Kamikaze: O Papel do \"Vento Divino\" no Imaginário Japonês

October 3, 2017 | Autor: E. Gonçalves | Categoria: Cultural History, History of Japan, Contemporary History
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CAMPOS, A. P.; GIL, A. C. A.; SILVA, G. V. da; BENTIVOGLIO, J. C.; NADER, M. B. (Org.) Anais eletrônicos do III Congresso Internacional Ufes/Université Paris-Est/Universidade do Minho: territórios, poderes, identidades (Territoires, pouvoirs, identités). Vitória: GM Editora, 2011, p. 1-9.

KAMIKAZE: O PAPEL DO “VENTO DIVINO” NO IMAGINÁRIO JAPONÊS Edelson Geraldo Gonçalves O termo “Kamikaze” evoca a lembrança do tufão que em 15 de agosto de 1281, salvou o Japão da invasão das tropas mongóis de Kublai Khan (1215-1294). Este incidente na verdade teve início ainda no ano de 1268, quando Kublai, governante da China à frente da dinastia Yuan (1271-1368), e neto do famoso Genghis Khan (1167-1227), que à frente de seus exércitos estendeu suas conquistas da Ásia à Europa Oriental (LEONARD, 1993, p. 61-62), enviou um embaixador ao Shogun1 Hojo Tokimune (1251-1284) ao qual se dirigiu como “o governante de um pequeno país” convidando o Japão a estabelecer um “amistoso intercâmbio com a China” acrescentando ainda que a recusa poderia levar à uma guerra (LEONARD, 1993, p. 61). Compreendendo a ameaça, o Shogun enviou o embaixador de volta à China, e tratou de forma igualmente silenciosa os embaixadores que se sucederam, ao mesmo tempo que preparava a defesa da ilha de Kyushu, aquele que certamente seria o primeiro alvo das tropas de Kublai; com isso, em novembro de 1274, Kublai ordenou que os coreanos (que haviam sido à ele subjugados em 1259) construíssem 900 navios, para transportar uma força de ataque de 5 mil soldados mongóis, mais de 6 mil soldados coreanos, e um corpo principal formado por 15 mil soldados mongóis, chineses e manchus; e com eles em duas semanas foi dar combate aos japoneses (TURNBULL, 2006, p. 325). Quando o embate para o qual os japoneses vinham se preparando a seis anos finalmente teve início, seus guerreiros (samurais) foram rapidamente colocados em situação desvantajosa, uma vez que, sendo este o primeiro embate que travavam contra um inimigo estrangeiro as diferenças do modo de combater mostraram-se decisivas a favor das tropas de Kublai Khan. Estas diferenças davam-se no campo tático, um ponto no qual os mongóis eram especialistas consumados enquanto os japoneses, nem sequer tinham o hábito de adotar formações de batalha, valendo-se de combates individuais, nos quais, os guerreiros de alta hierarquia procuravam combater oponentes de nível equivalente (LEONARD, 1993, p. 6162). Com isso ocorreu o choque das desorganizadas forças japonesas contra as formações disciplinadas dos mongóis, que rapidamente empurravam as tropas japonesas para dentro de seu território. Além da desvantagem tática, também existia a desvantagem armamentística,

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Termo que significa “Generalíssimo”, sendo o título dado à aqueles que governavam efetivamente o Japão, sob as bênçãos do Imperador, no período entre 1191 e 1868.

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pois enquanto os samurais dispunham apenas de suas espadas, arcos e outras armas convencionais, os mongóis dispunham de bestas (uma arma muito mais mortífera que o arco comum) e catapultas, das quais atiravam explosivos incendiários 2 de ferro e pólvora, que causavam terror às fileiras japonesas (LEONARD, 1993, p. 62; TURNBULL, 2006, p. 327). Neste cenário, com o cair da noite os japoneses já haviam sido rechaçados a vários quilômetros para o interior de seu território, tendo muitas residências e o grande templo Hakozaki destruídos; contudo, os mongóis escolheram não continuar o avanço e retornar à seus navios, e destes, de volta para a China, uma atitude até hoje pouco compreendida, dando a entender que esta primeira invasão teria sido meramente uma incursão de reconhecimento (TURNBULL, 2006, p. 327).

Existe uma versão desta retirada mongol que diz que, após se recolherem em seus navios, eles teriam sido apanhados de surpresa por um tufão que teria danificado e afundado navios, e matado muitos soldados, no entanto, não existe documentação confiável que confirme esta história (que se tornou um lugar de memória acerca deste combate, sendo citada como fato em muitos livros) sendo que a documentação confiável da época apenas confirma a consternação de todos sobre a retirada das tropas de Kublai, fazendo-nos acreditar que esta história é um desdobramento do verdadeiro tufão que derrotaria os mongóis em 1281 (TURNBULL, 2006, p. 327).

Contudo, independente do real motivo da retirada, após o retorno de suas tropas Kublai enviou outra embaixada, desta vez ordenando que o Shogun se dirigisse até Pequim para lhe render o juramento de vassalagem; os embaixadores foram decapitados, e o cenário para uma nova batalha começava a se configurar (LEONARD, 1993, p. 62). Com isso os japoneses passaram os seis anos seguintes preparando-se para o combate vindouro, tomando medidas como a construção de embarcações para o combate,o recenseamento de todos os homens de Kyushu capazes de pegar em armas, para que pudessem ser convocados imediatamente, a colocação em prontidão de todos os Daimyo3 do império para que tivessem seus vassalos prontos para o combate, o corte de gastos com o luxo da corte imperial de Kyoto, e até o voluntariado dos piratas que aterrorizavam os mares do arquipélago nipônico (LEONARD, 2

Estas bombas foram desenvolvidas na China, antes da conquista mongol, e eram chamadas “Zhen tian lei” (bombas explosivas trovejantes). 3 Termo que significa “Grande Nome”, sendo o título dado aos vassalos do Shogun que também eram governantes de Domínios territoriais.

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1993, p. 62) além do aumento das atividades religiosas por todo o Japão, que rogavam pelo apoio divino na batalha (TURNBULL, 2006, p. 328). Esta ameaça que causou uma comoção nunca vista antes em todo o território japonês 4, finalmente iniciou sua ofensiva em 1281, desta vez com mil e quinhentos navios e 140 mil homens, levando consigo muitos implementos agrícolas, que indicavam que desta vez os mongóis pretendiam permanecer nas terras japonesas (TURNBULL, 2006, p. 328). Neste embate os japoneses conseguiram oferecer melhor resistência, prolongando a batalha por um mês, quando, no episódio conhecido como “Batalha de Takashima“ que durou um dia e uma noite, a esquadra mongol foi apanhada por um tufão que atingiu a baía de Hakata, este tufão (desta vez fartamente documentado), causou a morte de 30% dos coreanos do exército de Kublai, e entre 60% e 90% dos mongóis e chineses (TURNBULL, 2006, p. 329), em dois dias de atividade, e quando parou deixou aos japoneses apenas o trabalho de eliminar os sobreviventes que erravam desorientados pelas praias (LEONARD, 1993, p. 63). Este tufão ficou conhecido como Kamikaze, o “Vento Divino” que expulsou os bárbaros invasores.

Este ocorrido acabou por criar um dos principais mitos da identidade nacional japonesa, sendo especialmente forte até o período Imperial (1868-1945). Este mito provaria que o Japão é uma terra realmente protegida pelos deuses, que sempre soprariam para longe todos os bárbaros invasores (Ashkenasi, 2003, p. 188). Os outros mitos seriam, a origem divina do Imperador, e o Bushido, idealmente representado na história dos 47 ronin (Ashkenasi, 2003, p. 188). Cabe ainda acrescentar que este “vento divino” é na verdade uma forma de se referir ao deus Fujin; divindade sincrética budista/Shinto (pelo budismo, é a versão japonesa do deus Vayu, de origem Indiana, sendo neste contexto chamado de Futen, enquanto Fujin é o nome dado a ele pela religião Shinto) que rege os ventos (Roberts, 2010, p. 41; Mercatante; Dow, 2009, p. 395).

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Comoção esta que no entanto não se deu apenas por altruísmo, ou por alguma forma de protonacionalismo (termo apresentado por Eric Hobsbawm, no livro “Nações e Nacionalismo”, segundo o qual as manifestações de identidade nacional se dão em ocasiões especiais ou excepcionais); ocorrendo sim pelo fato de a dinastia Hojo ter prometido recompensas a todos aqueles que se engajassem no combate, dívida esta que não podendo ser integralmente paga após os conflitos, acabou contribuindo para a queda desta dinastia (HOBSBAWM, 2008, p. 63-66; HENSHALL, 2008, p. 58).

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Este símbolo voltou a ser evocado no século XIX, após a Restauração Meiji (1868), processo no qual o Japão se abriu às nações estrangeiras (após quase três séculos de isolamento, ordenado pela dinastia Tokugawa) e iniciou um processo de modernização inspirado nos moldes ocidentais, para além de escapar ao destino das nações asiáticas (continente então palco do colonialismo) do período, firmar-se como uma nação poderosa no cenário internacional. A simbologia do Kamikaze foi ressuscitada neste período por um grupo de samurais que se denominavam “Liga do Vento Divino” (Shinpuren), os quais estavam profundamente descontentes com os rumos que o Japão estava tomando.

Para os membros da liga, os rumos da modernização estariam destruindo o tradicional espírito japonês (Yamato Damashii), tendo estes inclusive verdadeira aversão à inovações estrangeiras, vendo-as como impuras, tendo para com elas ações como purificações rituais sempre que tivessem se aproximado de alguém trajando roupas ocidentais, ou protegerem-se com leques brancos sempre que tivessem que passar sob linhas de telégrafo (PINGUET, 1987, p. 280).

Estes samurais, assim como sugere o título com o qual denominaram seu grupo, estavam decididos a iniciarem o vento divino que sopraria para longe os invasores estrangeiros, planejando um ataque contra o governo conivente com a degradante situação que testemunhavam, esperando que este ato inspirasse outros a fazerem o mesmo, para efetuar assim a expulsão dos bárbaros invasores (KEENE, 2002, p. 264-266).

Dessa maneira os membros da Shinpuren (cerca de 200 homens ao todo) escolheram atacar o castelo de Kumamoto, que era guardado por tropas armadas com o mais moderno equipamento bélico disponível às forças japonesas, enquanto os Shinpuren recusavam-se a usar armas de fogo (que eles também julgavam impuras) optando por utilizar apenas espadas no combate. Assim foi feito o ataque surpresa, na madrugada de 24 de outubro de 1876, tendo neste ataque os Shinpuren conseguido abater cerca de 300 soldados da guarnição (em sua maioria de origem camponesa, recrutados pelo sistema de conscrição estabelecido em 1873) mas em função da desvantagem numérica com a qual tiveram que lidar, pela soma das próprias perdas e dos reforços recebidos pelas tropas da guarnição, assim como também a desvantagem armamentística; acabaram tendo que se retirar, tendo os sobreviventes se

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dispersado ao amanhecer e, escondidos em vários pontos, acabaram todos por se suicidarem por seppuku5 ao longo dos dias seguintes (KEENE, 2002, p. 264-266). Assim acabou o episódio que ficou conhecido na História japonesa como “Shinpuren no Han” (Rebelião dos Shinpuren).

O ato destes samurais de fato foi bem sucedido em um de seus objetivos, o de inspirar outras revoltas armadas contra a modernização do Japão, sendo que estas no entanto não tiveram destinos melhores que o do movimento que as inspirou. Estas rebeliões não conseguiram deter as mudanças, não conseguiram se converter em um “Vento Divino” que expulsaria do Japão as tendências ocidentalizantes. Contudo, ainda assim, mesmo nos dias atuais os membros do Shinpuren ainda são vistos entre os japoneses como um exemplo de determinação por uma causa, neste caso, a proteção do Império, e os 123 túmulos de membros do grupo, localizados no santuário de Sakurayama em Kumamoto desde então seguem atraindo muitos visitantes (KEENE, 2002, p. 266).

A simbologia do Kamikaze ressurgiu, de maneira especialmente dramática no penúltimo ano da Segunda Guerra Mundial, mas especificamente em outubro de 1944, momento no qual as forças armadas japonesas estavam em sérias dificuldades causadas principalmente pelos grandes prejuízos que vieram como saldo de batalha de Midway que ocorreu entre 4 e 7 de julho de 1942. Nesta batalha foi freado o implacável avanço que as forças japonesas vinham mantendo desde o início da guerra do Pacífico, tendo também nesta batalha a Marinha japonesa sofrido um duríssimo golpe, com a perda de muitos armamentos importantes (entre os quais, 150 aviões), assim como a maior parte de seus pilotos experientes. Esta situação somada às limitações econômicas do Japão, sobretudo sua falta de recursos naturais (principalmente o petróleo), e obviamente a falta de tempo causada pela urgência da guerra, deixou suas forças armadas em séria desvantagem, impossibilitando a recuperação total dos equipamentos perdidos, assim como do treinamento de novos pilotos hábeis para o combate (MASSON, 2010, p. 325). Tal situação se traduziu no episódio da “grande caça ao peru das Marianas” (great Marianas turkey shoot), apelido dado pelos marinheiros norte-americanos ao embate contra 5

Ritual de suicídio dos samurais (também conhecido como Hara-Kiri), no qual o indivíduo abria o ventre com uma adaga.

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os pilotos da Marinha japonesa na batalha das Ilhas Marianas, ocorrida entre julho e agosto de 1944. A razão deste apelido foi a grande facilidade com a qual os americanos puderam lidar com o combate, facilidade proporcionada principalmente pela inabilidade dos pilotos japoneses envolvidos no confronto, o que terminou com um saldo de perdas ainda maior que o da batalha de Midway (mais 330 aviões japoneses foram abatidos nas Ilhas Marianas) que apenas por si já havia sido uma catástrofe (MASSON, 2010, p. 588).

Assim, o desenrolar das batalhas chega à um ponto crítico em outubro de 1944, momento no qual os japoneses estavam na defensiva, aguardando o iminente ataque americano às suas tropas estacionadas nas Filipinas. Para este combate a Marinha, que deveria ser a ponta de lança dos esforços militares do Japão, não contava com mais do que cem aviões (para os quais o número de pilotos, majoritariamente inexperientes, era ainda menor) dois couraçados (Yamato e Musashi) nenhum porta aviões e nenhum bombardeio, e tendo que com isso lidar com toda a plenitude do poder das forças armadas americanas, que tinham a sua disposição grande abundância tanto de pessoal hábil, quanto de equipamento bélico (INOGUCHI, NAKAJIMA, 1967, p. 28-31).

Frente à esta situação de dramática desvantagem, a Marinha Imperial criou os grupos Tokkotai, ou Shinpu mais conhecidos no ocidente como Kamikazes 6. Estes grupos, que desde a batalha das Filipinas se concentraram principalmente na Marinha, onde eram coordenados pelo Vice-Almirante Onishi Takijiro (1891-1945), lançavam mão de ataques suicidas, principalmente pelo choque de aviões carregados de explosivos contra as forças inimigas; uma tática muitas vezes encarada como desesperada ou mesmo insana, mas que em vista da situação japonesa, mostrava-se como aquela que produzia os resultados mais eficazes (PINGUET, 1987, p. 328). Este grupo recebeu o nome de Shinpu, justamente em referência aos tufões que salvaram o Japão da conquista mongol no século XIII, sendo que desta forma, os pilotos das forças armadas deviriam assumir o papel do vento divino que sopraria para longe das praias japonesas esta nova invasão estrangeira (INOGUCHI, NAKAJIMA, 1967, p. 36).

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Outra forma possível de se ler os ideogramas (kanji) que compõe a palavra Shinpu.

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Apesar de todos os esforços, e dos milhares de atacantes especiais que sacrificaram suas vidas em defesa do Japão, as forças invasoras não puderam ser repelidas, sendo que em agosto de 1945 o Japão se encontrava sitiado por seus inimigos que se preparavam para invadir as quatro ilhas principais do Império, situação que ainda era agravada pelos constantes bombardeios aéreos que devastavam as cidades japonesas. Neste cenário ocorre o que David C. Earhart chama de “kamikazificação do front interno” ou seja uma situação na qual não apenas todos os pilotos, mas cada súdito do imperador deveria se considerar Kamikaze, sendo que mesmo os civis (armados até mesmo com meras lanças de bambu) deveriam estar prontos a se lançarem para repelir as forças invasoras (EARHART, 2008, p. 409-457).

Em meio a esta situação, ocorreram os bombardeios atômicos às cidades de Hiroshima e Nagazaki, situação que fez por fim o alto comando japonês optar pela rendição, sob ordens do Imperador que a anunciaria formalmente por rádio no dia 14 de agosto. Contudo, a decisão final do Imperador não foi aceita unanimemente, recebendo por exemplo a oposição do General Anami Korechika (1887-1945), que mesmo neste momento, no qual as chances de vitória já se mostravam nulas, ainda insistiu na continuidade da guerra, evocando o símbolo do Kamikaze em sua fala sobre a garantia da vitória, dizendo: Soou para o Japão o momento de glória. É preciso deixar que os americanos venham ao assalto do próprio Império [...]. E a potência japonesa os aniquilará, como o vento divino kamikaze, em 1281, deteve as forças de Kublai Kahn, o único que tentou esse impossível assalto (PERALVA, 1991, p. 47).

No entanto os apelos de Anami não receberam atenção, e apesar de todos os esforços dos partidários da continuação das hostilidades, contanto inclusive com uma frustrada tentativa de golpe na madruga anterior ao pronunciamento Imperial, a rendição não foi detida, e com a guerra terminada, e o território japonês ocupado pelas tropas norte-americanas, no início de 1946, o texto de uma charge de jornal deu seu veredicto final sobre o sobre o tema deste texto, afirmando: “o vento divino não soprou” (DOWER, 1999, p. 172).

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Porém apesar dos pilotos Kamikaze não terem conseguido salvar o Japão da derrota, o sacrifício destes não deixa de ser reconhecido, e assim estes seguem recebendo homenagens, juntamente com outros heróis de guerra japoneses no santuário de Yasukuni 7 em em Tokyo. Por fim podemos concluir que o poder simbólico do “Vento Divino” do século XIII, tornou-se um lugar de memória dentro do imaginário japonês, uma memória que serviu para ligar o Japão moderno a um evento passado de interpretação mítica, que caracteriza o território japonês como solo sagrado, protegido pelos próprios deuses. Dessa maneira nos termos de Pierre Nora, esta memória manifestou-se não de maneira apenas simbólica, mas também material e funcional ao longo da história japonesa, assim caracterizando-se completamente como um legítimo lugar de memória (NORA, 1993, p. 21), um símbolo poderoso, que como mostra a popularidade dos locais de homenagem de seus adeptos (Shinpuren ou Kamikaze) mesmo com a derrota em 1945, não desapareceu do imaginário japonês, e segue possuindo um potencial inspirador.

REFERÊNCIAS ASHKENAZI, Michael. Handbook of Japanese Mythology. Santa Barbara: ABC Clio, 2003. DOWER, John W, Embracing Defeat: Japan in The Wake of World War II. Nova York: W.W. Norton & Company, 1999. EARHART, David C. Certain Victory: Images of World War II in The Japanese Media. Armonc: An East Gate Book, 2008. HENSHALL, Kenneth. História do Japão. Lisboa: Edições 70, 2008. HOBSBAWM, Eric. Nações e Nacionalismo: Desde 1780. São Paulo: Paz e Terra, 2008. INOGUCHI, Rikihei ; NAKAJIMA, Tadashi. Kamikaze: Os Pilotos Suicidas Japoneses. São Paulo: Flamboyant, 1967.

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O termo Yasukuni significa “Terra Pacífica”, sendo este o nome do santuário inaugurado em 1879, com a função de ser o local onde seriam deificadas e honradas as almas dos soldados japoneses mortos em conflitos ocorridos desde 1868.

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KEENE, Donald. Emperor of Japan: Meiji and his World, 1852-1912. Columbia: Columbia University Press, 2002. LEONARD, Jonathan Norton. O Japão Antigo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. MASSON, Philippe. A Segunda Guerra Mundial: História e Estratégias. São Paulo: Contexto, 2010. MERCATANTE, Anthony S; DOW, James R. World Mythology and Legend. Nova York: Facts On File, 2009. NORA, Pierre. Entre Memória e História: A Problemática dos Lugares. Projeto História, São Paulo, n° 10, p. 7-28, 1993. PERALVA, Osvaldo. Um Retrato do Japão. São Paulo: Editora Moderna, 1991. PINGUET, Maurice. A Morte Voluntária no Japão. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. ROBERTS, Jeremy. Japanese Mythology: A to Z. Nova York: Chelsea House, 2010. TURNBULL, Stephen. Enciclopédia dos Samurais. São Paulo: JBC, 2006.

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