Kant e a origem da singularidade no Entendimento: a individuação no contexto de uma concepção finitista de pensamento

October 2, 2017 | Autor: E. Santovich Scar... | Categoria: Non-Conceptual Content, Immanuel Kant, Gottfried Wilhelm Leibniz, Singularity
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"Não há tal coisa como um par de indivíduos indiscerníveis entre si." Carta de Leibniz à Princesa Carolina de Gales, replicada por Samuel Clarke, 2/06/1716.
LEIBNIZ, 2004, p. 16.
Idem, ibidem.
Idem, pág, 16, §VIII.
A 571-B 596. Ver também ALTMANN, 2005, pg. 2.
"Isto posto, podemos dizer que a natureza de uma substância individual ou de um ser completo consiste em ter uma noção tão perfeita que seja suficiente para compreender e fazer deduzir de si todos os predicados do sujeito a que se atribui esta noção; ao passo que o acidente é um ser cuja noção não contém tudo quanto se pode atribuir ao sujeito a que se atribui esta noção". LEIBNIZ, 2004, VIII, p. 16.
Kant considera John Locke como tendo incorrido em um erro simétrico. Isso é, ao passo que Leibniz teria intelectualizado (intellektuierte) os fenômenos, Locke teria, por sua vez, sensificado (sensifiziert) os conceitos do entendimento (A 271 – B 327). No entanto, trataremos, neste trabalho, apenas da reação kantiana ao tratamento intelectual da singularidade.
A 270 – B 326.
B 71-3
B 24.
A 69/B 94.
Como os juízos analíticos que apenas expressam relações de subordinação entre um conceito sujeito e suas notas características e cuja verdade é necessária por ser puramente lógico-semântica e que, por isso, são chamados juízos de elucidação ou esclarecimento (Erläuterungsurteile).
A 50 – B74.
A 51 - B 75.
2008, p. 50.
B 132.
KANT, 2002, §6; De todo, se a intuição fosse completamente destituída de um caráter intencional a não ser na presença de conceitos empíricos, a teoria kantiana da formação de conceitos empíricos seria trivialmente circular ou bem levaria a um regresso ao infinito. Uma vez que não teríamos meio de representar-nos os objetos que compararíamos in Ansehung des (ou der) ou quanto a propriedades dadas na intuição empírica de modo que possamos eleger aquelas que são encontradas em comum em ambos os objetos e abstraí-las de suas instâncias sem que, de antemão, já tenhamos esse ou pelo menos um outro conceito empírico, acerca do qual, todavia, podemos perguntar como foi formado.
GINSBORG, 2008, p.70.
HANNA, 2008, p. 48.
Idem, p. 53-63.
HANNA, 2011.
Ver FRIEDMAN, 1992, p. 59-63, e YOUNG, 1992, p. 114-5.
PATON, 1936, Introdução, §2, p. 38.
Idem, p. 48.
A 50 – B 74
A 19 – B 33.
A 572-B600; ALTMANN, 2005, p. 138.
A 30/B 45.
KANT, 2002, §11, p. 193, Anm.
Kant e a origem da singularidade no Entendimento: a individuação no contexto de uma concepção finitista de pensamento
Elliot Santovich Scaramal
1. Introdução
Na "Nota acerca da Anfibolia dos Conceitos de Reflexão", localizada no apêndice endereçado à Analítica dos Princípios, Kant acusa a metafísica leibniziana de incorrer em um colossal erro que se sustentava, entretanto, em um mal-entendido (Mißverstand). Esse erro consistiria em, de alguma maneira, não atribuir à faculdade de conhecimento adequada as representações com as quais a mesma lidava ao empreender comparações entre objetos exclusivamente pelo entendimento, ao "comparar todas as coisas (Dinge) umas com as outras apenas mediante conceitos" (A 270/ B 326). Esse pretenso erro por parte de Leibniz remonta à pretensão do mesmo de apresentar um critério exaustivo de identidade e diferença de indivíduos ou objetos mediante as propriedades que esses possuiriam ou deixariam de possuir (a partir da introdução do Princípio de Identidade dos Indiscerníveis).
Essa pretensão de um critério ou definição de identidade, por sua vez, porta como base a assunção metafísica de que a identidade de um indivíduo ou objeto (ou, na terminologia de Leibniz, substância individual) é necessária e suficientemente determinada pelas suas propriedades. Analogamente, podemos entender aquilo que está pela substância à maneira de um conceito em que os predicados que o sujeito em questão e só ele transtemporalmente satisfaz, satisfez e satisfará são notas características ou definitórias do mesmo. Esse papel nominalizante ou singularizante atribuído a um conceito provido de um "grande número de predicados" provém da propriedade do conceito de não ser satisfeito por nenhuma outra coisa senão aquela da qual pretendemos falar. Podemos, então produzir uma expressão com referência (e por referência entendemos aqui referência individual concreta) a partir de conteúdos gerais (predicados).
Entretanto, embora o acréscimo de um número grande de predicados possa ser suficiente para determinar a referência singular de uma expressão em questão (o que chamaríamos de uma descrição definida), nem por isso podemos tomar essa operação por critério de individualidade legítima de noções, pois essa definição, diz Leibniz é apenas nominal. Além da sua (i) referência singular proveniente de predicados restringentes, noções de substâncias individuais devem ser tais que (ii) os predicados atribuídos às substâncias individuais devam poder em quaisquer circunstâncias estar contidos na noção. Ou seja, a noção de uma substância individual não deve simplesmente ser provida de uma referência singular, mas também de uma certa completude descritiva. Isso pode ser notado pelo uso restrito do artigo definido singular "a" (única) noção correspondente à substância individual, em vez de "uma" entre as noções individuais, ao passo que podemos ter perfeitamente duas ou mais descrições definidas de mesma referência.
A esse princípio de que toda coisa propriamente dita deve ser determinada quanto as suas propriedades, Kant, denomina de Princípio da Determinação Completa (Grundsatz der durchgängigen Bestimmung). Não podemos responder quanto a noções não individuais se a elas convêm predicados que não são notas suas. Citando o exemplo de Altmann (2005), a bodes-cervos está completamente indeterminado serem herbívoros ou não. Porém, a toda noção individual deve convir ou bem o predicado ou sua negação. É por estar determinada quanto a todo e qualquer predicado em algum momento do tempo que uma noção é de fato individual, em vez de uma noção geral (um acidente) ou uma mera descrição definida, pois ela está por um ente, ele mesmo, realmente completo.
Alguns dos traços mais fundamentais da Teoria do Conhecimento de Kant podem ser lidos como uma reação a essa específica abordagem do conhecimento da realidade e seus fundamentos metafísicos. Kant recusa a consideração da Sensibilidade como um "modo de representação obscuro ou confuso (verworrene Vorstellungsart) e não uma fonte particular (besonderer Quell) de representações" ou a consideração "como meramente lógica [d]a distinção entre o sensível e o intelectual" e não como quanto à "origem (Ursprung) e conteúdos". Esse ponto de vista (Gesichtspunkt) levaria a uma concepção analítica de verdade, em que é verdadeira a proposição que afirma de um sujeito um predicado contido nele, e conhecimento, em que conhecemos as propriedades das substâncias individuais por um esclarecimento anamnético das notas implícitas do seu conceito, ao passo que nos aproximamos continuamente, nesse processo, da noção completa da substância individual.
Em contrapartida, Kant se empreende em um projeto crítico de determinação das condições de possibilidade e dos limites do conhecimento que deveria envolver tanto alguma forma de afecção a partir de objetos meramente dados e de seu pensamento finito (que pressuporia limites), embora esse talvez não seja estritamente o caso do homem. Neste contexto, Kant concebe preferencialmente o conhecimento como provindo das interações entre dois Elementos Transcendentais, os chamados dois troncos da Razão Pura: a Sensibilidade, a capacidade (Fähigkeit) pela qual passivamente recebemos ou intuimos representações, e o Entendimento, a faculdade (Vermögen) pela qual espontânea e ativamente pensamos as mesmas.
Esses dois elementos da nossa capacidade de conhecimento a priori não podem, sequer nas hipóteses mais audaciosas, permutar (vertauschen) suas funções, pois que não é senão essa mesma que as define. Aquilo que mediante a Sensibilidade nos é dado, enquanto nos é dado é chamado uma intuição, uma representação singular e imediata, ao passo que aquilo que pelo Entendimento pensamos é ou bem um conceito, uma representação geral e mediata, ou bem algo que pensamos mediante conceitos, uma vez que "pensamento é cognição por conceitos". Em certo uso da expressão dizemos que estes são os objetos das capacidades em questão, pois o termo acompanhado de uma expressão no caso genitivo indica simplesmente o relatum secundário de uma relação. No caso, de "x recebe y" ((recepção(recipiente, recebido)) ou "x pensa y" (pensamento(pensante, pensado)).
Neste nova perspectiva acerca dos elementos, estrutura e funcionamento do conhecimento essas duas capacidades ou faculdades são ambas condições necessárias, porém insuficientes para o conhecimento: Todo o conhecimento stricto sensu ou sintético, ou seja, o conhecimento adquirido por meio a um apelo a uma base extra-conceitual que epistemologicamente (e não meramente logicamente) legitima a cópula entre conceitos definicionalmente independentes, sendo conhecimento por possuir ampliação (Erweiterung) e não meramente por ter valor cognitivo, provém exclusivamente da interação entre essas duas capacidades ou faculdades. De todo: "[...] nem conceitos que não correspondem a alguma intuição, nem uma intuição sem conceito podem dar conhecimento" (grifos nossos).
No entanto, uma vez que um conceito (abstrato), o objeto de pensamento por excelência, não consiste senão em "um predicado de um juízo possível asserido acerca de um objeto ainda indeterminado" (B 94), além de eminentemente predicativo, sua representação não demanda a representação de nenhum indivíduo (objeto determinado). Todavia, ainda poderíamos nos perguntar se o estatuto do objeto mesmo é tal que pode ou não ser representado sem conceitos. O critério de identidade do mesmo é estritamente conceitual (descritivo ou indireto), estritamente não-conceitual (millianista ou direto) ou pode flutuar contextualmente entre ambos? Somos forçados a adentrar agora "as cenas de discórdia e dissensão" da discussão entre interpretações conceitualistas e não-conceitualistas de Kant.
2. Conceitualismo x Não-Conceitualismo
As exortações contemporâneas mais inspiradoras a uma revisitação da filosofia teórica de Kant talvez sejam aquelas ligadas a formulações de problemas relacionados à Filosofia da Mente e a Epistemologia, particularmente importante é o apelo de John McDowell em "Mind and World" (2000) a Kant para uma tentativa de resolução do problema de como a experiência pode cumprir o papel de critério de correção para os nossos pensamentos ou juízos, na qual McDowell acabaria por escolher uma interpretação altamente conceitualista de Kant, que parece ao menos resistente à admissão de conteúdos empíricos não-conceituais.
Em confluência com essa posição, a máxima de Kant de que "intuições sem conceito são cegas" tem, há muito, sido tomada como lema de interpretações conceitualistas, de modo a atestar que Kant declararia que intuições desprovidas de conceitos sejam completamente desprovidas também de qualquer determinação de seu conteúdo. Em oposição a estes, alguns trabalhos de orientação não-conceitualista defendem a perfeita admissão de conteúdos não-conceituais em Kant, pois aceitam que hajam conteúdos aos quais pode-se se referir sem necessário apelo a conceitos.
A discussão parece tender em seu atual status quaestionis a uma suavização das posições conceitualistas: alguns conceitualistas (chamados por Robert Hanna (2008) de "highly refined conceptualists") concordam que possam haver e até que hajam, sim, conteúdos não-conceituais, que se refeririam diretamente a objetos dados, mas que, no entanto, a sua representação não-conceitual deve ser contingente. Esses conteúdos devem todos ser tradutíveis em termos conceituais, mantendo sua referência, agora indireta, por jus do Princípio da Unidade Originariamente Sintética da Apercepção Pura, que prescreve a pensabilidade de todas as representações do Eu.
Outro posicionamento de certa orientação conceitualista que tem ganhado expressividade no debate é a de que ainda que conceitos empíricos não tenham nenhuma necessária contribuição e de modo algum consistam em uma condição anteriror para a intuição empírica (da qual esses antes são derivados via as etapas do processo de formação de conceitos descrito na lógica de Jäsche), a disponibilidade de conceitos puros seria uma condição anterior a qualquer intuição empírica. Comentadores que defendem tais posições são, por exemplo, Hannah Ginsborg e Aaron Griffith. Tais comentadores defendem que há sim uma contribuição necessária e indispensável dos conceitos puros do entendimento a todo conteúdo intuitivo-empírico. Hannah Ginsborg tem, em particular, em vista a crucial réplica de Kant às críticas humeanas a relações causais entre eventos:
E essa linha de pensamento [de que as categorias têm um papel a desempenhar não apenas em juízos explícitos mas também na nossa apreensão perceptual dos objetos acerca dos quais julgamos] é, penso eu, essencial para o aspecto anti-humeano da visão de Kant na Crítica. Colocando de maneira bem grosseira, Hume negou que o conceito ou idéia de causalidade tivesse aplicação na experiência uma vez que ele apontou que não temos qualquer impressão sensorial de uma conexão necessária. A estratégia de Kant, em resposta, outra vez bem grosseiramente, é defender que ainda que não tenhamos nenhuma impressão sensorial correspondente ao conceito de causalidade, causalidade como uma conexão necessária figura no conteúdo da percepção. Isso acontece, porque o conteúdo perceptual é alcançado mediante a síntese das impressões sensíveis que se conformam com regras do entendimento e uma dessas regras é, ou corresponde ao conceito de causalidade.
Em contrapartida, tem se observado o aparecimento de não-conceitualistas, como Robert Hanna, que defendem textualmente que existem conteúdos essencialmente não-conceituais, ou seja, cuja descrição conceitual seja impossível e que sejam, portanto, impensáveis. Hanna, em particular, formula um engenhoso argumento retomando a noção de contrapartes incongruentes (inkongruente Gegenstücken) em alguns textos como o Von dem ersten Grunde des Unterschiedes der Gegeden im Raume e no parágrafo 13 dos Prolegômenos, como, por exemplo, uma mão e sua imagem enantiomorfa em um espelho, que seriam necessariamente descritivamente idênticas, ainda que intuitivamente distintas. Essa posição leva alguns dentre esses comentadores (inclusive Hanna) à irrevogável defesa de que o Princípio da Apercepção Pura assim como a Dedução Transcendental dos Conceitos Puros do Entendimento deve falhar.
A grande questão em perspectiva a ser debatida na discussão entre não-conceitualismo e conceitualismo parece ser a posição de Hanna. Não obstante ela se comprometer com a recusa de um grande pilar da filosofia kantiana em geral, a saber, as suas considerações sobre a auto-consciência, a mesma se desenvolve a partir de uma radicalização não só de elementos internos a filosofia kantiana mas características imprescindíveis de seu próprio projeto em geral. Grosso modo, ela não faz senão enfatizar a diferença abismal entre a intuição e o entendimento, tão cara nas críticas de Kant a Leibniz. Na qual o pensamento, que por ser pensamento e não intuição intelectual, seria finito ao passo que a intuição e suas formas puras deveriam ser irrevogavelmente infinitas, base para a Filosofia da Matemática de Kant, desprovida de recursos lógicos como predicados n-ádicos sendo n > 1 e a possibilidade de dependência entre quantificadores. O apelo à intuição, o caratér sintético da matemática em sua filosofia, por sua vez, tem um papel crucial, na argumentação de que estamos de posse de conhecimento sintético a priori.
2.1. Algumas questões exegéticas
Por princípio metodológico, devemos nos policiar para não cair em uma leitura "colcha-de-retalhos" (patchwork) do sistema filosófico de Kant, como aquelas já criticadas por H.J. Paton em meados da década de 1930, de que os textos redigidos por Kant não expressam textualmente um sistema filosoficamente coerente, mas que são apenas coleções de textos datados de diferentes períodos e contraditórios entre si. Em vez disso, seguiremos Paton e os teóricos do Método Estrutural de Intepretação de Textos Filosóficos em tomar a aparente incoerência de uma passagem com outra não como índices de que há uma incoerência no sistema do autor, mas apenas no modo como nós as interpretamos, ou seja, tomamos essas aparentes incoerências como critério para reconsideração de nossas interpretações. Assim sendo, não poderíamos recusar o Princípio da Unidade Originariamente Sintética da Apercepção Pura ou a Dedução Transcendental dos Conceitos Puros do Entendimento, o que parece nos levar a uma recusa da existência de conteúdos essencialmente não-conceituais e a uma reavaliação dos argumentos de Hanna.
Reconhecemos como fortes argumentos para que haja critérios de identidade não-conceituais, descritivos ou indiretos, para objetos, de todo, não só na Lógica de Jäsche, mas também na Crítica da Razão Pura confere à Sensibilidade a capacidade de dar objetos1 (Gegenstände), ainda que compita ao Entendimento pensá-los (a possibilidade de pensar os mesmos objetos que nos são dados pela intuição parece ratificar leituras conceitualistas altamente refinadas) e, a partir da intuição do objeto, obter conhecimento acerca do mesmo. De todo, como previamente apresentamos, Kant não parece defender a impossibilidade da constituição de um objeto independentemente de conceitos, mas sim a impossibilidade de cognição do objeto sem conceitos. O que na Dedução Transcendental é definido como "aquilo em cujo conceito está reunido o diverso da intuição dada", o objeto2 (Objekt), e que depende claramente de um ato de síntese pelo entendimento, pode ser interpretado como o meu "uso" epistêmico-conceitual do objeto1.
Dessa maneira, o objeto1 (Gegenstand) poderia ser considerado uma coisa real existente no mundo externo no sentido empírico e, portanto, submetida ao Princípio de Completa Determinação, ao passo que o objeto2 consiste em um conscructo epistêmico por parte do pensamento do sujeito cognoscente para o conhecimento da coisa mesma dada pela intuição. Em quê consistiria esse constructo? Uma série de operações formadora de conceitos que obedecesse à cláusula de determinação completaformaria um conceito (completo) de objeto do conhecimento tomado em si mesmo no sentido empírico ou de uma coisa. Bem, um tal conceito se assemelharia bastante ao que Leibniz denomina noção completa da substância individual. Porém, Kant atesta que não podemos formar tais conceitos, pois isso envolveria a determinação ou o acréscimo de notas ao infinito.
Eis em que Kant se diferencia radicalmente de Leibniz: A única fonte primária de singularidade é a Sensibilidade, o Entendimento, enquanto finito, não pode paralelamente produzir singularidade por operações de acréscimo de notas. A singularidade, por certo, não pode provir da propriedade de segunda ordem de um conceito P de para todo conceito Q ou bem Q ou não-Q é uma nota de P. Mas, então, de onde ela provém?
2.1. Sobre a alternativa kantiana à singularidade no Entendimento: a individuação no contexto de uma concepção finitista de pensamento
Na tentativa de esboçar direções para a resposta de como a partir de conceitos que são, em primeira vista, estritamente predicativos, o Entendimento pode produzir singularidade, se não por uma reiteração indeterminada de uma operação de acréscimo de notas, assim como nos prover de um melhor entendimento acerca do argumento de Hanna, o dissentimento por parte de Kant do Princípio de Identidade dos Indiscerníveis pode ser elucidadora. A negação da validade do Princípio de Identidade dos Indiscerníveis não significa senão que há interpretações possíves para a fórmula "ⱯP(Ɐxy ((P(x) P(y)) -> (x=y)))" em que essa é falsa, ou seja, que a condição na qual o objeto que está por um nome satisfaz qualquer propriedade se e somente se o objeto que está pelo outro nome também a satisfaz não é condição suficiente (embora necessária) para que os nomes tenham o mesmo referente.
Isto é, há situações possíveis em que a primeira condição é satisfeita ao passo que a segunda não é, dada a relevância do espaço e do tempo para a identificação de objetos, não incluídos no domínio de substituição da variável de propriedades de primeira ordem por serem apenas formas puras a priori da sensibilidade. Dessa forma, caso os referentes de dois nomes compartilhem todas suas propriedades, devemos ainda recorrer à Intuição para verificar se os referentes são o mesmo ou não. Podemos, portanto, ainda distinguir objetos solo numero. Dest'arte, dada a aparente ausência na semântica kantiana de descrições definidas, singularizações de descrições conceituais satisfeitas com unicidade, o pensamento de objetos (singulares) não pode senão ser mediado pela intuição: "Todo pensar deve [...] no final das contas (zuletzt) dizer respeito (sich beziehen) a intuições" (B 33).
3. Conclusões provisórias e direcionamentos
Feitas essas considerações estamos aptos a notar que argumento de Hanna das contrapartes incongruentes, embora pareça provar aquilo a que é endereçado, a saber, a existência de conteúdos necessariamente não-conceituais, é, em parte, inócuo às prescrições do Princípio da Unidade Originariamente Sintética da Apercepção Pura e de certas intepretações da Dedução Transcendental das Categorias. Tudo o que o argumento de Hanna prova é a conclusão de que formas puras a priori da Sensibilidade e alguns conteúdos secundários derivados dessas, como direções e sentidos no espaço ou no tempo, são (necessariamente) não-conceitualizáveis.
No entanto, ao menos esse argumento de Hanna não se mostra suficiente para mostrar que qualquer objeto1 ou fenômeno não deva ser pensável pois isso não significa nada senão que o mesmo deva ser parcialmente conceitualizável (no que lhe compete ser conceitualizável). O que, tendo em vista, a crítica de Kant a Leibniz deveria ser o que significa dizer que devo poder pensar todas minhas representações. Ademais, se pensar significa o mesmo que conceitualizar, mesmo dada a infinitude na intuição, cada representação conceitual ou conceitualizável, tomada particularmente, é tal que obviamente deva poder ser pensada, ainda que não possamos exaurir a totalidade de nossas representações in toto et simul. Caso lhe aprouve defender a incorretude da Dedução Transcendental e a falsidade da pensabilidade de quaisquer representações do Eu, Hanna deve lançar mão de outro argumento.
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