e está tentado a fechá-la, reconhecendo o direito consuetudinário. Juízes muçulmanos sudaneses preocupam com a aplicação da legislação nacional em áreas onde o direito consuetudinário prevaleceu. Como eles argumentam, pode um juiz resolver um caso conjugal Dinka, se ele não entende direito consuetudinário Dinka? Poucos juízes italianos se preocupam com problemas semelhantes na Sardenha - O Direito dos sardos não é realmente a lei em tudo (IDEM, p. 38).

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O Direito ocidental, seja na forma de código ou na forma dos costumes, afetou praticamente todos os países do mundo. Na toada do construtivismo e do relativismo cultural, estamos propensos a ter uma maior expansão da ideia de que lei, princípios, técnicas são independentes da realidade social a qual ela se insere. Esta crença utiliza como fio condutor os profissionais de países em desenvolvimento, formados apenas para aplicar tais leis, princípios e técnicas, indiferentes aos problemas de sobreposição e impossibilidade de diálogo entre tais conhecimentos e o contexto material e social o qual se encontram, assim, os especialistas irão estender o mal-entendido que Bohannan (1957, 1965) fala sobre como as oposições estão argumentando sobre - eficiência versus equidade, ininteligibilidade versus inteligibilidade, contexto insensíveis versus contextos sensíveis. As pessoas vão reagir a um sistema jurídico nacional que não responde às necessidades de seus clientes: os turcos frustrados vão contornar, os libaneses vão manipular, os ganenses vão elaborar, os zambianos vão adotar procedimentos de autoajuda - e assim, os americanos vão achar que o seu acesso ao direito e à justiça são bloqueados. Os nossos guetos estão cheios de exemplos: de acesso e muita autoajuda. A orientação à autoajuda vai incentivar a elaboração de alternativas; a autoajuda também vai aumentar a violência, arrancando-a para fora do sistema (Idem, p. 38).

Uma das consequências da profissionalização é a segregação que os próprios especialistas fazem de seus clientes, alienando o mesmo do trâmite e dos procedimentos. Quando essa separação ocorre, a profissão desenvolve uma vida própria, independente dos seus clientes, não havendo mais necessidade de provar competência para os clientes, nem há razão para se comunicar. Nesse argumento Nader e Todd evocam o trabalho de Aubert (1966) que ilustra que a necessidade dos profissionais do direito de se comunicar uns com os outros é maior do que a sua necessidade de se comunicar com os clientes. No caso, ele escreveu sobre empregadas domésticas norueguesas que não poderia entender a lei das empregadas domésticas, que foi concebida para protegê-las (Idem, 40).

Estas variáveis sociais, culturais e político-jurídicas nos conduzem a considerar como problemático o institucionalismo transcendental, que justifica organizações sociais pautadas somente na idealização de leis e instituições regidas pelo poder soberano, que exerce o juízo universal como detentor da onipresença, onisciência e onipotência, autorizando o julgamento não somente a conduta dos indivíduos e grupos, mas a interpretação dos fatos e das intenções como forma de distribuir justiça, dando a cada um o que merece, sem que as partes interessadas participem conscientemente dos processos.

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Este tipo de sistema jurídico que se fundamenta na argumentação prática institucional e que autoriza o argumento de autoridade negligencia que é o indivíduo e as relações sociais que possibilitam e viabilizam a existência das instituições e que, portanto, não há lei ou instituição por mais ideal e bem intencionada que seja que construa ou desconstrua a realidade social e obrigue os indivíduos a aderir passivamente. Portanto, o primeiro passo necessário é reconhecer estas limitações materiais e a partir destas conceber uma teoria da justiça mais próxima da realidade humana e das demandas universais, anteriores a fatores distintivos entre nós x eles. Para isto, devemos considerar as características da natureza humana que nos iguala enquanto espécie e pensarmos nas condições necessárias para o desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade atentos às condições matérias, cognitivas, sociais e políticas para uma vida digna e descente.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se estiver certo o argumento de que devemos considerar a multiplicidade de variáveis que influenciam diretamente as formas de abordagem e processamento dos conflitos e os sistemas normativos, o desenvolvimento de modelos teóricos acerca do tema passa pela consideração destas variáveis naturais e culturais e o alcance de cada uma delas, sendo sempre cautelosos na pretensão de fundamentar prescrições normativas a partir destas observações. Neste aspecto, o estudo do direito, assim como a formação de profissionais/cidadão que atuarão como mediadores, conciliadores e árbitros, juízes, partes, assistentes, auxiliares, não deve se reduzir a capacitação de mão de obra, delegando ao indivíduo a responsabilidade principal do desenvolvimento de suas habilidades. O modelo educacional baseado no construtivismo deve ser colocado em xeque, pois o conhecimento desenvolvido a partir de informações precárias, manualescas, eminentemente técnicas, sem a preocupação com a formação de cidadãos críticos com acesso e condições de conhecimento científico do mundo, somente alimentará e justificará nossa dependência do modelo institucional baseado no argumento de autoridade. A sugestão de que os envolvidos no conflito devem ser encorajados a conhecer outras formas de abordagem e processamento dos conflitos, mas próximas da realidade sociocultural e do contexto político-jurídico, pode contribuir para escolhas mais conscientes dos resultados destas escolhas e sua força vinculativa dependendo das instâncias normativas envolvidas. Com maior número de variáveis e critérios a disposição de todos, será possível maior dinâmica e adaptações na utilização das formas de processamento de conflitos competitivas a cooperativas e vice e versa, ou utilizar processos híbridos, conscientes do que pode nos ajudar a pensar de novo sobre as nossas noções preconcebidas de modelos tradicionais de justiça ou de sistemas de resolução de litígios. Existe um amplo panorama de possibilidades disponível às partes em todos os casos. A negociação, mediação, conciliação, arbitragem e a jurisdição têm todos

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claramente as suas próprias vantagens e desvantagens individuais. Cada um pode trazer benefícios distintos dependendo de quando e como ele é usado. Até agora, o foco tem sido sobre quando e qual o tipo de forma de processamento é mais adequado, mas no futuro, podemos imaginar cenários onde mais de um processo ou terceiro poderá ser utilizado ao mesmo tempo, usando combinações criativas de abordagem e processos, em que as partes possam operar e pensar através de seus conflitos em muitos níveis de forma construtiva. O argumento de que não podemos nos organizar sem lei no sentido ocidental já não se sustenta diante das variáveis que apresentamos. A normatividade não é propriedade da autoridade, seja ela, estatal, carismática ou tradicional. Por outro lado, espero ter ampliado a visão daqueles que acreditam que a homogeneidade por meio de lei é o melhor caminho para a modernidade. Aos que acreditam que as sociedades pequenas não têm dificuldades na elaboração de soluções pacíficas, basta aprofundarmos os estudos dos casos apontados por Nader e Todd para encontrar evidências que contradizem sua crença. Estas evidências apontadas pelo estudo interdisciplinar de base empírica aqui proposto tem a finalidade de apresentar novas perspectivas para o estudo do Direito, aproximando hipóteses, teorias e propostas à realidade através de evidências, conteúdos empíricos, experimentações contínuas, a partir de características da natureza humana cada vez mais precisas e distantes de anjos e demônios. A ciência de um sistema legal necessita primeiramente ouvir as necessidades dos participantes e, em segundo, que nós aumentemos nossa tolerância pela diversidade. Isso exige mais uma compreensão do poder e dos interesses conflitantes. O mundo nos oferece um laboratório de experimentos em seus fóruns de disputa. Este trabalho atendeu sua finalidade ao abrir diversas questões apontadas no início como problemas exclusivos do campo jurídico. Apesar de estarmos longe das respostas, acredito estarmos mais perto das perguntas certas quando não negligenciamos que o real existe e não é apenas algo construído no mundo das ideias. É possível observar de maneira sistemática e teorizar sobre a realidade, mesmo conscientes que a realidade é complexa, instável e intersubjetiva, sendo impossível que 326

teorias científicas sejam tão eficazes quanto à crença ou o ceticismo perante nossa necessidade sentirmos certeza de nossas convicções. No tocante ao problema da inflação de processos judiciais que justificam a criação de alternativas que substituem ou complementam a atividade jurisdicional, vimos que as questões são mais complexas que simplesmente importar princípios, técnicas, pois juntamente com eles, importamos também problemas que não tínhamos e soluções que não se comunicam com a realidade. Dos casos encaminhados ao CEJUSC, verificamos que houve um alto indicie de não comparecimento das partes, de desistência, entre outros resultados, que conjugados com o fato de não haver critérios e ferramentas objetivas para que os juízes e as partes vislumbrem a possibilidade do consenso, sendo esta decisão concentrada no juiz que tem como único recurso a sua sensibilidade. Este cenário ressalta a importância do negligenciado “C” do CEJUSC, no que tange à cidadania que tem como pressuposto salutar a informação e a consciência total do cidadão acerca das opções de abordagem e processamento, assim como o alcance do resultado de cada opção, devendo estes serem revistos e delimitados, tendo em vista o paradoxo demonstrado entre o exercício jurisdicional e o consenso, assim como o alcance normativo da sentença e do acordo. Vislumbro a possibilidade do CEJUSC ser um referencial de desjudicialização dos conflitos e de promoção das instâncias normativas sociais, promovendo a cooperação, sem a necessidade de um acordo impositivo, que estabeleça obrigações bilaterais, sob a tutela da força estatal, mas que possibilite o fortalecimento de vínculos simétricos, a partir de interesses compartilhados e da coexistência entre indivíduos e grupo, assimilando o conflito como algo inerente às relações e que, portanto, não necessariamente é passível de uma decisão definitiva. Dos elementos advindos do estudo de campo, podemos observar o baixo índice de processos encaminhado para os CEJUSC em relação ao volume de processos em andamento. Por outro lado, verifica-se que o único resultado positivo aferido a partir do encaminhamento ao CEJUSC é o acordo, seja parcial ou total, apesar de não poder precisar quantitativamente, tem-se notícia que em muitos casos o acordo parcial não homologado

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pelo juiz, contudo não há dados sobre as consequências do acordo depois de encaminhado ao juízo. Este trabalho se dedica a viabilizar a proposta de podermos pensar em outros resultados possíveis a partir do fomento da cooperação entre as partes, sem a necessidade da intervenção coercitiva do Estado, abordando os conflitos de forma sistêmica, cíclica e não processual e linear, objetivando a pacificação, harmonização ou seu “fim”, através da execução judicial. Um exemplo prático desta questão foi observado nos casos em que pude acompanhar como mediador, pois, após os acordos serem efetivados, as partes sentiam muita dificuldade em seu cumprimento, conduzindo-os à execução forçada, o que advoga contra o argumento em favor da mediação como forma de promover a voluntariedade, a emancipação, cooperação entre as partes, o fortalecimento das relações sociais. Em dois dos casos objeto de estudo, experimentamos a hipótese de acordos-teste, que não têm o caráter definitivo da homologação, mas são “termos de entendimento” em que as partes se comprometeram a cumprir as obrigações pactuadas e quando houvesse alguma dificuldade na comunicação que retornassem a CEJUSC para que os mediadores às auxiliassem. Conforme relatado no item 2, do capítulo II, uma das partes entrou em contato solicitando auxílio e no outro caso, também houve a procura, contudo os resultados ainda não são passíveis de conclusão. Pudemos observar, também, que nos casos encaminhados pelo JECRIM, há um alto índice de pessoas sem assessoria jurídica, os inquéritos geralmente não possuem provas e são inconclusivos e o acordo se reduz a desistência da comunicante ou querelante, sendo as variáveis mais comuns ligadas à precariedade de recurso das partes, à insegurança jurídica e ao sentimento de impunidade, tendo em vista que o resultado final deste tipo de processo é a pena alternativa, que geralmente é negociada entre o réu e o Ministério Público ou o Juiz, em que o Estado transaciona com o réu a assunção de uma pena leve em detrimento do exercício jurisdicional. Observarmos ainda evidências que nos conduzem à hipótese de que o baixo índice de casos das Varas Cíveis ao CEJUSC, não somente está relacionado ao fato de que a

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conciliação está consolidada como uma fase obrigatória no processo civil, mas que as relações econômicas se esvaziaram de conteúdo ético e pessoal. Conforme ressalta Weber, as relações comerciais nas sociedades modernas são revestidas de regras anômicas, em que questões éticas entre os indivíduos e grupos são tratadas de maneira impessoal, fortalecendo a postura competitiva. Entretanto, como vimos em estudos antropológicos, há sociedades em que as trocas possuem conteúdo ético, em que as regras do mercado transcendem a simples buscas pelo lucro, sendo a reputação dos agentes e a postura cooperativa um fator essencial para o sucesso dos negócios e o reconhecimento social. O que possibilita que a mediação também contribua com outra abordagem e processamento dos conflitos nos casos os processos cíveis, contribuindo para criar relações econômicas e de consumo justas e éticas entre pessoas físicas e jurídicas. .Variáveis como desigualdade quanto ao grau de informação das partes, desequilíbrio econômico e social e disparidade de experiência entre os advogados favoreciam a postura irredutível do testamenteiro e o grau de insegurança das partes que resultou no encerramento da mediação pelo de desequilíbrio emocional de um dos réus com a necessidade de solicitar atendimento médico de urgência do Tribunal e encerramento definitivo da mediação. Ainda quanto ao trabalho de campo, podemos observar que os processos oriundos das Varas Cíveis e Juizados são objeto de campanhas como a Semana Nacional da Conciliação e os “Mutirões de Pauta Concentrada”. No trabalho de campo desenvolvido pela equipe do LAFEP na VII Semana Nacional da Conciliação destacamos alguns dados quantitativos, que indicam que, um alto índice de usuários, inclusive advogados, entrevistados antes e após as audiências de conciliação/mediação reafirmaram não ter ciência completa do funcionamento dos procedimentos, mas que se sentiram satisfeitos e utilizariam em outras instâncias como colégios, empresas, associação de moradores, etc. Outro ponto vale ressaltar como consideração final é que na Semana Nacional da Conciliação, as empresas obtêm altos índices de acordo, algumas delas na recuperação de passivos de inadimplentes.

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É evidente também que o cálculo do teto e do piso das propostas conforme o objeto, na maioria das empresas obedece a critérios eminentemente econômicos, no sentido de se pautarem em valores cujo limite é o risco e valor da sentença judicial, assim como os custos de assessoria jurídica com a manutenção do processo ativo. Estes critérios condicionam a importância das razões subjetivas dos casos concretos como gravidade dos fatos, poder aquisitivo das partes, sendo estes critérios utilizados como uma sintonia fina e subjetiva que depende até mesmo do limite disponibilizado pelas empresas para acordos em determinada campanha e intervenção direta do juiz nas chamadas “propostas do juízo”. Argumentamos em favor da hipótese que Nader e Todd já sustentavam na década de 70 nos EUA, reiterada por Nader na década de 1990 à ANPOCS de que as ADR’s substituíram a função do direito e da justiça de viabilizar uma sociedade mais justa a partir da universalização de direitos pelo interesse na gestão dos conflitos, enfraquecendo a gramática dos direitos e revigorando o uso da força em benefício da harmonia e da pacificação social. Esta hipótese também é reforçada para o caso estudado no mutirão de agenda concentrada, resultado de um convênio firmado entre o TJRJ e uma empresa de Seguros de Saúde, mesmo contrariada aceita, tendo em vista a distância do Fórum e as despesas com o advogado, entre outras varáveis. Se a morosidade é um problema do Poder Judiciário, a flexibilização de direitos é um problema de ordem social e do sistema normativo como um todo. Pois, substituir o exercício jurisdicional pelo consenso, não alcança o problema do descumprimento das leis, da impunidade, e faz com que a opção pelo “consenso judicial" esteja mais próxima da conformação de precariedade e desigualdade de acesso aos recursos em prol da “harmonia coercitiva e da pacificação pela força” do que do estímulo à cooperação entre as partes em litígio em favor do fortalecimento das relações sociais. Conforme demonstrado no Capítulo I, alto índice de processos que abarrota o judiciário, advém do descumprimento da lei, mormente envolvendo concessionárias de serviços públicos, bancos e da administração pública direta.

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Isto é, são oriundos de lesões a direitos sociais de acesso digno ao serviço público de qualidade, explorado pela iniciativa privada, contratos de adesão leoninos e atendimento de baixa qualidade, sendo as "propostas de acordo" formadas pelas próprias empresas e em muitos casos pré-acordadas com o poder judiciário. O acordo passa a ser uma forma de reduzir o impacto financeiro das demandas advindas de abusos econômicos e do descumprimento da lei e de viabilizar a manutenção de tais condutas, pois o Poder Judiciário está sobrepõe a preocupação com gestão dos conflitos ao cumprimento das leis. Curioso notar que estas demandas, classificadas como repetitivas, possuem elementos objetivos, passíveis de arbitramento de penas sem a necessidade de todo o trâmite processual, que gera custo ao erário público e ao cidadão comum. Estes gastos também se acumulam com os gastos com as campanhas, com treinamento e com a manutenção dos serviços de mediação e conciliação, pois, apesar dos mediadores serem voluntários, os serventuários são desviados de sua função para prestar tal serviço, aumentando o custo do Estado. Por outro lado, o arbitramento de penas tem a finalidade de reiterar a ilegalidade do ato e de viabilizar a sobreposição do interesse coletivo sobre o individual, punindo os empresários concessionários ou não e a má gestão da administração pública direta, além de reduzir o tempo do processo, a sensação de impunidade e o custo das empresas na contratação de assessoria jurídica especializada, geralmente monopolizada por cartéis de escritórios de advocacia que exploram mão de obra de baixa qualificação, com baixa remuneração, geralmente sem vínculo empregatício. Por outro lado, as variáveis sociais, culturais e políticas apresentadas neste trabalho, ao serem sistematizadas assumindo a complexidade, instabilidade e intersubjetividade das relações humanas, podem contribuir para identificarmos as condições necessárias para que um caso seja submetido ao exercício jurisdicional baseado em fatos, evidências e provas, com critérios mais objetivos do que a discricionariedade, o livre convencimento e interpretações criativas que revestem o sistema jurídico de imprevisibilidade e insegurança jurídica. A criação de critérios objetivos que reduza o espaço interpretativo dos fatos e do direito em primeira ordem é uma forma de preservar a autonomia do próprio agente

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(policiais, juízes, promotores, conciliadores, mediadores, árbitros), pois decidir baseado em dos critérios, assegura que o mesmo não seja compelido a interpretar, eleger ou até mesmo instruir sua argumentação com elementos subjetivos, que torna sua atividade vulnerável a formas de controle corporativo. Por outro lado, ao demarcar e limitar a atividade dos agentes públicos abrimos espaço para a criação de instâncias normativas oriundas das relações sociais diretas, sem a intervenção de um terceiro com autoridade legal, acima da vontade das partes, para que os próprios envolvidos legitimem procedimentos e soluções mais próximas da realidade material, psicológica e sociocultural do caso concreto, fortalecendo as relações simétricas. Por outro lado, delimitar o papel do judiciário e do Estado perante os conflitos, desmistifica a ilusão de que o poder público é a única vida de resolução dos conflitos, mesmo que para isso o juízo utilize a criatividade através do livre convencimento motivado e de outras invenções do cognitivismo forte, em que a realidade é uma construção ou um discurso do sujeito e que o Estado é o arquiteto desta realidade. Procurei evidenciar a insuficiência de um sistema jurídico pautado apenas na defesa dos direitos individuais, vinculada à ideologia do liberalismo econômico, que naturaliza princípios como livre-arbítrio, de autonomia da vontade, meritocracia, igualdade formal e material. A liberdade concebida por nosso sistema jurídico se limita a garantir apenas a liberdade negativa, o que se apresenta como uma das chaves dos problemas, pois negligencia o fato de não nascermos com as mesmas condições materiais, cognitivas, sociais e políticas. Portanto, o dever do Estado e a sociedade não é somente criar leis, políticas públicas, campanhas que possibilitem o exercício da liberdade e a igualdade entre os indivíduos e grupos, mas também criar condições mínimas a universalização deste exercício, como sendo este direito de interesse coletivo, público e universal e não somente individual. Diante deste cenário, não devemos nos sentir satisfeitos com um Estado que se limite a justificar sua legitimidade simplesmente na posição de mero propositor e construtor da realidade, a partir da idealização de suas instituições, leis e políticas públicas,

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mas que este somente seja legítimo se estiver compromissado com a promoção da melhoria da justiça social que só será possível quando todos os cidadãos tiverem acesso às condições mínimas que superem as diferença abissal de acesso e realização de suas vocações para que as relações e obrigações sociais sejam baseadas na autoestima e no desejo de ser estimado. Deixando o Estado de lado, verificamos variáveis sociais e políticas nos trabalhos descritivos e etnográficos apresentados por Nader e Todd, que demonstram o potencial ilimitado das relações sociais em constituírem instâncias e sistemas normativos que contemplem soluções baseadas na cooperação e em relações simétricas. Conforme Tugendhat, vínculos baseados em sentimentos morais permitem que a autoridade do neutro ou do juízo seja condicionada a sua conduta e na necessidade de justificar sua decisão perante a sociedade, não apenas perante a instituição a qual faz parte ou às partes. Assim, se torna necessário reforçar a crítica de Amartya Sen, ao que ele denomina institucionalismo transcendental e buscar o reforço e a criação de instâncias normativas não baseadas em argumentos de autoridade, mas nos interesses e necessidades compartilhados a partir do vínculo direto entre os indivíduos e grupos. Este caminho passa por (re) pensarmos formas de promover que a sociedade se habilite a revigorar ou criar instâncias normativas em que a empatia, a simetria e a preocupação em fazer parte da coletividade e se sentir estimado regulem as relações sociais entre indivíduos e entre grupos. Nesse sentido, a atividade dos neutros é essencial para a facilitação e manutenção destes vínculos, assim como para o cumprimento das obrigações compartilhadas, em que a autoridade e a legitimidade não são constituídas por nenhuma designação superior, mas pela autoestima e pela estima da coletividade, sendo a legitimidade da autoridade vinculada diretamente à sua própria conduta e à sua função social. Portanto, a hipótese que impulsiona a continuidade desta pesquisa se configura na necessidade de estabelecer critérios que amparem decisões oriundas de processos nãointuitivos, apoiados por fatos, evidências e argumentos que comprovadas à autoria e a materialidade da conduta, fundamente decisões com finalidade de atender o interesse público e a efetividade das leis.

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A atividade jurisdicional e a arbitragem se justificam e se legitimam, mediante a observância de critérios objetivos, pré-estabelecidos, independentemente de interpretações acerca do grau de intencionalidade do indivíduo ou da vontade da lei como expressão abstrata do contra social. Diversas pesquisas no direito estão sendo desenvolvidas na direção de viabilizar teorias com critérios objetivos que delimitam de maneira mais factível a atividade jurisdicional. Contudo, ao delimitar o alcance do direito e da atividade jurisdicional a partir de teorias, técnicas e processos não-intuitivos que criem condições de imparcialidade para a legitimação de juízos universais comprometido com o interesse social, vislumbra-se, por outro lado, um campo de pesquisa ainda pouco explorado que contemple o potencial de outras instâncias normativas, que considere as possibilidades de acordos de alcance limitado às proporias relações sociais simétricas. Com o objetivo de investigar a possibilidade de processos baseados na compreensão das emoções, sentimentos morais que promova empatia e reforce laços afetivos e sociais, podemos desenvolver teorias e métodos em que a necessidade de um poder soberano que exerça um juízo universal seja substituída por opções que atendam de forma mais direta interesses individuais e coletivos. Estas instâncias de normatividade e de abordagem e processamento dos conflitos (social e institucional) podem se complementar na medida em que sejam definidas as condições objetivas que permitam o exercício jurisdicional, sem a necessidade de se recorrer a princípios abstratos, interpretações criativas, delimitando o campo de autuação do Estado e sua necessidade de intervenção nas relações sociais com o uso da força. Reconfigurado o papel do Estado, as alternativas à jurisdição podem ser criadas a partir da voluntariedade dos indivíduos e grupos no âmbito das relações sociais, em que as obrigações sejam regidas por sanções e coerções limitadas ao vínculo normativo específico, sendo a intervenção do Estado somente legitima quando houver previsibilidade legal e suas decisões válidas a partir da argumentação racional pública e aberta. Intuo que estamos mais perto de perguntas mais precisas do que as que iniciaram este trabalho, pois temos mais elementos para compreender em que circunstâncias um mau

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acordo é melhor que uma boa demanda, diante da insegurança jurídica que o atual sistema jurídico brasileiro insiste em promover fazendo de juízes gestores dos conflitos em que a lei e a justiça se flexibilizam perante a necessidade de respostas rápidas e da neutralização dos conflitos, conformando situações de desigualdade e injustiça. A questão que ainda persiste é a necessidade de investigar nas relações sociais exemplos de instâncias normativas baseadas na livre adesão, na empatia e em vínculos cooperativos, para empreendermos observações sistemáticas e experimentos mais prolongados, que fundamentem modelos teóricos acerca da justiça e do direito, mais próximos da realidade, considerando os aspectos materiais, psicológicos e socioculturais das relações humanas, a partir do conhecimento compartilhado entre as ciências naturais e sociais.

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SCHUCH, P. Direitos e afetos: Análise etnográfica da „Justiça Restaurativa‟ no Brasil. Texto apresentado, v. 61, 2006. Disponível em: . Acesso em: 14/9/2014. SCHUCH, P. Tecnologias da não-violência e modernização da justiça no Brasil. p. 498– 520, 2008. SCHUCH, P. Justiça, Cultura e Subjetividade: Tecnologias Jurídicas e a Formação de Novas Sensibilidades Sociais no Brasil. Scripta Nova: Revista eletrônica de Geografia y Ciencias Sociales, v. XVI, n. 395, p. 1–8, 2014. SEARLE, J. R. Chomsky’s Revolution in Linguistics. Disponível em: . . SEN, A. A ideia de justiça. Companhia das Letras, 2012. SHIRLEY, R. W. Antropologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1987. SILVA FILHO, J. W. O AUTOCONHECIMENTO, O NARRADOR ONISCIENTE, A VIDA COMUM. Philósophos, v. 11, n. 2, p. 287–303, 2006. Salvador. SILVA, J. J. DA. Imposturas intelectuais: algumas reflexões. Natureza humana, p. 1–12, 2004. Disponível em: . Acesso em: 3/8/2014. SIMMEL, G. Questões Fundamentais da Sociologia: Indivíduo e Sociedade. Rio de Janeiro: ZAHAR, 2006. SIMMEL, G.; FILHO, E. DE M. Georg Simmel: sociologia. 1983. SOKAL, A.; BRICMONT, J. Imposturas Intelctuais: O abuso da Ciência pelos filósofos pós-modernos. Tradução Max Altman. 4a ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2010. SORDI, A. O.; HAUCK, S.; MANFRO, G. G. O Conceito de Resiliência: Diferentes Olhares. Rev. bras. psicoter., v. 13, n. 2, p. 115–132, 2011. SOUZA, M.; CERVENY, C. Resiliência: introdução à compreensão do conceito e suas implicações no campo da psicologia. Revista Ciências Humanas, v. 12, n. 2, p. 21–30, 2006. Taubaté. Disponível em: . Acesso em: 6/8/2014. SPENGLER, F. M.; SPENGLER NETO, T. Mediação enquanto política pública: O conflito, a crise da jurisdição e as práticas mediativas. Santa Catarina: EDUNISC, 2012. SPENGLER, F.; NETO, T. S. Mediação enquanto política pública: a teoria, a prática eo projeto de lei. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2010. Disponível em: . Acesso em: 9/8/2014. STEVENSON, L.; HABERMAN, D. Dez teorias da natureza humana. SOBRAL, Ad ed.São Paulo, 2005. STRUCHINER, N. O “aparente” paradoxo das regras. GT - Ética/Anpof. Anais... . v. 2, p.63–71, 2009. Florianópolis: ANPOF.

347

TUGENDHAT, E. Lições sobre ética. Tradução grupo de doutorandos do curso de pós-gradualção em Filosofia. Petrópolis: Vozes, 1997. TUGENDHAT, E. Diálogo em Letícia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. VARELA, F. O eu do corpo. Emoções que curam. Rio de Janeiro: Rocco, p. 1–15, 1999. Disponível em: . Acesso em: 6/8/2014. VASCONCELOS, C. E. DE. Mediação de conflitos e práticas restaurativas: Modelos, Processo, Ética e Aplicações. São Paulo: Método, 2008. VASCONCELOS, M. C. NOÇÕES GERAIS SOBRE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS. , 2003. WAAL, F. DE. A era da empatia: lições da natureza para uma sociedade mais gentil. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. WEBER, M. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 11a ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1985. WEBER, M. Três Tipos Puros de Dominação Legítima. São Paulo: Ática, 1991. WEBER, M. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. v. 1. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999.

348

ANEXO I – FICHA DE ENCAMINHAMENTO Documento NUPEMEC 1: Formulário de encaminhamento do processo ao CEJUSC

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DIRETORIA GERAL DE APOIO AOS ÓRGÃOS JURISDICIONAIS DEPARTAMENTO DE INSTRUÇÃO PROCESSUAL SEAMA – SERVIÇO DE APOIO AOS MÉTODOS AUTOCOMPOSITIVOS CENTRO JUDICIÁRIO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS BECO DA MUSICA, 121, LÂMINA 5, TERREO, SALA 06 – TEL. 3133.5571

FORMULÁRIO DE INSCRIÇÃO E ACOMPANHAMENTO DE MEDIAÇÃO (Fl. 1) Mediação Nº: 2013/

(numerada pelo Centro de Mediação)

Data da Entrada no Centro:

ENCAMINHAMENTO DE PROCESSO PARA MEDIAÇÃO (a ser preenchido pelo Cartório)

Vara:

Processo Nº:

AÇÃO: Nome :

Tel:

PARTE AUTORA ou REPRESENTANTE End.: LEGAL Adv.

Tel:

Nome:

Tel:

OUTRA PARTE End.: ou REPRESENTANTE LEGAL Adv: TIPO ENCAMINHAMENTO: PROCESSO SUSPENSO?

Tel: ( ) AUDIÊNCIA

( ) SIM

( ) DESPACHO

( ) BEM ME QUER

( ) NÃO

EXISTE ALGIMA AUDIÊNCIA MARCADA?

( ) SIM Tipo:

Data:

( ) NÃO

Obs.: CONTROLE CONTATO CENTRO CARTÓRIO SOBRE MEDIAÇÃO (a ser preenchido pela secretaria do Centro) INFORMAÇÃO CARTÓRIO INÍCIO ATENDIMENTO: ( ) PRÉ MEDIAÇÃO ( ) MEDIAÇÃO DATA:

HORA:

RECEBIDO CARTÓRIO (Nome/Data): INFORMAÇÃO ENCERRAMENTO MEDIAÇÃO AOS AUTOS: RECEBIDO CARTÓRIO (Nome/Data): Obs.: SITUAÇÃO FINAL DA MEDIAÇÃO: Total de horas de atendimento: AVALIAÇÃO DE QUALIDADE REALIZADA POR:

Total máximo de horas dos mediadores: DATA:

RESULTADO:

349

ANEXO II – RELATÓRIO DE CASOS Documento NUPEMEC 2: Relatório de acompanhamento de resultados

RELATÓRIO MEDIAÇÃO – CENTRO DE MEDIAÇÃO Nº:_________ NºPROCESSO/NATUREZA/VARA:__________________________________________ MEDIADORES:_____________________________________ MAT.:_______________ __________________________________________________MAT.: _______________ OBSERVADORES:___________________________________MAT.:_______________ __________ _________________________MAT.:________________ Nº DE SESSÕES:_______

DATA DE INÍCIO:_____________ TÉRMINO:_________

RESULTADO*:

A( )

AP ( )

AVALIAÇÃO DAS SESSÕES

SA ( ) SIM

NÃO

SIM

NÃO

PREPARAÇÃO DA EQUIPE PRÉ-MEDIAÇÃO RESUMO ELABORAÇÃO DA PAUTA SESSÕES CONJUNTAS SESSÕES INDIVIDUAIS EXAME DE TODAS AS QUESTÕES DA PAUTA ATITUDE COLABORATIVA ENTRE OS MEDIADORES FERRAMENTAS UTILIZADAS** (DISCRIMINAR CONFORME ÍNDICE ABAIXO) AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS MELHORIA DA COMUNICAÇÃO MELHORIA DA PERCEPÇÃO QUANTO ÀS QUESTÕES FORMULADAS SATISFAÇÃO DAS PARTES

*ÍNDICE RESULTADO: ACORDO (A) ACORDO PARCIAL (AP) SEM ACORDO (SA) **ÍNDICE DE FERRAMENTAS: RECONTEXTUALIZAÇÃO (R) AUDIÇÃO DE PROPOSTAS IMPLICITAS (AP) AFAGO (AF) SILÊNCIO (S) INVERSÃO DE PAPÉIS (IP) GERAÇÃO DE OPÇÕES (GO) NORMALIZAÇÃO (N) ORGANIZAÇÃO DE QUESTÕES E INTERESSES (OQ) ENFOQUE PROSPECTIVO (EP) TESTE DE REALIDADE (TR) VALIDAÇÃO DE SENTIMENTOS (VS) ***OBSERVAÇÕES

350

ANEXO III – FORMULÁRIO DE OBSERVAÇÃO Documento NUPEMEC 3: Formulário entregue aos observadores para avaliar a atuação dos mediadores.

Formulário de Observação do Mediador Centro: ________Mediação Nº: ___________________Resultado Final: _______ Nome do Observador:________________________________________________ Nome dos Mediadores: ___________________________________________________ ___________________________________________________ Data Início/Término: ______________Tempo Total: _________ Nº Sessões:_________

Declaração de Abertura

( ( ( ( ( ( (

( ( ( ( ( (

) Apresentou-se ) Confirmou os nomes e endereços ) Explicou o propósito da mediação ) Afirmou sua imparcialidade/neutralidade ) Explicou o papel de facilitador do mediador ) Explicou que não há sugestão para um acordo ) Informou as regras básicas: ( ) Ordem da fala ( ) Sem interrupções ( ) Confidencialidade ( ) Exceção ) Explicou o objetivo de um acordo escrito ) Informou sobre o tempo ) Explicou as reuniões individuais (se aplicável) ) Pediu que cada um se expressasse de forma a ser bem compreendido ) Oportunidade para perguntas ) Explicou o papel dos advogados

no

processo

351

Habilidades Interpessoais

( ( ( ( ( ( ( (

) Neutro/sem preconceitos evidentes ) Criou um ambiente positivo / descontraído / empático ) Paciente/perseverante ) Deixou as partes à vontade ) Usou uma linguagem apropriada para os destinatários ) Acessível ) Articulado ) Fez uso apropriado do senso de humor

Habilidades em Escutar

( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( (

) Não interrompeu ) Esperou o relato completo da história antes de perguntar ) Concentrou-se no discurso das partes ) Escutou ativamente ) Compreendeu as questões ) Identificou interesses reais e sentimentos ) Formulou perguntas abertas ) Reformulou asserções para identificação de preocupações subjacentes ) Captou informação suficiente ) Recontextualizou ou parafraseou o discurso ) Auxiliou cada uma das partes a ouvir a outra ) Usou linguagem corporal para indicar que o interessado estava sendo ouvido

Estruturando Questões e Interesses

( ( ( ( ( (

) Resumiu as questões e os interesses ) Estruturou as questões claramente ) Estruturou questões e interesses de forma a facilitar a mediação ) Reconheceu/validou sentimentos ) Selecionou as questões para discussão ) Planejou a agenda cuidadosamente

Lidando com o Conflito

( ( ( 352

) Manteve controle da reunião ) Estabeleceu o tom positivo da sessão ) Evitou

termos

agressivos/contraproducentes

( ( ( ( ( ( (

) Atentou-se para a resolução/entendimento, não no que ocorreu ) Usou voz, contato visual e linguagem corporal ) Usou o silêncio ) Reformulou acusações como necessidades ou pedidos ) Normalizou o conflito ) Modelou um bom comportamento de negociação ) Ensinou habilidades de negociação

Estratégias para Acordo

( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( (

) Foi prospectivo ) Atuou como catalisador da comunicação ) Orientou os destinatários a realizarem perguntas voltadas a soluções ) Afagou / utilizou o reforço positivo ) Usou questões “e se” ) Fez verificações (ou testes) de realidade ) Ganhou impulso ao encontrar algum ponto de acordo ) Buscou definir princípios gerais e consensuais ) Auxiliou as partes a encontrarem interesses comuns ) Identificou propostas implícitas ) Realizou trocas (ou inversões) de papeis ) Estimulou os destinatários a desenvolverem opções (“Brainstorming”/Outros

Métodos)

Preconceito

( ( ( ( ( ( (

) Foi objetivo ) Evitou adotar o ponto de vista de um dos destinatários ) Evitou a linguagem de uma dos destinatários ) Usou uma linguagem imparcial/neutra ) Não julgou ) Compartilhou evidências com os destinatários ) Lidou adequadamente com diferenças culturais

Reuniões individuais

( ( ( (

) Explicou a reunião individual novamente para ambos ) Controlou o tempo ) Explicou o propósito ) Reiterou confidencialidade

na

abertura 353

(

) Pediu para compartilhar informação no encerramento

Advogados

( (

) Controle apropriado da participação ) Afagou adequadamente

Acordo Escrito

( ( ( ( ( ( ( ( ( (

) Testou viabilidade de execução ) Verificou a igualdade dos termos do acordo ) Redigiu com clareza e especificidade ) Utilizou informação passada pelos destinatários ) Escreveu na presença de ambas as partes (quando apropriado) ) Utilizou a mesma linguagem dos destinatários ) Verificou o entendimento dos destinatários ) Leu o texto para os destinatários antes de digitá-lo e oferecê-lo para assinatura ) Verificou se os advogados tomaram ciência ) Verificou se todos os destinatários envolvidas assinaram

Encerramento da mediação

( ( ( (

) Entregou os acordos assinados para os destinatários ) Orientou quanto ao procedimento nos autos ) Agradeceu às partes pela contribuição ) Instou-as a retornarem, se necessário

Comentários do Observador ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________ CRÉDITOS: Este formulário adaptado a partir de documento desenvolvido, em 1992, pelas Professoras Sally Ganong Pope e Lela Porter para o Centro de Mediação do Brooklyn em Nova Iorque. Revisado pela Profa. Carol Liebman da Universidade de Columbia em Nova Iorque e pelo Juiz André Gomma de Azevedo do Tribunal de Justiça do estado da Bahia. Data da Entrega:_____________________________ Mediador

354

Observador

ANEXO IV – FICHA DE RESUMO DA EQUIPE DE MEDIAÇÃO Documento NUPEMEC 4: Ficha de dados do caso a ser preenchida pela equipe.

355

ANEXO V – DECLARAÇÃO DE ABERTURA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE MEDIAÇÃO DO FÓRUM CENTRAL DA COMARCA DA CAPIT AV. ERASMO BRAGA, 115, LÂMINA I, 2ª ANDAR, CORREDOR ‘D’, SALA 223 – TEL. 3133.2154

Declaração de Abertura

356

ANEXO VI – MODELO DE TERMO DE ENTENDIMENTO Documento NUPEMEC 5: Modelo de “Termo de Entendimento”

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DIRETORIA JURISDICIONAIS

GERAL

DE

APOIO

AOS

ÓRGÃOS

DEPARTAMENTO DE INSTRUÇÃO PROCESSUAL SEAMA – SERVIÇO DE APOIO AOS MÉTODOS AUTOCOMPOSITIVOS CENTRO JUDICIÁRIO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS AV. ERASMO BRAGA, 115, LÂMINA I, 1º ANDAR, CORREDOR ‘A’, SALA 106 – TEL. 3133.2617

TERMO DE ENTENDIMENTO EM MEDIAÇÃO

Em / /2012, compareceram ao Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania do Fórum Central da Comarca da Capital, na presença dos (as) Mediadores (as), XXX , XXX e do (a) observador (a) XXX, para iniciar procedimento de Mediação, o Sr.XXX, residente à Rua XXX, Nº casa ou apt – bairro e a Sra. XXX, residente à XXX , Nº apt Nº – bairro A Advogada de XXX, Dra. XXX, OAB/RJ XXX assim como o Advogado de XXX, Dr. XXX, OAB/RJ XXX, estiveram presentes ao ato de leitura e assinatura deste acordo, ratificando que o consenso construído está dentro das margens legais.

Breve Histórico Processo de Mediação Disposições Finais: Flexibilidade e ajustes quando necessário:

Rio de Janeiro (RJ),

de

de 2014.

____________________________

___________________________

PARTE

PARTE

____________________________

___________________________

ADVOGADO(A)

ADVOGADO(A)

____________ MEDIADOR(A)

_______________________ OBSERVADOR(A)

___________________________ MEDIADOR(A)

___________________________ OBSERVADOR(A)

357

ANEXO VII – PESQUISA DE SATISFAÇÃO ENTREGUE AOS MEDIANDOS Documento NUPEMEC 6: Pesquisa de satisfação entregue aos mediandos ao fim TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DIRETORIA GERAL DE APOIO AOS ÓRGÃOS JURISDICIONAIS DEPARTAMENTO DE INSTRUÇÃO PROCESSUAL SEAMA – SERVIÇO DE APOIO AOS MÉTODOS AUTOCOMPOSITIVOS CENTRO JUDICIÁRIO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

Prezado Participante, Sua avaliação é muito importante para a melhoria dos serviços prestados pelo Centro de Mediação do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Os resultados serão analisados e as ações necessárias implantadas. Agradecemos sua participação!

IDENTIFICAÇÃO ORIGEM DO PROCESSO: ________________________________________ NOME DOS MEDIADORES: PERIODO EM QUE A MEDIAÇÃO OCORREU: ___/____/_____ à ____/____/____

1) ATUAÇÃO DO MEDIADOR: 1 .A) IMPARCIALIDADE NA CONDUÇÃO DO PROCEDIMENTO DE MEDIAÇÃO: ( ) ótimo; ( )bom; ( )regular; ( ) ruim; ( ) péssimo 1.B) ATENÇÃO DISPENSADA ÀS PARTES E EDUCAÇÃO: ( ) ótimo; ( )bom; ( )regular; ( ) ruim; ( ) péssimo 1. C) OBJETIVIDADE NA COMUNICAÇÃO: ( ) ótimo; ( )bom; ( )regular; ( ) ruim; ( ) péssimo 2) OBJETIVO DA MEDIAÇÃO: 2.A) CUMPRIMENTO DAS EXPECTATIVAS QUE TINHA QUANDO DECIDIU-SE PELA MEDIAÇÃO: ( ) ótimo; ( )bom; ( )regular; ( ) ruim; ( ) péssimo 2.B) AQUISIÇÃO DE NOVAS HABILIDADES PARA MELHOR COMPREENDER A OUTRA PARTE? ( ) ótimo; ( )bom; ( )regular; ( ) ruim; ( ) péssimo 2.C) RESULTADO SATISFATÓRIO PARA AMBAS AS PARTES? ( ) ótimo; ( )bom; ( )regular; ( ) ruim; ( ) péssimo 3) ORGANIZAÇÃO E INFRAESTRUTURA 3.A) ATENDIMENTO PELOS FUNCIONÁRIOS DO CENTRO DE MEDIAÇÃO: ( ) ótimo; ( )bom; ( )regular; ( ) ruim; ( ) péssimo 3.B) LIMPEZA E ORGANIZAÇÃO DAS SALAS: ( ) ótimo; ( )bom; ( )regular; ( ) ruim; ( ) péssimo 3.C) ALTERAÇÃO POSITIVA DA IMAGEM QUE TINHA DO JUDICIÁRIO: ( ) ótimo; ( )bom; ( )regular; ( ) ruim; ( ) péssimo

358

ANEXO VIII - QUESTIONÁRIO DE PESQUISA DE CAMPO

359

360

361

ANEXO IX – GRUPO DE TRABALHO PARA DIAGNÓSTICO DAS ATIVIDADES EM DESENVOLVIMENTO NO NUPEMEC/TJRJ (GTNUPEMEC)

362

ANEXO X – Cadastro do Mediador

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE MEDIAÇÃO DO FÓRUM __________________________ Endereço:_____________________________________________________________________

FOTO

Cadastro do Mediador Centro de Mediação: ____________________________________ Nº:_____________ Nome: ________________________________________________________________ Matrícula / CPF: ________________________________________________________ Turma TJRJ (Nº / Ano): Básico - ___________________ Família - _______________ Telefones: _____________________________________________________________ Email: _________________________________________________________________ Endereço: ______________________________________________________________ Disponibilidade: _________________________________________________________ Formação: _____________________________________________________________ Instituição onde Trabalha: _________________________________________________ Lotação / Cargo__________________________________________ NUR (se TJRJ): ____

Informações adicionais: ___________________________________________________ ______________________________________________________________________ ________________________________________________________________________

363

ANEXO XI - Formulário de Seleção de Mediadores

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO FORMULÁRIO DE SELEÇÃO DE MEDIADORES

1.

IDENTIFICAÇÃO

CONCILIADOR (

) MEDIADOR (

)

NOME:_______________________________________________________________________ ENDEREÇO:___________________________________________________________________ TELEFONES: CEL.:_______________RES.:______________email:________________________ SERVIDOR ATIVO ( VOLUNTÁRIO ( )

2.

)

SERVIDOR APOSENTADO (

)

DISPONIBILIDADE Nº DE HORAS MENSAIS:_______DIAS SEMANA:________________HORÁRIO:__________

DA

AGENDAS CONCENTRADAS _____________________________________________________ 3.

:

FORMAÇÃO GRADUAÇÃO:_________________________________________________________________ PÓS-GRADUAÇÃO:_____________________________________________________________ MESTRADO: __________________________________________________________________ CURSOS MEDIAÇÃO;_________________________________________________________

DE

OUTROS:_____________________________________________________________________

4.

EXPERIÊNCIA DESCREVA BREVEMENTE SUAS EXPERIÊNCIAS PESSOAIS QUE POSSAM VIR A AUXILIÁ-LO(A) A DESEMPENHAR EFICIENTEMENTE SEU PAPEL EM UM AMBIENTE DE DISPUTA.

364

________________________________________________________________________________ 5.

HABILIDADES DESCREVA QUAIS AS SUAS PRINCIPAIS HABILIDADES COMO MEDIADOR

A ATIVIDADE DE MEDIADOR E AS HABILIDADES DESENVOLVIDAS TIVERAM ALGUMA REPERCUSSÃO EM SUA VIDA PESSOAL?

DESCREVA AS HABILIDADES QUE VOCÊ AINDA NECESSITA DESENVOLVER ________________________________________________________________________________ 6.

EXPECTATIVAS QUAL A MOTIVAÇÃO QUE O (A) LEVOU A APROXIMAR-SE DA MEDIAÇÃO E QUAIS AS EXPECTATIVAS PARA EXERCER ATUAR COMO MEDIADOR JUDICIAL?

_________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________

365

ANEXO XI – Cadastro do Mediador

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE MEDIAÇÃO DO FÓRUM __________________________ Endereço:_____________________________________________________________________

Cadastro do Mediador

FOTO

Centro de Mediação: ____________________________________ Nº:_____________

Nome: ________________________________________________________________ Matrícula / CPF: ________________________________________________________ Turma TJRJ (Nº / Ano): Básico - ___________________ Família - _______________ Telefones: _____________________________________________________________ Email: _________________________________________________________________ Endereço: ______________________________________________________________ Disponibilidade: _________________________________________________________ Formação: _____________________________________________________________ Instituição onde Trabalha: _________________________________________________ Lotação / Cargo__________________________________________ NUR (se TJRJ): ____

Informações adicionais: ___________________________________________________ ______________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ________________

366

ANEXO XII – MEDIAÇÕES EFETUADAS E ENCERRADAS

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE MEDIAÇÃO DO FÓRUM __________________________ Endereço:_____________________________________________________________________

Acompanhamento do Mediador Período: ____________________________

Mediações Efetuadas e Encerradas: Centro de Mediação: _____________________________________________________ Nome: ________________________________________________________________ Matrícula / CPF: ________________________________________________________ Mediação / Processo nº

Total

Tipo de ação

Atuação

Nº sessões

Nº horas

Faltas

0

0

0

Resultado Final

Relatóri o

Pesquisa Satisfa ção

367

ANEXO XIII – PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS INTERNOS

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE MEDIAÇÃO DO FÓRUM __________________________ Endereço:_____________________________________________________________________

Acompanhamento do Mediador Período: ____________________________

Participação em Eventos Internos: Centro de Mediação: _____________________________________________________ Nome: ________________________________________________________________ Matrícula / CPF: ________________________________________________________

Data

TOTAL

368

Evento

Nº horas

0

Observação

ANEXO XIV – PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS EXTERNOS

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE MEDIAÇÃO DO FÓRUM __________________________ Endereço:_____________________________________________________________________

Acompanhamento do Mediador Período: ____________________________

Participação em Eventos Externos: Centro de Mediação: _____________________________________________________ Nome: ________________________________________________________________ Matrícula / CPF: ________________________________________________________

Data

TOTAL

Evento

Nº horas

Observação

0

369

ANEXO XV – PROCEDIMENTO DE CERTIFICAÇÃO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO COORDENAÇÃO GERAL DOS CENTROS DE MEDIAÇÃO AV. ERASMO BRAGA, 115, SALA 517-A – TEL. 3133.3896

Procedimento de Certificação de Mediação Judicial ÍNDICE Mediador: ___________________________________________________ Matrícula / CPF:______________________________________________ Acompanhamento do Mediador: Cadastro do Mediador __________________________ fl(s). ___________ Currículum ___________________________________ fl(s). ___________ Resumo Participação em Mediações _______________ fl(s). ___________ Participação Eventos Internos ____________________ fl(s). ___________ Participação Eventos Externos ___________________ fl(s). ___________ Relatórios Observação Mediação _________________ fl(s). ___________ Relatórios Mediação ___________________________ fl(s). ___________ Pesquisa Satisfação Destinatário __________________ fl(s). ___________ Outros ______________________________________ fl(s). ___________ Declaração de Conclusão do Curso ________________ fl(s). ___________ Despacho Presidência Comissão __________________ fl(s). ___________

370

ANEXO XVI – PORTARIA 01/2014: CRITÉRIOS PARA A CERTIFICAÇÃO DE MEDIADOR JUDICIAL TEXTO INTEGRAL PORTARIA 1 NÚCLEO PERMANENTE DE MÉTODOS CONSENSUAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS - NUPEMEC PORTARIA 01/2014 Estabelece critérios para certificação de Mediador Judicial. A PRESIDENTE DO NÚCLEO PERMANENTE DE MÉTODOS CONSENSUAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS - NUPEMEC, Desembargadora JACQUELINE LIMA MONTENEGRO, no uso de suas atribuições legais, e com base no Resolução TJ-OE RJ 16/2014, que dispõe sobre o Plano Estadual de Autocomposição e o funcionamento do Núcleo Permanente de Métodos consensuais de Solução de Conflitos - NUPEMEC; CONSIDERANDO o disposto na Resolução nº125 do Conselho Nacional de Justiça publicada em 21de novembro de 2010 e republicada em 1º de março de 2011, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário; CONSIDERANDO o disposto no Art. 20, Parágrafo único da Resolução TJ/OE RJ 162014, que dispõe sobre a regulamentação da certificação de mediadores judiciais; RESOLVE: Art. 1º. O processo de certificação será instaurado anualmente no mês de novembro. Art. 2º. A primeira certificação terá a validade de um ano e poderá ser revalidada por mais um ano, caso o candidato não reúna os requisitos necessários para certificação sênior. Parágrafo único. Para a revalidação serão exigidos os mesmos critérios da primeira certificação. Art.3º. Para obtenção da primeira certificação o candidato deverá comprovar 150 (cento e cinquenta) horas de atividade voluntária nos CEJUSCs da seguinte forma: Mínimo de 90 (noventa) horas de mediação; Participação em atividades complementares: Até 30 (trinta) horas de participação em mutirões; Até 10 (dez) horas de participação em pré mediações e oficinas de parentalidade; Até 10 (dez) horas de participação em cursos, treinamentos e eventos de mediação. Mínimo de 10 (dez) horas em atividade de supervisão. Parágrafo único: as horas serão comprovadas mediante certidão fornecida pelo Juiz Coordenador do CEJUSC ao qual o candidato esteja vinculado, devendo o mesmo apresentar nos CEJUSCS os comprovantes necessários à apreciação do magistrado. Art.4º. O candidato à certificação deverá apresentar requerimento ao NUPEMEC instruído com os seguintes documentos até o dia 30/11: Certificado de conclusão de curso superior; Certificado de conclusão do curso básico de mediação ministrado no TJRJ ou por entidade devidamente habilitada pelo NUPEMEC; 371

Certidões de antecedentes cíveis e criminais; Certidão do Juiz Coordenador do CEJUSC ao qual se encontra vinculado, contendo o número de horas de mediação prestadas, bem como avaliação quanto à assiduidade, pontualidade e comprometimento na prestação voluntária; Cópia dos seguintes documentos: Carteira de identidade; CPF; Título de Eleitor; Comprovante de endereço. Art.5º. A certificação como mediador sênior será emitida com validade de 5 (cinco) anos após o mediador judicial completar 300 horas de mediação. Art.6º. O mediador sênior deverá passar por processo de renovação de certificação a cada 5 (cinco) anos, segundo os seguintes critérios: Comprovação de vinculação ativa a um dos CEJUSCs do TJRJ encaminhada ao NUPEMEC pelo Juiz Coordenador do CEJUSC ao qual se encontra vinculado; Comprovação de 40 (quarenta) horas de capacitação contínua; Comprovação de estar inserido em atividade de supervisão; Art.7º. Os supervisores, devidamente nomeados e em atividade receberão certificação sênior. Art.8º. Esta Portaria entra em vigor a contar de sua publicação. Rio de Janeiro, 11 de novembro de 2014.

Desembargadora JACQUELINE LIMA MONTENEGRO Presidente do NUPEMEC

Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial.

372

ANEXO XVII – RESOLUÇÃO CNJ N.º 125/2010

Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições constitucionais e regimentais,

CONSIDERANDO que compete ao Conselho Nacional de Justiça o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como zelar pela observância do art. 37 da Constituição da República; CONSIDERANDO que a eficiência operacional, o acesso ao sistema de Justiça e a responsabilidade social são objetivos estratégicos do Poder Judiciário, nos termos da Resolução/CNJ nº 70, de 18 de março de 2009; CONSIDERANDO que o direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à ordem jurídica justa; CONSIDERANDO que, por isso, cabe ao Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação; CONSIDERANDO a necessidade de se consolidar uma política pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios; CONSIDERANDO que a conciliação e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, e que a sua apropriada disciplina em programas já implementados no país tem reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade de recursos e de execução de sentenças; CONSIDERANDO ser imprescindível estimular, apoiar e difundir a sistematização e o aprimoramento das práticas já adotadas pelos tribunais; CONSIDERANDO a relevância e a necessidade de organizar e uniformizar os serviços de conciliação, mediação e outros métodos consensuais de solução de conflitos, para lhes evitar disparidades de orientação e práticas, bem como para assegurar a boa execução da política pública, respeitadas as especificidades de cada segmento da Justiça;

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CONSIDERANDO que a organização dos serviços de conciliação, mediação e outros métodos consensuais de solução de conflitos deve servir de princípio e base para a criação de Juízos de resolução alternativa de conflitos, verdadeiros órgãos judiciais especializados na matéria; CONSIDERANDO o deliberado pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça na sua 117ª Sessão Ordinária, realizada em de 23 de 2010, nos autos do procedimento do Ato 000605982.2010.2.00.0000;

RESOLVE: CAPÍTULO I DA POLÍTICA PÚBLICA DE TRATAMENTO ADEQUADO DOS CONFLITOS DE INTERESSES Art. 1º Fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade. (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13) Parágrafo único. Aos órgãos judiciários incumbe oferecer mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão. Nas hipóteses em que este atendimento de cidadania não for imediatamente implantado, esses serviços devem ser gradativamente ofertados no prazo de 12 (doze) meses. Art. 2º Na implementação da política Judiciária Nacional, com vista à boa qualidade dos serviços e à disseminação da cultura de pacificação social, serão observados: (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13) I - centralização das estruturas judiciárias; II - adequada formação e treinamento de servidores, conciliadores e mediadores; III - acompanhamento estatístico específico. Art. 3º O CNJ auxiliará os tribunais na organização dos serviços mencionados no art. 1º, podendo ser firmadas parcerias com entidades públicas e privadas. CAPÍTULO II DAS ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

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Art. 4º Compete ao Conselho Nacional de Justiça organizar programa com o objetivo de promover ações de incentivo à autocomposição de litígios e à pacificação social por meio da conciliação e da mediação. Art. 5º O programa será implementado com a participação de rede constituída por todos os órgãos do Poder Judiciário e por entidades públicas e privadas parceiras, inclusive universidades e instituições de ensino. Art. 6º Para desenvolvimento dessa rede, caberá ao CNJ: (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13) I - estabelecer diretrizes para implementação da política pública de tratamento adequado de conflitos a serem observadas pelos Tribunais; II - desenvolver conteúdo programático mínimo e ações voltadas à capacitação em métodos consensuais de solução de conflitos, para magistrados da Justiça Estadual e da Justiça Federal, servidores, mediadores, conciliadores e demais facilitadores da solução consensual de controvérsias, ressalvada a competência da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM; III - providenciar que as atividades relacionadas à conciliação, mediação e outros métodos consensuais de solução de conflitos sejam consideradas nas promoções e remoções de magistrados pelo critério do merecimento; IV - regulamentar, em código de ética, a atuação dos conciliadores, mediadores e demais facilitadores da solução consensual de controvérsias; V - buscar a cooperação dos órgãos públicos competentes e das instituições públicas e privadas da área de ensino, para a criação de disciplinas que propiciem o surgimento da cultura da solução pacífica dos conflitos, bem como que, nas Escolas de Magistratura, haja módulo voltado aos métodos consensuais de solução de conflitos, no curso de iniciação funcional e no curso de aperfeiçoamento; VI - estabelecer interlocução com a Ordem dos Advogados do Brasil, Defensorias Públicas, Procuradorias e Ministério Público, estimulando sua participação nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania e valorizando a atuação na prevenção dos litígios; VII - realizar gestão junto às empresas, públicas e privadas, bem como junto às agências reguladoras de serviços públicos, a fim de implementar práticas autocompositivas e desenvolver acompanhamento estatístico, com a instituição de banco de dados para visualização de resultados, conferindo selo de qualidade; VIII - atuar junto aos entes públicos e grandes litigantes de modo a estimular a autocomposição.

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CAPÍTULO III DAS ATRIBUIÇÕES DOS TRIBUNAIS Seção I DOS NÚCLEOS PERMANENTES DE MÉTODOS CONSENSUAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS Art. 7º Os Tribunais deverão criar, no prazo de 60 (sessenta) dias, Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, compostos por magistrados da ativa ou aposentados e servidores, preferencialmente atuantes na área, com as seguintes atribuições, entre outras: (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13) I - desenvolver a Política Judiciária de tratamento adequado dos conflitos de interesses, estabelecida nesta Resolução; II - planejar, implementar, manter e aperfeiçoar as ações voltadas ao cumprimento da política e suas metas; III - atuar na interlocução com outros Tribunais e com os órgãos integrantes da rede mencionada nos arts. 5º e 6º; IV - instalar Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania que concentrarão a realização das sessões de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, dos órgãos por eles abrangidos; V - incentivar ou promover capacitação, treinamento e atualização permanente de magistrados, servidores, conciliadores e mediadores nos métodos consensuais de solução de conflitos; VI - propor ao Tribunal a realização de convênios e parcerias com entes públicos e privados para atender aos fins desta Resolução. § 1º A criação dos Núcleos e sua composição deverão ser informadas ao Conselho Nacional de Justiça. § 2º Os Núcleos poderão estimular programas de mediação comunitária, desde que esses centros comunitários não se confundam com os Centros de conciliação e mediação judicial, previstos no Capítulo III, Seção II.

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§ 3º Nos termos do art. 73 da Lei n° 9.099/95 e dos arts. 112 e 116 da Lei n° 8.069/90, os Núcleos poderão centralizar e estimular programas de mediação penal ou qualquer outro processo restaurativo, desde que respeitados os princípios básicos e processos restaurativos previstos na Resolução n° 2002/12 do Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas e a participação do titular da ação penal em todos os atos. § 4º Na hipótese de conciliadores e mediadores que atuem em seus serviços, os Tribunais deverão criar e manter cadastro, de forma a regulamentar o processo de inscrição e de desligamento desses facilitadores. Seção II DOS CENTROS JUDICIÁRIOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E CIDADANIA

Art. 8º Para atender aos Juízos, Juizados ou Varas com competência nas áreas cível, fazendária, previdenciária, de família ou dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e Fazendários, os Tribunais deverão criar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania ("Centros"), unidades do Poder Judiciário, preferencialmente, responsáveis pela realização das sessões e audiências de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem como pelo atendimento e orientação ao cidadão. (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13) § 1º As sessões de conciliação e mediação pré-processuais deverão ser realizadas nos Centros, podendo, excepcionalmente, serem realizadas nos próprios Juízos, Juizados ou Varas designadas, desde que o sejam por conciliadores e mediadores cadastrados pelo Tribunal (inciso VI do art. 7o) e supervisionados pelo Juiz Coordenador do Centro (art. 9o). § 2º Os Centros poderão ser instalados nos locais onde exista mais de uma unidade jurisdicional com pelo menos uma das competências referidas no caput e, obrigatoriamente, serão instalados a partir de 5 (cinco) unidades jurisdicionais. § 3º Nas Comarcas das Capitais dos Estados e nas sedes das Seções e Regiões Judiciárias, bem como nas Comarcas do interior, Subseções e Regiões Judiciárias de maior movimento forense, o prazo para a instalação dos Centros será de 4 (quatro) meses a contar do início de vigência desta Resolução. § 4º Nas demais Comarcas, Subseções e Regiões Judiciárias, o prazo para a instalação dos Centros será de 12 (doze) meses a contar do início de vigência deste ato. § 5º Os Tribunais poderão, excepcionalmente, estender os serviços do Centro a unidades ou órgãos situados em locais diversos, desde que próximos daqueles referidos no § 2o, e instalar Centros nos chamados Foros Regionais, nos quais funcionem 2 (dois) ou mais Juízos, Juizados ou Varas, observada a organização judiciária local.

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§ 6º Os Centros poderão ser organizados por áreas temáticas, como centros de conciliação de juizados especiais, família, precatórios e empresarial, dentre outros, juntamente com serviços de cidadania. § 7º O coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania poderá solicitar feitos de outras unidades judiciais com o intuito de organizar pautas concentradas ou mutirões, podendo, para tanto, fixar prazo. § 8º Para efeito de estatística de produtividade, as sentenças homologatórias prolatadas em razão da solicitação estabelecida no parágrafo anterior reverterão ao juízo de origem, e as sentenças decorrentes da atuação pré-processual ao coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania. Art. 9º Os Centros contarão com um juiz coordenador e, se necessário, com um adjunto, aos quais caberão a sua administração e a homologação de acordos, bem como a supervisão do serviço de conciliadores e mediadores. Os magistrados da Justiça Estadual e da Justiça Federal serão designados pelo Presidente de cada Tribunal dentre aqueles que realizaram treinamento segundo o modelo estabelecido pelo CNJ, conforme Anexo I desta Resolução. (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13) § 1º Caso o Centro atenda a grande número de Juízos, Juizados ou Varas, o respectivo juiz coordenador poderá ficar designado exclusivamente para sua administração. § 2º Os Tribunais deverão assegurar que nos Centros atuem servidores com dedicação exclusiva, todos capacitados em métodos consensuais de solução de conflitos e, pelo menos, um deles capacitado também para a triagem e encaminhamento adequado de casos. § 3º O treinamento dos servidores referidos no parágrafo anterior deverá observar as diretrizes estabelecidas pelo CNJ conforme Anexo I desta Resolução. Art. 10. Os Centros deverão obrigatoriamente abranger setor de solução pré-processual de conflitos, setor de solução processual de conflitos e setor de cidadania. (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13) Art. 11. Nos Centros poderão atuar membros do Ministério Público, defensores públicos, procuradores e/ou advogados. Seção III DOS CONCILIADORES E MEDIADORES Art. 12. Nos Centros, bem como todos os demais órgãos judiciários nos quais se realizem sessões de conciliação e mediação, somente serão admitidos mediadores e conciliadores capacitados na forma deste ato (Anexo I), cabendo aos Tribunais, antes de sua instalação, realizar o curso de capacitação, podendo fazê-lo por meio de parcerias. (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13)

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§ 1º Os Tribunais que já realizaram a capacitação referida no caput poderão dispensar os atuais mediadores e conciliadores da exigência do certificado de conclusão do curso de capacitação, mas deverão disponibilizar cursos de treinamento e aperfeiçoamento, na forma do Anexo I, como condição prévia de atuação nos Centros. § 2º Todos os conciliadores, mediadores e outros especialistas em métodos consensuais de solução de conflitos deverão submeter-se a reciclagem permanente e à avaliação do usuário. § 3º Os cursos de capacitação, treinamento e aperfeiçoamento de mediadores e conciliadores deverão observar o conteúdo programático, com número de exercícios simulados e carga horária mínimos estabelecidos pelo CNJ (Anexo I) e deverão ser seguidos necessariamente de estágio supervisionado. § 4º Os mediadores, conciliadores e demais facilitadores do entendimento entre as partes ficarão sujeitos ao código de ética estabelecido pelo Conselho (Anexo II). Seção IV DOS DADOS ESTATÍSTICOS Art. 13. Os Tribunais deverão criar e manter banco de dados sobre as atividades de cada Centro, com as informações constantes do Portal da Conciliação. (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13) Art. 14. Caberá ao CNJ compilar informações sobre os serviços públicos de solução consensual das controvérsias existentes no país e sobre o desempenho de cada um deles, por meio do DPJ, mantendo permanentemente atualizado o banco de dados. CAPÍTULO IV DO PORTAL DA CONCILIAÇÃO Art. 15. Fica criado o Portal da Conciliação, a ser disponibilizado no sítio do CNJ na rede mundial de computadores, com as seguintes funcionalidades, entre outras: (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13) I - publicação das diretrizes da capacitação de conciliadores e mediadores e de seu código de ética; II - relatório gerencial do programa, por Tribunal, detalhado por unidade judicial e por Centro;

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III - compartilhamento de boas práticas, projetos, ações, artigos, pesquisas e outros estudos; IV - fórum permanente de discussão, facultada a participação da sociedade civil; V - divulgação de notícias relacionadas ao tema; VI - relatórios de atividades da "Semana da Conciliação". Parágrafo único. A implementação do Portal será gradativa, observadas as possibilidades técnicas, sob a responsabilidade do CNJ. DISPOSIÇÕES FINAIS Art. 16. O disposto na presente Resolução não prejudica a continuidade de programas similares já em funcionamento, cabendo aos Tribunais, se necessário, adaptá-los aos termos deste ato. (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13) Parágrafo único. Em relação aos Núcleos e Centros, os Tribunais poderão utilizar siglas e denominações distintas das referidas nesta Resolução, desde que mantidas as suas atribuições previstas no Capítulo III. Art. 17. Compete à Presidência do Conselho Nacional de Justiça, com o apoio da Comissão de Acesso ao Sistema de Justiça e Responsabilidade Social, coordenar as atividades da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses, cabendo-lhe instituir, regulamentar e presidir o Comitê Gestor da Conciliação, que será responsável pela implementação e acompanhamento das medidas previstas neste ato. Art. 18. Os Anexos integram esta Resolução e possuem caráter vinculante. (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13) Art. 19. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Ministro CEZAR PELUSO

ANEXO I (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13) CURSOS DE CAPACITAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO

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Considerando que a política pública de formação de instrutores em mediação e conciliação do Conselho Nacional de Justiça tem destacado entre seus princípios informadores a qualidade dos serviços como garantia de acesso a uma ordem jurídica justa, desenvolveu-se inicialmente conteúdo programático mínimo a ser seguido pelos Tribunais nos cursos de capacitação de serventuários da justiça, conciliadores e mediadores. Todavia, constatou-se que os referidos conteúdos programáticos estavam sendo implantados sem os exercícios simulados e estágios supervisionados necessários à formação de mediadores e conciliadores. Para esse fim mostrou-se necessário alterar o conteúdo programático para recomendar-se a adoção de cursos nos moldes dos conteúdos programáticos aprovados pelo Comitê Gestor do Movimento pela Conciliação. Destarte, os treinamentos referentes a Políticas Públicas de Resolução de Disputas (ou introdução aos meios adequados de solução de conflitos), Conciliação e Mediação devem seguir as diretrizes indicadas no Portal da Conciliação, com sugestões de slides e exemplos de exercícios simulados a serem utilizados nas capacitações, devidamente aprovados pelo Comitê Gestor da Conciliação. Os referidos treinamentos somente poderão ser conduzidos por instrutores certificados e autorizados pelos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos. ANEXO II SETORES DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E CIDADANIA (Revogado pela Emenda nº 1, de 31.01.13)

ANEXO III CÓDIGO DE ÉTICA DE CONCILIADORES E MEDIADORES JUDICIAIS INTRODUÇÃO (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13) O Conselho Nacional de Justiça, a fim de assegurar o desenvolvimento da Política Pública de tratamento adequado dos conflitos e a qualidade dos serviços de conciliação e mediação enquanto instrumentos efetivos de pacificação social e de prevenção de litígios, institui o Código de Ética, norteado por princípios que formam a consciência dos terceiros facilitadores, como profissionais, e representam imperativos de sua conduta. Dos princípios e garantias da conciliação e mediação judiciais Art. 1º - São princípios fundamentais que regem a atuação de conciliadores e mediadores judiciais: confidencialidade, decisão informada, competência, imparcialidade, independência e autonomia, respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação.

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I - Confidencialidade - dever de manter sigilo sobre todas as informações obtidas na sessão, salvo autorização expressa das partes, violação à ordem pública ou às leis vigentes, não podendo ser testemunha do caso, nem atuar como advogado dos envolvidos, em qualquer hipótese; II - Decisão informada - dever de manter o jurisdicionado plenamente informado quanto aos seus direitos e ao contexto fático no qual está inserido; III - Competência - dever de possuir qualificação que o habilite à atuação judicial, com capacitação na forma desta Resolução, observada a reciclagem periódica obrigatória para formação continuada; IV - Imparcialidade - dever de agir com ausência de favoritismo, preferência ou preconceito, assegurando que valores e conceitos pessoais não interfiram no resultado do trabalho, compreendendo a realidade dos envolvidos no conflito e jamais aceitando qualquer espécie de favor ou presente; V - Independência e autonomia - dever de atuar com liberdade, sem sofrer qualquer pressão interna ou externa, sendo permitido recusar, suspender ou interromper a sessão se ausentes as condições necessárias para seu bom desenvolvimento, tampouco havendo dever de redigir acordo ilegal ou inexequível; VI - Respeito à ordem pública e às leis vigentes - dever de velar para que eventual acordo entre os envolvidos não viole a ordem pública, nem contrarie as leis vigentes; VII - Empoderamento - dever de estimular os interessados a aprenderem a melhor resolverem seus conflitos futuros em função da experiência de justiça vivenciada na autocomposição; VIII - Validação - dever de estimular os interessados perceberem-se reciprocamente como serem humanos merecedores de atenção e respeito. Das regras que regem o procedimento de conciliação/mediação Art. 2º As regras que regem o procedimento da conciliação/mediação são normas de conduta a serem observadas pelos conciliadores/mediadores para o bom desenvolvimento daquele, permitindo que haja o engajamento dos envolvidos, com vistas à sua pacificação e ao comprometimento com eventual acordo obtido, sendo elas: I - Informação - dever de esclarecer os envolvidos sobre o método de trabalho a ser empregado, apresentando-o de forma completa, clara e precisa, informando sobre os princípios deontológicos referidos no Capítulo I, as regras de conduta e as etapas do processo; II - Autonomia da vontade - dever de respeitar os diferentes pontos de vista dos envolvidos, assegurando-lhes que cheguem a uma decisão voluntária e não coercitiva, com liberdade

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para tomar as próprias decisões durante ou ao final do processo e de interrompê-lo a qualquer momento; III - Ausência de obrigação de resultado - dever de não forçar um acordo e de não tomar decisões pelos envolvidos, podendo, quando muito, no caso da conciliação, criar opções, que podem ou não ser acolhidas por eles; IV - Desvinculação da profissão de origem - dever de esclarecer aos envolvidos que atuam desvinculados de sua profissão de origem, informando que, caso seja necessária orientação ou aconselhamento afetos a qualquer área do conhecimento poderá ser convocado para a sessão o profissional respectivo, desde que com o consentimento de todos; V - Compreensão quanto à conciliação e à mediação - Dever de assegurar que os envolvidos, ao chegarem a um acordo, compreendam perfeitamente suas disposições, que devem ser exequíveis, gerando o comprometimento com seu cumprimento. Das responsabilidades e sanções do conciliador/mediador Art. 3º Apenas poderão exercer suas funções perante o Poder Judiciário conciliadores e mediadores devidamente capacitados e cadastrados pelos Tribunais, aos quais competirá regulamentar o processo de inclusão e exclusão no cadastro. Art. 4º O conciliador/mediador deve exercer sua função com lisura, respeitar os princípios e regras deste Código, assinar, para tanto, no início do exercício, termo de compromisso e submeter-se às orientações do Juiz Coordenador da unidade a que esteja vinculado. Art. 5º Aplicam-se aos conciliadores/mediadores os motivos de impedimento e suspeição dos juízes, devendo, quando constatados, serem informados aos envolvidos, com a interrupção da sessão e a substituição daqueles. Art. 6º No caso de impossibilidade temporária do exercício da função, o conciliador ou mediador deverá informar com antecedência ao responsável para que seja providenciada sua substituição. Art. 7º O conciliador ou mediador fica absolutamente impedido de prestar serviços profissionais, de qualquer natureza, aos envolvidos em processo de conciliação/mediação sob sua condução. Art. 8º O descumprimento dos princípios e regras estabelecidos neste Código, bem como a condenação definitiva em processo criminal, resultará na exclusão do conciliador/mediador do respectivo cadastro e no impedimento para atuar nesta função em qualquer outro órgão do Poder Judiciário nacional. Parágrafo único - Qualquer pessoa que venha a ter conhecimento de conduta inadequada por parte do conciliador/mediador poderá representar ao Juiz Coordenador a fim de que sejam adotadas as providências cabíveis.

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