L COLLITO MARTINS. HÁ ESPAÇO NA ESCOLA PARA A CRIANÇA QUEER? UMA MEDIAÇÃO FOUCAULTIANA / XV Semana de Filosofia ISSN: 2178-9991 v. 7, n. 1

Share Embed


Descrição do Produto

HÁ ESPAÇO NA ESCOLA PARA A CRIANÇA QUEER? UMA MEDIAÇÃO FOUCAULTIANA Lucas Collito Martins

Neste texto, tento investir na discussão à cerca do corpo, da sexualidade e dos horizontes sociais entre a infância e a estética queer, apontando para uma reflexão, sobretudo pedagógica, inspirando-me a priori na visão foucaultiana. Á tal perspectiva pós-estruturalista de Michel Foucault traz indagações de pensarmos em como nos tornamos sujeitos entre as normativas sociais estabelecidas, tênues entre as representações e o molde em que as relações de poder coloca a criança e suas relações com o outro. Seguindo esta tela, os traços metodológicos estão em torno de algumas reflexões que levanto de autores dentro desta prática escolar com criança e a crescente necessidade de discuti-las, ao invés de ainda permanecermos no eterno flerte da educação com a sexualidade e o corpo. Mas para tanto, adentrando em concepção foucaultiana da homossexualidade, compreendemos que o “dispositivo de sexualidade” formulado por ele, seria o meio pelo qual a sexualidade é produzida e modulada, tanto em seu sentido mais abstrato quando o próprio ato sexual (FOUCAULT, 2010). Cintila aqui a flexão de que o poder moral e de verdade deste dispositivo, dita de certa forma, o que deve ou não ser praticado em perspectiva social, interferindo na subjetividade, e mais adiante, na formação individual dos prazeres e do corpo. Quando articulo esta reflexão, ou melhor, este dispositivo, logo compreendemos que ele modula de forma normativa os sujeitos em construção ligados ao dispositivo proposto pelo autor. Na voz de Foucault: (...) uma abordagem interessante seria fazer com que o prazer da relação sexual escape do campo normativo da sexualidade e de suas categorias, e por isso mesmo fazer do prazer o ponto de cristalização de uma nova cultura (2010, p. 123).

A criança e seu corpo, sua descentralização de poder através de sua fuga fluida como um ponto de resistência, onde o corpo revolta-se a partir da própria exposição, saturando a sociedade com sua sexualidade desmetida (FOUCAULT, 2012). Quem sabe desta forma, fosse possível pensar em outras vivências-afetivocorporais, como por meio das amizades, das interatividades e saberes dentre as crianças para a desconstrução de uma prática de resistência densa e de fuga, como mencionei. A construção de modos de vidas diferentes, conduzindo a atitudes marcadoras e transformadora. Eis um grande desafio, mas não utópico. Tais Vivências-afetivo-corporais estas, que poderiam, ainda, ao tensionar a cultura sexual hegemônica, fraturá-la a tal ponto de provocar nela novas referências sem, contudo, ter a arrogante pretensão de absorvê-la ou eliminá-la, diante do atual cenário cruel de violência e dor que assistimos em ambiente escolar para com tais crianças queer. Um ponto devo reconhecer na condução desta narrativa: o espaço vem sendo aberto a discussões, na mídia, dentro das escolas, entre reflexões e inclusões, mas outro ponto agora torna-se relevante quando pensamos em até que ponto estas discussões necessárias e inovadoras pode interessar à uma sociedade normatizadora?, como aponta Madlener (2007). O autor Lauro (2001) levanta esta reflexão sobre a pluralidade sexual e o permanente ataque tradicional do outro lado da aceitação cultural, isso nos faz articular com os apontamentos de Foucault do dispositivo da sexualidade, na tentativa das reflexões sociais e seus sujeitos em entender o desprendimento de tal dispositivo para a reformulação da afirmação cultural de crianças queer, na sociedade capitalista, por exemplo. É esta sociedade em vigência que permeia a atuação de processos na escola e na família em dialogar com o corpo, com a essência estética de crianças: Quem defende a criança queer? Neste universo reflexivo da sociedade heteronormativa, capitalista, pari passu, Preciado (2013), coloca que,

A criança é um artefato biopolítico que garante a normalização do adulto. A polícia de gênero vigia o berço dos seres que estão por nascer, para transformá-los em crianças heterossexuais. A norma ronda os corpos meigos. Se você não é heterossexual, é a morte o que te espera. A polícia de gênero exige qualidades diferentes do menino e da menina. Dá forma aos corpos com o objetivo de desenhar órgãos sexuais complementares. Prepara a reprodução da norma, da escola até o Congresso, transformando isso numa questão industrial.

Mas não é tão simples, com já deve imaginar teoricamente, este rompimento cultural tanto na sociedade (ou principalmente) como nas interações escolares com estas crianças, uma vez que conceitos de sexo, gênero e identidade estão confusos à sociedade, o que faz com que o ato de quebrar essa linearidade seja visto como transgressão (BRITZMAN, 1996). Refletindo sobre estas questões, logo compreendemos que as escolas permanecem como quarteis guardiões das normas de gênero, do corpo e da sexualidade, onde práticas cotidianas tornam-se um martírio insuportável às crianças. Embora haja no Brasil perspectivas educacionais voltadas à pedagogia queer, onde no Ministério da Educação há programas de formação continuada para professores/as, nas universidades há cursos, projetos de pesquisa e extensão; são produzidas teses e dissertações, além de material didático e paradidático para as escolas, parece-nos que nada disso ainda é suficiente para resgatarmos estas crianças e sua infantilidade. O sexo e também o gênero estão confinados a uma percepção naturalizada que delimita

fronteiras

e

produz

sujeitos

dicotômicos:

masculino/feminino,

heterossexual/homossexual e normal/anormal. Contra isso, uma pedagogia queer e suas indagações poderão apresentar um corpus teórico fundamental sobre educação, gênero e sexualidade. Para Foucault (2010), não se resume em tentar descobrir “quem se é”, “como se é” ou “por que se é” de determinada maneira, mas sim em transformar experiências, renovar expectativas e práticas, desligando de valores morais que são impostos e regulados. O autor ainda coloca no meio deste paradigma, que o tal processo dicotômico moral só pode ser melhor reorganizado e libertado do dispositivo em contato com a amizade.

As amizades entre indivíduos, a importante diferença e igualdade entre sujeitos que constroem e descontroem tais barreiras nas práxis do corpo, do social, da sexualidade, dos povos. A multiplicidade torna-se uma forma de vida, onde sujeitos e suas existências são criadas, construídas, reconstruídas, vividas, inerentes às ações e formação de crianças e às construções de si mesmas, refleti-las, identificar e compreender a partir de olhares teóricos são ferramentas necessárias a se repensar na formação e desenvolvimento destes sujeitos. Penso que esta reflexão em perspectiva além, mesmo que de forma inicial e teórica, auxilie para que todos/as possam recriar novos olhares e novas formas de existência.

Bibliografia BRITZMAN, D. O que é esta coisa chamada amor – identidade homossexual, educação e currículo. Revista Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 21, n. 1, p. 71-96, jan./jun. 1996. FOUCAULT, M. Uma estética da existência. In: MOTTA, M. B. (organização, seleção de textos e revisão técnica). Ditos e Escritos, volume V: Ética, sexualidade, política. Tradução: Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012, p. 281-286. FOUCAULT, M. Da amizade como modo de vida. In: ______. Ditos & Escritos. Vol. VI. Repensar a Política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997. MADLENER, F; DINIS, N.F. A Homossexualidade e a Perspectiva Foucaultiana. Revista do Departamento de Psicologia - UFF, v. 19 - n. 1, p. 49-60, Jan./Jun. 2007

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.