Lagoa Azul: dossiê de fontes

June 20, 2017 | Autor: Tyego Franklim | Categoria: Memoria Histórica, Arquitetura e Urbanismo, Memoria, Historia Local, Lagoa Azul
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Descrição do Produto

Programa

Memória Minha Comunidade

Lagoa Azul Dossiê de Fontes

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Setor de Patrimônio Histórico, Arquitetônico e Paisagístico

Dossiê de fontes Memória Minha Comunidade – Lagoa Azul 2012 – 2013

Luciano Fábio Dantas Capistrano – Chefe SPHAP Gabriela Cavalcanti Macêdo – Estagiária Marina Dantas Pinheiro – Ex-estagiária Matheus Câmara da Costa – Ex-estagiário Tyego Franklim da Silva – Estagiário

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Sumário Entrevistas ............................................................................................................. 4 1 – Adalto Severino ................................................................................................... 5 2 – Francisca das Chagas de Sousa Vieira ................................................................ 12 3 – Expedito Julião..................................................................................................... 23 4 – Francisco Januário de França .............................................................................. 36 5 – Luís Henrique de Sousa Lampreia Júnior ........................................................... 44 6 – Izabel Pessoa e Sebastião do Nascimento ........................................................... 51 7 – João Maria Barbosa ............................................................................................. 63 8 – Izaldo Antônio Filho ........................................................................................... 66 9 – Laiude da Silva .................................................................................................... 74 10 – Márcio de França .............................................................................................. 80 11 – Rosenelba da Silva ............................................................................................ 84 12 – Flávia Monalisa Figueiredo Camelo ................................................................. 91 13 – Núbia e Rino Dantas ......................................................................................... 102 14 – Paulo Rikardo Pereira Fonseca da Silva ........................................................... 118 15 – Paulo Sérgio ...................................................................................................... 127 16 – Calistro Cabral .................................................................................................. 136 17 – Jeová Franco e Ana Lúcia ................................................................................. 142 18 – Luís de França e Maria da Conceição ............................................................... 146 19 – Ivonaldo Condades ............................................................................................ 152 20 – Geraldo Pinheiro ............................................................................................... 160

Fichamentos (Bibliográficos) .................................................................................................... 162 1 – A geografia eleitoral na Zona Norte de Natal ..................................................... 163 2 – Conjunto residencial Nova Natal ........................................................................ 167 3 – Diagnóstico do limite territorial do município do Natal ..................................... 174 4 – Espaços de pobreza e mobilidade urbana ........................................................... 176 5 – Evolução geomorfológica, (des) caracterização e formas de uso das lagoas da cidade do Natal-RN .............................................................................................................. 182 6 – O espaço de todos, cada um no seu lugar ........................................................... 188 7 – O terciário (re) desenhando a periferia ............................................................... 194 8 – Os clubes de mães na produção do espaço na Zona Norte de Natal ................... 200 9 – Outra leitura do “outro lado”: o espaço da Zona Norte em questão ................... 204 10 – Pelo direito de ir e vir na cidade ....................................................................... 213 11 – Política habitacional e expansão da Zona Norte de Natal ................................. 219

Fichamentos (Jornais) ............................................................................................................... 224 1 – É nos conjuntos a morada dos esquecidos / A morada dos esquecidos .............. 225 2 – BNH fixa a política de compra de terrenos para novos conjuntos habitacionais 228 3 – COHAB vai construir no Estado mais de nove mil residências até 79 ............... 230 4 – Nova Natal: conjunto com mais problemas da cidade ........................................ 233

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5 –Drama dos conjuntos: não há escolas .................................................................. 236 6 –Exploração e revolta nos conjuntos ..................................................................... 239 7 – No Nova Natal, a água sumiu há 1 semana ......................................................... 240 8 – Nova Natal: conjunto com mais problemas da cidade ........................................ 242 9 – Os Conjuntos Habitacionais ................................................................................ 245 10 – Prefeito reúne-se com os moradores do Panatis ................................................ 244 11 – Problemas demais já esvaziam as casas do Conjunto Soledade/ Problemas afugentam os moradores do Soledade ....................................................................... 249 12 – Problemas no Soledade ..................................................................................... 252

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ENTREVISTAS

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1 - ENTREVISTA COM ADALTO SEVERINO

[Na manhã do dia 05 de outubro de 2012, reúne-se, no conjunto Gramorezinho, a equipe do programa Memória – Luciano, Matheus e Marina –, juntamente com Adalto Severino, morador do conjunto Gramorezinho]. Luciano: Qual o nome do senhor? Adalto: Adalto Severino Alves Luciano: O senhor nasceu quem que ano? Adalto: Eu nasci em doze de setembro de mil novecentos e quarenta e quarto Luciano: Em qual cidade? Adalto: Ceará Mirim/RN Luciano: Bom Seu Adalto, o senhor nasceu em Ceará Mirim, mas veio morar em Lagoa Azul. Com quantos anos o senhor vem morar em Lagoa Azul? Adalto: Eu vim morar em Lagoa Azul com catorze anos de idade. Um „meninotezinho‟ sabe? Luciano: E o senhor veio morar com quem, em Lagoa Azul? Adalto: Eu fiquei sem pai com seis anos de idade. Eu vivia no poder de minha mãe e foi no tempo que mamãe veio para Lagoa Azul. Uma pessoa com catorze anos de idade não tem essa inteligência, essas coisas. Nós viemos trabalhar em Lagoa Azul. Ela (mãe) comprou um „terrenozinho‟ e depois foi devagarzinho, porque o pai é pai né? Mas ela foi o pai e a mãe que eu conheci, com dois filhos pra tocar a vida pra frente. Luciano: Com quantos? Adalto: Eram três. Um vivia por conta dele, eu sou o mais velho e outro. Ele (um dos irmãos) foi embora para Goiás naquela época de „pau de arara‟ e o que acontece é que ninguém vê mais, ninguém sabe se é vivo, ninguém sabe se é morto. Mas acontece que aonde ele for, se estiver vivo, está com sessenta e nove anos porque eu estou com sessenta e oito. Luciano: Como é o nome da sua mãe? Adalto: Joana Maria da Conceição Luciano: Dona Joana veio para Lagoa Azul e ela trabalha com agricultura? Adalto: Trabalhava. Nós trabalhávamos só em agricultura, negocio de hortaliça porque foi o que inventamos para sobreviver.

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Luciano: E como era isso? Me fale um pouco sobre isso no início... Adalto: No inicio nos começamos, a horta, como é hoje em dia, de palanque. Não é no chão, vamos dizer assim, é na altura dessa cadeira (cadeira de plástico onde estávamos sentados). Fazia o palanque, de madeira, de ramo de mato, de „alve‟. Tínhamos que fazer o palanque atrepado. Fizemos um, fizemos dois, fizemos três e eu fui ficando mais de idade, mais forte, com mais força, e aumentamos mais. Eu sei que eu, meu irmão e minha mãe, nos levantaram uma hortaliça inteira. Luciano: Era em Lagoa Azul? Aonde, mais ou menos? Adalto: Era em Lagoa Azul. Aqui na ponta de Lagoa Azul. Na beira da lagoa Azul. Fizemos na lagoa porque era o canto onde ela (mãe) comprou o terreno e pegávamos água da lagoa. Se não fosse a lagoa, não dava certo. Não existia poço, não existia, era a lagoa Azul para trabalhar. Ainda hoje, porque o dono lá não usa, mas tem um pessoal que ainda planta verdura. Luciano: Mas me diga uma coisa. O senhor chegou lá, sua mãe, seu irmão e foram morar nas margens da lagoa Azul. Como era aquela região? O que o senhor encontrou lá? Adalto: Eu encontrei, quando nos começamos a trabalhar, só tinha um vizinho „ do lado de cá‟ da lagoa. Nós morávamos „do lado de lá‟. Quando chegamos lá já tinham dois vizinhos, mas era tudo matagal e ainda hoje tem uma parte que é. Tinha a lagoa Azul no meio, que essa lagoa Azul ela „pinga‟ daqui pra lá no „pé‟ da BR (via Extremoz). Luciano: Mas me diga uma coisa. E a casa? Foi construída com qual material? Adalto: A casa foi construída com material que o vizinho falou a nós „donde‟ tinha pra vender. Do outro lado de Extremoz/RN foi de onde veio o material para casa. Luciano: Que material era esse? Adalto: Era, assim, um pau que tem chamado eucaliptos. Porque é linheiro o eucaliptos e cresce muito. Foi comprado esse material e transportado pra cá, do outro lado da lagoa, em canoa, barcozinho. Foi feita, como se chama, de taipa. Casa de taipa. Coberta com telha. O dinheiro era pouco sabe? Mas o pouquinho que a gente arranjava, dava pra gente comer Luciano: Me diga uma coisa: quando o senhor chegou tinha essa mata toda? Adalto: Não era mata grande, porque se fosse, com certeza tinha material pra fazer a casa de taipa. Era mato baixo, que não tinha madeira pra fazer a construção. Era matagal, mas era mato baixo. Luciano: Mas tinha fruta? Tinha algum tipo... Adalto: Mamãe plantou. Ela foi cultivando o „terrenozinho‟ que não era tão pequenininho não. Mas ela plantou coqueiro, plantou coco, nasceu, cresceu e eu vou lá e mostro. Pelo tempo que ela está falecida, eu vou lá e mostro ao senhor o sitiozinho que a gente tinha. Porque ela gostava de plantar, era macaxeira, pé de mamão, plantava negocio de medicamento, remédio de mato, que até hoje nos temos aqui e nunca nos esquecemos de plantar. Plantou mangueira, plantou jambo, de quase uma

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coisa era plantava uma „coisinha‟. Quando ela faleceu, mas ela passou muito tempo, com setenta e cinco anos de idade. Passamos muito tempo lá pra eu vim pra cá. Luciano: Nessa horta que vocês começaram lá, não existia Gramoré, Nova Natal (conjunto), nada disso. O senhor vendia isso aonde? Alguém ia comprar lá? Adalto: Quem vendia era eu mesmo, sabe a „donde‟? O senhor lembra do mercado da Cidade que botaram fogo? Que era do lado daquela rua Rio Branco. Nós carregávamos mercadoria daqui, eu levava para Passagem da Vila (BR de Extremoz) que é mais na frente. Levava de lá, no caminhão, para três (avenida) no Alecrim, para Cidade Alta que era o mercado grande que botaram fogo. Saiamos daqui, com umas três ou quatro companhia, no animal, cavalo, pra o mercado da Cidade que se chamava o Mercado Grande. E quando não, ali para três (avenida) no Alecrim o chamado Mercado Central e vendíamos verdura ali, também. Mas nos íamos a cavalo. Cada um num cavalo, a carga pesada e atravessávamos hoje em dia naquela ponte velha (Ponte de ferro de Igapó), que só tem o resto. Quando vinha o trem, que tocava na tração, ali tinha um controlista do „lado de cá‟ controlando „por modo‟ dos carros não passarem. Porque só podia passar um, não os dois. Quando era o trem que partia, era o trem. Quando os carros partiam, o trem não passava. E foi muito tempo, muito tempo mesmo onde eu vendia minha verdura, cebola, alface, pimentão, tomate. Chegou tempo ainda que no inverno, chovendo, andando com chuva, teve vez de sairmos daqui com chuva. A chuva grossa e a gente em cima da carga no animal „por modo‟ de arrumar o trocado, pão do dia a dia. Teve gente que perdeu o animal nessa ponte, amigo meu. O cavalo caiu com a carga e quebrou o pescoço. Escorregou, caiu com a carga, por cima do pescoço e quebrou. O meu amigo ficou sem o animal. Luciano: Ia pro mercado, e do mercado trazia os mantimentos pra casa? Adalto: Ia pro mercado, apurava, sabe? Fazia o que dava pra fazer, botava dentro do deposito que ia a verdura, montava de novo e sabe que horas eu chegava em casa? Saiamos daqui de dozes horas, doze e meia da noite para ir para lá e quando nós víamos chegar, de volta, era de uma, uma e meia da tarde, por modo do comer, para comer. Luciano: E faziam isso quantas vezes por semana? Adalto: Quem tinha suas freguesias no Mercado Grande era pra lá, tinha dia marcado. Não era todo dia, de jeito nenhum, nem pro Alecrim, nem para Cidade. O animal não aguentava não, porque é longe daqui pra lá. O animal chegava suado, tremendo, cansado. Eu tinha meu animalzinho, eu travava dele, eu zelava ele. Comprava a ração „por modo‟ ele comer, pra dá força, me carregar amontado e levar para vender as coisas. Cartoze anos para sessenta e nove. Cinquenta e cinco anos é tempo. Luciano: Tinha caça nessa região? Adalto: Tinha. Tinha nambu, tinha o preá, o coelho, um passarinho chamado jacu. E nesse matagal ainda tem. Usado para alimentação e também o peixe na lagoa. A traíra, o cará, o apataca, a tilápia. Luciano: Esse menino, que era de Ceará Mirim, casa em Lagoa Azul?

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Adalto: Casei não. Eu vim construir família, me casei, com poucos anos minha mãe faleceu e eu vim pra cá (Gramorezinho) para uma terra do meu sogro. Por sinal, eu moro numa terra de herança. Aqui é uma herança de família. Depois eu empreguei um dinheiro em dois que não queria a herança, não queriam morar aqui e eu construir família. De lagoa Azul pra cá, só veio uma filha minha, a primeira filha das filhas, com onze dias de nascido. Luciano: Essa primeira filha que nasceu lá. Como foi o parto? Adalto: O parto... Apareceu uma parteira na Passagem da Vila do trem. Teve que ir uma pessoal ir lá, de urgência, chamar essa mulher e pedir a Deus, ainda, que ela estivesse em casa. Era em casa porque o pessoal chamava a parteira, não era maternidade não. Deu certo sabe? Ela fez o parto e essa primeira minha filha, chegamos aqui com ela (esposa) com onze dias de resguarde. Chegando aqui fui construindo uma casinha, melhorando e aqui estou. Aqui apareceram mais nove (filhos) porque eram dez. Cinco homens e cinco mulheres. Nosso Senhor levou um anjinho, porque eu tenho certeza que era um anjinho com um ano e um mês, e criaram-se nove. Sabem quantos netos eu tenho? Eu tenho vinte netos, vinte! Tenho três bisnetos. Isso aqui no Gramoré era só areia. De lá, da Passagem pra Redinha era só areia. Aqui só andava jipe. Nesse tempo tinha uma praça de jipe nas quintas. Num tem aquela dobra que dobra „pra cá‟, quando chega ali na Mário Negocio (avenida), ali era a praça de jipe, na chamada Corrente. Tinha jipe e um carrinho chamado Deca-V, mas esse não dava para aqui não. Luciano: Quando o senhor veio morar aqui, seu sogro já morava aqui. Já se chamava Gramorezinho? Adalto: Primeiramente aqui era Gramoré. Aí depois que foi construído o conjunto Gramoré, foi que botaram o nome aqui de Gramorezinho. Isso aqui se chamava Sítio Gramoré. Luciano: O senhor veio morar aqui, já com os filhos pequenos. Tinha escola aqui próximo? Adalto: Tinha uma escola. Só tinha uma escola aqui. Quando cheguei aqui, já tinha uma sala de aula, coberta com telha brasilit. Quente que fazia medo e a sala de aula coberta com essa telha. A escola botaram o nome dela, foi daquele Djalma Maranhão que foi prefeito... Depois foi mudando o sistema. Não foi todo tempo esse, depois dele o prefeito foi... Luciano: O senhor lembra se nessa escola tinha algum programa chamado De pé no Chão Também se Aprende a Ler? Adalto: Tinha! Tinha! Aqui teve. Pronto, era esse aí que eu queria me lembrar, homem. Eu não sei ler não, sabe? Mas era esse De pé no Chão Também se Aprende a Ler. Ninguém nunca se esqueceu disso. Só uma sala de aula e depois que foi mudando. Aqui eu levantei outra horta de palanque, já tinha experiência de lá. Ainda hoje tenho essa horta, no mesmo terreno, de palanque, atrepado. E se o senhor quiser, vou lá e lhe mostro. Luciano: Como era o nome do seu sogro?

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Adalto: Salustiano Sinésio Viera. Tem o retrato de uma mulher na escola que se chama Lourdes Godeiro. Famílias do Godeiros e ainda estou por saber o que ela era da escola. Porque o nome dela ficou na escola e está. Luciano: Quando o senhor vem morar aqui, com sua esposa, essa região já era muito habitada? Adalto: Era não. Era um aqui, outro ali, outro acolá. Os fundadores daqui já partiram. Só tem a mim. Os fundadores daqui já partiram. Dos mais novos aqui que tem „é‟ eu... Luciano: Tinha energia quando o senhor chegou aqui? Adalto: Não tinha energia não. Era tudo „lampadazinha‟ a bujão que tinha, assim, um varãozinho e a gente botava aquela camisinha né? Era o que a gente usava aqui ou então o outro que era a lamparinazinha a gás. Aí começou a andar por aqui José Agripino (atualmente Senador da República pelo RN) e eu gosto daquele caboclo! Ele pode ter sido ruim pra todo mundo, mas ele fez uma coisa aqui, nesse lugar (Gramorezinho) que eu gostei demais. Ele se candidatou, andou por aqui, houve a política dele e ele ganhou, prometeu aqui em cima de um palanque, mesmo assim aí junto da escola (Lourdes Godeiro), porque isso aqui era areia mesmo e acontece que ele prometeu que esse pessoal que estava usando a lamparinazinha de gás, uma velazinha e ele falou em voz alta. Ele disse que não tinha nada pra dá, mas que o pessoal iria votar e teria uma vida mais digna porque ele iria buscar, ele iria a luta, assim ajudasse a ele que ele iria a luta. Acontece que com um tempo chegou os poste, feito ruma, com energia. Era ali, aqui, acolá e quem tiver o conhecimento nunca se esquece disso que José Agripino fez. Não vou dizer que ele comprou com o dinheiro dele, mas ele foi a busca. A donde foi preciso e chegou energia. Nós gostamos demais, pode confiar. Ainda hoje, eu nunca deixei de votar por ele, porque como se diz, ele não enganou, não comprou nada com o dinheiro dele, mas donde foi preciso, ele foi a busca. Luciano: Me diga uma coisa. Quando o senhor chegou aqui, o pessoal que habitava aqui utilizava o Rio Doce? Adalto: Não. Utilizavam a lagoa. E era a lagoa do Gramoré, porque tem outras lagoas. E ainda hoje essa lagoa, aquela ponte da passagem despeja aqui dentro. Despeja no rio, despeja na lagoa e da lagoa no Rio Doce, da Redinha. Agora tem uma coisa, não estão mais contando com ela porque deixaram o matagal tomar conta. Aqui tem essa lagoa (aos fundos da casa) que antigamente o pessoal botou o nome de Lagoa Seca, mas eu vejo ela com tão muita água, como é que ela pode ser seca? Tem outra que chama Lagoa do Sapo, mas aí eu não me interesso não. O final dela (Lagoa Seca) é a beira da BR. Só que deixaram de tratar do rio, de tratar da lagoa, aí cria muito mato. Foi o caso de não tratarem aí o matagal tomou conta mesmo, é muito mato que ninguém „avista‟ a água. A água e o peixe „de baixo‟ e aquele matagal tomando conta. Teve um tempo que veio uma draga (equipamento de drenagem) e ela passou uns tempo aí, mas estar com muitos anos. Eu não sei nem lhe dizer a data, mas se tivesse continuado, estava limpinho. Muito peixe, o pessoal tomando banho. Luciano: Os seus meninos pequenos frequentavam a lagoa? Adalto: Não, não, não! Toda vida a gente teve muito cuidado sabe? Esse negocio de afogamento, água não tem cabelo, porque ninguém pode confiar em menino não, porque menino cega pai e mãe. Aí ninguém nunca soltou eles „por modo‟ esse negocio. Por sinal, todos deram para trabalhar. Alguns tem umas teimosias, sabe? Porque é difícil ter uma família pra não ter teimosia, mas a gente deu o

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conselho e todos deram para trabalhar. Eu digo assim, o que eu posso ensinar a vocês é vocês aprenderem alguma coisa. Graças a Deus vencemos, demos a volta por cima, nosso Senhor a tenha (mãe) e abençoe a alma de minha mãe onde ela esteja. Minha mãe foi uma mulher que sempre lutou por mim e luto, e nos se „ajuntemos‟ e graças a Deus eu não tenho o que dizer e reclamar da minha família. Luciano: O senhor falou que as pessoas não cuidaram muito das lagoas. Durante esse tempo, mudou esse “cuidar” ou continuam descuidando? Adalto: Continua descuidado, tá tudo aterrado! O rio só tem água mesmo porque é muito difícil esse rio faltar água, mas ele baixa que fica, sabe, quase nada. O senhor sabe que ainda cria aqueles poços aqui e acolá, e esse rio também cria. E a lagoa tá suja demais. Tem cada jacaré que só a criatura vendo o tamanho. Quanto mais a sujeira, o tal do jacaré acha bom porque ele é de lama. Luciano: E me diga uma coisa. Voltando um pouco ao passado, uma curiosidade, como é que vocês faziam a comida? Não tinha gás, como era? Adalto: Lhe digo agora! A comida é o seguinte, o negocio era ter a comida. A gente ia no mato, trazia cada um, um feixe de lenha, laxava e quando acabar fazia o fogo a carvão. Num tem aquelas rodas de carro, de colocar o pneu do carro? Dali fazia uma churrasqueira „mode‟ a gente fazer churrasco pra todo mundo. Aí, depois queimava a lenha. Não existia bujão, nem nada. Luciano: E carvão? Tinha carvoeira aqui? Adalto: Tinha. Tinha carvoeira aí pelo tabuleiro. Ainda hoje tem gente por aí vendendo. Agora eu nunca fiz carvão porque eu não gostava. Eu sou mais comprar feito do que fazer porque fazer dá um trabalho desgraçado. Matheus: Como era que vocês se divertiam aqui? Adalto: Nessa época eu bebia, agora toda vida, graças a Deus, eu tive controle na minha vida. Quando era pra divertir, a mulher nunca dançou, eu nunca dancei. Eu gostava de um tal de pagode. Essas danças que o pessoal dança sem estar agarrado com ninguém. Fazia umas festas aqui em casa, farreando. Naquela época, a gente assistia a música. Tinha uma „raidinho‟, um moto rádio, fazia umas „zoadinha‟ dentro de casa, fazia uma festinha, ninguém saia pra canto nenhum não. Nem a praia, ninguém nunca foi. A nossa vivencia era trabalhar, trabalhar, ir numa igreja. Luciano: Já que o senhor falou em igreja, quando é que chega a primeira igreja católica aqui? Lembra? [O entrevistado não entende a pergunta e descreve sua ida a primeira missa, desde que reside no Gramorezinho, numa igreja da Redinha] Adalto: Eu estou esquecida da primeira, mas tem muita igreja. Todos esses conjuntos, qualquer que seja ele, tem uma igreja. Luciano: E transporte? Como era?

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Adalto: Transporte aqui, eu falei ao senhor que a gente saia daqui para pega o bote ou uma lancha na Redinha. E transporte mesmo, o primeiro ônibus que correu a raia aqui, só tinha um, foi lá da Redinha. Ele tinha hora de passar, sabe? Vinha de acolá (da Redinha) e passava na entrada da Redinha de hora em hora. Só tinha um. A gente vinha de acolá (Redinha) pra cá (Gramoré) e ia a pé. Marina: Seus filhos não frequentavam a lagoa, mas você sabe se seus vizinhos daqui frequentaram lá? Adalto: Quem queria pescar e se a mãe de família fosse. A mãe ou o pai. Porque não é brincadeira, a família não vai pra onde tem água porque água não tem cabelo. Agora se fosse aquele que tomasse um „negocinho‟ (bebida alcoólica) ia pra tomar na beira do rio. Não ia ficar naqueles poços, mas num cantinho ariado assim. E sempre com cuidado pra não ir embora, porque a bebida se tomar uma „coisinha‟ a mais, complica. Ficava de baixo de um „pezinho de pau‟ (arvore), fazia sua brincadeirazinha e quando acabar vinha embora. Luciano: Seu Adalto, a gente agradece. Foi uma entrevista bem proveitosa. Adalto: Tá certo. No dia que quiser bater um papo com Seu Adalto, estamos aqui!

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2 - ENTREVISTA COM DONA FRANCISCA CHAGUINHA

[Na manhã do dia 5 de agosto de 2012, reúne-se, na Feira de Nova Natal, no bairro de Lagoa Azul, a equipe do programa Memória – Luciano, Carlos e Gabriela –, juntamente com Dona Chaguinha, moradora do conjunto de Nova Natal]. Luciano: Como Monalisa já falou para a senhora nos fazemos parte de um programa da Semurb, chamado “Memoria minha comunidade”. O programa busca preservar a memoria das diversas comunidades de Natal. Já começamos por Cidade Satélite, já fizemos o Alecrim, e agora estamos em Lagoa Azul, esse bairro em que se encontra Nova Natal. Então, aqui é Carlos, estudante de História, auxiliar de pesquisa. Gabriela, também estudante de História, auxiliar de pesquisa da Semurb. Temos uma parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte através de dois professores, que é a professora Carmem e o professor Arrais. Então, vamos começar e a gente gostaria que a senhora dissesse, se possível, seu nome completo e a sua idade. D. Francisca: Meu nome completo é Francisca das Chagas de Sousa Vieira. Luciano: Certo. A senhora nasceu quando? D. Francisca: Eu nasci 27/11/1938. Tenho 73 anos, em novembro completo 74, se o Senhor permitir, né? Luciano: Vai permitir. Então 73 anos. Qual o mês? D. Francisca: Mês de Novembro. 27 de Novembro de 38. Luciano: Nasceu onde? D. Francisca: Nasci em Lajes do Cabugi. Luciano: Aí nasceu em Lajes, veio para Natal... D. Francisca: Com 5 anos. Luciano: Veio já com 5 anos de idade. Veio morar em Natal aonde? D. Francisca: O primeiro que eu vim morar em Natal foi na 16º. Onde só tinha mato. “Vamo” dizer aqui [deve apontar para algo], não sei se era no centro, se era na ponta, não entendo. Aí tinha uma rua. Uma do lado, outra do outro; se resumia a isso. Cacimbão. Luciano: Pegava água do cacimbão? D. Francisca: Bebia água do cacimbão. É não tinha muita coisa... Não tinha nada. Só aquelas coisinhas poucas, né. Aí quando eu “tava” com 7 anos, meu pai trabalhava ali na base naval, né? E então a dificuldade era enorme, viu? Era enorme. Antes meu pai ficou desempregado por muito tempo. Péssimo, péssimo! Luciano: Sai de Lajes, vem pra cá para trabalhar, né? Aí fica desempregado. Isso mais ou menos no período da segunda guerra, não foi? D. Francisca: Mais ou menos isso. Eu lembro que teve uma época que o povo era tudo tão assombrado. Ninguém podia ascender luz, né? Aí era uma velinha bem escondida. Eles diziam que era a claridade né, pra saber se tinha gente. Era muito difícil, muito difícil mesmo. Luciano: Aí então assim a senhora vai vivendo, vai crescendo e aí... Antes da senhora chegar aqui, em Nova Natal, em Lagoa Azul, a senhora morou aonde? D. Francisca: Primeiro na 16. Meu pai tinha uma pessoa conhecida dele em Petrópolis, aí essa pessoa chamou meu pai pra ir pra lá, pra casa dela. Era eu, a minha irmã mais velha, meu pai e minha mãe. E uma de dois anos. E essa morreu na 16. Deu sarampo em todos. E nós ficamos lá, na... o senhor sabe o que é lastima? [Dona Chaguinha se emociona ao lembrar.] Luciano: Quer um pouco d‟água? Um pouco de água aqui. Aí foram para a casa desse amigo do seu pai...

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D. Francisca: É, lá nós ficamos. Aí foi quando ele arranjou um emprego melhor, fixo, né? Então a gente ficou lá. Depois meu pai já pode alugar uma casinha na Rua Boa Vista, Petrópolis. O morro do Juruá ficava bem pertinho, o da Mãe Luiza. E aí a gente começou a “se dar” com aquelas pessoas, começou a conhecer o bairro e começou a achar gente boa, ali naquela época. E a gente gostava muito. A gente já era adolescente, né? Já queria ir pro Pastoril, para os fandangos... e outras brincadeiras que a gente ia, né... Já fazia amigos. Então já melhorou a vida um pouco, né? Luciano: Aí vai lá para Petrópolis e de Petrópolis vai para as Rocas? Ou não? D. Francisca: De Petrópolis nós só mudamos de rua, mas só em Petrópolis. Moramos em Boa Vista, 2 de Novembro e a [?]. Na [?] a gente passou pouco tempo. Mas era umas coisas ainda “meia” feia, muito lixo. Naquele tempo o povo não tinha coleta, aí colocava naqueles canto, né? jogava areia. Era terrível, né? Assim... de coisa. Mas a vida já estava melhor pra gente. E então quando a gente foi morar na 2 de Novembro a minha irmã mais velha já era casada. Aí eu comecei a ver um rapaz, era gente boa... mas só que a gente conhece assim por fora, mas não sabe depois o que vai dar, né? A convivência assim. Eu casei com ele, né. E ele era uma [boa] pessoa, mas tornou-se uma pessoa irresponsável, aí foi por causa disso que eu fiquei com quatro filhos. Nessa época que eu morava na “2 de Novembro” e eu não tinha nenhum, aí veio os dois primeiros, que foram gêmeos. Em 1955. Joana D‟arc e Jonas. E então, ele era uma pessoa assim, vamos dizer... Ta bem aqui, né? Mas ele queria sair, queria inventar outra coisa. Ele fazia isso na hora, nem que fosse com prejuízo. Ele era dessas pessoas que não queria um parecer, não queria um conselho, não queria nada. Era o que ele quisesse. Sabe pra onde eu voltei novamente? Para Lajes. Para um sitio chamado Caraúbas. E lá, não me faltou nada, meus tios me deram livros, minha família lá... Me receberam muito bem, e a ele também... com duas crianças novinhas. Mas quando foi lá com um tempo ele: “vou embora”. Aí o que ele fazia lá? Ele disse “vou embora”, aí comprou um sítio “pra banda” de Pajuçara, aí nesse sítio desandou tudo. Luciano: A senhora chegou a morar em Pajuçara, no sítio? D. Francisca: Cheguei. Aí fiquei grávida da outra. Que tem diferença de 10 meses. Aí voltei pra onde, pras Rocas. Morei ali naquela Rua São João, numa vila. Vizinho a Peixada do Arnaldo. Aí então ali veio outra menina, essa que trabalha na [?], essa pequenininha, baixinha, magrinha mas é de caráter. Luciano: Aí, foi para as Rocas, teve suas filhas... D. Francisca: Depois que começou... Teve toda a desobediência dele e a bebida. Aí entregou-se na bebida mesmo e bebia mesmo sem controle, sem parar. Depois aí eu voltei para a casa da minha mãe com os filhos. Aí fui trabalhar em uma fabrica para ajudar meu pai, né? Luciano: Qual foi a fábrica que a senhora trabalhou? D. Francisca: Guararapes! Luciano: Aí a senhora volta para a casa dos seus pais, vai trabalhar na fábrica (Guararapes) e quando é que a senhora chega aqui em Nova Natal? D. Francisca: Eu digo assim, mas de lá eu fiquei muito tempo morando na casa de meu pai e de minha mãe, já quando eu comecei a trabalhar na fábrica, eu ainda morava em Petrópolis. Mas depois, meu pai... não tinha aquele negocio de fossa? Meu pai era do saneamento. O antigo Bosque dos Namorados que, hoje, é Parque das Dunas né? Meu pai trabalhava ali na sub estação de água da CAERN. Aí houve uma fossa que ainda hoje tem a rua lá, minha irmã mora lá, tem as duas casas que era florestal e agora é de ramal. Então meu pai, todo aquele pessoal dali do saneamento que trabalhavam ali tomou posse de um pedaço de terreno. Aí como todo sacrifício a gente veio e quando construiu um pedaço a gente foi para Moro Branco ali na rua de Miriam [?], que nessa época era florestal e a gente começou a trabalhar na fábrica. Meu cunhado que, hoje, mora em Fortaleza/CE arranjou pra mim e eu fui trabalhar na fábrica para ajudar meu pai. Isso eu fiquei doente muito

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tempo, eles diziam lá que era o pelo do tecido que entrava em mim, mas se por acaso fosse o pelo menos que eu não me desse eu tinha que sair. Sabe como é que eu fazia? Eu vinha no ônibus que soltava ali na pista e subia a pé. Sabe que horas, na hora nova que aumentou graças a Deus o tempo, eu acho bom, aí a gente saia de madrugada de casa. Madrugada, de pé minha „fia‟, a gente tinha que chegar de cinco horas que era seis né? E a gente ia, eu e mais umas três colegas que morava na rua. Quem morava na rua combinava de sair junto para pelo menos um ou outro gritar, pedir socorro. Porque não é só hoje que tem pessoa para fazer o mal. Sempre teve e principalmente quando era mulher, dava carreira atrás da pessoa. E feliz daquele que se encontrasse com uma pessoa de bem que tomasse a frente né? Luciano: Aí já é nos anos oitenta quando a senhora vem para cá? D. Francisca: Oitenta! Oitenta e dois... Luciano: Aí a família já está grande... D. Francisca: Oitenta e dois já tenho casado, novamente, já está tudo adulto né? Quando eu voltei das Rocas para casa da minha mãe, eu voltei com uma bebezinha que é essa que trabalha na... Luciano: E me diga uma coisa, Dona Chaguinha, aí casou novamente, constituiu de novo a vida. A senhora recebe a casa, a chave da casa? D. Francisca: É! Luciano: Qual foi a rua que a senhora veio mora? D. Francisca: Essa aqui! Rua do Pífanos, dez, oitenta e dois (mil e oitenta e dois). Até hoje ainda estou nela. Trinta anos... Luciano: E como foi essa chegada aqui? Como era esse conjunto? Essa rua era calçada? D. Francisca: Aí Jesus! Era barro! Quer dizer, já lhe disse, olhe a Chegança (Avenida de Nova Natal) onde passavam os ônibus que era de um a dois, se muito tivesse. Nos íamos para o Soledade (dois) para pegar ônibus. Não tinha Rio Grandense, só tinha Guanabara (empresas de transporte coletivo) de uma a dois ônibus. E a poeira cobria tudo quando passava os ônibus aí. Começaram a botar barro e quando chovia era um „lamaçal‟ tão grande que ninguém aguentava. A chegança também não era calçada e por causa dos ônibus botaram barro. Barro e o trator passava para firmar aquele barro, mas quando chovia era lama, era lama! Atolava tudo aqui! Luciano: Entre o conjunto Nova Natal e o Soledade, onde a senhora pegava ônibus, tinha mato ou já tinha essas casas? D. Francisca: Mato! Mato! E hoje onde é o Sarney (loteamento) não tinha nada, só o conjunto. No loteamento José Sarney era uma lagoa, linda, grande! Um olheiro de sair de baixo da linha do trem. Vinha de lá, por lá, não sei se o senhor sou que aqui só vivia esburacado... a lagoa era uma coisa linda! Quem fez barraco dentro da lagoa foi embora tudo. Era „barraquinho‟ de papelão que o povo botava e a água cobria tudo. Uma lagoa tudo! Separava Nova Natal de Soledade com a lagoa cheia. Eles, certamente, foram estudando, estudando e ali era um olheiro. Cavaram vala, buraco e no verão ou no inverno secaram e sei que hoje ainda tem... Estudam aquelas „mamilas‟, aqueles negócios para a contenção do olheiro e disse que não é olheiro. É! Se enchia e secava como não é? Luciano: Tinha então essa lagoa e as pessoas começaram, onde hoje é o loteamento José Sarney, a ocupar, construir suas casas, barracos. A senhora lembra de ter passado alguma vez no período de cheia? E como é que ficava essas casas? A senhora viu alguma cheia grande nessas residências? D. Francisca: Grande, grande! Sabe porque? Tinha uma aqui onde a gente sempre caminhava para ir olhar a lagoa... Luciano: Brincavam na lagoa? As crianças brincavam, tomavam banho? D. Francisca: Brincava, tomavam banho! Era! Era o lazer! Bonita, bonita mesmo. Luciano: A senhora lembra de algum nome que chamavam essa lagoa?

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D. Francisca: Não! Não lembro, acho que não tinha nome. Agora tinha um pessoal que morava ali e a gente descia para a lagoa e tinha um pessoal que morava dentro de lá e eles diziam que essa lagoa sempre existia e nunca secava. Depois que foi secando e eles modificaram mais. Só agora que existe essas lagoas de captação que já é no final da lagoa. Carlos: E as enchentes? A senhora lembra do período? Do ano? D. Francisca: Fazia, eu acho... não lembro direito não! Mas eu acho que de uns quatro a cinco anos que a gente estava aqui, deu uma enchente grande, grande mesmo! Luciano: A senhora chegou aqui em qual ano mesmo? D. Francisca: Oitenta e dois (Mil novecentos e oitenta e dois). A gente ia para lá buscar [?] umas pedrinhas. Isso aqui era cheio. A gente ia pra lá, porque quando a agua passava e levava o barro deixava as pedrinhas e a gente ia pegar pra enfeitar a frente da casa que não tinha muro não. Deixava mais bonito. Infelizmente hoje é pouco a segurança, nos só estamos seguros em Deus! Era bonito! De cimento com três fiadas de arrame assim no final. Não tinha arvore, não tinha construção de outros pedaços de casa, então era bonito de ver tudo branquinho! A areia bonita... Luciano: Me diga uma coisa; A senhora lembra de uma lugar chamado Lagoa Azul que dá nome ao bairro? A senhora chegou a ir? D. Francisca: Cheguei! Lá tem pessoas morando lá. Vilma (figura política do município de Natal) construiu um que o povo chama de Nova Jerusalém, mas é de Vilma. Desceu um povo desse conjunto para lagoa azul. Luciano: Naquele período que a senhora chegou aqui, seus filhos ainda crescendo, adolescente, a vizinhança começando a habitar, essa outra lagoa também era um lugar de lazer? D. Francisca: Era. Depois proibiram porque disse que tinha aquele negocio que quando cresce chama “barriga d‟agua”. Aí começaram a proibir e o pessoal que morava na beira da lagoa, moradores antigos com aquelas hortas de alface, cebolinha, pimentão, coentro... Agora o senhor chegar daqui de onde estamos até o final do muro, eu nunca tomei banho lá, nunca levei meus filhos, mas fui a um batismo da igreja. Daqui pra lá, eu via areia. Mas naquele fundo é escuro. É por isso que chamam lagoa azul porque ela é escura e ao redor dela é branquinho. Mas agora não sei, faz tempo que não vou lá.... Luciano: - E como era esse início aqui? Essa dificuldade de transporte e as outras dificuldades, como era médico, como era escola dos meninos, como era isso no início? D. Francisca: - Os colégios; tinha o Myriam, só tinha parece que três colégios que são principais, quando nós chegamos, o Myriam, que ainda foi se esperar pra começar... Luciano: - Quando a senhora chegou, não estava construído, não? D. Francisca: - Foi esperar pra construir, pra professor organizar tudo, professor vir. Myriam, Paulo Pinheiro, Alceu Amoroso. Aí depois começou, né, a vir João Paulo II mas foi depois, as creches tudo foram depois, não tinha nada. Luciano: - Quer dizer, quem quisesse ser estudante, tinha que se deslocar. E saúde, como era? Os postos de saúde tinham nessa época? D. Francisca: - Tinha não. Não tinha, não. Luciano: - Se dirigiam pra onde, se precisasse de uma emergência?

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D. Francisca: - Se precisasse de uma emergência, o Santa Catarina já funcionava, não. É, funcionava, o Santa Catarina já tinha, mas quase sempre o povo não conseguia ficha e levava, a maior dificuldade; era uma dificuldade grande que tinha. Hoje também ainda tem. Tinha só o posto antigo, que hoje é a AME, aí depois construíram esse posto aqui. Inclusive, quando foi pra limpar eu fui; fez todo mundo aquele mutirão. Luciano: - Pra limpar o terreno? D. Francisca: - Pra limpar o chão, quando construíram, ali onde hoje é a AME, construíram lá. Era o único que tinha. Luciano: - E alimento, como é que vocês compravam? D. Francisca: - Acho que os primeiros que vieram pra cá também já... Porque onde é hoje essa loja, era uma mercearia. Luciano: - Essa loja que a senhora fala é na Chegança, na esquina? D. Francisca: - É, aqui na Chegança. Era uma mercearia, onde hoje é Alda calçados, era uma mercearia de Seu José, ele morreu do coração. E hoje a esposa dele mora aqui, porque o pessoal que morava na Chegança, ah meu deus, todos venderam quando chegou agora essa época de agora, com esse pessoal de loja tudo. Luciano: - Os antigos moradores da Chegança venderam suas casas... D. Francisca: - Sabe o que teve muitos que fizeram? Venderam suas casas, pegaram um bom dinheiro e outros tanto, e foram se apossar de pedaços de terra no [loteamento] Sarney, compraram terra, casa já pronta, com o dinheiro reformavam a casa boa, aí hoje tem muita casa boa como no Esperança. Tem casas boas, inclusive, tem casa melhores que aqui no conjunto. Porque aqui, até então ninguém sabia, né, mas só que conversamos com advogado, você sabe, e disse que vão restituir o que a gente pagou sem as casas merecer, sem aquele valor né, que a gente se sacrificou, porque foi sacrifício demais, e a gente pagou tudo direitinho; aí agora vão restituir. Mas que realmente está precisando, está. Muita gente já recebeu, muita gente já reformou, muita gente já comprou carro. Eu tenho os papéis aqui, todos guardados, tá tudo guardadinho. E pra mim, saiu assim, o advogado disse, e já vai fazer dois anos, ele disse que aqui eu ia receber 17, 17 mil e pouco, só que já faz dois anos né, os anos passam, e aumentando, né. Sei que na rua em que eu moro, nessa rua, tem eu e mais 3 pessoas, só que a seguradora não quer pagar, aí os advogados ficam, né? E aí o juiz... tem várias coisas... Luciano: pronto, é que essas coisas da justiça demoram mesmo. Mas, dona Chaguinha, a senhora estava falando dos moradores, e tinha essa mercearia, era lá que se comprava, e aí essa vizinhança foi... Existia amizade entre esses vizinhos? D. Francisca: quase que todo mundo era trancado. Luciano: Nesse início.

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D. Francisca: nesse início. Porque eu era uma que era assombrada. Eu nem dormia, assombrada, e o meu marido era vigilante saía de 5 h só chegava no outro dia. Mas olhe, eu dormi cedo, quando foi num dia, era quase todos aqui fechados, aí depois o pessoal vai acostumando, vai vendo que tudo não é ruindade, tinha a história do homem que andava num cavalo, e diziam que esse homem matava por brincadeira. Aí pronto, quem é que vai ficar na rua? [risos] Carlos: - então essa questão da violência era um caso grave, nessa época? D. Francisca: era, porque uma vez eu tomei um susto muito grande, porque ali no segundo poste da Chegança, onde hoje são as lojas ali, no segundo poste, perto da parada, eu cheguei, aí disseram assim... [?] Carlos: - E a senhora já foi assaltada alguma vez, ou roubaram sua casa? D. Francisca: - Não, graças a deus, nunca! Eu dou graças a deus, graças a meu deus, porque é uma coisa que assombrava, agora eu tenho um filho que é cobrador de ônibus, ele é casado, agora tem um filhinho, sabe como é perigosa essa profissão, não é, por causa dos assaltos, ele já foi assaltado, mas graças a Deus não fizeram nada com ele, só levaram o dinheiro; ele disse “pode levar, leve o que tiver aí”, aí ele levou o dinheiro que tinha na gaveta, foi embora e graças a deus não fez nada. Carlos: - A questão da violência, continuando, a senhora acha que melhorou daquele tempo pra cá, ou piorou? D. Francisca: - Meu filho, piorou. Luciano: - A senhora se sente mais segura hoje, ou quando aqui em Nova Natal era cheio de mato? Quando a senhora vinha da lagoa lá no José Sarney, a senhora passava por um mato... a senhora se sentia mais segura naquela época ou hoje? D. Francisca: - Naquela época. Carlos: - Piorou então? De lá pra cá, a violência aumentou muito? D. Francisca: - A violência aumentou por conta das drogas, o assalto, os crimes são quase mais por conta das drogas. Porque, vamos dizer, aqui tiveram muitas pessoas que vieram de muitos... eu não sei onde, mas vieram, e aqui tinha uma história do “Trovão azul”. Luciano: - Essas pessoas que a senhora fala são as pessoas que vieram ocupar os loteamentos? D. Francisca: - Isso. O conjunto, não, os loteamentos. Tinha um grupo que chamavam “trovão azul”, Jesus, eu nunca vi nem nada, mas dizem que é um terror, dizem, eu não vi, não chegava nem perto. Mas ainda hoje tem o postinho policial ali, e quando dá fé, os tiroteios, mataram dois na estação de trem... misericórdia! Luciano: - O trem era utilizado também nessa época? Como é que fazia? D. Francisca: - Pronto, que eu me esqueci de lhe dizer! No início, o pessoal ia de trem, quando não tinha ônibus, ou ia de pés, podia ir de pés pra pegar no Soledade, né, ou ia pegar os trens. Fui muitas

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vezes de trem. Ele ia só até... Porque na época quando eu era pequena, ele ia até Lajes, Angicos, o trem subia sertão afora. Hoje ele só vai até Ceará-Mirim. A sogra do meu filho mora em Extremoz, sempre vamos de trem, quando não tá em greve, né, ou quando não tá quebrado. Luciano: - Bom, a senhora também veio pra cá, e morando aqui, a senhora participou de alguma coisa da comunidade, nesse crescimento da comunidade, a sua família cresceu junto com o crescimento de Nova Natal, não é? Aí a senhora participou de alguma coisa, assim, clube de mães, clube de idosos, igreja...? D. Francisca: - Idosos, igreja... Luciano: - Qual foi a igreja que a senhora participou? D. Francisca: - A igreja que eu fui parece que foi a primeira, eu era católica, eu ia pra, parece que é [a entrevistada demora a lembrar-se], da Santa Madalena, Santa Maria Madalena, fica pra lá. E clube dos idosos. Luciano: - Participou também? D. Francisca: - Participei. Luciano: - Qual o nome do clube de idosos? D. Francisca: - É Rodeão. Luciano: - E o que era que se fazia nesse clube de idosos? D. Francisca: - Clube de idosos, quando chegava pela manhã tinha a ginástica, tinha a física, tinha a professora Milca e tinha um professor também. E depois da ginástica, aí se houvesse caminhada, fazia a caminhada, voltava e fazia outro exercício, se a caminhada era depois da física, fazia a caminhada, quando chegava tinha o lanche, o idoso ia pro salão que tinha de refeição, aí tomava aquele lanche e ia embora pra casa. Hoje eu não sei se funciona. Eu também estou parada, nunca mais fiz uma física, nunca mais caminhei, mas se deus quiser, quando eu sarar dessa cirurgia eu volto pra caminhada. Luciano: - mas assim, no início, nessa construção do conjunto, essas entidades de clube de idosos, conselho comunitário, existia alguma coisa, eles faziam alguma coisa na comunidade? Como é que a senhora conheceu o clube de idosos? D. Francisca: - O de idosos eu conheci assim, porque foi inaugurado já depois de muito tempo, o conjunto já funcionava... Luciano: - E o conselho comunitário? D. Francisca: - Conselho comunitário, o primeiro foi esse aqui das Cirandas, ainda hoje é... Luciano: - Ainda hoje tem? D. Francisca: - Tem. E lá em baixo, que tem a coisa dos amigos.

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Luciano: - A Associação dos amigos de Nova Natal. D. Francisca: - Lá também tem. Eles cobram uma taxinha dos sócios pra médico, alguns tipos de médico, não são todos, não; alguns tipos de médicos, hidroginástica, tem reuniões do posto de saúde. Eu fui a duas, aí pelo São João, foram as que eu não pude ir, aí não sei mais como é que tá. Depois eu vou saber pra continuar. Luciano: - A senhora fez parte da igreja católica quando veio pra cá. Aí quando é que a senhora sai da igreja católica e vai pra evangélica? Qual igreja evangélica? D. Francisca: - Quadrangular. Luciano: - E quando acontece isso? A senhora lembra mais ou menos o ano? D. Francisca: - 88. Luciano: - Foi em 88. Então no inicio ainda. D. Francisca: - É. Luciano: - Não fazia muito tempo que a senhora tava aqui não? 88, né? D. Francisca: - Não. 88, cheguei em 82, né... Luciano: - A igreja já existia, a Quadrangular? D. Francisca: - A Quadrangular já, uma, sim... um embriãozinho. Ai, ia funcionando com obreiro, né?! Ela era aqui na Ciranda, da Ciranda, quando eu fui pela primeira vez, ela já era lá, Pavão Misterioso. Luciano: - Na rua do Pavão Misterioso? D. Francisca: - Pavão Misterioso, aonde é até hoje. Cresceu, né?! E a sede é... nas Quintas. Luciano: - E as igrejas, elas convivem bem? Ou não convivem muito bem hoje como naquela época, as igrejas católicas e evangélicas? Elas convivem bem? D. Francisca: - Olhe, quando começou... quando eu comecei, né?! Aqui no inicio do conjunto, não se batiam muito bem, não. Hoje, graças a Deus, cada uma no seu lado, cada uma já tem mais as suas [???], porque... não é bom falar isso, mas, não se batiam bem, não. O católico com o evangélico não se batiam, não. Não os irmãos, os pequenos, os [Luciano dia “os líderes...” e a entrevistada confirma, “é, os líderes..”] Luciano: - Aqui no conjunto tem um evento que é o desfile, né?! D. Francisca: - Tem. Luciano: - A senhora chegou a participar de algum desses eventos?

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D. Francisca: - Participei. Eu tenho uma foto... Manu tem, né? Manu tem uma foto que eu participei. [murmúrio] E tem a parte que... Luciano: - Mas a senhora lembra, assim, a comunidade participava desses momentos? D. Francisca: - Participava. Participava, por que o idoso desfilava no mesmo dia que os colégios daqui desfilavam, as escolas desfilavam e o idoso também. Não é... o desfile daqui é depois do 7 de setembro. As escolas tudinho... particular, estadual... Luciano: - Quanto tempo depois, uma semana? D. Francisca: - Uma semana, depois. [murmúrios inelegíveis] Luciano: - Então, esses eventos aconteciam, a senhora participava de alguns deles... D. Francisca: - Eu só nunca participei no [corpo de escola] de passeios. Eles faziam muitos passeios, a pessoa pagava aquele tanto. Aqui era 10 reais, 15 reais... depende a lonjura que o ônibus vinha, né!? Para pagar o ônibus, cada um levava o seu almoço, lanche... eles participavam, eu nunca participei não. Dos passeios da escola não. Luciano: - Me diga uma coisa, a senhora veio morar aqui... a senhora estava falando que morava em Petrópolis, depois de já mocinha, lá tinha uns espaços livres, umas coisinha. Não era?! A senhora veio morar aqui no Nova Natal, o nome das ruas... a senhora quando veio morar, a senhora percebia, assim, algum por quê dos nome? D. Francisca: - Eu acho que sim. Talvez eu não eu não saiba me expressar, mas o porquê do nome eu sei. Por quê nós temos aqui, né... olhe... temos, que pega o Pastoril... nós temos o Pastoril, que é essa rua da feira; o Cordão Azul; o Cordão Encarnado; tudo isso faz parte do pastoril, lembra o pastoril, né?! Ai, tem o Boi de Reis (tem vários bois por aqui), tem o Boi do Capim, o Bom Surubim, o Boi Calembra, tem o Bumba Meu Boi, né... tem um monte de bois. Ai vem também assim, eu acho, às vezes eu penso, que também tinha homenagem a pessoas como os [???], eu acho que era o certo. Luciano: - Mas a senhora que é bom esses nomes? Ou quando a senhora veio morar achou estranho? D. Francisca: - Achei estranho. Por que, sempre acostumada, né... Com nomes de pessoas, Gil Franco, tal, tal, tal... tinha uns nomes esquisitos. Até quando a gente começava a ir para os médicos, para as pessoas que assinavam... “- Onde você mora?”; “- No Nova Natal...”; “- A rua?”; “Rua dos Pífanos...”. Ai, quando vinha... “- O que é isso?”; Digo: “- Isso é um instrumento musical!”. Agora também [risos] um dia também me espantei, mas hoje sou acostumada, né?! A Rebeca, Fandango... rua do Fandango. Quer dizer, eles botaram Flor do Campo, [???], partiram para outro que existe no nosso estado. Luciano: - Conhece Pavão Misterioso? D. Francisca: - Pavão Misterioso, né?! É aquele negocinho de cordel, aqueles livrinhos. A rua do Cordel, tem esta rua, né?! [murmúrios] Sim! Temos muitas coisas, temos o Xaxado, né!? Lembra as coisas de Lampião, né!?

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Carlos Rafael: - Tem a rua do Xote e do Xaxado? D. Francisca: - Tem rua do Xote. É, Xote, Xaxado.. é desse jeito. Ai tem várias coisas aqui que a gente não lembra, mas a Ciranda, já lembra uma brincadeira de roda, que a gente brincava muito. Hoje em dia... nós... Eu estudava num projeto, um projeto do estado, que... [a entrevistada pede para que a filha pegue algo em sua bolsa] lembra muitas coisas assim, que eles falam ai. Negocio de lenda, é lenda e [?]. Aí, a gente ficava olhando assim... achava graça porque só velho, alunos mais velhos.. Ai diz assim, quer ver... [parece que a entrevistada mostra um livro à equipe] o projeto é esse, tá vendo! Luciano: - “É bom aprender.” Né?! D. Francisca: - É. Ai a gente faz um bocado de coisas. Luciano: - A senhora estuda aonde? D. Francisca: - Na igreja. É... o projeto tem a professora, uma menina que está fazendo faculdade e ela ensina a gente no projeto. Ai ela falou com a pastora e a pastora cedeu para a gente estudar lá. Ai é bom porque a gente... tanta coisa que a gente... Fiz ciranda, ciranda-cirandinha... pra a gente cantar, se souber cantar todo. Junto com os colegas, depois fazia aquilo ali tudo. Luciano: - Me diga uma coisa (vamos já encerrar, para a senhora fazer seus afazeres [risos]), bom, mas assim, falta só um pouquinho. Já que estamos falando de folguedos populares, quando a senhora veio morar aqui no conjunto, a senhora era católica ainda - agora é evangélica, a senhora chegou a participar de alguma festividade, de alguma padroeira, São João... existia isso, o pessoal fazia muita fogueira nesse período? D. Francisca: - Existia. Ai, meu Deus. Só faltavam matar a gente com fumaça. Mas era bom [risos], era bom... a gente ia olhar as quadrilhas. Luciano: - Tinha quadrilha também? D. Francisca: - Tinha, logo cedo eu ia olha, né!? Eles faziam o cimento assim, pegavam, batiam aquele cal, passava uma banda de cimento, passa a colher... ai enfeitava a rua todinha. Ali era uma quadrilha. Carlos Rafael: - Tinha comida típica também? D. Francisca: - Tinha. Tinha... ainda hoje tem. Tem uma senhora que mora lá na perto da escola... todo São João ela faz pamonha, canjica, milho cozinhado, ela faz... Luciano: - E ela vende? D. Francisca: - Vende. A gente compra a ela. Até hoje ela faz. Luciano: - Então assim... queremos agradecer a senhora por essa acolhida aqui na sua casa e dizer o seguinte: que não vamos nos separar daqui a pouco, não! Vai ter outro momento, esse é o primeiro momento do programa. A gente vai fazer uma leitura do que a senhora falou e o que outras pessoas

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que nós colhemos depoimentos, pra depois a gente escolher os temas e voltar de novo para conversar. Vamos voltar com a senhora, se a senhora permitir. D. Francisca: - Tá bom! No dia que quiser, pode vim! Luciano: - Obrigado!

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3 - ENTREVISTA COM EXPEDITO JULIÃO [Na manhã do dia 7 de julho de 2012, reúne-se, na Escola Estadual Myriam Coeli, no bairro de Lagoa Azul, a equipe do programa Memória – Luciano, Marina e Matheus –, juntamente com Expedito Julião, morador do conjunto de Nova Natal]. Luciano: - Cada pessoa que participa do projeto Memória minha comunidade recebe um exemplar de cada bairro. E o próximo é o Lagoa Azul. Então, assim, a nossa idéia é fazer uma primeira conversa na verdade essa é a nossa primeira conversa que estamos fazendo com algumas pessoas, e depois dessa conversa, poder fazer um roteiro com os temas da pesquisa e quais os assuntos que a gente vai abordar. Matheus e Marina... eles são estagiários lá da SEMURB, eles são de História. E esse projeto, Julião, esse programa tem uma parceria com a UFRN, então tem dois professores que participam com a gente, que é o professor Raimundo Arrais e a professora Carmem. E aí os estudantes que participam são indicados por esses dois professores. Então, seu nome? Expedito: - O meu nome? Meu nome é Expedito Julião da Silva. Luciano: - Nasceu quando, Julião? Expedito: - Eu nasci no dia 16/11/1957. Luciano: - 16/11/1957? Expedito: - Isso. Luciano: - Aonde? Expedito: - Natal/RN. Eu sou irmão de Elino. Elino é de Timbaúba dos Batistas, no município de Caicó, na época, hoje é cidade. Mas é porque, assim, ele é o primeiro filho da minha mãe. Então, quando minha mãe veio de lá pra cá, os demais, os outros cinco nasceram aqui. Então, eu sou aquilo que chamam no popular “fim de rama”, né? Eu, mais novo, nasci aqui. Luciano: - Mas nasceu perto do “Forró da Coreia”, não? Expedito: - Não, não, porque o forró da Coreia é onde hoje tá construindo aquela arena né? Que antigamente era o Machadinho/Machadão. Mas, Forró da Coreia, na verdade, eu alcancei, era ali onde era o Machadão, que, nos anos 1970, foi construído como Castelão, né? Luciano: - Quando vocês escutarem a música “Forró da Coreia” já sabe onde tá localizado. [todos riem] Expedito: - Mas era ali, e ele menino ia pra ali, meninote, 11, 12 anos... começou a ir pra ali. E Elino já tinha a música no sangue, porque Elino serviu ao Exército e Elino desertou o Exército e o serviço para participar das festinhas que tinham na época. Como hoje é Cidade da Criança, naquela época era a lagoa Manoel Felipe, aos sábados e domingos tinham matinês e a gente participava daquilo ali, e deixou o Exército e...

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Luciano: - Não teve quem segurasse... caiu no mundo. Expedito: - É. Caiu no mundo e fez um nome grande né. Não sou eu quem fala, é a mídia, que quando se fala no forró de Natal, se fala no nome de Elino Julião, muito embora esse ano ter ficado um pouco para trás porque o centenário desse ano é de Luiz Gonzaga, mas não deixa de ter Elino Julião. Porque Elino Julião é o seguinte: o Luiz Gonzaga ele é o rei do baião, Elino Julião é o rei do forró pé-de-serra, Jackson do Pandeiro, o rei do ritmo, Genival Lacerda, o rei da munganga; Roberto Carlos, o rei da música em si, de modo geral, de todos os estilos, porque é um cantor que canta pra várias gerações, várias religiões, vamos dizer assim, né? E Elino tem uma carreira muito longa, 53 anos de estrada. Mas vamos lá ao nosso assunto, né? Luciano: - Bom, essa conversa nossa, como eu disse, é uma conversa inicial, então queria só que você relatasse um pouco a sua primeira vinda para aqui, ou como morador ou como trabalhador; o seu primeiro encontro aqui com essa região, o ano... Expedito: - Isso, eu vou chegar lá! É aquilo que eu lhe falei, né, e agora vai ser valendo. Bem, no dia 6 de maio de 1981, eu vim trabalhar aqui na construção dessas casas de Nova Natal, no dia 6 de maio de 1981. E ao chegarmos aqui, fui eu e um colega que me chamou pra vir trabalhar aqui, e quando a gente chegou aqui no centro da Chegança hoje, estavam desmatando, já estava tudo desmatado nesses terrenos aqui de Nova Natal, para construir o conjunto, estavam desmatando e na estavam escavação dos alicerces. E eu fui um deles que, como peão, que chama né, eu também trabalhei, cavei alicerces, cavei várias fossas, na época era construída através de produção, e tudo que fosse produção, a gente tinha que botar mesmo para esticar para ganhar o salário né? A folha era na sextafeira, na época, hoje é quinzenal e mensal o pagamento, naquela época a gente trabalhava de segunda a sexta e no sábado, o pagamento. E aqui tinha muita firma. Aqui na época tinha a Gaspar, a Azevedo, construtora Gaspar, construtora Azevedo, Solto engenharia... E eu trabalhei na construtora Ribeiro do Sul. Aqui a peãozada, quando um mestre botava pra fora, ele fichava na outra, porque era portão tudo um de frente pro outro. Eu, não, só trabalhei em uma e termina numa só porque me dei muito bem com o mestre que por sinal, o mestre Sandoval está vivo, mora ali nas Cirandas, e eu cheguei aqui, trabalhei aqui... Luciano: - Então você trabalhou aqui na construção, na equipe desse mestre Sandoval. Expedito: - É, que hoje mora na Avenida das Cirandas, que é a principal de Nova Natal. E eu trabalhei com ele aqui na construtora Ribeiro Flor, na época. E trabalhei até mais ou menos outubro só, não fiquei até a conclusão da obra, por outros motivos, aí eu saí daqui. E logo que eu saí em outubro de 81, o próprio Sandoval, no final do ano, quando terminou a construção daqui, me convidou para trabalhar na construção do Gramoré, mas aí eu não fui bem sucedido, e não deu pra “mim” trabalhar. Nesse tempo, eu morava no Bom Pastor; me deslocava do Bom Pastor pra cá; não tinha ônibus, o ônibus pra Nova Natal não tinha ainda, claro, estava ainda em construção, e só tinha ônibus até ali naquele pátio da Feira de Santa Catarina, e dali descia pra cá. Esse mato aqui que hoje é o loteamento José Sarney, ali onde está construída a Escola Estadual Antônio Fagundes, ali era o nosso caminho, saía daqui da obra pra pegar ônibus lá em cima, onde é hoje aquele viaduto, né, e aqui era tudo mato, já tinha algumas casas já em construção, lá em Soledade II, do outro lado né, que fica de frente com o viaduto. Então eu trabalhei aqui até o mês de outubro, outubro eu saí, e quando eu saí no mês de outubro eu fui pra trabalhar nessas casas, mas não fui bem sucedido. Passou-se o tempo, passou-se o tempo e eu nunca vim aqui. Terminou o ano de 81, entrou o ano de 82, fui lá na

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obra a convite desse mestre Sandoval, mas não deu pra continuar. Aí como eu fiquei na profissão também de motorista, né, particular, de madame, e taxista, aí eu fui pra praça. Aí trabalhei de 82 até 92 na praça; fiquei dez anos uns meses na praça. E nesse período de 81, quando eu cheguei aqui, até 85, eu não vim aqui. E vim, sim, no início da entrega das casas já no mês de fevereiro de 82, porque por erro do destino, o meu sobrinho recebeu uma casa aqui nessa rua que eu moro hoje, na Rua das Jurubebas. E olhe que eu nem sonhava viu, Karina, né? Marina: Marina! Expedito: Marina, eu nem sonhava morar aqui, veja bem como Deus trabalha viu! Eu não fazia nem plano em morar aqui, aí um dos meus sobrinhos tinha recebido essa casa, foi contemplado, recebeu a casa e agora, Décio, comigo, vamos fazer uma visita lá, aí veio ele, eu e um colega dele, num Chevette branco, Chevette 76, isso em fevereiro de 82. Isso aqui onde hoje é construído onde nós estamos, o Myriam, aqui era só mato e areia. Como a casa dele era aqui na rua em que eu moro, e era em aberto, isso aqui não tinha as escolas, eu atolei o carro que eu vinha dirigindo aqui, e daqui ele não saiu, ficou aqui atolado e nós fomos conhecer o embrião que meu sobrinho recebeu, e reformou e tudo, mas quando foi em 2003, ele vendeu. E eu vim morar aqui por ironia do destino; não fazia nem plano. Como eu lhe falei, eu passei de 81 a janeiro de 85 sem vir aqui; 4 anos. Quando eu comprei a casa, em dezembro de 84, eu fiz a escritura da casa em dezembro de 84, me mudei mais ou menos no dia 22, 23, 24 de janeiro de 85. Passei quatro anos afastado. Quando eu me mudei pra aqui, Nova Natal era um conjunto e não tinha movimento, hoje é um centro comercial muitíssimo... já está bem avançado. Quando você entra na Chegança, você conta as casas que são moradia, que a maior parte já vendeu e hoje é ponto comercial. E então fiquei de 81 a janeiro de 85 sem vir aqui, comprei a casa, vim morar, mas só morei 6 meses na casa que eu comprei, comprei uma casa ali depois da Chegança, na rua Fabião das Queimadas, 3063, que é uma casa, uma rua transversal com a Rua da Sanfona, onde mora aquela professora de História, Geografia, Socorro, mora lá, pertinho da casa dela seria a casa que eu... E eu só morei aqui 6 meses, morei, vim pra aqui em janeiro e saí daqui em julho, só morei 6 meses aqui. Foi um momento de muita dificuldade pra mim, meus meninos pequenos, sozinho e tudo, minha mulher não trabalhava, e era muito distante, e eu não tinha carro próprio, era carro dos outros para que eu trabalhava, o carro eu trabalhava pra três, e na praça eu trabalho pra você, eu sou motorista de defesa, porque eu trabalho pra você, então eu trabalhava pra mim, pro dono do carro, e pro carro, e eu tinha uma família de 4 pessoas, 5 comigo. Luciano: Pra manter só com essa renda, né? Expedito: É... E eu sofria muito; não estava no Estado ainda, era só esse trabalho. Aí quando foi julho eu vendi essa casa, e fui embora pro outro lado. Luciano: Mas me diga uma coisa, você vem morar em 85 e passa esses 6 meses. E como era em 85 aqui? Expedito: Em 85, era o seguinte, era só o conjunto em si, não existiam loteamentos. Loteamentos era só mato ao redor. Luciano: E como é que você fazia pra se deslocar? Se você tinha o táxi, ainda, tudo bem; mas se você quisesse chegar aqui de ônibus?

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Expedito: Ah! De ônibus, aí o que acontecia... eu pegaria o ônibus. Hoje tem quatro ônibus aqui circulando, tem o 28, tem o 03, tem o 64 e tem o 10. Nessa época, só existia o 10. E o 03, que hoje é da viação Riograndense, que na época era Transflor, e era um caos muito grande. Muito morador daqui se lembra, dessa geração nossa, que a Transflor não correspondia com os horários, e os carros eram muito velhos, quebrados, era uma viagem lá e outra na rua, ou seja, ele ia e na volta se quebrava, quando não se quebrava na ida, e era assim. Então, o terminal que tinha era ali na Chegança, mesmo no centro da Avenida da Chegança, e o itinerário era, tanto o 10 como o 03, que era da Transflor, ele vinha como quem vem do centro, passando pelo viaduto, pegava aqui direto na Avenida das Cirandas, direto, passa ali ao lado do colégio estadual seu amoroso, que hoje é o terminal que na época não era, era só a linha, passava ali, atravessava a Cirandas, vinha no itinerário da Igreja Católica, que é a curva do “S” que chama, passa em frente ao posto de saúde, em frente à escola estadual Paulo Pinheiro e entra à direita na Fandango, e vem na central, na Fandango, pega aqui a Caboclinho, vem, passa aqui ao lado dessa que é a avenida dos Caruás do lado de lá, e entra aqui na rua do Mercado União, lá na Chegança. E o terminal, como eu falei, era mesmo no centro da Chegança. Isso em 1981. Quando eu voltei, quatro anos depois, a coisa mudou; muita coisa mudou. Temos hoje: loteamento José Sarney, que não existia, em 89, quatro anos depois já tinha; aquelas casas do conjunto Cidade Praia que não existia já tinha. Marina: Mas tinha pouca também, né? Expedito: Tinha pouca, mas eram poucas casas e estava em construção, tanto é que eu passava no ônibus pra ir trabalhar de manhã e, como essa visão todinha daí de baixo era mato, então quando passava no ônibus lá, que ele vinha por aqui, ele descia pro centro e vinha por aqui. Então, a gente já tinha a visão das casas do conjunto Cidade Praia em construção, em alvenaria. Isso no início de 85 e já entrando em 86. Então, quando eu voltei quatro anos depois, o ônibus foi o contrário. O ônibus quando vem de lá pra cá, ele não entra mais cá na principal, ele passa direto, dentro do Cidade Praia. Luciano: Quer dizer, já tinha pessoas morando, então ele tem que passar por dentro de Cidade Praia? Expedito: É, Cidade Praia. Luciano: E o loteamento José Sarney nessa época já estava começando a ser construído? Expedito: Tinha muita gente já com casa construída, que muita gente já tinha se apossado. Aí o conjunto vinha, vinha, vinha, o ônibus, aliás, aí passava em Cidade Praia, saía aqui ao lado da estação e passa direto, o 10, passa direto, ele não entra aqui na Caruás, ele entra direto, passa aqui por trás da escola, do colégio, passa aqui, sai na Avenida da Chegança descendo, desce e circula lá dentro do loteamento [Boa] Esperança e desce no terminal Alceu Amoroso. Aí de lá ele vem, atravessa a Cirandas, passa na Igreja Católica, na curva do “S”, passa pelo posto de saúde, em frente ao colégio estadual Paulo Pinheiro, segue a Fandango, como eu falei, pega a Fandango e vem na Caboclinho direto, e sai aqui; entra na avenida no Mercadinho União, sai na Chegança e desce por lá... Quer dizer, é o contrário o itinerário. E o 64 da mesma forma, só que o 64 não pra cá, ele passa direto. Ele passa direto, passa aqui e vai direto pela Caboclinho e vai direto pro terminal, e vem-se embora.

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Luciano: Bem, voltando um pouco pra 81, certo? Então, em 81, o conjunto começa a ser construído, você passa a vir pra aqui pra trabalhar na construção. Casa onde hoje é o José Sarney e o loteamento Boa Esperança... Expedito: Não existia, não existia. O loteamento José Sarney já existia, como eu falei, quatro anos depois, em 85, quando eu vim pra aqui, mas antes era só mato. Marina: Em 81, o único conjunto que estava começando a ser construído mesmo aqui era o Nova Natal? Expedito: Nesse setor, era, muito embora já tinham algumas casas começadas em Soledade II, que era vizinho, aonde hoje tem aquele viaduto, se você virar pra cá, tem loteamento José Sarney, se virar pro lado do viaduto, é conjunto Soledade II, se você descer pra esquerda, lá é Santarém. Santarém não existia; Santarém só veio em 82; Soledade II, como eu falei, já estava no início; mas Nova Natal em si foi em 81. Eu cheguei pra trabalhar aqui no dia, está na minha carteira profissional o contrato, eu cheguei pra trabalhar aqui no dia 6 de maio de 1981. E não tinha... Era só loteamento. E com relação ao loteamento Boa Esperança, ele, como eu lhe falei, ele foi gerado, começaram a mexer naquele matagal, para a construção de algumas casas, entre 90 e 91. Luciano: O Boa Esperança? Expedito: O Boa Esperança... Entre 90 e 91. Mas é bom, né, fazer uma coisa dessa é maravilhoso. Tanto é conhecimento, Marina, quanto é memória! E memória é muita riqueza! Marina: Com certeza! Por isso que o programa da gente é “Memória Minha comunidade”. Expedito: Exatamente! Tem pessoa que, como eu falei para Luciano ontem, tem pessoas que são mais velhos aqui, mas não se lembram de muita coisa. A questão é: viveu, mas a memória é curta. E a memória... você veja que para jornalista, ele participa, ele estuda para jornalismo, mas ele tem que memorizar. Não basta ter só a teoria, tem que ter a prática, o conhecimento, porque senão o seu cérebro também não vai funcionar. Porque aqui é ambiente fechado, mas pro outro lado do rádio, ou do microfone, ou da televisão, a coisa muda; tem o câmera, o iluminador, o diretor, mas do outro lado da tela... eita! trilhões de pessoas lhe vendo. Luciano: Julião, me diga uma coisa: você falou que a Chegança, que é essa avenida principal, hoje ela é um centro comercial, né? Aos poucos os moradores foram fazendo seus comércios, foram erguendo casas e foram instalando empresas ali. Mas quando você vem em 85, morar pela primeira vez, como é que você abastecia sua despensa em casa? Expedito: Em termos de feira, não é isso? Luciano: Feira! Já existia a feira aqui de Nova Natal, não? Expedito: Não, não, não existia feira, não. É aquilo que eu lhe falei, quando eu voltei, muita coisa eu encontrei... coisas que eu não tinha deixado. A feira foi uma das tais. Vamos lá ao início da feira. Quando eu cheguei aqui, que eu ia fazer minhas compras, geralmente sempre era no domingo, que era a minha folga, né? Aí, tinha um senhor, que ele já se foi, não está entre nós, chamava-se “Bigode”. Eu vi Bigode... Você conhece ali a Chegança, não conhece? Você sabe ali a rua do

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pastoril, quando você vem na esquina, tem um centro comercial, Drogaria Nobre, em cima era a moradia de Russo, que ali era um ponto só, que era um mercado muito grande de alimentícios, essas coisas, e cereais, e ele quebrou e fez ponto de aluguel; mora em cima e embaixo é aluguel. Então ali é um embrião. Veja bem que ali é uma esquina, cheia de comércio. Ali era uma esquina; cruzava a esquina da rua do Pastoril com a avenida da Chegança. E era um embrião e eu ia fazer compra ali no domingo de manhã e quem estava lá era esse finado Bigode. Para você ter uma idéia... Um embrião você sabe o que é: é um “vãozinho”, né? Luciano: É um vão, casa de um cômodo, com banheiro. Expedito: É um vão, com banheiro, você bota lá uma rede e uma cama. Então era moradia de Bigode e quando a gente entrava no embrião, tinha um balcão e uma rede dele armada. Ele deitado na rede e o balcão cheio de cereais, pão, arroz, feijão... Aquela coisa de início, né, quando é no início é o alicerce da casa, né? Tudo é pelo alicerce. E, muitos cereais, e ele deitado na rede. Era o comércio que tinha ali, na Chegança. Mas tinha também a Cantina Veja, que é muito falado, que hoje foi reformada e hoje é uma loja de cinto, bolsa, sapato, enfim... Que é na Rua da Chegança esquina com a Xaxado, onde o 10 sai lá na Chegança; a parada é ao lado dessa muito falada cantina Veja . Cantina Veja ficou, né, que é o ponto... Mas hoje é uma loja que vende sapato, cinto, essas coisas. E tinha a João Melo Nordestina , ali na rua dos Repentistas, por trás da Igreja Universal. Eram os três comércios que tinham mais nome, que se vendia e se deslocava pra... era o chamado “Bigode” ali na Chegança com a Pastoril, era João Nordestino, que não existe mais, faz muitos anos que foi embora, e Cantina Veja. Isso quando eu vim morar aqui. Quando eu voltei e vim morar aqui. Quando eu saí, aí encontrei muitos; encontrei Décio, que hoje trabalha só com mercearia; João Nordestino como eu falei ele... o Russo que quebrou, que era um comércio alugado; e a S. Neto que hoje o que ele herdou do comércio que ele tinha, que ele tinha um grande comércio aqui, era o antigo Cantina Aquarius, aqui nessa rua; e o comércio na Chegança mesmo, central na Chegança. Mas aí ele quebrou, ficou com o táxi, como tem até hoje, e dona ????? foi quem segurou o comércio de miudezas e variedades. Luciano: Aí em 89, você volta e já tem a feira? Expedito: Já tem a feira, e a feira em 89, 4 anos depois, a feira já estava bem... estava pequena, mas estava evoluída né? Hoje ela está, vamos dizer assim, o triplo né? Você veja que ela, hoje, ela começa na Rua dos Alfenins, lá de baixo da Chegança e está terminando quase em frente à Cantina Veja, que é a Rua dos Pífanos; isso na Chegança. E da Chegança, cruzando pra entrar na Pastoril, ela começa na Chegança com a Pastoril e está terminando quase em frente à Rua dos Repentistas, que é a rua da Igreja Universal. Então, ela cresceu muito, até porque, por exemplo, se eu contar quando eu vim morar aqui, em 89, eu estou com 23 anos de conjunto, e nesses 23 anos, muita coisa se fez, em termos de comércio, cara! Luciano: E, assim, você veio em 89, e você já tinha quantos filhos aqui? Expedito: Em 89, eu já tinha os três. Luciano: E a idade mais ou menos deles? Expedito: A idade dos meus meninos em 89: o mais velho, que hoje mora em Mossoró, ele tinha 9 anos.

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Luciano: Aí como era então um menino de 9 anos aqui em Nova Natal, em 89... Escola, brincadeiras, como era isso? Expedito: Olhe, aqui eu não sei lhe dizer sobre escola porque por ironia do destino ele nem quis que eu viesse trabalhar aqui, porque quando eu entrei no Estado, eu já morava... Eu entrei no Estado em junho, e eu me mudei em janeiro. Aí quando eu entrei no Estado, eu procurei as três escolas... Luciano: Já tinha as três escolas aqui? Expedito: Já tinha: Miriam, Alceu Amoroso e Paulo Pinheiro. Não existia crisam, porque já veio em 97, 98, e Elizabeth também. Luciano: E nem o Amadeu, né? Expedito: O Amadeu já existia. Era um colégio do município e três do estado. Hoje, tem 5 do estado dentro da comunidade de Nova Natal, e tem os 2 do município, mais arredores, como Cidade Praia e etc., tem Josane Coutinho, os CMEI, né? Luciano: Aí seus meninos estudaram aonde? Expedito: Os meus meninos estudaram no Paulo Pinheiro. Mas meus meninos estudaram no Paulo Pinheiro já em 89: esse de 10 anos e esse de 9 anos. Luciano: E saúde, assim, como era? Se alguém ficasse doente, durante a noite ou durante o dia, e precisasse de um médico? Expedito: Aí não tinha, não, porque aquele posto de saúde praticamente era fechado, que hoje é o AME né? Mas não era lá essas coisas. Todo mundo sabe que posto de saúde não é 24h, é muito raro. Isso depende muito também do esforço do presidente do Conselho [comunitário], se ele busca, ele vê, se ele não busca... e pra ser presidente do Conselho tem que ter uma responsabilidade muito grande, porque só vem se eu cobrar, e pra “mim” cobrar... Pra ele, o governante, me dar o auxílio, eu tenho que me sacrificar, eu tenho que me gastar, eu tenho que passar fome, comer fora de hora. Luciano: - Essas crianças, seus filhos e os vizinhos e outros, como era a diversão delas? Como é que elas brincavam, na rua, como era? Expedito: - Rapaz, os meus não brincavam na rua, não, porque eu não deixava, não, e a mãe também não deixava. Luciano: - Mas não tinha assim um espaço, então nessa época, praça que você pudesse ir com as crianças...? Expedito: - Não, não tinha, não. A única praça que tinha era aquela da rua ????? era a única praça, e muita vagabundagem, e muita coisa, muita lâmpada queimada e ninguém ia; não tinha lazer. Quem tinha um lazer melhorzinho eram aqueles meninos que estudavam em escola particular, como você sabe a coisa é melhor, em vários sentidos. Quando você quer aprender, você aprende em qualquer escola, em qualquer meio, é a mesma coisa de “como é que eu vou sair daqui do povoado, de um

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assentamento, para o centro de Mossoró?”, não tem transporte, mas na hora passa uma carroça de burro e o cara lhe oferece uma carona. Então a mesma coisa é isso aí. Luciano: - Aí em 89, você veio morar e tal, essa redondeza já estava sendo habitada, né? O Gramoré já tinha sido construído, né? Expedito: - E quando eu vim morar, o Gramoré já existia porque minha irmã já estava morando lá também. Luciano: - Aí o loteamento Boa Esperança estava iniciando também? Expedito: - Iniciando não estava ainda. Como eu lhe falei ontem, em 89, quando eu vim morar aqui, ali era só mato, e em 2003, veja bem como é recente, em 2003, eu ensinava meu menino a dirigir dentro daquele loteamento. Como eu disse, 2 anos depois que eu estava aqui, entre 90 e 91 foi que começou a construir aqui, por sinal um colega meu, como eu lhe falei, foi um dos primeiros moradores e construtores dali daquele loteamento. A gente chama loteamento, mas na verdade não é loteamento, é comunidade! Se tiver um chão grande lá, “ah, é mato”, ninguém chama comunidade; mas na hora que eu faço um barraco lá, aí começa a chamar loteamento, mas na verdade o certo é chamar “comunidade”, quem mora lá é gente e não animal, mas o povo tem a mente atrasada, né? Luciano: Mas você chegava a ir pra lagoa, ali? Expedito: “Ah, fui muitas vezes”! Nesse tempo eu tomava uma caninha né? Bebia, fumava. Luciano: Aí como é? O pessoal ia no domingo? Tinha uma espécie de piquenique, essas coisas lá? Expedito: “Piquenique, cachaça, comida, pesca”. Porque na lagoa tinham os peixes de água doce e se assavam na brasa Marina: “Então o lazer que se tinha aqui era mais na lagoa mesmo?” Expedito: “Na lagoa azul”! E hoje é maior. Hoje tem balneário, tem bandas tocando. E é direto, sábado e domingo. Luciano: “Então aquelas bandas dali foi transformado nisso né?” Expedito: “Isso, foi, foi!” Balneário. Luciano: “Tem relatos de pessoas que, porque tinha mato né”? Aquela lagoa ainda tinha muito mato, as pessoas caçavam também por ali? Expedito: “Olhe, você agora me pegou”. Não me lembro disso, mas ao mesmo tempo me lembro porque quando eu vim morar aqui em 89 eu conheci um cara da PM. Ele hoje se aposentou, está morando em Serrinha, e a gente ia caçar. Então a única história que eu sei sobre caçar, era eu e ele no loteamento, ali onde hoje é construído o Conjunto Wilma. Luciano: “E aí você caçava alguma coisa pra levar pra lagoa e tomar uma?”

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Expedito: “É”! (risos) e era verdade mesmo Luciano: “O Wilma (conjunto) é mais recente?” Expedito: “É, eu acredito que o Wilma tenho sido construído, acho que, entre 98 a 2000” Luciano: “É aquele que fica próximo a Lagoa Azul?” Expedito: “É, no caminho da Lagoa Azul!” Você bebe, Luciano? Luciano: “Interessante, depois que eu tive o menino...” Expedito: “Não! Você não teve o menino, quem teve foi a sua mulher” Luciano: “É verdade. Depois que ela teve o menino, aí eu diminui bastante. E principalmente depois do dia que ele chegou em casa, aí eu estava bebendo uma cerveja, e aí ele disse que gostava porque eu estava mais alegre quando bebia. Aí eu pensei, assim, duas vezes. Puxei o „freio de mão‟ e eu fico mais assim. Bebo ainda, mas me policio mais. Porque como ele tá nesse período de formação, meus meninos um tem 13 e o outro tem 7, aí vê o pai muito alegre bebendo, aí já faz a relação muito boa de bebida e alegria e aí é um perigo. Diz uma vizinha minha, porque eu morei aqui na Zona Norte, que quem me salvou foi minha esposa” Luciano: “ Então uma das diversões das pessoas que moravam aqui era a Lagoa Azul. Tinha essa relação? Mais até do que ir pra Redinha porque aqui era mais fácil a questão de transporte...” Expedito: “Transporte... eu nunca fui à Redinha.” Luciano: “Iam famílias pra lagoa ou era mais a turma que...?” Expedito: “Não, iam famílias. Pessoas, casais, mulheres com seus maridos e filhos, nossos vizinhos. Aqui mesmo, depois que eu sai dessa casa, que eu morava lá embaixo perto da delegacia, ia muitas pessoas, eu ia muitas vezes. Eu deixei mais porque eu parei com a bebida, parei com o cigarro, graças a Deus, aí já fica um negocio que não tem muita graça né? Luciano: “Como era essa relação com os vizinhos, já que você falou dos vizinhos que saiam”. Porque você disse que tinha várias dificuldades né? As pessoas se ajudavam? Expedito: “Não, não, não. No trecho onde eu morava não! Não se ajudavam muito não. Não eram muito de irmandade um com os outros não.” Luciano: “E no período assim de... O conjunto Nova Natal tem uma particularidade, os nomes de ruas. Inclusive quem trabalhava na época nesse setor pra nomear ruas da COABH era um colega meu que ele disse que quando fez esse trabalho de nomear o conjunto, ele chamou Gurgel para colocar nome de foguetes populares, folclore. Como era, as pessoas de identificavam com isso ou estranhavam? Pra você que vem de uma família de cultura popular não devem ter estranhado tanto né?

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Expedito: “Não, não. Porque é o seguinte, eu gosto muito de obras. Gosto demais de obras. Desde a obra de alvenaria, seja obra artesanal, pra mim... adoro demais. Eu gosto de valorizar, aquilo que eu falei, a memória. Porque eu só posso fazer isso aqui se eu sou bom de memoria. Se eu não tiver memoria, eu não consigo. Posso ter tudo, ferramenta, material. Então, eu não estranhei não porque eu gosto. Pelo contrário, eu acho bonito. São tudo nome folclórico né? Como Patativa do Assaré, Chico Santeiro, Bambelô, Bambolê, Cantiga de Roda, Jurubebas, Mamulengo, Boca Lenda, Boi Tatá, Boi Misterioso e muitos nomes né? Eu acho bonito tudo isso. Aí você quer saber se as pessoas diferenciavam né? Não, não, eu nunca senti. Agora, recentemente, eu vi pessoas falarem, a geração mais nova.” Luciano: “E me diga uma coisa, Nova Natal aí vai surgindo esse entorno. Como as pessoas de Nova Natal viram esse crescimento? Assim, você sentiu preconceito? Aqui tem um lugar que o pessoal chama posses. Tem um certo preconceito de pessoas de Nova Natal com pessoas que moram... ou você não nota isso?” Expedito: “Eu não noto não, mas ao mesmo tempo eu noto, sabe? Porque existe aquela rivalidade. O pessoal não quer muito afeto, muita mistura, é um pessoal de Brasília Teimosa com Rocas. Não quer Santos Reis com Rocas e vice versa. Aí não quer Nova Natal. A rivalidade aqui é grande. Se uma banda tocar aí eles acabam com a festa, porque vem o pessoal dos loteamentos Jardim Progresso, Nordelândia, vem do Aliança, Cidade Praia, José Sarney, vem do Câmara Cascudo que é o Conjunto de Wilma, que o famoso Lagoa Azul é aí. Então tem uma festa com banda ali na Chegança, vem toda essa comunidade. Luciano: “Falando sobre a violência, de 89 aos dias de hoje, sente que mudou muito? Você se sentia mais seguro quando? Expedito: “Rapaz, eu sempre me senti seguro, porque me recuo de certas coisas. Não dá pra mim, eu estou fora, estou longe. Mas eu vejo aí que continua a mesma coisa, sabe? Bota uma banda ali pra tocar eles veem e acabam com a festa. Ai você diz, não mas é Grafith porque Grafith arrasta multidões, arrasta vagabundos. Não! Qualquer banda. Eles dizem que o governo não faz, mas se fizer eles acabam. O prefeito não faz? Faz sim, mas quem primeiro acaba com a festa são os daqui. É a minha comunidade que está acabando com a festa” Luciano: “Você conhece algum artista, pintor, cantor, poeta que more aqui nas redondezas? Você ainda faz música né? Expedito: “É o seguinte, eu deixei de gravar. Primeiro quem me dava a mão partiu né? Ele me ajudava, ele era o único que me ajudava, os outros não. Só me exploravam. Eu fiz quatro trabalhos, quatro volumes, eu divulguei o volume 2, tudo foi feito por Elino Julião. Eu coloquei 15 faixas, coloquei 11 faixas de Elino Julião, os bregas que ele fez sucesso, foram 11 faixas dele e 4 faixas minha. Um capa belíssima, toda bonitinha. Eu botei na Rádio Comunitária, você sabe que a rádio comunitária é pra divulgar os talentos da terra, utilidade pública né? E eles me cobravam. Eu pagava pra tocar. Eu paguei durante quatro anos, só tocavam duas faixas minhas, eram pares. De duas em duas horas, uma música minha. Eu escolhei a faixa 1 e a 2, a 3 e a 4. Mas era o meu trabalho, não era o de Elino Julião, mas eu precisava. Mesmo como cantor amador, eu precisava. Porque é uma coisa que tá no sangue, vem dos meus pais. Minha mãe, meu pai, Elino Julião meu irmão, meu sobrinho Jair Banda Show ex-banda Montagem, Elino Julião Júnior, Priscila Juliana, Banda Os Manos do

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Forró. Todos são sobrinhos meus. Com um ano que eu tinha entrado, meu irmão se foi. É a história da mão que se ajudava e eu fiquei sem mão. E eu investi. Naquela época, 2004, 2005, 2006 e 2007, juntando tudo eu investi mais de 10 mil reais. Eu dei fim a casa minha, a carro meu, era um sonho e eu não me arrependo não. É como meu irmão dizia, você não tem porque eu sou, eu fiquei muito triste. Ele disse não, levante a cabeça. Você tem que levantar a cabeça e mostrar que você é capaz. Deixa eu dizer uma coisa cara, quando eu gravei meu primeiro disco, eu fui divulgar ele com uma caixa de disco, que era LP, em frente a Rádio Nacional no Rio de Janeiro. O show era Abdias e seus 8 baixos, Marinês e Jackson do Pandeiro. Tudinho cantou, fez o show e vendeu, eu cantei duas horas no show, mostrei meu trabalho e caí em desespero, peguei os discos eu comecei a jogar pro povo, porque não vendi nada. Porque na verdade Elino só veio ser reconhecido perto de morrer, Elino só perdeu em vendagem em 77, e não sou eu que digo é a mídia, jornais que mostram, ele vendeu pouco mais de 1 milhão e meio de copias. Só com “Meu Cofrinho de Amor” ele vendeu 1 milhão e meio. E no forró foi o xote “Rabo do Jumento” isso vendeu muito, cara. Mas as rádios que não gostam de tocar duplo sentido, não tocaram, porque eles viam de outra forma, mas não tem duplo sentido. “Rabo do Jumento” é cantado por diversos nomes. Fágner gravou, Fátima Melo daqui de Natal gravou, Isac Galvão daqui de Natal gravou, Lenine gravou, cada um no seu estilo, e outros e outros. Abdias, Jackson do Pandeiro, Genival Lacerda, Marina Elali. Mas as rádios não tocam Elino Julião, só tem uma rádio daqui de Natal que toca Elino Julião, chama-se 98fm porque existe uma amizade entre Elino Julião e Riva Júnior, a raposa do Nordeste, todo dia de 5 as 8 da manhã e ele toca sempre Elino Julião. Não me conhece, não conhece a família de Elino. Se você sentar pra ouvir uma música de Elino, você vai ouvir uma música de Jackson, vai ouvir uma de Elba Ramalho, Zé Ramalho, Luiz Gonzaga e você vai ver a diferença, não é a música, é a letra. Porque o importante nisso aqui não é a capa é o conteúdo. Você entra no supermercado a mulher manda você comprar um quilo de picanha, aí chega lá o quilo de picanha está por cima da cabeça, a carne de segunda, se você levar o quilo de picanha, com o dinheiro da pra levar dois da carne de segunda. Mas como ela quer qualidade, você leva a picanha. Tem dinheiro pra pagar, é mais caro, mas eu levo né. Ela quer o conteúdo, ela não quer a quantidade. Luciano: “Você conheceu outras pessoas aqui de Nova Natal que tem esse contato, ou como artesão, artista?” Expedito: “Aqui é o seguinte. Eu conheço o chamado Rei Pop que agora, ultimamente, ele esteve na mídia né? O Rei Pop ele muito esforçado, caçou muito, procurou muito, em busca do objetivo dele, mas ele chegou praticamente onde ele queria, se não chegou ainda pelo menos ficou mais fácil. Porque é aquele velho ditado, o queijo e a faca. Ele tem o meio de comunicação, é uma rádio comunitária, conseguiu não sei como mas ele conseguiu, conseguiu o jornalzinho escrito e vive desse jornalzinho escrito e foi agora no Luciano Hulk, recebeu aquele carro e ficou mais fácil pra ele. Conheci ele porque andava nos estúdios piratas porque nunca tive condições de ir no estúdio de qualidade. Tem um estúdio daqui que eu ajudei muito ele, mas quando eu precisei ele não me ajudou. Eu queria 18 faixas e, a 5 anos atrás, ele me cobrou 2 mil reais. Luciano: “Essas rádios comunitárias que você falou que saia peregrinando pra botar as músicas, eram rádios comunitárias aqui do bairro?” Expedito: “Era, era.” Luciano: “E ainda funcionam essas rádios?”

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Expedito: “Não, não. Aqui em Nova Natal não funcionam mais a 97fm, não funciona mais. E eles tem por dever e por obediência que colocar uma mesa de som que ele coloque 25, mas eles colocam acima de 25 e a Anatel não permite. Aí fecham as rádios comunitárias. Luciano: “Lembra que era o responsável por essas rádios?” Expedito: “O responsável pela 97fm era um que chamava-se Lúcio. Mas ele não tá mais com rádio. É aqui de Nova Natal mesmo, chamado Lúcio” Marina: “E isso era em que época, mais ou menos?” Expedito: “2005, por aí” Marina: “E antes não existia rádio comunitária?” Expedito: “Se existia, eu não tinha conhecimento não, porque eu vim ter conhecimento quando eu comecei a aprontar meu produto e eu queria mostrar né? Mas nessas rádios aqui eu não paguei não. Cheguei a pagar na rádio de um cara chamado Sobrinho, ali no loteamento Aliança. Tinha toda estrutura pra rádio né, a justiça que não deu liminar a ele, porque era rádio comunitária, mas tem muita estrutura. E ele atinge os 4 litorais, vai longe, é mais de 50. Na verdade a Anatel só aceita 25. Mas 25 só atinge aqui em Nova Natal, Pajuçara, Gramoré, Santarém. Luciano: “Aqui em Nova Natal tem algum grupo de arraia que se apresenta?” Expedito: “Olhe, tem o do „pingo de gente‟ que é de escola. E tinha outros arraia que eu não sei se ainda existe porque praticamente acabaram. Tem companhia de dança que é a Remix que já faz mais de 10 anos ou mais um pouquinho.” Marina: “Eu estava lembrando aqui de uma coisa. Voltando um pouquinho mais no tempo, a questão das enchentes. Tinha muita enchente por aqui? Você sofreu muito com isso?” Expedito: “Tinha. Aqui em Nova Natal não. Mas quem sofreu foi o pessoal do loteamento José Sarney que por sua vez encheu né, invadiu, e essas pessoas foram realocadas pra Escola Estadual Pinheiro.” Marina: “Aqui em Nova Natal nunca teve não?” Expedito: “Não, não. Nova Natal não. Só no loteamento José Sarney.” Marina: “E também a questão de água, luz? Como era no início da construção?” Expedito: “Sempre foi normal. Começou com tudo em dia já. Agora, teve sim em 89 uma falta grande (de água) que eu fui um dos tais, eu, meu filho e os demais, que a gente saiu de Nova Natal pra ir pro Lagoa Azul pra pegar água na Lagoa Azul. De Nova Natal, o conjunto, lá pra lagoa pegar água é uma tirada grande. E muita gente se lembra disso. E a nos tínhamos duas lagoas. Primeiro pra alvar roupa, a gente saia daqui, pegava a roupa aqui de Nova Natal e quando não ia pra Lagoa Azul ia pra lagoa do Gramoré aqui” Luciano: “O pessoal ia lavar roupa lá?”

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Expedito: “Lavar roupa e trazer água também. Isso foi mais ou menos em 90 e 91 que a comunidade teve que ir buscar água” Matheus: “Só pra repetir uma pergunta que fizemos em outras entrevistas. O que tem de positivo pra morar aqui, hoje, na sua visão?” Expedito: “Na minha visão, pra se morar? Olhe Matheus, sinceramente falando, vou lhe dizer que pra mim não tem nenhum. Vou voltar aquilo que eu falei no início. Estou aqui por ironia do destino, eu não sonhava nem em morar aqui. Eu nunca gostei daqui, mas o Deus que trabalha pra nós é o que diz assim „eu vou levando a vida andando‟. A gente é quem leva a vida e essa vida quem nós da é Deus. Eu quero um objetivo, eu vou estar aqui, sim, vou batalhar porque Deus me permite. Eu estou aqui por ironia do destino. Não fazia planos, não fazia planos de comprar, Deus me mostrou na época o dinheiro de comprar e só dava pra comprar aqui. E voltando de lá pra cá, eu ainda estou aqui pela questão do meu trabalho, porque da minha casa pra cá é um pulo, acho que dá um minuto. Então o que eu lhe falei, o que me segura aqui é meu emprego e minha comadre que gosta daqui. Eu, sinceramente falando, não gosto da comunidade não. Não é a comunidade, é o ambiente de moradia. O que deixa mais a desejar aqui pra comunidade, na minha visão, é o meio de transporte. É a questão de faltar professor nas escolas. É a questão do transporte, é péssimo cara, é péssimo. É inadmissível.”

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4 - ENTREVISTA COM FRANCISCO DE FRANÇA

[Na manhã do dia 18 de outubro de 2012, reúne-se, no Conselho Comunitário de Nova Natal, no bairro de Lagoa Azul, a equipe do programa Memória –Marina e Tyego –, juntamente com Francisco, morador do conjunto de Nova Natal]. [O entrevistado, por vontade própria, já inicia os relatos antes dos questionamentos dos entrevistadores] Francisco: Em 2003, 7 de Janeiro de 2003 a dificuldade do transporte era grande, né. Ia pegar lá em Soledade, depois foi lá [?], o transporte era ali. No terminal lá na [?] e no período de 2006 foi que o terminal do [?], né... Onde agente fez a rota do ônibus todinho, né? Eu lembro na época era [?] e a gente fez todo o roteiro, rua por rua, onde ia passar... Nessa época funciona também a feira livre, né, não sei se vocês já falaram alguma vez na feira livre. E daí por diante começou, né. Esse desfile cívico faz 28 anos. Nós fizemos também a Igreja Católica que o primeiro padre foi padre... [alguém comenta “Thiago?”, ele responde “Não, não foi padre Thiago não.”] Marina: Mas esse desfile cívico que você fala é o do 7 de setembro, né? Francisco: É. Hoje acho que é o maior desfile que nós temos. Nós temos 30 escolas, cavalaria desfilando, policial militar, era pra vim o helicóptero, mas infelizmente, na hora, houve uma operação e ele teve que estar lá. O major ficou preocupado, mas não deu pra vim, né. Escolas vocês sabem quantas tem, né? Marina: É, na verdade o que a gente queria saber mais era assim... Primeiro eu queria o nome completo do senhor. Francisco: Francisco Januário de França. Fundador da Associação de Amigo, 2006. [O entrevistado fala com alguém “Luzinete, alô, qual foi o primeiro Padre daqui? Padre José, né?” Então confirma que foi o Padre José]. Marina: Sua data de nascimento? Francisco: 06/06/1950. Cheguei em Nova Natal em 07/01/1983. Marina: E como foi, mais ou menos, essa sua chegada aqui? Francisco: Foi difícil. Nós chegamos aqui era [?]. Tinha um Toyota carregando a mercadoria, a mercadoria que eu digo era a mobília, né? Porque só era areia e a dificuldade foi grande de chegar, mas chegamos. Chegamos na Rua das Bandeirinhas, de número 3023. A família de 7 pessoas, eu, minha esposa e mais cinco filhos. E demos continuidade a nosso trabalho aqui no Conjunto Nova Natal. Em 2003 fundamos a Associação de Amigo, que hoje ainda funciona lá, eu como presidente fundamos a associação. Participei também do Conselho Comunitário, diversas vezes com Poti, com Edson Carvalho. Participamos do Conselho Comunitário, exemplos do nosso trabalho, temos a feira livre, trouxemos o primeiro telefone para cá, e muitas coisas que a gente se movimentava muito...

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Cursos, eventos realizados. A gente realizou no lazer: a cidadania naquela época, a escolha da garota verão, dia internacional da mulher. Tyego?: O senhor chegou aqui para morar em 83, mas o senhor morava aonde antes? Francisco: Eu morava em Cidade Nova. Tyego: Como foi a mudança? Você sair de um local mais central em Natal e vim para um lugar mais... Marina: Como você adquiriu essa casa? Francisco: Essa casa eu adquiri porque eu me inscrevi em um terreno, para receber um terreno para... Eu morava em Cidade Nova em casa alugada e trabalhava, em 1980, de vigilante na [?] e fui transferido. Fiz um curso, fui trabalhar na SUDENE, um órgão federal. Quando chega em 82, aí o superintendente da SUDENE na época disse: “Vamos fazer o seguinte, já que nós temos um conjunto lá pra banda da Zona Norte, seria melhor você tirar logo a casa ou esperar?”, eu disse “Não, queria tirar logo a casa”. Aí através dele eu consegui o embrião, não era uma casa era um vão. Então toda a minha família eu coloquei nesse embrião, já que pagava aluguel. Saí de um aluguel, pagava dois aluguéis lá. E vim morar, mas muito imprensado, né? Um embrião para 7 pessoas... E daí fui aumentando a casa, né? Fui fazendo a [?], aumentando, o quarto, a sala, depois a cozinha, [?]. Hoje já da pra morar [?], que a família cresceu. Todo final de semana é muita gente lá em casa fazendo churrasco [?]. Então minha vinda foi essa, foi muita boa, essa minha vinda pra Zona Norte, gostei muito. Amo Nova Natal, sou sincero e se dissessem... Minhas filhas sempre dizem assim “Pai vamos sair daqui. Vamos alugar um apartamento, vamos comprar um apartamento”, eu digo “Minha filha, vocês aluguem um apartamento e vão morar pra lá que eu vou terminar meus dias de vida aqui em Nova Natal”; porque eu me dediquei muito à Nova Natal, prestei serviço a Nova Natal. O pessoal é ótimo, eu gosto muito do pessoal de Nova Natal. Às vezes a gente ver que tem muitos jovens que se perdem, mas sempre aquele carinho com eles. Em 1983 eu entrei para a Igreja Católica, aonde fez mais eu ser carismático “pelo” povo. Em 1985 eu entrei na pastoral familiar, onde eu fui trabalhar desde a gestação até [?], dando palestra. Então foi esse meu trabalho aqui em Nova Natal. Quando eu deixei a associação, por motivos de trabalho, não tinha mais força, ficou o estatuto lá em casa, mas aí com o tempo Sebastião Penha, Rafael, ia fazer uma associação... Aí eu disse para ele “Sebastião, eu tenho uma associação e tá registrada. Está tudo bonitinho, se você quiser botar pra frente...”. Ele disse que queria. Nessa época o prédio era da Banorte, tinha ainda a [?]. Quando ele me chamou para ver novamente o pessoal estava destruindo o outro prédio da Banorte, já tinha tirado um bocado de coisa, janela e tudo. Ele foi na minha residência e me pediu que nós não deixássemos acabar mais com o prédio. Nós viemos lá, seguramos esse prédio, fizemos alguma coisa, chamamos o pessoal, e hoje esta aí a associação de amigos. Quando foi no mesmo ano a presidente do conselho não aceitou o prédio ser da associação, mas a equipe foi a Banorte e passou o prédio a associação... que o prédio não é do conselho é da associação. Então o prédio do conselho hoje são três, esse aqui e mais dois. E aquele prédio hoje é da associação. Uma luta da gente, uma luta do povo, da população. E “nos vem” assim, a cada ano mais crescendo; Nova Natal, é por isso que eu amo Nova Natal, que cada ano vem crescendo. Um povo muito bonito, que a gente sabe que no meio de muita gente vai ter pessoas diferentes, né? Que não gosta daquilo, que quer destruir... Mas a maioria é hospitaleira. E o que nos podemos fazer por Nova Natal a gente vai fazer, buscar... Hoje tem uma presidente, né? A presidente eleita do Conselho... E o que a gente puder buscar para dar de informação necessária para vocês a

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gente da todas as informações. Porque de 83 para cá muita “água rolou”, né? Coisas boas aconteceram, mas também a gente sofreu muitas coisas. É, na época eu me lembro que aqui houve muito sofrimento também, que o pessoal [?]. Depois veio mais transporte para cá, veio a riograndense, hoje falida, né. E assim a gente buscando... Depois houve uma associação para os comerciantes, foi muito boa. Instruiu muito no começo de Nova Natal essa associação, mas o tempo vai passando, uns vão vigorando de sorte, outros não querem mais assumir... Foi por água abaixo essa associação não existe. Então, o comercio daqui é muito grande, acho que é o segundo da Zona Norte, tirando o de Igapó. A feira, acho que a segunda feira, tirando a do Alecrim... Então vocês vejam a dimensão de Nova Natal como cresceu. Hoje eu estou fazendo aqui um levantamento, um trabalho de rua, vou fazer um levantamento que eu estava esperando ser depois... um levantamento de tudo quanto houve na sua rua. O que existe na sua rua? Existe gente que formada, advogado... o que for. Existe menino que vai a sala de aula, existe idoso, quantos existem, o que esta precisando, qual o comercio que existe, qual a função do pessoal, um monte de coisa... esse pessoal vai passar esses dados para o conselho. Para ele ver quantas Igrejas tem, quantas padarias, quantas farmácias... Isso aí eu vou fazer o levantamento ainda esse ano. Todas as 134 ruas. Cada rua vai dizer para mim o que tem [?]. Então esse é o trabalho que eu estou tentando realizar agora nesse final de ano. Por isso que eu estava esperando vocês virem depois, mas chegaram... aí quando meu menino disse “Pai, os meninos já chegaram”. Eu ia fazer todo o levantamento, porque se fizesse esse levantamento... A pessoa mais velho que chegou aqui, quantos filhos tem, quantos casados... Todo esse levantamento a gente vai fazer. Mas quem sabe que daqui pra lá eu já não passo tudo isso pra vocês. Perguntam mais alguma coisa? Marina: Então, para você falar também das dificuldades de saúde... Como era essa coisa da saúde.. Quando o filho adoecia a quem vocês recorriam? A educação também... Esses serviços básicos. Francisco: A educação em Nova Natal, nunca foi muito precária não. Nó sempre tivemos colégios. Agora saúde, nós tínhamos um posto de saúde que era muito precário, meu Deus. A dificuldade era grande. Para você ver... Para ir ao médico, como chegar lá... [?]. Aquele dia que você veio com as crianças ao médico, o médico estava doente não vinha... retornava para marcar... Meu Deus, era um sacrifício! Um sacrifício grande. E outra coisa, o pessoal quando chegou aqui era um pessoal muito pobre. Cadê dinheiro para o transporte? Era um sacrifício. O pessoal sofreu muito para chegar aqui em Nova Natal. E vou dizer uma coisa, Nova Natal hoje está de parabéns, mas a chegada desse pessoal aqui era horrível. O ônibus para levar esse pessoal daqui a porta traseira nem a dianteira fechava. Não fechava! Porque essa dificuldade? A saúde, você ia a um posto desse tirava uma ficha e esperava 30 dias. Com 30 dias você pegava sua criança, ia lá na Ribeira aonde quer que seja, consultar o seu filho. Ai já tem esse ônibus para você pegava [?]. Quando chegava lá diziam “Olhe o médico está doente, não pode vim. Retorne para lá remarque sua ficha de novo”. Veja a dificuldade... Quantos não sofreram aqui em Nova Natal... Por isso que quando você falou nisso aí, nos fizemos essa Associação de Amigo para ver o que nós poderíamos fazer. Porque a Associação de Amigo é para isso, para ajudar. Se você não tinha o dinheiro da passagem nós ajudávamos. Quantas e quantas casas a gente fez o muro, a gente aumentou o espaço para a Associação de Amigos... Não era ninguém, era a gente mesmo. [?] um remédio que você não podia comprar, fazia aquele mutirão... Quanto era o seu remédio? Era 30 reais... a gente saia e comprava. Como você era pobre não podia mesmo na época, a gente ia lá comprava o remédio para seu filho, para sua mãe, para seu pai, para seu irmão, para sua sogra, para seu sogro. Então o sacrifício foi grande e essa associação foi para ajudar o pessoal.

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Marina: E a associação surgiu em? Francisco: 1986. Marina: Com relação a esses problemas das cheias... aqui em Nova Natal você sofreram muito? Porque a gente sabe que em Gramoré sofreram, Cidade Praia também... Francisco: É Cidade Praia, Gramoré sofreram mas nós não, porque nós [o entrevistado interrompe e diz que vai procurar algo]. Nós não tinha esse sacrifício. Sofria porque via nossos irmãos sofrendo, né? Mas a gente mesmo, Nova Natal não. [ O entrevistado volta com algo na mão e começa a folear]. Marina: Isso aí é o que? Francisco: Isso aqui é o da fundação. Isso aqui era um projeto. Isso aqui foi no desfile do ano passado que a gente fez... Mas foi 22 de dezembro de 2006, foi fundada a associação. Marina: O prédio da associação, mas... Francisco: Não, a associação. [???]: No papel. Marina: Sim, no papel mas antes dela vocês já faziam... [???]: Tinha o planejamento.. Ajudava o pessoal. Marina: Desde o inicio da formação... [???]: Só que a associação nasceu para... Francisco: Aquele prédio ali já foi de 1996/97. Que funcionava onde era o primeiro prédio, né. Funcionava com o conselho comunitário. Ele abria espaço para a gente trabalhar com eles lá. Graças a Deus nós fomos nos estruturando e tem um prédio hoje da associação. Tyego: Em que ano o senhor começa a fazer parte do conselho comunitário? Francisco: Comecei em 1992. Tyego: Como parte do conselho como vocês viam a formação de loteamentos próximos a Nova Natal? Francisco: Muito precário mesmo porque todo esse loteamento dependia de Nova Natal. Como ainda hoje depende. Quer dizer, qualquer coisa que [?] aqui depende de Nova Natal. A gente já naquela época era pequeno mas de qualquer maneira já corria para Nova Natal. Por isso que a gente agradece até esse loteamento pelo crescimento de Nova Natal. Eles vinham para que Nova Natal resolvesse os problemas deles e por isso aí foi crescendo. Se eu tenho um comércio aqui e o dali vem para cá meu comércio vai crescer... Por isso que Nova Natal hoje é o centro dessas comunidades todas. Hoje se precisa de um medicamento qualquer coisa de pesquisa, corre para Nova Natal. Então desde essa época que Nova Natal já trabalhava com esse povo, né? Todo esse pessoal dependia de

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ônibus, de uma feira, de supermercado, da farmácia, de tudo de Nova Natal. Aos poucos a gente foi formando esses comércios, essas farmácias... Porque esse pessoal já [?] é como eu falei, ir a cidade era difícil porque o ônibus já ia com as portas abertas. Então, se você colocasse um comércio por pequeno que fosse você ia ter êxito porque o pessoal vizinho ia comprar. Então esse crescimento de Nova Natal também foi muito as vizinhanças aqui, esses loteamentos. [?] Os presidentes sempre foram unidos com eles, por isso, porque o crescimento de Nova Natal... Eu também. Marina: Então o conselho comunitário de Nova Natal e a associação de amigos tem alguma relação com os outros conselhos dos outros loteamentos como Boa Esperança, Gramoré? Francisco: Sim, nós trabalhamos muito unido, sempre se comunicando uns com os outros, certo? A maior dificuldade que a gente teve para trabalhar até hoje foi com a presidente do Câmara Cascudo. Mas José Sarney, [???], Boa Esperança, Gramoré, Gramorezinho, que faz parte de Lagoa Azul, nó temos um relacionamento ótimo mesmo. Marina: E dessa união de vocês, desse relacionamento, já surgiu alguma coisa em prol... Assim todos os conselhos comunitários, todas as comunidades mesmo, eles já se uniram e formaram alguma coisa maior em prol do conjunto mesmo, de Lagoa Azul? Francisco: Sim, o que mais nós nos reunimos e lutamos muito foi por esse viaduto aí, essa passagem aí que era aberta, e todos os presidentes do conselhos foram em uma área só. É tanto que nós tivemos uma reunião com o chefe de gabinete, que era [???] e a prefeita estava viajando. Então eram todos os presidentes com um objetivo só, que era ver as melhoras. Se melhorasse [??? – 22:00]. A gente fazia reunião Nova Natal, a gente fazia reunião com todos os presidente de Lagoa Azul, depois a gente teria com Cidade Praia e assim por diante. A gente se reunia com o presidente de cada comunidade. O trabalho da gente era esse. Não aqui Câmara Cascudo. Eles nunca participaram de nada, era sempre contra a esse grupo da gente. É tanto que nessa reunião com o secretário ela se alterou muito e disse que não vinha nada para Câmara Cascudo. E citou Nova Natal como um exemplo, que as coisas que vinham muito para Nova Natal. Aí eu disse “Primeiro você sabe muito bem que eu fiz muitos convites a você para participar conosco, você quis trabalhar isolado... E a pessoa trabalhando isolado fica mais difícil de as coisas irem. Com essa prefeita já é difícil e ainda mais você trabalhando isolado”. Mas com resto não, a gente nunca teve dificuldades, fazemos eventos e convidamos uns aos outros, eles vem participar, me convidam e eu estarei lá. Reunião também. Os presidentes de Lagoa Azul trabalham muito unidos, é tanto que eu estou [???]. Tyego: O senhor falou de eventos realizados pelo conselho, como na historia de Nova Natal, no conjunto lagoa Azul foi essa parte de eventos? Lazer, festas... Francisco: Olhe, sempre a diretoria se reunia ia ver o que era de melhor e esses eventos a gente distribuía as tarefas para ver se dava certo. Todos os ventos são assim, até hoje. Quando vai haver o maior evento, que é o desfile cívico cada um tem suas tarefas. É determinado [???]. Todos os eventos estão dando certo porque nós trabalhamos dessa maneira, para que tudo de certo. E quando termina sempre fazemos a confraternização para [???]. Sempre quando termina agente tem os agradecimentos. A gente no final do ano planeja o que vai fazer no ano seguinte. A gente ano passado passou dois dias planejando o que ia fazer, como fazia. E esse ano vamos fazer já o de 2013. Para ver se as coisas andam dessa forma. Qual evento que pode acontecer? Dia das mães, dia dos pais.. quem vai ser responsável por isso? É dessa maneira que a gente faz.

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Marina: E com relação à Lagoa? A própria lagoa Azul, como era que vocês aproveitavam, se divertiam ali? O próprio morador mesmo. Saindo um pouco dessa parte do conselho. Francisco: Nós vamos voltar em uma coisa muito bonita, que faz parte da minha família. Quando eu morava ali era um povoado. O lazer dos meninos era aquilo ali, né? Subia lá em cima daqueles morros e era até lá em baixo correndo. Quando chegava em casa tinha gente todo lambuzado. Então era o lazer que nós tínhamos na juventude. Mas foi importante, isso aí fez com que a gente tivesse essa memória, essa lembrança toda de como começou Nova Natal. Era um morro grande, então lá que o povo se divertia. Chegava dizendo que ia na casa do vizinho e não ia, né? Ia para lá ter o lazer deles. O lazer daqui naquela época era isso. Não tinha uma quadra de esporte, não tinha nada. Só tinha areia... E outra coisa, que foi bonito, que se uniram muito naquela época. Os vizinhos, aqueles meninos se uniram, que era a brincadeira deles. E eles mesmos convidavam para ir para lá escondido dos pais e das mães, quando chegava em casa sujo tomava banho para ir a escola. Então o lazer desse pessoal em Nova Natal foi muito bonito, muito bom. E muita vaga para currais... [???] Tyego: E a lagoa? Vocês frequentavam muito a lagoa também? Francisco: O pessoal frequentava muito a lagoa, né? Naquele tempo também muita gente ia pescar, tinha um peixe muito pequeno na época que chamava até Tapacá. O pessoal ia muito para a lagoa, de manhãzinha tomava seu café da manhã [???]. E as coisas foram assim, o começo de nova Natal foi isso, muita gente ia para a lagoa. Ia pescar, tomar um banho. [???] O lazer deles era para lá, né. Os pais as vezes ganhavam pouco mas era [???] Só família mesmo, hoje não é recomendado nem o pai ir só, quanto mais com filho. Antigamente não fazia medo, em 1985/86 não fazia medo, era a lagoa mesmo. Isso ali em dia de domingo fiava cheio. O lazer da família, né? Tyego: E em comparação com o lugar que o senhor morava, aqui nesse sentido era melhor porque tinha esse lazer ou...? Francisco: Não o motivo que era melhor para mim é porque eu sempre fui um cara que tinha os “fazeres”. Quando eu morava lá em Cidade Nova eu tinha um aluguel de bicicletas, uma casa de pesca, uma casa de ajeitar bicicleta. Então meu espaço era pouco. Aí os meus meninos já pegavam os outros, que eram pequenininhos, já pegava a bicicleta e iam lá para depois de Cidade Nova, aquele rio... O rio Pitimbu. Aí eu era do meu trabalho para casa. Depois que eu acabei tudo lá e vim para cá é que eu ia ali para... Mas lá mesmo eu era muito ocupado. O meu lazer era trabalho. Cheguei aqui não tinha nada, não conhecia ninguém, aí tive que trabalhar para sustentar minha família, pagando aluguel... Aí foi isso até chegar em Nova Natal. Marina: Com relação aos sentimentos dos moradores. Assim vocês por serem do conselho tem esse sentimento que Nova Natal esta inserida em Lagoa Azul e que tem a comunidade... Mas os moradores, como eles pensam? Eles se sentem pertencentes mais a Nova Natal do que a Lagoa Azul? E como é também a questão, por exemplo, se existe alguma rivalidade entre Nova Natal e Gramoré, ou Nova Natal e Nortelândia? Tem aquela coisa também que o pessoal chama de “poses”... Francisco: Não, nós não temos rivalidade não. Até porque, como eu disse a você, quando a gente tme um conselho que os presidentes são unidos não tem rivalidade... Marina: Mas eu digo assim, saindo do conselho, os moradores em si.

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Francisco: Os moradores em si, né? Porque nós precisamos... É que nem eu falei para você, aonde existe o ser humano existe a bondade e também existe a desistência, né. Pessoas que se apresentam querendo ser melhor do que você... Mas, isso aí a gente vai levando no tempo... Muitos problemas assim não temos não. Agora, muitas coisas nosso bairro forte, porque? Porque as vezes acontecem em Câmara Cascudo, acontece em Nortelândia, aí o pessoal “Nova Natal”. Isso aí o pessoal usa muito. “Houve uma morte assim em Nova Natal”, mas não é em Nova Natal... Isso aí existe muito. Mas a gente respeita, porque o pessoal tem tanto respeito com Nova Natal que a gente não pode fazer nada. A gente não pode fazer nada por esse povo... Mas não é em Nova Natal. Muitas coisas que são ruim, lá fora eles falam de Nova Natal, mas não é. A gente recebe com todo carinho e todo respeito com o pessoal. [??? 33:26]. Tyego: Comércio. O senhor falou que agora Nova Natal, tirando Igapó é o segundo maior comércio da zona norte. Mas como foi a formação desse comércio? Foi porque era muito distante? Ou foi algo espontâneo mesmo? Francisco: Foi o que eu falei anteriormente, como nós aqui somos distante o pessoal se dedicava demais a Nova Natal. Como houve também a associação dos comerciantes aí foi crescendo. Foi crescendo, graças a Deus, da maneira que está hoje. Por isso que eu digo, a gente sente muito, Sarney, Cidade Praia, Nortelândia, Boa Esperança, Câmara Cascudo. Por esse motivo, né. Hoje Nova Natal sente. Se sair uma pessoa “dali” ela vem para onde? Para Nova Natal. Se tiver alguma feira ele não vai ao Alecrim fazer a feira, vem à Nova Natal. Porque hoje os comerciantes [???], que com o empenho de cada, com os esforços de cada um e a ajuda das comunidades vizinhas, cresceu Nova Natal. O crescimento de Nova Natal foi muito grande. Não só foi em Nova Natal isso. É como eu estou dizendo, do jeito que as coisas ruins [???] porque as coisas boas também vieram. Nova Natal tem um comercio muito grande por esse motivo. Porque se você for ali em Cidade Praia você não vai ter uma farmácia grande, um supermercado grande. Em Nova Natal nós temos tudo isso. Agradecendo também a vizinhança, que vieram para Nova Natal com esse crescimento. Muita gente, graças a Deus, subiram no comércio através da vizinhança. Tyego: Agora falando mais um pouco de Igreja, religião. O senhor é católico? Francisco: Sou católico. Tyego: E como morador bem antigo, como o senhor viu as mudanças? Igreja católica, Igreja evangélica... Se tem outras religiões afro, essas coisas. Francisco: Eu respeito outras religiões porque onde existe a palavra de Deus eu respeito. Como respeito qualquer pessoa. É tanto que nessa nossa festa eu coloquei um ato ecumênico. Porque? Porque é coisa de Deus. Marina: No desfile? Francisco: Não, nos 30 anos de Nova Natal. Convidei todas as Igrejas para ter um ato ecumênico. Eu coloquei porque respeito cada religiões, acho que cada um é aquilo que ele é. Acho importante esta ali na sua igreja, orando a Deus. Tenho um respeito muito grande por elas e sei que a nossa Igreja Católica perde muito porque nós que fazemos a Igreja Católica somos mais acanhados em evangelizar o povo lá fora e o evangélico não, ele pega [???] e acolhe mais gente. Mas com todo

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respeito a Igreja evangélica, os pastores gostam muito de mim. Às vezes eu como presidente vou lá e eles me recebem muito bem. Marina: Mas com relação a formação das [???], como foi? Como aconteceu? No inicio tinham poucas igrejas depois foram aumentando... Como foi esse processo? Francisco: A nossa igreja quando começou, a Igreja Católica vindo aqui, começou com eles em baixo de uma tenda com o Padre José. E aí foi formando, né? E daí para cá como todo canto hoje, se você viajar pelo interior você ver, que a Igreja evangélica cresceu muito. Aí foi crescendo. Se você for ver hoje em quase toda rua, as 134 ruas que tem em Nova Natal, eu acho que tem na faixa de umas 70 igrejas evangélicas. Fazia uma igreja aqui, dava para fazer outra igreja “aculá” “Vamos fazer porque fica mais perto da população”... Não da maneira como eles trabalham, né? Como na Igreja Católica que só tem uma em Nova Natal, tem a comunidade da igreja católica. Eles não, as igrejas deles evangélicas tem todo tipo de evangélico, né? Não sei quantas qualidades tem. É por isso que cada um tem direito. Tyego: E a participação dessas igrejas na comunidade? Eles fazem muitos projetos sociais? Francisco: Muitos projetos, eles fazem. Todas as igrejas tem projetos. [Um carro de som de campanha política atrapalha o entendimento] tanto a evangélica quanto a católica tem muitos projetos. Marina: Bom, então a gente termina por aqui. Agradece ao senhor e vamos ver se a gente mantem esse contato.

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5 - ENTREVISTA COM LUIS HENRIQUE LAMPREIA JÚNIOR

[Na tarde do dia 27 de julho de 2012, reúne-se, na ONG Fé e Alegria, no bairro de Lagoa Azul, a equipe do programa Memória – Luciano, Gabriela e Matheus –, juntamente com Henrique Lampreia, morador do loteamento Boa Esperança]. Luciano: Seu nome completo, data de nascimento... Lampreia: Luís Henrique Lampreia de Souza Júnior. 30/07/1989 Luciano: Como é que você chegou no Boa Esperança? Lampreia: Primeiro eu vim morar em Nova Natal. Eu passei cerca de 14 anos morando em Nova Natal, depois eu me mudei para Boa Esperança já em 2007. Morava bem perto da Av. Chegança. Cheguei em Nova Natal mesmo no final de 93 e início de 94, morava no Alecrim antes de vir pra cá. Luciano: Você sai do Alecrim e vem para Nova Natal. Você vem para Nova Natal com quantos anos? Lampreia: Eu vim com 3 para 4 anos. A família da minha mãe é de Nova Natal, foram uma das primeiras que chegaram aqui, não tinha nada, era deserto mesmo. Anos 80... Pouquíssimas casas em Nova Natal em si. Luciano: Você chegou em Nova Natal e veio morar...? Lampreia: Na Rua do Xote. Luciano: A tua infância é em Nova Natal, né? Fale um pouco sobre sua infância. Lampreia: O que marca, nesse momento, nessa idade é que eu passava pouco tempo em Nova Natal, eu vinha para dormir, basicamente. Meu pai trabalhava fora, pelo Alecrim também e eu estudava no Alecrim. Eu ia de manhã e voltava de tardezinha, então, é no final de semana que eu tinha tempo para sair com os meus amigos, ficar na rua, pelo bairro mesmo. Então, aos poucos e com o tempo é que eu vou me mudar, vou sair da escola que eu estava e vou começar no Miriam Coely. Eu tenho uma recordação maior aqui do bairro a partir daí, de 96 para 97 é que eu começo a estar pelo bairro mesmo. Luciano: Você começa a estudar no Miriam a partir de que série? Lampreia: 5º ano, 4ª série... aí eu estudei a 4ª, 5ª e a 6ª série no Miriam, passei 3 anos no Miriam e depois eu fui para uma escola particular do bairro, passei dois anos lá no Ensino Médio e voltei. Na verdade, eu não ia voltar para o Miriam, eu ia para o Carlos [?] Pinheiro, no Alecrim. Só que eu não me adaptei, apesar de já estar no 1º ano, aí eu fui para o Nestor [Lima] e também não deu certo. Ai eu disse: “Eu vou voltar, porque o bom filho a casa torna” [risos], aí eu fui para o Miriam Coely e foi quando eu terminei o Ensino Médio.

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Luciano: Essa fase de infância, com essas idas ao Alecrim... era só dormir no conjunto, né? E essa criança no final de semana fazia o que? Lampreia: Então, o campo atrás do Miriam era o local, né? Era o point. Não era murado, não tinha grama, não tinha nada, era um campo de areia e era sempre aberto à população o tempo todo, aí era pipa, polícia e ladrão... Enfim. Na época era o começo de Boa Esperança, o início de José Sarney, né? As crianças vinham de todo lugar para brincar ali. Luciano: Então ia outras crianças, que não era do Nova Natal pra lá? Lampreia: Isso. Era o ponto, realmente. Você tinha outros pontos espalhados, mas eu acho que por ter mais espaço e também as condições climáticas, o pessoal ia soltar pipa no campo, agora, no mês de agosto, daí já tava começando. Luciano: Você falou dessas crianças que vinham de outras comunidades que estava começando a surgir com o Boa Esperança, do loteamento José Sarney... Os adultos passavam alguma impressão pra vocês das crianças dessas comunidades, ou não? Lampreia: Tinha aquele estereótipo, né? Apesar de não ser um conjunto de classe média alta, de jeito nenhum, mas sempre teve em Nova Natal que o pessoal que era mais organizado, e as crianças que vinham desses outros conjuntos elas não [...?...] dos pais das crianças do Nova Natal em si, deixar brincar com aquelas crianças dos arredores, isso durante muito tempo. Hoje eu não estou mais no meio, não sei como funciona, mas quando eu tava nesse meio havia isso: “Ah, fulaninho é do José Sarney” aí “Vish, não vai falar com ela” havia isso, ainda há normalmente nos próprios adultos, não só com as crianças. Ainda há: “Vou pra tal lugar e vou passar pelo Sarney” o pessoal já fica um pouco angustiado até: “Vish, vai passar no Sarney? De que horas? Vai passar no Boa Esperança? Em que lugar?”. Há muito disso, mas eu acho que é questão de estereótipo mesmo. Claro, a gente tem problema de educação, de segurança pública, mas eu acho que é mais a questão do estereótipo dos lugares. Na época eu lembro que meus pais me perguntavam: “Com quem você está brincando?” e assim, eu tinha meus vizinhos do Nova Natal mesmo e eu me misturava muito com eles, porque a gente se conhecia há mais tempo, os outros vinham a gente brincava normal, mas eu não tinha amizade, vamos dizer assim. Muitas vezes meus pais vinham e “Ah, esse aqui eu não conheço”, meus pais tinham uma vigilância muito maior em cima de mim. Laiude: É, ainda é assim. Quando a gente montou a biblioteca, o pessoal nos procurou muito para perguntar “Por que não colocou em Nova Natal?”, então os pais não queriam que as crianças viesse de Nova Natal pra cá, porque era perigoso. “Ah, por que vocês não colocaram mais central? Lá?” A resposta que a gente dava era “Lá em Nova Natal vocês tem quase tudo, aqui não tem nada. A gente vai ficar por aqui mesmo.” Gabriela: Hoje, eu vindo pra cá eu escutei isso das minhas amigas da universidade moram aqui na Zona Norte, mas é no Pajuçara, na Redinha... e eu falei: “Ah, eu vou hoje entrevistar o pessoal lá em Lagoa Azul”, elas mesmo falaram: “Ei, tome cuidado que lá é barra pesada”. Isso existe mesmo. Lampreia: É mais questão de estereótipo. Claro, sai em pesquisas que é um dos bairros mais violentos, Lagoa Azul junto com Nossa Senhora da Apresentação, mas na prática, quem mora aqui vê as coisas acontecerem.

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Luciano: Essa criança cresce... adolescente, tem essas brincadeiras de ruas, e passa a estudar na comunidade. O adolescente continuava sendo futebol... ? Lampreia: Havia futebol, mas o pessoal tinha uma mania muito grande de andar de bicicleta. O pessoal tinha aquelas bicicletas menores e saia rodando o bairro inteiro. A diversão era isso, sair de manhã e voltava de noite. Depois começou a febre das “games”, eram locadoras de vídeo games, e aí você não via mais ninguém no campo, menos quando era, realmente, na época de pipa, porque aí todo mundo largava tudo e ia soltar pipa até hoje. Mas quando surgiram as “games” virou moda, hoje em dia nem tanto, porque todo mundo já tem em casa, mas quando chegou a gente estava dentro das “games” o tempo todo. Virou a diversão dos adolescentes e das crianças também. Luciano: Me diga uma coisa, voltando um pouco a infância, você lembra quando criança como era a feira da sua casa? O local de compra dessa feira? Lampreia: Então [?] na chegança que é o grande centro comercial desde a década de 90, que já começa. Ali era o centro, hoje tem uma variedade maior, mas antes não havia muito, não. Todo domingo era a feira sagrada. Luciano: Quem ia para a feira? Lampreia: Meu pai, principalmente. [Nesse trecho do áudio quase não se escuta a fala do entrevistado por causa de um carro de som que passou na hora da entrevista] Tudo que você procurasse, realmente, ia ter. E ainda era um lugar para as pessoas se encontrarem. Eu chegava a fazer amizades com pessoas na feira, inclusive, tinha colegas meus que eu só conhecia eles aos domingos. Havia muita produção de carregadores de frete, o pessoal fazia frete, os meninos. Ainda hoje tem. Eu conhecia esses meninos, a gente aproveitava a feira, brincava. Eu tenho essa imagem. Fiz amizades com algumas das pessoas da feira e também tudo que você queria, você tinha na feira. Comprar uma bicicleta, você não ia na loja, você ia na feira; comprar um carro de mão, você ia na feira de Nova Natal; Comprar um carro... hoje você consegue comprar um carro na feira, se você procurar vai ter gente vendendo carro na feira aos domingos. Eu lembro que na adolescência quando eu comecei a gostar de Rock eu achei LP‟s antigos de bandas norte americanas, na feira. Luciano: E adolescente gostando de rock n roll, existia alguns eventos aqui em Nova Natal ou em Lagoa Azul? Lampreia: Então, de início não, mas já dos anos 2000 para cá começou a ter o chamado “Animal Fest” que antes era realizado no teatro Rino Dantas, no Cidade Praia. Eu era jovem, eu fui uma vez para o Animal Fest, mas não lembro o ano, mas foi um dos primeiros que aconteceu por lá. Era um evento diferente, porque, no início, não tinha muita gente. Hoje nem acontece mais por aqui. Gabriela: O teatro, segundo Rino, não suporta mais. Lampreia: Na época era pouca gente, mas era uma turma bem religiosa, bem fiel. E era uma turma que vinha de outros bairros, e vinham as bandas de heavy metal, rock. Mas não era sempre. Evento mesmo aqui não tinha muito, o point era na Ribeira mesmo. Aqui tinha muito as festas, na época de eleição, os verdadeiros “showmícios”, quase todo dia tinha um.

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Luciano: Você concluiu o ensino médio no Miriam, como foi essa experiência? Lampreia: Eu saio no 7º/8ª série numa escola particular depois saio no início do 1º ano fora, depois eu volto pro Miriam no 1º ano, e a escola tinha mudado, principalmente, o público. O que eu lembro bastante em relação a escola, da parte boa, são as amizades. Grandes amizades que eu carrego pra vida toda começaram lá e eu posso dizer que os amigos de verdade que eu tenho começou no Miriam, no ensino médio. Em relação ao ensino a gente sabe da dificuldade que tem em Natal, no Brasil, e lá a gente sofria bastante com isso e até hoje eu vejo os problemas da escola. Sofríamos muito mesmo, falta de professor, estrutura, as greves dos professores quando havia piorava muito aqui no Miriam, porque já não tinha professor, e os que tinham não viam, e aula que era bom, nada! Mas eu, religiosamente, estava de segunda a sexta, na escola, os cinco horários, sentando lá dentro sem fazer nada, conversando com os amigos. A escola como espaço de sociabilidade, o local, “ah, eu me identifico com esse local”. Se hoje eu me identifico com alguma local é com o Miriam. A minha lembrança do bairro é focado na escola, mesmo quando eu não tinha aula, eu tava lá, durante muito tempo. Luciano: Você tem esse período de aluno e depois você tem a experiência, na escola, como professor. E quando você volta como professor, esse alunos, você nota outra diferença da época que você estudava? Muda em função de não ser só Nova Natal... Lampreia: Noto muito! Eu diria que, principalmente, por isso, porque não é só Nova Natal. Antes, no meu tempo de aluno do Miriam Coely, no ensino médio, o pessoal estava começando a vir de outras comunidades: Boa Esperança, Nordelândia, José Sarney. Isso já estava começando. Quando eu volto para dar aula, isso em 2008 há toda uma mudança nesse público, havia, inclusive, aqueles que estudaram comigo e eu fui dar aula para essas pessoas. Aconteceu, muitas vezes. Luciano: E nesse papel como professor, você sentia entre eles esse sentimento de preconceito? Lampreia: Essas brincadeiras eram muito comuns, tipo: “Ah, professor, fulaninho não veio hoje como ela mora nas posses e lá tá alagado”, havia essa brincadeira, mas dizer que havia preconceito assim “ah, eu não vou falar com fulaninho porque ele é de Nova Natal e eu sou de Boa Esperança” não havia isso, agora, o que há - e não é só na escola -, nos bairros todos o que chama atenção é a influência das torcidas organizadas. Por exemplo, no Boa Esperança tem uma torcida organizada e no Sarney você tinha outra, acontecia muito Miriam, o pessoal ter confrontos lá na rua, brigas dentro da sala de aula. Mesmo que, enquanto professor, eu não chegasse a ver, de fato, uma briga, mas sempre ficavam com uma brincadeira um com o outro, e já aconteceu de marcar briga na escola pra ir brigar lá fora. Luciano: Você vem para o Boa Esperança em que ano? Lampreia: Final de 2006, início de 2007. Luciano: Qual a [?] Lampreia: Avenida Buenaventura.

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Luciano: Qual o número? Lampreia: 933 Laiude: É a rua que faz a divisa, né? Lampreia: Isso. Justamente a rua que é a divisa, a primeira rua de Boa Esperança. Luciano: Você chegou a participar de algum grupo de [?]? Lampreia: Não, por aqui não. Luciano: Nem em Nova Natal? Lampreia: Não. Eu participava muito quando criança... Eu ia para Igreja, eu participava de uma das Igrejas evangélicas, mas depois que cresci, passei a não frequentar a Igreja. Pela escola havia sempre as gincanas que a gente arrecadava alimentos e fazia doações para algumas ONGs. Eu andava o bairro todo, quase todo ano. É uma lembrança que ficou bastante forte do Miriam Coely. Luciano: E dos seus amigos de Nova Natal, da Rua do Xote, muitos deles chegaram à universidade? Lampreia: Não. Eu acredito que daqueles lá, dos primeiros, eu acredito que sou o único. Alguns chegaram a fazer vestibular, mas não passaram, desistiram e pela própria condição social procuraram trabalhar. Foram também buscar o primeiro emprego para depois estudar. Se formar, não. Dos que estudaram comigo, no Ensino Médio, alguns já entraram na universidade. Luciano: Então a questão era o trabalho. Lampreia: Trabalho. E desde muito cedo o pessoal trabalhava. No meu caso, eu sempre tive meus pais que sempre me ajudaram bastante quando eu era adolescente, mas a maioria dos meus amigos não tinha, assim, tanta assistência, e aí, eles trabalhavam, inclusive, eles pegavam frete na feira. Tinham muitos deles que faziam isso até para garantir o dinheiro do vídeo game para a semana toda e também para ajudar a família. Gabriela: A questão da saúde. Você quando criança, sua mãe, seu pai, vinham e usavam o posto de saúde de Nova Natal? Lampreia: Sim. Na época era bom, porque não tinha uma demanda muito grande e sempre tinha atendimento. De uns anos pra cá, realmente, aumentaram o número de postos de saúde, a população também aumentou, mas também a questão de [ ] ter se fragmentado, não sei. Mas, na época a gente usava o posto de saúde daqui, tinha atendimento e tudo mais. Gabriela: E o transporte público? Lampreia: O transporte público é sempre a chave (?) de Nova Natal de todo mundo dizer assim: “Ah... morar em Nova Natal!”, “Vish, você mora em Nova Natal...”, “Pega aquele ônibus...”. Você já imagina qual é... o velho “03”. Então você pega um “03”, realmente, né! O transporte público em

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toda Natal, mais, sobretudo, aqui no bairro, eu acho que as linhas não são suficientes. A quantidade de ônibus não são suficientes para a população aqui do bairro. E você tem o Nova Natal, o Lagoa Azul, mas principalmente o conjunto Nova Natal como último bairro da Zona Norte, se você for ver ele já pega a divisa de Extremoz e tudo mais, então os ônibus quando vem do Centro da Cidade pra cá, eles já vem lotados, passam vários ônibus, mas todo mundo só pega o Nova Natal e aí você mora no Soledade, no Santa Catarina, né? Porque é o caminho. Ele faz o maior percurso e todo mundo pega pra ver se desce em algum lugar próximo a Nova Natal, no Nova Natal tem muita gente, mas você vê que a metade do ônibus ficou no caminho. Sempre ônibus lotado, transporte muito, muito ruim mesmo. E aí, quem mora mais aqui pra trás é até mais difícil de se locomover também a pé, durante muito tempo houve uma linha, o circular, não sei se ainda tem... Laiude: O “03” e “28” passa. Lampreia: Passa, mas assim tem o terminal agora. O “03” e o “28”, realmente, passam aqui dentro, mas durante muito tempo não era aqui, aí era mais complicado. O pessoal tinha que ir lá pro Nova Natal pra pegar ônibus lá e também sempre teve os ônibus lotados, o funcionamento dos ônibus, péssimos. O “03” é uma linha sem condições mesmo de transportes, atualmente mudou-se os ônibus, mas não sei o que aconteceu que parece que mesmo com os ônibus novos continuam com os mesmo problemas. Tem ônibus aqui da década de 80 rodando, você não via isso em quase nenhum lugar de Natal, só aqui. A questão do transporte aqui é difícil. Luciano: Me diga uma coisa, você na sua adolescência em Nova Natal você foi alguma vez na Lagoa? Lampreia: Passar. Nunca cheguei a ir, mas passava. Luciano: E os seus colegas? Lampreia: Iam. Vão. Luciano: O pessoal ia pra piquenique, pra brincar? Lampreia: Piquenique. Passava o dia. Você ia de manhã e voltava 5:30 da tarde. O pessoal ia muito naquelas caminhonetes, pampas, né? Ia todo mundo pra lá pra jogar bola... Eu passava por lá nas minhas viagens do interior, quando meu pai ia, ele passava perto, mas de frequentar eu não frequentava. Matheus: E a segurança pública? Lampreia: É por isso o estereótipo do bairro, porque tem uma defasagem muito grande por aqui. Eu acho que as pessoas que moram aqui, são sim, pessoas de bem, não tenho dúvida nenhuma. Mas toda a questão social que vai gerando vai criando uma situação de insegurança. Os problemas sociais afetam diretamente, né? É um problema social a falta de educação e qualidade no ensino das escolas públicas, a própria falta de saúde também, o policiamento quando ele aumenta você não sabe se é ele é melhor ou se é pior, você não sabe. Ás vezes você vê mais carro de polícia, mas você vê também a quantidade de crimes maior. [Nesse trecho o carro de som passa, o que acaba por dificultar o entendimento – áudio impossibilitado]. Na minha casa nunca entraram pra roubar nada, já fui

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assaltado algumas vezes andando pelo bairro, drogaria, padaria, esses crimes eram muito comuns, esses crimes pequenos, e depois nas “lan-houses”, você tá em “lan-house” todo dia era um assalto nas “lan-houses” do bairro, eu fui assaltando umas quatro vezes dentro de “lan-house” aqui no Boa Esperança. Isso aumentou muito de uns 6/7 anos pra cá. Agora assim, quem mora aqui já sabe como é a rotina, então você não vê isso como “ah, não vou sair na rua”, você sabe até lidar. Luciano: Em Nova Natal, os nomes das ruas são de folguedos, quando você era criança você percebia isso ou era indiferente? Lampreia: Eu achava muito estranho quando eu era criança. Eu estudava na escola João [?] Dantas, no Alecrim, e lá tinham crianças de outros bairros e lá era engraçado. “Ah, você mora aonde?” e eu “Na Rua do Xote”, as crianças achavam engraçados, meus professores... Eu dizia o bairro, mas quando dizia a rua eles começavam a rir. E aos poucos eu fui crescendo e achava estranho, realmente. Quando eu fui aprendendo a parte de cultura do RN é que eu fui percebendo que as ruas eram nomes de danças, de folguedos populares, e aí aos poucos eu fui percebendo: “Rua do Xote, Xaxado, Boi Calemba, Bumba-meu-boi, Chegança, Caboclinhos, Coco de roda, Pífanos”. Antigamente eu achava muito engraçado, agora depois de muito tempo é que eu fui percebendo que eram os folguedos populares, apesar de que você não via tantas movimentações desses tipos no próprio bairro. Luciano: Obrigado pela contribuição.

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6 - ENTREVISTA COM IZABEL PESSOA & SEBASTIÃO DO NASCIMENTO

[Na manhã do dia ___ de setembro de 2012, reúne-se, no loteamento Nordelândia, a equipe do programa Memória – Luciano, Matheus, Tyego e Marina –, juntamente com Izabel e Sebastião, moradores do loteamento Nordelândia]. Luciano: - Bom, nós estamos desenvolvendo uma pesquisa sobre a história dos bairros. Como agora estamos fazendo uma pesquisa sobre Lagoa Azul, falar de Lagoa Azul e não falar de Nordelândia, né? Izabel: - É verdade. Luciano: ... Seria assim uma coisa não muito correta, por isso que foi bom ter lhe encontrado lá na escola. Izabel: - Até porque faz parte né, uma comunidade... Eu acho que, assim, não modifica praticamente nada porque Lagoa Azul, né... Luciano: - Não, Lagoa Azul é tudo isso, né? Izabel: - Exato, é Zona norte né, é uma parte, que o outro lado agora é Potengi. Luciano: - Exatamente. Então assim, eu já vou agradecendo a sua disposição pra falar com a gente e a idéia que a gente possa no fim dessa pesquisa, estar lançando um livro sobre Lagoa Azul e preservando a memória de todas as comunidades que formam Lagoa Azul. A idéia é essa. Queria só que você dissesse seu nome completo, a sua idade, e o local que você nasceu. Izabel: - Meu nome completo é Izabel Pessoa Félix Vieira. Luciano: - E você nasceu aonde? Izabel: - Eu sou natural de Monte Alegre. Luciano: - Quando? Izabel: - Oi? Luciano: - Nasceu quando? Izabel: - Bom [a entrevistada ri timidamente], na verdade assim, a minha idade... Porque assim, na verdade, agora eu completei 40 anos. Porque assim, há uma história de vida bem assim progressiva; na verdade eu não sei a minha idade correta, que eu vou até pesquisar, vou ter que ir lá pesquisar, é uma história assim bem complexa, porque eu fui registrada com uma idade aí inventada. Então, assim, na documentação a minha idade é 40 anos; de 1972. Luciano: - Monte Alegre, né? Bom, e aí essa jovem de Monte Alegre chegou aqui em Natal. Mas eu queria saber especificamente, quando é que você chega em Nordelândia? Izabel: - Aqui em Nordelândia, tá com 8 anos. Luciano: - E já veio casada? Izabel: - Já. Luciano: - Já com filhos? Izabel: - Já. Tenho dois filhos. ???? Luciano: - E como foi, assim, você descobriu como esse lugar? Izabel: - É... assim, eu descobri através do meu esposo, né, que ele já morava aqui no [loteamento] Boa Esperança, né, eu morava ali na comunidade do Sarney; morava lá no Sarney. Aí então eu conheci através dele, que ele já morava aqui no Boa Esperança e aí ele já tinha, assim, já tinha o terreno já, né; aí a gente casou e veio pra cá. Eu lembro que no começo eu estranhei muito, assim, a situação do bairro, a carência, e à noite muito esquisito, e com o tempo é que a gente vem se acostumar. Luciano: - Como é o nome dessa rua? Izabel: - Essa rua aqui é a Cecílio do Nascimento.

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Luciano: - Cecílio do Nascimento? Izabel: - Isso. Na verdade ela é tipo assim uma avenida, que ela já dá acesso à BR lá, né; aquilo ali já “é” as fábricas, né? Luciano: - As fábricas que você fala... Izabel: – É, Guararapes... Luciano: - As de Extremoz. Izabel: - Isso. Porque saindo aqui, a gente já pega a BR. Então assim no começo eu estranhei muito, porque era bastante mato, a gente não via quase ninguém; como o loteamento estava começando, assim pra iniciar, eu estranhei muito, porque não tinha transporte, né, e o único transporte que a gente tinha era uma bicicleta e a gente andava mais a pé. E assim, muito deserto, esquisito, porque a gente sabe que não tinha praticamente ninguém. Luciano: - Era mato. Izabel: - É, só mato; e inseto, inseto tinha bastante. Quando a gente chegou aqui, assim, essas casas aqui praticamente não existiam. Luciano: - Seus vizinhos aqui... Quase não tinha vizinho... Izabel: - Não. E com o tempo foi se desenvolvendo, se desenvolvendo, chegou o IPTU pra a gente pagar também né? Sei que a gente paga o IPTU, mas não vê os benefícios. Eu pago aqui o IPTU, digamos que só da coleta do lixo [a entrevistada ri sarcasticamente], que passa só duas vezes por semana, às vezes não passa. Sistema de saúde também é muito precário, a gente quase também não utiliza, porque ?? a comunidade inteira, já de outros bairros. E assim, de oito anos pra cá, desenvolveu bastante né, porque uma comunidade inteira. E assim, pessoas que tem até um poder aquisitivo bom, melhor... Marina: - Mas aí nessa época que a senhora veio, o [ônibus] 03 não vinha até aqui ainda? Izabel: - Não, na época que a gente veio morar, não existia ônibus aqui dentro, não. Só lá embaixo mesmo. Marina: - Só até Nova Natal. Luciano: Lá embaixo que você fala... Izabel: Na Caboclinhos. Luciano: - É Nova Natal, não é nem Boa Esperança. Izabel: - Não, Nova Natal mesmo. Porque tem a [rua] Caboclinhos, né? Então eles passavam ali, a gente tinha que se deslocar daqui até lá, né, que era muito difícil, na época. Assim, difícil, mas a gente achava até mais calmo, mais tranquilo, já hoje, depois que saiu a garagem daí [a entrevistada se refere ao terminal do ônibus 03 – o qual não circula mais –, localizado no fim da rua], a gente, praticamente, quase todos os dias a gente é assaltado, porque tem arrastões né? a gente vai pra lá e já se encontra com eles já vindo de lá pra cá, e assim, eles não respeitam idade, ninguém. Eu estava até debatendo com o menino aí, o presidente do bairro, porque eu acho assim, que nós, somos cidadãos, temos nossos direitos, apesar de que, assim, a política... entra gestão e sai gestão, sempre vão deixando a sujeira pra outro, sempre vão deixando debaixo do tapete, mas, assim, a comunidade, ela tem que expor, ela tem que fazer um protesto, como esses protestos que teve agora, não assim, porque somos nós que vamos pagar esse prejuízo aí de não sei quantos ônibus que foram depredados e isso somos nós que vamos pagar né? Mas assim, eu acho que a comunidade ela tem que “tá” lá, ela tem que expor, aqui, por exemplo, hoje mesmo eu tava até rindo, conversando com meu esposo, que o presidente do bairro, ele é colega da gente. Mas assim, tem coisas que eu não acho [?]. Ele manda umas fotos pra mim [a entrevistada ri], dizendo que eu votasse no candidato dele que ele me dava dois litros de leite [todos riem]; e se eu achasse pouco, ele me dava três litros de leite. Aí simplesmente eu não vou... Eu disse: “olhe, se fosse pelo menos um quilo de feijão, eu ia fazer uma feijoada” [todos riem].

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Marina: - Dois litros de leite não dão pra nada. Izabel: - Então, assim, ele sempre tá tentando comprar a comunidade, e assim, a gente vê que, a gente já sabe, o pessoal da própria comunidade, que esse pessoal sempre se aproveita. Ali embaixo tem umas posses, que inclusive essas posses estão até pra sair. O exército vem e tira, o pessoal retorna de novo, e agora estão pra sair. Porque aqui futuramente vai ser uns condomínios da Caixa Econômica, desses projetos né? E, assim, esses terrenos aqui são mais de vereador, né? E então, assim, hoje a gente tava debatendo, os que se vendem por tão pouco, não valorizam. Digamos que eu vá lá e vote no candidato. A gente tem que eleger alguém pra colocar no poder, né? Mas diante desse tempo que eu estou, eu nunca vi uma gestão tão ruim como essa que está tendo aí, que está aí. Porque eu tava conversando com ele assim, que, se ele melhorasse a proposta, eu iria até pensar né? Mas assim, a gente vê coisas absurdas. Luciano: - Mas, me diga uma coisa, Izabel, então durante esses oito anos, a comunidade cresceu, né, deixou de ser aquele lugar deserto, e passou a ser mais habitado né. Mas assim, nesses primeiros anos, seu filho tinha quantos anos quando você chegou aqui, o mais velho? Izabel: - Ele tava com oito anos. Luciano: - E assim, como era criar uma criança aqui com oito anos? Ele brincava na rua, ele tinha outros colegas, como era isso? Izabel: - Na verdade, assim, brincar ele brincava, agora aqui em casa. Porque devido à rua ser muito deserta e violenta, porque geralmente, assim, antes de eu vir morar aqui, era que acontecia muita chacina né, tudo eles só traziam pra cá. Devido a ter muito mato, e não ter esses acessos; nosso caminho era esse. É tanto que casa que assalta em Nova Natal, eles passam aqui ???. Então, eu não deixava assim exatamente com medo de os insetos “morder”, uma cobra, e outra coisa, devido eu não ver muito esses “lazer” né. Eu dizia muito ao meu esposo: “se aqui não melhorar, ah eu vou embora daqui, eu não vou ficar aqui”. Porque eu morava ali no Panatis, ali na área de lazer, então eu fui acostumada ali, com aquele ambiente ali. E aqui, eu dizia sempre assim “eu moro lá na floresta” [a entrevistada ri]; parecia uma floresta; se a gente fosse olhar, não tinha, não existia... Luciano: - E seu menino, escola, como era, ele estudava? Izabel: - Não, ele estudava. Assim, no começo, ele estudava no João Paulo, né? Luciano: - Em Nova Natal? Izabel: - Isso, lá em Nova Natal. A gente saía daqui e ia lá pro João Paulo; ia deixar e ia buscar. Aqui agora começou, né? Tem uma escola ali que começou, não terminou; eu acho que vai passar pra outra gestão. E eu costumo conversar com o presidente, e ele como estava à frente da gestão, se tomasse uma providência né... por incrível que pareça, no período que o lixo tava tomando de conta mesmo das portas, era muriçoca, rato, dengue e tal; e assim, quando ele chamou a reportagem, ninguém tinha coragem de falar, ninguém tinha coragem de ir lá e falar. E ele chamou a reportagem, eu ia e falava, até porque a gente paga imposto, quer dizer, a gente vive e é um sacrifício, entendeu? Com um salário mínimo você tem que fazer milagre, eu digo que é assim milagre, né? E eu sempre tava debatendo, conversando com ele essas coisas e quando a reportagem vinha, eu fui lá pra falar. Luciano: existiam reuniões? Você falou da questão do presidente da comunidade e tal... Nesse período que vocês estavam ainda habitando, estavam sendo construídas as casas, né, os moradores, eles se reuniam de alguma forma, essa comunidade se reunia ou as reuniões aconteciam em Nova Natal ou tinham reuniões aqui mesmo? Marina: - Esse presidente que você fala, nessa época que você chegou, ele já era presidente? Izabel: - Já. Não, existia reunião sim, até porque [?] estacionou ali. Porque assim, devido também às pessoas não ter conhecimento, porque tem que ir a repartição resolver essas coisas, então estacionou, sempre pro pessoal tem que ser ele, porque ele trouxe o projeto do leite pra cá, ele trouxe, assim, outros projetos de sopa, né, o pessoal ia pegar essa sopa. Então assim, o pessoal se acostumou

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somente com ele. É tanto assim que, eu costumo dizer que o que a gente vê é mais pra beneficiar assim o lado dele, não da comunidade. Agora assim devido ser um pessoal... Eu acho sempre errado esse projeto aí do Bolsa Família, do Bolsa Escola... É tanto que se a gente for pesquisar, eu analiso muito isso; eu “tô” fazendo um tratamento com a minha filha e eu tava vendo aí uma jovem de 17 anos, três filhos, né? Quer dizer, eu acho assim que em vez de dar esse dinheiro era pra colocar essas pessoas pra uma experiência, um trabalho, para que essas pessoas tivessem pro futuro alguma coisa, não ficasse dependendo disso aí, porque parece que, assim, a pessoa já se acostumou com esse dinheiro, né, e é só o que a gente vê, então assim eu acho que existir, existe, que tem vários projetos aí que existem, mas às vezes a pessoa coloca um projeto desse, mas aí ele não é... né? Então eu costumo bater nessa tecla, vamos... eu digo muito assim, converso muito com meu filho, quando for votar, não deixe, não, esse povo que já tá; vote num vereador que nunca foi candidato, dê uma chance a ele, né? Luciano: - Estou entendendo, mas me diga uma coisa, Izabel: e, assim, a comunidade, ela... então existiam reuniões da comunidade? Pra discutir o que? Quando você chegou aqui, já tinha energia, já tinha água encanada, já tinham essas coisas? Izabel: - Não, quando eu cheguei aqui, já existia energia, né? Só que, assim, pra gente pedir, era a maior burocracia né? Porque a gente tinha que pegar uns atestados, alegar que tinha baixa renda, essas coisas. E depois, a gente foi... A água era somente no “gato”. Luciano: - A água vinha de onde? A principal era lá da rua...? Izabel: - Vem de Nova Natal mesmo, puxando... Luciano: - Sim, mas esse “gato” que a senhora fala, que você falou, é porque não passava na rua a encanação da CAERN? Izabel: – Não, é porque assim, tem o cano lá na rua, só que assim, na época não tinha, não existia, não fazia as ligações que eles fazem hoje. E aqui pra dentro ainda existe isso, ainda tem. Se tanta gente for atrás e eles se interessarem, eles vêm e ligam direitinho. [?] e quanto às reuniões aí do presidente, a gente costumava sempre ir; mas aí chegou um tempo que eu nem fui mais, porque era sempre a mesma coisa e, assim, a gente via que o benefício que vinha era mais pra ele. Luciano: - Mas existe uma sede do conselho? Existe um conselho comunitário aqui de Nordelândia? Izabel: não, não existe, não; existe a casa dele, que ele faz as reuniões, e o pessoal vai pra casa dele, né? E assim, as vantagens, os interesses, porque a gente vê assim, se o leite é do governo, se ele vier, se chegar alguma alimentação, se ele chegar lá na sua porta, dê um litro de leite a ele. Então assim, ele começou a dar por cara, quem não votasse nele, ele não dava o leite, ele pedia, às vezes ele ficava cobrando, [?] “não, porque você não vota em mim, não sei o quê, não sei o quê...”. É tanto que, assim, como eu sou muito realista com ele, entendeu, é tanto que eu já afastei [?]. Aqui a gente trabalhou na outra política pra aquele Júlio Protásio; mas a gente não viu benefício nenhum. O benefício que a gente vê é pra família dele, ele chega [dizendo] “olhe, eu „tô‟ precisando de tantos ovos, então você arranje tantos ovos pra mim, que eu vou conseguir as coisas; é só promessa, e de promessa a gente já vive cansado. A gente sabe que se a gente não correr atrás, a gente não tem. Luciano: - Então, assim, vamos voltar um pouco à nossa historiazinha, lá dos primeiros anos de você aqui, né? Então, só retomando, seu filho, ele estudava no João Paulo, escola de Nova Natal; você saía daqui, pegava ônibus também, nessa época, lá em Nova Natal, na Rua dos Caboclinhos. E posto de saúde tinha aqui? Quando alguém adoecia aqui, como é que se fazia? Izabel: - Olhe, quando alguém adoecia aqui, ou a gente ia ali pra Nova Natal, que tinha um antigo posto de saúde lá, né, que hoje é a AME, ou a gente ia pro pronto-socorro mesmo. Luciano: - Sei. Aqui, nisso que nós chamamos de Nordelândia, certo? Aqui, tem algum espaço em que as pessoas se reúnam, alguma igreja, ou alguma coisa que as pessoas participem dessa, ou sempre é em outra comunidade?

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Izabel: - Não, não, aqui não tem, não; porque, assim... por exemplo, tem a instituição aqui do Boa Esperança, né? Então, assim... Luciano: - Qual instituição que tem no Boa Esperança? Izabel: - Aqui... aí na rua do calçamento, que tem a... Luciano: - É a biblioteca? Fé e Alegria? Izabel: - Isso. Então, assim, eu sempre “tô” passando por lá, quando eu vejo que tem algo assim de interessante, né, e eu também conheço o rapaz que é presidente de lá, que, inclusive, a gente se reuniu pra fazer um protesto sobre esses ônibus daí pra ver se voltava, né? E eu até conversei com o presidente aqui, porque era uma força a mais. Mas, como, entre aspas, ele já, o dali da instituição, ele tinha “comido bola” (?), porque não ia falar nada, ia ficar calado e tal; então, sempre tem esses interesses. Mas assim, quando tem uma reunião, alguma coisa bem interessante, a gente, ele comunicando, a gente vai pra lá. Quem é do lado dele, vai pra ele, só que, assim, eu não torço nem por um nem por outro; eu torço pelo benefício melhor pra a gente, porque a gente precisa. Luciano: - E, me diga uma coisa: existe alguma festa aqui da comunidade? Algum evento aqui da comunidade? Izabel: - Evento aqui, não. [um dos entrevistadores tosse]. Assim, a única coisa que a gente tem aqui, que tá começando hoje, a gente fez campanha pra paróquia de São Francisco, que tá iniciando, que vai ter agora a festa de São Francisco; são esses eventos que a gente traz alguma coisa assim pro bairro. Luciano: - Mas nos anos passados, já teve essa festa, ou é a primeira vez que tem aqui? Izabel: - Não, teve o ano passado. Porque assim, tem muita criança, parente, tem muita... a gente vê, assim, algo de cortar o coração aqui embaixo. E eu faço parte aqui da catequese, tem muita, muita criança carente. E a gente sempre tá trabalhando; pronto, vai ter agora a festa das crianças, a gente vai ter que colher alguma coisa pra dar pra eles (?). E, sem contar que, é só Jesus mesmo. Mas, assim, praça, essas coisas, a gente não tem. Lazer aqui a gente não tem. Agora, assim, eu “tô” pedindo a Deus que desse certo era a volta desses transportes coletivos, porque a gente sai daqui, meu esposo sai daqui de 4h da manhã; meu irmão sai daqui de 3h30, que meu irmão trabalha em Parnamirim; aí a gente corre o risco de ser assaltado. Ontem, eu tava até conversando com o professor de filosofia, tava conversando com ele pra saber se ele poderia adiantar a aula da gente lá porque essa semana mesmo eu fui seguida por um casal; aqui, minha vizinha aqui, teve um estupro, foi muito comentado, ela foi estuprada, então assim, a gente vive pela sorte. Eu vou daqui pra escola, eu vou pela fé, porque só Deus mesmo. Porque a gente tá sujeito a levar um tiro, um assalto, alguma coisa. Eu mesma fui assaltada duas vezes... só Deus. Luciano: - As pessoas aqui, se identificam moradoras de Nordelândia? Izabel: - Olhe, tem umas pessoas que sim. Eu acho que a gente constrói nossa própria identidade, né? Mas tem outras que não. Porque, assim, tem vergonha do bairro onde mora, porque, assim, nós quem temos que fazer, né, porque eu digo que isso aqui já é um bairro habitado, até porque é registrado e tudo, nós pagamos IPTU. Mas já tem pessoas que... Então, assim, eu considero que isso aqui seja um bairro porque eu pago IPTU, mas já tem pessoas que não fazem isso. Porque, na prefeitura, essa rua aqui tá calçada. Mas a gente vê só... É poeira todo ano, entra ano e sai ano, é poeira e as lagoas cheias. Somente isso. Luciano: - Há inundação aqui próximo? Izabel: - É lama. Bastante lama. [O marido e o filho da entrevistada chegam a casa]. Esse aqui é meu rapaz. Luciano: - Vocês tem mais perguntas a fazer? Marina: - Não, assim, porque, esse lugar aqui já foi pertencente e São Gonçalo, a Natal, como é que vocês se veem? Vocês incorporam esses conflitos que têm nas leis?

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Izabel: - Não, assim, a gente... Teve um tempo que ficou debatendo que era São Gonçalo, mas ficou resolvido que aqui é Natal. Até porque na fatura vem Natal. A não ser, assim, quem more já lá pra dentro, aí é São Gonçalo. [o cachorro late]. Marina: - Mas vocês se veem como Natal? Izabel: - É, a gente vê até por que... [o marido da entrevistada chega] Todos: - Bom dia! [o latido do cachorro da entrevistada prejudica o áudio na entrevista, nesse momento] Izabel: - Esse aqui é o diretor da escola; esse aqui é meu esposo. [daqui em diante, o marido da entrevistada (Seu Sebastião) passa a também ser entrevistado] Sebastião: - Antes isso aqui era de São Gonçalo. Quando eu adquiri isso aqui, ainda era de São Gonçalo do Amarante. Após isso [o áudio continua sendo prejudicado pelo barulho do cachorro latindo] [...] Natal ganhou. E quando eu comprei, falaram até Extremoz, mas não é Extremoz. De lá pra cá, passou a ser de Natal e na verdade quase nada tá acontecendo do que a gente sonhava e desejava, ao longo de dez anos. Izabel: - Pronto, se o senhor tiver, porque assim, ele chegou aqui primeiro do que eu, ele já conhecia aqui, que na época era só granja né? Sebastião: - Quando eu vim comprar, a primeira experiência foi com 23 anos; eu me interessei quando aqui era só mato; era mangabeira. Aqui mesmo, quando eu comprei, eu ia até preservar, eu tinha duas mangabeiras: uma onde é aquele coqueiro, e outra mais pra lá [o entrevistado aponta para o quintal para explicar]. Quando eu procurei, os carroceiros na época foram cortando, e me deu um desgosto tão grande... Eram lindas as duas mangabeiras. E essa região aqui era conhecida como tabuleiro; é onde dá aquela Guabiraba, Mangaba, e outro frutozinho que eu esqueci até o nome, tinha muito; e tinha uma variedade de animais, além e formigueiro, que tinha demais. Luciano: - Me diga uma coisa: você falou em animais; o pessoal usava essa região pra caçar? Sebastião: - Usavam. Tinha muito aquela... Esqueci o nome agora, mas dava muito; tinha a gominha (ou rolinha?), tinha... E tinha esse tipo de pássaro, que parecia uma galinha e quando, ele escapava, tanto que o pessoal dessa região aqui, que conhecemos como Lagoa Azul, que era cheia de alagados, [?], eles tinham um cuidado, que tinha determinado tempo de caçar. O camarada ia caçar em período que não fosse adequado, período de reprodução dos animais e das aves, ninguém deixava não. “Mas rapaz, o negócio tá pegando, vou caçar!”, “Não, pode não, é tempo de reprodução”. A população respeitava. Hoje em dia... Luciano: - Aí me diga uma coisa: você falou da lagoa, o pessoal usava muito a lagoa? Sebastião: - O nosso paraíso ali? Antes dos marginais tomarem conta? Ah! Usava constantemente; era ótimo, era maravilhoso; era tudo limpo; hoje em dia, é cheio de tampa de garrafa. A nossa população... Evoluímos com educação escolar, porém faltou educação ambiental, respeito ao próximo e respeito à natureza, isso tá faltando demais, porque não era daquele jeito. A água era uma água que era mineral; eu lembro que aqui onde a gente tá na área da Riograndense (?), quem tomava conta o finado Seu Vicente. Cansei de vir pra aí tomar água mineral do cacimbão, que era um cacimbão que tinha. Esse nosso poço ainda é mineral. Porém, o descuido da nossa população é que tá nos trazendo problemas; a nossa falta de educação. Eu “tô” dizendo a nossa, vocês me desculpem por usar o termo, porque a gente não sabe quem participa e faz coisas boas, e quem fica a desejar. Mas era ótimo aqui; ainda é; é um paraíso ainda, eu gosto de morar aqui. Eu nasci nessa região, eu me considero nativo e amo minha Natal. E, pra mim, aqui não tem igual, não. Luciano: - Seu nome, mesmo? Sebastião: - Sebastião [um dos entrevistadores tosse e compromete o entendimento] Luciano: - Sebastião de...? Sebastião: - do Nascimento Bonifácio.

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Luciano: - Foram desafios aqui no início, né? Sebastião: - Foi. Luciano: - Aí como foi essa... Chegou, aí também foi desmatando os lotes? Sebastião: - Na época, quando a gente chegou aqui, marcaram uns picos com os vendeiros (?), eu lembro até o valor , eu paguei (que na época era muito dinheiro, né, hoje em dia não vale nada) foi 50 cruzeiros, 50 reais, era real já nesse período; 50 reais pra ele vir até aqui, ele veio, me mostrou. Após isso, eu paguei parcelado em dez parcelas, [?], eu sei que em torno de 485 reais, eu não lembro bem, faz muito tempo. A promessa deles é que isso aqui ia abrir estradas largas; realmente abriu, incialmente, [?], via o paraíso, via que era calmo, na época... Marina: - O paraíso era a lagoa. Sebastião: - É, exatamente! A gente... Eu tinha uma mania, e até hoje tenho. Aqui tinha uma escada maior que essa; quando eu consegui construir aqui, eu amarrava a escada pra ficar olhando, daqui a gente via, que não tinha tanto... dava pra ver a chegada da lagoa; não dava para ver a lagoa mesmo não que tinha um morro antes de chegar lá, aí eu ia ficava olhando: tinha uma planície linda aqui. E isso aqui, a gente olhando por cima, se não tivesse a quantidade de lixo que estão botando, é lindo! Eu ficava olhando assim: “Pô, eu tô no paraíso!”. E sempre me senti bem em residir aqui. Enquanto poder ficar aqui, permanecerei aqui, porque é meu paraíso. Luciano: - Me diga uma coisa: nessa chegada, porque assim vocês habitavam aqui, nessa época, era mato e tal, mas a sensação de violência é igual a que tem hoje? Sebastião: - Não. Luciano: - Mudou pra pior ou mudou pra melhor? Sebastião: - Piorou. Mesmo só com, que nem eu falei ao senhor, que eram casas distantes, raramente o que se roubava (acho que era alguém que tinha fome), era uma galinha, no máximo duas, não se chegava a levar nem as galinhas todas do galinheiro. O pessoal criava pra controlar (não existe outro meio; existe inseticida, uma série de coisas) pra controlar escorpião, mas não tem o que controle escorpião, é galinha! Porque eles têm hábitos diferentes: o escorpião anda durante a noite e a galinha durante o dia, mas veja bem, a galinha não tem o hábito de ciscar? Quer controlar o escorpião? Basta ter uma, duas galinhas, soltar elas duas vezes por semana, ela resolve o problema; não aparece escorpião nem nada. [?] O que acontece: quando se roubava, era uma galinha, e não se via falar no sujeito. Primeiro, se alguém da região pegasse alguém com uma atitude dessa, era uma surra. Hoje em dia, são tantos direitos humanos, mas só oferecem direitos para quem, na realidade, não merece direitos, porque quem desrespeita o próximo, essa pessoa merece direito? Já que a gente vive em tamanha... Não tem nem palavra pra descrever a repressão que a gente vive. Vive preso na sua casa com medo da violência; a gente era pra “tá” livre, já que a gente luta pra adquirir o bem-estar para todos, para o ser humano. Não é nem convicção que um cidadão brasileiro, como eu, que ama essa pátria, e tenho essa noção comigo, e gostaria que um dia isso acontecesse. Se alguém visse a fazer um mal à pessoa em sua casa, essa pessoa em vez de ser punida, essa pessoa deveria ser indenizada, porque “tava” no seu lar, no seu santo repouso e alguém veio perturbar sua paz. No caso, pega a violência contra a mulher. Inventaram a tal da Lei da Maria da Penha, mas na realidade, eu não vejo funcionar muito bem, porque isso daí é uma obrigação da gente como homem. A gente tem que ter “consigo” a consciência de que elas são iguais, e que elas tem respeito. Então, acho que deveria ter mais pra frente... Izabel: - E também o Código Penal, né? Sebastião: - Código Penal nem se fala... Esse Direito aí... [o entrevistado faz expressões de reprovação]. A gente vê garotões por aí, e eu peço desculpa porque eles dois [referindo-se a dois entrevistadores, Matheus e Tyego] são jovens [todos riem] e eles não têm aparência desse tipo de

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gente, mas que aproveitam uns poucos dias, fazem tudo que não presta, ele pode matar, roubar, violentar, agredir, tirar o santo sossego, e quando tá com uma arma na mão, sai disparando. Luciano: - É verdade! Seu Sebastião me diga uma coisa: aqui vocês foram chegando, foram ocupando, foi surgindo a vizinhança, mas tem outras áreas aqui após do que nós chamamos de Nordelândia, né? Lá na escola, eu sou professor lá do Myriam Coeli, em Nova Natal, o pessoal fala de “posses”... Marina: - Você inclusive quando tava falando, disse isso... [referindo-se à Izabel] Luciano: - É, Izabel falou de posses, né? Então, existem esses lugares de posses, mas existe um nome específico, ou “posses” é o que está além de Nordelândia, além de Nova Natal? Sebastião: - Olha, isso tudo em relação às “posses”, houve um... Até o vereador Lucena, na época, ele auxiliou esse pessoal, ele não incentivou, ele auxiliou esse pessoal com alimentação, com apoio moral, e vinha né, que ele tava lutando pra ver se conseguia uma remoção pra outro canto, não sei como é que ficou; não sei se ele conseguiu porque no Brasil é tudo muito difícil. Tinha área aqui, que tinha ali na frente, que antes diziam que existia um dono, na realidade são pessoas que compram a terra, dizem que a terra é delas, não fazem nenhum benefício e vão morar em Minas Gerais... [o vento atrapalha a compreensão do áudio] Então esse pessoal que está... (agora vejamos uma questão que acontece no nosso estado que é bastante desagradável: 50% dessas pessoas que lá foram para essa possa, precisavam; 50%, no meu ponto de vista, eram oportunistas que estavam querendo se enriquecer. Por isso não deu certo também. Hoje em dia existe alguns que ganharam a vida ali, existe algumas pessoas. Mas, essas pessoas que lá estão não causam nenhum dano ao ambiente, não causam... são carroceiros, são pessoas que “vevi” fazendo algo que nosso Estado falta, né. Nós temos a reciclagem aqui, porém não acontece por causa do Estado [ouve-se uma voz ao fundo, mas não pode-se compreender o que diz]... o brasileiro, mas porque eles fazem um trabalho, um trabalho importante. Esse pessoal deveria até, futuramente, já que eles “vevi” trabalhando, eles deveriam adquirir seu pedacinho de chão que está apossado, continuar o trabalho deles... e assim evitaríamos mais violência e seria bom para todos. Luciano: - Então esse lugares de posse é função disso... desse [destino] das pessoas se apossarem , né? Por isso é chamado de “posses”, né isso? Sebastião: - Exato! Luciano: - Isso foi mais ou menos quando? Digamos, anos... Sebastião: - Isso foi por volta de... (estamos em 2012, eles vieram se apossar aqui em 2005, 2004... por ai)... Luciano: - Exato. Vocês notam... vocês são moradores daqui de Nordelândia, né? Vocês notam diferenças das pessoas que moram em Nova Natal, Gramoré, com relação a quem mora nessa região aqui ou quem mora no Boa Esperança, existe alguma diferença? Marina: - Diferenças assim: preconceito, falta de tratamento mesmo. Como é que você via? Sebastião: - Olhe, eu nasci em Lagoa Nova e eu sei que a população brasileira, principalmente da minha cidade natal, onde fiz [?] é uma mistura de raças, temos a velha Redinha, que eu também conheço, já comi muita ginga com tapioca lá, desde pequeno, o natalense em si ele não tem discriminação, porém, devido [?], as pessoas confundem, aprenderam essa questão do preconceito. Quando, na realidade, isso não significa nada. Somos nascidos da mesma terra, somos uma miscigenação de muitas raças, porque a gente... somos português, somos índios, somos da raça dos escravos, nossos negros. Preconceito existe, porém, a população em si ignora. Primeiro: o pessoal do Sarney não é favelado, tem muita gente boa. Se fosse assim em áreas boas, como no Centro, não tinha gente de má conduta. Entendeu? Existe gente boa no Pajuçara, no Santarém, no Nova Natal, pessoas maravilhosas... aqui também. Agora, é impossível a gente dizer que não existem pessoas que têm preconceito. Então, voltando a falar, eu morei em Lagoa Nova, e eu digo “eu vou morar...”, eu

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nasci em Lagoa Nova, na rua Cícero Quinto, no ano de 1969, às 6 horas da manhã. A casa que eu nasci papai tinha terrenos naquela região e eu vim pra cá. Papai tinha... a casa de papai tinha o quê? Quarenta metros só de quintal. Tinha um quintalzinho. Hoje em dia, quintal do terreno que eu habito aqui tem era um pedacinho do quintal de papai. E ele tinha ali [?] ele tinha um terreno imenso ali. Como também tinha em Igapó, mas olha onde eu vim morar. [?] Que já existia naquela época e eu ficava chateado por quê o pessoal dizia: “Oh, quem mora do outro lado do rio... aquilo não é canto de gente, não.” Eu dizia “Porque não é canto de gente?”. E eu nunca tinha cruzado pra cá, porque papai tinha terreno no Igapó e eu nunca tinha cruzado. E eu digo “Eu vou!”, porque não existe... se Deus fez a terra e todo qual canto tem gente, porquê não é canto de gente? Eu fiz 19 anos, fiz meu serviço militar a pouco tempo... vou lá. Quando foi um dia, resolvi pegar o (só tinha na época o Guanabara, ele entrava ali por trás do Nordestão...) Luciana: - O Nordestão que você fala é o de Santa Catarina? Sebastião: - Santa Catarina. Ele saia de lá pra cá. Ele cruzava... não tinha essa [?] aqui onde tem agora o Nova Natal não, Cidade Praia, não. Ele vinha por dentro do Sarney, pegava uma parte da Itapetinga depois, é grande. Uma jornada. [?] Ali onde é o Sarney, quando eu cheguei me apaixonei logo. Isso em 92. Desci, disse “vou pedir água”. Tinha, sim, muito marginal. Mas aquelas pessoas marginalizadas, a qual muitas morreram, eram pessoas que foram, algumas, vitimas da própria ignorância da nossa sociedade, porque não tiveram chance de se educar; outras porque tinha feito algum crime e não tinha uma oportunidade de retornar e faziam coisa errada. Porém, hoje em dia, bandidos não respeitam ninguém, mas até isso me respeitavam. Eu entrei, não desci... na época relógio Oriente tinha valor, celular ninguém podia portar assim, era muito pouco, era daqueles que abria e fechava. Eu tava sem celular, eu não conhecia ninguém. Até fiquei a vontade. Ninguém. Pedi água, tinha água ótima. Era cheio de lagoa, chamavam de Lagoa do Sapo até, lavei os pés na lagoa e o pessoal me tratava bem. Ai eu digo “Como é que pode ser terra de ninguém, onde não tem gente, e o pessoal é tão bom?” Ai, comecei a frequentar. Da Caboclinhos pra cá, entendeu, era só mato. [O vento atrapalha a compreensão do áudio neste momento] Ai, era lindo, tava só começando e vinha organizar tudo. Os alunos (eu peço desculpas por falar aqui desse tema) eram 90% mais educados [o vento atrapalha o áudio] no tempo que eu estudei. Em vez da gente quebrar as cadeiras, a gente tinha cadeira quebrada, porém a gente zelava. Mania que a gente tem de riscar de grafite, porém, a gente tirava (não existia álcool em gel), a gente tinha mania de levar álcool, chamava até de “lá vem o bebinho!”, o cara vinha com a vasilha de álcool, às vezes, e um pano para limpar a cadeira. [?] Hoje em dia... você nota que a educação mudou, mas não é culpa dos lecionadores, não. É culpa da nossa mudança [de vida]. Luciano: - Certo. Ai, me diz uma coisa, já que o senhor falou... lagoa do Sapo que o senhor diz é a do José Sarney. Sebastião: - José Sarney. Luciano: - Naquela época o pessoal também, como essa Lagoa Azul aqui, o pessoal usava a lagoa do Sapo lá no loteamento José Sarney como lazer também? Sebastião: - Lazer, lavagem de roupa, retirada de água para lavar louça e era bem simples. Agora ela tinha muito aquele sapinho novo, o girinozinho do sapo. Então ele era conhecida como lagoa do Sapo, depois alguém saltou uns peixezinho lá... ai quando houve umas cheias que aconteceram e já tinha [?] é que passou a ser [?] teve a enchente, fizeram e melhorou. Aquela comunidade veio pra ali já tá com mais de 20 anos. E eu sei que tem muita violência ali, mas acho que é até por falta de nossos filhos [?] mas tem muita gente boa ali. Luciano: Me diga uma coisa, é... Como você hoje... Eu sei que você hoje tem um rapaz já bem encaminhado, mas assim, naquela época mesmo quando vocês começaram aqui, ele com 8 anos, 10, 11. É... Como era o lazer das crianças naquela época? E hoje, como funciona o lazer? Em

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Nordelândia... Eu acho que já perguntei isso. Em Nordelândia existe lazer para as crianças e os jovens? Sebastião: Não. Era mais só assim, era mais [? – 41:18], porque esse lazer de pegar uma “bolazinha" e esquecer as atividades. É muito bom o esporte futebol, mas não é todo mundo que vai ser jogador de futebol e ganhar milhões não, viu. Pode chegar no campo lá e invés de aplicar seu esporte encontrar um cigarro de maconha deste tamanho. Que eu joguei bola também na minha infância e em 84 eu “tava” iniciando. E eu me afastei do jogo de bola, porque não fui aceito, o pessoal “tava” [?] Izabel: Inclusive, viu diretor, tem uma historia [?] meu marido foi 41:46 nos anos 90 ele assistia muito aquele filme de Tarzan e começou a imitar Tarzan. Se pendurava de um pau para o outro e nessa brincadeira aqui, outro colega dele empurrou ele com tudo e ele caiu e quebrou o braço [ouvese uma voz ao fundo, mas não pode-se compreender o que diz e risos] e a gente, meio dia e pouco, a gente colocou ele no bagageiro [?]. E [?] dizia “você ainda vai ser Tarzan? Ainda quer ser Tarzan?” e ele dizia “Não, não [?]” Sebastião: Mas até hoje eu me arrependi. Izabel: Exato, mas na época foi uma agonia muito grande. Daqui lá pra pista. Sebastião: Na época [? – 43:01] depende da boa vontade, que em nosso país a boa vontade política assume só 3%. O restante fica imaginando que vai ter boa vontade um dia. Complicado é isso. Luciano: Esse campo que tem aqui no inicio ? foi a comunidade que.. Sebastião: Foi. Esse campo aí... Marina: Vocês que improvisaram? Sebastião: A gente que improvisou. Para que as crianças terem aonde, um espaço para elas. Brincar um pouco. A gente começou a improvisar um parquinho mas não deu muito certo, porque houve um [?]. A comunidade, as pessoas fazem. Esse aqui, aquele lixo ali em baixo não é a gente que coloca não. Pode ver que [?] A gente bota em dois sacos, recolhe o lixo ao final do dia. Mesmo uma região simples, eu não sei a quantidade [?] da população, mas uma boa parte da população ??? E um dos primeiros a chegar aqui, chegou [?] eu e o finado Pedro [?], mas a gente comprou igual. Eu cheguei depois e o vizinho ali, Cobalto. Era só a gente, aí depois chegou os demais. Aí quando eu iniciei aqui, quando eu vinha aqui que não tinha ninguém [?] Eu comprei o primeiro terreno aqui com minha mãe, morei com ela um bom tempo na, é... Poeta Revoredo Neto. Quando veio também com uns tios meus, mas pra mim isso não era obstáculo. Por que meu pai foi pioneiro em tanta coisa, em sindicato, em tudo... Fez a parte histórica dele, então pra mim... Fiz essa parte como bom cidadão norte-riograndense, então pra mim não é [destaque], porque a realização é pendente de pai para filho. Se um pai... um filho ele tenta imitar o pai, entendeu? A questão das drogas que a gente... já acontece atualmente na vida das famílias e destrói, essa emboscada, é porquê? É por quê o pai não tem tempo para juntamente com o filho para sentarem na mesa e dialogar. Aqui a gente tem essa mania de preservar a mesa. É medieval, né? É! Mas é aqui que faz aquela questão assim... tem um... que hoje em dia chamam [?] porque ninguém [?] nessas orações. A gente tem que coibir na hora da refeição com tevê, e o tal do videogame, né? Porque ele afasta a família, e é a única hora que a gente de dialogo aberto. Invés de... Na hora que está comendo esquece-se a ignorância, esquece isso. Um pai não vai gritar um filho, se não ele morre engasgado. [risos] Filho... É... Olha só como é interessante! Isso ai eu até tou passando para os jovens, para vocês passarem pros outros. “Oh, na hora da refeição é hora de fazer a confissão.” [nessa hora Izabel diz “É sagrado!”] Papai não tem como gritar, ele... Eu fazia isso! [?] Quebrei a bomba de papai, que trabalhava com hidráulica. E eu com medo. Ai, na hora da mesa, tudo bem ele chegou, né?! Bem, foi tomar banho... Sentou na mesa, ai ele fez aquela comidazinha típica do nordeste, né?! Pirão de peixe. Ai vou... “peixe, vai dá certinho...” Se ele gritar... [todos riem]. Aí começamos a comer e conversar, e eu disse assim: “- Papai!”; “- Que é?” [o pai respondendo]; “- Eu fiz uma coisa que não gostei de ter feito, não”; “- Então pode dizer”; “- Pai,

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se eu tivesse quebrado alguma coisa sua, o que é que o senhor ia fazer?”; aí ele olhou pra mim e disse: “- Depende do que seja.você que escolhe, né? Tem três punições: a cinta de couro, caroço de milho, ou três horas naquele banquinho sentado”; eu disse: “- Aceito o banquinho”; “- Mas por quê?”; “- Bem, eu vou pro banquinho, já vou logo!” [todos riem]; aí ele disse: “- Termine de jantar primeiro”. Aí no fim do jantar: “- Papai, eu lhe fiz um grande dano... quebrei sua bomba”. Mas aí não teve nem como, ele estava com o peixe na boca ainda. E eu com vontade de rir e me segurando. Aí eu sentei no banquinho e ele disse: “- Mas rapaz, quebrou minha bomba!; aí eu disse: “- Quebrei, papai, mas não foi por querer, não. Fui brincar com os meninos, aí fui imitar o senhor”, imitando ele que eu achava bonito o que ele fazia, “fui imitar o senhor, papai, e me dei mal, quebrei sua bomba, o que é o senhor vai tirar mais de mim aí?”; “- Primeiro eu vou olhar a bomba”. E eu já tava no banquinho sentado e ele: “- Pois tá bom, são três horas aí viu? Nem um segundo a menos no banquinho”, eu disse: “- Tá bom”. Eu já tinha jantado, mas rapaz, pra quem dormia de nove horas, fiquei de seis e meia até nove e meia, mas quem disse que eu ia sair do banquinho? E assim se resolviam as coisas. A melhor hora pra se resolver uma bronca é na hora da refeição. Tá lá o nosso inimigo número um da família, o traficante, o que é que ele faz? Ele tá lá, o pai... é aquele desmantelo, não tem mais a refeição, o momento sagrado: um lancha não sei aonde, outro não sei aonde mais. Aí ele diz: “Ah! O pai é ignorante”. Aí vem pra cá, o cara [o entrevistado refere-se ao filho] vem pra mesa, o cara tá um homem, detesta cigarro, não quer bebida, nem coisa nenhuma. Izabel: - Tá no exército também. E a gente sempre, assim, a gente tem um momento pra tudo, a gente sempre tá conversando, a gente não vive batendo nele. Sebastião: - Não dá, comendo, na hora da refeição, não quero separar não. Jamais! [Nessa hora uma voz comenta: “Verdade!”] Ei, é...vocês tem alguma pergunta a mais? Eu to a disposição. Luciano: O senhor citou Lagoa Azul como nosso paraíso. Você pode descrever como era quando você ia pra lá? Como era o ambiente, as famílias... O lazer em si. Sebastião: Família já não conta. Primeiramente o que se fazia quando se ia para Lagoa Azul era arranjar um cantinho pra botar a chinela, que a gente vivia descalço, aproveitando a terra. Era limpo. [?] E caco de vidro e nem encontrava essa quantidade de cigarro assim. E é porque o pessoal fumava um brejeiro que não era brincadeirinha não. Mas não tinha nada, era limpo. Caminhava daqui pra lá. O acesso mais prático que tinha era essa rua... Essa rua aqui direto onde fica aquela casa, viu?! [Dona Izabel comenta “não existia poluição”] É piloto... É piloto num sei que lá. [...] Umas barreirazinhas que a chuva fazia. Só pra começar, isso aí é aproveitando. Tinha uma mulher que tinha um hábito bem diferenciado e já levava já o que hoje em dia chama pacote de amarrar trouxa. [?] Ai fazia o que hoje em dia é cafona, né. É aquela vasilhazinha com “frangozinho” assado, uma carnezinha, um arrozinho . Era um piquenique. Aí ó... cajueiro na parte de lá, entendeu? o pessoal acomodava... E eu também fiz muito isso ali em Nísia Floresta, ali na Lagoa do Bonfim, quando criança. Papai fazia com a gente. Isso fazia com que as famílias se acomodassem de forma pacifica, tranquila. Ia e voltava. E sempre tinha aqueles homens que gostavam de tomar suas “lapadinhas” de cana, mas eles traziam a garrafa de volta. Hoje em dia o pessoal ta achando que é pesado. Depois que sai o liquido tá achando que é pesado. Luciano: Deixa lá. Quebra, deixa os cacos de vidro. Sebastião: Esquece que precisa voltar lá depois e aquela aguinha limpa, preciosa, que... Se a gente mantiver limpo, o que acontece? Mesmo a gente poluindo com a sujeira do nosso suor, mas a terra em si é tudo natural, recupera por si só. Mas com lixo produzido não tem condições não. Sacola, vidro. O paraíso... mata o paraíso. Dona Izabel: E sem contar que a gente não vai mais. A gente não faz mais isso. Não pode mais, que é só vandalismo. [Seu Sebastião diz “Não faz mais não!”] Se não daqui pra lá você é você é capado [?]

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Sebastião: E ainda tem coisa pior! Que ninguém faça isso não, viu? Mas hoje em dia do jeito que é na praia acontece de um seboso, com falta de educação - peço perdão pela expressão - fazer as necessidade dele.. aproximado da água. Por exemplo agora, tanto morro se o cara “ta” apertado ele ande pelo menos 1 km, Já vai deixar distante, o sol vai queimar aquelas bactérias [?]. Ou seja, nosso povo precisa adquirir novamente bons hábitos, que mudam a sociedade. E outra questão também interessante, pra vocês que são jovens, é que cada um tem que se fazer que nem um beija-flor. [...]. É que nem uma história que contavam é que “tava” acontecendo um incêndio na floresta aí um beijaflor, como sempre um pássaro muito preservador, vivendo só do doce. Aí pegava o biquinho dele, enchia d‟água, barro e ia lá só aquela gotinha. [Seu Sebastião faz o baruho da gota caindo]. Passou por ele uma gaivota e disse: “Beija-flor!”; entenda, isso aqui é coisa teórica que inventaram pra gente educar os mais novos naquela época. [Seu Sebastião continua a história] “Beija-flor, o que você ta fazendo?”; “To apagando o incêndio”; “Como é que você vai apagar com uma gotinha de água?”; aí ele respondeu, olha a sensatez dos antigos, como tinham autoridade em orientar: “Como é que você vai apagar um incêndio tão grande com uma gotinha de água?”; Aí ele disse “Olha, eu só sozinho, carrego só uma gotinha de água”. Porem se vocês se unirem a mim e cada um carregar uma gotinha teremos um monte de água e apagaremos esse fogo [?]. Mais alguma pergunta? Luciano: Tem mais pergunta? Alguma? Respondem “não”. Luciano: Então a gente queria agradecer a vocês por ter recebido na nossa casa, na sua casa [Todos riem] Sebastião: É nossa, é nossa. Izabel: Aqui é o nosso doce lar, né Luciano: Eu estava dizendo aos meninos, eu estou na escola, vim no carro da prefeitura, né! Porque assim, a todos os entrevistados nos damos um exemplar do trabalho que nos já fizemos, que foi um trabalho de pesquisa sobre o Alecrim, mas [?] Sebastião: Alecrim, antigo paraíso comercial. Luciano: Exatamente. E esse trabalho que nos estamos fazendo sobre Lagoa Azul vai resultar também em uma publicação. E aí eu já faço até um pedido, se vocês quiserem e puderem ajudar. Se vocês tiverem assim alguma fotografia, né... É, da comunidade, de tempos atrás. Não precisa ser assim só paisagem, pode ser algum momento que vocês estivessem com os filhos de vocês e tivessem tirado uma foto. Mas a nossa preocupação é preservar a memoria da comunidade através de relatos de vocês.

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7 - ENTREVISTA COM JOÃO MARIA

[Na manhã do dia 13 de outubro de 2012, reúne-se, Associação de Amigos de Nova Natal, a equipe do programa Memória – Luciano, Matheus, Tyego, Gabriela e Marina –, juntamente com morador do loteamento Boa Esperança]. Luciano: Eu queria que o senhor dissesse seu nome completo... João: É João Maria da Rocha Barbosa Luciano: Qual sua idade, amigo? João: Cinquenta e dois anos Luciano: Onde o senhor mora, atualmente? João: Moro no bairro Lagoa Azul, Boa Esperança Luciano: Qual a rua? João: Moro na Avenida Amélia Cristina, número seis, nove, três (seiscentos e noventa e três) Luciano: Bom, há quanto tempo o senhor mora no Boa Esperança? João: Desde noventa e cinco que cheguei nessa área do (bairro) Lagoa Azul, comunidade Boa Esperança né? Morei no (conjunto) Nova Natal oito anos e dali... Noventa e quatro eu vim para o Nova Natal e em noventa e cinco eu fui para o Boa Esperança. Luciano: Como era no Boa Esperança? João: Naquele tempo, de noventa e cinco, Boa Esperança era... Lagoa Azul ele concluído em cinco comunidades, é o bairro Lagoa Azul com Nova Natal e as comunidades vizinhas. Então naquele tempo que eu cheguei no Boa Esperança eram poucas casas, mas era só mais mato. Hoje em dia pode-se dizer que já existe uma cidade. Luciano: Já chegou lá para morar? João: Não! Eu cheguei, morei na... a primeira minha casa foi na Avenida Professora [?] de Morais. Depois eu me mudei para essa avenida (Amélia Cristina), mas minha mãe e meus irmãos moram na (rua) Tijuana. Então aí eu cheguei na comunidade, na época em noventa e cinco, e aí fui o primeiro presidente do bairro. Tirei o mandato em noventa e nove, foram três anos, de noventa e nove á dois mil e um. Aí perdi a eleição na comunidade, me afastei, fiquei na associação e agora eu retorno como presidente do bairro. Luciano: Você sai de Nova Natal e vai morar no Boa Esperança. Como foi para construir sua casa?

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João: Comprei um terreno lá, construí minha casa e saí do aluguel. Luciano: Na rua que você morava, em noventa e cinco, recorda quantas casas? João: O Boa Esperança naquele época era difícil, não tinha... Era uma casa aqui outra ali, e não tinha nem cinquenta casas, construídas, naquela época no Boa Esperança. Luciano: Tinha luz, água? João: Tinha não. Passei uns três meses carregando água. A água vinha de Nova Natal, entrava para lá pela (rua) caboclinhos e a energia só os postes que já tinham todas as ruas cavadas para o acesso. E eu ainda passei uns três meses carregando água num galão, buscava água naquela padaria e de madrugada as pessoas iam fazer a fila para encher numa „cacimbinha‟ de uma encanação que tinha por lá. Luciano: Me diga uma coisa. Esse desafio inicial... pra cozinhar? Como era? João: Naquela época eu já tinha um fogão. Tinha gente que usava lenha, carvão, porque ainda hoje se usa né? Tiraram de uma mata lá perto (do Boa Esperança) e hoje ainda tem essa mata lá. Onde é o Nordelândia, era mato. Onde é o Bom Jesus, era mato. Onde é Boa Esperança era mato. Tinham poucas casas, umas numas ruas, outras... Luciano: Mas o senhor via esse movimento para a derrubada de árvores para lenha? João: Eu via porque andava dentro da comunidade. Eu via por todo canto... Luciano: Nesse período, naquela região do Nordelândia, o pessoal caçava também? João: Naquela época não era como hoje, cheio de casa. O camarada que tinha uma espingarda e saia para pegar um peba, uma caça né? Eles tinham essas armas. Hoje em dia parou mais, não existe mais. Luciano: E o pessoal do Boa Esperança, eles utilizavam a lagoa Azul? João: O pessoal do Boa Esperança, toda a vida, ela é uma lagoa muito bonita lá. Toda vida eles usaram essa área, é tanto que a muitos anos essa lagoa é falada e o pessoal usa ela. Eu não sabia, vim conhecer de um tempo desse pra cá, mas eu não conhecia. Eu que morei ali no Nova Natal, com um tempo desse é que eu fui pra lá. Mas é uma coisa bonita, importante. Pode ir lá agora que está lotado. Lá em Valdeci (um possível dono de balneário privado na lagoa) que é cercado, tem uma parte que é cercado que paga para entrar, mas é organizado. Agora a ponta dela, embaixo, você vai por fora e chega lá na lagoa. É bonito, é um negocio que se fosse organizado, hoje em dia ali, nos teríamos uma área turística. Luciano: Mas me diga uma coisa; O senhor nesse tempo do conselho comunitário, presidente da associação lá do Boa Esperança, em algum momento existiu a preocupação com o meio ambiente? João: Não! Não existiu por um tempo. O pessoal ali da biblioteca (ONG Fé e Alegria), o pessoal da ONG, „fomos‟ lá. „Pedrinho‟ que foi candidato agora (pleito 2012), levou umas pessoas de fora,

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também, para umas reuniões lá. Eles tiveram o interesse nesse tempo, Manoel, Cadó, e fizeram essa reunião com pessoas das secretarias (municipais) e saímos „arrodeando‟ aquela área „todinha‟ pela BR e ficamos na ponta da lagoa. A respeito disso eles tem uma conversa aí. Luciano: Eu queria saber se existia um movimento de dez anos atrás quando o senhor, noventa e cinco chega, se lembra de alguma movimentação? João: Não, não. Não lembro não porque em noventa e cinco eu fui para lá... Luciano: O senhor, lá em noventa e cinco, noventa e seis, como era pegar transporte? João: Era difícil, ainda é difícil. Todas as áreas ali era tudo para Nova Natal. Toda tensão de noventa e seis, noventa e cinco, tudo era de Nova Natal. Tivemos uma fase tensa e de dois mil e dois para cá foi que veio mudando. Teve a Rio Grandense (empresa de transporte coletivo) que foi para lá e melhorou um pouco para àquele povo, mas agora voltou. Toda área de Lagoa Azul passa uma fase difícil com o fechamento dessa empresa. Luciano: Mas me diga uma coisa, para finalizar aqui; Os moradores do Boa Esperança, em algum momento sentiu preconceito dos moradores do Nova Natal com os do Boa Esperança? João: Não. Eu nunca encontrei. Para nós, moradores do bairro, todos consideramos uma coisa só. Nova Natal, Boa Esperança, Nordelândia, Jerusalém, Câmara Cascudo são áreas que tudo o que tem em Nova Natal serve. Nos participamos, é uma coisa que é tudo unido. Para mim, nunca existiu isso, nem existe. Luciano: Lazer para juventude do Boa Esperança? João: Não tem não, Agora que está sendo construído uma área de lazer para dá cobertura ali, para àquelas crianças. Nunca teve, agora que esta saindo do papel e vocês sabem da história. Construindo lá no campo, lá. Construído no Nordelância, mas tudo é junto com Boa Esperança. Luciano: A gente agradece sua participação, contribuição, para esse nosso projeto. O objetivo é, sim, preservar a história dessas comunidades, do bairro Lagoa Azul em geral.

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8 - ENTREVISTA COM IZALDO FILHO (JÚNIOR)

[Na manhã do dia 29 de novembro de 2012, reúne-se, Associação de Amigos de Nova Natal, a equipe do programa Memória –Tyego e Gabriela–, juntamente com morador “Júnior” do loteamento Gramorezinho]. Gabriela: Gostaria primeiro de saber o seu nome completo. Izaldo: Izaldo Filho Gabriela: Quantos anos o senhor tem? Izaldo: 38. Gabriela: A quanto tempo o senhor mora aqui em Gramorezinho? Izaldo: 15 anos. Gabriela: E como foi a sua vinda para cá? Como o senhor chegou aqui? Izaldo: A minha vinda foi porque eu morava em Extremoz, eu conheci uma menina lá e a família era daqui. Aí a gente casou, e no inicio a gente ia morar em outro local, mas aí fomos morar aqui em Gramoré. Aí a mãe dela falou para a gente ir morar com ela para adiantar a nossa casa, que a gente não tinha casa ainda. Aí a gente veio morar aqui com ela e fez a casa ao lado do terreno que pertence a família, né. Fez na parte que pertencia a minha esposa, e por isso viemos morar aqui. Porque aqui também tem um clima de interior, eu sou do sertão e sempre gostei disso. Desse lado de mato, de sitio... ai quando a gente veio morar aqui não tinha nenhum loteamento. Gabriela: Qual foi o ano? Izaldo: Foi em 1995, parece. Gabriela: Quando o senhor chegou aqui não tinha esses loteamentos, mas o pessoal já plantava? Izaldo: Não, a plantação aqui é centenária, não sei. Quando a gente chegou aqui já... Quando essas plantações aqui começaram... o bairro Gramorezinho foi um dos primeiros a existir aqui. Ele começou a existir a partir daí, as pessoas vieram realmente para trabalhar. Não sei como foi o sistema de moradia, mas ai as pessoas usaram os terrenos aqui para morar e para plantar. Já é antigo esse ato de plantar aqui. Minha sogra quando veio morar aqui não existia Pajuçara, Gramoré, não existia Santarém. Então eles plantavam e levavam a produção de burro pela linha do trem, pela ponte velha, que era só uma. Então isso aqui já é “antigão”, já plantam aqui há uns 50 anos ou mais. Gabriela: Aí você sabe quantas famílias mais ou menos trabalham com hortaliças? Izaldo: Eu faço parte de uma associação que e a gente tem um projeto... Esse projeto está trabalhando com 120 famílias. Projeto de fazer a conversão do tradicional para o orgânico. Que as pessoas aqui usam muito agrotóxico. Foi verificado se tinha agrotóxico, então foi desenvolvido um projeto para que as pessoas se adequem a plantar sem usar. Gabriela: Esse projeto é com a Emater? Izaldo: Esse projeto foi assim, vou explicar ele do princípio. A associação ficou insatisfeita com essa água que a Semob ou Semurb fez um projeto de captação das lagoas de água das chuvas, que nunca é das chuvas, sempre as pessoas começam a usar para colocar também água. Então a gente disse “a gente vai ter que ir lá brigar para que essa água não venha para cá”, porque a lagoa estava em um terreno de pessoas que usavam também para plantar, então ela ocupava grande parte. Vamos dizer que em um ela ocupou 30 metros, outros 50 metros. Então já existia a lagoa, só que mesmo chovendo ela não se expandia, não invadia algumas localidades que as pessoas usavam. Gabriela: Que lagoa é essa? Izaldo: É essa aqui, a Lagoa do Sapo aqui atrás. Aí o que acontece, a gente foi lá insatisfeito com a quantidade de água que vinha e com a qualidade também. Já que se é usada a água para agoar e o

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cultivo. Aí a gente chegou lá e a promotora fez o que “vamos entrar com uma ação para que a água seja tratada ou que não venha a quantidade de água que vem”. Aí a gente se reuniu, fez uma comissão. Chegou lá, a promotora “interquelou” a Semob ou Semurb, não me recordo, acho que era a Semurb que tinha outro nome na época, não sei. Eu sei que era a secretaria de serviços urbanos, isso eu tenho certeza. Aí o que acontece, eles alegaram o que: “Vocês vão poluir a água que o agricultor... além de vocês encherem a área deles vocês vão poluir a agua que eles agoam”, aí o foi que eles alegaram: “não, o problema do agricultor não é a agua. O problema é o agrotóxico que eles usam demais lá e poluem água, poluem solo, poluem tudo. A senhora não vê isso”. Foi tipo assim, enquadrou ela. Ela preocupada com a qualidade da água. Aí ela chamou a gente para um conversa e a gente disse que era uma tradição o povo trabalhar desse jeito, que nunca teve um apoio dos órgãos governamentais de apoiar o agricultor para que de uma alternativa para ele. Aí ela disse “Então vamos fazer um projeto aqui para tentar mudar essa maneira de cultivar aí”. Aí juntou Emater, Sebrae e foram bolar um projeto para beneficiar. E o que é esse projeto? O projeto é para o agricultor mudar o jeito de cultivar. Tirar o veneno... fazer orgânico. É um tipo de produto que seja no mínimo agroecológico, que se enquadre nas normas do meio ambiente. Aí patrocinador? Vamos atrás. A Petrobrás depois de muito esforço, muito convencimento falou “ta bom, vamos bancar”. Aí ela patrocinou esse projeto para a gente, através de um sistema de Desenvolvimento e Cidadania, que é um projeto que a Petrobrás tem que dentro desse projeto ela amplia... ela apoia outros, entendeu? Aí o que é preciso? A gente alegou que o agricultor iria ter uma perda se fosse mudar de tradicional para o orgânico porque ele não tinha o costume, a prática, então ele teria perda. Aí fez “Então vamos fazer um subsídio para o agricultor. Vamos dar uma ajuda a ele”. Aí ficou certo em 400 reais a ajuda para compensar as eventuais perdas que iria ter durante a transição. Gabriela: Esses 400 reais eram mensais? Izaldo: Mensais. Agora, durante um ano. No projeto, ele se estende ate 2 anos para se fazer valer. Aí contratação de técnicos para ensinar a eles, para fazer o treinamento. Dois fiscais de campo. A Emater entrou com uma parceria, mas também foi beneficiada com dinheiro do projeto, teve uma parcela para ela também. O Sebrae entrou também de parceiro, mas teve também uma ajuda de custo para eles. O Ministério Público também parceirão da gente, dando o suporte que é necessário. E o projeto é isso aí. Gabriela: Então vocês conseguiram se organizar... Izaldo: Ainda está em processo, porque o principal problema de ser de bairro é isso, a falta de união das pessoas. Gabriela: Você tem 120 famílias participando do projeto, mas como vocês conseguiram pegar essas famílias? Izaldo: Pronto, essas 120 pessoas foi feito um cadastro. Quando disse assim “Vamos fazer o projeto”, aí “Quem é agricultor?”. Do Gramorezinho, eu acho que tem em torno de 50 famílias, por aí. O resto abrange também, o projeto em si, uma parte de Extremoz [?], e também algumas pessoas do Pajuçara [?]. Mas seu acho que ainda pertence a Lagoa Azul. Acho que ainda faz parte. Aí o que a gente fez, a gente foi fazer o cadastro dessa pessoas. Foi na casa, explicou o projeto e cadastrou. Pegou o nome, identidade, cadastrou as pessoas para participarem do projeto. Aí agricultores é isso aí, em torno de 120 pessoas, mas Gramorezinho é bem mais que essas pessoas. O bairro antes era pouca gente, mas hoje... Gabriela: O critério para fazer o cadastro era só usar o agrotóxico ou tinha outro? Izaldo: O primeiro critério para ser cadastrado era ser agricultor. Foi agricultor, tinha que incluir. Só não foi quem não foi encontrado, quem colocava desculpa, não estava, colocava dificuldade mesmo. Mas mesmo assim a gente insistia, ia na casa. Gabriela: Vocês iam de casa em casa?

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Izaldo: De casa em casa! Insistindo para que participasse do projeto para mudar essa cultura, essa realidade. Gabriela: Outro ponto, o projeto abrangia, de inicio, 120 famílias ou tinha mais pessoas? Tinha limite de pessoas? Izaldo: Não, assim o projeto tem 120 agricultores, porém, em média são 500 e algum pouquinho de pessoas. Gabriela: É juntado tudo, né? Izaldo: É, juntando familiares... mulher, filho, irmã, sogra. Gabriela: Mas a Petrobrás limitou a quantidade de agricultores? Izaldo: Não, olhe só... Antes do projeto foi feito o seguinte “são 120 famílias aqui, a gente pode aprovar quanto aqui? É tanto para esse projeto”. Aí quando ela disse quanto tinha aí “agora vamos dispersar esse dinheiro, vamos ver para onde vai”. Aí foi distribuindo o dinheiro para as necessidades que o projeto exigia: um carro, uma moto, os técnicos, ficais de campo, que mais? Um apoio para a Emater, outro valor para o Sebrae. Gabriela: Como funciona o projeto? Tem dias na semana? Os fiscais se organizam? Como é o dia a dia do projeto? Izaldo: O dia a dia do projeto é assim, é de segunda a sexta, como se fosse um trabalho normal. Os técnicos são contratados pela associação, inclusive, com carteira assinada, então eles têm todos os direitos que um trabalhador normal tem. Os ficais de campo não, que sou eu e mais outro. A gente é tipo um coordenador do projeto, um apoio logístico, um apoio para ver o que esta faltando, qual o caminho que tem que ser tomado, esta entendendo? Um apoio logístico para fazer o projeto andar. De segunda sexta os técnicos visitam, tem um cronograma da visita, de acompanhamento... Saber se o agricultor está fazendo um adubo, que é um composto que tem que ser natural, não pode levar produtos químicos. Também tem o acompanhamento do fiscal de campo lá na área do agricultor para saber o que ele realmente está precisando, está sendo necessário, para que o projeto ande. Tem o presidente da associação, que o projeto sempre exige e reunião de acertos de conta, daquelas partes burocráticas, né. Então o projeto é necessariamente isso, o acompanhamento técnico e o dia a dia de dúvidas do agricultor. Porque a associação também não é só para o projeto, ela também está para outras coisas que seja preciso. A gente também faz um trabalho social, a gente tem uma parceria com a cooperativa dos pescadores de Pitangui, que a gente pega uns peixes lá para trazer... que já é também um trabalho do governo federal, paga [?] no quilo do peixe. É uma cooperativa lá de beneficiamento do peixe, sabe? Aí a gente é parceiro, devido ser uma associação organizada, constitucionalmente falando e tal... Toda direitinha, e a gente tem esse direito de tantos quilos de peixe. Vai lá pega, distribui para a comunidade, para aquelas pessoas que mais precisam. E tem outros trabalhos, né. Vai à secretaria quando precisa ir. Infelizmente o poder municipal deixou a gente aí... Porque assim, a associação é uma coisa independente, mas ela trabalha nesse sentido de buscar melhorias para o bairro, então onde é que temos que ir? Tem que ir aos órgãos municipais, estaduais, nesses poderes aí. Gabriela: Mas o município ajudou de alguma forma? Izaldo: Não, o município não. Com relação ao município a gente também não tem tido muito contato com o município. Porque assim as coisas básicas a gente tem dificuldade, por exemplo, a comunidade aqui não tem ônibus por causa dos buracos. A Guanabara mesmo alegou “infelizmente não tem como a gente ir não, porque os buracos não têm mais como”, então a gente esta sem ônibus. As velhinhas saem daqui pra lá... você viu que é longe de Pajuçara pra cá, para um senhora pegar um ônibus... Ela sai daqui vai lá para o terminal do Pajuçara pegar um ônibus porque ele não entra aqui, parece interior. Ai quer dizer nem essas coisas básicas eles conseguiram atender a gente, imagina uma coisa mais complicada que atenda mais pessoas, uma coisa social.

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Gabriela: Quais as motivações de continuar morando aqui? [O entrevistado pede um minuto e vai falar com outra pessoa] Izaldo: O que motiva? Primeiro que é... Como todo canto eu acho que a maioria das pessoas aqui é residência fixa, casa própria. Então, você infelizmente você tem que ficar sujeito à situação. Não tem como você vender uma casa aqui e ir para o Pajuçara, o mercado em termo de... não tem. O que motiva é isso. E outra também, aqui é um bairro que está vindo agora, esses loteamentos... Aí é questão de alternativa mesmo, as pessoas vão onde tem um lugar para morar. Um cidadão de baixa renda, de situação financeira baixa, não tem muita opção. A gente está onde a situação permite. Porque você vê, essa é a situação que tá, mas o loteamento passa pouco tempo vendendo, de repente as pessoas compram e vem morar, fazer o que? É especulação imobiliária mesmo, não tem onde morar. Você tem que ir onde está abrindo canto, espaço... Não tem opção. Gabriela: E como é o nome da associação? Izaldo: É Amigues. A associação atende as pessoas do bairro e das adjacências. Com isso o pessoal de Extremoz é beneficiado. Gabriela: O que significa o “s”, de Amigues? Izaldo: Associação de amigos... É, assim, esse nome amigues é um nome [???], porque assim, foi debatido inclusive esse amigues. Porque a associação foi feita com poucas pessoas, feita na raça. Aí assim, esse “s” já foi questionado também, inclusive por mim, mas é isso aí. Gabriela: Você ta com a camisa Amigo Verde – Gramorezinho, é o nome do projeto? Izaldo: É o nome do projeto. Tyego: Em que ano foi implantado o projeto? Izaldo: O projeto foi implantado esse ano. Em Junho... teve a assinatura do projeto. Quer dizer a luta vem há muito tempo, mas o projeto foi sancionado mesmo agora em Junho. Gabriela: Vocês já conseguem perceber alguma mudança desde que foi implantado efetivamente o projeto? Izaldo: Assim, porque quando se trata de... a comunidade é muito complicada. Você trabalhar com comunidade, com pessoas é muito complicado, seja qual for o trabalho. Tem pessoas com pensamentos diversos, aí cada um tem seu jeito de se comportar, de opinar. Então algumas pessoas colocaram na cabeça que tem que ser e algumas pessoas já estão no rumo certo, né. Quer dizer, no rumo que o projeto exige... Não sei se é o certo, espero que sim. Mas algumas ainda tem dificuldade, coloca empecilho, diz que o projeto veio para atrapalhar, aquelas coisas dos contra, né. Sempre tem. Mas de uma forma geral, é um projeto que veio para ajudar e algumas pessoas aceitam e outras se opõem... mas devagarzinho a gente vai mudando ai o pensamento deles, entendeu. Tyego: Essa oposição deles é na questão ambiental em querer mudar o modo? Izaldo: É. Porque assim, a tradição qual era? Bota adubo, bota o [?], corta a terra, aplana, enterra o alface. Vem o adubo de galinha, que é instantâneo o efeito dele, você bota e de repente ele... tem muito oxigênio, umas substancias lá que de repente ele da vida a planta bem ligeirinho, mas em compensação a terra fica sem... Sempre tem que ter ele ali. Plantou, cresce um pouquinho alface da uma adubada, quando esta em certo tamanho da outra, que é pra ele... então é um adubo com efeito rápido. Como esse projeto requer todo um cuidado... Sim, a historia [?] nenhuma praga acabar com a produção, ela sair todinha. Quer dizer, esse projeto [?] vem uma praga que ataca a lavoura, então alguns pés de alface não resistem. Vai ter uma perda ali, então a principal queixa é essa, a perda no produto que eles alegam que tiveram. E a questão também do trabalho, que tem mais trabalho porque eles tem que se preocupar com o adubo, com a preparação do solo que ele não tinha essa preocupação. 99% não tinha. Com três meses tirava a [?] e acabou. Não se preocupava com a qualidade do solo. Em botar um calcário, de butar um composto ali mais rico em proteínas, em cálcio. Coisas que os técnicos é quem deveriam dar essa definição melhor aí.

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Gabriela: Além da associação de Amigos, existem outras associações? Ou conselho comunitário ajuda de alguma? Há outros projetos em relação a agricultura familiar? Izaldo: Não, porque assim... O conselho comunitário é uma coisa muito politica. É mais para atender interesses. Porque não é porque a função deles permite isso, a função deles era o que? Era realmente trazer melhorias, mas devido os vícios as coisas que existem no conselho, a politicagem que corre solta no conselho... Então devido aí um projeto desse nem vem através do conselho. E o conselho daqui ele está meio disperso, porque houve um desentendimento ai entre as chapas, entre as pessoas que querem ser o presidente do conselho aqui no bairro. Então tem uns entraves, inclusive na justiça. Aí o conselho comunitário aqui não esta atuante não. Gabriela: Não? E nem existem outros projetos? Izaldo: Não, o projeto no momento que existe é esse. E a gente é beneficiado pelo de Pitangui, né... Do peixe. Que a gente é beneficiado, favorecido por ele. Gabriela: Quais as cidades circunvizinhas que vocês comercializam as hortaliças? Izaldo: As hortaliças da região que o projeto esta atuando, vai para toda natal. O que você imaginar de Natal, lá dentro de uma merceariazinha lá no planalto. Do outro lado da cidade. Em um mercadinho lá... Eu tenho certeza, 99%, que tem produto daqui dessa região. SuperShow, Nordestão, Carrefour... Todos são. E outros cantos também. [A entrevista é interrompida por uma visita] Tyego: O projeto tem alguma ação de conscientização ambiental nas escolas, entre as crianças e os jovens? Izaldo: Por enquanto, não tem. Foi assim, quando a gente for convidado a gente vai lá expor qual a finalidade do projeto, qual a importância que ele tem. [O entrevistado interrompe a entrevista falando “vou arrumar uma pessoa aqui para ficar recebendo, viu?”]. As ações, a gente não tem por enquanto, como eu havia dito. Aí quando as pessoa chamam a gente vai lá e explica qual a importância de um projeto desse para as pessoas e para o meio ambiente. A conscientização é essa... Porque assim, tudo que se trata de conscientização ambiental é visado a qualidade de vida do cidadão. Gabriela: Então você considera o meio ambiente um patrimônio? Izaldo: Claro! Ninguém tem duvida. Acho que se ninguém pensa assim tem que começar a pensar, porque agora... O que eu acho é assim, que é tudo muito superficial. Todo mundo fala em meio ambiente, mas na verdade a preservação do meio ambiente, na minha opinião, a preservação para as pessoas competentes a isso é o [???]. Sede muito a especulação, a construção, ao avanço tecnológico, eu acho que sede muito. Eu não acredito em preservação de meio ambiente total com a maneira de consumo das pessoas. Gabriela: E como você definiria a relação que vocês tem com o meio ambiente e a importância de preservar o meio ambiente para a comunidade? Izaldo: para a comunidade... Primeiro assim, a relação que a gente tem... Porque assim conscientização é uma coisa e praticar é outra. Então assim, a conscientização aqui por parte dos agricultores existia, porem como as pessoas estão muito abandonadas pelo poder publico... porque além do ser humano ter essa conscientização eu acho que tem que existir por parte dos órgãos governamentais, tipo que nortear ele... porque se não nortear por mais que as pessoas tenham conscientização ela não vai não... pela necessidade as vezes de você... por exemplo aqui, a pessoa tinha necessidade aqui de produzir, não queria saber como. Tinha que produzir, tinha que colocar mercadoria no mercado para vender, para trazer dinheiro para dar o que comer a família. Gabriela: Essa preocupação existia antes? Izaldo: É, preocupação sempre existiu. As pessoas são preocupadas... Preocupadas com as lagoas. A relação da gente é essa, o contato direto né. Tyego: A relação da comunidade com as lagoas?

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Izaldo: A relação sempre foi em termo de pesca... Para pescar, para tomar banho e para irrigar a agricultura dele, né. Só que agora o urbanismo veio “com gosto de gás” aí e veio trazendo as mazelas. Gabriela: É, era isso que eu ia perguntar também, tanto a importância do Rio Gramoré, acho que é Rio Doce, quanto a Lagoa do Sapo para os moradores da região. E como estava definida a questão da irrigação? Como está hoje? Izaldo: A irrigação sempre foi pelas lagoas, pelo Rio Doce e pela Lagoa do Sapo. Só que devido a... esta havendo muitos teste neles, teste de qualidade da água. Vai se ver a questão da... A vontade da gente é que essas lagoas estivessem preservadas, que o rio tivesse realmente condições de uso para aguar... que a lagoa desse condições para isso também. Mas eu não acredito muito não, pelo menos essa lagoa aqui eu não acredito muito. O Rio Doce eu acredito que sim porque rio é rio, né... ele sempre esta renovando ali. Por enquanto o Rio Doce eu acho que ainda vai da para aguar. Gabriela: E a importância? A relação que os moradores tem com o rio e a lagoa. As pessoas além de se aproveitarem da irrigação, da água, são espaços também sociais? Izaldo: Não, infelizmente hoje não. Hoje não existe esse espaço mais... Não existe essa relação com o rio, a não ser a água para aguar. Tyego: E antes como era? Izaldo: Antes... porque assim, tudo vai mudando... Não é nem questão porque queira, é porque a vida vai... Hoje em dia os filhos já nascem com outro pensamento, você fala em tomar banho no rio e eles já falam “eu ein, vou pra esse rio”. Ele já quer ir para uma piscina, já quer... Vai mudando a cabeça das crianças. Então o relacionamento com o rio antes era: a pessoa tomava banho, pescava... Hoje se a pessoa falar para um jovem desse em pesca em um rio desse aí... Uns ainda pescam, ainda usa o rio para pescar, mas devagarzinho esta acabando, o relacionamento com o rio esta muito pouco. E assim, eu acredito que era para ter tido mais apoio para as pessoas saberem a importância do rio. Era para ter tido mais apoio, mais informação para o agricultor. Como todo canto, se o agricultor tivesse mais informação ou talvez mais inspeção obrigando... Porque eu acho assim, esse negócio de conscientização onde tem gente é muito complicado, eu não acredito muito nisso não. Se não tiver um órgão, um poder enquadrando, dizendo “Olhe, você não pode plantar aqui e acabou. Tem que deixar a margem do rio preservada”, se não tiver isso eu acho que não funciona. Gabriela: Mas o senhor ia para o rio, aproveitava ele? Brincava? Izaldo: Não, eu quando cheguei aqui... 15 anos para a historia do Gramorezinho é muito pouco, então quando eu cheguei aqui não tinha muito essa... a uns 20/25 anos atrás eu acho que existia isso, mas na época que eu cheguei era pouco. Eu ainda tomei uns banhos no rio, mas... porque também era mais limpo, hoje a qualidade da agua também já não é a mesma... mesmo a do rio. Gabriela: Então, o que o senhor e as pessoas que o senhor conhece entendem por zona de proteção ambiental hoje? O que você entende? Izaldo: Zona de proteção ambiental? Na minha cabeça, com as minhas palavras, eu acho que é uma área que é necessária ter para que mantenha a qualidade do ar, não sei... Para que mantenha a qualidade de vida, em termo de ar, de clima, de temperatura, não sei se é isso mas eu entendo por isso, que é necessário ter. Era pra ter mais... Eu insisto muito nessa tecla de poder, de governante... porque que eu insisto? Porque infelizmente o ser humano ele tem que ter fiscalização mesmo. A conscientização é de poucos. Gabriela: Algum órgão publico, seja do município ou do estado, já veio aqui na comunidade para tratar dessa questão em especifico? Izaldo: Não. Gabriela: No caso a associação que esta promovendo isso de pouquinho em pouquinho?

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Izaldo: É, porque assim, na verdade o projeto em si não abrange tanto essa parte aí de preservação do meio ambiente. Contribui automaticamente, é uma coisa que não tem como separar... o agrotóxico... você não sabe o mal que ele trás para o ecossistema, para o lençol freático, desequilibra a fauna, trás varias coisas, mas o projeto em si não é necessariamente isso aí. Não visa bem a questão da área de proteção. Porque assim aqui tudo é uma área de proteção, mas assim os empresários não podem construir aí. E aí eu adoro isso. Queria eu que nunca ninguém construísse nem aí, nem aqui, alias esses loteamentos não era nem para ter, na minha opinião. Não era para deixar construir nas margens desse rio. Era para ter sido proibido, fiscalizado, não era pra ter deixado ninguém construir nas margens do rio. Nessas lagoas aqui. Essa mata era para esta mais viçosa, maior. Essa área aqui todinha era para ter essas lagoas aqui limpas. Queria eu poder morar em um local assim. Mas assim, a gente fica entre a cruz e a espada, porque o poder público diz que é uma zona de proteção, certo? Mas ele nunca fez por onde ser uma zona de proteção. Ele nunca se mexeu para nada, ai quem quiser faz o que quer aí. Como por exemplo, todo poder publico sabe que lagoa de captação “finda” acabanado em esgoto. Todo mundo sabe disso. Toda lagoa de captação que eu conheço finda lama, esgoto. Então quer dizer, eles fizeram esse lago aqui que é em uma zona de proteção, eles sabem... Eu não acredito que eles não acreditem que isso ai não vai virar uma... Porque não existe uma fiscalização nas vias fluviais que vem, então isso ai vai virar lama, vai virar esgoto. Então quer dizer, é uma área de proteção ambiental, mas que vai virar... Era pra ser o que? Era pra vim agua da chuva, mas não desses bairros aí, era pra ser uma coisa natural, daqui mesmo, desses morros. E as pessoas usam isso... ate para plantar maconha aí já plantaram, jogar lixo. Porque jogar lixo é muito fácil. Se tivesse fiscalização as pessoas... Por isso que teve uma vez que o pessoal da universidade veio aqui, um pessoal para tratar desse assunto. Os alunos eram formando em que? Urbanismo... Tyego: Arquitetura e Urbanismo? Izaldo: Isso aí. Então era essa área aí que tratava desse assunto. Aí eu disse as pessoas o seguinte, não adianta não pode formar todo dia um cento de gente que “mange” do assunto de urbanismo, de meio ambiente, mas tem formar pessoas que sejam comprometidas. Não adianta sair da universidade com as técnicas, mas sem o comprometimento não. Porque os órgãos existem, mas cadê a fiscalização? Cadê a ação? Não existe a ação para que realmente o local seja uma zona de proteção. Isso aí é jogado, não tem nenhum trabalho... É uma área de proteção, mas aí a água que dê um jeito! A água que pegue ele e jogue para fora. (o entrevistado ri) Eu acho que eles veem isso na água, é um ser vivo então acho que eles pensam que a água vai... Gabriela: Sobre as inundações, aqui no Gramorezinho, ocorria muitas inundações? Izaldo: Não, aqui no Gramorezinho graças a Deus não ocorria muito problema não porque a gente é cercado por duas lagoas que comportam bem. O rio comporta bem quando tem água, comporta bem a vazão. E a lagoa também, inclusive o transtorno depois que foi feito essa obra aí, que a prefeitura fez, e mandou essas águas de captação dos bairros aí. Porque as águas da zona norte quase toda vem para cá. O bueiro ali é imenso, você já viu lá? O bueiro é grandão. A quantidade de agua que vem... Isso ai enche bem rapidinho. Houve uns transtornos ali, com essa agua que veio, com umas familiazinhas ali. A gente teve que encher saco de areia para que botasse para a agua não arrombasse umas casinhas que tem lá na frente de umas pessoas bem humildes. Quer dizer, bem humildes não que humilde eu sou também. Mas umas pessoas que não podem morar em outro canto, tem uma casinha de taipa, bem refém mesmo da situação. Então a gente teve que ir lá colocar são de areia se não ia levar as casinhas deles lá, devido a quantidade de agua que veio mais do que o local comporta. Porque a gente não pegou nenhum inverno rigoroso aqui não, quando a gente pegar essa agua vai ai pra baixo e só Deus sabe o que vai acontecer. Gabriela: Já na questão social aqui do Gramorezinho, como funciona a educação? As crianças elas tem que sair do bairro?

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Izaldo: Crianças.. o bairro... Que a gente ver aí, o direito da criança do adolescente. Ó como é fantasioso isso aí. Nunca ninguém, nenhuma autoridade, ninguém nunca desenvolveu nada, zero. Aqui a criança não tem direito a educação saúde, segurança, esporte. Não tem nada que ocupe a mente da criança. Porque aqui era para ter uma quadra de esporte, era para ter um campo. Gabriela: No caso não tem projeto esportivo? Izaldo: Não, não tem nada aqui! Nada que você imagine para o publico, né. Tem o privado, né. Mas um setor para as crianças praticarem um esporte... Tem um colégio que não funciona a noite, podia ter um curso de qualificação a noite para os jovens. A gente já foi atrás, mas aí “não pode, num sei que”, o poder publico não esta nem ai pra nada mesmo. Então podia ter ai um projeto de ocupação, sei lá um projeto de capoeira aí, que pagasse por pessoa. De Judô, de informática, um curso de garçom, não sei... Alguma coisa, porque o colégio é grande e esta a disposição. Só faltava o interesse do poder publico de investir. Gabriela: E em relação a projetos culturais? Izaldo: Culturais? O que é isso? (o entrevistado ri). Não, eu fiz uma brincadeira com você agora, eu disse “o que é isso?” porque assim, aqui ninguém sabe o que é isso. Porque assim, todo bairro tem suas dificuldades. Mas tem outros que tem mais ainda. Então, aqui é um bairro que tem muita dificuldade, mas as pessoas são muito independentes por ter sua fonte de renda que é o cultivo. Então as pessoas aqui fazem o que? Planta, colhe, pega a verdura, dorme. Transporte. Porque é que não existe tanta apreensão para esse transporte vim? Porque a maioria tem carro aqui. Agora que esta começando a mudar isso aí. [?] Então as pessoas aqui são assim, cada um tem sua vida, então não querem muito saber de esporte, lazer. As pessoas aqui não se apegavam muito a esses detalhes não, esta entendendo? Porque eu não sou daqui, então meu pensamento é outro, minha cultura é outra, então eu já tenho esse pensamento de trazer alguma coisa para cá, desenvolver alguma coisa aqui. Agora a maioria são pessoas que já eram daqui e não tem esse pensamento aí, então não ligam muito para isso. A tradição do pessoal aqui é não ligar muito para esse detalhe aí. Não se pode ser chamado de detalhe. Gabriela: Assim só por questão de curiosidade mesmo, quando você chegou aqui escutou muitas historias, lendas, sobre o Gramorezinho? Sobre as lagoas? O pessoal mais velho, né... Que sempre falam. Izaldo: Assim, não tem nem uma historia especifica não. As historias que eu vejo são assim eles explicando come que eles plantavam, [?] que iam para esse matos e encontravam muitas cobras grandes, eles iam atrás de pau para fazer o balcão. Também a questão que eles relembram que só tinha uma “trilhazinha” aqui, mato de um lado e mato do outro. Essa coisas, né. Não tem muito o que... Pegavam peixe grande aí, que tinha muito peixe mesmo. Era basicamente essas coisas aí. Não tem uma historia marcante que aconteceu aqui, uma lenda... não tem. Gabriela: Sei. A relação que os agricultores aqui tem com a feira da zona norte, é uma relação mais estreita ou não? Izaldo: Você esta perguntando do agricultor? Gabriela: É, do agricultor aqui com a feira. Izaldo: Porque o cultivo aqui é assim, é natural para ser [?], você entrega na feira no mercadinho. Então eu acho que muita gente aqui tem banca na feira. Aquelas bancas daquelas verduras na feira 80% provavelmente são daqui do Gramorezinho, ali do outro lado também que é extremoz. As daqui do Gramoré, 90% das pessoas que vendem lá são daqui. Inclusive uma é minha sogra, ela insiste em vender com 80 anos. Se ela não for fica doente, o que é pior. O relacionamento é bom com feira, é um meio de vender e ter sua renda. Gabriela: Acho que é isso. Então a gente agradece a colaboração e quando o livro estiver pronto a gente traz um.

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9 - ENTREVISTA COM LAIUDE DA SILVA

[Na tarde do dia 27 de julho de 2012, reúne-se, na ONG Fé e Alegria, no bairro de Lagoa Azul, a equipe do programa Memória – Luciano, Gabriela e Matheus –, juntamente com Laiude da Silva, moradora do loteamento Boa Esperança]. Luciano: Seu nome completo? Laiude: Meu nome é Laiude da Silva. Sou moradora do Boa Esperança há quase 15 anos. Luciano: Antes de morar no Lagoa Azul, no Boa Esperança, você morava onde? Laiude: Eu morei no Bom Pastor, depois morei no José Sarney, que faz parte do Lagoa Azul também. Depois, quando a gente construiu aqui, eu me mudei pra cá. Luciano: Então você morou no Bom Pastor e lá no loteamento José Sarney. Quando você morou no loteamento José Sarney, lembra? Laiude: Há 15 anos atrás, que depois que eu me mudei de lá, eu vim pra cá. Luciano: Quando você morou no José Sarney, aquele período de cheias, você passou por aquele período? Laiude: Não, não passei por aquele período de cheias. „Houve‟ outras cheias depois, mas a gente já estava aqui. Mas lá no José Sarney a gente não teve muita influência, não participou de muita coisa porque era recém chegado aqui na Zona Norte, então não tem como falar muito do José Sarney, só a partir daqui de onde nós estamos. Gabriela: Mas você escutou muita coisa sobre as enchentes, depois que você veio pra cá? Laiude: Sim, as pessoas falavam muito né? Que quando chovia, enchia. Mas eu não participei de nenhuma. Já morando aqui, sim. Teve uma grande enchente que retiraram as pessoas de lá, inclusive tem moradores que perderam tudo e estão aqui hoje. Gabriela: Quando foi isso? Laiude: Não me recordo. Eu sei que eu já estava morando aqui no Boa Esperança. Luciano: E me diga uma coisa. Você vem morar aqui como? Qual o motivo, assim, que você e seu esposo... Laiude: Isso. Na verdade, a gente veio morar aqui por causa do baixo custo do terreno na época. Luciano: Eram recém casados? Laiude: Já faziam três anos. É, baixo custo dos terrenos, a gente conseguiu comprar. Na época não existia muita casa, era muito mato. Então, assim, a gente conseguiu comprar bem mais barato e construiu. Na verdade, quando a gente se mudou pra cá só tinha casa até a rua da Assembleia, com

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água, luz. Da rua da Assembleia pra cá, quem quisesse água era gambiarra, existia muito mato, e essa parte daqui nada tinha ainda. Luciano: Assembleia que você fala, é a igreja Assembleia de Deus? Laiude: Assembleia de Deus. Luciano: Como é o nome dessa rua? Laiude: Rua Tijuana. Da esquina da Tijuana com a Professora Eliete Rodrigues Moraes (rua). A Eliete já era formada e era a única, última rua do loteamento que tinha água e luz. Então quem quisesse usufruir tinha que fazer alguma gambiarra ou alguma coisa nesse sentido. Luciano: Quando você veio morar aqui, não tinha água na sua casa? Laiude: Não. Nem luz. Só uma rua, na Professora Eliete Rodrigues Moraes que é a rua da Assembleia. Ainda eram poucas casas na rua, mas já tinha bem mais casa do que aqui. E era a única rua que tinha essas coisas, serviços. A ultima do loteamento. Luciano: Vocês compraram esse loteamento em imobiliária? Laiude: Não. O Boa Esperança era da Abreu Imóveis, mas depois começou a vender para outras pessoas uns lotes grandes e essas pessoas foram loteando em lotes menores. Eu já comprei de uma senhora, chamada Maria José. Inclusive, segundo informações, ela se mudou porque vendeu um terreno, enfim, mas aí eu comprei dessa mulher e a gente tem só o documento de compra e venda. A gente paga IPTU, tudo direitinho, mas a gente não tem o documento público, ou seja, nem eu e nem muita gente da comunidade não tem escritura pública. Aqui na fundação (Fé e Alegria) a gente enfrentou o maior problema porque o terreno da fundação ainda estava no nome da Abreu Imóveis, a imobiliária, pra conseguir o documento publico daqui, porque só podia comprar com o documento. Mas as outras residências, são pouquíssimas que tem o documento público. Paga-se o IPTU, mas não tem. Luciano: Voltando um pouquinho a parte das primeiras perguntas, você podia dizer sua data de nascimento? Laiude: 12/08/1978 Luciano: Bom, então você chega a morar aqui, nessa época vocês trabalhavam? Laiude: Só ele (esposo) Luciano: E como era? Você ficava aqui? Laiude: Eu ficava. Só estudava na época. E transporte publico, por exemplo, só na Caboclinhos, era tudo areia a gente tinha que vim de lá. Na verdade a comunidade considera a Caboclinhos como divisa (de Nova Natal), mas seria divisa a rua Buena Ventura que é uma rua depois do restaurante ali no conjunto, mas todo mundo considera, popularmente, quando você pergunta a divisa é a Caboclinhos. Então tudo que a gente queria, supermercado, e outras coisas mais era em Nova Natal.

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Não tinha no loteamento, não existia mercadinho, transporte também tinha que ir pra lá, pra Caboclinhos. Gabriela: Existia o que? O 03? Laiude: Em Nova Natal existiam todos. 03, 64, 10. Luciano: Bom, então tem essa dificuldade, você estudando, seu esposo trabalhando. E assim, vizinhos, tinham vizinhos nessa época? Laiude: Pouco e assim, uma casa distante da outra. Não existia casa próxima. Minha casa, a da vizinha, que não era vizinha porque tinha um terreno no meio, tinha uma casa que hoje foi derrubada e fez esse prédio e outra casa, ali, mais na frente. Mas assim, pra cá, essas avenidas aqui mais pro Nordelândia, não existia casa, só mato. Luciano: Você mora em frente essa fundação que a gente está fazendo a entrevista? Laiude: Sim. A minha casa foi, mas a Fundação Fé e Alegria começou na igreja com parceria do padre de lá. Montamos uma sala, emprestada da igreja, passou um ano e pouco lá, quase dois anos, e aí teve mudança de sacerdote e as propostas da Fundação já não eram as mesmas, começamos a ter dificuldades e a Fundação alugou uma casa aqui no Boa Esperança, e a gente veio pra cá, pra essa Rua Tijuana, mas era um prédio alugado. Só depois a gente comprou esse terreno e construiu, antes não existia não. Gabriela: Essa ONG aqui. O Conselho Comunitário, clube de mães, essas coisas vem pra cá ou tem suas sedes aqui? Laiude: Eu não conheço, pelo menos não é do meu conhecimento grupos de mães. Existia no passado um grupo de mães que era coordenado por Dona Fátima, uma senhora daqui do Boa Esperança, mas esse grupo a gente não vê mais falar. O conselho comunitário existe, mas a gente não tem acesso. Existe esse conselho, a sede era aqui, recentemente parece que fechou e está na casa dele (presidente do conselho), não conseguiu mais pagar o aluguel. Enfim, na Fundação mesmo é que se trabalha com grupos de mães e a gente chama de grupo de mulheres. Existe um grupo aqui na Fé e Alegria. Existe um grupo de idoso também que é em parceria com o posto de saúde. O exercício físico é coordenado, a questão da medicação é coordenado pelo posto de saúde e o espaço é o da Fé e Alegria para os atendimentos. Existe a alfabetização de jovens e adultos e os idosos do grupo participam da alfabetização e outros do grupo de mulheres. Luciano: Compra o terreno e vão construindo a casa, é isso? Laiude: A gente comprou o terreno e esperou de 4 a 5 meses, a gente comprou parcelado, pra iniciar a construção porque na época não tinha condições de construir, porque era muito lixo. As pessoas de Nova Natal quando não passava o carro, jogavam tudo aqui. Então daqui pra frente era um grande lixão, inclusive o terreno que nos compramos era dentro do lixo mesmo, muito perto do lixo. Muito corpo, muita coisa mesmo. Na época mesmo que a gente comprou, olhava um pra o outro e via que não tinha condições mesmo de morar. Não tinha água, não tinha luz e o terreno era lixo.

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Luciano: Isso aqui o pessoal usava como lixão quando não tinha a coleta de lixo? Laiude: Isso. Até porque tinha uma vala, que hoje é um campo de futebol que a população chama Campo do Maconhão, não sei porque, mas existe esse apelido; Esse campo ele não era o campo, era uma vala, um buraco enorme. Então o lixo começava aqui, o final do lixo era aqui. O grande lixão mesmo era esse buraco, carros viam depois pra tampar esse buraco. Tinha gente morta, muito urubu, muita coisa mesmo. Também desapropriaram umas casas de Santos Reis e algumas pessoas que receberam essa indenização de lá construíram logo (no Boa Esperança) como é o caso desse meu vizinho que recebeu a indenização e construiu o terreno todo. Quando ele construiu, fez a gambiarra da água e da luz lá da rua e aí a gente se animou pra começar a nossa construção também, porque ele já estava aqui e já tinha construído do lado direito e a gente se animou quando viu essas duas casas. Aí ficou essas três casa, a do vizinho, a minha e a de Seu Antônio que é um pouco mais pra cá e essa aqui que hoje foi derrubada e construída a biblioteca. Luciano: Seu esposo trabalha e você estudava onde? Laiude: No Francisco Ivo Luciano: Lá você conclui o ensino médio? Laiude: O ensino médio. Luciano: Não chegou a estudar nessas escolas próximas? Laiude: Não. Até porque quando eu vim lá no Bom Pastor, minha matricula já estava lá e eu terminei lá. Luciano: Não tinha água, não tinha luz. Era uma dificuldade esses primeiros momentos? Laiude: Era. Juntavam duas ou três pessoas, cavavam o buraco, fazia a gambiarra lá de onde desse e aí distribuía pra três casas. As pessoas pagavam a encanação e faziam mesmo a gambiarra. Luz do mesmo jeito. Construía-se os barrotes, duas ou três casas, foi o caso da gente, e ligamos a luz. A dificuldade era enorme. Água, luz, transporte, lixo, nada disso tinha não. Luciano: Seu filho nasceu aqui? Laiude: Foi, mas ele nasceu sete anos depois do casamento. Então, quatro anos depois que a gente tava morando aqui foi que ele nasceu. Já não tinha tanta dificuldade assim, porque aqui é muito rápido as construções, a gente passa numa rua e constrói uma casa, uma semana depois você volta e a casa já está quase pronta e, com o pessoal morando. Por causa da questão de aluguel, muita gente vem morar aqui. É muito rápida a construção. Isso aqui se expandiu em quatro anos muitíssimo mesmo.

Luciano: Quando vocês vieram a morar aqui, vocês passaram a conhecer um lugar chamado Lagoa Azul? As pessoas frequentavam essa lagoa? Vocês chegaram a frequentar?

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Laiude: Não. As pessoas frequentavam, mas existiam a questão de vândalos, a gente ficava com medo de ir. Costumavam dizer que era esquisito. A gente passou a ir à Lagoa Azul bem depois, no projeto aqui da Fé e Alegria, que a gente descobriu que a Lagoa era linda. Luciano: Você falou que tinha parceria com o padre, com a Igreja... Quando você veio morar aqui já tinha a Igreja? Laiude: Não. Quando a gente veio morar aqui tava começar o alicerce da Igreja, tinha só o terreno na areia, [?], aí depois fez a cobertura da Igreja. A comunidade Boa Esperança fazia parte da paróquia D. Bosco, lá do Gramoré. Quando o Padre Alfredo saiu já tinha sido construído o centro [?] que eram cinco salas com um salão, então, foi determinado uma sala dessas para a Fé e Alegria fazer a biblioteca. Luciano: A comunidade foi crescendo e a Igreja foi sendo construída... Laiude: Foi. Hoje, em 2012, passou a ser Matriz e hoje é paróquia Santa Luzia. Luciano: Quando a questão da violência... Como era esse sentimento de segurança hoje e no passado? Laiude: Hoje é bem mais perigoso do que antes. Quando existiam os matos a gente tinha medo, a gente cortava os matos com medo de alguém se esconder atrás, a gente saia aparando, eu e a vizinha, os matos mais altos. Como a gente ficava muito sozinha uma apoiava a outra, ela tinha duas crianças, e eu não tinha nenhuma, então, a gente acordava muito cedo, cortava os matos e saia queimando pra poder ninguém se esconder atrás, no entanto, nunca aconteceu nada. Quando começou a chegar gente de todo jeito, construindo, a minha casa foi assaltada, levaram tudo, quando esse menino [aponta para o filho de 9 anos] nasceu, levaram até o enxoval dele. Com oito meses, eu já estava perto de ter bebê, arrombaram minha casa, tinha saído para a Igreja e levaram tudo, já tinha água, já tinha luz, já tinha casa atrás, na frente, do lado. A pessoa pulou o quintal do vizinho de trás, e entrou, já tinha muro a minha casa, tinha grade e tudo. Então, eu considero hoje bem mais criminoso do que antes. Existiam assim, crimes que eram realizados em outros lugares e aí, [...] de achar corpos nas valas, nesse buraco que tinha. Luciano: A comunidade foi crescendo, a Rua Tijuana foi sendo habitada e você, nesse início, vocês se ajudavam. Hoje, na comunidade, há esse sentimento de solidariedade que existia no passado ou isso se perdeu um pouco? Laiude: De certa forma, se perdeu, porque esse tipo de necessidade não se tem mais. Mas muita coisa se foi feita dessas uniões, por exemplo, a gente não conseguia que o lixo passasse aqui, o lixo vinha até certo ponto, a gente se reuniu e conseguiu resolver. Então, de certa forma, a gente fez a movimentação. A luz, foi tudo movimentação, mas hoje, quando precisa as pessoas se juntam também, participam, acho que o Fé e Alegria é bem participada hoje pela população, a gente quer bem mais, mas já foi pior essa participação. Hoje ela é conhecida. Luciano: A Fundação tem a biblioteca... Laiude: As atividades? A fundação hoje conta com uma rede de apoio chamada “Rede Social de Apoio à Vida” que é patrocinada pelos padres jesuítas, a gente conseguiu um avanço, a Igreja tá

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nesse projeto bancando. As atividades são reforço escolar integrado com a informática educativa; a biblioteca está integrada com o reforço e com a informática, então tem gente que vai para o reforço, outros vão para informática e outros para o cantinho da leitura. Existem duas voluntárias que fazem o trabalho de acompanhamento de leitura todos os dias da semana; tem o grupo de mães; tem o grupo de idosos que é em parceria com o posto de saúde; alfabetização de jovens e adultos; o teatro, com quatro turmas; tem a dança; o violão; a capoeira e o futsal. A criança recebe lanche, farda, camiseta... Tem toda a assistência. Tem a questão da assistência social que a Fundação conta com dois funcionários, uma assistente social e um psicólogo. A psicóloga coordena a assistência nessa unidade e assistente social na outra, fazendo a integração quando precisa, aí tem a bibliotecária que sou eu, sou a bibliotecária das duas unidades; tem a pedagoga que dá aula que é a polivalente e tem a pedagoga que fica coordenando o projeto; tem o menino da informática; tem o administrativo; a da limpeza e os educadores de capoeira, teatro... temos vários profissionais. Matheus: Como era a questão da assistência médica quando vocês chegaram aqui? Laiude: A assistência médica era no posto de Nova Natal, bem melhor que hoje também, porque hoje é a AME. Esse posto por ter poucas pessoas ele atendia razoavelmente bem, quando a gente precisava a gente ia lá e usava esse posto. Hoje a gente tem vários postos de saúde, mas o nosso que é o de Nordelândia tá um catástrofe, recentemente foi fechado por falta de pagamento. O dono do prédio que estava alugado, tomou de volta, trocou os cadeados e não abriu mais, fazia seis meses que não pagavam o aluguel, a água estava cortada a luz também, não tinha mais como manter a questão das vacinas e os médicos acabaram fechando. A única atividade que tá sendo feita é o grupo de idoso que tá sendo feita aqui dentro. Até mesmo o meu filho eu estou levando para [Hospital] Santa Catarina, porque aqui tá tudo fechado. Luciano: A qualidade não acompanhou o crescimento... Laiude: Não... Outra coisa que dificulta muito a questão da saúde, não existem uma lei que obrigue os médicos a virem, eles podem escolher para onde eles vão, então ocorre que no Boa Esperança é numa rua cheia de lama e os médicos não querem ir, então, existem dois setores que precisariam, no mínimo, de dois médicos, de dois clínicos gerais, só tem uma médica desde que iniciou, só tem uma enfermeira desde que iniciou que tem que assumir os dois grupos, aí acaba não assumindo nenhum, porque não consegue dá conta. Só existe uma médica, uma enfermeira, um dentista pra dá conta de tudo isso, nenhum outro profissional, só mesmo essa médica e o dentista e o enfermeiro para dar conta de uma área enorme que é o Boa Esperança, Nordelância e o Bom Jesus, e tudo mais que tem pra cá que foi construído. Matheus: Hoje, o que tem de positivo de morar aqui? Laiude: Eu gosto muito de morar aqui. Eu não me vejo morando em outro lugar não, eu gosto daqui, porque a gente já caminha na Igreja há muito tempo, a gente já tem toda uma vivência de amigos aqui, tem a Fé e Alegria que meus filhos tem acesso, eu moro aqui na frente, tem muita gente que queria ter acesso e não pode. Eu tenho uma criança especial adotada e essa criança também tem acesso aqui, eu acho muito legal esse espaço, eu acho muito positiva essa ONG aqui dentro. Luciano: Muito obrigado!

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10 - ENTREVISTA COM MÁRCIO DE FRANÇA

[Na manhã do dia 13 de novembro de 2012, reúne-se, no Ginásio Nélio Dias, a equipe do programa Memória – Matheus, Marina e Tyego –, juntamente com Márcio, morador do loteamento Câmara Cascudo]. Matheus: Bom, estamos aqui com Márcio Melo de França para refazermos a entrevista do Programa Memória Minha Comunidade, bairro Lagoa Azul, e vamos entrevista-lo direcionando as perguntas mais à parte de esportes, notadamente futebol, e à parte cultural. Então, Márcio, quando é que você chega aqui no bairro Lagoa Azul? Márcio: Dia onze de janeiro de mil novecentos e oitenta e três (11/01/1983). Matheus: Em qual conjunto? Marcio: Nova Natal. Matheus: Reside lá até hoje? Márcio: Não. Hoje, eu casei, e estou morando mais próximo do Câmara Cascudo (loteamento). Matheus: Então como na entrevista passada falamos de outros assuntos, vamos abordar o futebol. Como é que você chega aqui e se interessa pelo futebol? Márcio: Quando chegamos aqui o divertimento nosso era o esporte, o futebol. Então juntava aquele pessoal na rua e começava a jogar „mirim‟ e depois a gente foi fazendo os campos. Matheus: Nesse início não tinha nenhum campo propriamente, apenas os terrenos descampados? Márcio: Não, não tinha. Só os terrenos baldios e a gente arrumava. Matheus: Então o futebol, nesse período inicial, para comunidade representava a diversão? Márcio: É. Mas aí quando se forma os campeonatos o pessoal começa a ir aos campos assistir. Matheus: Como é que acontece a formação dos times amadores, de Nova Natal e do bairro Lagoa Azul? Márcio: Nesse tempo aí atrás era mesmo na amizade. Nós recebíamos a ajuda da FENAT, materiais, bolas, e tinha um conselho que tomava de conta. E aí começou a organizar os campeonatos, tudo. Tinha dois ou três times de fora, mas a maior parte eram todos daqui. Matheus: Lembra o nome dos clubes? Márcio: Vários nomes. Tinha o Alecrim, AME, Botafogo, Grêmio, Asa Norte, Palmeira, Santos, Baiano, Boca Juniors, Prudente.

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Marina: Mas todos esses eram daqui, da Zona Norte? Márcio: Todos. Tinha o Confiança que era de Extremoz/RN e tinha o CRB que era das Quintas (bairro) onde fica a linha do trem. Mais alguns que não estou lembrado agora. Bragantino. Matheus: Você chegou a jogar por quais desses clubes? Márcio: Eu joguei, porque no começo eram duas etapas. O juvenil e o titular. Eu joguei o primeiro ano, fui pro Santos, depois Botafogo, fui para o Rio Branco e fui para o Alecrim. Fiquei muito tempo no Alecrim, fomos cincos vezes campeões direto, e depois fui para o Renascer, onde eu parei de jogar. Matheus: Márcio, você que viveu o dia a dia desses clubes, como era a busca por jogadores? A formação do elenco? Márcio: A busca? Os donos dos times se interessavam. Eles tinham uma equipe com treinador, roupeiro e iam buscar aqueles jogadores que se destacam por aqui. Não é como nos tempos de hoje que pagam para o jogador jogar. Antigamente era mais pela amizade, pelo carinho ao time. Matheus: Uma vez que esses times estão formados, com seus elencos, como eram os treinamentos? Márcio: Não, nós não nos reuníamos para treinamento não. Quando se tinha o campeonato, divulgava a tabela e só se reunia antes do jogo mesmo. Não tinha treino não. Matheus: Agora falando um pouco dos campeonatos. Como é a relação do centro desportivo com os clubes daqui, para a formação de campeonatos? Márcio: A formação do centro desportivo. Eles organizavam. Trabalhavam durante o ano todo no campeonato e quando termina, eles param e fazem a reflexão do campeonato para saber o que melhorar no próximo ano. As reuniões, se não me engano, são todas segundas-feiras no centro desportivo. Matheus: Os campeonatos duram o ano todo? É uma temporada completa? Márcio: É uma temporada completa. Na faixa de oito meses. Matheus: Como era a movimentação nos dias de jogos? Os locais? Márcio: Tinha aqueles times com uma torcida maior. Os clássicos também, porque sempre existe a rivalidade. No dia do clássico dava muita gente. Charanga, fogos. O pessoal tinha certa atenção com isso. Matheus: Os donos dos clubes chegavam a prometer algo aos jogadores, caso fossem campeões? Márcio: É, tinha essa parte. Os donos de clubes que tinham mais condições „ajudavam‟. Tinha os comerciantes que dava roupa, pagava a „barca‟. A „barca‟ que a gente chamava era toda aquela festa depois do jogo.

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Matheus: Eu queria que você descrevesse como era o campo de jogo Márcio: Era o „areião‟. Tudo de areia mesmo, muita areia porque aqui era praticamente uma duna. Diferente de hoje que é tudo gramado. Matheus: Pode falar alguma coisa sobre a rivalidade que existiam entre os times? Márcio: A rivalidade era mais quando a FENAT fazia um campeonato com os bairros de Natal. Vários bairros, tanto aqui na Zona Norte como na Zona Sul, Leste, Oeste. Principalmente aqui, Nova Natal, Gramoré, Panatis, Soledade. Porque eram desses jogos que saia o time que iria representar a Zona Norte. Marina: Era uma coisa mais da Zona Norte com a Zona Sul ou existia uma coisa mais dentro do bairro? Márcio: Sempre teve. Quando se fala em campeonato sempre tem rivalidade. Era uma mata-mata. Perdeu, saia. Marina: Mas sempre uma rivalidade saudável? Márcio: Sempre sadia. Não tinha nada agressivo, só na esportividade mesmo. Matheus: O que representava pra você ser jogador de um clube amador aqui? Márcio: Representava o gosto pelo esporte. Desde menino a gente jogava e eu até pensei de chegar mais longe. De Jogar no Alecrim F.C, no América F.C, mas quando eu a jogar nas bases desses times eu me envolvi com álcool e tive problemas. Matheus: Os jogadores que se destacavam aqui eram reconhecidos pela comunidade? Márcio: Já saiu gente daqui para jogar no profissional. Uns três de Nova Natal. Iranilson, a gente chamava de Sansão e foi jogar no Alecrim. Os outros eu estou esquecidos. Matheus: Iranilson foi em que década? Márcio: Em noventa e cinco (1995). Saiu daqui e chegou a ser profissional. Matheus: Falando, agora, do Ginásio Nélio Dias; Como você vê que a comunidade recebe essa obra? Márcio: Aqui esse ginásio, muito bonito, para a melhoria da Zona Norte. Mas infelizmente a população deixa muito a desejar. Tem os vândalos que quando a gente pinta eles pixam. E sobre os eventos, a secretaria que organiza tanto os internacionais como os nacionais. Matheus: Lembra de grande eventos que já aconteceram aqui?

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Márcio: Brasil e Polônia, futebol de salão. Brasil e Japão, vôlei. Brasil e Resto do Mundo, futebol de salão. Flamengo e Atlético/MG, basquete. E teve mundial de basquete máster, mundial de Karatê brasileiro de Karatê, judô. Matheus: Como é a participação da comunidade nesses grandes eventos? Márcio: O ultimo evento que teve, maior, foi pago. Na bilheteria. Mas todos os outros, ao público, a lotação foi grande. De dez a doze mil pessoas. Matheus: Como é o uso desse ginásio pela população? As pessoas podem marcar jogos aqui? Márcio: Pode. Agora tudo atrás de oficio para secretaria. Marina: Tem alguma coisa voltada a comunidade mesmo que acontece aqui? Campeonatos? Márcio: Tem. Esse ano as Igrejas Evangélicas, Católicas, Colégios, tem o calendário aqui dos programas deles. Matheus: A gente sabe que é um ginásio de alto nível. O que representa para a comunidade do bairro Lagoa Azul, na Zona Norte de Natal, ter uma praça esportiva de alto nível como o Ginásio Nélio Dias? Márcio: É muito importe! Ter uma obra dessa aqui na Zona Norte, um local que é tão discriminado. Representa muito. Acho que encaixou legal agora, principalmente porque as coisas estão crescendo. E que venham outros ginásios, estádios, shoppings. Matheus: Márcio, atualmente existe a Copa Natal de Futebol Amador. Você sabe de algum clube daqui do bairro que disputa ou disputou? Márcio: Aqui de Nova Natal não. Mas do Gramoré, Potengi, Soledade. Até que a abertura dos jogos foi lá no „Piabão‟. Matheus: Sabe como estar, hoje, a realidade desses clubes amadores daqui? Alguma semelhança com o seu tempo de jogador? Márcio: Cada bairro tem seu campeonato. Organizam e enfrentam dificuldades, como todo esporte amador dessa cidade. 20 anos atrás nos jogávamos por amor ao clube, amizade. Só jogadores aqui do bairro, das comunidades. Cada um lavava seu uniforme. E hoje é mais dinheiro. Vários jogadores de outros locais, só pelo dinheiro mesmo. Matheus: Márcio, a gente agradece sua disponibilidade, mais uma vez, para o nosso projeto. E agora estamos quase finalizando a parte das pesquisas, entrando na escrita propriamente, para que no primeiro semestre do próximo ano esse material já esteja publicado. Márcio: A gente que agradece esse trabalho que vocês estão fazendo de valorizar no bairro, nossa comunidade. Só tem a agradecer o trabalho de vocês.

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11 - ENTREVISTA COM MARIA ROSINELBA DA SILVA

[Na manhã do dia 10 de agosto de 2012, reúne-se, no conjunto Gramoré, a equipe do programa Memória – Luciano, Marina e Matheus –, juntamente com Maria Rosinelba, moradora do conjunto Gramoré]. Luciano: Queria que inicialmente a senhora dissesse seu nome Rose: Maria Rosinelba da Silva Luciano: E nasceu quando? Rose: Quando eu nasci? 28/02/1963 Luciano: E me diga uma coisa, antes morar no Gramoré, a senhora morava onde? Rose: Morava em Lagoa Seca. Foi porque lá em Lagoa Seca eu morava de aluguel né? E aqui eu estava com uma casa para receber da COHAB. Foi no tempo que eles fizeram o conjunto e fez o sorteio. Inclusive foi no Palácio dos Esportes e foi uma benção, eu passei o dia „todinho‟ lá para receber a casa. Quando eu recebi, eu vim conhecer a casa e quando cheguei aqui, Meu Deus... Porque o sonho da gente é receber a casa e vim morar, mas pelas condições que o conjunto oferecia eu estava vendo que não tinha como eu vim morar. Tudo distante. Eu trabalhava, tinha que chegar as 6:00h no trabalho e como é que eu ia chegar até aqui? Eu vim de carro pra conhecer o conjunto. E depois que entregaram o conjunto, eu acho que ainda passei uns três meses para cair a ficha que eu tinha que morar na minha casa, que o sonho da gente é quando compra um imóvel e vem morar. Aí o que aconteceu? Eu vim pra saber como eram as condições para mim me locomover da minha casa pro trabalho. Foi quando me disseram que aqui a gente não tinha nenhuma linha (de ônibus), mas no conjunto vizinho tinha... Luciano: Qual era o conjunto vizinho? Rose: O Santarém. Eu trabalhava, aí disseram que para ir pro Santarém eu subia essa ladeira „todinha‟, que era de barro, aquele barro vermelho, e aqui que passa ônibus. Luciano: Não tinha o Pajuçara não? Rose: Não, não tinha Pajuçara. O único conjunto que tinha era o Santarém e estavam fazendo o Nova Natal. E o Gramoré... porque eles são tudo, assim, juntos né? A entrega foi quase na mesma época. Eles estavam fazendo o Nova Natal e quando fizeram o Nova Natal, pra gente que não tinha ônibus foi ótimo, porque o Nova Natal ficava mais perto do terminal e foi quando melhorou o sofrimento da gente. A gente saia do Santarém e ficava pegando o Nova Natal, foi quando ele colocaram um ônibus que ficava passando de duas em duas horas aqui no conjunto. Foi quando eles resolveram habitar né? Viram que estava vindo muita gente morar e tinham que fazer alguma coisa pra que as pessoas pudessem ir as suas casas. Porque como veio muita gente que tinha que estudar, eles também começaram a desenvolver o conjunto. Colocaram colégio, botaram professores, porque antes só tinha escolinha particular. Quem queria que o filho estudasse, sem ir pro outro lado (da cidade), tinha que desembolsar dinheiro pra pagar as escolas. Luciano: O C. Fernandes não tinha ainda não? Rose: Ter, tinha. Mas nos colégios o problema é que não tinha professor e não funcionava, entendeu? Quando meus meninos estudavam, estudavam todos em colégio particular. E foi assim, depois foi chegando muita gente, e foi melhorando. Viam o sofrimento da gente e começaram os políticos a visitar as ruas, na época de campanha, e viram que a gente precisava de calçamento, fizeram uma pesquisa pra saber do que o conjunto estava precisando mais, que era saúde, educação, a gente estava precisando de tudo isso, mas o que a gente estava precisando mesmo era de calçamento porque não tinha como chegar um carro na porta da gente com o tanto de areia que você está vendo aqui (apontando para fotografia).

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Luciano: Quer dizer que quando recebeu o conjunto, era como se aqui, fosse em cima de uma duna? Rose: Exatamente. É, no entanto, que aí tinha muitas daquelas formigas grandes, aqueles formigueiros imensos. Quando você começava a cavar para tirar a areia, era uma profundidade de buraco. Era no tempo que a gente tinha medo que as crianças ficassem na frente correndo porque eles caiam nos formigueiros. Porque como aqui era muito mato, elas ficaram muito tempo ainda, inclusive ainda tem umas fazendo a festa por aí. A gente sempre coloca veneno porque, as vezes, elas vem, carregam as coisas. A gente tinha essa jardim, como você vê aqui na frente (apontando para fotografia) mas tinha épocas delas que „pelavam‟ tudo, o jardim da gente ia embora, entende? Aí já tinha o problema da areia, que a areia é salgada porque a gente mora perto de praia, e tinha o problema das formigas que destruíam tudo, por conta de onde tinha sido feito. A gente invadiu o terreno delas e elas invadiram. Luciano: Aí vem morar aqui, a senhora vem grávida do seu primeiro filho? Rose: Não. Do segundo. A minha filha eu tinha tido fora, não tinha ela aqui. Quando eu morava em Petrópolis, tive ela lá. Aqui eu tive meu segundo filho. Porque minha filha amanhã vai fazer 30 anos e ela vai me dá uma neta né? Amanhã está marcada a cirurgia para 3 horas da tarde. Luciano: Então veio, morou aqui um tempo, mas não ficou por causa da dificuldade? Rose: Exatamente por causa da dificuldade. Já pensou você com duas crianças, cheio de poeira, sem ter nenhuma condição de vida pra dá pra eles. Porque quando a gente compra uma casa, a gente pensa no bem estar dos filhos, não no nosso. Então eles ficavam presos dentro de casa, não podiam brincar porque só viviam gripados, doentes, e foi quando eu resolvi me mudar e ir pra Lagoa Seca. Lá em Lagoa Seca eu fiquei por cinco anos e quando o conjunto (Gramoré) melhorou, eu vim embora pra minha casa. E quando eu vim pra cá, porque a casa vivia sem ninguém, o pessoal já tinha carregado porta, arrombado, carregado fechaduras de janela, tinham carregado sanitário, pia, a pia de fora também. Os vizinhos ligavam e diziam que o cano de fora estava derramando água, eu tinha que voltar aqui pra mandar alguém consertar. No entanto quando eu cheguei a ultima vez aqui, tinha um casal morando aqui. Eu vim saber o que eles estavam fazendo e disseram porque a casa estava assim (desabitada), mas a casa estava fechada, mas tinha dono né? Mas eu também não expulsei, deixei eles um tempo até arrumarem um canto pra ir, pra puder eu vim, arrumar a casa pra morar. Foi quando eu voltei, ajeitei e fiquei até hoje. Luciano: Seu filho de cinco anos cresce aqui? Rose: Cresceu todos aqui. Luciano: Como era naquela época, assim, médico? Rose: Médico era o seguinte. O posto nosso aqui do conjunto, era um posto que dava toda assistência, entendeu? Não era como é o posto hoje; O posto era ali vizinho a igreja, tinha pediatra todos os dias. Sobre a assistência médica, eu não tinha nenhuma dificuldade. Quando eu voltei, o posto tinha médico todos os dias, tinha dentista, só não tinha durante a noite, mas tudo que a gente precisava durante o dia, eles tinham a assistência. Agora se fosse alguma coisa a noite, a gente tinha que sair pra cidade. Tinha que ir pro PAPI, ou pro Hospital Center. O PAPI que é muito antigo, inclusive meus filhos, quando tinham o plano de saúde deles, eu levava para o PAPI. Luciano: E escola? Seus meninos estudaram em escola particular aqui mesmo? Rose: Aqui, era o João e Maria que foi no tempo que eles fizeram o conjunto lá embaixo e era tipo um colégio interno. A criança ficava quase o dia todo lá, tinha berçário e tudo. Como eu trabalhava... Luciano: O conjunto lá embaixo que a senhora fala, como é o nome? Rose: É o Pajuçara II, o I. Porque tinha aqui no conjunto mas aqui o aluno só ficava até meio dia e como eu trabalhava e as meninas estudavam, tinha que colocar em um canto que ficasse mais tempo, inclusive lá tinha a parte de berçário. Eu levava, ele ficava de manhã, passava o dia todo e quando elas saiam do colégio, passava e pegava ele.

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Marina: E transporte? Rose: O transporte é como eu falei, é dificuldade. A gente tinha que pegar no Santarém o transporte para trabalhar. A gente saia daqui de 15 pra 5 da manhã e a gente pegava o transporte de 5:20h pra gente estar no trabalho de 6:00h. Eu trabalhava na Guararapes, e a gente tinha que chegar no horário. Agora era certo aquele horário, quando a gente veio morar aqui o horário deles era certo lá. Quando eu vim da outra vez a gente já tinha mais opções, só que o daqui demorava uma hora, uma hora e meia. A gente tinha o Nova Natal que dava assistência. Matheus: O comércio? Rose: O comércio aqui era o seguinte, cada pessoa que tinha condição vinha aqui pro conjunto com o proposito de botar uma mercearia em casa, então em casa mesmo o pessoal fazia um pontinho e quando a gente precisava dessas coisas do dia a dia mesmo, a gente ia lá e comprava. Aqueles mercearias de casa mesmo, pegava o cômodo da casa e fazia um ponto pequeno. E tinha só o essencial, agora as outras coisas, assim, carne a gente tinha que comprar fora. Depois eles começaram a fazer os „açoguezinhos‟, aí tinha a freezer e já começou a melhorar as opções. Mas o que a gente tinha maior dificuldade, era porque eles comprava o produto e a gente não tinha a exigência que tem hoje, nas validades, e muitas vezes a gente comprava coisas que já estavam vencidas a muito tempo. Por eles terem investido muita coisa, achando que ia ter muito movimento, ficou com muita coisa armazenada e assim mesmo ficou passando pra gente né? Luciano: E a feira, tem feira aqui? Rose: Tem feira. A gente não tinha feira. A feira a gente ia pra feira do Santarém. Era uma feira „pequenininha‟, mas sempre existia ela. Quando começou a melhorar, os feirantes de lá, que a feira era em dias diferentes, lá era no sábado, eles foram e resolveram fazer a feira daqui no domingo. Foi quando começou a fazer uma feira pequenininha, a melhorar. Mas a feira da gente até hoje ainda existe, apesar de ser uma feira pequena porque o espaço é pequeno. Luciano: É no domingo ainda? Rose: É, no domingo ainda. Luciano: Me diga uma coisa, nesse inicio que você vem morar aqui, como era a vizinhança? Rose: Os vizinhos que a gente tem hoje são os que vieram. Quando eu cheguei, eles já estavam aqui. Um dos maiores problemas aqui, que foi um dos motivos de eu ter saído daqui, foi o problema da água. Essa rua da gente é alta e a gente tinha muita dificuldade com água. A água chegava três horas da manhã, quando era cinco horas da manhã já tinha ido embora. A gente tinha que acordar esse horário, os vizinhos tinham que avisar esse horário que a água chegou. Escutava o barulho do vizinho, a gente tinha medo de acordar pra ficar na rua até tarde porque a gente morava num canto deserto, então os vizinhos todos com os muros baixinhos, como você está vendo aí (apontando para fotografia), então um ficava conversando com o outro e a gente ficava até cinco horas da manhã, hora de ir trabalhar, enchendo tudo. Foi um dos motivos de eu ter saído daqui, não só da areia, mas de água. As ruas altas até hoje ainda tem esse problema. Quando a gente chega no verão que eles tem que fazer o racionamento. Luciano: Mas os vizinhos avisavam, ajudavam? Rose: Exatamente. Como a gente não tinha deposito, passava o dia fora, eles ficavam em casa, eram famílias maiores, tinham bastante reservatório de água e ajudava. Se faltasse água, diziam que a gente podia ir pegar lá. Nesse tipo de coisa, os vizinhos uns ajudavam os outros. E quando eu vim morar aqui, uma das primeiras coisas que eu investir foi fazer uma cisterna, justamente para acabar esse problema. Quando eu fiz isso aí, até meus vizinhos eu ajudava. Quando chega a crise de água, que a água não está subindo pras caixas, eu ajudo. Luciano: E as igrejas?

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Rose: A gente tem a Dom Bosco, que na época era uma igreja pequena, não era Dom Bosco, era São Felipe. É uma igreja bem velha, e a Dom Bosco que é a matriz foi pegando as igrejas pequenas e foi investindo, mas a gente só tinha essa igreja católica. A gente não conhecia o conjunto, o padre saia de casa em casa procurando as famílias, pra saber se as crianças tinham sido batizadas, se tinha criança entrando pra fazer a primeira eucaristia. Quando acontecia dele chegar numa casa que estava fechada, mas tinha morador, ele deixava o aviso que vinha tal dia e vinha. Via a criança, conversava com a gente, orientava e tudo. Luciano: E lembra o nome desse padre? Rose: Esse padre... Luciano: Além dessa igreja, que é católica, a senhora lembra-se de outras igrejas aqui? Marina: Até quando a gente veio, tinha três Assembleias de Deus pra achar a casa, quando foi que essas igrejas...? Rose: Geralmente foi assim, não tinha essas igrejas. Eles alugaram casas pra fazer a igrejas deles, depois foi que eles foram solicitando aquele local pra fazer a igreja deles. Mas antes não tinha, eles pegavam uma casa, como essa minha, alugavam e ali eles faziam a igreja. Depois foi que eles foram solicitando, foram fazendo e está aí, tem muitas igrejas no conjunto. Mas na época não tinha, era só a casa mesmo. Tinha a católica que era num galpão grande, mas as outras não tinham. Matheus: A senhora tem alguma lembrança de conselho comunitário, clube de mães, clube de idosos? Rose: Pronto, o conselho comunitário tinha assim porque era uma senhora, que morava por trás dessa rua que vocês entraram, ela foi uma das primeiras que começou a querer melhoria para o conjunto. Melhoria de ônibus, desse problema da água que a gente tinha, então foi no tempo que ela começou a batalhar pra fazer o conselho comunitário, mas como a gente que trabalhava não tinha muito tempo, a gente não participava de muita coisa do conselho porque a gente só tinha o sábado e o domingo e a gente tinha que cuidar da casa e dos filhos né? Mas ela fez um bom trabalho na época, pelo menos o meio de transporte melhorou bastante. Ela começou a pedir outras linhas para o conjunto, começou a cobrar o problema do lixo, que a gente não tinha, e também o calçamento. Era uma pessoa simples, mas que teve algum fundamento, entendeu? Fez alguma coisa, coisa que os de hoje não estão mais nem aí. Marina: A senhora lembra o nome dela? Rose: Eu não sei bem como era o nome dela, mas a gente chamava ela de Dona Neide Marina: Ela morava por aqui? Rose: Ela morava uma rua dessa aí, por trás do ponto. Marina: E ela ainda mora lá? Rose: Eu acredito que não, porque... Luciano: Me diga uma coisa, e como é que as pessoas se divertiam naquela época aqui? Quando você chegou, com pouco tempo que você chegou, tinha diversão aqui no conjunto? Rose: Tinha não. Tinha, assim, nessa rua que você vê aqui o ponto, um rapaz aí que era metido a cantor, então ele colocou um barzinho em casa, vizinho a essa casa da esquina, e nesse barzinho tinha aquelas cantorias de violão e quem gostava ia lá, mas não era coisa que terminasse muito tarde. Dez, dez e meia porque também era um negocio aberto, não podia, também, ficar até tarde. Mas aqui não tinha não. Luciano: Festa de padroeiro, essas coisas? Rose: Não, essas festas de padroeiro, São João, foi quando a igreja, a gente começou a conhecer a igreja e a igreja começou a organizar essas coisas, assim, São João a paroquia que organizava, fazia a festa junina, pra fazer a festa do padroeiro, saia nas ruas com o carro de som e com o pessoal

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conhecendo a rua, conhecendo o conjunto, foi quando a gente começou, realmente, a conhecer o conjunto. Porque a gente ficava só no nosso mundo aqui, foi também quando o pessoal começou a vir morar e a ter habitação, fazer o terminal de ônibus e começou a melhoria, mas antes a gente não participava de nada porque tudo era muito distante e tudo, também, se muita divulgação. Quando ia ter alguma coisa assim, o padre botava uma pessoa para entregar os papeizinhos e dizer que ia começar a festa do padroeiro, que o padroeiro de lá é São Felipe, pra gente participar das novenas, das orações nas casas das famílias, colocava três ou quatro pessoas pra visitarem aquela família, se tinha uma família doente ou idoso, alguma coisa, pra visitar e convidar pra ir na igreja. Quando a pessoa não podia ir por doença ou por estar velho o padre vinha na casa da pessoa visitar e fazer oração, dá a hóstia, essas coisas. Luciano: A senhora lembra se seus filhos comentavam, ou se a senhora comentava com eles, se existia alguma rivalidade entre os jovens daqui? Rose: Existia. Quando chegou o conjunto Nova Natal a maior rivalidade que o Gramoré tinha era com Nova Natal, no máximo Santarém. Por ser o conjunto mais próximo (Nova Natal) então existia. Quando tinha uma festa, alguma coisa assim fundação do conjunto, festa do conjunto, então vinha aquelas bandas durante três dias tocarem, aniversário do conjunto, e acontecia esse tipo de coisa. Inclusive foi uma das coisas que a igreja mais combateu foi sobre esse tipo de violência, porque o jovem a noite ia pra igreja e quando saia era surpreendido por outro, de outro conjunto, que vinha pra pegar ele. Inclusive meu irmão, que morou comigo, foi um dos que ficavam lá sendo marcado por essa rivalidade que havia entre os conjuntos. E também época de jogo né? A rivalidade de ABC x América sempre existiu esse tipo de coisa. Vinham com o carro de som, ficavam bebendo em algum lugar e quando passava um com a camisa, que agora pouco usam, mas naquele tempo há 20 anos atrás, todo mundo tinha o prazer de usar a camisa do seu time, hoje em dia a gente não tem mais esse direito. Mas antes existia, a gente tinha o maior prazer se o filho era abcdista ou americano de comprar aquela farda, aquela roupinha, e no dia do jogo ele usar. Então era uma das coisas que eu mais conversava com meu filho era sobre isso de não participar, de não ficar com aquela „turminha‟ porque era uma coisa, que a gente sabe, que só levava a violência. E graças a Deus eles nunca me deram trabalho sobre isso não, de envolvimento com essas amizades. Matheus: Já que a gente tocou nesse ponto de violência, como era a segurança pública quando a senhora chegou aqui? Rose: É o seguinte, aqui a gente mal tinha policiamento. Tinha aquele pessoal que fazia ronda na rua, a pé mesmo, e a gente pagava uma „taxinha‟ simbólica pra eles, mesmo porque a gente acordava muito cedo pra ir trabalhar e a gente tinha que ter uma segurança, mesmo pra gente que estava saindo de casa e pra quem ficava em casa. Então a gente pagava uma gratificação e eles faziam o cadastro da gente e todo mês eles viam aqui pegar a contribuição que a gente podia dá pra eles sempre estar olhando a casa. Depois foi melhorando, eles compraram uma bicicleta aí começaram a passar de bicicleta e hoje em dia eles ainda fazem o serviço, só que agora de moto. Luciano: Mas a senhora se sentia mais segura naquela época ou agora? Rose: Naquela, com certeza! Luciano: Mesmo quando conjunto aqui ainda era desabitado? Rose: Exatamente. A segurança da gente era „mais‟. Luciano: Quando a senhora ia pegar ônibus no Santarém, passava pelo mato? Rose: Era mato. Aquele caminho ali era mato. Tinha algum descampado, mas era mais mato. Não mato muito alto, mas era muito mato. A gente se quisesse pegar sentado (o ônibus) tinha que esperar lá na frente porque o terminal era lá, naquele meio entre o colégio (15 de Outubro) e o posto de saúde. Era pouco ônibus pra muita gente e a gente tinha que ficar na fila pra entrar. Luciano: Aqui tem o Gramorezinho e tem umas plantações, hortaliças. A comunidade consome?

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Rose: Consome. Esses produtos são vendidos em todos os mercadinhos daqui, nos supermercados grandes, são tudo daqui. Nordestão, Carrefour, a maior parte é daqui. Luciano: Mas vocês chegam a ir comprar lá? Rose: Não, a gente não compra lá porque é o seguinte; os mercadinhos aqui vendem, e nas feiras aqui também é vendido de lá, do Gramorezinho. Luciano: E dessas lagoas que tem aqui próximo, era frequentada? Rose: Era, porque, assim, era o único divertimento que o pessoal do conjunto ainda tinha era de visitar essas lagoas nos finais de semana, eu nunca cheguei a ir não. Mas o pessoal ia e ainda hoje, ainda vão. Naquela parte que pega o Rio Doce né? No Rio Doce eu ainda cheguei a levar os meninos porque tem aquela parte que é „rasinha‟ e eu levei muitas vezes eles para passar a tarde lá. Mas as lagoas eu não cheguei a conhecer, nunca fui com eles nas lagoas porque aconteceram muitos afogamentos e como a gente não tinha nenhuma assistência, eu tinha medo de ir e um dia eles quererem ir só. Luciano: Mas no Rio Doce a senhora chegou a ir. E a parte que ia era aqui mesmo, que tinha no Gramorezinho? Rose: Não, quando a gente vai na estrada da Redinha, não tem aquela parte que fica as barraquinhas, eu ia pra ali. Luciano: As lagoas que a senhora tinha conhecimento que o pessoal ia, são essas lagoas daqui, Lagoa Azul? Rose: Era Lagoa Azul. Ela não tinha a poluição que hoje tem, porque agora fizeram ponto de esgoto e jogaram tudo pras lagoas. Luciano: Aqui no Gramoré tinha alguma lagoa especifica? Rose: Não. A lagoa que a gente conhece, que é falada, é a Lagoa Azul. Desde que a gente entende de lagoa aqui no conjunto, a lagoa é essa. Agora o pessoal fez muita coisa clandestina, aquelas coisas de esgoto, então a lagoa, ainda frequentam, mas não é mais aconselhável usar ela por causa disso. Foi uma das coisas que mais o pessoal do Gramorezinho combateu e o padre falou muito sobre isso aí, porque lá tem peixe né e agora está cheio de poluente, mas, fazer o que né? Matheus: Desde que a senhora chegou aqui até os dias de hoje, o que existe de positivo pra se viver aqui? Rose: De positivo o seguinte; o conjunto ficou mais habitado, a gente tem mais opções tanto de escola como de transporte, apesar de o presidente do conselho não dá muita assistência, mas hoje a gente tem nossos meios de abrir a boca né? Procura uma TV, fala e vem a melhoria de alguma coisa. Mas é um conjunto bom de se morar, é calmo. O conjunto Gramoré em sim, é um dos conjuntos mais calmo que tem. Você pode assistir que você ver muita pouca coisa comentada sobre o Gramoré. Agora porque nesses cantos que estão descampados o pessoal começou a invadir. Fizeram casas de papelão e veio pessoas de outros bairros, como a gente sabe o nosso problema de habitação, hoje em dia, é em todo canto, e a gente não ficou com a segurança que tinha antes. Mas essa rua que a gente mora, a gente, graças a Deus, nunca teve nenhum tipo de problema. Mas quem mora mais perto dos morros, desse pessoal de casas mais simples, existe esse problema dos penetrantes né? Mas sobre a segurança melhorou porque a gente tem sempre o carro da policia passando, ficou muito mais fácil. Agora a questão da saúde a gente já teve assistência melhor, há uns quatro ou cinco anos atrás a assistência era bem melhor. Luciano: Me diga uma coisa, o que levou a senhora vim morar aqui? Sair lá de Lagoa Seca... Rose: Eu morava de aluguel né? Morava na Romualdo Galvão (avenida), perto do DNER, e é um canto muito agitado, pra gente que tem criança não dá certo né? E, outra coisa, eu tinha que investir no que é meu né? Se eu fosse ficar acomodada lá, eu estava até hoje morando lá. E minha casa aqui abandonada, alugada pro povo levar tudo. E foi também uma das coisas que eu comecei a querer

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ajudar minha família e trazer meus irmãos do interior e numa casa alugada pequena, não tinha condições. Então aqui eu tinha espaço pra construir e dá uma vida melhor a eles, como eu fui fazendo. Fui trazendo de um, em um, botando pra estudar, trabalhar, arrumando emprego e hoje estão todos aqui. Luciano: Valeu a pena? Rose: Valeu a pena. Marina: Dos problemas, a senhora falou que melhorou, mas ainda acha que é precário? Nesses aspectos de segurança, educação... Rose: É precário. Segurança, educação, a gente sabe que educação são os mais precários. A gente queria, assim, como era antes que os nossos jovens todos estudavam dentro do conjunto. Por as escolas não darem assistência, não terem professores a gente é obrigado a colocar eles para estudarem fora. Luciano: Beleza, Dona Rose. Muito Obrigado!

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12 - ENTREVISTA COM FLÁVIA MONALISA

[Na manhã do dia 23 de julho de 2012, reúne-se, na SEMURB, no bairro de Candelária, a equipe do programa Memória – Luciano, Gabriela e Matheus –, juntamente com Flávia Monalisa, moradora do conjunto de Nova Natal]. Luciano: Monalisa, esse trabalho nosso é aquele que você já conhece, é o programa Memória Minha Comunidade e agora nos estamos pesquisando sobre Lagoa Azul e assim, teu nome completo? Monalisa: Meu nome? Flávia Monalisa de Figueiredo Camelo Luciano: Monalisa, há quanto tempo você mora em Nova Natal? Você mora em Nova Natal? Monalisa: Moro em Nova Natal há 20 anos. Passei praticamente toda infância, cheguei lá com 6 anos. Luciano: E como foi, assim, ser criança em Nova Natal? 10 anos, lembra alguma coisa dessa fase? Monalisa: Lembro, lembro. Era muito bom. Eu particularmente gosto de morar na Zona Norte, Lagoa Azul é um bairro bacana, uma vizinhança bacana, a gente brincava muito, eu tive uma infância bem realizada, fui criança mesmo, brinquei bastante, toda noite a gente saia de casa, brincava, juntava aquela turma de criança e ia brincar de queimada, brincava de vôlei. Toda noite era essa rotina que a gente tinha né? Religiosamente todas as noites e assim, muita criança, tinha muita criança. Foi muito bom, aproveitei bastante. Luciano: Me diga o nome da rua que você morava Monalisa: Rua do Garrafão Luciano: Você continua morando nessa mesma rua? Monalisa: Continuo morando na mesma rua, rua do garrafão. Hoje um pouco diferente da época em que eu cheguei. Luciano: Bom, fale um pouco mais sobre essas brincadeiras. Vocês jogavam, brincavam de vôlei, brincavam de queimada? Monalisa: É, geralmente eram aquelas brincadeiras que hoje em dia parece que perderam, um pouquinho, o valor né? Hoje em dia o pessoal gosta mais de internet, de brincar de jogar vídeo game, mas naquela época, eu lembro, eu não sei se realmente tem a ver com a época, com a questão social também, mas a gente tinha aquela interação maior. Todas as crianças brincavam juntas, não tinha essa coisa de ficar só a criança e o computador. Todo mundo brincava junto, brincava de queimada, brincava de vôlei, esconde-esconde, sempre tinha uma novidade pra gente, sabe? A gente sempre criava, inventava uma brincadeira. „Tô no poço‟. Mas sempre uma brincadeira que todo mundo estava junto e era muita criança.

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Gabriela: Mas essas crianças eram sempre da rua? Monalisa: É, das ruas vizinhas, da rua do Garrafão. A maioria eram vizinhos. Gabriela: E onde é que fica essa rua do Garrafão? É loteamento? Monalisa: É dentro do conjunto Nova Natal, próxima a avenida principal que é a avenida da Chegança. Próxima a escola que eu estudei desde a 1ª série até o 3º ano do segundo grau que é a escola que Seu Luciano é vice-diretor Luciano: Que é a escola Miriam Coelly Monalisa: A escola Miriam Coelly Luciano: Bom, mas aí você falou assim; essas crianças a noite, brincavam durante o dia também? Monalisa: É, mas geralmente a reunião era a noite, porque aí tinha aquela coisa, muitos estudavam pela manhã, muitos estudavam de tarde, aí geralmente o encontro mesmo que era marcado, oficial, era de noite, porque aí era todo mundo. E lá em frente a minha casa tinha um poste, então era tudo bem iluminado. A gente tomava conta, assim, da metade da rua porque era muita criança. Luciano: A rua era... Monalisa: A rua era pavimentada. Desde que a gente chegou lá que rua sempre foi pavimentada. Luciano: E assim, essas crianças brincavam e imagino que as famílias dessas crianças também tinham uma relação boa... Monalisa: Tinha, tinha, todas as famílias... Luciano: Nessas noites em que vocês brincavam, as pessoas mais velhas, sua mãe, familiares, se reuniam com os vizinhos para conversarem ou você não via isso? Monalisa: A minha mãe, geralmente ela, ficava assistindo o jornal, mas até hoje tem algumas pessoas que até hoje tem esse hábito de a noite sentar na calçada, bater um papo com os vizinhos. Tem uma família lá que mora pertinho, que é uma família bem grande, e geralmente de noite o pessoal bota umas cadeiras, senta na calçada, fica batendo um papo. Nessa época já tinha também. Luciano: E, assim, essas crianças, vocês, recebiam orientação dos familiares, dos adultos né? Tinha alguma coisa assim com relação de além de Nova Natal? O mundo da sua infância era o mundo da rua da sua casa, da rua do garrafão ou vocês tinham liberdade também de ir para os loteamentos? Monalisa: Não! Nosso mundo era ali mesmo. O meu mundo, particularmente, era minha rua e a escola. Era o meu mundo até uns 14 anos que aí eu passei a frequentar a igreja e veio como sendo outro mundo também. Mas, assim, na minha infância era minha rua. Normalmente a gente não se

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deslocava. Era só assim, a minha rua, mas a gente só brincava na minha rua. Minha rua era o ponto mesmo, o „point‟ de encontro era minha rua. Luciano: Você sempre estudou ali no Miriam Coelly? Monalisa: Sempre. Quando eu me mudei, eu morava em Lagoa Nova, me mudei pra lá com 6 anos e já fui matriculada pra estudar no Miriam. Desde a 1ª série. Gosto muito da escola. Naquele dia que eu fui convidada pelo senhor pra dar aquela palestra, eu me emocionei porque realmente é muita lembrança e pra mim lá é um lugar muito especial. Toda minha infância eu passei ali. A metade do meu dia eu passei ali, eu vivi ali, muito especial pra mim. Luciano: Me diga uma coisa; você estudou ali no Miriam, você cresceu ali. Nessa época, ainda da infância, você sentia, você podia ter contato, porque estavam ainda se formando os loteamentos, você sentia que existia por parte das pessoas um certo olhar diferente com quem morava nos loteamentos, fora do conjunto Nova Natal, ou você não percebia isso? Monalisa: Naquela época, acho que pela idade, eu não conseguia perceber isso. Mas hoje existe um certo preconceito. Geralmente as pessoas que moravam no conjunto elas não querem dizer se alguém mora, por exemplo, no loteamento Câmara Cascudo, que também lá é Lagoa Azul, e a pessoa passa na televisão dando uma entrevista dizendo que mora em Nova Natal, e a rua a pessoa sabe que não é em Nova Natal, não é Nova Natal, eu moro no loteamento. Naquela época eu acho que pela idade não conseguia perceber isso, mas hoje tem, tem preconceito sim. Não sei por que razão, mas tem. Luciano: Então assim, você brincava, você frequentava a escola, a escola era fácil porque era perto... Monalisa: Bem pertinho. Uma rua por trás. Eu morava numa rua, a rua de trás, moro né, ainda? É a sua da escola. Acho que até uns 8 anos minha mãe me levava, me acompanhava, depois como era pertinho né? Eu já caminhava sozinha. Ia pra escolar, ficava naquela filinha esperando pra entrar, depois brincava bastante no intervalo. A escola também era um lugar de muita brincadeira. Eu sempre tive bom relacionamento, graças a Deus, sempre tive bom relacionamento com todo mundo, então tinha muitas amizades na escola. Gabriela: A igreja que você frequenta é lá? Monalisa: A igreja que eu frequentei é lá também, há uns 5 minutos da minha casa. Também é dentro do conjunto. Luciano: Qual igreja? Monalisa: É a Igreja do Evangelho Quadrangular. Eu acho que ela já tem 24 anos lá nesse bairro. Eu frequentei dos 14 até os 20... agora eu estou frequentando outra igreja. Acho que até os 24 eu frequentei essa igreja. Luciano: Foi a sua família que levou você pra essa igreja?

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Monalisa: A minha avó, desde que chegou há 30 anos, minha avó frequenta essa mesma igreja até hoje. Então a minha avó foi quem começou, né? Começou indo minha avó, depois foi o padrasto da minha mãe, depois fôramos filhos dela, aí veio minha mãe, veio eu. Então foi minha avó quem começou e hoje tem muita gente da minha família que frequenta essa igreja. Bastante gente mesmo, porque lá em Nova Natal eu tenho muito parente. Tenho primos, tenho tios, tenho muita gente da minha família que mora lá. Luciano: E assim, essa menina de 10 anos ela vai crescer, vai se tornar adolescente, como é, também, essa fase de adolescente? Adolescente você já estava frequentando a igreja? Monalisa: Já! Com 14 anos eu já frequentava a igreja . E eu sempre fui muito assim, eu gostei muito de participar, me meti em todas as coisas que a igreja oferecia. A igreja tinha um trabalho social bacana, entendeu? Fazia aqueles dias social que cortava o cabelo, ensinava a pintar, tinha pessoas na igreja que tinham esses talentos artísticos e ensinavam e a gente fazia. Eu trabalhava muito nessa parte social, sempre eu estava envolvida e com a parte dos jovens. Eu fiquei alguns anos trabalhando com os jovens na igreja, fazendo trabalho social. Luciano: Você, ao fazer esse trabalho social da igreja que se envolvia com a comunidade e tal, você percebia também outras ações de outros movimentos comunitários, como você via isso? Chegou a participar de alguma outra ou não? Era só a parte social da igreja? Monalisa: Hoje eu acredito que está um pouco mais parado, o conselho comunitário, sabe? Mas teve uma época que estava bem empenhado. Hoje o trabalho que é feito, é mais o desfile mesmo. Que é uma tradição do bairro, o desfile de 7 de setembro e é muito grande, por sinal. Como o bairro é muito grande, tem muita escola, muito jardim infantil, e o desfile hoje é uma tradição, não pode faltar o desfile. Todo ano tem o desfile, todo ano aumenta a quantidade de pessoas. Começando de „três e meia, quatro horas da tarde‟ e vem terminar „seis, seis e meia‟. É bem grande mesmo. Gabriela: Mas no caso de conselho comunitário, você acha que ele está se restringindo mais a isso? Monalisa: É, hoje eu acho que eu não vejo, assim, muita coisa. Geralmente o outro evento que tem, é um evento chamado „Cristois‟, mas é promovido pela igreja católica que é como se fosse um carnatal que eles fazem né? Sai todo mundo no trio elétrico, eles fazem as camisetas e vão pras ruas, mas, assim, eu acho que não tem o envolvimento do conselho não. Gabriela: É, mas lá você já ouviu falar em outros tipos de grupos? Clube de mães? Monalisa: Tem, tem. Tem o Clube de Mães Ivone Alves que a minha avó faz parte, já faz alguns anos que eles promovem hidroginástica, ginástica pros idosos, passeios. Inclusive eu tenho a fotografia em que minha avó está desfilando no desfile cívico que nesse ano, eu acho que foi o primeiro ano que o Centro de Idosos Ivone Alves participou do desfile cívico. Gabriela: É um centro de idosos ou é um clube de mães?

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Monalisa: É, é um clube de idosos. Tem um clube de mães, mas esse clube de mães eu não sei como se chama. Gabriela: Mas o clube de idosos é bem antigo? Monalisa: O clube de idosos é bem „ativo‟ Gabriela: Tem muitos adeptos, você sabe dizer? Monalisa: Tem, tem. Tem um „bocadinho‟. Tem um „bocadinho‟ de idosos que frequentam até porque eles fazem esses trabalhos que são aconselhados pelo médico e como é gratuito e tem muitos idosos que não tem como pagar, fisioterapia, acabam indo. E ali tem as festinhas dele né? A festinha junina... Luciano: Monalisa, apesar de você estudar próximo de casa, mas assim, como era na adolescência, na infância, você lembra como era se deslocar para outra parte da cidade? De ônibus, como era isso? Monalisa: Hoje o comércio cresceu muito. Na época que eu era adolescente, assim, muita coisa a gente tinha que se deslocar. Quando eu cheguei lá, já existiam duas linhas de ônibus, as linhas que estão até hoje. E graças a Deus a quantidade de ônibus vem aumentando né? E vai melhorando. Eu acho, assim, que é um pouquinho distante porque essas linhas „arrodeiam‟ todo o bairro pra poder sair do bairro, então acaba sendo um pouquinho demorado o trajeto. Mas, hoje em dia, está mais fácil porque o comércio cresceu muito daquela época pra cá, então você encontra clínica de advocacia, clínica odontológica, você encontra outros médicos, você encontra várias farmácias, várias óticas, várias casas de ração, loja de vender moto, autoescola. Então, assim, é muito completo o comercio lá que é concentrado todo naquela área da Chegança. Quando eu cheguei lá, não tinha nada disso. Luciano: Na Avenida da Chegança é? Monalisa: É, na Avenida da Chegança. Quando eu cheguei não tinha nada disso. Eu acho que o ponto de comércio que tinha era uma sorveteria, um cara que até hoje faz sucesso que é o „cachorro quente do Sadam‟. Desde que eu cheguei lá que esse cara vende cachorro quente. É muito famoso o cachorro quente dele lá. E esses comerciozinhos mais pequenininhos, mais de subsistência. Um cachorro quente, uma sorveteria. Mas hoje em dia, tudo que se tem pra fazer, não tem que se deslocar. Comércio de roupa, de sapato. Tem muita, muita loja mesmo. Luciano: Você falou em comercio. Lembra da sua primeira visão da feira? A feira de Nova Natal é uma feira muito grande hoje né? E você tem alguma lembrança da feira? Você frequentava a feira? Monalisa: Eu frequentava, mas era difícil. As vezes eu ia, quando meu pai ia, ai eu ia também. Mas, assim, eu só lembro mais da evolução, entendeu? Porque quando a gente chegou a feira era só a rua... uma rua que eu não estou lembrada o nome, mas que é conhecida como rua da feira. Lá todo mundo conhece como rua da feira. E depois, eu lembro então, que ela foi crescendo, foi se estendendo e tomou metade da Chegança que é uma avenida grande né? Tanto em um sentido como pro outro, em sentido da Avenida das Cirandas como no sentido da Avenida dos Caboclinhos a feira foi se estendendo e até hoje cresce. Você passa algum tempo sem ir, quando você vai, já ver que aumentou

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a quantidade de barracas nos dois sentidos e também nessa rua da feira. Mas, assim, de frequentar, frequentei pouco. Eu me lembro mesmo do crescimento, de alguns anos pra cá, ela tem crescido muito. Até hoje se a gente ficar sem ir percebe que vai chegando novas barracas. E é bem pertinho da minha casa, também, a feira. Luciano: Como criança era brincar na rua, era jogar, brincar das brincadeiras de rua? Monalisa: Era. Eu chegava da escola, tomava banho, comia e ia brincar na rua. 21 horas minha mãe chamava pra entrar porque já estava na hora. Luciano: E vira uma adolescente evangélica da Igreja Quadrangular. O que fazia essa adolescente evangélica nos momentos de „folga‟ da escola? Monalisa: É, geralmente, depois que eu passei a frequentar a igreja, eu já estava uma mocinha, mas até os 14 anos eu ainda brincava de boneca, brincava na rua, de boneca, colocava a boneca aqui, com o vidro de remédio que era a mamadeira. Com 14 anos. Hoje você também não ver mais isso. Apesar de muito pouco tempo, mas você não vê uma menina de 14 anos brincando de boneca. A minha mãe brincou até os 18. Então quando eu entrei na igreja, comecei a me ocupar com outras coisas porque eu conheci novas pessoas, que eram os jovens da igreja, comecei a me ocupas mais com as tarefas da igreja. Fazer cantina, eu acumulei muitos cargos. Eu era secretaria dos jovens, tesoureira dos jovens, presidente dos jovens, eu era um bocado de coisa, então não faltava atividade pra fazer. Mas eu ainda continuava me relacionando com a vizinhança, mas não tinha mais aquela presença pra brincar, até porque ai já viam as crianças da época em que eu era criança, que não existiam, nasceram e foram tomando esse espaço. Já não eram mais os de 14 que brincava, eram os de 9, os de 10 e os de 14 já iam se envolvendo em outras coisas. Luciano: Você faz o ensino médio, o fundamental no Miriam, e o ensino médio? Monalisa: Fiz. O único colégio antes de entrar na faculdade que eu estudei foi o SESI que eu fiz só a pré escola, mas assim que eu me mudei eu já fiquei no Miriam. Fiz desde a 1ª serie até a 5ª série. O fundamental só trocava os horários né? Eu fazia o fundamental pela manhã de 1ª a 5ª série e o outro fundamental num horário que eu nem sei se tem hoje que era um pedaço da tarde e um pedaço da manhã... Luciano: O intermediário... Monalisa: O intermediário que eu não sei se hoje ainda existe, existe mais não né? Pronto, eu ainda peguei esse intermediário e o ensino médio que eu fazia só a tarde até o 3º ano do segundo grau. E aí já fui me preparando para o vestibular. Luciano: E esse colégio que você fez o pré vestibular também era na Zona Norte? Monalisa: Não, o SESI aqui de Lagoa Nova foi a pré escola. Gabriela: Então você estudou a vida toda no Miriam...

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Monalisa: A vida toda, porque a pré escola... Então, realmente, minha vida escolar foi toda lá, em Nova Natal no Miriam, então foi muito bom pra mim, não tenho do que me queixar. A gente tinha os problemas que tem ainda de falta de professor, mas a gente também encontrava professores que tinham interesse. Aqueles alunos que eles sabiam que queriam algo, passar, que queria chegar a algum lugar e davam maior força pra gente. A gente já estava no ensino médio e precisava de um apoio maior pra poder passar no vestibular e sempre tivemos esses professores, também, que davam o apoio pra gente. Luciano: Você conseguiu fazer universidade né? Curso superior, qual o curso? Você é formada em...? Monalisa: Sou formada em tecnologia em gestão ambiental, pelo IFRN. Luciano: E trabalha na SEMURB? Monalisa: Trabalho na SEMURB. Luciano: E faz o que na SEMURB? Monalisa: Na SEMURB o cargo é chefe de setor né? Setor de informação. Tem uma disciplina que a gente paga, pagou no curso que se chama Sistema de Informação Geográfica que a gente trabalha com geoprocessamento e hoje é o que eu trabalho aqui. Fiquei numa área mais específica. Aqui dentro tive a oportunidade de fazer a especialização, já que estava trabalhando na área, fiz a especialização também em geoprocessamento. Luciano: Me diga uma coisa, dessa fase de infância, das suas amigas e amigos da infância tem como dizer assim, quantitativamente, quantos conseguiram um curso superior ?Entre os seus amigos de adolescência existia a perspectiva de ir além do ensino médio? Monalisa: A minoria. Desses da minha rua, eu acho que só uma, fora eu. Conseguiu se formar recentemente, mas lá na escola tiveram outros da mesma época que eu, que conseguiram entrar no CEFET. Tem uma engenheira civil, tem uma jornalista, tem uma professora de francês. Tem alguns que conseguiram avançar, mas poucos. Da minha rua, daquelas crianças ali, só uma mesmo. Fora eu, só uma, a minha vizinha de frente. As demais, algumas tiveram filhos, os meninos também casaram, tiveram filhos e só, terminou aí, infelizmente. Luciano: Você poderia dizer o „porquê‟ você acha que eles não conseguiram. Assim, conviveram com você, brincaram com você, mas... Monalisa: Eu sei. Eu acho que talvez, acho que a família influencia muito né? Às vezes por falta de conhecimento a família não dá muita importância e acha que o filho só tem obrigação de terminar ensino médio e as vezes nem isso. Eu acho que o apoio da família, até das amizades que você vai se envolvendo, vão influenciar aquilo que você quer fazer . Eu acho que faltou isso pra muitos deles,

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conviverem com amizades que tivessem a visão e foram influenciados por isso e não conseguiram crescer, não conseguiram avançar. Luciano: Monalisa, saúde? Como era pra você, pra sua família, como era? Tinha assistência médica? Monalisa: Olhe, eu acho que antes, há alguns anos atrás, há uns 10 anos atrás, era melhor do que hoje. Infelizmente, eu acho que pelo tempo era pra ter avançado, mas eu acho que não avançou, ao contrário. Porque antes a gente conhecia um posto de saúde lá, que hoje é a AME e tinha um posto pequeno, um postinho menor que era da marcação de exame. E assim, quando era o posto de saúde, a gente conseguia fazer alguma coisa. Hoje a situação está um pouco mais difícil, não sei se porque veio muita gente de fora ou o posto de saúde se tornou uma AME e a AME ela não tem em todos os bairros né? E era uma quantidade de especialidades maior. Eu acho hoje mais difícil de conseguir consulta, de conseguir médico pelo posto de saúde lá. Eu acho que antes era um pouco mais fácil. Gabriela: Mas, assim, por ser menor o bairro, no caso né? O bairro seria menor, poucas pessoas... Monalisa: É, talvez também, porque ele cresceu muito. Naquela região dos loteamentos ali, praticamente não tinha casas. Hoje, Lagoa Azul, se estende até quase a BR-101, quase Extremoz. Tem casa lá que já é em areia de praia. Luciano: A sua mãe trabalhava fora? Monalisa: Não. Minha mãe sempre foi dona de casa. Quem trabalhava fora era meu pai. Meu pai trabalha em Nova Descoberta. Ele é marceneiro, tinha uma marcenaria em Nova Descoberta, mas eu acho que há uns 12 anos que ele trabalha na minha casa. Ele fez um galpão na minha casa, no mesmo terreno ele fez o galpão, e trabalha lá. Antes ele tinha uma sociedade, hoje ele é autônomo. Luciano: Quando vocês foram morar lá há 20 anos, na sua infância e adolescência, começou a surgir e aumentar a população no entorno de Nova Natal. Ali em Nova Natal, próximo ao conjunto, tem uma lagoa que dá nome ao bairro... Monalisa: Lagoa Azul. Luciano: Você chegou a frequentar em algum momento a Lagoa Azul? Monalisa: Uma vez. Eu fui uma vez só a passeio. Então o pessoal da igreja que decidiu fazer um passeio e a gente foi, mas eu fiquei só de fora. Eu tenho um medo de lagoa muito grande. Nesse dia até que tinha bastante gente. Luciano: Mas passeio da igreja, foi lazer da igreja... Monalisa: Foi. Domingo de manhã que algumas pessoas da igreja haviam combinado. Vamos fazer um piquenique lá na lagoa, aí se reuniu o pessoal e foi a pé mesmo, cortando ali pro dentro dos Caboclinhos até se encontrar com a lagoa. Hoje eu só passo em frente mesmo quando eu vou na praia, ali pela BR, litoral norte. Ontem mesmo eu passei por lá, estava bem cheia a lagoa. Eu acho uma lagoa bonita, só não tenho coragem de tomar banho.

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Luciano: Então assim, você foi porque o pessoal da igreja organizou esse piquenique. Então, assim, era um lugar onde as pessoas se encontravam também? Monalisa: Era um lugar de lazer. Principalmente naquela época. Hoje tem algumas pessoas que se arriscam, mas a violência está muito grande, então o pessoal já tem medo porque lá é muita vegetação. Muita vegetação, muita pouca casa ainda. Pouquíssimas casas têm trechos que não tem casa, fica próximo da BR, então o pessoal evita por medo de assalto. Mas naquela época ainda, há uns 8 anos, ainda tinham famílias que iam lá, tinha alguns bares ao redor da lagoa que as pessoas frequentavam. Luciano: Voltando um pouco pra questão do comércio. Você não frequentava muito a feira, mas a feira da sua casa, as compras? Você lembra dos seus pais... Monalisa: Lembro. Sempre iam buscar na feira, até hoje! Todo domingo, fruta, é só da feira. No supermercado a gente só comprar a parte grosseira e carne, na feira são as frutas. Então, tudo de frutas, verdura, é tudo da feira. Todo domingo, religiosamente, meu pai levanta cedinho, todo dia ele levanta cedinho. 5:30, 6 horas ele já está saindo pra feira no domingo e é todo domingo, religiosamente. Luciano: E você vê outras pessoas da rua fazerem a mesma coisa, também? Monalisa: Acho que 98, 99% da população vai pra feira. A feira é grande e é muito cheia, vem gente de Pajuçara. Eu tenho uma família no Pajuçara, que é o bairro vizinho, que vem, também, pra feira. Eu conheço pessoas que vem do Alecrim pra feira de Nova Natal. Luciano: Seus pais moravam em Lagoa Nova e foram morar em Nova Natal. Entre vocês, da família, chegou a se saber o porque dessa mudança? Ele trabalhava do outro lado, em Lagoa Nova, porque essa mudança pra tão longe? Monalisa: Porque lá a gente comprou a casa. A gente morava de aluguel em Lagoa Nova, a casa não era nossa. E lá, meu pai tem 8 irmãos, são 9 filhos, e todos os filhos do meu avô já tinham casa, menos o meu pai. Meu avô vendeu uma casa aqui em Morro Branco e parte do dinheiro ele deu pra meu pai, e meu pai comprou essa casa em Nova Natal. Na época era cruzeiro, cruzado, foi bem baratinho. Hoje lá está muito mais valorizado, hoje. Principalmente dentro do conjunto, tendo em vista a concentração do comercio, ônibus. Na época foi bem baratinho. Então a mudança foi porque lá a gente comprou. Minha avó já morava lá. Luciano: Você mora em Nova Natal, cresceu em Nova Natal. Tem alguma coisa de positivo morava em Nova Natal? Monalisa: Eu acho que foi lá em Nova Natal que a gente cresceu, sabe? Melhorou de vida. Tem muita coisa que a gente associa, ter uma ascendência né? Então até a gente se mudar pra lá, a gente era „x‟, depois que a gente mudou pra lá, sabe? A gente mudou completamente. Eu tenho isso comigo. Eu sempre agradeço porque essa mudança fez bem, depois que a gente chegou lá, a gente conseguiu ascender e quando a gente chegou já tinha 10 anos do bairro, mais ou menos isso, então a gente pôde ver também todo esse crescimento e acompanhar. Hoje, eu acho, que é um lugar ótimo de

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ser morar, acho que se eu tivesse permanecido aqui, não sei como teria sido. Mas assim, eu gostei muito de ter ido pra lá, fiz muitas boas amizades, tive boas influencias. As vezes as pessoas ficam achando que a gente vai pra um lugar na Zona Norte que não é considerado um bairro nobre da cidade, mas eu aprendi muita coisa boa lá. Tem muita coisa boa pra oferecer, tem ótimos vizinhos, não tenho problema com nenhum dos meus vizinhos da rua, são pessoas ótimas que ajudam, quem compartilham, entendeu? E eu sou muito satisfeita de morar ali, gosto muito mesmo. Eu acho que tem muitos pontos positivos sim. Principalmente depois que as coisas começaram a expandir, crescer, ficou mais fácil morar lá, porque realmente era um pouco mais complicado. Quando minha avó chegou, ela falou que não tinha nada lá, era só mato e casa. O governo faz as casas pras pessoas morarem não tem nada, não tem mobilidade, não tem padaria, não tem nada. Desse jeito foi pra ela, na época que ela chegou, porque ela recebeu as casas. Pra mim já foi um pouco mais fácil e hoje aqui é um lugar ótimo, tem tudo que você precisa, tudo que precisar. Tem 5 farmácias numa rua só, dá pra fazer muita coisa. É o Alecrim da Zona Norte. Eu digo que Nova Natal é o Alecrim da Zona Norte porque é o comercio mais forte da Zona Norte. Luciano: Teve esse sua participação na igreja, atuando mesmo na igreja evangélica. Lá em Nova Natal existe a igreja evangélica, existe a igreja católica. Existe alguma relação de trabalho entre as igrejas? Ou existe indiferença entre uma igreja e outra? Monalisa: Eu acho que existe indiferença. Como existe até hoje essa religiosidade de uma igreja condenar as coisas que a outra faz. Nunca ouve trabalho em conjunto não. Hoje tem muito, muito, mais igreja do que na época em que eu cheguei lá. Acho que uma das poucas igrejas que tinha lá, fora a igreja católica, era a igreja que eu frequentei. Ela tem 24 ou é 25 anos e o bairro tem 30. Era um embriãozinho, bem pequenininho. Hoje não, já tem várias denominações. Na Avenida da Chegança tem uma 5 ou mais igrejas Luciano: No conjunto Nova Natal, as ruas foram nomeadas lembrando foguetes populares. Você sente alguma relação desses nomes com as pessoas, alguma indiferença, ou é um nome comum pras pessoas? Você mora na rua... Monalisa: Rua do Garrafão. Inclusive é muita coincidência porque eu moro lá e trabalho no setor de toponímia, eu conheci a pessoa que nomeou minha rua, que nomeou todas as ruas que foi França. Quando o conjunto foi construído, França quem foi lá, nomeou e botar as placas. E eu achei interessante depois poder conhecer ela. Geralmente o nome do bairro faz relação com o nome das ruas, por exemplo, Nossa Senhora da Apresentação, as ruas tem nome de santos porque o bairro tem nome de santa. Mas eu acho que lá não foi esse o critério. Decidiram homenagear o folclore brasileiro. Luciano: Tem um colega meu que trabalho na COHAB, ele colocou que teve uma participação de Deífilo Gurgel nessas ruas. Luciano: Mas o que eu queria saber de você, era indiferente para as crianças, adolescentes morar no Caboclinhos, morar na Chegança?

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Monalisa: Era. Eu acho até pela inocência porque não sabia nem o que era Caboclinhos, Boi Calenda, Boi Bumbá. Talvez nem passasse pela cabeça essa relação Luciano: Você falou de uma coisa importante que aconteceu em Nova Natal, o desfile de 7 setembro. Na sua infância você chegou a participar? Monalisa: Não, eu acho que não. Luciano: Mas já acontecia? Monalisa: Já, já acontecia. Faz muitos anos que acontece esse desfile. Eu acho que nunca participei porque a escola não participava. Luciano: Você falou dessa coisa de só ter percebido preconceito com moradores de outras áreas na adolescência... Monalisa: Já existia, eu é que não... Luciano: Entre a sua família você não percebeu isso não? Monalisa: Não, acho que não. Que eu me lembre não. Gabriela: É comum lá ser chamado Posses? Monalisa: Não. Não é. Loteamento. Luciano: Agradecer a você por ter participado, desse primeiro momento. Essa etapa do programa, da pesquisa, estamos fazendo várias entrevistas, com pessoas de faixas etárias diferentes e também diferentes lugares do bairro Lagoa Azul. É um primeiro momento, vai ter um segundo momento que a gente vai conversar de novo e aí já as perguntas mais bem elaboradas, direcionadas para os temas da pesquisa. E eu gostaria de agradecer.

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13 - ENTREVISTA COM NÚBIA E RINO DANTAS

[Na manhã do dia 5 de julho de 2012, reúne-se, no Teatro Rino Dantas, no conjunto Cidade Praia, a equipe do programa Memória – Luciano, Carlos, Gabriela, Matheus e Marina –, juntamente com Núbia e Rino, moradores do conjunto] Luciano: Nós viemos aqui hoje para conversar com vocês, e esta nossa conversa de hoje é uma conversa livre, sobre a trajetória de vocês dois aqui, nesta comunidade, e sobre como esta comunidade foi se estruturando, nesses anos, até os dias atuais. Uma conversa informal. Por que uma conversa informal? Porque, neste primeiro momento, estamos pegando esses dados, e também fazendo pesquisa em arquivos de jornais e bibliotecas da UFRN e de outras universidades sobre informações referentes a este lugar, e estamos com uma série de conversas já marcadas com moradores como vocês, para que possamos, a partir daí, ter uma ideia dos temas que vamos trabalhar, e também de quantas pessoas vamos ter de entrevistar. Este é o nosso primeiro contato e, com certeza, a partir de agora, iremos fazer outros contatos com vocês. Rino: Eu tenho até uma sugestão: os mais antigos presidentes do conselho daqui são Zezé e Sebastião... É bom ter esses contatos, porque eles chegaram aqui há mais tempo. Quando eu cheguei, o Cidade Praia já existia, isto aqui era só loteamento, esta parte daqui... Luciano: Zezé e... Rino: Zezé e Sebastião. Zezé mora aqui na comunidade, mas Sebastião mora no Parque dos Coqueiros. Luciano: Vou colocar aqui, entre parênteses, “Rino e Núbia” [escreve num caderninho], porque serão as pessoas que iremos procurar para entrarmos em contato com eles dois, certo? Rino: Porque eles começaram aqui, desde o início do conjunto Cidade Praia. Aqui era loteamento, mas foi se aglomerando até o limite de Nova Natal, mas o conselho comunitário era só para as casa do conjunto da Caixa. Era pequenininho, era considerado o menor conjunto, só agora que se expandiu por conta do loteamento. Luciano: Então vamos começar por Núbia? Rino: Vamos! Até porque ela está entre os primeiros que chegaram aqui! A primeira moradora desta rua! Luciano: Fiquem à vontade para falar, gente! [dirige-se aos demais membros do programa Memória, que acenam positivamente com a cabeça]. Núbia, gostaríamos você nos dissessem o seu nome completo... Núbia: Núbia de Oliveira Pinto [?]. Luciano: Sua profissão...

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Núbia: Doméstica do lar. Luciano: O nome da rua... Núbia: Avenida Centenário da Abolição. Luciano: Casa... Núbia: Número 78. Luciano: Como foi sua chegada aqui? Núbia: Quando eu cheguei para morar no loteamento, aqui não existia água encanada nem luz, era mato, só mato! Luciano: Quando? Núbia: Em 1990. No dia 22 de julho de 1990. Passei por muitas dificuldades, mas, graças a Deus, melhorou um pouco! Não melhorou 100%, melhorou uns 70%. Rino: Isso é muita coisa! Vamos dizer que melhorou uns 30%! [Rino fará outras intervenções, embora, neste momento, a entrevista seja direcionada a Núbia]. Luciano: Você já chegou nesta rua, nesta casa... Como foi isso? Como foi a aquisição deste lote para a construção desta sua casa? Núbia: Pode repetir? Rino: Como foi que você conseguiu esta casa? Núbia: Sim! Eu comprei o terreno pela imobiliária... Comprei um vão com um banheiro, e vim morar, porque [antes] eu pagava aluguel. Luciano: Você morava aonde? Núbia: Eu morei na Rua do Motor... Morei num monte de ruas: morei em Nova Natal, morei na Rua do Motor... Quando eu vim para cá, eu morava na Rua do Motor. Comprei o terreno, e fui construindo devagarzinho, e, graças a Deus, eu consegui! Primeiro foi um vão com um banheiro, que era o necessário! Eu também passei muitas dificuldades com enchentes! Muitas! Em 94, foi a primeira enchente. Meu filho, que nasceu em 93 e [hoje] tem dezenove anos, com um ano de idade, quase morria afogado dentro de casa. [...]. Luciano: Isso, quando o seu filho tinha quatro anos? Núbia: Não! Ele tinha um ano! Ele nasceu em 93, e a primeira enchente foi em 94.

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Rino: A gente ficava com a água no joelho aqui! Ainda bem que eu moro no primeiro andar! [risos] Porque ainda não tinham feito essa drenagem. Agora melhorou... Luciano: Você falou da época em que chegou aqui para construir sua casa... Como era este entorno? Você tinha vizinhos? Como era isso? Núbia: Não, não! Era só mato! Só havia o terreno que eu comprei, e, aos poucos, fui juntando [dinheiro] e construindo. Depois vim morar! Passei por muitas e muitas dificuldades... Rino: Isso foi em 90, não foi? Eu comprei o meu pouco tempo depois, só que demorou a eu vim para cá! Núbia: Nessa peleja toda, de quatro em quatro anos, vêm políticos prometendo que vão calçar, vão drenar... Findam sem calçar e sem drenar, em anos e anos que estou aqui. Rino: Botavam placas homéricas assim: “Drenagem em Cidade Praia!”. Todos os prefeitos, sem exceção, botaram, mas nunca fizeram nada! O único que fez alguma coisa foi Carlos Eduardo! Porque ele pelo menos amenizou essa questão da outra lagoa depois da linha. Núbia: Eu agradeço primeiramente a Deus e depois a Carlos Eduardo! Luciano: A lagoa de que vocês falam é essa Lagoa... [aponta em direção ao sul, aproximadamente]. Rino: Não é essa da linha, que depois vai desembocar lá no Sarney. A gente não sofre mais desse problema por conta disso. Luciano: Então as enchentes daqui vinham dessa lagoa do Sarney? Rino: Não! Da linha! Os moradores destruíam a linha do trem, quebrava tudo para a água passar! Núbia: Para vocês terem ideia: a minha casa era no meio, e dum beco a outro passava a correnteza. Nessa época, havia alguns que saíam para pescar, e pescavam traíra, acreditam? Rino: De 6 Kg! Carlos: Sério? [espantado]. Núbia: Eu morava no meio! A lagoa transbordava lá... Não tinha lagoa ali, não, Rino? Rino: Tinha! Aquela lagoa da linha! Mas ela não suportava porque era pequena, então, eles [os moradores] abriam a linha, quebravam tudo para a água passar! Núbia: Graças a Deus, primeiramente Deus, e em segundo Carlos Eduardo que amenizou um pouco lá. Foi por meio dele que foi feita essa lagoa de capitação, cresceu, remodelou... Eu só sei que melhorou muito! E as enchentes todas que aconteciam vinham de lá! Depois disso, graças a Deus, não alagou mais!

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Luciano: Quando você chegou aqui, nos anos 90, como era a questão do transporte? Núbia: Eu pegava [ônibus] no Solidade. Luciano: Solidade? Aqui não passava ônibus? Rino: Passava em Nova Natal, ali! Mas, na época, eram poucos ônibus! Núbia: E não era calçada aquela avenida, era barro! Graças a Deus, melhorou um pouco! Principalmente as enchentes, porque enchente aqui, Ave Maria, era horrível! Carlos: Mas, a questão do transporte melhorou? Núbia: Não! Marina: Antes [da gravação], a senhora estava falando que, até hoje, sofre para pegar um ônibus... Núbia: Quem trabalha em Ponta Negra tem de pegar, no Solidade, o 73. Rino: E o zero... Não, o 03 não vai! Ele vai até o viaduto! É que eu sou usuário do 03. Núbia: Essa questão de frota de ônibus, isso precisa melhorar muito! Muito mesmo! Luciano: O seu filho nasceu aqui? Núbia: Nasceu! Está com dezenove anos. Nasceu em 93. Dia 10 de abril de 1993. Em 94, foi a primeira enchente! Luciano: Eu imagino, porque eu sou pai também, que a criança, ao nascer, necessita muito de médico e essas coisas. Como era, naquele momento dos anos 90, que ficava isso, caso precisasse levar a criança ao médico? Rino: Eu que sempre tive uma saúde de ferro, nunca precisei. Núbia: Íamos ao posto do Solidade II. Luciano: Tudo era no Solidade II? Núbia: Solidade II. Eu ainda tenho até o cartão de lá! E é bem mais fácil eu conseguir lá do que aqui! Rino: No posto daqui? Núbia: Na igreja. Rino: Sim! Na igreja. É que a prefeitura não pagou o aluguel [do posto]. Lá tinha toda uma estrutura e funcionava o “Saúde da Família”, o posto do Cidade Praia. Mas a prefeitura não pagou a casa! Um

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absurdo! Então, o pároco daqui cedeu as salas, mas não tem para vacina, só tem um médico, antes havia dois médicos. Núbia: Havia dois médicos: doutor Clarindo e doutor Paulo. Agora só tem doutor Paulo. Luciano: Vocês se lembram do nome da imobiliária que vendeu esses terrenos? Rino: Imobiliária Santos. Núbia: Santos. Rino: A escritura daqui eu tenho, mas houve um problema sério! Eu estava pagando mais de mil reais. Porque este aqui é comercial e, assim, fica mais caro! Mas faz dois anos que vem no nome da vizinha. [...] “Ah! Vai demorar!”. Eu digo: “Eu vou acumular dívidas?”. Que absurdo! Eu pagava a taxa mínima, porque eu pagava a vista. Isso quer dizer... Eu sei lá! É um desastre total, sabem? Luciano: E nesses primeiros momentos, – Rino falou daqueles dois presidentes de associações – quando a senhora veio morar aqui, eu imagino que deveria haver outros moradores, mesmo que de frente à sua casa, havia? Núbia: Havia. Luciano: Como era essa convivência? Existia uma convivência comunitária? Núbia: Não! Não existia! Rino: Devido à distância... Núbia: Porque a casa que tinha era a de Fernando, para lá da igreja... Para cá, só tinha a minha. Luciano: A igreja era católica? Núbia: Era. Rino: Era. E sempre existiu. Quando começou o conjunto, fizeram primeiro essa igreja. Não era da minha época, eu vim foi depois, mas eu sei da história. Luciano: No momento do enfrentamento das enchentes, havia mobilização dos moradores? Tentativas de fechar a rua, sei lá? Rino: Televisão, a gente chamava! Núbia: Aquela repórter da... É que eu não lembro agora o nome da repórter que veio filmar aqui, e veio debaixo d‟água... Marina: Na década de 90 ainda?

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Luciano: As enchentes mais significativas foram... Núbia: Acho que a de 94. Rino: Houve umas três ou quatro enchentes! Luciano: Seu filho completou um ano e houve uma grande enchente... Núbia: Sim! Em 94! Rino: Foi a maior, a de 94! Núbia: A de 94 foi a primeira enchente desde que cheguei aqui. Foi a maior de todas. Perdi móveis, perdi roupas, só não perdi a vida. Mas até hoje eu tenho medo de quando chove! Carlos: Havia muita gente aqui nesse período? Núbia: Nesse período, não! Havia pouca gente! Gabriela: E esse seu filho é filho único? Núbia: É não! Gabriela: Por que eu queria saber como ele fazia para brincar... Núbia: O lazer dele era quando eu o levava para passear para casa de familiares, colegas [...]. Rino: Até porque não tinha criança por perto, né mesmo? Carlos: Aqui, não havia muita gente morando... Núbia: Eu ia para a casa de parentes em Neópolis. Ia passear com ele em Potilândia, onde mora os avós dele por parte de pai. E ele jogava uma bolinha aqui na frente com outro irmão que ele tem, quando dava a hora, eles entravam, no outro dia iam para o colégio. Luciano: Eu imagino que era um pouco distante a escola, porque, se não havia transporte para chegar ao Amadeu, né? Núbia: Eu ia caminhando aqui por dentro com ele nos braços até o Estela Lopes, conhece o Estela Lopes? Luciano: Conheço! Núbia: Muito bom aquele colégio! No Mirian não. Ele estudou no Estela Lopes, no Amadeu e no [...], e terminou, graças a Deus, no [...]. O segundo grau, né? Não chegou a fazer faculdade, não. E, graças a Deus, todos os dois trabalham! O de vinte e três anos trabalha no [...], e ele trabalha de motorista.

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Carlos: Um de vinte e três, e outro de dezenove? Núbia: É, o outro tem dezenove, pois nasceu em 93, né mesmo? Luciano: A sua família cresceu aqui? Núbia: Cresceu aqui! Luciano: E essa família que cresceu aqui permanece aqui? Núbia: Permanece aqui! Todos os meus filhos! Todos os três! Eu também tenho uma filha de vinte e cinco anos que é casada e mora aqui, mora aqui na rua, passando três casas, a quarta é a dela [aponta em direção à direita do teatro Rino Dantas]. E comigo moram meu marido e meus outros dois filhos. O que nasceu e se criou aqui foi Neilson, ele nasceu em 93, dia 10 de abril. Rino: Eu já estava aqui quando Neilson nasceu! Então faz dezenove anos que eu estou aqui! Núbia: Nayara é de 86, Nailson é de 88 e Neilson é de 93. O que nasceu e se criou aqui foi Neilson, e os outros dois, Nayara e Nailson, se criaram aqui. Luciano: O seu esposo, ele trabalha com o quê? Núbia: Ele é segurança de eventos, numa empresa chamada Beltran [?]. Luciano: Mas, quando você veio para cá, já veio com ele, já? Núbia: Já! Luciano: Ele trabalhava... Núbia: Ele trabalhava na Embravel [?], era vigilante da Embravel. Marina: E a senhora, nessa época, fazia o quê? Núbia: Não, eu não trabalhava, não! Eu trabalhava até uns seis anos atrás naquela loja que lhe falei, lá em Ponta Negra [antes da gravação, Núbia havia contado isso a Carlos e Marina]. Luciano: Nesses primeiros anos daqui, da comunidade, com esses entorno assim com mato, poucas pessoas habitando, como era a segurança? Sentia-se mais seguro naquela época ou hoje? Núbia: Naquela época! Luciano: Mesmo tendo de fazer essa trajetória por dentro do mato? Núbia: Com certeza!

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Carlos: A senhora quer falar daquela história que nos falou ainda agora [em uma conversa antes da gravação]? Sobre quando quase foi assaltada? Núbia: Foi ali no Sarney, ali por trás do Antônio Fagundes, tinha uma ruazinha de pedra, quando eu trabalhava no La Cracher [?], precisava pegar o 73. Na época, o terminal era aqui em Santarém, e, hoje, é lá no Solidade, mais na frente. Uma vez eu vinha, e dois camaradas quiseram me assaltar... Carlos: De madrugada? Núbia: De madrugada! Um deles me conhecia de vista, e disse: “Não, fulano! Deixe quieto, que essa senhora, ela mora aqui na área!”. Foi ali por trás do Antônio Fagundes. Eu descia lá no terminal, e vinha caminhando! Graças a Deus, eles não mexeram comigo, iam mexer, mas havia um que me conhecia e sabia que eu era do bairro. Luciano: Respeitou alguém da comunidade! Núbia: Graças a Deus! Luciano: Isso foi quando, mais ou menos? Núbia: Foi em 98. Rino: Mas, atualmente, eles não respeitam nem da comunidade! [parece que há um pequeno salto na gravação, mas acredita-se que alguém pergunta a Núbia sobre a segurança na sua casa.]. Núbia: Antigamente, prestava! Não havia ninguém habitando ao redor, né? Nunca chegaram a mexer! Mas, já depois de habitado, conseguiram mexer! Chegaram a quebrar a janela, e o menino dormindo! Meu esposo saiu para trabalhar, eu também saí, e ele [o menino] ficou dormindo! Ele escutou um barulho e acordou, pensou que tinha sido um gato que havia pulado na telha, às 5 horas da manhã! Toraram duas ripas da janela e só faltaram entrar. Mas não chegaram a entrar, não! Porque Deus não deixou e o menino gritou! [o menino era seu filho]. Rino: Eu fui assaltado acho que um mês depois do carnaval! Ligaram para mim com uma conversa em que qualquer um cairia. Porque eu alugo este espaço para eventos também, né? Mas deixe-a terminar, depois eu falo isso! Luciano: Núbia, qual foi a data do seu nascimento? Núbia: Eu nasci no dia 16 de julho de 1974. Completei 48 anos agora, no dia 16 do mês passado, graças a Deus! Marina: Igual comigo! Núbia: Hã?

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Marina: É que eu faço aniversário no mesmo dia! Núbia: Dia 16 de junho? [Marina acena a cabeça positivamente]. Luciano: Você chegou a participar de alguma associação de moradores daqui? Núbia: Não! Eu já participei de reuniões do conselho comunitário. Luciano: Mas como membro de alguma associação, não? Núbia: Não! Já fui convidada a participar, mas recusei! Luciano: E da Igreja? Pastoral, algo desse tipo, você chegou a participar? Núbia: Já! Numa igrejinha lá no Santarém! De São Tiago, o Menor. Marina: A movimentação da Igreja daqui é mais recente também, né? Eu falo de ações promovidas pela Igreja... Rino: Sempre tem, mas nós não participamos! Eu particularmente nunca fui muito praticante! Luciano: Só mais uma questãozinha – e Rino pode até dar a opinião dele agora sobre isso –: como é que as pessoas que moram daqui se sentem? Pertencentes a Cidade Praia? Como é? Rino: Cidade Praia! Núbia: Mas o bairro é Lagoa Azul! Carlos: Se perguntarem assim: “Você mora aonde?”. Em Cidade Praia? Núbia: É, Cidade Praia! Luciano: Quando a senhora veio morar aqui, do outro lado da pista, por trás do colégio Antônio Fagundes, ali naquelas intermediações, tinha uma lagoa. Ainda tem? Núbia: Não! Rino: Não! Agora não tem mais, não! Luciano: E como é que ocorreu esse processo? Quando a senhora veio morar aqui, existia a lagoa ainda, e então pessoas foram ocupando, aterrando, foi isso? Núbia: Sim! Luciano: Eu lembro que, numa dessas enchentes, havia umas casas ali que ficavam praticamente submersas, a senhora presenciou isso?

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Núbia: Tudo ficava alagado! Luciano: a minha pergunta a mais ou menos o seguinte: quando a senhora veio morar aqui, ainda não havia casas ali por trás do Antônio Fagundes, ou já havia? Núbia: Tinha no conjunto Santarém, né mesmo? Luciano: Sim! Mas digo do outro lado dessa pista que separa este conjunto do Sarney, havia casas? Núbia: Havia poucas! Luciano: Então, foram aterrando e construindo as casas? Núbia: Sim! Quando eu cheguei aqui, elas eram poucas! Luciano: Certo! Núbia, muito obrigado! Luciano: Vamos continuar ainda conversando, né? Então, Rino, diga o seu nome completo... Rino: Severino Dantas de Araújo, mas, devido ao registo profissional é Rino Dantas. No trabalho, na FUNDARTE, todo mundo me conhece por Rino, porque a gente que... Eu fiz televisão durante nove anos, e estou fazendo 47 anos de teatro, aí tem que ter o registro profissional. Então, escolhi esse nome como nome artístico. Escolhi algo que tivesse a ver com o nome: Se-ve-RINO. Então ficou Rino Dantas! E eu descobri que esse é um nome italiano: Rino! Mas, isso não tem nada a ver, eu sou nordestino com muito orgulho! Luciano: Rino, você nasceu quando mesmo? Rino: 17 de setembro de 1949. Eu vou fazer 63 anos. Já sou bisavô. Núbia: 63 anos! Não tem quem diga, né? [risos de todos]. Luciano: Então, Rino, você veio morar aqui, como foi essa vinda? Rino: Foi assim, eu comprei o terreno no dia que o esposo de Núbia comprou, mas aí, eu fui começando a construir, né? Eu morei primeiro. Em função das enchentes o muro caia, e eu levantava, depois de sete anos, eu terminei tudo isso aqui. Luciano: E quando você veio morar? Rino: Foi já quando Neilson nasceu, em 93. Luciano: Mas assim, como você disse, você sempre trabalhou ligado a arte, trabalhou na TV... Rino: Eu fui ator da TV universitária durante nove anos, depois, eu fui convidado para ser professor de teatro na FEBEM, que agora é FUNDARTE [?], né? Eu trabalho 24h, né? Eu trabalho de ator particular, que foi como eu construí isso aqui...

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Luciano: Mas na época você já tinha esse projeto de ter seu teatro? Rino: É! Porque na época, o teatro Alberto Maranhão, hoje, não, porque ninguém quer mais o teatro, quer o Riachuelo, mas era a maior dificuldade de pauta para você fazer um espetáculo de teatro. Pô, então eu disse: “eu vou construir um espaço, é o jeito...”. Porque, na verdade, eu ganho muito mais com meu trabalho de ator do que como funcionário público. É tanto que eu construí isso aqui [mostra o teatro], onze casas, esse residencial aí [aponta para o lado de fora do teatro], com recurso próprio do meu trabalho, porque eu fazia trabalho para a Petrobrás... Lógico, eu queria trabalhar com a comunidade carente, mas, infelizmente, os órgãos públicos não me deram esse subsídio. Então, eu fazia projeto para a Petrobrás, projeto político [?], pegava quatro atores, que era mais fácil de pagar. Eu me tinha [?] como produtor, diretor, como tudo, como ator, e trazia um retorno financeiro bom. Eu trabalhei para o SESC, para diversas instituições que compravam espetáculos. Encomenda para a rede particular de ensino, eles não vem mais para cá, porque o espaço é pequeno, mas eu vou para a escola, que já é um ambiente maior. Eles pedem “tema tal, escreva um espetáculo curtinho de 15 minutos, 30 minutos”, encomenda o pacote, paga os atores e tudo bem, nem precisa de divulgação, porque eu já estou vendendo pacote pronto. Então, foi com isso que eu fiz isso aqui. Hoje, eu estou estabilizado, não se pode viver através de subsídios, mas da sua realidade de trabalho, se você faz o que você gosta você vai bem, né? Sente prazer em fazer. Até agora, eu sou privilegiado, porque eu só faço o que gosto. Luciano: Diga-me então, Rino, você é morador daqui. Enquanto você morava, você construía esse espaço, né? Rino: Não! Antes já tinha, eu morava em Santa Catarina ainda, e eu já vinha construindo, não era, Núbia? [nesse momento há um carro de som passando na rua, não tendo como escutar a resposta de Núbia]. Aí depois quando eu já tinha construído... isso aqui não era coberto, aqui não era rebocado [?], eu negociei, vim para cá, aí tive que rebocar, né? Fiquei trabalhando, fazendo espetáculo, vendendo... Ao longo de sete anos, eu terminei isso aqui, eu não sei nem quanto eu gastei, não tenho nem ideia. Aumentava dois metros a cada ano, juntava um dinheiro... Luciano: Fale mais sobre esse momento, de você instalado aqui, como você via, como era sua convivência aqui, neste lugar? Rino: É... não tinha muita convivência, porque eu trabalhava mais fora, eu coordenava o setor social da FUNDARTE, e eu levava a minha marmita para o trabalho, e chegava à noite, portanto, eu não conheço muita essa história da comunidade, eu fui conhecendo, porque as reuniões do conselho comunitário eram aqui, eu pertencia ao conselho de Gilberto, [...], que era o Rei Momo. O Rei Momo de Natal mora aqui em Cidade Praia. Eu era do departamento de cultura, mas não era muito atuante, porque eu era muito centralizador, eu brigo mesmo, mas não me davam margem para eu fazer nada. Aqui tem espetáculo, mas é esporadicamente, eu alugo para recepção de casamento, 15 anos... [?] mas para não ficar ocioso, eu tenho que ocupar com alguma coisa também, já que eu faço meus espetáculos fora daqui, mas aqui na comunidade, a Zona Norte valoriza muito, muito, muito mesmo. Você tem espaço para trabalhar aqui, aqui mesmo na comunidade, nas escolas aqui da redondeza, escolas grandes, que eu trabalho. Luciano: Essas escolas que viam para cá, eram escolas da redondeza?

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Rino: É. Eu trabalho na escola com espetáculo infantil para formar cidadão, plateias futuras, né? Criar o gosto pela arte. Faço espetáculo também para adultos, mas por encomenda. Carlos: Eu já vim em alguns shows de rock aqui! Rino: Pronto! Todo ano, a rapaziada do rock fazia, mas aqui ficou pequeno para eles. Aí mudou para o... Norte Show. Eles fizeram vários anos aqui, lotava e o pessoal ficava na rua. Era um pessoal bom de trabalhar. Você me lembrou duma parte boa! Você chegou a vir aqui, então? Carlos: Eu vim dois anos seguidos! Rino: Era uma pessoal supereducado! É uma cabeça diferente! Já quiseram que eu colocasse aqui a banda Grafith... Deus me livre! Eu não alugo este espaço à toa! Carlos: No show de rock que eu vim, na primeira vez, eu quase fui assaltado... Falando da questão da violência... Rino: A questão da violência cresceu muito. Carlos: Você tinha começado a falar sobre quando tinha sido assaltado... Rino: É, eu fui assaltado! A moça ligou para alugar este espaço... isso faz uns três meses. Foi um mês depois do carnaval. Ela falava um português fluente... que bandidos inteligentes! [risos de todos]. Com uma voz linda: “quero alugar o espaço para meu irmão, um aniversário [?]”. Às 19:00, eu cheguei aqui, aí o rapaz chegou também, muito bem vestido. Eu pensei: “esse homem não tem cara de bandido!”. Era um bandido travestido de outra pessoa [!]. Eu mostrei o espaço a ele, e ele anunciou: “isto é um assalto!”. Eu mantive a calme! Eu nunca tive tanta calma como naquele dia! Ele nem intimidou, nem agrediu: “aonde está o dinheiro?”. Eu disse: “olha, eu tenho aqui R$ 20,00 na carteira, o celular...”. Ele: “disseram-me que você recebeu cinco mil reais!”. Eu mostrei meu contracheque já estava em cima da mesa: “olha aí o quanto eu ganho!”. Eu disse, com toda a calma: “está aqui a chave! Leve o que você quiser!”. Ele me amarrou com um pijama, levou os R$ 20,00, o celular, trancou o portão, mas deixou a chave! Que ladrão bom, né? [risos de todos]. Eu acho que recomendaram: “veja bem, esse cara é muito conhecido, muito querido na comunidade!”. Acho que foi alguém que me conhecia, e, para não vim, mandou outra pessoa! Depois, eu chamei a polícia, de repente, chegaram três, quatro viaturas aqui, mas aí o cara já tinha ido embora, né? Mas agora é cuidado dobrado! Luciano: Quando você veio morar aqui em definitivo, como é que você via a questão...? Já estava mais habitado do que quando Núbia veio morar? Rino: Eu fui o segundo morador próximo dela, mas ainda tinha áreas lá de casas de 30/50 metros, né? Luciano: Agora, a grande dificuldade nesse primeiro momento, pelo que eu vi, foi essa questão da enchente...

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Rino: Pronto. Segurança. Segurança, não. Naquela época, eu dormia aqui na frente, com as portas do teatro abertas e não acontecia nada... Carlos: De lá para cá, essa questão da violência se agravou um pouco, né? Rino: O quê, meu amigo?! Já tinham me matado se eu continuasse dormindo na calçada do teatro... Carlos: Mais ou menos em que época que começou a ter a configuração de hoje? Várias casas... Começou a ocupar mais... Rino: Foi. Eu acho que há uns cincos anos depois, em 98, 99. Marina: Em 2000, já estava mais ou menos, praticamente, do jeito que está hoje? Rino: Ainda não, porque alguns pontos eram vazios. Primeiro eu construí meu residencial... Luciano: Dessa época que vocês chegaram, vocês guardam alguma foto de algum evento? De vocês mesmo na frente da casa, esses momentos da enchente, por exemplo. Rino: Eu tinha recorte de jornal, mas não tenho mais. Aqui é muito úmido... Luciano: Essas enchentes aconteciam quando, mais ou menos? Rino: No mês de julho para agosto. Mais ou menos em Julho, que é mais forte, né. Luciano: Como era a diversão aqui? para você, como você via? Rino: A diversão aqui não existe. Gabriela: A relação do teatro com a comunidade... Rino: Eu tentei fazer... É isso o grande projeto que eu fiz, mas nunca aconteceu com a comunidade carente. Eu trabalho com adolescentes privados de liberdade, que é o que eu gosto de trabalhar com o povão, com os carentes, que o trabalho surte. Os projetos aqui no teatro... Praticamente não existia. Não existe. Os projetos eu mando, mas nunca acontece, mas é o meu grande sonho! Carlos: Até hoje a questão do lazer ainda é precário... Rino: É! Muito! Só quando eu fazia peça, que vendia o espetáculo que era aberto a comunidade. Luciano: Você sente que há uma necessidade Rino: Com certeza. Quando eram abertos os portões, isso aqui enchia. E eu nunca cobrei senha, porque, geralmente, o espetáculo era vendido às escolas da rede particular de ensino, da comunidade. Sempre da comunidade, nunca teve de fora não. Luciano: E a comunidade aqui, Rino, São João, Natal... Essas coisas existem?

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Rino: Aqui é basicamente nulo o São João e o Natal, e tem um arraiá que do “Brilho matutino” que foi a segunda colocada em Mossoró, mas é do loteamento depois da linha... Pantanal. Muito organizado, o pessoal é muito inteligente, o marcador mora nessa rua. Luciano: Vocês não lembram ou se tem aqui, na comunidade, esses arraiá, formação de quadrilha? Rino: Hoje em dia não tem mais, antigamente já existiu... [...] aqui na comunidade, em Cidade Praia, mas aí, com essa lei [...] que não pode depois das 10 horas [22h] é proibido. Até o carnaval da Redinha, cara! Ali é até meia noite, e ia até às 2 horas, na Praça do Cruzeiro. Para mim, o melhor carnaval do Brasil é o dali da Redinha. Eu valorizo muito as coisas daqui da Zona Norte. Luciano: Aqui da comunidade, vocês conhecem outras pessoas que trabalham com a arte? Rino: Não... Gabriela: Mas tem o Rei Momo e Laercio [?] marcador da quadrilha, né? Rino: E ele é considerado o melhor marcador de Natal. Marina: E esse Rei Momo foi o presidente do Conselho Comunitário? Rino: É, foi. Gabriela: E o Conselho Comunitário daqui é ativo? Rino: Não, mas também é porque é desprezado por ter uns conjuntos que não tem uma grande população... Parece que tem uma caveira de burro enterrado aqui. [risos] Carlos: Um espaço desses deveria ter alguma coisa todo final de semana! Núbia: E a carência aqui é grande, viu? Luciano: Rino sempre buscou fazer os projetos dele independente de poder público, mas em determinados momentos o poder público tem que dar uma cobertura. Matheus: [Nesse ponto da gravação o áudio está quase nulo. Acredita-se que ele tenha perguntando algo relacionado ao comércio da comunidade]. Rino: Geralmente existia o “Superflor” [?], inclusive, era um dos mais baratos, “Jardinense”... Aqui na comunidade, pertinho... Núbia: “Mercado da Aliança”, depois o “Supershow”, depois o “É Show” e fechou. Luciano: Mas aqueles botecos...

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Rino: Isso sempre teve, mas a gente fazia uma pesquisa e era mais barato do que o “Nordestão”, do que tudo, devido a ser uma comunidade mais carente, né? Eles queriam angariar. Gabriela: E a feira? Rino: A feira de Nova Natal sempre existiu que é uma grande, e tem a de Santa Catarina que você pode ir até a pé, e é grande também. Luciano: As crianças da comunidade, elas hoje... as escolas continuam muito distantes? Tem escola pública aqui na comunidade? Rino: Tem particular. Pública mais em Nova Natal. Núbia: Tem o Miriam Coeli, Amadeus... Gabriela: E a questão do lazer, de praça? Núbia: Não! Aqui no Cidade Praia não tem nenhuma. Não existe nada, nada, nada. Qualidade nenhuma, existe. Aqui não tem lazer. Marina: A senhora estava falando agora desse problema que está acontecendo já faz duas semanas... [Cano da caern estourado, jorrando água limpa, nenhum órgão público ainda tinha ido verificar o encanamento], mas assim, esses problemas com questão de água e luz, como era? É recorrente um problema desses? Núbia: Não tinha água encanada e nem luz. Rino: Quando eu cheguei aqui já tinha água e luz. Luciano: E como você fazia Núbia, sem água e sem luz? Rino: Cacimbão. Núbia: Cacimbão. E eu pegava [...] um galão na casa duma colega e colocava num tonel. Luciano: E cacimbão, tinha? Aonde? Núbia: Na minha casa. Quando a minha casa foi construída, foi construída com água do cacimbão. Rino: Eu também, no início. Carlos: A gente falou muito em infraestrutura, e a gente percebe que não tem. Lazer não tem, a segurança é um agravante, mas qual seria, para vocês, o lado positivo, se é que tem, no conjunto? Núbia: O bom? Minha casa própria, porque se eu tivesse condições eu sairia daqui. Rino: É, agora eu lembrei, eu construí um residencial que eu comecei a alugar as casas...

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Gabriela: É, mas, no caso, é sempre algo ligado ao privado. Rino: Positivo, no bairro, para você achar... É, mas tem os vizinhos, vizinhos muito bons. Luciano: É isso. Nós agradecemos!

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14 - ENTREVISTA COM PAULO RIKARDO

[Na manhã do dia 20 de julho de 2012, reúne-se, no Solar João Galvão, no bairro de Cidade Alta, a equipe do programa Memória – Luciano, Gabriela e Matheus –, juntamente com Paulo Rikardo, morador do conjunto de Nova Natal]. Luciano: - A ideia do nosso primeiro encontro é que as pessoas falem um pouco sobre a vivência na comunidade. Mas, Paulo, me diga seu nome, idade... Paulo: - Paulo Ricardo Pereira Fonseca da Silva, 23 anos e eu moro há 23 anos em Nova Natal. Luciano: - E a sua família, ela é de onde? Paulo: -Meu pai é ali do Alecrim, próximo a Rua dos Tororós e a minha mãe é de Felipe Camarão. Eles se casaram no final da década de 80 e por ser um bairro novo, mais barato de comprar uma casa, eles foram pra lá. É tanto que eu acho que o conjunto é do final da década de 80. Luciano: - Quase no início de Nova Natal sua família chega... E como foi a sua infância em Nova Natal? Paulo: - Eu fui criado muito não em Nova Natal, mas a rua, a Rua da Lapinha com meus colegas, meus vizinhos. Eles estavam ali naquelas adjacências, não foi muito assim de conhecer todo bairro. Gabriela: - A Rua da Lapinha era onde você morava? Paulo: - Eu ainda moro. Em Nova Natal como Luciano sabe tem essa peculiaridade. Todas as ruas tem o nome relacionado ao folclore, uma dança folclórica, um folclorista. A minha infância foi ali naquela rua, acho que foi uma infância normal, tinha um bocado de árvore na minha casa que meu pai foi cortando, e a gente gostava de subir; jogar bola ali na rua com os meninos. Luciano: - A Rua era calçada já? Paulo: - A Rua da Lapinha não tinha aquele asfalto e as ruas adjacentes eram areia. Eu acho que no final da década de 90 foram calçando. Luciano: - A Lapinha já era de paralelepípedo? Paulo: - Já era, desde quando eu me lembro. Luciano: - E os ônibus sempre circularam por lá? Paulo: - Sempre tiveram aquele itinerário. Só que eu acho que faz uns 10 anos que a Riograndense invés de ter o terminal em Nova Natal, passa a ter o terminal no loteamento. Luciano: - A sua infância era ali, as brincadeiras eram com os vizinhos, era na rua, jogar bola era ali perto de casa, mas vocês tinham algum contato fora o mundo da rua? Porque ali tinha, nessa época, nos anos 80/90, ainda tinham muitas áreas que ainda não tinham sido ocupadas, no entorno de Nova Natal, tinha a questão da Lagoa, lembra de algum momento assim? Paulo: - A lagoa até hoje eu nunca fui, mas é sempre muito comentada. Eu me lembro muito assim, na minha cabeça, parece que Nova Natal acabaria ali no final da Rua da Lapinha, depois da Rua da Lapinha ali, não tinha mais nada. Com o passar do tempo foi chegando casas, meu pai montou um depósito de material de construção lá no loteamento, no tempo que não tinha nada, a rua não era nem calçada. Hoje, passa ônibus na porta... Luciano: - Essa convivência entre as crianças da rua, você, na época, sentia que existia também a convivência entre as mães dessas crianças? Você sentia isso ou não passava percebido pela criança da época? Paulo: - Passava. Tipo, minha família sempre foi muito amiga da família do vizinho do lado direito, enquanto, no vizinho do lado esquerdo é uma coisa meio que inimiga, porque o vizinho do lado esquerdo bebia, batia na mulher, aí o vizinho do lado esquerdo sempre arrumava briga com todo mundo da rua. Mas os vizinhos assim, esse vizinho minha mãe conversa bastante, o vizinho de

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Wendell e David que estudaram comigo no Pequeno Polegar que é uma escola de Nova Natal, minha mãe ainda vai com eles pra Igreja, também as mães tinham essa amizade. Luciano: - Existia, então, essa convivência, as pessoas iam para a Igreja juntas... Paulo: - Eu estava até pensando em falar pra vocês, eu me lembro que é quando surge o Movimento Pentecostal das Igrejas evangélicas, por exemplo, tinham dois meninos que eram crentes, e era tipo como: “Ah, eles são diferentes da gente”, aí ainda tinha uma resistência a andar com eles. Hoje, Isaque e Mizael são amigos. Eles eram novidades na rua, porque a gente nunca tinha ouvido falar nisso aí. Gabriela: - Você falou sobre as famílias, as mães sempre unidas, você lembra de Clubes de Mães ou Conselhos Comunitários sendo ativos? Paulo: - Em Nova Natal eu creio que existe, mas minha mãe nunca foi de participar desses negócios. Minha mãe gosta de ir pra Igreja e pronto, já basta. Luciano: - Nesse período de Infância você estudou aonde ali? Paulo: - Aí é que tá o problema, eu sou meio apartado ali de Nova Natal em matéria de estudo. Eu estudei no Pequeno Polegar, no Jardim, que eu me lembro que passava as professoras e levavam a gente até o Pequeno Polegar. Depois do Pequeno Polegar, eu fui estudar no Alecrim, no Dom Marculino, porque meu pai trabalhava no Alecrim, minha mãe também trabalhava fora, minha mãe trabalhou na Rio Center... Parte da minha infância foi meio dividido. Luciano: - Você faz o Jardim de Infância lá em Nova Natal e a partir daí vai pro Alecrim, e é no Alecrim que você conclui seu Ensino Médio? Paulo: - Ensino fundamental I, do pré a 4º série eu faço no Alecrim, que é nesse período, por exemplo, que minha infância de segunda a sexta é no Alecrim, e no sábado e domingo, minha infância é em Nova Natal. Eu saia cedo de casa e só voltava à noite com o meu pai. Acaba o Ensino Fundamental I e começa o Ensino Fundamental II estudando no Igapó, ali no Geziel [?] Figuereido, aí vou até a 8º série, mas aí, todos os dias, eu já estou em Nova Natal, e o Ensino Médio é aqui no Atheneu, no Tirol. Luciano: - Ainda na tua infância, nesse período, teu pai tinha carro? Paulo: - Meu pai sempre teve moto, eu acho que é o que me fascina por querer ter uma moto também. Com 11 ou 12 anos meu pai comprou uma moto e até hoje ele tem moto. Luciano: - Aí quando você ia pra escola lá no Dom Marcolino, você ia com ele ou... Paulo: - Ainda quando eu estudava no Dom Marcolino, meu pai não tinha moto, aí a gente ia de ônibus; acordava bem cedinho, de 5 horas da manhã, aí ia caminhando até o terminal, que era o da Riograndense, subia no ônibus, ou muitas vezes a gente ia no ônibus especial que era das fábricas, mas o motorista cobrava menos, aí meu pai aproveitava e pegava esse ônibus. Gabriela: - Mas o transporte era complicado nessa época, ou já era normal? Paulo: - Em Nova Natal nunca foi normal o transporte. Assim, sempre andou lotado; as empresas que eu vejo... É porque, no meu tempo, parecia que... (No meu tempo não, eu estou ficando velho) Quando eu era menor, a Riograndense parecia que era uma linha de ônibus mais respeitada que a Guanabara; tinha ônibus melhores; andava menos cheio. Agora, eu não sei se foi porque meu eixo mudou, agora, eu acho que a Guanabara tem ônibus melhores, andam mais vagos que os da Riograndense. Mas sempre foi complicado, sempre eu me lembro de ônibus cheio, sempre me lembro de passar mal no ônibus. Luciano: - E assim, começa o Ensino Médio, chega a adolescência... Mas como era você, adolescente, em Nova Natal, nessa época? Ainda continuava jogando bola, fazia o que quando não estava na escola? Paulo: - Quando eu não estava na escola, do Ensino Fundamental II pro Ensino Médio, tinha umas aulas de karatê lá no CIRCOM de Nova Natal, eu frequentava, eu gostava do karatê e deixei a bola

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mais de lado, mas aí quando eu entrei pro Atheneu, eu deixei qualquer esporte de lado. Só que a gente ia pra rua, conversava, e os meninos continuavam jogando bola, eu meio que me cansei disso e virei preguiçoso; só não tenho o biótipo de engordar. Mas continuaram as mesmas pessoas, por exemplo, as diversões. Eu acho que na década de 90, tinha algo chamado “Nosso bairro cidadão”, que ia a cada bairro da cidade de Natal, fazer carteira de identidade, tirar foto de graça, tinha os jogos, tinha música... Isso a gente frequentava; circo de vez em quando eu ia também; de vez em quando tem sempre um circo ali onde hoje fica o posto da polícia do bairro, até hoje ainda tem, mas eu não vou mais. Também outra forma de diversão são as festas de padroeira, não só em Nova Natal. Apesar de eu morar em Nova Natal, eu não frequentava as igrejas católicas de lá, eu frequentava a igreja católica de Cidade Praia. Mas quando tinha as festas de padroeira em Cidade Praia eu ia, quando tinha no loteamento eu ia, quando tinha em Nova Natal eu também ia, e de vez em quando ia pra de Gramoré que tem aquela famosa. Eu frequentava essas festas. Luciano: - Mas frequentava mais a de Cidade Praia? Paulo: - Cidade Praia. Minha mãe hoje frequenta mais a do loteamento, mas nessa época era de Cidade Praia. Mas depois da Crisma também eu parei de frequentar a igreja (o entrevistado ri). Aí depois que eu fiz o curso de História, aí é que... Gabriela: - Aí desandou de vez. Paulo: - É, aí desandou de vez! Gabriela: - Até que ano você frequentou a igreja? Crisma é com 14 anos, é? Paulo: - Quinze. Até o Ensino Médio; no 1º ano do Ensino Médio, que eu entrei com 14 anos, fiz a crisma e depois... Continuei no coração católico, mas aí acho que eu deixei de ser católico, mas minha família continua. Luciano: - E nessa época que você fez karatê no Circom, o Circom era comunitário, né? E oferecia karatê e outras possibilidades pros jovens da comunidade participar de alguma outra coisa? Paulo: - Eu me lembro que o Circom oferecia karatê; eu não me lembro os dias do karatê, aí tinha kung fu também, e tinha capoeira. Porque depois eu me interessei muito por esse lado de artes marciais, então se tinha outro tipo de atividade eu não me lembro; só me lembro mais dessas relacionadas às artes marciais, capoeira, kung fu, karatê. Luciano: - Mas aí você chegou às artes marciais através do CIRCOM? Paulo: - Não, eu cheguei às artes marciais no colégio, em Igapó. Aí tipo, eu treinava no colégio, e começou no CIRCOM, então ah! Vou treinar lá! Aí eu fiquei treinando nos dois cantos, até terminar no colégio e continuei no CIRCOM, até que no ensino médio eu abandono tudo de vez, abandono religião, abandono tudo. Luciano: - Mas nesse período do Circom, quer dizer que você não percebia que tinha outras atividades, além disso, ou você não frequentava ou não tinha conhecimento disso? Paulo: - As coisas eram precárias, eu não sei nem como anda lá, não era uma estrutura boa, era um espaço, sei lá, do tamanho desse quarto, pra a gente praticar as coisas, era tudo fechado, quente, mas outras atividades mesmo eu não lembro, porque, tipo, eu nunca fui integrado em nenhum movimento ali de Nova Natal. Gabriela: - Eu ia perguntar sobre movimentos. Paulo: - Não, nunca... Porque tipo, até minha vida estudantil foi mais ligada a Atheneu, por exemplo, ou no Igapó, ou no Alecrim do que mesmo em Nova Natal. Eu chego, na verdade, em escola pública em Nova Natal quando eu começo a dar aula, e eu começo a dar aula em... eu não me lembro se é em 2007/2008 ou 2008/2009, que é por aquele estágio do estado que você dá aula e só recebe no final do ano; eu comecei a dar aula no Elizabete, aí foi que eu vi um pouco como é a estrutura educacional lá no bairro.

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Luciano: - Certo, mas antes de a gente chegar a “Paulo professor”, antes disso, voltando até um pouco. Como era assim, ainda na infância e na adolescência e tal? Como era a questão da compra, como é que sua família fazia a feira, fazia ali em Nova Natal, se deslocava? Você lembra um pouco disso? Paulo: - Lembro, eu lembro da feira de Nova Natal. Eu até estava tentando lembrar de algumas coisas que eu ia falar pra vocês e eu ia falar da feira. Pra mim, assim, a feira de Nova Natal sempre teve aquele tamanho, aquele espaço, mas pra mim era algo muito mais grandioso. A gente tentava acordar bem cedo no domingo, tipo umas 4h30, 5h pra a gente sair com meu pai e ir pra feira, aí todos meus irmãos gostavam de ir pra feira, principalmente o que é mais próximo de mim, 2 anos atrás; aí quando a gente dormia demais e não acordava pra ir pra feira, a gente ficava chateado, mas meu pai até hoje sempre faz as compras de frutas, legumes na feira, a gente nunca fez essas compras em supermercado, só essas compras de arroz, feijão que a gente faz no supermercado. Mas não utiliza muito os mercados de lá, só pra comprar pão e queijo, algo que falta assim e tem que comprar na hora. E quanto ao comércio, eu percebo a Chegança sempre como uma zona comercial... é tanto que hoje eu dou aula no Gramoré e os alunos chamam “Ah! Você mora perto do pequeno Alecrim!” porque lá na Chegança são várias lojas de várias coisas, mas tipo, isso também foi de um tempo desse pra cá; a Chegança sempre foi um polo comercial, mas pequeno, hoje está algo grande, até uma Potiguar Honda tem lá. Mas em relação à roupa, essas coisas, o povo compra muito na Chegança, mais importados. Luciano: - Eu não sei se você pode falar um pouco mais sobre esse encantamento que você e seus irmãos têm em relação à feira. A feira já era no domingo que acontecia, nessa época? Paulo: - Sempre. Só não é no domingo quando tem algum feriado no domingo, que a feira é transferida pro sábado. Eu não sei explicar direito esse encantamento que eu tinha quando criança pela feira. Eu acho que é porque eu gostava de ver aquela multidão de gente, eu gostava de “Ah! Pai, eu vou levar as frutas, vou levar peso, vou ajudar ao senhor”, eu gostava mesmo de ajudar meu pai, de ver as pessoas. Gabriela: - Você gostava de ver as cores, porque é muito colorido... Paulo: - Eu não sei se eram as cores. Eu acho que eram as barracas, as pessoas. Eu acho que era tudo isso, tipo, meu pai sempre fazia o trajeto. Tinha uma quitanda, eu acho que o dono da quitanda morreu faz pouco tempo, aí meu pai comprava sempre banana lá, começava sempre comprando banana; lá em casa a gente sempre gostou disso: todo domingo tem que comprar banana. Saía da quitanda, aí meu pai ia passando pela feira, aí ia comprando as coisas, ia comprando, principalmente frutas; geralmente meu pai compra frutas da estação, que são as mais baratas. E eu ia comprar com meu pai; eu, de um lado, meu irmão, do outro. Aí a gente passava... Na minha cabeça, era a manhã todinha, mas não sei dizer quantas horas eu passava na feira, era algo que eu não consigo medir. Mas eu acho que grande parte desse encantamento era mais pelo meu pai, em ver meu pai comprando, interagindo com as outras pessoas; eu sempre gostei disso de “ah, quero ir com meu pai, sempre”. Luciano: - E Paulo, como você falou, você teve... Depois como professor você passou até mais a conhecer essa comunidade. Mas um pouco antes disso aí, como é que você percebia (não sei se na adolescência você percebia isso) as pessoas que moravam nos loteamentos? Você tinha alguma consciência dessa relação, a sua família transmitia pra você alguma coisa assim de valor sobre essas pessoas que moravam no que nossos alunos chamam de “Posses”? A vizinhança passava alguma coisa sobre isso? Paulo: - Assim, sempre pareceu que... Por exemplo, minha mãe sempre falou que loteamento é algo perigoso: “Nunca vá pra lá! Se quiser andar de bicicleta, ande por aqui, pela Rua da Lapinha, pela Chegança, mas volte, fique por aqui, não avance, não vá pro loteamento”, até porque no tempo em que eu andava de bicicleta como criança, ali no loteamento não existia muita coisa, era uma casa

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aqui, uma casa ali, era um lugar assim que minha mãe dizia que era pra criminalidade, um local em que você poderia ser assaltado, poderia... as pessoas do loteamento poderiam te assaltar, algo do tipo. É tanto que minha mãe até briga com meu pai quando ele monta o depósito no loteamento, porque ela diz que ali não vai dar futuro, ali não vai progredir ninguém, “você deixou de trabalhar lá no Alecrim, pra abrir isso aqui, que não vai dar a mesma coisa”. Mas até hoje meu pai transformou o depósito em marcenaria, e até hoje é lá no loteamento; meu pai todo dia vai pro loteamento, que hoje está extremamente desenvolvido, pelo menos na parte que meu pai tem a... Gabriela: - Mas qual o loteamento? Luciano: - É o Boa Esperança? Paulo: - Eu acredito que é Boa Esperança. É, Boa Esperança. Gabriela: Questão de saúde pública, você precisa ir ao de posto de saúde, tinha isso lá? Paulo: Assim, como eu falei, nessa infância em que eu passo a parte da semana no Alecrim, saúde era naquele ???? que eu acho que tem ali no Alecrim, eu me lembro muito de ir pra lá. Eu me lembro de usar posto de saúde no Nova Natal, que era até o de Cidade Praia, porque da minha rua... as pessoas que moram do meu lado na minha rua são atendidos pelo posto de saúde de Cidade Praia. Eu me lembro já no Ensino Médio e já entrando na universidade de usar os serviços lá. Eu nunca fui uma criança doente, de ter problemas sérios, precisar ficar indo a hospital direto, sempre que eu ficava gripado, meu pai me dava lambedô e eu não precisava ir. Meu pai parece muito com aquele programa “Todo mundo odeia o Chris”, com o pai do Chris... “Ah, tá doente toma um xarope que você vai melhorar.” Meu pai também comprava uma farinha na feira, não me lembro ao certo o que era, mas ele misturava com mel, algo de xarope, e dizia “isso é forte, você não vai ficar doente”. Parece que era, que quando eu parei de tomar, fiquei precisando do posto de saúde de Nova Natal. Mas já depois dos 16, 17 anos; antes disso, eu não me lembro de precisar ir muito a médico. Quando ia a dentista, era também tudo no Alecrim. Luciano: E como então esse encontro com o magistério? Como você ficou sabendo desse contrato, você foi atrás, na secretaria de educação, aí chegou no Elizabeth? Paulo: - Assim, primeiramente, eu com 16 anos... Luciano: - Sim, outra questãozinha. Quando você entra na universidade, passa no vestibular, muda alguma coisa assim em termos de vizinhança? Quantos dos teus amigos de infância, se você puder enumerar, chegaram à universidade? o pessoal da rua, o pessoal que você teve contato... Paulo: - Assim, do pessoal que eu andava mesmo, nenhum cursa ou cursou universidade, até mesmo o “melhor” do meio que andava com a gente não cursa universidade. As pessoas que andavam com a gente que estão na universidade sou eu, e meu irmão mais novo. Ah, lembrei! Mizáquio... é porque faz tempo que eu não converso com o pessoal, Mizáquio parece que faz Educação Física, mass ele ainda está cursando. Gabriela: - Que era o evangélico? Paulo: - O evangélico. Só nós três mesmo. Assim que eu tinha contato mesmo, claro que tem aquelas pessoas, tem o contato da rua, e tem aquelas pessoas esporádicas, que uma ou outra vez andam com a gente, que são de outras ruas, mas no mais, era só a gente ali da rua. Daqueles meninos, a maioria não fez universidade. Eu acho que é porque não é algo atrativo; tipo, pra eles, é necessário trabalhar. Eu também, desde cedo, eu trabalho. Por exemplo, quando eu estudava no Atheneu, meu pai tinha uma cigarreira de bala, desses negócios. Eu estudei pro vestibular naquela cigarreira; tipo, eu levava o livro, ficava estudando lá e não fiz cursinho, só estudei pelo livro. Como eu falei, a gente tinha que trabalhar. Aí eu trabalhei na cigarreira, entrei na universidade em 2006, que eu fiz vestibular em 2005. Em 2005, eu participei de um projeto chamado “Jovem Aprendiz”, que é aqui do Senac, que a gente ia, fazia o curso e no final tinha um emprego, aí quando eu passei na universidade, eu consegui

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um emprego por aí, por esse projeto. Aí eu comecei a trabalhar na Drogaria Globo, mas também era ali próximo a SEMURB, em Candelária. Está em Candelária ainda a SEMURB? Ainda não saiu? Luciano: - Ainda estamos na resistência. Paulo: - Aí eu trabalhei naquela Globo, e aí fiz o primeiro ano do curso. Mas eu trabalhava no depósito, levando remédio, trazendo remédio, aí eu vi que me atrapalhava muito nos estudos, é tanto que o meu primeiro ano de universidade é quando eu tenho as notas mais baixas. Eu percebo que muita gente sai, na universidade mesmo, procura a DIRED e vai dar aula. Então no final do ano de 2006, eu procuro a DIRED, e vou e começo a trabalhar lá no Elizabeth Fátima. É tanto que a primeira aula que eu dou no Elizabeth Fátima, eu procurei a DIRED, aí disseram “ah, talvez no Elizabeth Fátima tenha uma vaga, vá lá procurar!”, era até Genildo o diretor de lá. Aí assim que eu chego no Elizabeth, ainda com a roupa da Neoquímica, da farmácia, disseram “não, a gente tem vaga, entre na sala de aula”. E quando eu começo a dar aula, não foi algo impactante por causa disso, eu sempre fui muito tímido e retraído, então “vá, comece a dar aula, sem preparar nada”, e eu “ok, vou começar”. Mas até que saiu legal, porque eu acho que se ele tivesse me jogado numa turma de... Era a noite que eu dei aula, pra um pessoal mais adulto, então foi mais fácil conversar, fazer alguma coisa, mas se fosse uma turma de menino, eu acho que eu nunca mais entrava numa sala de aula depois daquele dia. Mas a partir daí, eu comecei a dar aula no Elizabeth, aí passei uns dois anos dando aula no Elizabeth. Aí que eu entre um pouco mais na situação do bairro, eu vejo quanto o bairro é carente na área de educação. Eu não sei como está hoje o Elizabeth, mas tinha muitas deficiências tipo de estrutura, toda pichada, o primeiro impacto quando eu entrei era isso: eu entrei na sala e as paredes tudo pichadas. E outra coisa que eu lhe falei, eu estudava em colégio particular, apesar dos meus pais serem pobres, eles sempre tentaram... acho que foi um dos motivos também que eu entrei na universidade. Lá em casa era “você não precisa trabalhar desde cedo, 12, 13 anos, mas estude!” ou “ah, você está ajudando seu pai na cigarreira, mas continue estudando”. Minha mãe sempre falava “a única coisa que eu posso te dar é isso". Eu sempre pedia pro meu pai comprar alguma coisa e ele não dava... “Ah, eu quero uma bola, um vídeo game novo”, ele não dava; mas “ah, eu quero um livro”, ele tentava dar de alguma forma. Aí eu acho que é bem de família, voltando pra esse negócio de universidade. Eu falei até uma vez pra minha namorada, porque a família dela nunca a incentivou a estudar, tipo “vá trabalhar, porque coisa de pobre é trabalhar, não invente de estudar”; minha família já foi ao contrário. Eu não sei por que meus pais acabaram no Ensino Médio e a maioria dos pais dos meus amigos nem o Ensino Médio concluiu. Então, meus pais tinham essa visão. Agora eu me perdi no que eu estava falando. Luciano: Você estava falando do Elizabeth. Paulo: - Aí eu cheguei no Elizabeth, e esse impacto inicial, novo, dando aula, com 18 anos eu começo a dar aula, foi uma experiência agradável, o diretor, Genildo, gostava de mim, ele também fez o curso de História, acho que foi contemporâneo de Luciano na universidade, gostava de mim, ele sempre tentava me ajudar, porque o que eu via no Elizabeth era mais descaso mesmo, não ia dinheiro, aí começou, desde 2007 começou aquele história de que “professor não pode comer na escola”, mas aí Genildo dizia que não ia cumprir, sempre tinha janta pro professor, porque professor não pode, vem de tarde de um canto, a noite pra outro... Aí eu me lembro do Elizabeth os passeios que eu gostava muito, aí como eu era estagiário, não pagava nada, pagavam pra mim, e isso era muito bom [risos]. Eu ia pra Pirangi, pra Touros, sentava lá com os professores, comia, bebia, como era estagiário, não recebia dinheiro. Luciano: - Genildo gostava também de fazer essas coisas assim né? Paulo: É, Genildo era um cara meio populista, ele sempre teve pretensões políticas, ele sempre via a escola e fazia algo pela escola com pretensões políticas, tipo “ah, eu quero mostrar que eu faço

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alguma coisa pra conseguir algo”. Eu acho que ele se candidatou a vereador lá em São Gonçalo há uns dois anos... Luciano: - Ele é candidato agora. Paulo: - Ah, é candidato agora também? Luciano: - É, Paulo, aí na escola tem então esse contato com os alunos, tu lembra assim nesse período de 2007, 2008, os aluno do Elizabeth nessa época, você pode dizer assim de onde eles eram? Paulo: - A maioria mesmo era das chamadas “Posses”, eles não eram oriundos do Nova Natal, é tanto que pouquíssimos alunos eram que andavam lá na rua, tipo, a maioria mesmo era desse outro planeta, entre aspas, que eu não conhecia e acabei conhecendo quando dei aula, que era das Posses. E tinha gente que, tipo, na época, o governo estava tentando tirar eles das casas deles, mas eu não me lembro, ao certo, de que lugar eles eram, sei que eram das Posses, mas Posses é algo genérico demais, mas é tipo, depois ali da linha do trem, pelo que eu entendia, é o que eles chamam de “Posses”, e até quase a BR. Eu acho que tinha aluno que vinha lá de perto da BR, de bicicleta, à noite, pra assistir aula; é tanto que quando chovia, só tinha o 1º e o 2º horário, e olhe lá, por que não tinha os alunos, já que eles todos moravam muito, muito longe da escola. E eu via a situação: Genildo ia visitar muitas dessas pessoas, porque eram pessoas carentes mesmo, e iam pra escola, muitas vezes, pra comer mesmo, pra desopilar de alguma forma. Acho que é isso que eu observava mais desses meus primeiros alunos. Mas eram turmas boas, não eram... Como eu posso dizer, como naqueles filmes americanos, que a pessoa entra numa escola de periferia, aí tem pessoas armadas, pessoas usando drogas na sua frente, não! Claro que eu sei que tinham aqueles alunos que usavam drogas e tudo mais, mas na escola, na minha frente não. Também não tinha aquele desapego com a minha pessoa, apesar de eu ser quase da idade deles, ou até mais novo que eles, eles até que me respeitavam; enfim, foi algo agradável esses dois anos, só que deixei de dar aula pra assumir a bolsa de pesquisa na universidade, que eu achei que era um caminho melhor. É um caminho que eu, tecnicamente, parece que eu estou me interessando mais, é tanto que hoje eu penso em sair de Parnamirim, e penso em não sair daqui, apesar de que aqui eu ganho um salário mínimo, e em Parnamirim eu ganho o piso de professor. Mas é muito desgastante a educação, Luciano sabe, é tipo, parece que você nunca... E olhe que eu estou há pouco tempo, principalmente em Parnamirim, parece que você não é valorizado; quando eu dava aula no Elizabeth, eu me sentia parte de algo, eu me sentia como uma engrenagem que fazia as coisas funcionarem, o diretor era alguém que estava organizando isso tudo. Luciano: Ele não via você como estagiário, ele via você como uma pessoa da equipe. Paulo: - Exato! Mas em Parnamirim, eu me vejo só como um empregado, um empregado da diretora, que é empregada do vereador. Então tudo o que o vereador quiser fazer naquela comunidade lá em Parnamirim, ele faz porque ele pode trocar o diretor, e o diretor impõe isso pra a gente. Então eu não me vejo em Parnamirim como parte de algo, eu me vejo como um empregado. E eu escolhi ser professor, porque eu nunca gostei muito de hierarquias, nunca gostei de alguém chegar e mandar em mim, “você tem que fazer agora!”. No Elizabeth, era conversa, tipo: “ó, a gente tem esse projeto, a gente vai tentar levar os meninos pra Touros”, aí você fala e marca, e a gente faz isso. E em Parnamirim, não, parece que é imposto, você tem que fazer isso e tem que fazer, e não faça, não, que a gente transfere você, “não fique doente, não, que a gente transfere você de escola”, “não peça licença, não, que você vai pra outra escola”, “não peça licença pra fazer um mestrado, que você vai lá pra Pirangi de dentro”. Eu não gosto lá de Parnamirim, que é diferente do Aldo Fernandes, que é lá do Gramoré. Eu gosto demais de trabalhar no Aldo Fernandes, eu estava mostrando aos meninos hoje os slides que eu preparo, que eu pesquiso; eu tenho animação pra dar aula no Aldo Fernandes. Gabriela: - E que você não tem em Parnamirim.

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Paulo: - Que eu não tenho em Parnamirim, porque eu acredito que eu sou parte de algo no Gramoré, enquanto que em Parnamirim, eu não sou parte, eu sou um simples empregado da diretora, que é uma simples empregada do vereador. Pessoa que interfere: - É município lá? Paulo: - É município, não tem gestão democrática, não tem nada democrático. Luciano: - Me diga uma coisa, Paulo, você citou o Aldo Fernandes, que é sua escola atual, do estado, que é do Gramoré, e é à noite que você trabalha lá? Paulo: - É. Luciano: - Gramoré é no Lagoa Azul. Paulo: - Lagoa Azul. Luciano: - Você nota, eu sei que você está há pouco tempo no Aldo Fernandes, mas você nota assim que há por parte dos alunos (não sei qual é a faixa etária dos alunos) mas assim, tipo, você sente isso: você mora em Nova Natal (você deve ter dito lá que mora em Nova Natal), existe alguma rivalidade, você nota alguma coisa assim do pessoal de Gramoré, esses alunos do Gramoré, eles são... você nota isso? Paulo: - Até esse exato momento, eu não noto nada. É tanto que tem alunos que ou moram no Nova Natal, porque o Aldo está naquela fronteira do Nova Natal e do Gramoré, ou moram ainda mais longe, nas chamadas “Posses”. Ainda tem alunos das Posses que estudam no Aldo Fernandes, porque, se eu não me engano, algumas escolas do noturno foram desativadas, e esses alunos foram todos jogados no Aldo Fernandes. Luciano: - Inclusive o Elizabeth. Paulo: - O Elizabeth foi desativado à noite? Acho que é por isso que lá estão alguns alunos das Posses, mas a maioria é do Gramoré mesmo, Pajuçara, Nova Natal. Não vejo essa rivalidade. Falando em rivalidade de bairros, eu percebo muito as duas torcidas organizadas aqui do estado, que eu acho que começou lá pelos anos 2000 esse acirramento, mas em relação à torcida, nunca relacionado a bairro; claro que tem regiões do bairro que é mais Gang, e outra região do bairro que é mais Máfia, e que há um pouco de conflito, mas como eu nunca fiz parte... Gabriela: - Mas também é em relação à torcida, não ao bairro. Paulo: - Eu não sei se existe uma identidade de bairros específicos, talvez exista identidade da Zona Norte, talvez exista ali daquele Gramoré, Nova Natal, Pajuçara, forma uma identidade comum: “ah, nós sofremos os mesmos problemas, temos falta de segurança, temos educação que não é tão boa”; sofrem dos mesmos problemas, e eu acho que isso forma uma espécie de identidade, esses problemas comuns. Luciano: - Paulo, lá no Gramoré, e lá na escola, tem algum professor que mora lá? Paulo: - No Gramoré, não, no Gramoré tem, mas que eu conheço, da tarde por exemplo, tem o Ângelo que trabalha no... Luciano: - Mora em Nova Natal. Paulo: - Mora em Nova Natal, trabalhava no Myriam e trabalhava no Amadeu Araújo. Ele foi até, no Ensino Fundamental II, ele foi quem me orientou no estágio, e ele está à tarde lá. Os professores também são daquela região, um ou outro, por exemplo, Daniel, professor de Matemática, mora em Nova Parnamirim. Mas ele faz o seguinte: à tarde ele ensina em Pajuçara e da tarde pra noite, de Pajuçara ele vai pro Gramoré, e de noite ele pega o 02 e volta pra Nova Parnamirim. Eu acho que só Daniel da turma que é... Porque eu também ainda estou conhecendo os professores, porque como à noite não tem intervalo, aí fica mais difícil você ter uma interação maior; com quem eu tenho mais interação é Daniel, por exemplo, converso, ele sempre está lá mais cedo, e eu converso com ele. Os outros pelo que eu percebo moram nas redondezas, Pajuçara, Gramoré... Na Zona Norte mesmo. Luciano: - Vocês tem mais alguma coisa pra falar? Pra mim, está tranquilo.

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Luciano: - Esse tempo todo que você vive em Nova Natal, tem o que de positivo em Nova Natal? Paulo: - O que tem de positivo? Eu acho que é algo bem abstrato, que são as relações sociais que eu teci ali em Nova Natal, que eu teci quando eu dava aula no Elizabeth, quando eu passo na rua: “ah, professor!”, no Gramoré. Eu acho que o que tem de mais positivo são essas relações sociais, e aqui, como periferia, ela nunca é olhada pelos poderes públicos, por exemplo, chega a época de eleição, aí fazem uma rotatória que não tem sentido, lá na Cirandas, não tem sentido aquela rotatória, porque quando os ônibus passam, eles passam por cima da rotatória . Luciano: - Não tem como passar ali. Paulo: - Aí fazem uma rotatória, inauguram a rotatória e todo mundo vai lá ver a rotatória e Nova Natal tem questões muito políticas, compra de voto, a gente sabe que acontece, desses todos, todos não, mas a maioria que está na Câmara dos Vereadores, na Câmara Estadual, todos compram voto, eles chegam, dão, eu lembro desde novo o pessoal indo, vai às reuniões daqueles políticos, colocam o nome, e eles vendem o voto dessa pessoa, tipo na República Velha. Mas eu sempre gostei da minha mãe, que ela diz: “eu pego o dinheiro que eu estou precisando, mas não voto neles, que o voto é secreto.” [risos]. Mas aí minha mãe tem esse entendimento, o resto das outras pessoas não tem: “ah, ele está me dando esse dinheiro, e eu preciso votar nele”. É algo que quando eu vou dar aula, eu sempre bato nessa tecla. Tem pessoas que me criticam por eu dizer: “aceite o dinheiro e não vote”, porque “ai, o dinheiro vindo não sei de quê”, mas se eles estão precisando de 50 reais, eu vou dizer “não aceite o dinheiro”? Então, “aceite o dinheiro e não vote, porque eles não sabem em quem vocês estão votando; chegue lá e vote em um monte de zero e aperte confirma”. Aí isso em Nova Natal, por exemplo, essa semana passou um candidato a alguma coisa, a Chegança está cheia de buraco como o resto de Natal, ele chegou com um caminhão de cimento e tapou os buracos com o cimento, e não com asfalto. Que lógica? Aquilo assim que acabarem as eleições, as chuvas do próximo ano vão acabar com aquele negócio de novo. Luciano: - Eu achei engraçado porque só faltou o candidato colocar uma placa do lado: “eu fiz isso!”. Paulo: Eu estava voltando do colégio, aí eu perguntei: “Que danado é isso? Porque tem essas árvores aí?”, aí ela disse: “não, chegou um candidato aí e começou a tapar os buracos”. Meu deus do céu! Luciano: - Ele colocou e não tinha como colocar alguma coisa os carros passarem, aí colocou galhos de árvores. Paulo: - Aí o povo cai nessa. A periferia que sustenta esses... Luciano: - Mas no início da sua fala você falou que o que levou os seus pais provavelmente a escolher aquela área pra morar foi a facilidade na época de adquirir um imóvel num valor acessível ao índice de vida? Paulo: - Exato! Luciano: - Então eles criaram vocês a partir disso... Paulo: - Porque pra eles, principalmente pro meu pai, no início, no meu Fundamental I, quando eu era menor, era um lugar de ir, chegar, dormir, e de manhã cedo ir trabalhar, e só passar o domingo lá no bairro. E meu pai é extremamente caseiro, gosta de ficar fazendo as coisas em casa, gosta de assistir novela (e eu sempre achei estranho); ele sempre assistiu todas as novelas da Globo, tudo o que passa. Quer dizer, dorme mais que assiste, mas está lá na frente. Luciano: Então, beleza! Paulo: - Não sei se deu pra ajudar um pouco. Luciano: - Obrigado! Então, vamos fazer os pedidos agora. Paulo: Não é dinheiro, não, né? É que eu estou saindo de um emprego aí... [risos].

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15- ENTREVISTA COM PAULO SÉRGIO

[Na manhã do dia 13 de outubro de 2012, reúne-se, no conjunto Nova Natal, a equipe do programa Memória – Luciano, Matheus, Tyego, Marina e Gabriela –, juntamente moradores e lideranças comunitárias do conjunto Nova Natal]. Luciano: - Bom, o que nós vamos querer de vocês só o cuidado pra não responderem tudo ao mesmo tempo, né? Vamos fazer pergunta a um, a outro, mas todos vocês podem falar, perguntas sempre com algo referente à comunidade e aos aspectos da comunidade. [alguém tosse]. Vamos começar com Paulo, depois os outros. Bom, Paulo, vou lhe chamar assim... Paulo: - Não, tudo bem. Luciano: - Paulo, quantos anos já de vida? Paulo: - 33. Luciano: Trinta e três anos. Paulo, me diga uma coisa, quando é que você chega aqui em Nova Natal? Paulo: - Quando eu cheguei? Cheguei aqui em 83; em junho (?) de 83; depois da Copa de 82. Luciano: - E chega com quem aqui? Paulo: - Bom, eu vim só, que quando eu vim, porque primeiro vinha a família pra cá, né, pai, mãe... Eu passei três dias lá na Cidade Nova (?), e eu não queria sair de lá, não. Eu tava com 14 anos lá, não queria deixar minha galera lá. Aí eu cheguei aqui no dia... cheguei aqui numa segunda-feira, de 7 horas da manhã. Luciano: - Seu pai e sua mãe já tinham vindo? Paulo: - Já tinham vindo. Luciano: - Era uma família de quantas pessoas? Paulo: - De 16 pessoas. Luciano: - Seu pai trabalhava com o quê? Paulo: - Meu pai trabalhava numa empresa chamada Tradução Transportes, do lado do Chaplin (?), como chamava naquele tempo, descarregava material, descarregava caminhão. Luciano: - Certo. Me diga uma coisa, como era esse adolescente de 14 anos, acostumado lá em Cidade Nova, chega aqui ao conjunto em 1983, final de 82. Como era o conjunto naquela época? Paulo: - Rapaz, o conjunto naquela época, ele resumia-se em embriões, nuns piquetes ao redor da casa, uma casa com quarto, uma sala, acoplado no banheiro, e uma área de serviço.

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Luciano: - Era o embrião. Paulo: - É. Diga aí, 16 pessoas numa casa dessas! Luciano: - Qual foi a rua que você veio morar? Paulo: - Rua Chico Santeiro, 2985. (?) Luciano: - Ainda mora nessa rua? Paulo: - Moro na mesma rua ainda. Luciano: - Rua Chico Santeiro, qual o número? Paulo: - 2995. E ela não tinha calçamento, era só areia, morro. Tinha uns canos estourados, e a gente... O único meio de brincadeira da gente era o morro, que destruíram e fizeram o [loteamento] Câmara Cascudo. Luciano: - O morro que você fala é o... Paulo: - É o do loteamento Câmara Cascudo. Morro com barreiro, teve algum acidente lá... Luciano: - No barreiro de sua mãe, era? Paulo: - Não, era onde descarregava caminhão. E era isso aí. Luciano: - Então você chega e já começa a fazer amizades... Paulo: - É, comecei a fazer amizade. Com uns seis meses, eu tinha o quê, uns 15, 20 amigos já que brincava... Luciano: - Além dessas brincadeiras nas dunas, no que hoje é o [loteamento] Câmara Cascudo, que outro tipo de lazer vocês tinham? Paulo: - Nenhum. Marina: - Nem a lagoa? Paulo: - A lagoa... a gente veio descobrir essa lagoa faz uns 5 ou 6 anos. Luciano: - Essa lagoa que você fala é qual? Paulo: - Lagoa Azul. Luciano: - Aí quando vocês descobrem a Lagoa Azul, o que é que acontece? Paulo: - Aí a gente ia pra lá, pegava o pessoal aqui, as famílias e ia pra lá. Mas era distante, viu? Agora tá perto, você atravessa o Câmara Cascudo ali.

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Luciano: - E como era esse caminho pra chegar lá? Paulo: - Rapaz, era estrada “carroçal”, trilha, você fazia trilha e ia. Luciano: - Tinha muito mato? Paulo: - Mato, bastante mato. Luciano: - Tinha alguma fruteira no caminho? Paulo: - Tinha muito tamboinho, baia, mangaba, caju... aqueles cajus... Luciano: - Que é rasteiro, quase rasteiro... E na lagoa, como era? Paulo: - Rapaz, lá na lagoa a diversão era essa mesmo, tomar banho, brincar, o pessoal levava comida, levava rede. Naquele tempo tinha muito cajueiro, que agora desmataram. Armava a rede para as crianças e ficava lá brincando. Luciano: - Pescava também? Paulo: - Pescava peixe... [o entrevistado cita diversos peixes da lagoa] Luciano: - E bola, o pessoal jogava bola também? Paulo: - Bola levava também. Gabriela: - Tinha alguma preocupação assim em preservar aquele local? Paulo: - Rapaz, no tempo, ninguém pensava muito nisso; não tinha aquela mente, não tinha aquela visão informativa de preservação, como tem hoje de preservar a natureza, preservar a vida, não existia aqui. Hoje você anda nos cantos, e tem o lugar do saquinho pra botar um saco plástico, um copo descartável, né? Naquele tempo, não, chegava e jogava lá. Gabriela: - E você acha que hoje mudou lá? A comunidade se preocupa em preservar? Paulo: - Eu acho que agora se preocupa mais, nem todos né? Gabriela: - O senhor conhece alguma medida, alguma ação? Luciano: - Algum movimento feito em defesa da preservação de Lagoa Azul? Paulo: - Ainda não. Luciano: - Me diga uma coisa, você falou que tinha fruteira, que tinha mata, mas isso hoje...? Paulo: - Hoje não tem mais, não; acabou. Luciano: - Quando você chegou aqui em 82, tinha Nova Natal, e no entorno de Nova Natal tinha o quê?

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Paulo: - Era só Nova Natal, Santa Catarina. A gente pegava o ônibus lá na... pegava o 10, ainda era o 10, só tinha até a Ribeira. Luciano: - Aí você pegava aonde? Paulo: - Pegava o ônibus, descia lá na [avenida da] Chegança, aí vinha pra cá, a pé. Luciano: - Nessa época, então, não existia essa parte? Paulo: - Não. Existia não. Nada. Luciano: - Ali era o que, naquela região? Paulo: - Ali era mato também. Luciano: - Tinha lagoa também por ali? Paulo: - Não. Luciano: - E escola? Você estudou por aqui? Paulo: - Eu estudei no João Paulo. Luciano: - Que é aqui em Nova Natal? Paulo: - Só tinha ele mesmo. Fiz até a 4ª série. Tinha... Era só eu e um campo, que hoje botaram um lixo lá, tem um lixão lá, e um cajueiro que a gente... E um campinho pra a gente ter nossa recreação, eram três salas; hoje, ele se expandiu. Luciano: - Certo. Me diga uma coisa, e você viu também o surgimento da feira, né? Paulo: - Feira de Nova Natal, que era lá onde era o (?) policial. Luciano: - Como era o nome da rua da base policial, lembra? Paulo: - Rua da... [o entrevistado demora a lembrar-se e olha pros outros entrevistados, procurando uma resposta] Ciranda, né? Ciranda aqui. Luciano: - Rua da Ciranda, né? Então surgiu lá a feira? Paulo: - Surgiu lá. Era ela e aquele CIRCOM lá. Só que não deu certo; o espaço lá era pequeno, aí transferiram ela pra [avenida] Chegança. Chegança com [rua] Pastoril. Luciano: - Paulo, me diga uma coisa, você foi morar na rua Chico Santeiro. O pessoal da sua casa e vizinhos, você lembra deles falarem quem era Chico santeiro?

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Paulo: - Quem era agora? Era Chico Santeiro? Luciano: - Sim, na época? Paulo: - Não, na época, não. Não ligavam a rua à pessoa. Sabem que é muito nome folclórico, muito nome de... tem muita gente que não liga o nome à pessoa. Luciano: - Outra coisa, como é que vocês, moradores de Nova Natal, viram o crescimento do bairro Lagoa Azul, com a chegada dos loteamentos? Paulo: - Rapaz, a gente viu com olhos de preconceito e medo, né? Porque naquele tempo, não existia... Depois que esses loteamentos vieram pra cá, veio muita gente boa também, mas também de muita gente de favela, essas coisas, que tinham sido desfeitas e transferiram pra cá, né? Aí o primeiro a chegar foi [loteamento José] Sarney, Câmara Cascudo, aí foi chegando, Boa Esperança, Nordelândia... Luciano: - Sei. Então assim, existia um certo preconceito das pessoas de Nova Natal com relação a essas novas ocupações. Gabriela: - Era o que chamavam de “posses”? Paulo: - Era, “posses”. Foi no tempo do Sarney ali, que teve aquela enchente lá, e devastou tudo, não sei se vocês lembram, e tanta gente saiu de lá e foi pra outros cantos, mas muitos permaneceram lá e permanecem até hoje; lá no Sarney, ali onde tinha a Lagoa do Sapo. Luciano: - Era Lagoa do sapo ali, era? Paulo: - É, que tem um cacimbão lá. Lagoa do Cacimbão lá. Luciano: - Essa lagoa lá onde é o Sarney, que existia, né? Você falou que descobriu a Lagoa Azul, e passou a frequentar lá; essa outra lagoa o pessoal frequentava assim, pra banho? Paulo: - Não. Tinha os meninos, né, que gostavam de brincar lá dentro, mas não é recomendada pra banho porque a água é poluída. Luciano: - E aquela ali do Gramoré, a lagoa do Gramoré, você chegou a ir lá? Paulo: - Não. Luciano: - Lagoa Seca? Paulo: - Rio Doce... Marina: - Mas o pessoal assim daqui da comunidade frequentava? Paulo: - Frequentava.

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Marina: - Frequentava o rio. Luciano: - Quer dizer que tinha uma turma que ia lá pro Rio Doce, era? Paulo: - É, pro Rio Doce, pescar... Luciano: - Nessa época que você ia pro Rio Doce, você lembra de ter aquelas hortaliças, aquelas plantações? Paulo: - Tinha muito. Luciano: - Você chegou a participar de algum grupo, de jovens, de alguma coisa? Paulo: - Não, porque não tinha espaço, a gente não tinha... Tinha um pessoal que fazia, de jovens, aqui no CIRCOM mesmo aqui, mas eu mesmo nunca participei, não. Luciano: - Você chegou a participar de algum time de futebol na comunidade? Paulo: - Não, só “pelada” mesmo. Eu acompanhava muito. Tinha muito time bom aqui. Luciano: - Tinha time aqui da comunidade? Paulo: - Tinha time, tinha time. Luciano: - Aí você acompanhava como? Paulo: - Eu era menino. Meu pai me levava pra assistir aos jogos, vi muito ele jogar aqui [o entrevistado aponta para outro entrevistado – Márcio – que jogou em diversos times]. Tinha Santos, Alecrim; um time que se destacou muito aqui foi o Alecrim também. Luciano: - Como era isso, Paulo, esses dias de jogo? O pessoal ia pra um campo específico? Paulo: - O único campo que existia aqui era aquele lá. Luciano: - Qual? Paulo: - O Rui Barbosa, né? [o entrevistado pede ajuda para os outros ali presentes]. [Alguém que está distante do gravador intervém na conversa, não sendo possível transcrever essa parte] Luciano: - Bom, Paulo, então continuando nossa conversa... A gente estava falando sobre os dias de jogos. O campo que você fala é o campo que tem por trás da escola Myriam Coeli, que hoje é gramado, cercado. Naquela época, como era esse campo? Paulo: - Era aberto, no meio da areia. Era só areia. Gabriela: - E você só conhecia esse campo?

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Paulo: - Aqui só tinha ele. De centro esportivo, aqui só tinha ele. Luciano: - Iam muitas pessoas assistir esses jogos? Paulo: - Muita gente, era lotado. Luciano: - Aí o que é que tinha nesses jogos, a comunidade... tinha torcida? Paulo: - Tinha torcida, tinha muita gente, tinha charanga, tinha muita torcida do Santos, do Alecrim, do Botafogo... Muito time! Luciano: - Paulo, me diga uma coisa: chegou a existir alguma rivalidade que fizesse com que tivesse brigas entre torcedores e jogadores? Paulo: - Rapaz, não existia porque os presidentes, eles prezavam muito a amizade. Dentro de campo era uma coisa, mas quando saía de dentro de campo, era outra totalmente diferente. Luciano: - Não tinha isso de time... Paulo: - Tinha o CRB e tinha o Vasco, que era de João Bio, lá do Mosquito; e o Confiança, que era de Extremoz. Luciano: - Vinham jogar aqui? Paulo: - Vinham jogar aqui. Fora isso, não existia nenhuma... Luciano: - Certo. E quadra de esportes? Paulo: - Nenhuma. Na época que a gente... Veio quadra de esporte aqui na década de 90; 95, 96, começou a surgir quadra por aqui. A primeira quadra foi aquela lá, essa quadra... [o entrevistado aponta para a direção da quadra] Luciano: - A primeira quadra que você fala é perto da base da polícia militar, né? Outra coisa, aqui em Nova Natal, existiu alguma escola de samba? Você lembra o nome? Paulo: - Lembro, era Mocidade Independente de Nova Natal, de Novais. Luciano: - Se apresentava aqui também? Paulo: - Ela ensaiava aqui, mas se apresentava na... Luciano: - Ensaiava aonde? Paulo: - Na rua do Melaço. Luciano: Era de quem? Paulo: - Novais. Cícero Novais.

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Luciano: Era o carnavalesco. Paulo: - Cícero Novais, e Sombra era o compositor, né? [Sombra intervém na conversa, no entanto, não é possível ouvi-lo]. Luciano: Era a escola de samba... Paulo: - Mocidade Independente de Nova Natal. Luciano: - Bom, e assim, esses ensaios, você chegou a frequentar alguns desses ensaios? Paulo: - Eu era batuqueiro, era ritmista. Luciano: - E como era fazer parte de uma escola de samba da comunidade? O que é que você sentia com isso? Paulo: - Rapaz, eu sentia prazer, porque a gente não tinha nada de lazer aqui, né? A única coisa à noite que tinha para a gente ir era aquele ensaio. A pessoa se sentia bem, tinha muita gente olhando, você se sentia a atração. Gabriela: - Muita gente da comunidade participava? Paulo: - Participava. Não só daqui como de outros bairros. Luciano: - Tu podes dizer, mais ou menos, o ano em que existiu essa escola? Paulo: - Foi em 98, até 99. Luciano: - Aí chegou a participar de algum desfile, na Ribeira? Paulo: - Foi 88. [o entrevistado é corrigido por Sombra] Gabriela: - Tem fotos? Paulo: - Rapaz, eu mesmo não tinha, não, tenho não. Mas ele [o entrevistado refere-se a Sombra] deve ter, que ele está há mais tempo do que eu. A gente pode arrumar e mandar pra vocês. Luciano: - Novais ainda mora em Nova Natal? Paulo: - Na Esperança, né? Nas Rocas. Sombra: - Mas ele vem aí todo domingo. [Sombra intervém frequentemente, porém, não é possível ouvi-lo]. Luciano: - Além da escola de samba, além do futebol, existia outro grupo de cultura, de lazer que você lembra daqui da comunidade? Paulo: - É, só tem isso mesmo.

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[Sombra, mais uma vez, intervém]. Paulo: - E, fora isso, a gente tinha muitos blocos. Tem um menino que fez um bloco do Arregão. Luciano: - Bloco carnavalesco, é? Paulo: - Teve as “Kengas de Nova Natal”, mas não teve aquele apoio, aquele incentivo. Luciano: - Por mim essa parte de Paulo está legal, vamos conversar com os outros agora.

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16 - ENTREVISTA COM CALISTRO CABRAL

[Na manhã do dia 14 de agosto de 2009, reúne-se, no auditório da SEMURB, no bairro de Candelária, a equipe do programa Memória – Márcia Gabrielle e Thaiany Soares –, juntamente com o Senhor Calistro Cabral]. M.G.: - - O senhor poderia nos informar seu nome completo? C.C.: - Calistro Cabral de Oliveira M.G.: - E sua data e local de nascimento? C.C.: - A data foi 14 de Outubro de 1932 em São Rafael, interior do estado. T.S.: - O senhor poderia fazer um breve resumo da sua infância? C.C.: - [risos] Minha infância foi um pouco turbulenta, foi meio difícil porque Sertão as coisas são meio difíceis, e o meio de vida que eu tinha era trabalhar na agricultura, e eu não era muito disposto [risos], nunca gostei muito do negocio e tinha dificuldade para desenvolver. T.S.: - Quando o senhor veio morar aqui em Natal? Em que ano? E qual foi o motivo da sua vinda? C.C.: - Cheguei no dia 4 de abril de 1950, e o motivo foi procurar algumas melhoras porque lá em São Rafael era difícil, procurar dias melhores. Trabalhar numa coisa que eu achava que tinha futuro e foi o que eu fiz. M.G.: - Quando o senhor chegou aqui em Natal que visão o senhor tinha da cidade? C.C. – Achei muito boa, muito grande, nunca tinha visto uma cidade maior, achei uma beleza, fique encantado com o desenvolvimento da cidade. M.G.: - Em que bairro o senhor morou inicialmente quando se mudou para Natal? C.C.: - Nas Quintas. M.G.: - Como eram as pessoas, as ruas... C.C.: - O pessoal era muito bom, e as ruas como antigamente tudo era muito difícil, quase não tinha calçamento, e o único meio de transporte que tinha era o ônibus que fazia a linha das Quintas ao Alecrim, e era outro que fazia do Alecrim para a Ribeira [risos]. E tinha também o bonde, não para as Quintas, mas o bonde era do Alecrim à Ribeira e do Alecrim à Lagoa Seca. T.S.: - E carro tinha poucos? C.C.: - Carro eram poucos, é tanto que o bonde andava para lá e para cá na “Rio Branco” e não atrapalhava tanto. T.S.: - Como foi sua vinda para trabalhar na Prefeitura de Natal, ocorreu em que ano, e o senhor trabalhou em algum lugar antes? C.C.: - Antes eu trabalhei no SER que hoje é o DER era Serviço Estadual de Estradas e Rodagem, trabalhei um ano, mas naquela época quando mudava de governo saía todo mundo [risos], e logo que houve a mudança do governo eu saí, eu fiquei uns tempos trabalhando avulso aqui e acolá, e depois eu consegui trabalhar no Departamento de Saneamento que é hoje a CAERN. Trabalhei um ano também aí acabou-se a verba e eu saí [risos]. T.S.: - E de lá o senhor foi trabalhar na prefeitura? C.C.: - Não. Tem um engenheiro José Antomar Ferreira de Souza que eu trabalhei com ele na CAERN, então ele disse “quando tiver qualquer coisa Calistro eu te chamo para trabalhar”. Aí depois novamente eu tentei no DNER, estavam criando o DNER aqui, tinha chegado há pouco tempo. Então teve uma visita de Café Filho que era o Vice-Presidente da República e ele vinha sempre aqui e ficava em um canto para atender o povo, porque ele era daqui e atendia o povo para o pessoal pedir emprego. Aí eu cheguei pedindo um trabalho eu via todo mundo pedir emprego então eu pedi um trabalho [risos]. E ele mandava ir para uma secretária, eu falei diretamente com ele ali na Praça Pedro Velho, ele mandou a secretária pegar meu nome, meus dados, aí ela perguntou qual era a

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profissão então eu disse que eu era porta mira, porta mira é que trabalha com topografia que segura a mira, para nivelar o terreno, eu coloquei logo porque era um negócio bem diferente, a moça disse logo “olhe o senhor nesses dias está empregado”. E com uns quinze dias eu recebi um telegrama mandando eu me apresentar ao Dr. Jesias de Luna Freire do DNER, era o diretor, aí eu trabalhei um ano, no fim do ano de 1954 até junho de 1955, aí houve um negocio lá e o governo mudou e eu tive que sair também [risos]. Outra vez saí. Aí eu digo “e agora a situação está difícil, vou falar com Dr. Antomar” é o que eu tinha falado que já tinha trabalhado com ele, aí eu falei e ele disse “Calistro você quer ir trabalhar na prefeitura?” - vou quero - . É porque o pessoal trabalhava fora, no meio do mundo, - trabalhar na prefeitura quero sim - , “Eu tenho um amigo lá e vou mandar um bilhete para ele, é secretario de Ação e Obras La na prefeitura, Dr. Antônio Ramos Téjio, você vai lá e entrega esse bilhete e aguarda para ver o que ele diz, eu fui e falei com ele lá na secretaria, ele leu por ali e disse: “Calistro é o seguinte a situação da prefeitura está muito difícil, está devendo 56 conto de reis ao estado e não tem como pagar [risos], mas eu não posso faltar a Antomar, tenho que dá um jeito, vou falar com Wilson”, que era o prefeito. Ele disse que ia falar com o prefeito e disse “amanhã você venha aqui que eu dou a resposta”. No outro dia eu fui, e ele disse “é eu falei com Wilson, ele liberou o negocio, eu falei que era um amigo meu que tinha pedido, que já tinha trabalhado com ele e que conhecia, então amanhã você pode vim trabalhar”, aí eu fui trabalhar, eu já nivelava, já estava nivelando, não era mais porta mira era nivelador, mandaram eu falar com o topógrafo chefe que era Dr. Diniz Pinto, ele me levou, estavam abrindo a praia do meio (a Café Filho), só tinha o calçamento uns 100 metros dalí no início, aí quando descia ladeira do sol aonde tem aqueles salva vidas terminava, o resto era areia. Aí estavam prolongando, tinha um tratozinho da prefeitura trabalhando lá, “agora o senhor é nivelador?” - é eu nivelo - , trabalhei no DNER e já nivelava”. Você vai nivelar para colocar o meio fio, aí eu fui colocar os treno naquela areia e os tratorzão trabalhando aí nada segura. Aí eu digo “e agora já sei que não vai dar certo para mim, não vou conseguir nivelar esses terrenos para que fique no ponto mesmo com esses tratores trabalhando. E o trator vai parar?” “não, não param não”. Muito trabalho, botei bem instalados os instrumentos e fiz o nivelamento e ele nada de me dizer se eu ia ficar ou não, no fim ele disse “amanhã você venha”, isso no dia 17 de junho comecei a trabalhar, só que eu não podia assinar a carteira porque eu estava de férias do DNER, lá eu tinha sido demitido mas me deram as férias, tudo direitinho, e como eu tava de férias não podia assinar a carteira, então as férias terminaram no dia 3 de julho e no dia 4 assinaram minha carteira. No outro ano tinha eleição mas pelo menos um ano eu estou garantido [risos]. T.S.: - Então desde lá até hoje... São quantos anos? C.C.: - Até hoje graças a Deus, 54 completou no dia 4 de julho. T.S.: - O senhor trabalhou no começo como nivelador quando foi que passou a ser topógrafo? C.C.: - No ano de 60 logo em janeiro, se eu não me engano foi no dia 16 de janeiro fui nomeado topógrafo. T.S.: - Foi nesse período que o senhor passou a conhecer mais os loteamentos? C.C.: - Loteamentos, demarcar os terrenos, por hora eu só sabia ajudar o pessoal. T.S.: - E como foi que o senhor observou o desenvolvimento de natal quando começou a trabalhar nas demarcações das ruas nos loteamentos? C.C.: - Foi com a abertura da venda de terrenos a prestação foi o que desenvolveu muito Natal, e depois foi o negocio do BNH, mas iniciou com a venda de terrenos a prestações, era vendido para pagar em 100 meses, o preço da primeira prestação era o valor da ultima, não tinha correção, não tinha nada. T.S.: - O senhor lembra aonde a maioria desses terrenos eram localizados? C.C.: - Sei todos eles.

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T.S.: - Era em que região de Natal? C.C.: - Tirol, Petrópolis, só não tem loteamento na Ribeira, na Ribeira não tem loteamento. Tem loteamento no Alecrim, era mais Lagoa Seca e Lagoa Nova. T.S.: - Começou os loteamentos... C.C.: - Começou a expandir... Lagoa Nova tinha o nome do bairro, mas não tinha quase nada, começaram a lotear esses terrenos, o pioneiro desses terrenos a prestação foi Humberto Piantaro ele morreu agora faz dois anos atrás, foi ele e Manoel Macedo e Francisco Ribeiro, foi os três pioneiros, mas dos três o mais velho era Humberto, que começou mesmo. T.S.: - Desde o início ele trabalhou nesse ramo? C.C.: - É. Ele comprava terreno e fazia loteamento, e também o pessoal tinha o terreno e dava para ele lotear e ele recebia comissão, ele tinha a Imobiliária Potiguar, a imobiliária dele era a quem tinha mais loteamento a Imobiliária Potiguar e também quem tinha muito loteamento era a Imobiliária Santana. Agora a Imobiliária Santana, na época quase eu não trabalhava, eles é que faziam tudo aquilo e não queriam que ninguém da prefeitura entrasse lá não, era depois da 22 da 23 só ia quem tinha negocio lá. T.S.: - A 22 e a 23 eram aonde? C.C.: - A 22 é a Capitão Mor Gouveia e a 23 é hoje a Raimundo Chaves. Ali só tinha o nome mesmo, ela não tinha quase nada não. Hoje a gente chama Capitão Mor Gouveia, toda vida o nome foi Capitão Mor Gouveia, mas só era conhecida como a Avenida 22. Só abriram as Avenidas 22 e a 23, a 24 não chegou a ser aberta não. T.S.: - Mas a 24 seria qual rua, em que localidade? C.C.: - Seria dentro de Candelária. Mas aí não vingou, não abriram não. Tinha numa planta muito antiga que tinha aí, mas não foi aberta não. M.G.: - O senhor se recorda como era aquela região próxima a Escola Técnica? C.C.: - Tinha um ”conjuntinho” aonde a gente chamava a Avenida 15. A Avenida 15 era a Bernardo Vieira, a 15 com à Hermes chamávamos tudo Avenida 15. Só tinha casa mesmo lá, saia do Alecrim tinha Lagoa Seca, se fosse pedir um copo com água nessa intermediária não tinha não. Lá tinha dois postos de gasolina no meio da rua, dois concorrentes vendendo gasolina ali, para você ver como era o transito [risos]. E Estrada só tinha uma mão era a pista do “Americano” que vinha de Parnamirim, ainda hoje tem o restante da pista do “Americano”, por sinal muito bem feita. Inventaram de botar um trator pra quebrar uma vez, mas resolveram fazer o calçamento por cima, não quebrou não. M.G.: - O senhor se lembra aonde era a divisa que separava zona rural da zona urbana de Natal naquele período? C.C.: - Era a Capitão Mor Gouveia. Era tanto que os loteamentos aprovados pela prefeitura só tem até a Capitão Mor Gouveia, hoje já tem porque já está aprovando, mas não deixou de ser a área rural, porque era terreno do estado, o terreno do patrimônio municipal só era até a capitão Mor Gouveia, para lá era terreno do estado, é tanto que os loteamentos de Henrique Santana nenhum é registrado na prefeitura, só é registrado em cartório. T.S.: - Então os dele (Henrique Santana) eram todos em zona rural? C.C.: - Todos eles eram em zona rural, todos depois da Mor Gouveia. T.S.: - Qual foi o primeiro grande empreendimento (abertura de ruas, loteamentos) que o senhor trabalhou? C.C; - Em Capim Macio, o loteamento de Vicente Martins Fernandes, era uma mata, trabalhei, dava um duro danado para abrir as ruas, já tinha algumas abertas. Loteamentos de Vicente Martins Fernandes, José Ulisses de Medeiros, Mario Freire de Marinho, tudo era ali em Capim Macio, José Leandro também. T.S.: - Capim Macio e Ponta Negra?

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C.C.: - Ponta Negra também. Inclusive muitos extensos, mas a maior parte desses loteamentos grande que tem em Ponta Negra também não vingou, era muito grande e a barreira do inferno tomou quase tudo, acho que uns 80%. Era grande demais, mas assim mesmo ficou muita coisa, esses lotes eram 50 por 100, 150. Aí retalharam, a firma de Pedroza modificou fizeram uns lotes menores para ficar melhor de vender, que na época eram muito grande. T.S.: - O senhor lembra quais eram os principais corretores daquela época? C.C.: - Ainda eram ele três, eles três eram os maiores corretores, depois foi aparecendo outros, mas os de vender terreno a prestação eram eles, os outros corretores eram mais para pagar com 60, seis meses, mas para vender era só eles mesmos. M.G.: - Quem eram os principais proprietários de terra naquela época? C.C.: - Os principais proprietários naquela época era Henrique Santana. Era Geraldo Santos, Humberto Piantare, Aldo Fernandes que era dono do Banco, Clóvis Ramalho, e Aldo Barreto. Os maiores proprietários eram esses. M.G.: - E na Zona norte, existia algum projeto para lotear aquela região? C.C.: - Também foi eles Humberto Piantare, Aldo Fernandes, Nova Natal toda o pessoal tem uma história de falar Loteamento Sarney, Loteamento Sarney não existe, o Loteamento é Nova Natal, agora no Loteamento tem o conjunto Nova Natal que é ¼ do loteamento, a outra parte é o Sarney, mas é mesmo loteamento Nova Natal, e a outra parte é o Loteamento Esperança. T.S: - Então os primeiros Loteamento da Zona Norte foram esses? C.C.: - Foram os primeiros. T.S.: - E aquela região do alto do Potengi, próximo da antiga penitenciária Jõao chaves? C.C.: - Era também deles o loteamento Santa Catarina que hoje é o conjunto Santa Catarina. T.S.: - E Pajuçara seria outro loteamento? C.C.: - Olhe ali ele não loteou ele vendeu o terreno avulso ao BNH para fazer um projeto, mas não chegou a ser loteamento, o proprietário ali era Bonerges Januário Soares de Araújo, era um dos Maiores proprietários. Já foi vendido para o conjunto sem lotear, agora o que foi loteado foi o Nova Natal, e depois foi vendido uma parte para o conjunto e aí fizeram um reloteamento, porque o conjunto não é o mesmo formato do loteamento era diferente. T.S.: - O senhor participou do loteamento Nova Natal? C.C.: - Para o pessoal comprar o terreno foi eu quem fui lá para ver aonde era, para ver se prestava, se tinha futuro. Humberto Piantaro me chamou e disse “você quer ir ver um negocio lá na zona norte, agora você fique logo sabendo que não tem transporte”. Não tinha transporte para lá não, tinha transporte para redinha e mas saiu da estrada não andava mais um palmo, só era mato. E um dos herdeiros que era dono da terra antes que foi vender para ele era os Bacural, ainda hoje tem essa família lá. E um deles era funcionário da estrada de ferro que era quem controlava a ponte de igapó, aquela ponte de ferro, quando vinha o trem parava os carros para o trem passar, então foi ele que foi comigo olhar, eu tinha um jipe. Ele disse “Calistro eu tenho uma maneira”, porque eu tinha que deixar o jipe ali na estrada da redinha para ir mata a dentro lá perto de Extremoz. Ele disse “eu vou procurar saber se tem trem para não atrapalhar o negocio, nós vamos pela linha de ferro”, o jipe era a mesma medida da linha, de vez em quando caía para fora da linha, Lá na frente tinha a turma da CONSERV trabalhando, a gente se identificou e passou, os “cabra” ficaram tudo assim olhando  “esses cabra tão doido, nunca vi carro andar em linha de trem” – [risos]. Tinha um poste lá na frente no fim de Santa Catarina do lado da travessa onde tem o Ginásio, por ali tinha um poste, hoje está aterrado, mas na época era bem largo, a gente ia descendo para lá quando surgiu um trem de carga que não estava previsto [risos], lá vem o trem de carga e eu digo “e agora?”, o corte era meio largo e tinha terreno para todo canto, encostei na barreira e agora Deus tome conta [risos]. E quando passou

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o maquinista olhando assim “esses homens devem ser doidos, tem juízo não, não pode” [risos]. O menino da estrada de ferro deu com a mão para ele, cumprimentou, e ele foi embora, o trem passou e continuou a nossa viagem, chegando lá ele arrumo um canto no meio do mato para não deixar na estrada podia vir outro trem, arrumou um canto dentro dos matos e deixou o jipe, e andamos a pé para ver o terreno, de onde a gente começou a andar foi no fim de Santa Catarina ao cruzamento da alinha de ferro no “Brasilgás”, que hoje é a BR. E eu digo “ e agora vamos tirar para lagoa azul” e isso já o sol quente, e eu acho que era mais ou menos uma hora da tarde, foi uma luta. Fui La em Humberto e ele “que tal Calistro, adianta comprar?” aí eu disse “olhe ali só vai quem tem negocio, mas para vender em 100 meses, eu acho que dá para vender, é meio barato” –mas é um negócio barato, tem coragem de fazer um levantamento alí naquela área – “tenho, a gente faz”, eu trabalhava na prefeitura mas tinha sábado e domingo que não se trabalhava e tinha que arrumar qualquer coisa, e assim fiz o levantamento de tudo, mas como o negocio era muito grande a gente ia ter que dividir, não ia vender tudo de uma vez, aí venderam uma parte e lotearam, fez o que era para ser feito e começaram a vender. O terreno de nova natal venderam de uma “mão só“, venderam uma parte para o menino e ficou o resto do loteamento. T. S. - Mais ou menos em que ano essas invasões, o Senhor lembra? Foi em que período, na década de 70? C. C. – Década de 70, mais ou menos, quando começou a ser construído o conjunto, quando começou a melhorar um pouquinho, começaram as invasões. Ai hoje é a história do “loteamento Sarney”. M. G.: E era a população local ou eram pessoas que vinham de fora? C. C. – De todo jeito... Que tinha casa e ia e “botava” uma pessoa, olhe eu já vi de tudo. Tem gente que tinha casa de aluguel e arrumava uma mulher com dois, três meninos fazia um barraco. O cara chegava lá depois e ele dizia que fazia 18 anos que estava lá. É assim. [risos] T. S. – É e depois que já estava lá... C. C. – É, já estava lá, ai o cara chegava: “O que eu posso fazer? Deixar o povo na rua? Botar fogo?” Não pode... „num‟ tem feito mais não. E é porque a prefeitura fez muitos conjuntos pra “botar” esse povo, muitos, muitos mesmo. T. S. – E retiraram essas pessoas que invadiram pra colocar no conjunto ou não? C. C. – Uma parte. Era muita gente. Uma parte! Não nesses conjuntos da COHAB não, eram nos conjuntos chamados PROMORAR, mas não tem jeito não, sabe porque? A prefeitura faz, entrega tudo prontinho, o “cabra” vende com pouco tempo. Vende e faz vergonha a maneira como eles vendem, eles vendem por qualquer coisa, qualquer dinheiro, ai geralmente, volta pra invadir. M. G. – até hoje eles vendem... T. S. – é mesmo atualmente eles ainda fazem... C. C. – Fazem demais... Tem um PROMORAR desses que o prefeito, não sei se foi Dona Vilma, quem foi... que foi inaugurar e no dia já tinham umas vinte casas “apalavradas”... [risos] pra vender, não tem jeito não. T. S. – E ali eu não sei se é Loteamento, o Dom Pedro I... C. C. – É. O loteamento Dom Pedro I é no loteamento de Jardim Floresta, Parque Floresta. T. S. - Porque tem umas casas ali que foi a prefeitura que fez, não é? C. C. - É. Pra levar o pessoal da “Favela do Fio”, que era lá em Felipe Camarão, tava vendo a hora morrer tudo queimado, mas com uns seis meses, um ano depois foi lá não tinha quase ninguém não. Não tinha mais do que 10% dos que vieram de lá, já tinham vendido. Por que é meio difícil. T. S. – Então vamos mudar agora de região. E na zona sul, onde hoje é o bairro Pitimbu, o senhor lembra quem eram ali os proprietários?

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C. C. – No Pitimbu, quase tudo era da Viúva Machado e também de Raimundo Paiva, que a Cidade Satélite era toda dele. Agora era dela, da Viúva Machado, mas ele comprava, sabe? T. S. – E o senhor se recorda como se deu o processo de loteamento daquela região? Se houveram muitos lotes ou se foi direto pra construção de Cidade Satélite. C. C. – Ele vendeu antes de lotear, não chegou a lotear não. Ele vendeu mesmo avulso pra fazer mesmo o Conjunto. T. S. – A parte dele? C. C. – A parte dele. Ele é o dono também do San Vale, ali tudo era uma coisa só, tudo era dele. Ele loteou San Vale e vendeu uma parte para o INOCOOP. INOCOOP ou COHAB? Não INOCOOP, isso mesmo, ele vendeu. Mas tudo que ele comprou à Viúva Machado, tudo era da Viúva Machado e de Henrique Santana. Mas de Henrique Santana já era mais pra cá um pouco [diz isso em direção ao centro da cidade, visto que foi entrevistado na Ribeira]. T. S. – Por que ainda tinha a parte dele. Mas o Pitimbu era todo da Viúva? O senhor lembra de onde até onde era a parte que pertencia a ela? C. C. – Olhe, não tem o túnel ali... T. S. – De Neópolis? C. C. – De Neópolis! Ali começa o loteamento que é o mesmo do Pitimbu, que é de propriedade dela, e termina na “linha de ferro” lá em Parnamirim. Tudo aquilo é um loteamento só, uma faixa de 300 metros pra cada lado e o resto também era dela, mas era o que ela vendia pra Raimundo Paiva. Ela vendeu e ele fez o San Vale e vendeu foi pra INOCOOP, você veja que a Cidade Satélite não começa na BR, por que ali já era outra coisa, ele comprou muita terra da viúva Machado, e barato. E também vendeu barato, na época tudo era barato, não é? M . G. – O limite de Parnamirim já era ali? C. C. – Não, na minha época o limite de Natal era lá em Taborna. Parnamirim era Natal. O primeiro calçamento de Parnamirim fui eu que dei alinhamento pra fazer, aquele em frente a Igreja, por ali assim, fui eu que fiz. M. G. – Ali ainda era Natal? C. C. – Era Natal! O limite de Natal... Pirangi do Norte era Natal! Fui muitas vezes fazer serviço em Pirangi. T. S. – O senhor lembra em que ano desmembrou e aquela região virou Parnamirim? C. C. – 75, 76...

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17 - ENTREVISTA COM JEOVÁ FRANCO & ANA LÚCIA

[Na manhã do dia 19 de setembro de 2012, reúne-se, no conjunto Gramoré, a equipe do programa Memória – Luciano e Matheus –, juntamente com Jeová e Ana Lúcia, moradores do conjunto Gramoré]. Luciano: Nos fazermos parte da SEMURB, meu nome é Luciano, esse é Matheus, de um projeto chamado Memória Minha Comunidade. Estamos pesquisando sobre Lagoa Azul e estamos conversando agora com moradores que residem próximo a praças esportivas, áreas de lazer, o ginásio (Nélio Dias) e a ideia é pegar depoimentos de pessoas que possam relatar como foi essa trajetória. Luciano: O nome da senhora? Ana: Ana Lúcia Ataliba Pirro Luciano: E o seu nome? Jeová: Jeová Franco. Luciano: O nome dessa rua? Ana: Rua Guaíra Luciano: Me digam uma coisa. Quanto tempo faz que vocês moram aqui? Ana: Vinte e nove ou trinta anos. Luciano: Descreva um pouco como essa a paisagem, da rua, quando vocês chegaram... Jeová: Essa rua na verdade era „terra‟. Rua esburacada, quando chovia alagava tudo, ficavam aqueles riachos e tal. E aqui do outro lado (da rua) onde fica a quadra era matagal. Uma estancia de terra e era mato. Do outro lado (Pajuçara) também era mato. Não existia Pajuçara. Tinha mato e algumas casinhas. Pouquíssimas casas, muito pouco. Luciano: Vocês chegaram aqui, recém casados, com filhos... Ana: Recém casados, um filho que é meu menino mais velho e hoje está completando trinta anos. Só ele. E ele tinha uma bolinha, a gente ia pra ali (apontando ao final da rua) brincar nos morros e a gente via o mar. A Redinha, as ondas batendo e subindo. Hoje a gente não ver porque está tudo organizado né? Mas aqui na construção de Pajuçara foram várias maquinas pra desmanchar os morros e construir o conjunto, porque era muito morro, muita areia e não existia supermercado... Luciano: Como era, então, fazer compras aqui? Como a senhora supria a casa? Ana: Fazer compras!? Ele (Jeová) sempre trabalhou com vendas e quando ele vinha já trazia as coisas do Nordestão (Supermercado do Santa Catarina), já saia com a lista pra comprar. Porque aqui era mato, muito mato mesmo. Eu chorei muito na época porque me sentia muito sozinha. Com uma criança pequena, recém nascida. Aí arranjei uns cachorros pra me fazer companhia, ele (Jeová) arranjou pra mim. As casas tosas „desamuradas‟ porque não existia muro ainda. Jeová: Era do jeito que a COHAB entregou. Casinha simples, baixinha, mal construída. Ana: Essas casas foram construídas com material de terceira qualidade porque hoje está na justiça aí né!? E a gente foi evoluindo e hoje estamos no que „tá‟ né? Luciano: Transporte. Como era pegar transporte aqui? Ana: Transporte era na estrada da Redinha... Jeová: Ai depois surgiu uma linha aqui para o Nova Natal (Conjunto). Mas você tinha que se deslocar daqui (Gramoré) para o Nova Natal pra pegar o ônibus. Ana: No caso quando Pajuçara foi construído, aí veio essa avenida e começou o movimento, foi aumentando a população e ficou esse terreno baldio aí (apontando para a praça Garotinho da Copa) onde era sujeira e ficava tudo que não prestava. Depois o prefeito veio e construiu a praça. Aí Wilma

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Maia (ex-prefeita municipal) veio e calçou a rua no mandato dela. Depois entrou Carlos Eduardo (ex-prefeito municipal) e fez a praça. O ginásio (Nélio Dias).... Luciano: Antes dessa praça, quando seu filho ainda era criança/ adolescente, como era que ele brincava aqui? Ana: A diversão dele era „bila‟ (bola de gude) e também ele e a irmã tinham um costume de pegar uma bolinha „pequenininha‟ e botava num „pau‟ e não sei como é que eles jogavam aquilo. E sempre eu criei ele muito presos. De manhã estudavam e a tarde sempre estavam brincando sozinhos porque... Luciano: E eles estudavam aonde? Ana: Estudavam, começaram aqui num colégio aqui atrás (rua anterior) particular. Foi um dos primeiros colégios, o Vovó Elione que não existe mais, aí depois eu coloquei eles no ___________ lá em Igapó. O motorista do ônibus tinha cuidado e botava eles atrás pra levar. Terminaram no ________, bons alunos e de lá recebem encaminhamento direto pra o „Churchill‟ (Escola Estadual Winston Churchill). A menina fez „Facem‟, pedagogia e ele (filho mais velho) fez administração de empresas em Lagoa Nova (bairro). Hoje estão todos dois formados, estudaram em colégio do município, a menina já tem especialização e quer o doutorado e estamos levando a vida aí né? Chegamos num interior e hoje aqui é praticamente uma cidade. Um dia meu filho adoeceu e a médica „passou‟ um leite que só tinha na farmácia, era caro, ligue pra ele (Jeová) e ele disse que não tinha como ir deixar (em casa) o leite. Aí pedi pra uma vizinha minha ficar com meu menino e fui pra estrada da Redinha a pé, pra pegar o transporte e ir comprar o leite. Era um caso de urgência, mas o local (Gramoré) era muito esquisito. Luciano: Me diga uma coisa, saúde também foi uma necessidade muito grande também? Não tinha posto de saúde por aqui? Ana: Não, não tinha nada. Eu acho que não existia nem o Santa Catarina (Hospital). Era só o Walfredo (Hospital), só o Walfredo. Luciano: E me diga uma coisa; a senhora falou que aqui ia com seu filho para os morros próximos da sua casa, na época, a senhora via a Redinha e via o mar. Nesse período, também, você ou algum vizinho usavam a lagoa Azul como balneário? Ana: Com certeza. Ele, Jeová, foi uma vez que tinha um amigos aqui que bebiam e as vezes ele ia. Tem uma vizinha aqui que hoje ela está _______, ela ia com a filha dela, era lazer também. Agora parece que secou, não sei, mas era realmente um dia de lazer. Joevá: Como uma „domingueira‟. Era uma lagoa grande né? Bastante gente, o pessoal ia pra fazer piquenique, se divertir. Luciano: Seus meninos não chegaram a estudar nessas escolas aqui do Gramoré não? Do Estado? Jeová: Não. Ana: ___________ e Churchill. Receberam o encaminhamento direto pra o Churchill e de lá terminaram. A menina fez „Facem‟ e ele fez na Zona Norte. Onde era o Hipócrates (Zona Norte). Luciano: Nessa geração do seu filho, outros também chegaram a entrar na faculdade? Jeová: Não. Ana: Nenhum. Da geração do meu filho, nenhum. Os outros já estavam casados, trabalhando. Mas em termos de estudar, não. Luciano: A construção dessa praça (Garotinho da Copa) aqui em frente a casa de vocês, é mais ou menos de dois mil e um, dois mil e dois? Em termos de lazer, é muito utilizada? Crianças jovens? Ana: É, realmente Carlos Eduardo fez isso aí. Foi muito organizado, mas em todo canto você sabe que tem a droga que rola. Aqui o que afastou muito foi a polícia. Fumavam droga dentro do campo, fumavam aí, nesses bancos. Bagunçando, quebrando bancos, lixeira... Luciano: Não teve a manutenção da praça?

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Ana: Não teve. Porque na hora que ele entregou a chave do campo, entregou a chave ao presidente do conselho comunitário aqui. O campo todo gramado, com as telas, entregou completo. Mas o conselho comunitário não tomou conta, os vândalos quebraram os cadeados com um paralepípedo, acabaram com a grama e hoje estão aí. Jeová: Campo era gramado, um cidadão que se disse ser do conselho, chegou com uns caminhões de barro aí colocou sobre a grama e está aí, a grama morta. Luciano: Esse espaço recebe algum nome? Ana: Recebe. Se você for olhar, tem uma „plaquinha‟ perto do cajueiro... Matheus: Garotinho da Copa; Marcos Antunes... Ana: Esse mesmo. Naquele placa de mármore. Luciano: Marcos Antunes que era um cronista aqui do Estado, Natal... Luciano: Acontecem eventos aqui? Estamos falando aqui, mas também tem o Ginásio Nélio Dias Ana: Eventos, acontecem mais na infantil ali (Praça do Ginásio Nélio Dias). Mas também foi fechada a praça porque também vândalos atiraram no pessoal que estava fazendo academia, na academia que botaram para os idosos, e a praça hoje é totalmente... Fechou por conta de segurança; outra coisa, aqui todo ano tem o evento de Rogério Marinho. Faz o evento aqui nos mês de dezembro para as crianças, o natal das crianças, é completo. Aqui nessa rua (Guaíra). Matheus: a senhora tem alguma lembrança do seu filho, participando de algum time aqui do bairro? Ana: Não meu filho, não tenho porque como eu disse a você toda vida o ambiente foi esse aqui. Nunca deixei eles participarem dessas coisas. Foram criados só eles dois. Por isso hoje eles são muito reservado, muito só eles mesmo. Aqui, fora, não tiveram lazer nenhum. Luciano: Falando sobre a violência. A senhora disse que chegou pra morar aqui e ficou isolada porque seu marido trabalhava. Se a senhora fosse medir o tipo de violência da época que a senhora veio morar aqui e hoje... Ana: Aumentou! Aumentou porque eu fui assaltada aqui na calçada uma vez. Ele, Jeová, estava fazendo uma ligação aqui na calçada e chegou dois „boys‟ e levou o celular. E hoje muitas vezes eu não saio, vivo muito sozinha, por causa da violência. Depois que aconteceu isso eu nem sento aqui mais na calçada. Nessa praça, Garotinho da Copa, o que se precisava aí era muito „guarda municipal‟. Já teve uma vez, vigia, mas hoje está abandonada. Os vândalos é que estão tomando conta disso aí. Matheus: Nesse tempo que a praça era, digamos, mais segura. Vocês chegaram a frequentá-la? Ana: Com certeza. A gente ia, sentava nos bancos, conversando eu e minha menina. Mas chegou o dia que eu sentei ali e chegou um „cara‟ e perguntou onde a gente morava e a gente viu que ele tava ali olhando, querendo alguma coisa. E a gente ficou reprimida, não tem como. A noite aqui é tiro, você ouve tiro, morte. Na proximidade aqui mataram outro. Não tem segurança, pra gente não existe, pra gente não! Luciano: A senhora nasceu onde? Ana: „município‟ de Laje. Jardim de Angicos. Luciano: Quando? Ana: 1961 Luciano: E seu Jeová? Jeová: Nasci em Taipú. Luciano: Ano? Jeová: Em 1958. Matheus: O senhor que frequentou a lagoa azul, se recorda de algum momento de caça por ali? Jeová: Não. Porque só fui lá uma vez mesmo. Luciano: Nessa lagoa aqui, do José Sarney, lembram se algumas pessoas frequentavam como lazer?

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Jeová: Não. Ali sempre quando chovia, enchia ficava inundado, lembro de pessoas no sufoco. Ana: Casas inundadas até o telhado, mas não tinha como tomar banho. Mas existia pescaria. Pescaria existia. Luciano: A produção aqui no Gramorezinho, chegaram a consumir diretamente lá? Ana: Não, só de supermercado. Daqui da região, os supermercados recebem de lá. É fornecido de lá. Luciano: Então, muito obrigado a vocês. Vamos analisar e pode ser que tenha necessidade de outra conversa, outro momento. Esse depoimento é só para o Programa Memoria. Fizemos o bairro do Alecrim, Satélite e agora estamos em Lagoa Azul.

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18 - ENTREVISTA COM LUÍS DE FRANÇA/ MARIA DA CONCEIÇÃO

[Na manhã do dia 01 de outubro de 2012, reúne-se, no conjunto Gramoré, a equipe do programa Memória – Luciano, Gabriela e Matheus –, juntamente com Luís de França e Maria da Conceição, moradores do conjunto Gramoré]. Luciano: - O bairro cresceu, não é mais aquele bairro que vocês encontraram quando chegaram, e essa memória, essa história tem que ser contada para que netos, os filhos, as gerações futuras possam conhecer melhor como foram esses primeiros anos no conjunto. Então, seu Luís, a gente vai fazer algumas perguntas, e vamos gravar essa entrevista para o programa, para o projeto, certo? É um projeto que tem a participação da Universidade Federal. Como eu disse ao senhor, Matheus e Gabriela são alunos do curso de História da UFRN e têm dois professores do curso de História, que são o professor Arrais e a professora Carmem, que participam também desse projeto, desse programa Memória. Bom, mas me diga uma coisa: como o senhor Luís de França vem morar aqui no conjunto Gramoré, quando foi isso? Luís: - Em 1982... [a esposa do entrevistado também participa da entrevista] Maria da Conceição: - Em 82, quando o conjunto foi inaugurado. E no dia 16 de abril a gente se mudou pra cá. Luciano: Em abril de 82, né? Me diga uma coisa, a gente tá conversando com seu Luís e dona Maria da Conceição, esposa de seu Luís, me diga uma coisa então: vocês se inscreveram na COHAB, foi isso? Aí receberam a casa da COHAB? Maria: A gente morava de aluguel nas Quintas, e não tinha como a gente conseguir uma casa, então através de uma tia dele que trabalhava ??? e ele [ seu Luís] trabalhava na Guararapes, simplesmente um salário; e a gente pagava aluguel, tinha três filhos, por sinal, o mais velho foi criado com a minha mãe porque não tinha condições, e só com os dois pequenos, que é um filho e outra filha. Aí então ele passando na casa da tia, que ela morava em Lagoa Seca e costurava pras famílias de Lagoa Seca, aí ele passou na casa da tia, aí ela disse: “Luís, eu queria até lhe ver”, [e seu Luís responderia]“então tô aqui”, “é porque essa semana eu tô indo na fazenda de Lavoisier, resolver umas coisas lá e você já se inscreveu nessas casas da COHAB?”, e ele disse “não, tia, que eu não tinha condições de me inscrever, também não sabia”, [e a tia responderia] “pois então me dê seu nome que eu vou pra fazenda e lá eu falo com Lavoisier”. Aí ela foi pra fazenda, levou o nome dele, e a gente ficou aguardando, aí com uns três meses que ela tinha feito isso, aí chegou um dia ao meio-dia pra almoçar, aí saiu no jornal. Nesse dia eu chorei tanto, porque eu não tinha esperança nunca de sair do aluguel, porque ele ganhava “muito pequeno”, eu era muito nova, não tinha assim experiência de trabalhar e com dois meninos pequenos, aí ele disse “olhe, a gente ganhou uma casa, que tia Maria pediu”, eu digo “ai, eu não acredito, não” [o áudio da gravação é prejudicado por um barulho de criança]. Porque era no Santarém, tinha luz no Santarém; mas não era Santarém, era Gramoré “e eu lá sei onde é Gramoré, meu deus”, aí eu digo “mas eu quero no Santarém”. Aí marcou o dia de ir pra Ribeira né, pra assistir a reunião e já pra receber a chave, né; a gente veio aqui no conjunto, não tinha ninguém, era tudo aquele deserto, mas as casas bem bonitinhas. Então fomos escolher a casa. A gente passou em várias ruas, marcamos a rua, número da casa e tudo [o(a) neto(a) da entrevistada interrompe a fala dela]. Aí eu sei que foi, quando foi no fim a gente tinha a chave, já levava o número da casa, aí foi sorteada no 62. Aí a gente veio aqui, olhou a casa, e logo que a gente veio olhar a casa, na outra semana a gente se mudou, porque a gente tava morando na vila, e “tá”

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recebendo um casa e ficar pagando aluguel é mais complicado, né? Aí eu disse “pronto, a casa lá já tá toda pronta, e eu só peguei a chave e vim embora”. Depois a gente foi lá agradecer a ela [a tia de seu Luís], que ela tinha dado a maior força, porque não tinha como a gente sair do aluguel, aí ela, como ela era dentro da família de Lavoisier, uma pessoa muito querida de Lavoisier, aí ela soltou pro sobrinho (?), que ele trabalhava na Guararapes, mas o salário dele é muito pouco. Aí no final das contas, quando a gente chegou aqui, ele, lá nas Quintas, ele jogava num time, como era o nome, no Olaria, né, Luís? No Olaria. E quando a gente chegou aqui, esse ginásio aqui era só mato, era a divisão do Nova Natal com o Gramoré, então era só mato. Vim trabalhar na Hermes (?), e ele ficou em casa, que ele pediu as contas, e ficou em casa. Então ele começou a podar com os meninos, os meninos eram pequenos, tudo pequeno, os dois pequenos e um rapazinho aqui da rua e começaram a cortar o mato e a fazer um campo, né? E as raízes tudo grande, e era puxando, e era cheio de calo nas mãos, e conseguiu formar um campinho pra ele jogar. Não tinha time nenhum, porque o conjunto era novo, então primeiro quem fundou aqui o Gramoré foi o Barcelona. Luciano: O Barcelona foi então o time que o senhor criou? Maria: Justamente. O Barcelona foi o que ele criou. Luciano: Seu Luís, me diga uma coisa, nesses momentos iniciais, relatados pela sua esposa, dona Maria da Conceição, onde está o ginásio, isso aí era um grande mato, aí me diga uma coisa, era um grande mato, existia o Pajuçara? Maria: Não existia. Luís: O de cá não, só o de lá. Pajuçara I. Luciano: Esse Pajuçara aqui não existia, né? Esse aqui de frente. Maria: Não. Luciano: O nome dessa rua? Luís: Qual? Luciano: Essa que o Senhor mora. Luís: Cariri. Luciano: Rua de Cariri? Luís: É. Luciano: O número da sua casa? Luís: 62. Luciano: Cariri, né? 62, né? Maria: 62. Luciano: Então pronto esse primeiro momento é um primeiro momento de desafio, poucas pessoas morando. Me descreva um pouco como foi essa ideia e como foi que vocês formaram esse time Barcelona. Luís: A gente morava nas Quintas, né? Eu já tinha time lá, aí a gente veio pra cá e não tinha condição de se deslocar, né, daqui pra lá. Aí eu inventei esse campinho aí. Aí a gente começou, aí começou só com um time. Luciano: Como é que se chamava o time lá das Quintas? Luís: Era o Olaria. Luciano: Olaria. Luís: Lá do Dom Eugênio. Eu jogava lá, nesse time de lá. Luciano: Dom Eugênio? Luís: É. Mas meu irmão tinha outro time, que era o de Lagoa Seca, que se chamava Juventus, lá em Lagoa Seca. Aí quando eu vim pra cá, fundei o time Barcelona. Eu fiz o primeiro time do Gramoré, aí a gente montou um campeonatozinho, né? Tinha 16 times, aí foi quando veio a obra do ginásio aí...

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Luciano: Nesse primeiro momento, vocês tirarão o mato, os moradores moravam próximos? Luís: Tinha pouca gente aqui, aí era só pra gente brincar, daí foi chegando mais gente no conjunto... Primeiro, foi um campeonatozinho com 4 times, no primeiro ano. Luciano: O senhor lembra qual foi o ano do primeiro campeonato? Luís: Foi em 83. Luciano: E fundaram alguma associação, centro esportivo, alguma coisa assim ou não? Luís: Fundaram um centro esportivo daqui do conjunto, aí depois foi que o centro ajudava né? Luciano: O time Barcelona ainda existe? Luís: Não, existe não, porque a gente marcava um jogo, aí o pessoal não vinha, aí ficava chato a pessoa marcar um jogo pra na hora não ter. Matheus: O campo que você fez tinha algum nome? Luís: Era Luizão. Luciano: O pessoal conhecia por Luizão, então, porque era o seu nome, quem organizou o primeiro campo aqui do Gramoré. Maria de França: Depois de uns quatro/cinco anos foi que fundaram outro campo lá perto do Batalhão. Luís: Mas foi aqui que teve um movimentozinho, mas depois que fizeram o estádio, iluminaram tudo, acabou o campeonato aqui, aí não tem mais. Luciano: Fale um pouco sobre o campeonato, como era. Luís: Eu vou dizer os nomes dos times que começou; Barcelona, Grêmio, Eldorado, Colorado, Iguape, Piratininga, Gramoré, tinha o Ipanema, tinha o Alecrim, Palmeiras, Riachuelo, Portuguesa... Aí quando foi pra fazer esse Ginásio quando deu fé, o pessoal tava cercando. As traves já estavam lá no canteiro de obras, né? Aí, eu fui lá e “Ei, me de ao menos as minhas traves!” custou o meu dinheiro, né? Gabriela: Mas quem fez o campo, foi o senhor e o seu filho? Luís: Foi sim, e os moradores também, né? Logo no começo era pouca gente, mas dava pra ajudar. Matheus: O senhor costumava alugar o campo para outras pessoas? Luís: Quando não tinha campeonato, eu alugava, mas quando tinha campeonato era... Luciano: Aluguel quer dizer que as pessoas não podiam brincar de tarde? Luís: Podia. Era só no final de semana que a gente já tava habituado, aí tinha jogo no sábado e no domingo de manhã e no domingo à tarde, mas quando não tinha o pessoal avisava, porque eu tinha que fazer a manutenção, né? De manhã logo cedo acordava e ia marcar o campo, o pessoal jogava lixo, eu limpava, aí quando era a hora do jogo tava tudo pronto. Luciano: Mas quando não tinham esses jogos agendados a comunidade podia usar? Luís: Era. Luciano: Tinha muita criança que brincava? Luís: Tinha até campeonato, né? Sub-15, sub-16... Luciano: Teve algum time daqui que também se destacaram em campeonatos da cidade? Campeonatos amadores? Luís: Que eu me lembre, não. Tinha mais do Santarém, Nova Natal, mas daqui mesmo pra ir pra fora, eu não lembro não. Luciano: Como é que vocês conseguiam bola, terno, essas coisas? Luís: Teve um tempo que a prefeitura fornecia o materialzinho, o prefeito, né? Mas também era só nas épocas da eleição, né. Luciano: Pra jogar fora, como é que fazia com o transporte? Luís: Quando a gente precisava de transporte, aí a gente fazia a cota, cada um dava uma parte... Luciano: Para o Barcelona que era o time do senhor, existia alguma cor característica do time?

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Luís: Azul e vermelho. Gabriela: O senhor ainda tem algum uniforme ou alguma coisa que lembre o time? Luís: Eu tenho, mas já foi da prefeitura, a pessoa não ia exigir, a prefeitura dava a cor que queria. Maria: Pelo tempo que ele... Quando ele fundou isso aqui, esse povo fizeram o ginásio. Eu penso assim, pelo direito, pela lógica, que ele fundou esse campo, e como fizeram esse ginásio eu acho que ele tinha direito em alguma coisa; ou não? [Ouve-se um sussurro] Assim um emprego, um trabalho. Como eu falei com Bartolomeu. Bartolomeu é presidente do centro esportivo. Quando começou o serviço de Bartolomeu... Aí era uma ajuda porque ele não tinha emprego. Ele trabalhou quatro anos na Ecocil e depois ele saiu, aí então, ele não tinha mais idade de trabalhar em firma, já estava completando sessenta anos. Aí então eu falei com Bartolomeu “Bartolomeu, já que o campo acabou, e no domingo quando não tinha o Barcelona ele alugava. Vinte reais eram pra comprar uma verdura, pra o jantar, em alguma coisa ajudava. Ele disse “Não Dona Conceição, não se preocupe não que alguma coisa a gente vai fazer por Luis. Maria: Ele teve construção aí, terminou. Botaram pessoas que não tem nada a ver... Não tem nada a ver, nunca nem era daqui do conjunto. Aí botaram pessoas pra dentro, aí quando foi um dia perguntou se Luís não queria ser vigia. Aí minha filha disse: “Não vigia não da não que pela idade dele eu tenho muito medo, assim, de ele ficar de noite aí, chegar vagabundo aí...”. Mas pra isso eu não falei nada a Bartolomeu. Aí começou. Olhe, tem festas aí, eventos aí, que botam vigia que não tem nada a ver. Eu acho que a prioridade era pra ele, se juntar... [o áudio é prejudicado]. Como ele trabalhou esse tempo todinho com dois carinhas. Entregou isso aí já uma coisa bem... Né? Muito conhecido aí, todo mundo conhece. Eu acho que Gramoré inteira conhece Luís. Então porque não deu uma oportunidade a ele? [Luciano fala “É”] Pra ele assistir um jogo ele tem que pagar. Então, Luís era pra ter trabalhado na bilheteria, trabalhar pra varrer ali dentro, na limpeza. Que ele sempre... Luciano: Uma coisa, nós não temos esse conhecimento, informação legal de como a gente pode aconselhar vocês. [Maria fala “Eu sei”] Porque nossa parte é mais a parte histórica. O que eu posso dizer pra senhora e pro Senhor Luís enquanto história é que, infelizmente, o poder público, eles não valorizam o nosso passado. Porque, no mínimo, era pra ser Luizão, entendeu? [uma voz feminina fala ao fundo “É, o nome do estádio”] No mínimo, né? Era pra ter alguma coisa ali, alguma referência, uma placa. No mínimo uma placa que fizesse uma referência a esse passado, por quê? Porque eu fico imaginando... A senhora estava falando, Seu Luis estava falando, eu fico imaginando [seu Luís comenta algo incompreensível] como era o Gramoré e a importância que teve para os moradores. Porque foi importante. Eu tive criança nessa comunidade. Eu não morei aqui no Gramoré, mas morei aqui na Zona Norte, no conjunto Santa Catarina. Eu joguei bola em campo de areia. Pra mim foi importante, por quê? Porque quando a comunidade ficava distante da área de lazer era nesse espaço que eu brincava. Então quantas crianças não devem ter brincado, hoje são adultos, e correram nesses campos. Maria: Ah, todo dia de domingo era uma festa aqui. Luís: Viu? Dia de domingo aí quando tinha jogo o povo vendia churrasco, vendia ao redor do campo, era cheio de gente vendendo as coisas. [Maria comenta algo incompreensível]. Dia de domingo dava mais de mil pessoas num campinho desses. Maria: Hoje em dia se não tiver um evento, pronto, é fechado. Gabriela: E o que o senhor sentiu quando construíram o ginásio? Luís: Não era uma coisa esperada, quando eu cheguei já tavam cercando, né? Aí quando eu fui lá [?] me falaram que eu não era cadastrado [?]. Luciano: E o campo concentrava as pessoas, né? Luís: Dia de domingo a festa que tinha por aqui Maria: A gente fazia panelada. Era aquele peixe no coco, era camarão e tudo a gente fazia

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Luís: A gente fazia uma vaquinha, quando terminava o jogo no final da tarde, né? Tomar uma, né? Luciano: Dona Conceição falou uma coisa interessante. Eu queria que o senhor, Seu Luís, falasse um pouco sobre o dia de jogo. Como era o dia de jogo aqui? Luís: Era... Luciano: Mas aí como era o dia de jogo? Vinha só jogador ou vinha também a família acompanhando? Fale um pouco sobre isso. Luís: Se vinha gente de fora, assim? [Luciano responde que sim] Era, era, vinha todo mundo. Maria: Depois do jogo alguns iam pra casa e outros vinham tudo pra cá. Porque aqui, por aqui, aqui na frente era cheio de gente. Tanto as mulheres sentavam, ficavam com os maridos e as crianças. E eles dançando tinha.. chegava com garrafa, era bomba, era tudo batendo aqui. Era uma alegria. Até nove/dez horas da noite. Gabriela: No domingo, isso? Maria: No domingo, era o dia todinho. Quando tinha torneio, pelo amor de Deus... A única coisa era o campo, depois que fez o ginásio acabou. Gabriela: A senhora falou no seu filho agora, aí eu não entendi direito. Maria: Meu filho ele ficou muito revoltado: “Mainha eu não boto mais o pé nesse ginásio” Luís: É porque também nunca apareci muito, não gosta de aparecer, me pediram para me candidatar ao conselho, não quero não. Maria: Porque toda tarde da semana tinha pelada deles aí. Toda tarde! De jovem a pai, menino. Teve um senhor aí que fazia grupo de crianças jogando. Mas toda tarde tinha pelada deles aí. Quando era no sábado era torneio. Fazia torneio no sábado e quando era domingo era o dia todo. [Seu Luís fala algo incompreensível] Vinha jogo de Nova Natal, do Soledade, do Alecrim, das Rocas. Aí acharam melhor acabar e fazer. Tudo bem que uma coisa é boa, uma coisa histórica, indo pra uma história bonita... mas por outro lado... Luciano: Me diga uma coisa Seu Luís, o campo, quando o senhor tomava conta, chegou a ser cercado alguma vez? Luís: Não. Luciano: Era aberto? Luís: Era Luciano: Chegou a ser gramado ou não? Luís: Não, não Luciano: Mas o senhor limpava? Luís: Acordava logo cedo, “nera”? Dia de domingo eu acordava logo cedo pra limpar. Maria: Logo cedo ele ia pra linha. Todo mundo reclamava, eu mesmo dizia: “No dia que Luís morrer eu vou enterrar ele ali no campo”. Porque era o café da manhã dele, logo cedo, cinco horas da manhã “tava” com a inchada cavando, fazendo um negócio lá que ele sabe. Colocava um cal ali ajeitando. Quando a trave caia, que às vezes uns maloqueiros passavam ali de noite e quebrava. Aí ele ajeitava, lá ia no menino pra emendar aquelas traves pra botar pra já no domingo “ta” pronto. E às vezes... ó cansou da gente ir buscar as traves do outro lado do colégio. Os caras passavam a noite quebravam e carregava. Aí eu via lá: “Ó Luís as trave tá do outro lado”. Luís: Eu ia buscar lá naquele colégio [???] Luís: É que ali tinha... No começo ali tinha uma churrascaria dia de sábado, aí quando o pessoal saia da churrascaria de madrugada era bagunçando. Matheus: O nome do Barcelona? Luís: Barcelona Futebol Clube. Matheus: Lembra da data de fundação dele?

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Luís: Foi mais ou menos em oitenta e dois, mais ou menos no meio do ano. Que começou mais ou menos com uns seis meses... Matheus: E quando o campo já estava pronto o conselho já existia? Aliás, o centro esportivo já existia? Luís: Já, mas não tinha campo não.[Maria complementa que só o conselho existia] Era só o conselho. Matheus: Mas tinha alguma relação com eles? Alguma coisa? Luís: Não no começo era só aqui. Aí quando foi com uns cinco anos a gente se combinou, né? Pra ficar, né... Fez uma reunião lá, né... Quando começou o campeonato, né? Luciano: As turmas se reuniam lá? Luís: É, se reunia lá. Matheus: Aí vocês tinham alguma ata? Luís: Não. Na reunião, né... Cada representante assinava uma ata, né? Luciano: Era uma espécie de liga esportiva, é? Luís: É, centro esportivo, né? Gabriela: Será que ainda há registro? Luís: Na FENAT ainda há. Luciano: É. É a Federação... Pode ser que tenha. Luís: É. Pode ter na FENAT... Sei que ainda tem os nomes dos times tudinho. Não tem campeonato mas o nome dos time “ta” tudinho ali. Luciano: Mais alguma coisa? Luís: Aí eu não sei, sei que o centro... Luciano: Seu Luís, me diga uma coisa, é... Esse tempo que o senhor chegou aqui, criou o campo, né? Em poucas palavras o que o senhor guarda dessa trajetória? De bom e de ruim. Luís: Não, pra mim foi bom, né? Porque era o divertimento, né, da gente e de outras pessoas, né, da comunidade. Matheus: E o Barcelona, o que representava para o senhor? Luís: Fazia parte “bem dizer” da família, né? Era tudo neto, era tudo de casa, né? Luciano: Então esses domingos de campeonato era uma festa aqui no bairro? Luís: Era! [Vozes femininas ao fundo atrapalham a gravação] Luciano: Pronto, então a gente vai encerrar aqui esta conversa, mas se tiver a possibilidade e necessidade a gente vai voltar aqui de novo pra conversar com vocês.

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19 - ENTREVISTA COM IVONALDO (SOMBRA)

[Na manhã do dia 13 de outubro de 2012, reúne-se, no conjunto Nova Natal, a equipe do programa Memória – Luciano, Matheus, Tyego, Marina e Gabriela –, juntamente moradores e lideranças comunitárias do conjunto Nova Natal]. Luciano: - Seu nome? Sombra: - Ivonaldo de Paula Condades [?] Luciano: - Bom, a nossa conversa agora, com o senhor Ivonaldo, é sobre o conjunto Nova Natal. Seu Ivonaldo, o senhor é conhecido como? Sombra: - Sombra. Luciano: - O senhor nasceu quando? Sombra: - 20 de julho de 1945. Luciano: - Quando é que o senhor vem morar aqui no Nova Natal? Sombra: - Em 82. Luciano: - Com quantos anos vem pra cá? Sombra: - 30 anos... tenho 67, foi com 37 anos. Vim pra cá com 37. Luciano: - O senhor veio morar em qual rua? Sombra: - Rua do Xique-Xique. Luciano: - Ainda mora nessa rua? Sombra: - Não. Com uma semana eu mudei para a rua do Fandango. Era um embrião ainda, ai não cabia nem a metade das coisas. Luciano: - E hoje, você mora nessa rua do Fandango? Sombra: - 30 anos já. Luciano: - Pode me dizer o número da casa? Sombra: - 3160. Luciano: - Bom, então o senhor chegou aqui há 30 anos atrás, veio casado, veio solteiro? Sombra: - Casado já. Faz 40 anos. Luciano: - Com filhos? Sombra: - Já tinha dois. Tinha um com 5 e a outra com 7. Luciano: - E como foi esse inicio de vida aqui no conjunto, o senhor morava aonde antes? Sombra: - Antes no Alecrim. Luciano: - Ai saiu do Alecrim, que é um bairro central, e veio morar aqui em 1982... Sombra: - É interessante que eu morava no Alecrim e arranjaram uma casa quase doada, no Soledade. Ai eu digo: “-Acho que não, Soledade é muito longe... não vou querer, não.” Ai passei para outro amigo meu, de grátis, né!? Ai, veio o tempo... fui sorteado no conjunto Nova Natal, muito mais longe do que o Soledade. Ai tou aqui, desde essa época. Aos trancos e barrancos. Luciano: - O senhor poderia, assim, descrever para a gente como foi essa sua primeira chegada aqui, o senhor, sua esposa, seus filhos aqui. Como era, como foi isso? Sombra: - Era o mesmo que é hoje. Trinta anos, a gente não se acostumou ainda. É dificuldade, assim... coletivo, sair daqui para ir para um canto lá... Luciano: - Coletivo, o senhor pegava aonde? Sombra: - Pegava lá em baixo, próximo ao Sarney, na entrada do Nova Natal. Ai depois passou para a rua da Chegança. Lá no final, quando era só um ponto lá. Todo mundo... era aquela briga para subir, havia até encrenca porquê um cara queria subir primeiro e o outro queria puxar. Começava aquele empurra-empurra. A gente descia lá pra vim pra cá, pra rua do Fandango... aqui próximo a rua

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dos colégios. Ia caminhando, era aquilo... parecia uma procissão, aquele mutirão de gente caminhando. Luciano: - O senhor chegou na rua Xique-Xique e depois foi morar na do Fandango, o senhor e sua esposa... os vizinhos também, tinham alguma referência em relação a esses nomes “Fandango, Xique-xique”? Já sabiam o que era isso? Sombra: - Pra mim... sabia por que eu trabalho como artesão, eu sou artesão, ai eu vivia dentro da cultura, né!? Sou compositor nato, nunca fui a curso. Eu faço a letra, faço a música e, graças a Deus, quando eu jogo para um cara que lê direitinho, diz “-Rapaz, tá dentro das simetrias”. É, alguém me deu o presente lá de cima, né!? Ai eu conhecia a história toda, pastoril... naquela época, em 82, não... em 76, por ai, mais ou menos, havia uma evolução (que hoje eu queria que voltasse novamente) da cultura, né!? Você ia assim, pronto, no Alecrim, Avenida 02 com a 06 tinha um evento. Era o quê? Pastoril! Em outra esquina era fandango, chegança... tudo fora. Quando eu vim para morar... chega eu... parecia que eu voltei para aquela época antiga, tava dentro do que eu gostava, né!? Cultura! Ai conheci até o doutor Delfino, fiz amizade com ele, que lamentável ele já foi, né!? Mas isso... a idade também ajuda. Luciano: - Mas era um defensor da cultura popular, né!? Sombra: - Delfino Gurgel... ele sempre me apoiou nas minhas exposições. Por isso que eu crie o “Sombra”, porque eu era abaixo dos outros. Na época, famoso era Mancha, Jordão, era Dorian... aquela turma todinha. E eu ficava lá na brechinha. De repente, eu tava numa [???] e “- Quem é sombra?”. Eu ficava por ali, na sombra. Eu nunca gostei de ficar na entrada galeria. A galeria era imensa, ali na praça André de Albuquerque existia uma galeria de arte ali. Gabriela: - De Djalma Maranhão? Sombra: - É. De Djalma Maranhão. Eu participava ali... eu nunca ficava na entrada. Minhas peças iam lá para o final. Luciano: - Então chegou a expor na galeria do povo, na galeria de arte da Praça André de Albuquerque... Sombra: - Participei. Participei do salão dos [???]... faz tempo pra caramba. Muitas exposições. Até para entregar uns currículo lá na Fundação José Augusto, participação até para deixar de lembrança para a turma, né!? Eu tou batalhando por aquela aposentadoria pela cultura, pela fundação. Tem a lei do patrimônio dos mestres. Ai dizem “-Não, mas você não está aposentado?”; Eu digo “- Não, eu tou querendo aquela...”. Eu tenho 40 anos de [murmúrios, incompreensivos] eu sou aposentado pela idade, só um salariozinho, se eu não trabalhar, né... Luciano: - Me diga uma coisa, esse artesão, esse artista, chega a morar no Nova Natal... e aqui no Nova Natal, consegue desenvolver a sua arte, consegue...? Sombra: - Eu achava que não. Eu fui para a cidade, aluguei um ponto ali na Rua Mipibu. Um ponto caríssimo, na época o equivalente, hoje, a quase R$ 200 de aluguel. Eu trabalhava lá. Ai comecei... um ano, dois anos, três anos... ai, vou fazer um teste no Nova Natal pra ver se dá certo. Comecei fazendo umas pecinhas. De repente eu tava faturando mais aqui do que lá. Eu digo: “- Não, vou pra lá mesmo, porque lá...” Luciano: - Estava faturando mais aqui do que... Sombra: - É. E era perigoso. Era Mipibu, eu tinha que vim por aquele colégio da Conceição, naquela Ulisses Caldas, ali à noite... eu via muito lance de assalto, muitas vezes eu ficava preocupado. Vinha pela Rio Branco, todo dia eu vinha por uma rua. E não era hoje, hoje está mais calmo... Luciano: - Você produz aqui... Sombra: - Eu produzo aqui. Trabalho para seis lojas, o Centro de Turismo... e daqui pra acolá eu recebo umas encomendas de [???]. É que eu não estou ligado nessas ondas de internet, ainda. Faço no boca-a-boca, né!?

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Luciano: - Mas, me diga uma coisa... a vida aqui no Nova Natal, a vida assim, movimentos culturais, aqui? Sombra: - Eu acho que não existe incentivo, pra cá, sabe... Luciano: - A gente tava falando da questão da escola de samba e o senhor estava dizendo que... Sombra: - Estamos tentando construir uma nova escola de samba aqui. O ano passado a gente até participou da chave C, subimos para a chave B. Esse ano vamos desfilar na chave B. Luciano: - Como é o nome dessa nova escola? Sombra: - É Asa de Ouro. Marina: - Essa é do Nova Natal? Sombra: -É do Nova Natal. Rua do Caracará. Na rua do “Pneu furado”, é arraial. Luciano: - É Arraial do Pneu Furado, é? Sombra: -Pneu Furado, é! Luciano:- Me diga uma coisa, Sombra, a escola, a Mocidade Independente, você participou dela no inicio? Sombra: - Eu era compositor da Imperador do Samba, em 78. Ai houve umas desavenças lá, negocio de um samba que eu fiz, um samba, ai na hora “H” botaram para outro samba. Ai eu fiquei naquela raiva. Eu faço amizade de 10 anos, mas acabo em 2 minutos. Ai, de repente eu me isolei, passei 10 anos sem participar de escola de samba. Não ia nem na avenida. Ai em 88, não sei quem foi que soprou no ouvido do Novais, disseram que eu fazia samba. Eu “Não, rapaz... faz 10 anos que eu abandonei.” “-Não, porque estão querendo fundar uma escola no Nova Natal... assim, assim...” Ai me apontaram para ser o pai do samba. Ai eu vou, se der certo... Fizemos ensaio na quadra. Não sei se Paulo se lembra. Jogaram pedra, jogaram areia, na gente lá... A gente ensaiando e os meninos jogando pedra. Achavam que aquilo era um negocio tão [prolongado]... mas, de repente um disse “Não, vamos ensaiar mais não.” “- Não! A gente tem que ensaiar lá! Que é para fazer como a catequização. Catequizar esse povo, para saber que aqui é um...” Ai tentamos de novo, jogaram de novo... Na terceira vez ensaiamos e já tinha gente que jogava pedra e já estava sambando com a gente, pulando. Eu digo: “- Olha aquele menino que jogava pedra, tá ali ele... sambando ali.” Ter minou sendo baterista, ritmista principal. Luciano: - Essa quadra desses ensaios, ficava aonde? Sombra: - [???] mesmo local. Mas é estragada de mais. De dois em dois anos, três em três... eles ajeitam. Naquela época era oito, quatro anos... A gente que comprava cimento para tampar os buracos pra a gente... Luciano: - Ai ficou na escola até... Sombra: - Ficamos até seis... uns oito anos ainda, não foi? [Pergunta a Paulo] O pessoal foi indo, com problema de negócio de bebida, de [???]... Começou a beber de mais, começou até a vender instrumental, tive que colocar ele até na polícia ainda. O instrumento não era dele, era da comunidade, era [???]. A gente criou e foi conseguindo com o comércio, a ajuda todinha. Só sei que existiu um instrumental por ai que banda esta tomando conta. Diz que ele doou, não sei. Diz que tá só emprestado, né!? Estamos tentando descobrir se existe esses, pra a gente pegar para a nova escola, né!? Luciano: - Os componentes da escola, eram todos da comunidade? Sombra: - Todos da comunidade. Tinha uns dois ou três, na época do carnaval mesmo, que a gente ia... era pequenininha, ai nas Rocas, pegava um grupo de bateristas e botava no meio. Assim mesmo, mas a maior parte era do Nova Natal mesmo. E até hoje eu tou convidando todos os veteranos, os veteranos [???] desses. Ai eu tou convidando o pessoal que já participou, para participar novamente... pra vê se a gente cria alguma coisa cultural.

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Luciano: - Durante essa existência da escola, tem algum evento aqui no conjunto em que a escola tenha participado, desfilado... ou ela só desfilava... Sombra: - Só lá do outro lado. Até a gente fazia, tipo “Vamos, vamos... primeiro desfilar aqui para poder...” Acho que foi isso que tirando, poderia ter que o pessoal gostava, ia gostando, se chegando... Mas não, eles ensaiam para jogar na avenida. E acabou-se, pronto! Eu tou incentivando isso agora, digo “- Vamos fazer como se faz num arraial. Sempre não faz aqueles ensaios, né!? Vamos fazer esses ensaios num canto, na rua, fazer a apresentação aqui na avenida, mostrar o que a escola tem, tudo... pronto!” Fica mais fácil do pessoal se entrosar com a gente. Mas não, apronta a escola, ninguém vê nem as fantasias, se quiser ver vai lá pra Ribeira, pra ver as fantasias. Eu não queria que fosse desse jeito. Mostrasse para a comunidade, desfilar, conseguisse com o comércio... porque conseguia até com o comércio a ajuda. Aqui acolá eu faço um evento, os caras do [???] vem. Eu digo: “- Não, deixa que eu vou lá e consigo...” Ai eu vou lá e os caras sabem quem sou eu, alguns sabem, tem uns que ainda duvida... Luciano: - O senhor falou também, assim rapidamente, do arraial, né!? Que a nova escola... Sombra: - Aqui nós temos dois arraiais, né!? Do Pneu Furado e Renascer, que é um tradicional mesmo daqui desse setor aqui [???] Marina: - Esses dois são daqui do Nova Natal? Mas, o senhor sabe se nas outras comunidades também tem esses arraiais? Sombra: - São do Nova Natal. Eu acho que... o Nossa Senhora da Apresentação é Lagoa Azul, né? Marina: - Não... Sombra: - É não? Pensava que era... qual é o quadrante do Lagoa Azul? Luciano: - Lagoa Azul é da linha do trem para essa nossa direção aqui. Sombra: - Cascudo, Boa Esperança, né? Luciano: - Boa Esperança, Cascudo, Gramoré... Sombra: - Boa Esperança tem a de [Aponi], como é o nome da dela? Como é... Luciano: - E escola de samba, lembra de outra? Sombra: - Tem do Gramoré. Luciano: - Gramoré tem? Sombra: - Gramoré... foi quando eu parei aqui e fui pra lá... pro Gramoré. Luciano: - E como era lá no Gramoré? [alguém pergunta o nome da escola do Gramoré] Sombra: - Fui até campeão com um samba. Unidos do Gramoré. Gabriela: - Vocês têm algum contato de alguém de lá? Sombra: - Tenho. Temos sim. Inclusive quando terminou aqui [???] eu fui trabalhar pra lá. Eu lembro todas as letras. Eu ainda levei tudinho. Ainda levei 200 componentes daqui pra lá. Luciano: - E lá no Gramoré, quem é o responsável? Sombra: - Laércio... Laércio. Ele hoje é assessor de Hermano Morais. É fácil de localizar ele porque ele trabalha com Hermano. É só “-Quem é Laércio?” Ai ele... Luciano: - Ainda tem esse contato do Laércio? Sombra: - Eu tinha. Acho que ainda tenho em casa. [murmúrios] Esses caras partem para ser alguma coisa e mudam o telefone. [risos] Luciano: - A sua produção, as suas peças... essa aqui é uma delas? [mostra estatueta de São Francisco que o entrevistado levou] Sombra: - Essa aqui é uma delas. [murmúrios] Luciano: - Me diga uma coisa, esses... Sombra: - Eu trabalho mais com entalhe, mas entalhe começou a cair e eu inventei de começar a trabalhar com escultura. Ai deu certo. Vejo um tronco no meio da rua, um galho, ai vou e levo pra

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casa pra fazer carranca. Essa aqui [mostra uma fotografia] encontrei num buraco no meio da rua, esse galho aqui. Trabalho com os carroceiros... Luciano: - Vamos continuar a nossa conversa, que é sobre a história do Lagoa Azul. Estamos aqui com o senhor Sombra. Uma curiosidade: a comunidade, o senhor sente, assim... o senhor trabalha aqui na comunidade... as pessoas tem apreço pelo Sombra, tem como referência? Marina: - Elas conhecem? Sombra: - Conhecem! Conhecem! As vezes passam e dizem “- Eu tive em tal canto e vi um trabalho teu lá.”; “- Meu, você viu o nome, é?”; “- Não, é porque eu já conheço suas peças...”. Eu criei uma imagem meio comprida. Você nota que o santo poderia ser até aqui, né? Ai eu estiquei. Estiquei e deu certo... ai eu criei esse estilo. Todo canto que tem uma peça comprida o pessoal já sabe que é do Sombra. Por que é uma coisa aumentada. Mas é conhecido, já. E eu tou trabalhando no fundo do quintal, né?! Consegui aquela reforma das cosas, puxei minha oficina para frente, ai sempre eu estou olhando a calçada e a pessoa já “- Ah, tu trabalha com isso...” tem gente que ainda diz assim. Trabalho com isso. “- Porque eu vejo você fazendo eventos, evento de futebol...”; “- Não, mas trabalho com isso aqui, vivo disso aqui. Fazer isso aqui.” Luciano: - Falou agora de futebol. Chegou a participar de algum... Sombra: - Eu tinha uma equipe de futebol, na época de 90. Era o Ceará, minicampo. Na época que o minicampo aqui era coqueluche. Você ia num campo grande e não tinha ninguém. Ai quando você ia ali para a Mote E Glosa, onde é a quadra, tem um minicampo, ali era lotado, né!?. Domingo o cara já sabia que ali tinha pra ir. Mas houve aquela... Gabriela: - Essa quadra era onde? Sombra: - É na Mote E Glosa. É o centro de Nova Natal mesmo. Gabriela: - Mas você chegavam a ir naquele campinho que tem no Gramoré? Luciano: - Onde é o ginásio, ginásio Nélio Dias, ali tinha um campo. Sombra: - Tinha um campo. A gente levava os times para jogar lá. Gabriela: - Sabe como era o nome de lá? Sombra: - Sei não. Sei que existia campeonato lá e tudo. Quem vai conseguir isso ai é Laércio. Paulo: - Tinha o de lá e o de daqui do [???]. Sombra: - Tinha o de Silas, mas era no Gramoré. [murmúrios] É... esse campo aqui era uma beleza. Luciano: - Já que a gente tá falando sobre futebol e campo de areia... ai veio as quadras, vieram o ginásio, campo gramado... pela sua vivência, a comunidade está usando mais o campo hoje ou mais quando era só areia. Sombra: - Areia. Era mais. Acho que existia mais incentivo, eu acho. Hoje no campo é a maior luta para você conseguir um jogador, um cara que jogue aqui. Ele vai para o interior, jogar no interior. Daqui vão para outras comunidades daqui. Como aquele ditado antigo, “Santo de casa não faz milagre.” Ai vai lá na outra comunidade, trás pra cá... você tem uma equipe arrojada aqui, né!? Quando você olha “- O pessoal é do Nova Natal?”; “- Não, esse aqui é de Massaranduba, esse é de Macaíba...” é assim, a maior parte é tudo assim. Sei lá, eu acho que eles não acreditam nos daqui, entendeu? Luciano: - E a comunidade, ela participava dos torneios? [murmúrios] Sombra: - Participava. Participa ainda, quando tem torneio. Chega no campo é... agora eu acho ainda que falta incentivo ainda, né!? Na época de antigamente, eu peguei uma época de artesanato bom mesmo (porque hoje... eu para... tirava por semana na facha de uns R$ 500, R$ 600... por semana, hoje para fazer uns R$ 200 é uma trabalhada violenta, R$ 250 por semana. Ai a gente estranha) num nível mais ou menos eu cheguei a ajudar quatro equipes aqui. As vezes o pessoal perguntava “- Sombra, qual é o teu vereador?”, eu digo “- Vereador? Não, eu trabalho com Hermano Morais, não tem nada de participação de vereador aqui, não. É tudo do meu bolso.” Do artesanato

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que eu faço, eu tiro isso... vou vender dez peças, fazia o quê? Fazia quinze! Porque com essas cinco aqui eu vou ajudar no esporte , né!? Eu fazia assim... com aquele dinheiro eu não contava, contava com das dez daqui. Então ajudava, eu dei para a equipe do Nossa Senhora da Apresentação, Boa Sorte, João Paulo... eu ajudei também João Paulo, o Guarani... que era do Jardim Progresso, então era quatro equipes que eu ajudava. Teve uma equipe uma vez que para entrar em campo eu tive que tirar R$ 115, que eu acho que hoje era quase R$ 1.000 [murmúrios], para o time entrar em campo tinha que pagar essa taxa. Ninguém apareceu. Eu digo: “- Não, já tou nas oitavas, vou ter que ir...”. Ai, por azar, perdi! [risos] Paguei para perder. Mas jogou... [murmúrios incompreensivos] As vezes a mulher lá em casa diz assim: “- Tem espírito de rico.”, eu digo: “- Não, porque eu gosto de ajudar a comunidade!” As vezes o pessoal vinha aqui de repente, vinha Sônia, que era uma das presidentes daqui, conhecida... Tinha evento de [Formiga?], que era outra candidata, ai eu tava em todos eles. Ia lá, fazia a locução da festa, cobrindo a festa toda. “- Tá em qual lado, de Sônia...”; “- Eu sou do Nova Natal! Quem me chamar eu vou...” Vou voluntário, não cobro nada. Se alguém me chamar. Luciano: - O senhor disse que era Nova Natal, você notava que existia, não sei se hoje existe, mais ou menos, rivalidades e preconceitos em relação aos outros lugares dentro do Nova Natal? Sombra: - Eu acho que ainda existe. Mas existia muito antigamente, né!? Quando a gente dizia que morava no Nova Natal... “- Vixe, tu mora no Nova Natal?”, chegaram a criar até um nome aqui para Nova Natal... é... Existia uma novela que tinha uma cidadezinha que era Asa Branca, era essa assim, mais ou menos... E nessa novela tinha um bairrozinho como que hoje é Ceará-Mirim, e lá era “de lá pra cá e daqui pra lá”, né!? As mulheres enganavam os maridos... ai acharam Nova Natal e botaram esse nome. “- Rapaz, tu mora lá?”; “- Moro! Com muito orgulho.” Ai, de repente, começaram o pessoal a vim pra cá, eu digo “-Ah, rapá, tá morando aqui já? Tinha maior medo de Nova Natal...”. Tem um professor que ele ensinava na faculdade e botaram ele para ensinar no Paulo Pinheiro aqui. Ai um dia, eu conversando com ele, ele disse “- Rapaz, eu tou lá no Nova Natal. Eu tou com mó medo, fico só me abaixando assim na escola...”; Ai eu digo: “- O que é?”, “- Não, por causa das flechas!”, eu digo: “- Me aguente... me aguarde, viu!”. Ai um dia ele tava ai e eu cheguei... “- E ai, Barão...” (chamava ele de Barão, na universidade, ele ensina na universidade), “- Diga aí, Barão. Tudo bom? Deixa eu apresentar aqui os índios do Nova Natal...”, bem uns oito. Rapaz! Esse cara era branco, ele ficou vermelho. Mas eu digo: “- Não, mas aqui é tudo de paz! Só apresentar para você ver que os índios daqui são tudo civilizado já.” [murmúrios] No outro dia ele me encontrou. “- Tu é doido? Um negócio daquele. Fiquei com tanto medo que eu quase molhava minhas calças.” [risos] Pronto, ai ele deixou de... fiz mesmo! Eu fiz só para ele ver a reação dele. Ele tinha preconceito. O pessoal tinha. Tinha professor que quando era indicado para cá, não vinha! “- É Nova Natal? Vou não!” Luciano: - Me diga uma coisa, você é morador aqui do Nova Natal... Nova Natal faz parte do Lagoa Azul e hoje é uma região importante para a cidade com relação à Zona de Proteção Ambiental. Você nota algum movimento, alguma coisa relacionada à preservação ambiental, ou isso não? Sombra: - Acho que tem gente que nem sabe o que é isso. Gabriela: - Mas o Conselho Comunitário, a Associação de Amigos... têm alguma ação voltada? Sombra: - Acho que agora [murmúrios] acho que tá existindo agora. Eu acho que agora, eu acho... Mas muitos e muitos que entraram ai não tinham. Hoje você já vê eles assim num espaço, podando, eles mesmos, limpando... Antigamente você não via ninguém. Tinha que esperar pela prefeitura vim fazer. Quanto... Eu criei na minha rua, eu criei uma onda agora de “Pinte o meio-fio que eu mando pintar!”. Pra quê? Pra ver se eu vejo aquela rua pintada. O presidente do conselho me deve até isso, até hoje. Eu digo: “- No dia que você for eleito, no primeiro trabalho do senhor, eu quero que o senhor limpe a minha rua!” Não quero nem a minha casa. Quero a minha rua, limpe a minha rua. Até hoje ele tá me devendo. Fiz isso ai, tai o filho dele, eu disse a ele. Ai “- Vou fazer. Vou limpar, vou

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mostrar que vou limpar!”, “-Então limpe!”. Tão limpando já os meio-fio, vou pintar tudinho... porque antigamente, nós morávamos na rua mais limpa que tinha no Nova Natal. Rua do “Iruaçu”. Luciano: - Rua do Açu? [verificar nome] Sombra: - Rua do Açu. Tinha um senhor lá, seu Raimundo, não sei se já faleceu, sei que ele não apareceu mais... Sei que era de ponta à ponta. Ele se organizava com a gente. Ele morava aqui. Eu digo: “- Olhe, eu vou limpar a frente da sua casa. Você compre um saco de cal, pra gente pinta.” O pessoal das casas dava o dinheiro... e era a rua mais limpa. Você passava era pintadinha. E as casas da rua do Fandango era do mesmo jeito. Tudo pintadinha. Não pinto o Nova Natal, mas a minha rua tem que ficar... Era como dava. “- E tu vai gastar o teu dinheiro?”, digo: “- Não, vou batalhar. Quando os candidatos ganharem eu vou atrás deles, para eles me darem esse cal. Se eles não derem eu compro.” Luciano: - Me diga uma coisa, só para a gente finalizar, com relação à Lagoa Azul, o senhor chegou a frequentar também a Lagoa Azul? Sombra: - Frequentava. Mas depois começou os problemas lá, complicado. Você não podia ir a tarde, tinha que ir de manhã. Luciano: - Por quê? Sombra: - O pessoal assaltava. Chegaram até a tomar moto, bicicleta lá... ai as pessoas se afastaram mais. Eu acho que, sei lá... não colocaram lá no plano da prefeitura. Eles não sabiam nem que era... [Paulo diz “- Que tinha.”] Que dava para armar até barracas. Os cara colocava até barraca, né!? Para vender bebida, lanche, tudo... Era bem organizadinho. Se a prefeitura tivesse dado uma [ênfase ?] ali, bem dentro do esquema, hoje tava a Lagoa Azul como ponto turístico. Luciano: - Tinha barraca na lagoa? Sombra: - Tinha barraca e tudo! Lanche, comida... o pessoal leva até panela comida. Feijoada, esses negócios. Ai começou esses acidentes. O pessoal via que ia muita gente, aqueles vagabundos que moravam por ali, e na época veio o pessoal do Mosquito, veio da favela de não sei aonde, do Fio. Vilma construiu um conjunto, o Nova Jerusalém, ai trouxe aquele povo todinho para cá. Apesar que hoje nenhum mora ai. Venderam tudo as casa e foram para outro canto. Só fizeram receber e se mandar bem, depois de dois anos. Ai pronto, isso ai diminuiu o movimento. E hoje está voltando. Já criaram uma... tem até uma “banhara”, né!? Luciano: - Mas hoje é fechado, né!? Sombra: - É. A gente paga. É fechado. O espaço eu não sei se ele comprou um pedaço da lagoa, que é aquele espaço ali. Tem que passar, tem que entrar ali, porque ele fechou. Se invadir eles... Tyego: - O senhor pode falar novamente da matéria prima que o senhor usa nas suas obras? Sombra: - A matéria prima... eu usava material de primeira. Por exemplo: cedro, era uma madeira que eu usava, cedro, o louro, louro-canela.. ai eu tinha que sair daqui para o Alecrim, para Igapó, para... Ai eu digo: “- Rapaz, eu tou perdendo tempo!” Ai inventei de pegar um caibro, né!? Ai comecei a trabalhar. No caibro dá para fazer, ai fiquei comprando caibro. Faço trabalhos em linhas, essa linha principal. Eu faço. Tem peça que eu faço em 1,40m, é uma linha de caibro, 3x4. Ai começou o negócio de conhecendo o material, parti para o cabo de vassoura. Tá aqui! [mostra o santo que trouxe] Cabo de vassoura. Gabriela: - Isso é cabo de vassoura? [surpresa] Sombra: - É cabo de vassoura. Ai tou na reciclagem, né!? Ai eu vou, pego o pessoal de carroça, com aqueles móveis coloniais, aquilo ali é [Iguia], aquela madeira preta. Ela... o bicho não penetra nela, não! De jeito nenhum. Eu digo: “- Quando você encontrar esse móvel que a madeira é preta, pode trazer que eu compro.” Ai comecei a comprar, esses móveis. Até hoje tem um montão lá, essas coisas. Eu lavo tudinho direitinho, guardo. As vezes o pessoal joga até no lixo, aqueles móveis, negócio que é só cobrir um pouquinho. Ai vão para uma loja e compram uma cadeira que quando

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lava a casa a cadeira começa a ficar com o pé dessa grossura. Começa a inchar, porque é papel. Aquilo é imprensado. E Nova Natal tem muita coisa. O pessoal hoje junta também latinha, junta latinha... vende. Tem camarada que eu vejo que tava mais ou menos, com os pacotes de latinha para vender. Para não perder. Reciclarem, rapaz. Eu já ensinei demais, hoje não tenho mais paciência para ensinar, não! Eu já ensinei na FEBEM, meninos de rua, penitenciaria, tudinho. Agora, o que mais pegou pra mim foi menino de rua. Cheguei lá eram aqueles meninos de tudo com uns 10 anos, outros assim... Ali, lá na... no Albergue Noturno, seu João que tomava conta nessa época. Ai, “- Sombra, não quer dá umas aulas aqui? [???]”, ensinei quatro meses ainda. Fiz um curso por quatro meses com os meninos. Tinha um, o mais ruim da turma todinha, foi o melhor terminando o curso. Ele pegava a ferramenta e queria cutucar o outro, assim. Eu digo: “- Rapaz, isso corta!”, ele disse “- Eu sei, professor, que corta. Ele fica bulindo comigo. O que eu vou fazer?” Ai comecei.. tan... tan... tan... Eu fazia uma pecinhas, botava... Ai desenhei o nome “Mãe”, digo: “- Olhe, você vai cortar aqui bem direitinho, para ficar o nome “Mãe”. Faça de conta que é a sua mãe...”. Ele olhou pra mim, “- Não! É um pedaço de pau, não tem nada de minha mãe aqui.”; “- Não tem o nome dela?”, ele disse “- Tem. Tem o nome, mas minha mãe não. Minha mãe não é pau, não!” [risos]; Aquilo foi catequizando eles, sei lá... no final, a melhor peça que foi feita foi a dele. Primeiro lugar. Seu João me chamou, “Sombra, vem cá... o que foi que você fez com o Sueldes?” Era logo o Sueldes, “nó-cego”. Ai eu digo: “- Não, apenas fiz isso, e isso...”, me lembrei do começo que eu fiz, né!? Usei esse termo e deu certo. Até hoje agradeço. E da turma lá, dos 40, escapou 20. Porque 20 virou bandido, ali na cidade, naquelas ruas. [murmúrios incompreensivos] Eu [???] dez melhoraram um pouquinho, e ele foi vencendo. Tem até um canto ai que ele ensina, é professor de artes e tudo. E era o mais ruim da turma. Quer dizer... o Nova Natal ainda tem muita coisa para a gente ainda. Quando o senhor for embora quero ver um bocado ainda... Luciano: - Vamos registrar tudo isso ai. [A entrevista foi encerrada neste momento, porém o áudio não está compreensivo, alguns segundo de barulho e o inicio da entrevista com o senhor Zico.]

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20 - ENTREVISTA COM GERALDO (ZICO)

[Na manhã do dia 13 de outubro de 2012, reúne-se, na Associação de Amigos de Nova Natal, a equipe do programa Memória – Luciano, Matheus, Gabriela, Marina e Tyego –, juntamente com Geraldo, o Zico, morador do conjunto Nova Natal]. Luciano: Qual o seu nome completo? Zico: Geraldo Pinheiro [?] da Silva Luciano: Qual é a sua idade? Zico: 49 anos. Luciano: Veio morar quando aqui em Nova Natal? Zico: Rapaz parece que foi em 85. Luciano: Qual rua? Zico: Rua Chico Santeiro. Luciano: Você mora nessa rua ainda? Zico: Moro ainda em Nova Natal, mas em outra rua, Rua Sasartraz [?]. Luciano: Qual o número da casa? Zico: 907. Luciano: Quando você chega aqui, você vem casado? Zico: Não. Vim solteiro. Luciano: Veio com os pais? Zico: Não. Com minha irmã. Luciano: E antes, vocês moravam aonde? Zico: Antes eu morava no interior. Luciano: Qual? Zico: Poço Branco. Luciano: E como é esse jovem de Poço Branco quando chega aqui? O que é que você encontra aqui em Nova Natal? Zico: Foi através de família, através da minha irmã, eu estava sofrendo lá trabalhando como vaqueiro, trabalhando com gado, né? E ela viu eu me acabando lá, e fez: - “Vou levar meu irmão pra Natal”. Eu vim com 19 anos. Luciano: Você começou a trabalhar em algum lugar? Zico: Com pintura. Luciano: Como foi a sua relação com o futebol? Zico: Rapaz, minha relação com o futebol foi de natureza mesmo, eu jogava lá em Poço Branco, aí eu cheguei aqui sem conhecer ninguém, né? Fui conhecendo através do futebol mesmo. Foi o futebol que amostrou a maturidade do sentido do esporte, aí eu comecei a jogar e o pessoal: - “Esse caba joga bola”, aí um time me chamava, outro time também, aí eu escolhi o que eu queria. Aí eu digo: “Vou jogar no time de fulano de tal!”, em todo jogo que a gente jogava tinha um: “Olhe, cuidado com aquele cara lá”. Em outros times tinham muito jogador conhecido aqui em Nova Natal, numa faixa de uns 5 ou 6 jogadores famosos, bons! Naquele tempo existia tradição aqui em Nova Natal. O cabra deixava até de ir pro Castelão pra ficar aqui de “charanga”. No mini-campo era muita gente e quando tinha jogo lá o campo era rodeado de gente. Luciano: Você chegou a jogar em qual time? Zico: Rapaz, aqui eu joguei no Alecrim, no Santos, no Botafogo. Todos eles eram daqui de Nova Natal.

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Luciano: Você consegue lembrar os nomes dos times que jogaram aqui? Zico: Tinha vários times, o CRB, o Vasco... Na faixa de 14/15. Tinha terno, eu ganhava chuteira... Gabriela: Esse campeonato era só com os times daqui de Nova Natal ou de Lagoa Azul? Marina: Tinham, por exemplos, times do Gramoré participando do campeonato? Zico: Tinha de Extremoz... era um rolé grande. Luciano: Nessa época quem organizava o campeonato era o Centro Esportivo? Zico: ... Severino. Luciano: Como era isso, depois do futebol, pós-jogo havia alguma confraternização? Zico: Tinha uma praça boa aí, o pessoal costumava se reunir... chamava de barca. Luciano: O que é essa barca? Zico: O time que eu jogava, eu sempre todo ano era campeão aqui. Uma vez, foi quatro vezes campeão, pelo Alecrim, direto. Luciano: Você foi convidado para os times ou escolheu em que time jogar? Aí se inscrevia no campeonato? Zico: Se inscrevia no campeonato, o cara me oferecia uma chuteira e tava tudo certo. Luciano: Existiam reuniões? Existiam sedes? Zico: Existia. Era na casa deles (dos presidentes dos clubes) mesmo. Tinha carteirinha como atleta. Até eu cheguei a sair de Nova Natal, passei cincos anos lá no [?], passei cinco no Igapó em um time só. Luciano: ah, você foi chamado pra lá também? Zico: Foi. Participei também de um campeonato lá em Assu? Fui escolhido pra jogar no Alecrim no tempo que Aquino Neto usava [?]. Tinha muita gente que jogava no tempo de Aquino Neto que tinha muita chance de ir pra qualquer clube desse aí e ir “simbora”, entendeu? O pessoal naquele tempo era muito interessado no futebol, hoje você quer ir para um campo desse aí e não sabe nem quem é o jogador, não tem aquele “furdunço” de: “Vamos entrar pra jogar!”. Teve um tempo que o pessoal dos times tinha essa rivalidade, fazia panelinhas, quando a gente via montava a seleção e deixava um de fora. Quem tinha uma bola canarinho naquele tempo era bom demais. Tinha dinheiro, né? Bola dente de leite... Hoje, por isso, que eu estou me expondo a ter esse sacrifício todinho pelo futebol, porque quando eu era adolescente eu passei por isso, eu queria uma bola pra jogar e não tinha uma bola “pra mim” jogar. Luciano: Hoje você tem uma escolinha? Como é essa escolinha? Zico: Escolinha sub-15. Até 15 anos eu trabalho com ela. Luciano: Vocês treinam aonde? Zico: Até o ano passado a gente vinha treinando, aí fomos expulsos do campo. A gente não podia mais participar dos campeonatos. Fizeram uns arrumados lá dizendo que iam ajeitar o campo e depois que ajeitassem o campo a gente voltava de novo. Quando foi pra gente voltar de novo aí: “Não, aqui vocês não podem entrar mais, porque os meninos acabam com o campo, a gente não tem gente pra ficar gastando campo com vocês aqui não, porque vocês não têm futuro a dar não”, a verdade foi essa. E a gente não tinha dinheiro pra pagar o campo. Ele tava vendo só pro lado do dinheiro e pra escolinha nada. Quatro escolinhas, tudo jogam lá, que é os bichinhos de 10 anos...

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FICHAMENTOS (BIBLIOGRÁFICOS)

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1 - A GEOGRAFIA ELEITORAL NA ZONA NORTE DE NATAL: contornos socioeconômicos e evolução do voto nas eleições municipais de 1996, 2000 e 2004 nos bairros do potengi e lagoa azul. 1 – Identificação: Autor: DANTAS, Manoel Ronaldo. Título: A GEOGRAFIA ELEITORAL NA ZONA NORTE DE NATAL: Contornos Socioeconômicos e Evolução do Voto nas Eleições Municipais de 1996, 2000 e 2004 nos Bairros do Potengi e Lagoa Azul. Dados da Edição: Monografia (Bacharelado em Geografia) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Departamento de Ciências Sociais. Localização: Acervo SEMURB; UFRN Condições de leitura: acessível para consulta; Observação: Será fichada a parte “Natal e as características dos bairros do Potengi e Lagoa Azul e dados socioeconômicos” Recorte temporal: décadas 1990 e 2000. 2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação: X

Ações sociais:

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

Caracterização e equipamento:

X

X

Outras: 3 – Resumo: CAPÍTULO III - NATAL E AS CARACTERÍSTICAS DOS BAIRROS DO POTENGI E LAGOA AZUL E DADOS SOCIOECONÔMICOS 3.1 – Natal e Crescimento Demográfico em Direção à Zona Norte O autor inicia o capítulo falando sobre o impacto que Natal sofreu após a 2ª Guerra Mundial, citando, a partir de dados obtidos com a Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão Estratégica – SEMPLA, através do Programa de Desenvolvimento Integrado da Região Norte – PRONORTE, que a população chegou aproximadamente 98.000 e ganhou um número mais expressivo de equipamentos urbanos. Entretanto, é após a década de 50, no decênio 60/70 e adiante, explica DANTAS, que começa uma expansão efetiva em direção a Zona Norte de Natal, graças à construção de vários conjuntos habitacionais, através da COHAB e do PROMORAR e também após a implantação do distrito industrial Natal/São Gonçalo do Amarante. Nas décadas de 1990 e 2000 esse crescimento continuou, mas a expansão se deu pelo surgimento de loteamentos e invasões de áreas públicas e

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privadas. O autor ainda se utilizou do Censo Demográfico 2000 e destacou as seguintes informações acerca da região: Sua população é composta por 244.743 habitantes, conforme o Censo Demográfico de 2000, com um taxa de crescimento populacional de 12,43%, no período entre 1980 e 1991, e de 66,66%, no período de 1991 a 2000. Ocupa uma área de 5.768,66 hectares; sua densidade demográfica é de 42,43 habitantes por hectare e tem um total de 59.721 domicílios ocupados. (DANTAS, 2004). 3.2 - Os Bairros do Potengi e Lagoa Azul O autor, nesse tópico, dá informações históricas e geográficas sobre os bairros do Potengi e de Lagoa Azul. Com o intuito de focar no objeto da pesquisa recente do Programa Memória, serão destacadas somente as informações levantadas acerca do segundo. O bairro de Lagoa Azul é um dos bairros mais recentes do município de Natal: foi oficializado em 05 de abril 1993, através da Lei nº 4.328. Ele conta com a maior área (1.299,90) hectares entre os bairros do município e possuía, em 2000, 50.413 habitantes, sendo o terceiro bairro mais populoso da Zona Norte. O bairro conta com três conjuntos habitacionais: Nova Natal e Gramoré (1983) e Eldorado em 1991. Além desses conjuntos, já na divisa com Extremoz, vem se desenvolvendo a comunidade de Gramorezinho, que possui características mais rurais. 3.2.1 - Dados Socioeconômicos O autor aponta que, em 2000, no bairro de Lagoa Azul, existiam “10.669 pessoas com rendimento, responsáveis pelos domicílios particulares permanentes” (DANTAS, 2004). O rendimento mensal médio do bairro ocupava a 29° posição entre os 36 bairros da capital. 3.2.2 – Situação Educacional O autor classificou da seguinte maneira o bairro de Lagoa Azul em termos do nível de escolaridade: “66% dos eleitores responsáveis pelos domicílios têm baixa instrução, equivalente ao ensino fundamental, 33% têm nível médio e 1% possui nível superior” (DANTAS, 2004). Aqueles classificados como “baixa instrução” são os que possuem no máximo sete anos de estudo, os de “média instrução” possuem 8 a 14 anos de estudo e o último grupo, “instrução superior”, a partir de quinze anos de estudo, no mínimo. Ele ainda acrescenta que “Lagoa Azul [...] é o bairro de menor renda e de menor nível educacional” (DANTAS, 2004) da Zona Norte. 3.2.3 – Os Eleitores dos Bairros e as Eleições de 1996, 2000 e 2004. Quanto aos eleitores do bairro de Lagoa Azul, em 1996 esses somavam 32.856 eleitores. Reunindo os percentuais de votos por candidato, Dantas expõe os seguintes dados: 41% votaram na candidata Vilma de Faria da coligação Frente Democrática Pela Vontade do Povo (PSB/PFL/PCB/PTB E PV); 30%

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em Fátima Bezerra, da coligação Frente Popular de Natal (PT/PPS e PC do B); 23% votaram em João Faustino Neto, da coligação Unidade Popular (PSDB/PPB); 3% em José Geraldo dos Santos Fernandes (Geraldo Forte) do PRP; 2% para Leonardo Arruda Câmara, da coligação Vitória do Povo (PDT/PRN/PSD); 0,3% em Dário Barbosa de Melo (PSTU). (DANTAS, 2004). O resultado visto em Lagoa Azul aponta para uma disputa mais acirrada entre Fátima Bezerra e Vilma de Faria nas eleições de 1996, já definindo um cenário para o segundo turno. O autor também percebe um fato curioso: os grupos tradicionais da política norteriograndense, os Alves (PMDB) e Maias (PFL), não apresentaram nenhum candidato ligado diretamente a eles para disputar a prefeitura, se limitando a dar apoio e a participar em coligações. Dantas também aponta que a eleição de 1996 é marcada pela disputa de partidos progressistas e que, pelos seus estudos, tanto o bairro de maior status socioeconômico da capital, quanto o de menor, votou em partidos progressistas. Nas eleições de 2000, como 1996, os partidos tradicionais não indicam candidatos cabeças de chapas, mas se integram nas coligações existentes: O PMDB (Alves), mediante acordo firmado para as eleições de 2004, apóia Vilma de Faria (PSB), indicando Carlos Eduardo para viceprefeito, em coligação formada pelo PSD/PMDB/PAN/PMN/PL/PPB/PPS/PSD e PV. O PFL (Maia) apóia a candidata Sonali Rosado Cascudo (PSDB), cabeça de chapa na coligação composta pelo PSDB/PFL/PRN/PSL e pelo PTB. Fátima Bezerra é pela segunda vez indicada pelo PT para disputar as eleições municipais na coligação composta pelos partidos PT/PDT/PVB/PC do B/PHS e PT do B. (DANTAS, 2004). Os outros candidatos, pertencentes à partidos menores, não chagarem a ter votações expressivas e não atingiram sequer 1% dos votos. Vilma de Faria venceu a eleição ainda no primeiro turno, obtendo 53% dos votos. Vale dizer que, nessa eleição, os institutos de pesquisas estimavam que nessa eleição cerca de 80% dos prefeitos iriam se reeleger. No bairro de Lagoa Azul, Vilma também obteve uma superioridade expressiva, entretanto, Fátima obteve uma pontuação melhor nesse bairro (32%) do que se observou no em Natal (28%). Isso mostra também que, assim como 1996, os partidos progressistas estavam tomando o espaço antes representando pelos partidos tradicionais. Na eleição de 2004, participavam os seguintes candidatos: Luiz Almir, da coligação Unidade Popular (PSDB e PMDB); Ney Lopes de Souza, da coligação Vontade do Povo (PFL e PAN); Carlos Eduardo, representando a coligação Vitória do Povo (PSB/PDT/PP/PL/PPS/PSDC/PMN/PV/PRP e PC do B); Fátima Bezerra, da coligação Frente Popular (PT/PCB e PT do B); Dário Barbosa (PSTU); Leandro Prudêncio (PHS) e Miguel Mossoró (PTC).

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Carlos Eduardo se mostrava como um continuador do trabalho empreendido por Vilma de Faria, que havia deixado a prefeitura de Natal para assumir a governadoria do estado. Ele tinha um índice de aprovação acima de 60% em todas as regiões administrativas de Natal; ao mesmo tempo, o índice de aprovação do governo do estado (Vilma de Faria) era de 70,1%. Graças a esses índices, a governadora entrou de cabeça para apoiar a reeleição de Carlos Eduardo. A disputa foi polarizada entre esse e Luiz Almir, seguindo com a vitória do primeiro. Luiz Almir possuía mais apoio entre os eleitores da Zona Norte de Natal (41,2% contra 29,18% de Carlos Eduardo). Já na Zona Sul, os percentuais praticamente se invertem: desempenho era 16% contra 41,2% do Prefeito. Em Lagoa Azul, durante o primeiro turno, o candidato Luiz Almir chegou a um desempenho de 44%, e o autor coloca que esse número expressivo não se deu graças a suas ligações com os partidos tradicionais anteriormente citados, e sim graças ao “caráter personalista do voto no candidato Luiz Almir (PSDB)” (DANTAS, 2004).

Data: 08/03/2012

Rubrica: Gustavo Gabriel

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2 - CONJUNTO RESIDENCIAL NOVA NATAL: Perfil sócio-econômico 1 – Identificação: Autor: D‟ARC, Joana. Título: CONJUNTO RESIDENCIAL NOVA NATAL: Perfil sócio-econômico Dados da Edição: Monografia (Especialização em Geografia) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Departamento de Ciências Sociais. 1989 Localização: Acervo SEMURB; UFRN Condições de leitura: acessível para consulta; Observação: Recorte temporal: 1989 2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

Caracterização e equipamento: Outras: 3 – Resumo: O trabalho traça um perfil sócio econômico da população alocada no conjunto Nova Natal, a partir da realização de 70 entrevistas, que abordaram temas como mobilidade, educação, saúde, situação econômica, moradia, emprego, associações comunitárias, etc. Parte-se de uma breve caracterização do conjunto, no qual são citados aspectos constantes no texto do projeto elaborado pela COHAB. Em seguida, apresenta-se o resultado das entrevistas, no que se destaca vários níveis de precariedades estruturais, sobretudo na prestação de serviços públicos, encerrando-se com as principais “aspirações” indicadas pela população.

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INTRODUÇÃO A autora parte de uma sucinta contextualização dos debates acerca da questão urbana e a política de urbanização, destacando, de um lado, o sistema capitalista monopolista que concorre para a “apoderação dos espaços públicos com fins especulativos”; e, de outro, a intervenção permanente do Estado sobre o processo de urbanização, gerando “formas discriminatórias de acesso aos bens de consumo coletivo e à segregação da população mais pobre”. Menciona a criação do BNH como política para tentativa de superação da crise habitacional instaurada com o êxodo rural, decorrente do incentivo à industrialização e à mecanização da agricultura. Destaca a importância não apenas política, social e ideológica, mas principalmente econômica dessa ação. Nesse contexto insere a proliferação dos conjuntos habitacionais em Natal, entre 1967 e 1977, citando o trabalho de Souza (1980) – da qual faz parte o Conjunto Nova Natal. O objetivo da pesquisa é identificar o padrão de vida da população alocada nesse conjunto. 1. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA A autora caracteriza a Zona Norte como um “cinturão de pobreza” e assinala os problemas estruturais: aproximadamente 80 mil moradores que sofrem desde a deficiência de serviços essenciais, como o de transporte coletivo, até a falta de acesso ao lazer e à cultura. Cita os conjuntos construídos à época e os que se encontravam em fase de aprovação na Caixa Econômica (06 conjuntos). À época em que o trabalho foi escrito, Nova Natal pertencia ao bairro Potengi, no município de São Gonçalo do Amarante, “a cerca de 14 km do centro de Natal”. Segundo a autora, utilizou-se como mecanismo de atração da população pobre do centro a proximidade do “Distrito industrial de Extremoz”, acenando para facilidades de emprego que não corresponderam à realidade, pois a maior parte dos operários continuou trabalhando no centro – afima. Para corroborar essa tese, a autora refere-se a um documento do projeto do conjunto, elaborado pela COHAB. O referido documento diz que “o Conjunto Nova Natal seria implantado numa área de expansão do perímetro urbano (...), onde a COHAB já havia construído 5.343 unidades habitacionais. Esta área se encontraria próxima de onde seria implantado o projeto do futuro Distrito Industrial de Extremoz e de várias outras indústrias já em funcionamento”. No texto são mencionadas empresas como a Cavim (beneficiamento de castanha de caju) e as do parque têxtil do grupo U.E.B. (União de Empresas Brasileiras), compreendendo a Indústria Têxtil Seridó, Duquesa – Indústria de confecções Sparta, entre outras, que “absorviam uma parte da mão-de-obra

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residente nas imediações”. Segundo a autora, outra vantagem do Conjunto assinalada no projeto era a existência de instrumentos comunitários de apoio, como escolas de 1º e 2º graus, centros sociais urbanos, postos de saúde, postos policiais, clubes recreativos, supermercados, lojas e congêneres, farmácias, centros comerciais, uma agência bancária Bradesco e um Hospital de 50 leitos, em fase de projeto. Outros dados citados do projeto: a) Área do terreno: 126.460 m² b) Topografia: bastante plano c) Vegetação predominantemente de baixo porte. Uma das diretrizes era a preservação das árvores existentes d) Solo areno-argiloso – permitiria o emprego de sistema de esgotamento sanitário tipo fossa séptica-sumidouro. A construção se deu em duas etapas, sendo que a primeira compreendeu 1.863 casas construídas e entregues finalizadas pelas construtoras Rebelo Flor, Roex, A. Gaspar, Secisa e Ecocil. A segunda etapa consistiu na construção de 1.000 unidades pelos próprios moradores. Estes receberam o terreno, a planta e uma quantia em dinheiro, comprometendo-se a respeitar os padrões construtivos COHAB. Segundo a autora, o projeto dizia que “além de ter tido grande aceitação por parte dos moradores, visava (...) melhor compatibilidade dos seus custos com as condições socioeconômicas dos mutuários”. Foram previstos 03 tipos de casas: a) embrião com um vão, de 3,20 x 6,30 (20,16m²) de área coberta; b) Conjugada com 3 a 4 cômodos a depender da renda do adquirente; c) tipo considerado melhor, habitado por mutuários de renda mais alta. Não há descrição detalhada desses imóveis, fotografia ou projeto no trabalho. 2. ASPECTOS

SÓCIO-ECONÔMICOS

DA

POPULAÇÃO

ALOCADA

NO

CONJUNTO Foram aplicados 70 questionários sobre os temas: mobilidade, moradia, situação econômica, infraestrutura do conjunto, educação, saúde, lazer, associações de bairro e serviços. Constatou-se que a população alocada veio de outros municípios para Natal, antes de habitar o conjunto. Mudou-se tendo em vista o “sonho da casa própria”. A autora referencia estudos que apontavam, em 1960, (LOYD A. FREE, por Instituto for International Social Reserch) a casa própria como “principal aspiração das populações urbanas brasileiras”. Em 67% das famílias

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pesquisadas, apenas o chefe trabalha e em 25%, a renda familiar provém do trabalho de duas pessoas. Identificou-se que para muitos entrevistados “mulher não deve trabalhar fora, pois sua função é cuidar dos filhos e da casa”. Quanto à escolaridade, o maior índice é de pessoas com curso primário. A maior concentração das famílias (84%) é nas casas do tipo embrião, muitas reformadas. O Número de pessoas por residência varia de 03 a 10. Nos casos com 10 pessoas, a unidade resumese ao “embrião”. A COHAB, ao justificar o tamanho reduzido das casas, alegou que as mesmas eram projetadas de acordo com o poder aquisitivo do mutuário, sem levar em consideração o tamanho das famílias. As atividades exercidas pelos entrevistados são variadas. A autora cita pedreiros, comerciários, marceneiros, soldados de polícia, etc. A maioria (48%) trabalha em empresas privadas e 25%, por conta própria. Quanto à renda, verificou-se que 20% dos entrevistados recebiam 01 salário mínimo; 49%, 02 salários; 13% de 02 a 03 salários mínimos; e 2,3% mais de 03 salários. A média é de 04 filhos por família. Em 29% das residências pesquisadas, ninguém da casa estuda. A autora coloca que, dos demais, “grande parte vai à escola pela merenda escolar, outros são reprovados nas séries fundamentais (...). Além disso, há os que querem estudar e não tem acesso porque faltam escolas e a demanda cresce a cada dia”. A maneira legal de adquirir uma casa era através de sorteio, mas nem sempre o adquirente corresponde ao morador, pois a chave pode ser repassada. Menos de 50% dos moradores entrevistados é o adquirente inicial, “levando a crer que nem sempre as casas eram adquiridas por quem necessita morar” (p. 15). A política do SFH determinava renda mínima de 03 salários mínimos do pleiteante e apenas 26% dos entrevistados correspondia a esse padrão. Segundo a COHAB – diz a autora – o Conjunto Nova Natal é o que possui prestações mais baixas, devido aos tipos de casas, bastante simples, e ao tempo de construção. Já foram ampliadas 73% das unidades, parte delas para funcionar como pontos de venda. Com base na população entrevistada, “a casa é de suma importância, todo sacrifício é válido no sentido de não atrasar, para não correr o risco de perdê-la”, relata a autora. Segundo a COHAB-RN, os conjuntos são entregues com prédios destinados a associações comunitárias, um posto de saúde, uma delegacia de polícia, uma escola de 1º grau (...) com infraestrutura de água, luz e pavimentação. No entanto, a pesquisadora salienta que o Conjunto não foi entregue todo calçado e a água, embora existisse, era de péssima qualidade, “chegando ao consumidor quase sem condições

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de uso”. Quando indagados se houve mudanças em torno dos bens de consumo coletivos, 51% dos entrevistados responderam afirmativamente, citando aspectos relativos ao calçamento, escola, posto de saúde, supermercado, delegacia de polícia, transporte, telefone, feira-livre, igreja. Mas, grande parte ainda diz que “nada mudou”. “Ainda muito cedo, por volta das 5 da manhã, os trabalhadores saem rumo às paradas de ônibus, condução utilizada por 51% dos entrevistados. A distância não permite ao morador ir almoçar em casa”. A autora relata a existência de apenas duas linhas de ônibus: Nova Natal/ Ribeira (Empresa Guanabara) e Nova Natal/Campus (Emp. Transflôr). O serviço de transporte foi considerado o problema mais grave da área pelos moradores entrevistados. Em sua avaliação, os pontos críticos são a superlotação, o desconforto e a insegurança. Apenas 19% dos trabalhadores precisam apanhar mais de um ônibus para ir ao trabalho. Quanto às escolas, verificou-se que 77% dos entrevistados são servidos pelas existentes no próprio conjunto e não necessitam de transporte para frequentá-las. A autora estima que grande parte da população em idade escolar não vai a escola, a julgar pela quantidade de vagas ofertadas e a demanda presumida. Em geral, os que estudam fora do bairro são aqueles com maior poder aquisitivo e buscam ensino de melhor qualidade. Dentre os problemas das escolas do bairro, assinalou-se a carência de professores motivada por duas questões, a pouca contratação e o não comparecimento de parte considerável dos contratados. O diretor de uma das escolas, em entrevista concedida à autora, identificou dois motivos principais para a evasão dos alunos: a falta de professores e a efetuação da matrícula apenas para ter direito à carteira de estudante que dá direito à meia-passagem. Outros entrevistados relataram problemas no fornecimento da merenda escolar, para muitos a garantia de uma refeição diária para os filhos. As creches existentes não são utilizadas por 90% da população entrevistada. A autora associa esse fato a características culturais, como a não admissão dos chefes de família, falta de confiança nos serviços, dificuldade de acesso a vagas por questões políticas (não apadrinhamento). Os moradores dispõem de apenas um posto de saúde no conjunto, que não conta com atendimento de urgência e emergência, ou ambulância. As condições precárias foram aferidas pela própria pesquisadora, que encontrou amontoados de lixo no local. De acordo com a pesquisa, 76% dos moradores busca atendimento fora do conjunto devido à ausência recorrente de médicos ou pela

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dificuldade de conseguir uma ficha, “quando há médico”. Repete-se a fala de um morador: “é uma perda de tempo”. As principais doenças registradas na comunidade são a raiva, devido ao número de animais não vacinados, e as verminoses, devido às precárias condições de higiene decorrentes, sobretudo, da incidência de lixo. A população entrevistada atribui ao lixo e à muriçoca as principais causas de prejuízos à saúde. A ocorrência de escabiase (problema de pele, erupção e escamação) é relacionada pela população à

água proveniente de lagoa existente nas proximidades do conjunto, a qual

recorrem quando há falta de água na rede. A referida lagoa fica próxima à favela José Sarney, cuja população faz uso da água para lavagem de roupas e animais. Em relação ao Conselho comunitário, a autora identificou duas posturas antagônicas. Parte dos entrevistados ressalta o uso político em detrimento dos interesses da comunidade. No entanto, parcela considerável admite que muitas melhorias vêm da atuação desse conselho, ainda que por meio de barganhas políticas – eleitoreiras. Dentre essas “melhorias” cita-se a feira livre, posto de gás, delegacia, mais transporte, iluminação, limpeza, creches, clube de mães e ajudas com documentos, empregos, etc. Apenas 20% dos entrevistados já participaram das reuniões. Os demais “não têm interesse”, “não foram convidados” ou consideram “uma perda de tempo”. Um diagnóstico dos equipamentos e serviços urbanos existente no conjunto, feito pela autora revela: a) Calçamento quase completo; água e luz, mas ainda um tanto precários b) Um posto de saúde que atende sequer urgências c) 05 escolas, 04 de 1º grau, 01 de 2º grau. d) Comércio: dois supermercados (jardinense e minibox), comércio pequeno nas próprias residências. Esse comércio se mantêm apesar dos supermercados e feiras pela “menor distância” para pequenas compras e pela maior possibilidade de “comprar fiado”. e) 01 igreja católica e algumas protestantes. Entre os anseios da população, a autora destaca a “assistência médica e lazer” como os mais recorrentes. Ressaltam ainda a falta de iluminação e recorrência de assaltos, bem como a dificuldade de acesso à telefonia, pois havia apenas 02 telefones servindo o conjunto. O lazer é considerado mais precário para crianças e mulheres, pois os homens praticam esportes em áreas descampadas. As brigas frequentes afastam os moradores do clube para festas. A autora constatou, já naquele

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período, a existência de muitos protestantes, que apontavam a Igreja como seu único divertimento, “tudo o que precisavam”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS As precariedades identificadas pela autora, “desajustes”, vêm acarretando o surgimento o surgimento de favelas nas áreas reservadas para obras sociais no conjunto. Em especial, destaca a exiguidade da moradia e a criação de novos núcleos familiares sem renda ou perspectiva de aquisição de uma nova casa. Destaca, por fim, o caráter “eleitoreiro” do Conselho Comunitário e a crescente “alienação” da população, que não privilegia a participação popular no processo de transformação de seu habitat.

Data: 17/04/2012

Rubrica: Luiza Lima

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3 - DIAGNÓSTICO DO LIMITE TERRITORIAL DO MUNICÍPIO DO NATAL. 1 – Identificação: Autor: ROSA, Eliezer Mazzetti Título: Diagnóstico do Limite Territorial do Município do Natal. Dados da Edição: Monografia do curso de Gestão Ambiental – IFRN. 2009. Localização: Acervo do IFRN, Acervo SEMURB Disponível em: Acesso em: Condições de leitura: Acessível para consulta Observação: Os materiais utilizados consistiram no levantamento das leis estaduais do Rio Grande do Norte no período de 1938 a 2002. 2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

X

Caracterização e equipamento: Outras: 3 – Resumo: Este trabalho mostra a situação em que se encontra a questão do limite territorial do município do Natal, abordando os aspectos geográficos, legais e cartográficos. Para isso, os materiais utilizados consistiram no levantamento das leis estaduais do Rio Grande do Norte no período de 1938 a 2002, cartografia analógica do ano de 1978, documentos cartográficos analógicos e digitais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), base cartográfica digitalizada e atualizada do Estado do Rio Grande do Norte pertencente à Secretaria do Estado de Recursos Hídricos (SERHID), ortofotocartas do ano de 2006 nas escalas 1:2000 e 1:25000 do município do Natal, mapas publicados nos Planos Diretores e legislação municipal do Natal. Diante dos resultados, espera-se que esse trabalho possa contribuir como ferramenta de pesquisa e instrumento para a administração municipal imerso nessa realidade, em compreender a atual situação que se encontra a questão jurisdicional do município do Natal. Introdução (p.16-18): Atualmente o município faz uso dos limites descritos nas leis estaduais de criação e alteração dos municípios vizinhos para delimitar a sua própria área. A falta de uma lei estadual atualizada, fazendo referências aos locais a partir de coordenadas geográficas, provoca insegurança em gerenciar as ocupações regulares e irregulares em seu território, além de graves problemas

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como: fundiários, tributários, sociais, ambientais e políticos. Essa divergência pode causar problemas sérios para a gestão municipal como: replicação e distribuição de mapas em diferentes representações espaciais para órgãos públicos e privados, cobrança errônea de tributos municipais, problemas quanto à comissão ou prestação de serviços por outro município, em função do desconhecimento do limite. Neste sentido, o objetivo geral desse trabalho é efetuar um diagnóstico sobre a situação que se encontra o limite territorial do município do Natal, abordando os aspectos geográficos, legais e cartográficos. 6.2 - Lei Nº 8.246/2002: Alteração do Limite do Município do Natal e do Bairro Lagoa Azul – (p. 98 – 105) No ano de 2002, o limite territorial do Natal é modificado pela Lei nº 8.246, onde, parte do bairro Lagoa Azul, passou a pertencer ao município de São Gonçalo do Amarante. O governo estadual publicou a Lei nº 8.246, em 3 de dezembro de 2002, fixando os limites do município de São Gonçalo do Amarante. Em consequência da lei, parte da área do Bairro Lagoa Azul foi subtraída do município do Natal, transferindo-a ao município vizinho de São Gonçalo do Amarante com Natal, resultando no ferimento das

prerrogativas exigidas pela Constituição

Federal. O município do Natal teve perdas do valor do repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), considerando a queda do índice de Participação, após a transferência da Indústria de Bebidas Antarctica-RN para São Gonçalo do Amarante. Ver Planos Diretores – 2007.

Data: 27/04/2012

Rubrica: Gabriela Cavalcanti

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4 - ESPAÇOS DE POBREZA E MOBILIDADE URBANA: Os deslocamentos da população de baixa renda em Natal/RN 1 – Identificação: Autor: MORAIS, Tamms Maria da Conceição Título: ESPAÇOS DE POBREZA E MOBILIDADE URBANA: Os deslocamentos da população de baixa renda em Natal/RN Dados da Edição: Dissertação PPGAU/UFRN (Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo), Natal-RN, publicação e defesa em 2010, 183 f. Localização: Acervo digital SEMURB; Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp141684.pdf Condições de leitura: acessível para consulta; Observação: O trabalho não inclui o bairro de Lagoa Azul como estudo de caso, apenas alguns aspectos gerais da pesquisa foram ressaltados. Recorte temporal: 2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

X

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

X

X

Caracterização e equipamento: Outras: 3 – Resumo: Busca-se compreender como famílias de até 03 salários mínimos, vivendo em diferentes Áreas de Expansão Demográfica (AEDs), no município de Natal – bairros de Igapó e Salinas (Zona Administrativa Norte da cidade), Ponta Negra (Zona Administrativa Sul), Santos Reis, Praia do Meio, Areia Preta e Mãe Luíza (Zona Administrativa Leste) e Felipe Camarão (Zona Administrativa Oeste) resolvem seus problemas de mobilidade urbana. Constrói-se essa reflexão sobre a necessidade de mobilidade das famílias de baixa renda em termos de “deslocamento de origem-destino” tipo casa-trabalho, casa-escola, casa-lazer, casa-compras, casa-saúde, analisados dentro da relação entre “modos de transporte e os espaços de pobreza da cidade”. Como um dos principais resultados, assinala-se que as populações de baixa renda tentam resolver seus deslocamentos diários com o mínimo de mobilidade possível no espaço da cidade, isto é, permanecem em grande parte nas áreas periféricas que residem ou nos seus “espaços de pobreza”.

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1. INTRODUÇÃO O estudo visa analisar a mobilidade urbana para as populações com renda familiar de até 3 (três) salários mínimos residentes nas em áreas periféricas das diferentes zonas administrativas da cidade do Natal/RN. Procura determinar “como a renda e a mobilidade dos moradores da cidade estão relacionadas com a manutenção das desigualdades sociais e dos espaços de pobreza” (p. 21). A autora cita o Consórcio Natal 20154 (2000) para falar do problema da mobilidade na cidade: Natal apresenta problema de mobilidade caracterizado por longos deslocamentos obrigatórios casa-trabalho, casa-estudo, casa-comércio e outros, além da diversificação espacial desses deslocamentos, tanto na origem como no destino, da dificuldade de opção por deslocamentos não-motorizados, e da coincidência de itinerários dos transportes coletivo e particular. A pesquisa se desenvolve em dois níveis, um mais geral e introdutório, abordando aspectos da pobreza e da mobilidade em Natal-RN, a partir de pesquisa bibliográfica, e outro, mais detalhado, acerca das áreas específicas: Igapó e Salinas (ZN), Ponta Negra (ZS), Santos Reis, Praia do Meio, Areia Preta e Mãe Luíza (ZL) e Felipe Camarão (ZO). Neste último, os principais dados foram obtidos na Pesquisa Domiciliar de Origem e Destino (O-D), realizada em 2007 pela empresa Oficina Engenheiros Consultores Associados, para o DER/RN, a fim de subsidiar a elaboração do Plano Diretor de Transportes da Região Metropolitana do Natal. No entanto, focalizou-se as áreas selecionadas para estudo específico.

2. A PRODUÇÃO DOS ESPAÇOS DE POBREZA EM NATAL/RN A autora faz uma explanação acerca do tema “periferias urbanas” no Brasil, contextualizando aspectos da economia e urbanização em fins da II Guerra Mundial. Em relação ao contexto nacional em que se enquadra a construção dos conjuntos na Zona Norte de Natal, a autora coloca: a periferização das cidades brasileiras se acentuou com a crise das políticas habitacionais no início dos anos de 1970 advindas, por sua vez, como solução de problemas de moradia herdados do forte crescimento populacional e agravamento das condições sociais no período desenvolvimentista. Cita-se o agravamento das desigualdades sociais marcantes desse período no país, em função da má distribuição de renda (SASHS, 1999). Nesse contexto surgem as políticas habitacionais para as classes populares, empreendidas pelas Companhias Habitacionais (COHABs), destinadas à faixa de 3 a 5 salários mínimos, e os Institutos Nacionais de Orientação à Cooperativas (INOCOOPs), para famílias com 5 a 12 salários. O modelo não previa atendimento a famílias abaixo de três salários

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mínimos, que continuavam constituindo loteamentos irregulares e favelas. O sistema também prevê a remoção de favelas, principalmente nas áreas mais valorizadas das cidades e nos lotes urbanizados (SILVA, 2003). O Banco Nacional de Habitação (BNH) viabilizava a penetração de capital financeiro no setor da moradia (LEAL, 2005). A partir de 1967, passou a gerir o FGTS, principal fonte de recursos do Banco. Com o aumento do desemprego nos anos 1980 e conseqüente redução das contribuições dos trabalhadores, o BNH entrou em crise. Outros programas habitacionais que existiram paralelamente, visando conter a favelização: “FINASA e PLANASA (destinados a obras de saneamento), Projeto CURA (renovação urbana, com infraestrutura em áreas já ocupadas), PROMORAR (programa para erradicação de favelas e ocupações subnormais) e PROLIFURB (lotes urbanizados), que permitiram a ocupação de áreas mais periféricas das cidades expandindo a malha urbana ao dotarem a cidade de uma rede ampliada de serviços públicos e infraestrutura (SILVA, 2003)” (p.33) Atualmente a política habitacional á gerida com base nos princípios do Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU), incorporados à Constituição Federal de 1988.

Tem como meta a

democratização do planejamento, reduzir disparidades sócio-espaciais e favorecer as necessidades das camadas populares, garantindo sua mobilidade. Em resumo, conclui que a política habitacional brasileira contribuiu para a formação das periferias urbanas que marcam e caracterizam as cidades brasileiras. Em seguida, a autora aborda os Planos Urbanísticos de Natal, evidenciando, em geral, seu conteúdo segregacionista. Inicia com as primeiras ações e regulamentações do início do século XIX, a criação da Cidade Nova, as reestruturações administrativas dos anos 20 e elaboração do Plano Geral de Sistematização do Natal (1929) e do Plano Geral de Obras de Saneamento (1935), passando ao surgimento de várias “favelas”, nas décadas de 1950-60. Cita autores como Teixeira (2009), Eduardo (2000) e Leal (2005), Almeida (2005) e Ferreira et al (2000). Em seguida, aborda os planos SERETE (1968) e o Plano Diretor Global do Município do Natal, de 1974. O trabalho mostra por meio de mapas de 1920, 1940, 1960 e 1970 (fonte: PLANMOB, 2008c) o rápido crescimento da ocupação no sentido Zona Norte, com a implantação do Distrito Industrial do Natal; além das áreas periféricas ao longo da BR 101 na direção Sul, e do bairro de “Pitimbú”, para o oeste. Destaca que a produção de conjuntos habitacionais na zona sul foi pelo INOCOOP (destinada a população de maior poder aquisitivo), e na zona norte, ainda não valorizada, pela COHAB (renda abaixo dos cinco salários mínimos). Afirma então que “a localização desses

179

conjuntos concretizou o processo de divisão social da cidade e a submissão do Estado ao mercado fundiário, direcionando a expansão física do Natal” (p.44). Passa então a discutir o Plano Diretor de 1984, que “sugere uma maior inclusão social, entretanto, deixa uma lacuna para a resolução das diferenças habitacionais nas diversas áreas da cidade” (p. 47). Cita Ataíde (2005); Queiroz (1998) e Leal (2005). Em seguida, fala do Pano Diretor de 1994, como o primeiro a incluir diretrizes do MNRU, reconhecendo os “espaços de pobreza” como parte da “cidade real”. Sobre a evolução da ocupação das décadas de 1980-90, a autora comenta ainda o processo de reparcelamento nas Zonas Norte e Oeste: “além dos conjuntos habitacionais, estava ocorrendo o reparcelamento do solo, com lotes menores adaptados ao poder aquisitivo da população local”. Segundo Silva (2005), esses reparcelamentos se deram à revelia das legislações federais e municipais. 2.3 A CONFIGURAÇÃO SOCIOESPACIAL DAS ÁREAS ESTUDADAS NA CIDADE DO NATAL/RN A autora reforça que em Natal “a política habitacional reforçou a exclusão social e a estratificação espacial dos mais pobres, ao destinar-lhes moradias precárias em periferias distantes desprovidas de serviços e equipamentos urbanos essenciais” (p.54). Utiliza Silva (2003) como suporte para essa avaliação. Justifica a escolha das áreas de estudo em função da concentração de famílias com renda do responsável inferior a 03 salários mínimos (a partir de dados do Plano de Habitação de Interesse Social do Município de Natal).

180

3. A MOBILIDADE URBANA Após apresentar a evolução dos conceitos utilizados para mobilidade e acessibilidade, no que opta pela conceituação de Torquato (2005) – “que define a mobilidade como fator determinante da exclusão social da população de baixa renda” (p. 61) – a autora discute a evolução da política nacional de mobilidade urbana. No caso nacional, mostra as especificidades adotadas pelo Ministério das Cidades, que hoje se contrapõe ao modelo estabelecido com base com veículo motorizado e busca superar a visão “setorial” do transporte, para pensá-lo de forma integrada ao planejamento urbano. Em Natal, cita a política urbana definida no Plano Diretor. Em seguida, a autora discute

“mobilidade como critério da estratificação social e espacial”, destacando da

literatura idéias que reforçam a vinculação entre mobilidade e exclusão social, a partir de autores como Villaça (2001), Lima (2001), World Bank (2003) e Maricato (2009).

4.4. DIAGNÓSTICO ATUAL DA REDE DE TRANSPORTES URBANOS DE NATAL Apresenta os resultados obtidos no estudo sobre a reorganização da Rede de Transporte Público do Natal, realizado pela Oficina Consultores (2001), e dados constantes no PLANMOB, 2008. Apresenta mapas das rotas de ônibus regulares e alternativos em toda a cidade, elaborados pela autora, que mostram a pouca penetração dos veículos no bairro de Lagoa Azul, apesar deste aspecto não ser evidenciado no estudo. Das questões levantadas, pode-se citar algumas que se relacionam com a problemática identificada em outros estudos no bairro de Lagoa Azul. Por exemplo, a integração do transporte de massa de Natal, inclusive com apoio na ferrovia, que, segundo a autora, “não foi seriamente estudada e engatinha com soluções temporárias (estações de transferências, por exemplo)” p. 121. Aponta a falta da perspectiva municipal no cenário do transporte público, “tanto no que concerne às atuais concepções e sistemática operacional da rede de serviços, quanto nos aspectos institucionais e regulatórios hoje vigentes para o setor” (p. 122), induz à restrições no desenvolvimento da integração intra-bairros.

181

4.5. ANÁLISE DOS DADOS E 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS No tópico do trabalho que versa sobre a análise dos dados propriamente dita, todas as informações tratam apenas das áreas de estudo selecionadas. Pode-se elencar, no entanto, alguns resultados principais, que podem ser aplicáveis a outros “espaços de pobreza”, como seria também o caso de Lagoa Azul, embora este seja menos crítico que os casos estudados. A principal conclusão é que a mobilidade urbana dos moradores dessas áreas se dá, principalmente, dentro dos próprios bairros das AEDs analisadas, onde se costuma desenvolver “subcentros” de serviços e comércio, com características específicas, que procuram suprir as demandas da população com a menor necessidade de deslocamentos possíveis com transportes coletivos. Muitos dos trajetos são realizados a pé, dentro do bairro, principalmente para as atividades de ensino, compras e lazer.

Data: 05/04/2012

Rubrica: Luiza Lima

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5 - EVOLUÇÃO GEOMORFOLÓGICA, (DES) CARACTERIZAÇÃO E FORMAS DE USO DAS LAGOAS DA CIDADE DO NATAL-RN 1 – Identificação: Autor: MEDEIROS, Tásia Hortêncio de Lima Título: EVOLUÇÃO GEOMORFOLÓGICA, (DES) CARACTERIZAÇÃO E FORMAS DE USO DAS LAGOAS DA CIDADE DO NATAL-RN Dados da Edição: Dissertação (Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geodinâmica e Geofísica) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGG/ UFRN). Natal-RN, publicação e defesa em 2001, 100 f. Localização: Acervo SEMURB Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2012. Condições de leitura: acessível para consulta; Observação: Foram fichados apenas os tópicos que mencionavam a área de estudo (HIDROGRAFIA, GEOLOGIA/ GEOMORFOLOGIA, CLASSIFICAÇÃO DOS SISTEMAS LACUSTRES e AS LAGOAS ASSOCIADAS AO SISTEMA RIO DOCE) Recorte temporal: 2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

x

Caracterização e equipamento: Outras: 3 – Resumo: O trabalho visa identificar, caracterizar e classificar as lagoas naturais da cidade de Natal com base em seus aspectos geomorfológicos, bem como determinar sua importância para o equilíbrio do meio ambiente. Nesse sentido estuda cinco “unidades de paisagem”, o “Estuário Potengi/Jundiaí”, “Lagoinha”, “Conjunto Pirangi/Jiqui” e “sistema do Rio Doce”, sendo este último o de maior interesse, foco deste fichamento.

183

2.4 HIDROGRAFIA (P. 18) O Autor caracteriza rapidamente a hidrografia do município de Natal, que é conformada pelo estuário Potengi/Jundiaí, os rios Doce, Pirangi, e afluentes Pitimbú, riachos do Baldo, das Quintas, Ouro e Prata. Diz que o estuário Potengi/Jundiaí recebe a contribuição do rio Jundiaí (o mais volumoso), que une-se ao Potengi na localidade de “Três Bocas”, segundo Cascudo (1968), dos riachos da Prata e do Ouro e do Rio Doce. Descrição do Rio Doce: corre na direção leste; tem pequeno porte; está encravado nos sedimentos da “Formação Barreiras”; é alimentado pelo fluxo superficial da lagoa de Extremoz e por insurgência de águas subterrâneas dessa formação geológica; mostra declividade quase nula; tem percurso de aproximadamente 14 Km; é alimentado por fontes (olheiros), pois o leito de seu canal se encontra abaixo do nível estático das águas; corre sobre os sedimentos quaternários de dunas e aluviões até desembocar no estuário; apesar de perene, apresenta pequena descarga durante a maior parte do ano. No vale do Rio Doce, cita a ocorrência de “lagoas alinhadas”: Azul Dendê, Pajussara e Guamoré. Ao tratar das águas subterrâneas cita estudos do IPT (1982). Esses estudos mostram que, a partir do estuário Potengi/Jundiaí, em direção norte, até a cidade de Touros, o “aqüífero Barreiras” é constituído predominantemente por sucessões sedimentares arenosas que formam, juntamente com as dunas e aluviões, um sistema hidráulico único, do tipo livre. Segundo o autor, o “aqüífero Barreiras” (também denominado semi-confinado) constitui-se no principal manancial subterrâneo par ao abastecimento da cidade, cuja utilização cresceu exponencialmente nas últimas décadas devido à escassez de águas superficiais. 2.5 GEOLOGIA/ GEOMORFOLOGIA (p. 24) Nesse tópico, o autor descreve as características da estratigrafia de Natal diferenciando o Mesóico e o Cenozóico. Em relação ao Cenozóico, versa sobre as características do tabuleiro costeiro, evidenciando a presença marcante de dunas fixas e móveis, que compõem um “campo dunar”. Este elemento é formado por depósitos de areias eólicas e areais de espraiamento, que recobrem o tabuleiro, sendo aprisionadas em depressões acirculares e alongadas desse tabuleiro, originando as lagoas, ou aprisionado o próprio tabuleiro e formando corredores interdunares. Destaca que os “depósitos aluviais” são encontrados principalmente nas margens do estuário Potengi/ Jundiaí e do Rio Doce, estando representados em maior proporção nas proximidades de suas embocaduras formando planícies de inundações, constituídos de areias finas argilosas e

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localmente argilas de cor variadas do esbranquiçado, amarelado, avermelhado, acinzentado escuro e especialmente cinza clara. 4.2 OBSERVAÇÕES DE CAMPO (p. 40) Observou-se que o sistema de lagoas associadas ao Rio Doce está relacionado a corpos de dunas e tem sua origem quando do aprisionamento das águas pluviais nas depressões interdunares sobrepostas aos sedimentos impermeáveis da Formação Barreiras. 4.4 CLASSIFICAÇÃO DOS SISTEMAS LACUSTRES (p. 42) Define quatro “unidades de paisagens” distintas para análise, distinguindo nesse contexto a unidade “Lagoas associadas ao sistema Rio Doce”, formada pelas lagoas Azul Dendê, Pajussara, Guamoré e o alagado do Sapo (denominado Lagoa do Sapo). 4.4.4 AS LAGOAS ASSOCIADAS AO SISTEMA RIO DOCE (p. 64) As lagoas naturais desse sistema ocorrem em uma área coberta por sedimentos de idade tércio-quartenária da Formação Barreiras, os quais são recobertos por depósitos de recentes de areias de dunas e colúvios (material transportado principalmente por gravidade que ocorre no sopé das dunas). As dunas ao longo do Rio Doce são encontradas especialmente no contorno das lagoas e podem atingir até 40m acima do “substrato Barreiras”. São classificadas em dois sistemas de idade, sendo mais antigo o mais extenso. As formações alinhadas e retilíneas paralelas e de topo arredondado tiveram sua continuidade aparentemente rompida pelo surgimento de corredores interdunares, formando as lagoas Azul, Dendê Pajussara e Gramoré. Segundo o autor, “as dunas foram capazes de desorganizar a rede hidrográfica do Rio Doce, enfraquecida pelo assoreamento, além da freqüência dos períodos de seca registrados na área” (p. 66). O segundo sistema dunar apresenta cor esbranquiçada ou amarela pálida, conformando uma faixa próxima a costa, acompanhando-a com alinhamentos mais curtos e próximos, afetados por deflação (trabalho executado pelo vento sobre a superfície das dunas), resultando em alinhamentos de cristas agudas. O autor destaca a enorme capacidade de infiltração das águas pluviais da área, devido à caracterização das areias que compõem as formações. A área compreende dunas subrecentes e recentes, com braços alongados a barlavento, entre 2 e 3 metros de altura, com comprimento variável de 30 a 100 metros, largura variável de 15 a 80 metros entre os sopés do flanco dorsal e do flanco frontal. As chamadas “planícies de deflação” embora permanecessem pouco habitadas encontravam-se loteadas quando da época do levantamento (2001), o que o autor aponta como risco

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potencial de contaminação do aqüífero. Alerta-se ainda para os riscos decorrentes da rápida degradação das lagoas, em função do crescimento desordenado e do uso de suas águas sem planejamento prévio. Além das conseqüências negativas desse processo para o ecossistema, assinalase o prejuízo para a população residente em granjas no entorno, que utilizam sua água para agricultura familiar e uso doméstico. Destaca-se ainda a prática de pecuária extensiva no entorno das lagoas. As lagoas Pajussara e Guamoré são diretamente associadas ao Rio Doce, e as lagoas Azul Dendê e do Sapo, indiretamente. Estas são separadas pelas dunas. São consideradas as maiores lagoas da cidade, com área aproximada de 84.800m² a 128.500m². O autor apresenta dois quadros para caracterização de cada lagoa, contendo dados como localização, dimensão, altitude e área, tipo, uso e índice de contaminação (conforme relato dos moradores). Segundo o quadro, as lagoas Pajussara e Guamoré são utilizadas especialmente para irrigação de frutas e verduras e apresentam contaminação tolerável, com presença de agrotóxico. Já a Azul Dendê é apontada pela população como de baixo índice de contaminação. Aí registra-se ampla presença de banhistas nos fins de semana, o que o autor relaciona à carência de outros espaços para esporte e lazer nos bairros do entorno. Além de lazer e irrigação, essa lagoa serve como local de pesca. A pesca garante a sobrevivência de muitas famílias ribeirinhas e é a atividade econômica mais antiga praticada na lagoa. O produto principal é o camarão conhecido como Pitu, além de espécies de peixes. Essa atividade é ameaçada pela crescente poluição por detritos líquidos e sólidos, lançados na ausência de saneamento básico nos bairros do entorno. Há ainda o desmatamento para retirada de material de construção necessário às novas residências, os quais contribuem para descaracterização do ecossistema local. A lagoa do Sapo (artificial) é a mais preocupante. Segundo o autor, nos anos 1980, ela foi transformada numa lagoa de recepção, decantação e drenagem urbana, recebendo efluente doméstico clandestino e industrial, efluente do sistema de tratamento e deposição de resíduos sólidos. Apresenta altíssimo índice de contaminação, conforme a população. Segundo o autor, a quase totalidade das cargas de efluentes é oriunda dos bairros Lagoa Azul, Pajussara, Potengi e Nsa. Sra. da Apresentação, e despejada na sem qualquer tratamento prévio.Constatou-se ausência de controle de cargas difusas lançadas na lagoa, pois tais causas não são disciplinadas pela Resolução do CONAMA nº 20/86 (define padrões de emissão e classificação dos corpos d‟água com base nos usos preponderantes).

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Valendo-se de relatos de moradores, diz que “há alguns anos atrás as lagoas de Gramoré, Pajussara e Sapo eram utilizadas como fonte de água potável e lazer”. Atualmente, apresentam alto grau de poluição, especialmente quando o nível da água está mais baixo, devido à lixiviação de resíduos sólidos dispostos de origem doméstica e industrial, além de agrotóxicos. O autor destaca a importância da vegetação nativa para a estabilidade das dunas, conformada por cajueiros, coqueiros e plantas frutíferas cultivadas nas granjas. Segundo o texto, as áreas dunares encontram-se quase que totalmente desmatadas. Alerta-se para a desestabilização decorrente da devastação e desmatamento para ocupação urbana (sobretudo a extração de areia do leito do rio para construção civil), os quais acarretam ainda o aumento na impermeabilização do solo. Contata-se diminuição da profundidade das lagoas em decorrência do crescente assoreamento, no qual o material dunar é carreado, o que poderá levar à sua extinção. A Lagoa do Sapo encontravase à época da pesquisa com aproximadamente 2 metros de lâmina d‟água. Ao referir-se ao processo de ocupação da Zona Norte, destaca a ocupação de áreas impróprias, como os fundos de vale e encostas de dunas, gerando sérios problemas de ordem “geoambiental e social”. Assinala a criação do Parque Têxtil e do Distrito industrial como fatores que favoreceram a expansão em direção às dunas e lagoas. Nesse sentido, o autor apresenta uma tabela elaborada por Melo (1998) relacionando as atividades industriais desenvolvidas na Zona Norte, seu principal contaminante, a característica do saneamento e o índice de contaminação potencial. Destaca ainda os problemas decorrentes da ausência de planejamento físico-territorial urbano, como ausência de saneamento básico (predomina o uso de fossas sépticas e sumidouros) e grande número de esgotos clandestinos ligados à lagoas de recepção e estabilização, o que contribui para a contaminação do aqüífero Dunas/Barreiras. Especialmente, evidencia a possibilidade de concentração de micro-organismos patogêncios e produtos da bio-degradação de excrementos humanos – como os nitratos. Além disso, a carência de coleta de lixo e a crescente deposição de lixo em terrenos correspondem a outra fonte de poluição do solo e da água subterrânea, com a infiltração do “chorume”. Verificou-se que o curso do Rio Doce e parte final da Lagoa de Pajussara, bem como suas vazantes, apresentam inundações no período de cheias. Em julho de 98 e junho de 2000, as cheias invadiram as plantações de hortaliças em até de 30 metros, relataram moradores. Essa instabilidade pode estar associada ao ciclo de erosão e deposição das dunas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS (p. 87) Apesar dos aspectos negativos assinalados anteriormente, o autor conclui que as lagoas Azul Dendê, Pajussara e Guamoré apresentam nível constante de água no decorrer do ano, e, de todas as lagoas estudadas (Lagoinha/PN, Conjunto habitacional Pirangi/Jiqui e Lagoa Manoel Felipe), são as que apresentam menores interferências humanas. Destaca, portanto, a importância de preservá-las.

Data: 12/04/2012

Rubrica: Luiza Lima

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6 - O ESPAÇO DE TODOS, CADA UM NO SEU LUGAR: o uso dos espaços públicos destinados ao lazer em Natal 1 – Identificação: Autor: LIMA, Dália Maria Maia Cavalcanti de. Título: O espaço de todos, cada um no seu lugar: o uso dos espaços públicos destinados ao lazer em Natal. UFRN, 2006. Dados da Edição: Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais. Localização: Acervo SEMURB; UFRN Condições de leitura: acessível para consulta; Observação: Serão fichados o tópico “3.1.3 Do governo militar ao Movimento pela Reforma Urbana” e o capítulo 4: “A análise da realidade encontrada nos espaços públicos de lazer nos diversos bairros de Natal”, dando maior enfoque aos tópicos “4.1.2.1 Região Administrativa Norte”, “4.1.4 Participação popular: uso e conservação”, “4.1.5 O Planejamento estatal e as intervenções urbanas e seus reflexos nos espaços públicos de lazer natalenses”, e “4.1.6 As diferenciações de uso dos espaços públicos destinados ao lazer pelos diversos segmentos sociais na cidade”. Recorte temporal: décadas 1980 e 2000. 2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

X

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

X

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

X

Caracterização e equipamento:

X

Outras: 3 – Resumo: Em sua tese de doutoramento, a autora disserta sobre a utilização dos espaços públicos de lazer na cidade do Natal, de modo bastante abrangente. Assim, aqui se apresentará o que estiver mais diretamente relacionado à Região Administrativa Norte, e mais precisamente ao bairro Lagoa Azul. 3 A DINÃMICA DAS TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS E A EVOLUÇÃO DOS

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ESPAÇOS PÚBLICOS DE LAZER NATALENSES 3.1 O contexto da evolução dos espaços públicos de lazer em Natal 3.1.3 Do governo militar ao Movimento pela Reforma Urbana Na parte em que a autora versa sobre o período pós-ditadura militar, se apresenta que o Plano Diretor de 1984 pretendia “o desenvolvimento racional e harmônico da estrutura urbana de Natal” e também “preservar prédios e sítios notáveis pelos valores históricos, culturais, paisagísticos e ecológicos”, definindo também a divisão territorial e o zoneamento de uso do solo, além de dividir o território em área urbana, área de expansão urbana e área de preservação permanente. No entanto, não foi de fato cumprido tudo o que se propunha. A respeito da Zona Norte, nesse plano, regulamentou-se tal região como área especial de expansão urbana. Isso contribuiu, juntamente com as duplicações da Ponte de Igapó (1988) e da Avenida João Medeiros Filho, para aumentar a ocupação. Em relação às áreas destinadas ao lazer público, Lima mostra que muitas vezes, elas foram incorporadas como propriedade particular pelos moradores, ou então se tornaram terrenos abandonados, como no bairro de Cidade da Esperança, exemplo citado pela autora. Ainda segundo Dália Lima, “[...] o planejamento estratégico fez Natal ganhar forma como uma localidade turística, onde as intervenções para esse tipo de lazer aumentaram em detrimento dos investimentos no lazer voltado para a população local, pois os projetos, em níveis federal e municipal, implantados na cidade nessa época, funcionavam, apenas, como um amortecedor social frente à oposição ao regime militar, ou eram manipulados para marketing político e prática de clientelismo.” (LIMA, 2006, p. 118) Para a autora, entre as intervenções planejadas para a cidade, a de maior destaque é a Ponte Forte-Redinha, que daria maior acessibilidade à Zona Norte, e atraindo para tal localidade maior interesse dos incorporadores imobiliários. Mas isso deve ser visto com cautela, considerando-se a falta de infra-estrutura da região. Em relação às áreas de lazer, há a proposta de transformar a penitenciária Dr. João Chaves em um complexo para o lazer, com um teatro e um centro de cultura. 4 A ANÁLISE DA REALIDADE ENCONTRADA NOS ESPAÇOS PÚBLICOS DE LAZER NOS DIVERSOS BAIRROS DE NATAL Nesse capítulo, Lima retrata a oferta de espaços de lazer nos bairros da cidade, mostrando que nem sempre ela é suficiente para atender às necessidades da população dos bairros, principalmente nas Zonas Norte e Oeste, mais carentes de infra-estrutura do que as regiões Sul e

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Leste. No entanto, vale lembrar que isso, de certa forma, varia de uma comunidade, de um bairro, para outro. Nesses espaços, há a ação do setor privado da economia, do poder público, das instituições sociais e da população residente em si. 4.1 As principais características dos espaços públicos de lazer por Região Administrativa em Natal 4.1.1 Distribuição e acessibilidade Aqui, Dália Lima traz uma tabela, na página 147, com base nos dados do Anuário da SEMURB, mostrando a média de equipamentos urbanos por habitante, nas quatro regiões administrativas de Natal: na Zona Norte, a média é de 5.562,3; na Sul, 2.435,6; na Leste, 1.872,6; e na Oeste, 13.970,2. Os espaços de lazer oferecidos pela iniciativa pública são carentes tanto em termos de quantidade como de qualidade, havendo um maior número nos bairros de Cidade Alta, Ribeira e Tirol, onde há mais museus, teatros, centros de arte e cultura, etc. 4.1.2 Tipo de construção e manutenção dos equipamentos existentes Lima, nessa parte da dissertação, expõe sobre a manutenção dos equipamentos de lazer, como praças e quadras de esportes. Ela aponta, através de consultas e entrevistas com a população, de modo geral, que as condições de localização, iluminação, arborização, estética, acessibilidade, higiene e de conservação de tais aparelhos são precárias, mostrando os dados colhidos por ela própria. [ver tabela 03 na página 152 e gráfico 01, na página 153]. 4.1.2.1 Região Administrativa Norte A autora, nesse tópico, primeiramente, asserta sobre a criação da dita região, pela Lei municipal nº 3.878 de 07 de dezembro de 1989, sendo Igapó o primeiro bairro residencial, seguido por Redinha, que seriam interligados a partir de 1952, com a abertura da “Estrada da Redinha”. “A segunda ponte construída em concreto foi concluída sobre o rio Potengi em 1970. Essa construção, atrelada à melhoria da rodovia 304, que no perímetro urbano de Igapó recebe o nome de Tomás Landim em 1975 e, ainda, com a implantação na década de 1980 do Distrito Industrial de Natal nessa Zona, favoreceu o surgimento de vários conjuntos habitacionais.” (LIMA, 2006, p. 154) Nesse sentido, a construção dos conjuntos da COHAB e a implantação das redes de água e energia favoreceram também o aumento populacional na região. A população da Zona Norte, segundo Lima, é de 244.743 habitantes, dos quais 22.203 moram nas 20 favelas existentes, com uma média de 4,08 moradores por domicílio, “sendo a renda

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média da população da ordem de 2,92 salários mínimos.”. Os espaços públicos de lazer nessa Região não são diversificados, não condizem com a preferência dos moradores, havendo também a falta de conservação, a inadequação estética, de iluminação e de arborização, a insegurança e a “ausência de atividades rotineiras culturais, esportivas e recreativas.” (LIMA, 2006, p. 155) Dália Lima também versa que nas áreas de conjuntos habitacionais, as condições de lazer são menos precárias do que nas de loteamentos e favelas. Sobre o bairro de Lagoa Azul, ao qual daremos enfoque: “o que se apresenta em relação aos espaços públicos de lazer, é a existência de algumas quadras (Fotografia 07), campos de futebol, centro social e associações de moradores (Fotografia 08). As quadras e campos necessitam de conservação quanto à iluminação e carecem de mobiliário adequado. Na ausência desses equipamentos nas proximidades da maioria das residências, nota-se que a população improvisou vários campos em terrenos baldios, para jogos de futebol.” (LIMA, 2006, p. 156) As praças, quadras e demais espaços de lazer do bairro Lagoa Azul são, geralmente, precários de infra-estrutura, como narra Geilson Silva Gomes, educador esportivo do Centro Educacional Dom Bosco, em Gramoré, entrevistado pela autora: “Existem espaços, porém são abandonados pela Prefeitura, que faz e deixa, não tem nenhum programa de animação neles.” (LIMA, 2006, p. 156) 4.1.4 Participação popular, uso e conservação Neste tópico, Dália Lima mostra que nas Zonas Norte e Oeste, a população procura satisfazer seu lazer fora do bairro onde mora, em uma proporção maior do que nas Zonas Leste e Sul, como mostra a tabela 04, na página 195, e o gráfico 02, na página 196. Os fatores motivadores disso é a falta de variedade de lazer, a inexistência destes, muitas vezes, as dificuldades de acesso, além da falta de conservação, e outros já mencionados. No entanto, muitos desses moradores (68,2% dos entrevistados pela autora) assumem não contribuir para a conservação desses locais. [ver tabela 05 na página 198]. Em algumas localidades, os eventos de lazer são propiciados por grupos e instituições religiosas, ou outras instituições políticas, como clubes de mães e de idosos. No entanto, não se faz referência a Lagoa Azul, nesse sentido. 4.1.5 O planejamento estatal e as intervenções urbanas nos espaços públicos de lazer natalenses.

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Nesse ponto da dissertação, a autora discute, com base em sua pesquisa de campo, que em nenhuma região da cidade há atividades rotineiras de lazer. Na Zona Administrativa Norte, somente 20% da população usa frequentemente dos espaços públicos de lazer. [ver gráfico 03, na página 205 e tabela 06 na página 206]. “Os espaços públicos de lazer em Natal ficam [...] fortemente influenciados pela lógica do mercado, devido ao poder público não atuar com projetos e ações efetivas nessa área, fato que contribuirá, sem dúvida, para reforçar as desigualdades sociais, pois os empresários que investem nessas atividades procuram o lucro e criam entretenimentos onerosos, ficando as possibilidades dos menos abastados reduzidas pelas suas poucas condições financeiras.” (LIMA, 2006, p. 208). 4.1.6 As diferenciações de uso dos espaços públicos destinados ao lazer pelos diversos segmentos sociais na Cidade. Há um conjunto de fatores que atuam na capacidade lúdica do indivíduo, possibilitando a realização de atividade de lazer no espaço público, entre elas: “o nível de instrução, a localização da residência, as condições ambientais de seu entorno e a renda familiar.” (LIMA, 2006, p. 209) Assim, a utilização dos espaços de lazer (quando estes existem), reflete também a segregação socioespacial, e, para Lima, o Estado, na cidade do Natal, contribui para a continuidade dessas desigualdades, tendo em vista a diferenciação de serviços oferecidos de acordo com as Zonas Administrativas e com os bairros. [ver tabela 07, página 211]. Isso se torna evidente ao observar que a maioria das 70 favelas da cidade situa-se nas Zonas Norte e Oeste, e, além disso, nesses locais também há um maior número de loteamentos irregulares, precários, mostrando, ainda, as discrepâncias econômicas e sociais existentes no interior dos próprios bairros, visto que a população moradora desses loteamentos é de baixíssima renda, assim como os lotes tem baixo preço, segundo Lima. A autora ressalta a “permissividade do poder municipal na comercialização de loteamentos irregulares” (LIMA, 2006, p. 212), no ano de sua pesquisa, que são normalmente vendidos para aqueles que não possuem as condições mínimas para entrar nos programas de financiamento do governo. A precariedade do sistema viário, de trânsito e mobilidade mostra, mais uma vez, a valorização de outras áreas da cidade em detrimento da Zona Norte por parte do Estado. Vale salientar que na época da publicação da tese (2006) ainda não havia sido terminada a ponte ForteRedinha. Sobre a oferta de lazer para a população da Região Administrativa Norte, Dália Lima afirma

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que: “[...] a segregação por categoria social na cidade se reflete quanto às possibilidades de desenvolver maior variedade de tipos de lazer pelos moradores. As diferenças, assim, não se referem às preferências individuais ou coletivas, e, sim, à oferta dessas oportunidades, pois a concentração dos equipamentos e projetos em determinados bairros da própria cidade provoca a necessidade de deslocamento de moradores de certos bairros para desenvolver as atividades de sua preferência, o que vem corroborar com a questão da dificuldade de possibilidades do exercício desse direito nas proximidades das residências em determinadas regiões da cidade (Gráfico 04).” (LIMA, 2006, p. 214) A Tabela 08 e o Mapa 03 evidenciam a falta de variedade de lazer para os moradores das Zonas Norte e Oeste e a má distribuição desses espaços entre os bairros. A autora conclui seu trabalhando reafirmando que se as camadas pobres não reivindicam uma melhor distribuição, a segregação socioespacial “continuará em círculos viciosos, pois a própria segregação dificulta o encontro, a percepção das diferenças e o conflito, que podem ser resgatados numa nova forma de organização do cotidiano.” (LIMA, 2006, p. 219).

Data: 24/04/2012

Rubrica: Marina Dantas

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7 - O TERCIÁRIO (RE)DESENHANDO A PERIFERIA: A Região administrativa Norte de Natal/RN, na última década do século XX, servicializada na Av. Dr. João Medeiros Filho 1 – Identificação: Autor: SOUZA, Rosa de Fátima Soares de Título: O TERCIÁRIO (RE) DESENHANDO A PERIFERIA: A Região administrativa Norte de Natal/RN, na última década do século XX, servicializada na Av. Dr. João Medeiros Filho Dados da Edição: Dissertação (Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGAU/ UFRN). Natal-RN, publicação e defesa em 2008, 157 f. Localização: Acervo SEMURB Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2012. Condições de leitura: acessível para consulta; Observação: Recorte temporal: 2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

X

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

X

X

Caracterização e equipamento: Outras: 3 – Resumo: O trabalho visa analisar o processo de (re) definição do desenho do espaço urbano na Região Administrativa Norte mediante a ação de agentes envolvidos com a espacialização de atividades terciárias, o que vem redimensionando seu papel como periferia de Natal. A transformação da Região Norte de zona “desprovida de atividades econômicas relevantes” em área economicamente participativa – devido à ampliação dos setores de comércio e prestação de serviços atraídos pela implantação de conjuntos habitacionais – se reflete na configuração espacial concretizada. Destaca-se, nesse sentido, a Av. Dr. João Medeiros Filho como principal via indutora das mudanças, concentrando investimentos públicos e privados que induzem a construção de uma nova centralidade.

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INTRODUÇÃO O objetivo geral do trabalho é analisar o rebatimento no espaço urbano de Natal das mudanças ocorridas no setor terciário em área periférica (Região Administrativa Norte). Para tanto, estudou-se o desenvolvimento sócioespacial e a espacialização do setor terciário na região. CAPÍTULO 02 – NATAL E REGIÕES ADMINISTRATIVAS: A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO ADMINISTRATIVA NORTE Inicialmente, é traçada uma trajetória esquemática da evolução urbana de Natal, utilizando autores como Maria do Livramento Clementino e Angela Ferreira, dando ênfase a aspectos econômicos e populacionais. Em seguida, no tópico intitulado “A cidade dividida em regiões administrativas”, narra-se a divisão da cidade em regiões administrativas, através da Lei nº. 3.878/89, agrupando os 36 bairros existentes. A autora destaca que o crescimento populacional no município, entre 1980-2000 (IBGE), se deu conforme distribuição desigual nas regiões. Evidencia a Região Norte como nítida receptora de população. Paralelamente, nos bairros mais antigos, a taxa de crescimento tornava-se negativa. Esse crescimento também não é uniforme no tempo. Entre 1980 e 1991, o crescimento é de 12,22%, e de 1991 a 2000, cai para 5,84%. Dentre os fatores que corroboram para o aumento populacional verificado, a autora destaca a transformação do uso e ocupação do solo, sobretudo nos bairros centrais. Sobre a delimitação dos bairros, coloca-se que Igapó, Potengi, Nª Sra. Da Apresentação, Lagoa Azul, Pajuçara, Redinha e Salinas tiveram suas delimitações definidas por lei de 1993, publicadas no Diário Oficial de 07/09/94. Assinala que Lagoa Azul incorporou o bairro “Passagem da Vila”. Sobre a formação da R.A.N., comenta características da ocupação inicial, nas localidades de Igapó e Redinha; a primeira como “passagem de comerciantes” advindos do interior do Estado e a segunda como local de veraneio da população mais abastada. Comenta que até fins da década de 1960, a vasta gleba que compunha a Região Norte era ocupada por uma população de aproximadamente 7.000 habitantes. Sobre a evolução dos acessos à Região Norte, menciona a construção das 03 pontes sobre o Rio Potengi e a alternativa do sistema fluvial. Em relação ao sistema ferroviário, evidencia a existência da “Linha Norte”, que ainda hoje faz o percurso Natal/Ceará Mirim, pela CBTU. Existem apenas 04 pontos na região, sendo 01 no bairro de Igapó, dois no Potengi (conjuntos Santa Catarina e Soledade) e outro em Lagoa Azul (Conjunto Nova Natal). Apesar da vantagem deste tipo de transporte no

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tocante à velocidade, a autora lista uma série de problemas relacionados à manutenção/funcionamento do sistema, dentre os quais consta a distância entre os pontos de parada e os destinos iniciais e finais dos usuários, bem como a ausência de integração aos modais rodoviários e aquaviários. Nesse sentido, fala sobre o projeto do Terminal de Integração do Bairro Potengi (Conjunto Soledade II), concluído no final da década de 1990, que visava interligar os diferentes sistemas de transporte existentes, mas cuja utilização é considerada incipiente. Passa então a tratar do processo de apropriação do espaço na região norte, enquanto resultado das políticas estatais de habitação pós-1964, conforme o “modelo expansionista”. Segundo Gomes (2000, p.73), a Zona Norte “ganha status no que se refere à localização de empreendimentos urbanos, tendo em vista a construção de vários conjuntos habitacionais”, gerando grandes vazios e o crescimento descontínuo da cidade. Destaca-se ainda a importância do projeto de expansão industrial nordestino, financiado pela SUDENE, para o crescimento efetivo do território urbano de Natal, devido à implantação dos pólos industriais dos municípios circunvizinhos (Extremoz e Parnamirim). Amparada nos estudos de Flávio Villaça (1998), a autora coloca esse processo como uma “reprodução” do que ocorreu em outras áreas do país, que também levaram à “polarização” na localização de ricos e pobres em diferentes “zonas Norte/Sul” da cidade. Ao caracterizar fisicamente os conjuntos produzidos, a autora menciona a adoção do padrão horizontal, e de “partidos urbanísticos estanques, sem nenhuma preocupação com a integração do sistema viário, como também a continuidade de ocupação quanto às áreas existentes” (p.49). Destaca a total predominância da malha de traçado cartesiano e de residências unifamiliares dispostas em lotes individuais com acesso direto à rua, escassa arborização, e “nenhuma preocupação com o sistema de drenagem local”, grandes vazios urbanos, raros equipamentos coletivos. É ressaltada a relação entre a produção dos conjuntos e o interesse de criar condições para reprodução da força de trabalho, compreendendo-se as ações do Estado como suporte à consolidação de um “capital industrial” emergente. A década de 1980 se caracteriza, neste trabalho, como o período de maior incremento de conjuntos habitacionais, e, consequentemente, de população, o que foi acompanhado pela crise do Sistema Financeiro Habitacional (SFH). Tal crise impediu a continuidade da política de habitação social. Após esse “boom” de conjuntos, verificou-se um momento de “inércia” na construção. Registra-se um relato da engenheira da CEF, Enilce Dias, sobre a pressão sofrida pelos proprietários de terra para darse continuidade à implantação desses grandes empreendimentos imobiliários na região.

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Os anos 1990 se destacam, na visão da autora, pela crescente necessidade de um comércio local, além da busca pela expansão dos serviços de educação, saúde e entretenimento; uma demanda que passou a atrair empreendimentos de grupos empresariais significativos. Despontam importantes mudanças no padrão de uso e ocupação do solo, as quais provocam um processo de “elitização” de trechos da R. A. Norte – em especial na área lindeira à Av. João Medeiros Filho, onde se concentram usos comerciais e de serviços. Surgem, nos anos 1990, supermercados, clínicas médicas/odontológicas, colégios da rede de ensino particular (fundamental e médio), postos de abastecimento de gás natural veicular, espaços de cultura, lazer e sociabilidades. Especial atenção é dada pelo ramo da saúde. Além da já referida Av. João Medeiros Filho, a autora menciona a importância comercial adquirida pelas vias de maior circulação (inclusive de transporte coletivo) dos principais conjuntos habitacionais dos bairros Potengi, Lagoa Azul e Redinha. A relevância do setor terciário na região faz com que se passe de área economicamente dependente para supridora, não apenas da própria região, mas também de municípios circunvizinhos. São apresentados dados do IPLANAT acerca da evolução do número de domicílios na região, entre 1980-2000, no que se evidencia o crescimento da participação do total de residências na região em relação à cidade como um todo. De 10,83% (9.994 domicílios), em 1980, salta para 23,32% em 2000 (59.721 dom.). As mudanças no uso e ocupação do solo se revelam, segundo leitura da autora, em transformações espaciais, no padrão urbanístico dos conjuntos e na tipologia das edificações, que refletem o referido “enobrecimento” da área. Passa a tratar especificamente da Avenida João Medeiros Filho (não interessa). Sobre o movimento de emancipação da A.R. A. Norte, coloca que fundamentava-se sobre uma “idéia ingênua”, de melhorar a qualidade de vida dos moradores a partir da transformação da região em município. Ao receber atenção da mídia, esse movimento conseguiu, pelo menos, chamar a atenção das autoridades para a área não mais como “cidade-dormitório” tão somente. Cita entrevista com o presidente da AMOZON sobre a questão e declaração de Luiz Almir, dizendo que apoiaria a proposta de emancipação. CAPÍTULO 03 – TERCEIRIZAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO INTRA-URBANA Capítulo inclui ampla revisão bibliográfica em torno dos temas “cidade local na cidade global”, segregação urbana, centralidade, centro tradicional e novas centralidades, o papel dos serviços e comércio na formação desses fenômenos.

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A autora afirma haver um processo de expansão do capital da cidade de Natal para a Região Norte. A reestruturação da periferia se materializa em mudanças de marcos físicos bem definidos na morfologia da região, como na ocupação de vazios urbanos,

na tipologia das edificações, no traçado e

redimensionamento do sistema viário, e na criação de corredores de comércio. Destaca ainda diversificação das ocupações, onde os conjuntos “legais” passam a conviver com assentamentos irregulares (loteamentos, favelas), e novas formas de ocupação do setor terciário, dando origem a “periferias” dentro da “periferia”. Assinala a importância de se desmistificar a estigmatizada “homogeneidade” socioeconômica da região, ao reconhecer os processos de reestruturação interna mencionados. Reitera o papel da Av. João Medeiros Filho como novo centro econômico. CAPÍTULO 4 – DINÂMICA PRODUTIVA E O PROCESSO URBANO NA REGIÃO ADMINISTRATIVA NORTE Fala sobre a evolução da legislação urbanística aplicada à área, destacando uma lacuna no zoneamento. Embora definida como Zona Especial de Expansão Urbana, além de abrigar uma Zona de Proteção Moderada e uma Zona Industrial, até a década de 1980, a não regulamentação desses instrumentos fez com que parâmetros urbanísticos adequados não fossem aplicados ao crescimento da R. A. Norte. A partir do Plano Diretor de 1994, um novo modelo de zoneamento foi estabelecido. Os bairros com maior concentração de ocupação do setor terciário se transformaram em “Zona Adensável 2” (Igapó e Potengi). Os demais, inclusive Lagoa Azul, ficaram como Zona de Adensamento Básico. Ao estudar a “Cidade Legal” através da expedição de alvarás entre 1991 e 2000, a autora apresenta dados relativos ao bairro de Lagoa Azul. Este destaca-se dos demais pela menor demanda relativa de construções residenciais, correspondentes a apenas 8% dos expedidos, e de uso misto (3,28%). Ainda, é o bairro que apresenta maior proporção de alvarás para serviços (46%) e instituições (6,56%). Os alvarás do bairro representam 6,98% do total da região, superando apenas Pajuçara e Redinha. Ao tentar analisar o perfil do setor terciário na “Cidade Real” a partir do cadastro empresarial realizado pelo SEBRAE-RN, a autora verifica que 74% das empresas atuam informalmente perante a Receita Federal. Não faz qualquer detalhamento da situação do bairro de Lagoa Azul. CAPÍTULO 5 - O REDESENHO DA REGIÃO ADMINISTRATIVA NORTE Trata mais especificamente das avenidas de maior “integração”, que vêm se consolidando como novos eixos de implantação do setor terciário (Rua Bel. Tomáz Landim, Av. das Fronteiras e Av. João Medeiros Filho), em bairros com população de renda média mais alta (Potengi e Igapó). Vê-se que

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essa reestruturação/ requalificação do espaço urbano da Z. Norte a partir do terciário não atinge de maneira significativa o bairro de Lagoa Azul, o que também pode estar vinculado ao menor papel integrador de seus eixos viários numa escala mais abrangente para a região. Assinala a relação entre o “deslocamento” do capital para a Zona Norte como parte de um processo de “desterritorialização” do capital, característica essencial da “sociedade global em formação”.

Data: 25/04/2012

Rubrica: Luiza Lima

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8 - OS CLUBES DE MÃES NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA ZONA NORTE DE NATAL: Cidadania, Sobrevivência ou cooptação? 1 – Identificação: Autor: ARAÚJO, Josélia Carvalho de. Título: Os clubes de mães na produção do espaço na Zona Norte de Natal: Cidadania, Sobrevivência ou cooptação? Dados da Edição: Monografia do Departamento de Geografia – UFRN. Localização: Acervo do CCHLA/ UFRN, Acervo SEMURB. Disponível em: Acesso em: Condições de leitura: Acessível para consulta Observação: 2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

X

Ações sociais:

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

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Caracterização e equipamento: Outras: 3 – Resumo: Introdução (p. 9 a 11): No processo de formação dos Clubes de Mães na Zona Norte de Natal está vinculado à própria formação da área. E por esse processo, estão presentes no desenvolvimento dos Clubes de Mães características inerentes à sua população, quais sejam: insuficiente nível de conscientização, desarticulação política e cooptação. A partir desse desenvolvimento poderá ser detectada a ação destes na participação política, suas mudanças e conquistas. A insuficiência da ação e a pouca intensidade das organizações de base – grupo de pessoas que, de forma autônoma, e no exercício de sua cidadania, reúne-se sob a orientação de objetivos comuns, que se expressa na busca de espaço junto ao poder público em forma de reivindicações revela o baixo nível de conscientização da população.

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Definição e Histórico das organizações de Base na Zona Norte de Natal (p. 12-21): O processo de formação das organizações de base dá-se no meio urbano onde coexistem desenvolvimento e miséria. É através do baixo poder aquisitivo e do déficit habitacional que o Estado gera segregação de classes num mesmo espaço urbano, sob a ideologia da casa própria, o que há décadas tem contribuído para deturpar o real significado da moradia. Para a lógica capitalista extorquir maior lucro, há que evitar a dispersão de suas empresas, promovendo entre elas, maior concentração, evitando altos custos na produção e circulação de mercadorias. Em vista dessa concentração é que se impõe a segregação habitacional. Pois à medida que certa área da cidade concentra indústria, comércio e serviços eleva o preço do solo de áreas circunvizinhas, deslocando a população para a periferia, principalmente quando essa população é desprovida de poder aquisitivo para pagar a habitação nessa área, pois “o preço de solo é incorporado à habitação” (FERNANDES, 1982, p.154). Dessa luta originam-se os movimentos sociais urbanos, que assumem uma forma mais concreta quando se organizam em grupos fixos para reclamarem do Estado a parcela da participação a que têm direito, seja em benefícios de infraestrutura, seja nas decisões sócio-políticas desse espaço. São, portanto a organização de base portadora dos anseios da população que representa e que tenta promover, pelas mais diversas via de ação, o embate entre as classes dominante/dominada – ainda que inconsciente politicamente. Na Zona Norte de Natal essas organizações de base se formaram à medida que a cidade se expandia através da construção de conjuntos habitacionais. Em torno da política comunitária, organizam-se os conselhos comunitários, que já são planejados pelo poder público e estimulados em sua formação, principalmente quando o conjunto pertence à COOHAB – Companhia de Habitação do Rio Grande do Norte. Há outras organizações como: Clube de Idosos, Clube de Jovens, Associação de Mulheres, Centros Desportivos, Clubes de Mães e Grupos Eclesiais. Não se verifica ainda uma ação conjunta de todos os conselhos comunitários da Zona Norte. (O contexto é referente ao ano de 1993). Muitos grupos de base acabam por se tonarem subservientes ao poder público. Os clubes de mães que, reunidos num total de mais ou menos 40, abrigam cada um, um número entre 15 e 30 mães. Esse movimento teve início na Zona Norte de Natal na década de 60.

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Dentre os 80 registrados pela Promoção Social do Município, podemos encontrar atuantes apenas 40 destes. Os objetivos de um Clube de Mães, conforme o Artigo 2º do seu estatuto (anexo 1), podemos constatar que seus objetivos ainda são os mesmo que deram origem a esse tipo de organização quando ainda era trabalhada pelo curso de Serviço Social, da Arquidiocese de Natal. Quais sejam: promover a mulher no processo de mudanças, orientar para a função de mulher e mãe, reunir as mães para, juntas, resolverem seus problemas. Contextualização do Espaço Sócio-Político da Zona Norte de Natal (p.22-25) A construção de conjuntos habitacionais teve seu impulso nas décadas de 70 a 80, apresentando desde seu início, problemas na forma de ocupação, por falta de um planejamento adequado à área. É que a Zona Norte de Natal fora programada para nela morar o conjunto dos trabalhadores de Natal. Mesmo porque o Distrito Industrial fora instalado em Extremoz, próximo à área. A área da Zona Norte de Natal, como um todo, apresenta problemas estruturais de falta de equipamentos coletivos urbanos destinados à educação, ao lazer e a saúde para a população. Assim, como a distribuição espacial dos conjuntos foi programada de modo a não haver integração entre estes, sendo, ao contrário, dificultada pela ausência de vias de circulação, bem como a existência de espaços vazios, onde predomina o lixo. No espaço político que é concedido pelo poder público aos conselhos comunitários, inseremse as demais organizações e movimentos. E na esfera das organizações civis, da Zona Norte, temos: 40 clube de mães, 15 conselhos comunitários, 2 associações de mulheres, 4 associações de moradores, 8 clubes de idosos e 5 clubes de jovens. As organizações de base resultante desse modelo associativo com o poder público subsistem fundamentadas como movimentos sociais. Apresentam-se mais como grupos fechados em seus interesses particulares, do que uma via de luta por reais interesses da população. Assim, tais movimentos são passageiros e desarticulados entre si. Gênese e desenvolvimento dos clubes de mães (p. 29 – 32) Surgiram entre a década de 1940 e 1950 quando a Campanha Nacional de Educação Rural – CNER – em conjunto com a ação pastoral da Arquidiocese de Natal, na Rádio Rural. Tendo essa campanha o objetivo de trabalhar educação da família através das mães. A partir da década de 1960, com a ampliação do espaço urbano, do agravamento da situação

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financeira das famílias, os clubes de mães redefiniram sua forma de ação. Passaram de formadores e educadores da sociedade a espaço de aprendizagem de produção de objetos artesanais para a complementação da renda familiar, porém nem todos os clubes dispõem dessa presença sequenciada de cursos-produção-venda. De produtoras de objetos artesanais, passaram a produtoras de espaços eleitorais, tornaram-se dependentes de políticos que veem nos clubes de mães o espaço ideal para a massa eleitoral de manipulação político-partidária durante os pleitos eleitorais, perdendo sua identidade com as bases, passando a fazer parte dos interesses ideológicos. Contribuição dos clubes de mães para a construção do espaço-cidadania, sobrevivência ou cooptação? (p. 33 – 36) Alguns desses grupos entendem sua contribuição à construção do espaço de forma restrita a encontro de mães, com fins a troca de experiência do cotidiano, como: atitudes na família e na sociedade, na administração do lar, na educação dos filhos, nos “segredo” para superar as crises próprias do dia-a-dia de uma família. Mas há alguns clubes de mães que se envolvem na política comunitária, de forma legítima, exigindo o poder público o que lhe falta enquanto necessidade do meio urbano como: saúde, educação, lazer, comunicação, água, luz – é o momento da conscientização política do grupo. É mais seguro para o grupo quando esse processo é lento, pois há tempo para planejamento, revisão e ação. Quando o processo de conscientização-organização é brusco, é porque este foi organizado por forças externas e, portanto, efêmero é o seu desenvolvimento. A partir do momento em que os grupos negociam favores em troca de posição política, fechase o ciclo de cooptação das organizações de base por parte do Estado. Quando o poder público e os políticos conquistam grupos num determinado bairro, sabemos que esses grupos têm membros líderes, que por meio de ações assistencialistas à comunidade, conquistam grande apreço da população.

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9 - OUTRA LEITURA DO “OUTRO LADO”: o espaço da Zona Norte em questão. 1 – Identificação: Autor: ARAÚJO, Josélia Carvalho. Título: Outra leitura do “outro lado”: o espaço da Zona Norte em questão. UFRN, 2004. Dados da Edição: Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em Geografia. Localização: Acervo SEMURB; UFRN Condições de leitura: acessível para consulta; Observação: Recorte temporal:. 2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

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X

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

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Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

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Caracterização e equipamento:

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Outras: 3 – Resumo: A autora inicialmente aborda que os espaços, numa conjuntura capitalista, se constituem com a finalidade de atender à reprodução do capital e ao consumo da sociedade, sendo dinâmico e contraditório, por estar em permanente mudança e de modo não linear, sempre com contestações, segundo Andrade (1984). Nesse sentido, se enquadram outros elementos materiais e humanos – estes estabelecendo relações sociais que modificam a forma (a paisagem), a função (a apropriação da sociedade e do capital) e a significação (o uso político atribuído pelos atores sociais, levando em conta a utilização do lugar, de acordo com os fins que se pretendem atingir, com base nos jogos de interesse, de pressões e de poder) dos espaços, constantemente. Ressalve-se que Araújo discute esses conceitos de que se utiliza. Além disso, também faz uso de dados provenientes da Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão Estratégica de Natal sobre a geografia da Zona Norte da cidade. Josélia Araújo também versa sobre o interesse do capital imobiliário na área, tendo em vista a

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valorização do solo das outras zonas. O objetivo da sua dissertação é ressignificar a denominação de o “outro lado”, já que o espaço em questão, desde a segunda metade da década de 1990, não apresenta mais tanta homogeneidade, e sim heterogeneidade, apesar de no início de sua formação, na década de 1970, era destinado à população trabalhadora das indústrias que ali estavam se instalando. Entretanto, a autora ressalta que o “outro lado” é uma expressão comum às periferias, que se localizam em locais mais carentes de equipamentos e infraestrutura urbanos e, consequentemente, o valor do solo urbano mais baixo em relação a áreas em que as condições estruturais são mais adequadas. Assim, Araújo busca abordar o histórico de formação e os novos processos que estão em curso na Zona Norte de Natal, em que se modifica o discurso de “outro lado” para “agora a Zona Norte também tem”. Para tanto, a autora utilizar-se-á dos conceitos de planejamento urbano e de gestão do território. A Zona Norte de Natal se formou no contexto de implantação do DIN (Distrito Industrial de Natal – capital do único estado onde ainda não havia tal distrito), e na implantação da política habitacional do SFH (Sistema Financeiro de Habitação), que designou para a Zona Sul o “mercado econômico” de habitação, destinado à população de 6 a 12 salários mínimos por mês; e para a Zona Norte, o “mercado popular”, próprio para aqueles que possuem renda mensal entre 1 e 5 salários mínimos, segundo a RN - Secretaria de Estado de Planejamento (1988). Vale ressaltar que essa política se desenvolve por todo o país e, no Nordeste, através da Sudene (Superintendência do desenvolvimento do Nordeste). Essa homogeneidade inicial (bairro residencial) se deve à atividade econômica instalada (indústria – DIN) em seu entorno (São Gonçalo do Amarante e Extremoz). Isso posteriormente vai gerar uma necessidade de empresas comerciais e prestadoras de serviços “que inicialmente pertenciam à população local”. A partir daí, desse aumento de demanda, começa a haver um maior interesse de empresas de outras regiões da cidade, configurando uma heterogeneidade maior, processo que a autora chama de “nova dinâmica sócio-espacial”. Assim, Araújo objetiva bordar não tão somente a Zona Norte como espaço de segregação, mas também seu processo de “reedição”, e sua heterogeneidade, em que múltiplos atores sociais interagem. “Ao propormos uma Outra leitura do “outro lado”: o espaço da Zona Norte em questão, objetivamos analisar o processo de produção do espaço da Zona Norte, sob a ótica do processo de planejamento urbano e da gestão do território desencadeado pelo Estado, pelo capital

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e pela sociedade – enquanto atores sociais –, tendo o referido espaço como suporte à produção de um espaço industrial e residencial, no início de sua formação; e a expansão do setor terciário nesse mesmo espaço, na atualidade.” (p. 29) A autora define os termos “segregação sócio-espacial” e “exclusão social da população”, se valendo de Castells (1983), de Fischer; Marques (2001), Kowarick (2000). A partir disso, a autora coloca as fontes utilizadas no trabalho: o II PND: 1975-1979 (nível federal), os “Planos de Ação” (de 1972 ao início da década de 1990) e os relatórios da Seplan (nível estadual), e a nível municipal, com a ressalva da “inexistência de planos de governo desde o início da formação da Zona Norte” (p. 30), os Planos Plurianuais (PPAs) – de 1994 a 2005 –, os estudos “Conheça melhor o seu bairro”, “Conheça melhor a nossa cidade”, da Semurb; o “Programa de Desenvolvimento de Ações Integradas da Zona Norte (Pronorte); eventos como o “Programa Câmara nos bairros” e a “I Conferência da Cidade do Natal”; de pesquisas e entrevistas junto à população, a líderes comunitários, a sites governamentais, e a segmentos privados de educação e saúde. Nas páginas seguintes, está a disposição dos capítulos. 1- A Zona norte sob um olhar histórico 1.1- um contexto rural que se fez urbano A autora inicia o primeiro capítulo abordando sobre o início do bairro Igapó (não pertencente a Lagoa Azul), o primeiro a se formar na Zona Norte, em que a renda da população era obtida através da pesca, coleta e comercialização de seus produtos, e do trabalho na construção civil; e a transformação de tal espaço de rural para urbano. “Redinha e Igapó coexistiam antes da consolidação do espaço da Zona Norte, sob a condição de distritos do Natal”. (p. 35). Igapó, antigo “Aldeia Velha” era assim denominado quando inserido ao contexto colonizador da Província do Rio Grande e lá residiam os chefes potiguares. Inicialmente, pertencia a S. Gonçalo e incorporou-se a Natal somente em 1938. (CASCUDO. Nomes da Terra, 1968, p. 91). No entanto, tal bairro foi o foco do princípio da expansão da cidade para o norte, para o lado esquerdo do estuário do Rio Potengi, principalmente a partir da instalação da Ponte Costa e Silva, em 1969. No entanto, isso acontecia de modo precário, com base em técnicas rudimentares. “Igapó e Redinha eram então [+/- 1948 – data de chegada de uma entrevistada ao local] distritos do município de Natal, ainda não atingidos pelo processo de urbanização capitalista na cidade do Natal, portanto, uma espécie de reserva de terras à espera da expansão urbana.” (p. 37). A seguir, a autora versa sobre o caráter predominantemente rural, antes da expansão industrial

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do DIN, e da política do SFH, com poucas casas; e a implantação do Projeto Camarão, na região das salinas. A autora afirma, baseando-se em Silva (2003), que a posse das terras concentrava em Artur Ramos e José Santiago e também traz o depoimento do Pe. Tiago Theisen, um belga que veio exercer o seu sacerdócio em Natal, em 1968, numa área paroquial que abrangia de Quintas a Pitangui, que conta que somente a partir da década de 1980 que a área atingiu uma urbanização, com o desaparecimento das áreas rurais, permitindo a entrada de capital industrial e, consequentemente, imobiliário, com a construção de conjuntos habitacionais. Esse contexto se insere na política desenvolvimentista do regime militar, com a implantação de indústrias e num processo de integração nacional que propiciou a industrialização do Nordeste e a criação da Sudene, tendo por objetivo diminuir as desigualdades regionais e o aumento populacional do Sudeste, em decorrência do grande número migratório, que, por sua vez, “representava uma ameaça à consolidação do capitalismo monopolista no Brasil.” (ARAÚJO, 200?) . A autora também explica de que modo e por que motivos, na verdade, criaram tais políticas de industrialização no Nordeste. Para tanto, Araújo se utiliza de autores como Oliveira (1993), Becker; Egler (1998), Araújo disserta que, após tal industrialização, a população do interior do estado passou a migrar para a capital, devido aos empregos oferecidos pelas indústrias, o que permitiu um maior desenvolvimento do setor terciário e contribuiu para a expansão horizontal da cidade. A ocupação e formação da Zona Norte começou de fato no fim da década de 1960, a partir da construção da Ponta Costa e Silva (RN- SECRETARIA DE ESTADO DO PLANEJAMENTO, 1977), a Ponte de Igapó (como geralmente os moradores a chamam), que abriu um maior espaço para a especulação imobiliária na região, “pela vasta oferta de terras e pelo baixo preço do solo” (ARAÚJO, 200?). a implantação do DIN também contribuiu, nesse sentido, para a transformação do espaço de rural para urbano-industrial, focado na indústria de bens de consumo e na construção civil (conjuntos habitacionais). A autora mostra, de acordo com a SECRETARIA DE ESTADO DO PLANEJAMENTO (1977), que a malha urbana e a industrial se misturavam, de modo a não haver bairros industriais de fato e muitos inconvenientes locacionais. Nesse sentido, o Plano Diretor do mesmo ano corrige tal realidade, delimitando uma “área básica”, na área de entorno de Natal, com pequenos centros urbanos em Natal, Parnamirim, Macaíba, São Gonçalo do Amarante e Extremoz. É principalmente nesse sentido que se dá a formação do bairro Lagoa Azul, o fronteiriço entre Natal e São Gonçalo do

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Amarante. Para Josélia Araújo, isso representa claramente “[...] a intervenção planejada do estado no sentido de favorecer o capital industrial, ao definir uma área de expansão urbana e com potenciais recursos humanos, concentrando abundante mão-de-obra necessária às indústrias a serem instaladas” (p. 43). A implantação do DIN aconteceu em três etapas: “Segundo o Plano Diretor do DIN (RN – SECRETARIA DE ESTADO DO PLANEJAMENTO, 1977), a primeira etapa ocorreu entre junho de 1978 e junho de 1980, consistindo na desapropriação da área, construção de edifícios e instalações, implantação de urbanização e paisagismo, vias transversais e pátio ferroviário. A segunda, entre junho de 1980 e junho de 1984, tendo como meta a implantação de 2,06 quilômetros de via férrea, armazéns de carga e estações ferroviárias de passageiros. A terceira, entre junho de 1984 e junho de 1988, constando da ampliação do número de armazéns, da ampliação das estações rodoferroviárias e de investimentos por parte da Companhia de Água e esgotos do RN (Caern), da Companhia de Serviços elétricos do RN (Cosern) e do Departamento de estradas e Rodagens (DER.” (p. 45). O DIN e a Ponte, portanto, além de abrir espaço para a especulação imobiliária e para a construção civil, também requeria benfeitorias urbanas, a fim de caracterizar essa nova dinâmica socioespacial, em que as terras, que, anteriormente, pertenciam a poucos proprietários, agora seriam loteadas. [ver Figura 02]. Isso fez elevar o preço dos solos. Vale salientar que a construção desses loteamentos aconteceu após a venda das terras pelos proprietários rurais às imobiliárias e ao Estado e através da Cohab e do BNH (Banco Nacional de Habitação), dando um aspecto “urbano” ao “rural” de outrora. Na medida em acontecia a expansão horizontal da cidade, deixava “vazios espaciais”, devido à construção dos primeiros conjuntos habitacionais e à implantação de “equipamentos de superestrutura”, como o Campus da UFRN, que ocupavam sobremaneira a região Sul (que teriam, portanto, terras mais caras), enquanto que os primeiros povoaram a região Norte. A demanda por um maior número de habitações, aumentada pela migração de pessoas do interior do estado para a capital também favoreceu a especulação imobiliária. A Zona Norte surgiu, de fato, como espaço para atender às camadas pobres da sociedade natalense, ou seja, com renda mensal de 1 a 5 salários mínimos. Assim, 85% de sua área foi construída pela Cohab. Assim, a construção civil atuou mais fortemente nessa área, também devido ao alto preço do solo na Zona Sul, que custava quase 80 cruzeiros a mais do que o da Zona Norte.

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Araújo discute os termos gestão do território e planejamento urbano no que tange a formação da Zona Norte, como sendo, assim, uma ação não voltada para o déficit habitacional mas sim de implementação de uma política industrial, de expansão da construção civil e mercado imobiliários, e reprodução dos poderes dominantes frente às camadas empobrecidas. Assim: “Estamos diante de uma nítida estruturação conflituosa de classes na produção do espaço. O estado, consorciado ao capital industrial e imobiliário, à medida que propiciava a reprodução destes, criava condições para a sua própria reprodução enquanto poder institucional, por meio de uma política habitacional de caráter popular, criando um espaço eminentemente de moradia, cuja população, por sua condição carente, se colocava sob sua tutela, dependendo sobremaneira dos serviços públicos, os quais eram precários.” (p. 50) Nos conjuntos habitacionais da região setentrional da cidade, segundo a autora, as habitações têm “entre 50 a 70 m² [...] de área construída [...], num terreno de aproximadamente 225 m².” Nas áreas de auto-construção, a precariedade aumenta, considerando-se que a divisão era feita de acordo com o número de famílias a morarem no local, diminuindo ainda mais o tamanho das residências. Nesse sentido, é importante considerar que a Zona Sul estava destinada, principalmente, a atender ao turismo que se estabelecia na região na década de 1980, enquanto que a Zona Norte surgiu como um bairro para atender à população trabalhadora das indústrias do DIN, isso contribuiu também para o valor do solo (assunto já discutido anteriormente). Assim, o Estado deu mais atenção às questões estruturais na Zona Sul.

Data: 24/04/2012

Rubrica: Marina Dantas

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10 - PELO DIREITO DE IR E VIR NA CIDADE: mobilidade urbana e inclusão social em Cidade Praia – natal/rn 1 – Identificação:

Autor: ASSUNÇÃO, Juciara Conceição de Freitas; ARAÚJO, Maria Cristina Cavalcanti Título: PELO DIREITO DE IR E VIR NA CIDADE: MOBILIDADE URBANA E INCLUSÃO SOCIAL EM CIDADE PRAIA – NATAL/RN Dados da Edição: artigo revista Holos, Ano 24, Vol. 1, p. 48-74, 2008. Localização: Acervo SEMURB; Disponível em: www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/viewFile/118/137. Acesso em: 04/04/2012. Condições de leitura: acessível para consulta; Observação: artigo escrito com base em monografia de conclusão de curso do IFRN Recorte temporal: 2008 2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

X

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

X

Caracterização e equipamento:

Outras: 3 – Resumo: O trabalho discute a importância da mobilidade e acessibilidade urbana para a inclusão social na sociedade contemporânea a partir do caso da localidade “Cidade Praia”, em Lagoa Azul. Avalia-se a disponibilidade de linhas de transporte coletivo que servem à comunidade mediante dados da STTU, conversas informais e questionários aplicados a 50 moradores. Evidenciou-se que as

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linhas de ônibus – integradas às demais por estações de transferência – permitem, em tese, acesso a diversas áreas da cidade. No entanto, a qualidade do serviço é considerada deficiente pelos usuários, sobretudo no que diz respeito à mobilidade no interior do bairro e na ZN. Constata-se ainda a grande demanda por deslocamentos para acesso a serviços básicos, como trabalho, saúde, educação e lazer, para o que a população necessita do transporte coletivo. A autora conclui que a mobilidade urbana não determina a condição de exclusão social, mas constitui uma das ferramentas para sua superação, motivo pelo qual destaca a urgência de sua inserção nas políticas públicas de inclusão. O artigo tem como objetivo analisar “as conexões feitas por uma população de baixos rendimentos na realização das atividades urbanas como trabalhar, estudar, cuidar da saúde, fazer compras e lazer” (p.48), problematizando as relações entre mobilidade urbana e inclusão social. O trabalho estrutura-se em 05 tópicos. No primeiro tópico, O ESPAÇO URBANO, MOBILIDADE E EXCLUSÃO SOCIAL, aborda-se aspectos teóricos da produção do espaço urbano, explicitando conceitos como segregação sócio-espacial, pobreza, exclusão social, acessibilidade e mobilidade, transporte coletivo, a partir de autores como Raquel Rolnik, Ana Fani Carlos, Lobato Correa, Marta Groinsten, Milton Santos e A. Sposati, além dos textos constantes na Constituição Federal e no Estatuto das Cidades.

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3. EVOLUÇÃO DOS TRANSPORTES PÚBLICOS NO BRASIL E EM NATAL

Esse tópico traça um breve panorama da política de transportes coletivos no país, destacando o surgimento dos primeiros serviços de bondes até o impulso dado à “política rodoviarista” a partir da 2ª Guerra Mundial, intensificada durante a Ditadura militar. Rapidamente, aborda a evolução desse processo em Natal, citando a construção da primeira ferrovia como meio de ligação entre Natal e Ceará-Mirim, através da área que hoje compreende a “Zona Norte” e a posterior valorização e ampliação do sistema de transporte público por meio dos ônibus. Evidencia que o sistema de transporte só passou a ser ordenado de maneira integrada ao planejamento da cidade na década de 1980, quando criada a Superintendência de Transportes Urbanos, STU, atual STTU - Secretaria de Transporte e Trânsito Urbano. Sobre o atual sistema de transportes coletivos por ônibus, assinala que “funciona sem licitação, de modo que a regulamentação prevista para a concessão do serviço (...) foi impedida através de liminar, o que vem a confirmar que apesar de se constituir em serviço público é regido pela lógica do mercado” (p.57). As linhas que servem Cidade de Praia, especificamente, cumprem os percursos mais longos da cidade o que é compensado financeiramente pela quantidade de usuários, por Lagoa Azul ser um dos bairros mais populosos. Com relação ao sistema de transporte em geral, cita-se relatório apresentado à STTU pela “Oficina Consultores”, em 2001, no qual se constatou “desigualdades expressivas no serviço oferecido na cidade no que diz respeito à freqüência, a diversificação dos destinos e a taxa de ocupação do transporte nas viagens”. Partindo das noções estabelecidas nos documentos que regem a política nacional de desenvolvimento urbano, no tocante ao transporte e à mobilidade, as autoras assinalas a urgência de ações no sentido de adequação da rede viária ao tráfego em Natal, utilizando-se de dados apresentados por Xavier (2008). O referido autor mostra (em mapa temático) que uma das vias mais comprometidas pela carga de tráfego de veículos excessiva é a que liga todos os bairros da Zona Norte aos demais espaços da cidade, o corredor Felizardo Moura. Sobre os projetos que contemplaram a ZN, as autoras recordam o que tinha como o objetivo de “integrar os bairros da Zona Norte” mediante a construção do “Terminal de Integração de Soledade I”, frustrado “por interesses econômicos”:

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(...) Em entrevista concedida para este trabalho, Flávio Mota da Nóbrega, chefe do Departamento de Estudos e Projetos da STTU, afirmou que a proposta inicial era funcionar com cinco ônibus circulares em bairros distintos que ao chegarem ao Terminal possibilitaria ao passageiro pegar o ônibus de seu destino. Cidade Praia seria uma das contempladas com este serviço, mas este foi impedido de funcionar devido a uma liminar (...). (p. 57)

Sobre os projetos que, à época da pesquisa, estavam em andamento, destaca o programa Prótransporte: (...) está investindo na Zona Norte recursos na ordem de R$ 72,8 milhões, sendo R$ 64,9 milhões do governo do Estado e cerca de R$ 7,8 milhões da Prefeitura do Natal. Apesar de se constituir como obras independentes, o Pró-Transporte vai servir como complemento ao Complexo Viário da Ponte Newton Navarro. Os principais objetivos (...) consistem em agilizar o transporte coletivo com redução de custos para o usuário, reduzir o volume de ônibus na passagem sobre o Rio Potengi e garantir melhor operação para o trem metropolitano (p.59)

Apesar de concordarem com a validade e importância dessa ação, as autoras mostram-se descrentes sobre sua efetivação, dado o histórico de projetos frustrados nessa zona da cidade por “interesses adversos”. 4. PELO DIREITO DE IR E VIR NA CIDADE

Esse tópico traça a caracterização da área de estudo, Cidade de Praia. Inicialmente, abordase superficialmente a formação histórica do bairro no contexto de rápida urbanização da Zona Norte, engrenada no âmbito da política desenvolvimentista adotada pelo Regime Militar. Destaca-se, nesse sentido, a perspectiva segregacionista presente no processo de ocupação da área, com os conjuntos habitacionais construídos a partir da década de 1980, e a segregação interna ao próprio bairro, com a proliferação de ocupações irregulares nos anos 1990 – principais responsáveis pelo aumento populacional de 9.864 residentes para 40.199. Referencia o trabalho de Josélia Carvalho de Araújo (2004), “Outra leitura do „Outro Lado‟: o espaço da Zona Norte em questão”. Para traçar o perfil sócio-demográfico e avaliar equipamentos, serviços e infra-estrutura

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urbana, utilizaram-se dos dados constantes na publicação “conheça melhor seu bairro – Lagoa Azul”, 2005, da SEMURB. Mediante dados da COSERN quanto ao número de ligações elétricas e de telefonia por tipo de uso, infere-se que Lagoa Azul é um bairro predominantemente residencial. Distribuição por ligações de energia: residencial – 12.388 (96,13%); industrial – 40 (0,31%); comercial – 390 (3,03%); público – 60 (0,46%). Por telefonia: residencial – 6.537 (93,08%); comercial – 127 (1,81%); público – 359 (5,11%). Destaca aspectos como elevado índice populacional, baixa renda média, um setor produtivo que não absorve a mão-de-obra disponível gerando necessidade de deslocamentos da PEA; equipamentos de lazer precários, necessidade de se buscar em outros bairros/ zonas da cidade assistência médica e estabelecimentos de ensino de nível superior. Esses aspectos fazem com que o transporte coletivo se torne “um dos meios de inclusão aos espaços da cidade”. 5. A OFERTA DE TRANSPORTE COLETIVO EM CIDADE PRAIA

Inicialmente, apresenta-se as 05 linhas de ônibus que servem a localidade: 01 - Cidade da Esperança/Gramoré ou Cidade da Esperança/Parque dos Coqueiros; 03 - Nova Natal/Campus Universitário ou Nova Natal / Viaduto de Ponta Negra; 10 - Nova Natal/Ribeira; 28 - Nova Natal/CEFET; e 64 - Nova Natal/Petrópolis. As empresas atuantes são a Guanabara (3) e a Rio Grandense (2). Informações detalhadas sobre itinerário, frota, número de viagens diárias, extensão e duração do percurso, extraídas do site da STTU, são sistematizadas em tabela. A partir da análise de cada linha, as autoras destacam problemas como linhas de ônibus com dois itinerários (a 01 e a 03), o que se configurar numa estratégia para não incluir uma nova linha, mediante divisão da mesma frota entre dois percursos. Além disso, ao por passar por ruas distintas na localidade, a linha 01 exige maior tempo de espera em cada parada. A linha 10 e a 64 operam integradas no final de semana e feriados, com frota reduzida (de 109 para 44 viagens diárias), via praia do meio. Identifica-se significativa disparidade entre a oferta durante a semana e nos finais de semana ou feriados. Salienta-se que os destinos principais são a Rodoviária (linha 01); Alecrim e Centro da cidade, local de comércio e prestação de serviços (linhas 10 e 64); e a Zona Sul, onde se concentram shoppings centers, supermercados e serviços turísticos (03 e 28). Ou seja, não se contempla todas as áreas da cidade diretamente, somente através das estações de transferências. No entanto, as estações ainda constituem um sistema considerado deficiente. A linha 01 é a única com maior itinerário na

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Zona Norte. Foram consultadas 50 pessoas, escolhidas alheatoriamente na localidade, sobre sua relação, necessidade ou experiências com o transporte público, bem como opinião sobre o sistema e sugestões, mediante questionário semi-aberto. Constatou-se que 68% utiliza ônibus diariamente. Destes, 60% para trabalhar, 28%, estudar, 64%, fazer compras, 56%, lazer e saúde, e 8%, para serviços bancários. Todos utilizam o ônibus por mais de um motivo. Dos que utilizam de transporte coletivo para trabalhar, os destinos são: próprio bairro, 16%, Cidade Alta, 36%, Lagoa Nova, 32%; Ribeira, Tirol, Petrópolis e Ponta Negra, 4% cada. As zonas Leste e, em segunda instância, Sul constituem-se como pólos de emprego da população. Dentre os que se deslocam para estudar, 14% vão ao Conjunto Santa Catarina (bairro Potengi/ ZN), 14% à Cidade Alta, 14% Lagoa Nova, 44% campus universitário, e 14% Neópolis (UERN). A maioria dos que precisam se deslocar busca cursos de nível superior, ou outras modalidades não existentes na comunidade, como profissionalizantes, de línguas, etc. Visando as compras, os 64% dos entrevistados dirigem-se principalmente à Cidade Alta (41%) e ao Conjunto Santa Catarina (32%). Para atendimento de saúde, 44% buscam os serviços ambulatoriais do próprio bairro. No entanto, para atendimento de urgência, emergência e maternidade, ou via plano de saúde, transladam-se ao conjunto Santa Catarina (12%), onde há um hospital, Centro (16%), Alecrim (12%), além de Petrópolis, Lagoa Nova e Igapó. Dos 56% que se deslocam visando o lazer 86% indicam as praias urbanas e 14% os shoppings de Lagoa Nova. Os que não se utilizam de transporte disseram freqüentar casas de parentes e amigos. Para utilização de serviços bancários e de correios, viagens ao conjunto Santa Catarina são necessárias. Para 88% dos entrevistados, o serviço de transporte coletivo não possibilita ida e vinda a todas as áreas da cidade, destacando a necessidade de pagar duas passagens para ir a bairros da Zona Norte, como a Redinha (praia mais próxima). Evidenciam que é preciso aprimorar o sistema de estações de transferência. A maioria (86%) dos entrevistados já deixou de comparecer a um compromisso devido a demora, insegurança ou quebra do veículo. É quase unânime a avaliação negativa (ruim) da qualidade do serviço, sobretudo em quesitos como conforto, freqüência, ponto de parada, opções de linha e custo. Atendimento é o ponto melhor avaliado (68% - regular). De modo geral, 64% dos entrevistados avaliam o serviço como péssimo, 20% como ruim.

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As autoras aferem ainda mediante questionário que a maior parte (92%) dos entrevistados não sabe como expressar sua opinião e reivindicar melhorias. Os poucos que tentaram o número da STTU, não obtiveram resultado. Conclui-se que apesar da grande necessidade de a população deslocar-se por ônibus para ter acesso a atividades urbanas, nem todas as viagens desejadas podem ser realizadas (especialmente no interior da Zona Norte, com destaque para Redinha) ou não são satisfatórias, o que resulta no cerceamento do direito à cidade e do pleno exercício da condição de cidadão. Além disso, reitera-se a importância da mobilidade como ferramenta para superação da condição de pobreza, conforme já assinalado pela bibliografia citada no primeiro tópico. Assim, terminam por dizer que esta pode ser considerada “uma das cinco bases da inclusão social, ou seja, as políticas de inclusão devem agregar além da mobilidade urbana as políticas de emprego e renda, saúde, educação e habitação e que ambas se fortaleçam como política de Estado e não de governos”. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRANSPORTES PÚBLICOS - ANTP. Transporte Humano: cidades com qualidade de vida. São Paulo: ANTP, 1997. ARAÚJO, Josélia Carvalho de. Outra leitura do “Outro Lado”: o espaço da Zona Norte em questão. 2004. 267 f. Dissertação (Mestrado em Geografia). Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2004. BRASIL. Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001. Estabelece diretrizes gerais da política urbana. Disponível em: Acesso em: 29 nov. 2007. CARLOS, Ana Fani Alessandri. O espaço urbano: Novos Escritos sobre a Cidade. São Paulo: Labur Edições, 2007, 123p. Disponível em: . Acesso em: 2 jan. 2008. CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal. Natal: RN Econômico, 1999. CORRÊA, Roberto Lobato. Espaço, um conceito chave da geografia. In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo César da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato (Org.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 1995. ______. O espaço urbano. Rio de Janeiro: Ática, 1989. GOMIDE, Alexandre de Ávila. LEITE, Sabina Kauark. REBELO, Jorge.

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Data: 04/04/2012

Rubrica: Luiza Lima

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11 - Política habitacional e expansão da Zona Norte de Natal. 1 – Identificação: Autor: DA SILVA, Irilene Oliveira. Título: Política habitacional e expansão da Zona Norte de Natal. Dados da Edição: Dissertação de Mestrado em Geografia. CCHLA – UFRN, 2005. Localização: Acervo do CCHLA/ UFRN, Acervo SEMURB. Condições de leitura: Acessível para consulta 2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

X

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

X

Outras: 3 – Resumo: O processo de formação da Zona Norte de Natal (p.22-52) A origem da Zona Norte de Natal está atrelada a existência de dois núcleos urbanos: o Distrito de Igapó e o da Redinha. O Distrito da Redinha pertencia ao município de São Gonçalo do Amarante. Só em 1943 há a incorporação do distrito à cidade do Natal (Decreto Lei nº 268, de 30/12/1943), passando a receber investimentos realizados pelo poder público, como: mercado, clube social, energia, entre outros benefícios. O crescimento do Bairro ocorreu na década de 1980, em decorrência da expansão de Natal e da construção dos conjuntos habitacionais Redinha Nova, Jardim das Flores e Niterói. O distrito de Igapó, em 1938, também pertencia ao município de São Gonçalo do Amarante. Porém, a administração do município nessa época era de responsabilidade do município de Macaíba. Quando foi incorporado a Natal, em 1953, pelo Decreto Lei 1981/53, esta área era constituída como zona rural. O seu desenvolvimento era muito lento e ainda não tinha sido influenciado pelo processo de urbanização que vinha ocorrendo na cidade. Essas terras, de acordo com Silva (apud ARAUJO, 2004, p. 39), “só tinham dois proprietários – o senhor Arthur Ramos e o senhor José Santiago”,

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conhecida naquela época como aldeia Aldeia Velha. Em 1953 já havia ocorrido na Zona Norte o primeiro parcelamento de terra. Nessa época toda área pertencia apenas a seis proprietários – Jeremias P. da Câmara, Ana Almeida Dantas, Humberto e Múcio Queiroz, José Cavalcante B. Santiago e Artur Gonçalves Ramos (p.130). A Zona Norte de Natal foi delimitada como área urbana pelo “Decreto 2.2221/74, abrangendo uma porção de Igapó, como área prioritária para implantação de serviços públicos e para construções de habitações populares” (CUNHA, 1987, p. 119). A construção da ponte rodoferroviária, em 1969, abriu novos horizontes para Igapó em termos de crescimento. A presença de indústrias e da infraestrutura criada para dar suporte ao desenvolvimento desse setor contribuiu para a elevação do preço do solo. A ponte pode ser apontada como um empreendimento importante no processo de construção do território. A instalação do Distrito Industrial de Natal (DIN), na década de 1970, foi incentivada pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), visando o desenvolvimento do setor industrial, para cumprir com o objetivo de diminuir as desigualdades que se acentuavam. Dentro do programa de industrialização da Sudene, Natal foi beneficiada com a implantação de algumas indústrias. O financiamento para o setor veio do capital nacional através do incentivo 34/18. Após 1973, em decorrência da ampliação de investimento em infraestrutura e na produção de moradias, aumentaram as transformações nessa área da cidade. A aquisição de terras para a construção de conjuntos habitacionais pela Companhia de Habitação Popular do Rio Grande do Norte (COHAB/RN) dava-se através da compra ou da permuta. Os recursos das Poupanças Voluntárias, dos Empréstimos e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) eram destinados à promoção de habitação. A introdução do capital imobiliário na área direciona a produção sócio espacial da Zona Norte, sob a permissão do Estado que passa a promover a reprodução do capital e a reprodução da mão de obra necessária para a indústria, encontrando na habitação a mercadoria capaz de não só de promover essa acumulação, mas também a estabilidade social, desencadeando a chamada urbanização da periferia, na qual, o espaço rural ainda existente passa a ser substituído por um espaço urbano. A COHAB/RN chegou a desapropriar terrenos de particulares para serem reservados para a construção de moradias populares em massa. As terras desapropriadas pela COHAB/RN, as quais pertenciam ao loteamento de Santa Catarina, eram propriedades de empresários e sitiantes, enquanto

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a terra do Panatis pertencia a proprietários particulares que foram obrigados a vender suas terras para futuros empreendimentos da COHAB/RN. Essa desapropriação intensificou a especulação imobiliária. Na década de 1970, a área em questão já tinha passado por transformações em função da presença do DIN de Natal e da implantação dos primeiros conjuntos habitacionais, entre eles, o conjunto Potengi (1976), Panorama I e II (1978), Soledade e Panatis I (1979). Como espaço de consumo, a Zona Norte é local de residência da classe trabalhadora e de investimento em bens de serviços para atender a essa classe social. Os excluídos da política habitacional pelo BNH também se transformaram em agentes sociais concretos e produtores do seu espaço, tendo em vista que ao serem excluídos dessa política que é extremamente seletiva, os mesmo passaram a construir sua própria moradia independente do Sistema Financeiro de Habitação. 3.2 A política habitacional no Rio Grande do Norte (p. 73-86) Segundo o plano de ação 1993/96, durante a atuação da Fundação da Casa Popular foram construídas 96 unidades habitacionais em todo o estado, sendo Natal contemplada com 72 dessas unidades habitacionais. O fato de 81% dessa produção terem sido localizadas na cidade estava associado a um expressivo crescimento populacional gerado pela instalação da base aérea e na construção de rodovias que ligavam Natal a Parnamirim O governo do Estado do Rio Grande do Norte só elaborou seu primeiro plano voltado para o setor de habitação popular em 1963. Nesse período foi instituído a Fundação da Casa Popular (FUNDHAP), criada a partir do convênio feito com o governo americano, através da Aliança para o Progresso, que atuou até 1971, quando foi substituída pela COHAB/RN. Ver Plano de Ação 1993/96. Em 1975, com a criação da Secretaria do Estado e do Bem-estar e Ação Social (STBS), que atuavam junto às Cohabs foram criados dois programas de interesse social: o Capital e o Crescer. O crescer tinha suas ações voltadas para o desenvolvimento urbano e atuava nas áreas da periferia da cidade. A sua meta era promover melhorias nas condições habitacionais, mas também, procurar dar assistência social à população na área de saúde, trabalho e assistência aos menores. O programa Capital tinha como estratégia atender à população carente da Grande Natal, através da articulação e da integração entre os municípios que a compõe, e os órgãos administrativos do estado. Atuava na área de saneamento básico, saúde, educação e cultura, transporte e na geração

222

de empregos, além do setor de habitação. Na administração do governador Tarcisio de Vasconcelos Maia, entre os anos 1976-1979, segundo o Plano de Ação do governo, as condições habitacionais eram insatisfatórias. Grande parte da população vivia em péssimas condições habitacionais em todo o Estado. Ficava claro para o governo que esse déficit estava associado ao baixo nível de renda da população do Estado, embora o processo de imigração rural tenha contribuído para o aumento na crise de moradia. O programa Capital beneficiou na Zona Norte, os bairros de Igapó e Potengi. Além da construção e melhorias nas habitações, o programa investiu em infraestrutura e na legalização de terrenos públicos e melhoria das favelas. Esses programas foram substituídos em 1987 pelo Projeto Teto Novo, o qual deu continuidade ao programa anterior que procurava erradicar as favelas existentes na cidade. Em 1988, com as verbas da Secretaria de Ação Comunitária e do Governo Federal, foram criados os programas mutirão habitacional e o Fala Favela. Em âmbito municipal, a prefeitura de Natal, passou a atuar de forma mais marcante ao problema habitacional a partir de 1993, quando foi implantada uma política de interesse social. Ver planos de ação de 1993-1996. Sobre a coordenação da SEMOV, destacou-se o programa Morada Nova. Esse tinha como objetivo promover a melhoria habitacional e construção de novas unidades habitacionais em dez bairros. O resultado desse programa não foi o esperado, pois acabou beneficiando apenas o bairro de Felipe Camarão. Natal foi a primeira cidade brasileira a receber recursos do governo Federal para a urbanização de favelas através do Programa Habitar Brasil. A Zona Norte da cidade foi contemplada com esse programa que deu início a urbanização e construção de moradias nas favelas da África e Rio Doce, localizada no bairro da Redinha, as favelas Bem-te-vi, localizadas no bairro Potengi, José Sarney e Gramorezinho, localizadas no bairro de Lagoa Azul. Essas ações atendem às famílias que vivem em favelas e áreas de risco da cidade, e que devido às péssimas condições de habitabilidade causam impactos negativos ao meio ambiente. Para a DEHA é preciso cuidar dessas áreas para que haja sustentabilidade ambiental, mas não é isso que vem acontecendo na Zona Norte, pois a ocupação de áreas vulneráveis como o mangue do Estuário do Potengi, as dunas do Rio Doce, vem sendo realizada por famílias de baixa renda. Ver Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão estratégica, 2005. Após 1964, o Estado passou a financiar de forma marcante o espaço urbano no país. Foram,

223

segundo Bonduki (1998, p.318), “quase cindo milhões de unidades habitacionais suficientes para abrigar cerca de vinte milhões de pessoas, [...]. Em algumas cidades, quase 40% das moradias construídas no período foram, de alguma forma, financiadas por organismos oficiais.” A exemplo disso, a produção do espaço urbano da Zona Norte de Natal foi financiado praticamente pelo poder público. 4.1 – Os conjuntos habitacionais e a produção capitalista socioespacial da Zona Norte de Natal. (p. 92-107) As zonas Sul e Norte de Natal foram as mais privilegiadas pela política habitacional. Cabendo a primeira, 49,60% da produção e à segunda 45,19% das unidades construídas pelo poder público

no

município

de

Natal.

4.2 Conjuntos Habitacionais: Espaços privilegiados. (p.109 e 127) Silva (2003, p.111), chama a atenção para o crescimento acelerado e desordenado da Zona Norte. Nesse crescimento, os loteamentos foram se intensificando, sendo muito desses ilegais, uma vez que “a área ocupada pelos conjuntos habitacionais representa apenas 37,46% do total, contra 62,53% dos loteamentos”. Pode-se perceber que o grande investimento realizado pelo Estado na construção de moradia não conseguiu atender toda a população, contribuindo para que os mesmo busquem nos loteamentos uma nova solução para essa questão. Se os conjuntos foram entregues sem infraestrutura adequada, coube ao Estado, no âmbito municipal e estadual, promover alguns dos itens descritos no projeto de construção de habitação do BNH. 5 – A política Habitacional e a expansão da Zona Norte de Natal. (p. 129 e 145) A construção de moradias em conjuntos habitacionais financiada pelo Estado não resolveu o déficit no setor e ainda fez emergir uma nova forma de construir a casa própria, segundo a lógica do loteamento e autoconstrução. O número de construções de moradia pelo processo de autoconstrução em loteamentos cresceu junto com a implantação dos conjuntos habitacionais. Tal fato está associado à exclusão de parcela da população da política do BNH. Essa exclusão está vinculada aos baixos salários pagos aos trabalhadores ou até mesmo a inexistência de um salário fixo que cubra as exigências para aquisição da casa própria financiada pelo Estado. Ver dados atualizados sobre as favelas – SEMTAS/SEMURB.

224

FICHAMENTOS (JORNAIS)

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1 - É nos conjuntos a morada dos esquecidos / A morada dos esquecidos 1 – Identificação:

Autor: Tribuna do Norte. Texto: Josimey Silva. Fotos: Ivanísio Ramos Título: É nos conjuntos a morada dos esquecidos / A morada dos esquecidos Dados da Edição: Tribuna do Norte, 15 de fevereiro de 1981. Capa/ “Caderno de Domingo” Localização: Arquivo Público do Estado. Jornal Tribuna do Norte, 1º trimestre de 1981. Condições de leitura: Fotografia legível. Observação: Manchete de capa e noticia na íntegra. Recorte temporal: 1981

2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

X

Caracterização e X

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

equipamento: X

X

Outras: _____________________________________________________________________ 3 – Resumo

Transcrição

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É nos conjuntos a morada dos esquecidos. É com mais de quatro anos de existência dos conjuntos habitacionais da margem esquerda do rio Potengi o saldo de problemas é superior ao das soluções, segundo pesquisa realizada junto aos moradores. Falta, praticamente, tudo, em se tratando de serviços básicos e essenciais à população, como fornecimento regular de energia elétrica, água, transporte, além de falta de escolas e de um sistema de abastecimento. No mais antigo desses conjuntos, o Panatis, os moradores são tristes e revoltados. Nas ruas principais falta até mesmo calçamento. No Santa Catarina, há calçamento em algumas ruas – mas a areia já cobriu tudo.

A morada dos esquecidos A vida nos conjuntos habitacionais do outro lado do rio Potengi não é fácil: [?] em número insuficiente de colégios, pronto socorro, [?] e até em atividades nos centros comunitários não são o desejado. (...) A situação agrava nos conjuntos Santa Catarina e no Panatis, onde existe um grande número de insatisfeitos. No Santa Catarina, o principal problema é a falta de água aliada à ausência de [?]. No Panatis, os moradores reclamam que, apesar de ser um dos mais antigos, o conjunto tem poucas [?] calçadas e, para conseguirem pegar um ônibus, esperam até duas horas, porque os moradores dos outros conjuntos lotam os transporte antes que cheguem lá. NEM ÁGUA O fornecimento de energia elétrica raramente é interrompido e os transportes coletivos são suficientes para atender à população do conjunto Santa Catarina. (...) As queixas são outras. Francisca Iaponira da Silva é um dona de casa que há cerca de um ano na [?] Veloso. Apesar de [...] sem água há três dias, e [?] é um problema que existe [?] a construção do Santa Catarina. Existem, no entanto, outros problemas apontados por Francisca: “Não temos assistência médica suficiente nem pronto-socorro, lazer não existe, e eu nem sei o que as assistentes sociais daqui fazem”. “Nosso centro comunitário não tem quase nada. Só temos um colégio de 1º grau, deveria existir também para o 2º. E a segurança é precária: na minha rua nunca houve roubo, mas nas

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outras tem todo dia e só há policiamento no Panatis. Nós ficamos desamparados”, afirmou outra dona-de-casa, Antônia Freire Amorim Sá. Outros moradores confirmaram essas declarações, dizendo que é preciso muita atenção para poder armazenar um pouco d‟água. Severino Ferreira, que tem uma mercearia na Rua Hidrolândia, disse que queria mais honestidade no conjunto, acrescentando ter medo de deixar a casa sozinha até durante o dia. Segundo explicou, há ruas em que não se pode transitar durante a noite, principalmente as mulheres: “As pobres coitadas vivem sendo perseguidas por homens despidos. E nós, homens, somos roubados”. NEM ÔNIBUS No conjunto Panatis não falta água, policiamento, em compensação, faltam colégios, ônibus, calçamento, pronto-socorro e centro comunitário. O conjunto é dos mais antigos da outra margem do Potengi, mas a aparência é das mais abandonadas. Eunice Leôncio tem 19 anos, é estudante e mora com a família na Rua das Palmácias há cerca de dois anos. Dizendo que poucas ruas dos conjuntos são calçadas, reclamou do problema da falta de ônibus em número suficiente: “Tem poucos ônibus e muita gente. A gente chega a esperar até duas horas para pegar um, já que eles passam direto porque vêm cheios de gente do Santa Catarina e Soledade. Nosso conjunto é o último, por isso que é assim, e a coisa pior de manhã, quando muita gente vai trabalhar”. Outras reclamações se referem ao pronto-socorro, que já foi construído e destruído por marginais e moleques, se nunca ter funcionado. Quanto ao colégio, não existem, a não ser por um jardim de infância no próprio conjunto, e escolas em Igapó e no Santa Catarina.

Data 22/11/2012

Rubrica : Tyego F. da Silva

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2 - BNH fixa a política de compra de terrenos para novos conjuntos habitacionais 1 – Identificação: Autor: Diário de Natal Título: BNH fixa a política de compra de terrenos para novos conjuntos habitacionais Dados da Edição: -----Localização: Arquivo Público do Estado Condições de leitura: Disponível em JPEG Observação: ----Recorte temporal: 1981

2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

x

Ações sociais:

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

Caracterização e

x

equipamento: x

Outras: _____________________________________________________________________ 3 – Resumo: O Banco Nacional de Habitação irá implantar, durante o ano de 1981, uma politica de preços de compra de terrenos, destinados a habitações populares, na qual se eliminarão quaisquer acréscimos decorrentes de especulações. Estabelecerá um valor máximo em metros quadrados, admissível para cada cidade. Acima deste valor o Banco não comprará, nem financiará, impedindo um crescimento especulativo do custo da habitação popular, segundo informou anteontem, José Lopes de Oliveira, presidente do BNH.

Através da Diretoria de Terras, criada nesta administração, o BNH está concluindo um estudo envolvendo todas as capitais e regiões metropolitanas do país, onde ficará determinada a distribuição especial dos investimentos públicos em infra-estrutura urbana, tais como água, energia elétrica, esgoto e eixos viários. Este estudo indicará ao BNH a

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localização mais adequada para empreendimentos habitacionais e permitirá que o Banco compre terras para empreendimentos populares, antes que os investimentos públicos cheguem às áreas a serem adquiridas, reduzindo significativamente o custo dos imóveis.

O estudo realizado pela Diretoria de Terras do BNH pretende lançar na mesma base cartográfica: empreendimentos habitacionais já implantados pelo BNH, linhas de abastecimento de água, linhas de esgotos sanitários, terrenos em oferta na cidade, programas de desenvolvimento urbano do BNH e principais eixos de transporte. Os terrenos em oferta terão cadastro de preço e localização. Por aí o BNH poderá definir os eixos prioritários de desenvolvimento urbano, os quais determinarão a compra de terrenos e a localização dos empreendimentos habitacionais populares.

Durante o ano passado, 41,6 milhões de metros quadrados de terras foram adquiridos pelo Banco Nacional de Habitação e seus agente promotores, em todo o Brasil, para a construção de habitações populares. Desse montante, 32,2 milhões de metros quadrados foram adquiridos através de Companhias de Habitação Popular (COHABS) e 9,4 milhões foram adquiridos diretamente pelo BNH.

Data 22 / 11 / 2012

Rubrica: Matheus Câmara da Costa

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3 - COHAB vai construir no Estado mais de nove mil residências até 79/ COHAB-RN: mais 9.000 casas até 79 1 – Identificação: Autor: A República. Título: COHAB vai construir no Estado mais de nove mil residências até 79/ COHAB-RN: mais 9.000 casas até 79 Dados da Edição: A República, 17 de maio de 1975. Localização: Arquivo Público do Estado. Jornal A República, 1975 Condições de leitura: Fotografia legível. Observação: Manchete de capa e noticia na íntegra. Recorte temporal: 1975

2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

X

Caracterização e equipamento:

X X

Outras: _____________________________________________________________________ 3 – Resumo

Transcrição

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COHAB vai construir no Estado mais de nove mil residências até 79 O Programa Estadual de Habitação Popular do Governo Tarcísio Maia, que será executado através da Cohab-RN, vai construir, até 1979, um total de 9.200 casas. Os investimentos serão da ordem de Cr$ 300 milhões. As informações foram liberadas, ontem, pelo Diretor-Presidente da Cohab, economista Ezequias Pegado. O programa será cumprido dentro das normas técnicas do BNH e visa atender aos mutuários na faixa entre um e seis salários mínimos. Na primeira etapa, serão entregues 250 unidades por mês. (Matéria na página três). COHAB-RN: mais 9.000 casas até 79 Até 1979, a Cohab-RN deverá construir, no Rio Grande do Norte, um total e 9.200 casas,

X

231

distribuídas nos três conjuntos atualmente em construção e em 13 novos já projetados, incluindo os programas de terreno próprio de Natal e Mossoró. Esses foram os dados liberados pelo Diretor-Presidente [...], dentro das normas técnicas do BNH e dos objetivos de atender aos mutuários na faixa entre um e seis salários mínimos e vencimentos mensais. O PROGRAMA Para a elaboração do Programa Estadual de Habitação Popular, a exemplo do que todos os Estados deverão fazer, a Cohab calculou a previsão do número de casas que deverão ser construídas até o final deste ano, distribuídas no conjuntos Lagoa Nova II, Jiqui e Potengi, num total de 1.266 unidades residenciais. Nessa primeira etapa, referente ao exercício de 1975, a Cohab prevê a entrega de 250 unidades por mês, a partir de julho, representando um investimento de Cr$ 36 milhões para as 1.266 unidades. Além desses conjuntos em construção na área de Natal, a Cohab deverá construir em Mossoró, através do Programa Terreno Próprio, 100 casas. O programa é composto das 1.266 unidades já em construção na Grande Natal e mais 4.700 unidades a serem construídas no Planejamento Quadrienal 1976/1979, além do Programa de lotes Urbanizados, a ser lançado ainda neste semestre, pois dependerá da estruturação a ser fixada pelo BNH, cuja previsão atinge três mil unidades. NOVOS CONJUNTOS Assim, além dos três conjuntos já em construção, no caso Jiqui Potengi e Lagoa Nova II, a Cohab construirá, entre 1975 e 1979 mais 13 novos conjuntos no Rio Grande do Norte, sendo nove na região da Grande Natal, um em Macaíba, um em Pau dos Ferros, um em São Gonçalo do Amarante e um em Mossoró. Atualmente, segundo revelou o Sr. Esequias Pegado, os conjuntos Macaíba (em Macaíba), Pau dos Ferros (em Pau dos Ferros) e Igapó (em Natal), encontram-se em análise, no BNH, onde deverão ser homologados para o financiamento final e a execução. Os 10 projetos restantes estão em fase de planejamento e serão submetidos ao Banco em caráter gradativo, mas todos estarão construídos até 1979. Somando os 13 novos conjuntos e que constam do Programa com os três já em construção, além do Programa de Lotes Urbanizados e o de Terreno Próprio, a Cohab deverá constuir, até 1979, um total de 9.200 unidades residenciais.

232

LOTES URBANIZADOS Embora o lançamento do Programa Lotes Urbanizados esteja na dependência da estrutural final a nível estadual para todo o país, o que deverá ser definido pelo BNH, a meta é atender a mutuários que não tenham renda fixa ou mesmo abaixo do salário mínimo da região onde vive. Explica o Diretor Técnico da Cohab, engenheiro Elias Fernandes Neto, que o programa de Lotes Urbanizados tem como objetivo fundamental o financiamento de lotes dispondo de redes de água, esgoto e energia, além da pavimentação e equipamentos comunitários, como escola, igreja e posto de saúde, etc. Grandes áreas serão urbanizadas totalmente pela Cohab, proporcionando ao mutuários com renda indeterminada ou abaixo do salário mínimo, condições satisfatórias de construção da casa própria, em caráter gradativo e sob a orientação e financiamento da Cohab.

Data 22/11/2012

Rubrica : Tyego F. da Silva

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4 - Nova Natal: conjunto com mais problemas da cidade 1 – Identificação: Autor: Tribuna do Norte Título: Nova Natal: conjunto com mais problemas da cidade Dados da Edição: -----Localização: Arquivo Público do Estado Condições de leitura: Disponível em JPEG Observação: ----Recorte temporal: 1982

2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

Caracterização e

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equipamento: x x

Outras: _____________________________________________________________________ 3 – Transcrição: Um dos últimos conjuntos inaugurados no pacote de obras de fachada entregue pelo exprefeito, o Nova Natal é, segundo os seus moradores, o pior “lugar que um cristão poderia ter a infelicidade de escolher para residir”. Não tem nada. A maior prova é que seus moradores se socorrem nos conjuntos vizinhos – Soledade e Santa Catarina – que, por sua vez, têm um pouco menos do que nada. O mais comum, no Nova Natal, é a caravana de pessoas empurrando carrinhos de mão com bujões de gás em direção aos conjuntos vizinhos onde vão tentar encontrar quem revenda o produto – naturalmente por um preço muito superior ao normal, que já não é fácil. Ônibus, abastecimento, escolas – tudo difícil. E as casas...

No Nova Natal falta tudo. De sobra, só os problemas. Uma carrocinha de mão é o meio de transporte que está sendo utilizado pelos moradores do conjunto residencial Nova Natal para carregar mercadorias e botijões de gás butano, de

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um conjunto para outro. Inaugurado há pouco tempo, o Nova Natal não possui serviços de ônibus, posto de saúde, escola, mercado ou mercearias, onde os moradores possam comprar alimentos de primeira necessidade. Para comprar qualquer gênero de primeira necessidade os moradores têm que se deslocar a pé para os conjuntos vizinhos, como o Soledade I, Santa Catarina ou Panatis, distantes aproximadamente dois quilômetros. As casas do conjunto Nova Natal são consideradas feias e mal acabadas e muitas já começam a apresentar rachaduras nas paredes, problemas na instalação hidráulica e rede elétrica. A divisão entre uma casa e outra é feita por uma cerca de madeira de mais ou menos cinquenta centímetros de altura e os moradores não têm sequer uma idéia de quando dos transportes coletivos começarão a circular. Como as ruas do conjunto não são pavimentadas, os donos das empresas de transporte não querem colocar os seus veículos para circular por alí, alegando as péssimas condições das ruas para danificar os ônibus, que ainda correm o risco de ficar atolados por causa da grande quantidade de areia.

SEM ESTRUTURA Por enquanto, apesar de todas as casas terem sido entregues, poucos mutuários se mudaram para lá, por causa da total falta de estrutura com que o conjunto foi entregue. Os poucos mutuários que já estão residindo no Nova Natal estão enfrentando sérios problemas, especialmente quanto aos transportes coletivos. O ponto de ônibus mais próximo do Nova Natal, fica localizado no conjunto Santa Catarina, distante dois quilômetros, e no percurso não existe postes de iluminação pública, o que torna o caminho muito perigoso para os que percorrem à noite. Uma das grandes preocupações dos moradores, especialmente os que possuem filhos menores, é com a falta de escolas nas proximidades e a falta de pavimentação das ruas, o carro fornecedor de gás de cozinha e o carro coletor de lixo também não estão circulando pelo conjunto e os moradores não sabem como resolver a situação. O problema da compra do gás está sendo solucionado através de vizinhos que possuem carros de mão para ir busca-lo no conjunto Panatis. Mas com o lixo, o problema é mais sério, porque não podem deixá-lo armazenado dentro de casa, nem querem jogá-lo no meio da rua, para que o conjunto não se torne sujo e cheio de muriçocas.

SOCORRO URGENTE

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A falta de um pronto socorro de urgência ou mesmo uma farmácia na vizinhança também tem preocupado os moradores, tanto por causa da distância em que o mesmo está situado, como por causa da falta de transportes nas proximidades. Em caso de urgência, diz Justiniana de Jesus, não temos nem para quem apelar, porque mesmo que um dos vizinhos que possui carro e que são poucos, queiram levar o doente até um hospital, por causa dessa distância, ele já chega lá morto. A falta de um pronto serviço de atendimento de urgência é um reivindicação de todos os moradores de conjuntos localizados na Estrada da Redinha, porque o pronto socorro mais próximo é o do Hospital Walfredo Gurgel, em Lagoa Seca.

Data 22 / 11 / 2012

Rubrica: Matheus Câmara da Costa

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5 - Drama dos conjuntos: não há escolas 1 – Identificação:

Autor: Tribuna do Norte Título: ”Drama dos conjuntos: não há escolas” Dados da Edição: 1982 Localização: Arquivo público do estado Condições de leitura: Fotografia legível Observação: Recorte temporal: 1982

2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

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Caracterização e

equipamento:

Outras: _____________________________________________________________________ 3 – Resumo

Transcrição

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Drama dos conjuntos: não há escolas

Os mutuários dos conjuntos habitacionais localizados na estrada da Redinha não têm escolas para matricular seus filhos. A denúncia é feita pelos próprios moradores, que solicitam à Secretaria de Educação uma providência urgente, “porque nossos filhos não podem ficar sem estudar”, reclamaram. Na estrada da Redinha estão localizados vários conjuntos residenciais, entre os quais Panatis I, II e III, Santa Catarina, Panorama, Potiguar, Soledade I e II e para atender esta população existem apenas cerca de cinco escolas, das quais nenhuma possue (sic.) capacidade para mais de 200 alunos. No conjunto Soledade II, recentemente inaugurado, existem 1945 casas, nas quais em cerca de 80 por cento moram crianças em idade escolar e que estão enfrentando um verdadeiro drama, com a falta de estabelecimento de ensino onde as mesmas possam estudar. No conjunto existem dois prédios que, segundo comentários dos operários da empresa construtora, são destinados a escola, porém, além dos mesmos não possuírem estrutura para funcionar um estabelecimento de ensino, porque são compostos de duas pequenas salas, uma dependência menor ainda com uma pia, um sanitário e um corredor estreito. ANGÚSTIA Para Dona Geralda Barbosa Paiva, a situação é muito difícil porque não existem escolas suficientes para atender a demanda e existem milhares de mães vivendo uma angústia igual a sua: onde colocar os filhos para estudar este ano. Nas poucas escolas existentes nos outros conjuntos localizados nas proximidades como o Santa Catarina e Panatis, não existem vagas e como muitas crianças possuem menos de 10 anos de idade, não há condições de mandá-las estudar em outros bairros. Além dos custos com as passagens dos transportes, não tem quem vá deixar e buscar as crianças, porque não têm idade para andarem sozinhas. No conjunto Soledade I, existe uma escola municipal que está oferecendo 20 vagas para o 1º grau este ano, que serão disputadas pelos moradores do Soledade II no próximo dia 25. A recomendação da diretora é que s mães cheguem muito cedo para garantir a vaga do filho, mas o conselho dado pelas moradoras dos conjuntos mais antigos é de que as pessoas que quiserem conseguir uma vaga procurem dormir na porta da escola, caso contrário, os filhos ficarão sem estudar. Nos prédios onde vão funcionar as escolas, não existe qualquer pessoa que possa fornecer informações, mas, segundo Maria de Lourdes, que esteve recentemente no 1º Nure

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tentando obter informações a respeito do funcionamento das escolas, a informação que recebeu é de que não há prazo previsto para que as mesmas ocorrerá (sic.) em 1983. CARAS Nos conjuntos habitacionais estão proliferando em grande quantidade os jardins de infância, muitos dos quais sem nenhuma condição física de atender a demanda de alunos. Porém, os moradores não têm condições de pagar as altas taxas e mensalidades cobradas, sem contar com o material exigido. Na opinião de Geraldo Barbosa é inconcebível que num conjunto habitacional como o Soledade II não exista sequer uma escola e que muitas crianças sejam obrigadas a ficarem sem estudar. “Para mim, diz ela, que possuo apenas uma criança em idade de estudar está difícil conseguir uma vaga, imagine para quem possue (sic.) quatro ou cinco filhos”. Maria Imaculada mudou-se para o Soledade II há dois meses aproximadamente e tem feito uma verdadeira peregrinação pelas escolas existentes nos conjuntos vizinhos em busca de vaga para os três filhos, de 7, 8 e 10 anos de idade. Funcionária pública, não tem quem vá deixar e buscar os filhos em escolas de outros bairros e a sua última esperança consiste nas 20 vagas existentes numa escola municipal localizada no Soledade I. As informações que recebeu é de que para tentar conseguir uma vaga terá que dormir em frente a escola e Maria Imaculada diz que não tem dúvidas, se for preciso irá dormir em frente à escola. “O que eu não posso é deixar meus filhos sem estudar”.

Data 22/11/2012

Rubrica : Marina Dantas

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6 - Exploração e revolta nos conjuntos 1 – Identificação: Autor: Tribuna do Norte. Título: Exploração e revolta nos conjuntos Dados da Edição: Tribuna do Norte, 12 de maio de 1981. Capa. Localização: Arquivo Público do Estado. Jornal Tribuna do Norte, 2º trimestre de 1981. Condições de leitura: Fotografia legível. Observação: Manchete de capa. Obs.: o texto informa que a íntegra da matéria estaria na página 05, porém não foi encontrada. Recorte temporal: 1981

2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

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Caracterização e equipamento:

X Outras: _____________________________________________________________________ 3 – Resumo

Transcrição

X

Exploração revolta os conjuntos Conjuntos habitacionais como o Santa Catarina estão reclamando com insistência a falta de providências da Cohab que não está dando a menor importância a implantação da Infra-estrutura necessária para que os moradores possam se abastecer de gêneros alimentícios. Moradores disseram a TN que a situação é muito precária. Não tem onde comprar; são explorados com preços absurdos e produtos de péssima qualidade. E também não tem para quem apelar. A situação se agrava com a proliferação dos conjuntos, pois a concorrência, em lugar de melhor, piora o produto. (Pág. 5).

240

7 - No Nova Natal, a água sumiu há 1 semana 1 – Identificação:

Autor: Tribuna do Norte Título: “No Nova Natal, a água sumiu há 1 semana” Dados da Edição: 1982 Localização: Arquivo público doe stad Condições de leitura: Fotografia legível Observação: Recorte temporal: 1982

2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

x

Caracterização e

equipamento:

Outras: _____________________________________________________________________ 3 – Resumo

Transcrição

x

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No Nova Natal, a água sumiu há 1 semana

Além das dificuldades normais geradas pela falta de estrutura básica com que o Nova Natal foi entregue, há mais de uma semana os moradores estão enfrentando um novo problema: a falta d‟água. Localizado distante cerca de dois quilômetros de outros conjuntos habitacionais, os moradores do Nova Natal não sabem mais o que fazer para tentar solucionar o problema, porque a maioria não possui água nem mesmo para atender às necessidades básicas, como beber, cozinhar e tomar banho. Vários contatos foram mantidos com a Caern, que, embora tenha prometido solucionar o problema, nada fez até agora. Segundo os moradores, o problema está sendo muito difícil de solucionar, porque o conjunto está situado num local distante de tudo, tornando praticamente impossível conseguir água em algum conjunto das proximidades. Algumas pessoas estão se aproveitando da situação, diz Estelita Mariano, transportando água em carroças e cobrando por cada tonel mil cruzeiros, preço que poucas pessoas podem pagar. Na maior parte das casas até água para beber está sendo racionada e as refeições se resumem a alimentos que não precisem de uma grande quantidade d‟água para cozinhar. “Banho? Nem pensar: as pessoas se limitam apenas a lavar o rosto e escovar os dentes”, diz Estelita Mariano. O conjunto residencial Nova Natal foi entregue há pouco mais de um mês e os mutuários estão enfrentando sérios problemas por causa da falta de transportes coletivos, supermercados, farmácias, posto de saúde, escola e delegacia de polícia. Por estar localizado muito distante dos outros conjuntos habitacionais pelos quais os transportes coletivos circulam, os moradores têm que andar a pé, por locais pouco iluminados e que têm se constituído em chamariz para os assaltantes. Os problemas e riscos maiores são enfrentados pelos que têm que se dirigir ao conjunto após às 18h, embora muitas vezes os assaltos ocorram também durante o dia.

Data

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Rubrica : Tyego Franklim

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8 - Nova Natal: conjunto com mais problemas da cidade 1 – Identificação: Autor: Tribuna do Norte Título: Nova Natal: conjunto com mais problemas da cidade Dados da Edição: -----Localização: Arquivo Público do Estado Condições de leitura: Disponível em JPEG Observação: ----Recorte temporal: 1982

2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

Caracterização e

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equipamento:

x

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Outras: _____________________________________________________________________ 3 – Transcrição:

Um dos últimos conjuntos inaugurados no pacote de obras de fachada entregue

pelo ex-prefeito, o Nova Natal é, segundo os seus moradores, o pior “lugar que um cristão poderia ter a infelicidade de escolher para residir”. Não tem nada. A maior prova é que seus moradores se socorrem nos conjuntos vizinhos – Soledade e Santa Catarina – que, por sua vez, têm um pouco menos do que nada. O mais comum, no Nova Natal, é a caravana de pessoas empurrando carrinhos de mão com bujões de gás em direção aos conjuntos vizinhos onde vão tentar encontrar quem revenda o produto – naturalmente por um preço muito superior ao normal, que já não é fácil. Ônibus, abastecimento, escolas – tudo difícil. E as casas...

No Nova Natal falta tudo. De sobra, só os problemas. Uma carrocinha de mão é o meio de transporte que está sendo utilizado pelos moradores do conjunto residencial Nova Natal para carregar mercadorias e botijões de gás butano, de um conjunto

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para outro. Inaugurado há pouco tempo, o Nova Natal não possui serviços de ônibus, posto de saúde, escola, mercado ou mercearias, onde os moradores possam comprar alimentos de primeira necessidade. Para comprar qualquer gênero de primeira necessidade os moradores têm que se deslocar a pé para os conjuntos vizinhos, como o Soledade I, Santa Catarina ou Panatis, distantes aproximadamente dois quilômetros. As casas do conjunto Nova Natal são consideradas feias e mal acabadas e muitas já começam a apresentar rachaduras nas paredes, problemas na instalação hidráulica e rede elétrica. A divisão entre uma casa e outra é feita por uma cerca de madeira de mais ou menos cinquenta centímetros de altura e os moradores não têm sequer uma idéia de quando dos transportes coletivos começarão a circular. Como as ruas do conjunto não são pavimentadas, os donos das empresas de transporte não querem colocar os seus veículos para circular por alí, alegando as péssimas condições das ruas para danificar os ônibus, que ainda correm o risco de ficar atolados por causa da grande quantidade de areia.

SEM ESTRUTURA Por enquanto, apesar de todas as casas terem sido entregues, poucos mutuários se mudaram para lá, por causa da total falta de estrutura com que o conjunto foi entregue. Os poucos mutuários que já estão residindo no Nova Natal estão enfrentando sérios problemas, especialmente quanto aos transportes coletivos. O ponto de ônibus mais próximo do Nova Natal, fica localizado no conjunto Santa Catarina, distante dois quilômetros, e no percurso não existe postes de iluminação pública, o que torna o caminho muito perigoso para os que percorrem à noite. Uma das grandes preocupações dos moradores, especialmente os que possuem filhos menores, é com a falta de escolas nas proximidades e a falta de pavimentação das ruas, o carro fornecedor de gás de cozinha e o carro coletor de lixo também não estão circulando pelo conjunto e os moradores não sabem como resolver a situação. O problema da compra do gás está sendo solucionado através de vizinhos que possuem carros de mão para ir busca-lo no conjunto Panatis. Mas com o lixo, o problema é mais sério, porque não podem deixá-lo armazenado dentro de casa, nem querem jogá-lo no meio da rua, para que o conjunto não se torne sujo e cheio de muriçocas.

SOCORRO URGENTE A falta de um pronto socorro de urgência ou mesmo uma farmácia na vizinhança também tem preocupado os moradores, tanto por causa da distância em que o mesmo está situado, como por causa

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da falta de transportes nas proximidades. Em caso de urgência, diz Justiniana de Jesus, não temos nem para quem apelar, porque mesmo que um dos vizinhos que possui carro e que são poucos, queiram levar o doente até um hospital, por causa dessa distância, ele já chega lá morto. A falta de um pronto serviço de atendimento de urgência é um reivindicação de todos os moradores de conjuntos localizados na Estrada da Redinha, porque o pronto socorro mais próximo é o do Hospital Walfredo Gurgel, em Lagoa Seca.

Data 22 / 11 / 2012

Rubrica: Matheus Câmara da Costa

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9 - Os Conjuntos Habitacionais 1 – Identificação:

Autor: Tribuna do Norte; Texto: Garibaldi Filho Título: Os Conjuntos Habitacionais Dados da Edição: Tribuna do Norte, 12 de maio de 1981. Sessão Opinião. Localização: Arquivo Público do Estado, Jornal Tribuna do Norte, 2º trimestre de 1981. Condições de leitura: Fotografia legível. Observação: Artigo de opinião com continuação. Recorte temporal: 1981

2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

Caracterização e

Ações culturais:

Ações ambientais:

equipamento:

Ações esportivas:

Ações políticas:

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

X X

Outras: _____________________________________________________________________ 3 – Resumo

Transcrição

X

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Os conjuntos habitacionais Por Garibaldi Filho Os conjuntos habitacionais, em nosso país, são exemplares testemunhos do nosso respeito ou não com os elementares direitos humanos. Também se constituem em excepcional meio de avaliação do desempenho do Poder Púnipula (sic) e aplica dinheiro que não lhe pertence, pois é fruto do FGTS de tantos quantos, em qualquer caráter, em qualquer situação, auferem salários. É evidente que nos referimos aos conjuntos populares, ou seja, àqueles que atendem às pessoas de renda baixa e que se situam, na grande maioria dos casos, com renda que varia entre um e três salários mínimos. São pessoas que, por possuírem número grande de dependentes, realmente sofrem mais cruelmente os efeitos dessa política econômico-financeira, que gera a tão condenada concentração de renda. Mas, sem dúvida alguma, não podemos deixar de criticar, condenar e denunciar o que entendemos ser a elitização da política habitacional, que se faz com os recursos fundamentalmente arrecadados da classe trabalhadora. Os conjuntos de habitação popular existentes em Natal, em sua maioria, ainda hoje atestam o lamentável quadro de uma série de erros, omissões e absurdos cometidos pelo próprio Governo do Estado, principalmente através do seu órgão executor, a COHAB, se bem que com a conivência de outros órgãos da administração, tanto direta quanto indireta. Há conjuntos ainda, sem acesso pavimentado, sem iluminação pública recomendável, sem assistência policial, sem escolas, sem água, sem coleta de lixo constante, sem linhas regulares de coletivos, enfim, sem uma série de condições que o viabilizem e o credenciem para ser realmente habitável. Há uma lei, por exemplo, em vigor, de autoria do deputado Henrique Eduardo Alves, que obriga a construção de escolas de 1º grau em todo e qualquer conjunto habitacional com mais de duzentas casas. Isto é lei. Outra estabelece que os recursos alocados no projeto de construção devem ser aplicados também em rede de abastecimento d‟água, iluminação pública, área de lazer, calçamento. Constata-se , por tanto, que muitas irregularidades ainda subsistem em nossos conjuntos habitacionais. Por isso voltaremos ao assunto. E mais do que denunciar, queremos contribuir para uma verdadeira solução.

Data 22/11/2012

Rubrica : Tyego Franklim

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10 - Prefeito reúne-se com os moradores do Panatis 1 – Identificação: Autor: Tribuna do Norte. Título: Prefeito reúne-se com os moradores do Panatis Dados da Edição: Tribuna do Norte, 08 de maio de 1981. Capa. Localização: Arquivo Público do Estado. Jornal Tribuna do Norte, 2º trimestre de 1981. Condições de leitura: Fotografia legível. Observação: --x-Recorte temporal: 1981

2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

Caracterização e

Ações culturais:

Ações ambientais:

equipamento:

Ações esportivas:

Ações políticas:

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

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Outras: _____________________________________________________________________ 3 – Resumo

X

Transcrição

X

Prefeito reúne-se com os moradores do Panatis O Centro Comunitário Panatis 3 reuniu-se na noite de quarta-feira com o prefeito José Agripino e diversos secretários, além do empresário Teodório Sales, da empresa Guanabara e o representante do Geipot, Batinga, a fim de receberem as reivindicações dos moradores. A maioria dos presentes pertencia ao conjunto Santa Catarina, estando os moradores do Panatis “cansados de tantas promessas”. Vários assuntos foram abordados, como a mudança de itinerário dos ônibus dentro do conjunto Panatis, a iluminação das ruas e as carteiras escolares. REIVINDICAÇÕES Do secretário municipal da Educação, foram cobradas as carteiras de estudante da Escola Técnica do Comércio de Natal, pois os estudantes estão sendo prejudicados. A vice-presidente do

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conselho comunitário, Lindalva Jales de Moura Dias, pediu esclarecimentos sobre a atitude do Grupo Japissara, do Panatis, que mediante uma lista enviada aos pais dos alunos, exigia que cada estudante levasse para a escola todos os itens dessa lista, caso contrario, não estrariam em aula. Segundo Lindalva Jales, a lista pedia até papel higiênico, num total de Cr$ 800,00 que poucos pais poderiam dispor. Respondendo as perguntas, o secretário convidou a vice-presidente do conselho para uma visita à secretaria da Educação, sendo aceito prontamente, indagando ainda a respeito do carro dentário volante, que se acha há tempos no Igapó. O prefeito encarou a colocação como uma crítica ao seu governo. Outra reivindicação dos moradores do conjunto é a alteração do itinerário dos ônibus, que deveria fazer o seguinte percurso: Avenida Maxaranguape, Avenida das Fronteiras e Avenida Paulistana. Esse percurso evitaria o que vem acontecendo, passando os ônibus pela rua das Palmeiras, não pavimentada, onerando os custos em quatro milhões, segundo informações do prefeito José Agripino.

Data 22/11/2012

Rubrica : Tyego Franklim

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11 - Problemas demais já esvaziam as casas do Conjunto Soledade/ Problemas afugentam os moradores do Soledade 1 – Identificação:

Autor: Tribuna do Norte Título: Problemas demais já esvaziam as casas do Conjunto Soledade/ Problemas afugentam os moradores do Soledade Dados da Edição: Tribuna do Norte, 15 de agosto de 1982. Capa e página 06. Localização: Arquivo Público do Estado, Jornal Tribuna do Norte, 3º trimestre de 1982. Condições de leitura: Fotografia legível. Observação: Manchete de capa e íntegra da noticia. Com foto. Recorte temporal: 1982

2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

X

X

Caracterização e X

Ações culturais:

Ações ambientais:

equipamento:

Ações esportivas:

Ações políticas:

X

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

X

Outras: _____________________________________________________________________ 3 – Resumo

Transcrição

X

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Problemas demais já esvaziam as casas do Conjunto Soledade Moradores não suportam mais a eterna rotina da falta de tudo O sonho da casa própria já se transformou em pesadelo há muito tempo para os moradores do Conjunto Soledade. Quem se inscreveu há muito tempo na COHAB, aguardou pacientemente numa fila, foi passado para trás muitas vezes por protecionismo político e, enfim, depois de algumas taxas adicionais, teve acesso às casas do Conjunto Soledade em lugar da tranquilidade e do sossego da casa própria – construída com o dinheiro do trabalhador brasileiro – deparou-se com um conjunto de problemas insuperáveis. A localização do conjunto, a qualidade das casas, a falta de serviços, o descuido completo com a comunidade de milhares de pessoas que se formou, criaram as condições para um quadro em que a única solução. Para muitos, é percorrer o sentido inverso: desfazer-se da casa, abandoná-la e procurar refazer a vida em outras condições, mesmo com maiores dificuldades por causa dos preços dos alugueis. As ruas sem calçamento, as fossas estouradas, a poeira, a falta de segurança e de água são argumento fortíssimos para os moradores. Aos poucos, o Conjunto vai sofrendo um processo de maior desvalorização, porque algumas pessoas alugam as casa por qualquer preço, de qualquer modo, contanto que escapem. Problemas afugentam os moradores do Soledade A grande quantidade de problemas que têm surgido no conjunto residencial Soledade II está fazendo com que muitos moradores abandonem suas casas, preferindo pagar aluguel mais caro em outro bairro. Um dos maiores problemas é a falta de transportes coletivos, poris para apanhar um ônibus os moradores têm que se deslocar até o Soledade, distante cerca de um quilômetro e numa total escuridão, o que tem provocado muitos assaltos. Outros problemas são a falta de escolas, posto de saúde, supermercado, farmácia e defeitos da construção da casa, tais como rachaduras, fossas ameaçando estourar e outros. O conjunto Soledade II foi inaugurado há pouco mais de seis meses e durante esse tempo muitos moradores já desistiram de suas casas, por causa dos inúmeros problemas. Marta Cavalcanti é uma delas. Com três filhos menores, um deles com pouco mais de um ano, sem dispor de condução própria e morando num local que não oferece nenhuma estrutura, ela disse que prefere parar uma casa mais cara em outro bairro, do que Cr$ 5.000,00 no Soledade II. “Admito que a prestação é barata e que em outro bairro o mínimo que eu vou pagar de aluguel é Cr$ 20.000,00, mas isso é preferível ao receio constante de que uma das crianças adoeça durante à noite e não tenha condução para trazê-la para o Hospital Walfredo Gurgel”.

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Outro fato que tem causado inquietação é a falta de transportes coletivos. Como não existem escolas no bairro, a maioria das crianças são obrigadas a estudar no centro da cidade, o que causa sérios transtornos, pois os pais têm que ir leva-los e pegar de volta. No caso dos que estudam à noite a situação é ainda pior, porque têm que andar quase um quilômetro a pé e no escuro, arriscando-se a ser assaltados. “Enquanto eles não chegam a gente não consegue dormir”, diz a moradora Maria da Salete Vasconcelos. A gente fica esperando ouvir a qualquer momento saber que um foi assaltado ou mesmo morto, especialmente depois que a [...] de assaltos aumentou nos conjuntos residenciais. Maria Salete afirma que ainda não se mudou do Soledade II porque não conseguiu alugar uma casa em outro bairro. Para ela existem algumas vantagens em morar num conjunto residencial. A prestação é barata, a pessoa saque está pagando o que é seu, mais no caso do Soledade II, a maioria dos moradores acham que não vale a pena, porque as desvantagens são bem maiores. Algumas casas logo depois que foram entregues começaram a apresentar rachaduras nas paredes, portas e janelas com defeitos, fossas cheias, apesar à falta de uso e outros. Quando as chaves foram entregues, a Cohab garantiu que qualquer problema que surgisse a construtora se encarregaria de consertar, bastava que o mutuário fizesse a notificação, mas na prática isso não funcionou, dizem os moradores, e muita gente teve que desembolsar quantias reservadas para consertar os defeitos.

Data 22 /11 /2012

Rubrica : Tyego Franklim

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12 - Problemas no Soledade 1 – Identificação:

Autor: Tribuna do Norte Título: Problemas no Soledade Dados da Edição: Tribuna do Norte, 1982. Localização: Arquivo Público do Estado, Jornal Tribuna do Norte, 1982 Condições de leitura: Fotografia legível. Observação: --x-Recorte temporal: 1982

2 – Dados relevantes contidos no texto: Histórico da formação:

Ações sociais:

X

Caracterização e X

Ações culturais:

Ações ambientais:

Ações esportivas:

Ações políticas:

Ações religiosas:

Ações urbanísticas:

equipamento:

X X

Outras: _____________________________________________________________________ 3 – Resumo

Transcrição

X

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Problemas no Soledade O Conjunto residencial Soledade II, é um dos mais abandonados da capital. Lá falta calçamento, o carro do lixo, não passa, “Escola Municipal Professora Adeline Fernandes” (sic), é totalmente insegura para as crianças porque, não existe muro de proteção, o que gera muita insegurança para os alunos, que além dos ataques dos marginais, podem correr risco de serem atropelados, o que quase aconteceu, semana passada, quando um ônibus da empresa Guanabara, desviou-se de seu percurso normal e passou ao lado do colégio, cheio de passageiros, e rompeu uma fossa do colégio, que continua aberta, causando sérios riscos. Os moradores daquele conjunto, reclamam também dos diversos focos de muriçocas que estão localizados bem próximos das residências. Tanto durante o dia como à noite, as muriçocas aparecem e em grande quantidade, por causa do lixo acumulado em canteiros e nas ruas, além as fossas estouradas, sem que sejam tomadas providências para que as mesmas desapareçam. Um dos maiores problema. Que prejudica muito os moradores, é uma fossa estourada à rua Planalto Central, bem ao lado de um colégio municipal, a fossa estourada, quando um ônibus da empresa Guanabara mudou o itinerário, segundo alguns moradores, e para encurtar o percurso e passou ao lado do colégio, rompendo a fossa, o fato está causando sérios perigos para as crianças que estudam no colégio porque se encontra enfrente e ao mesmo tempo gerando problemas para os moradores por causa do mau cheiro.

Data 22 /11 /2012

Rubrica : Tyego Franklim

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