Leon Trotsky e o Direito

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LEON TROTSKY E O DIREITO1 Thiago Ferreira Lion2 Thiago Colombo Bertoncello3 Marco Túlio Tavares4

*** SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1 - A VIDA DE TROTSKY 2 - A “LEI DO DESENVOLVIMENTO DESIGUAL E COMBINADO” E A TEORIA DA REVOLUÇÃO PERMANENTE 3 - DIREITO E FIXAÇÃO NA PROBLEMÁTICA DAS FORÇAS PRODUTIVAS 4 - DIREITO DE PROPRIEDADE E DIVISÃO DE CLASSES 5 - TROTSKY E O FIM DO DIREITO E DO ESTADO

***

INTRODUÇÃO

Trotsky foi um grande líder político e teórico voltado aos problemas práticos relativos à revolução socialista e à situação da Rússia. Sua atividade intelectual se encontra profundamente ligada a sua atuação prática, ou seja, refere-se de um modo

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Artigo escrito em 2011 no contexto do grupo de pesquisa “Cidadania e direito pelo olhar da filosofia: tipologia da ação jurídica e política na teoria Marxista”, coordenado pelo Prof. Alysson Barbate Mascaro. 2 Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo e Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. 3 Mestre Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. 4 Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

geral aos problemas concretos do tempo em que vivia. Isto resta claro mesmo com um rápido olhar pelos títulos de suas principais obras, como por exemplo, A Revolução Permanente, A Revolução Traída e A História da Revolução Russa. Se as ideias de Trotsky enquanto líder revolucionário e teórico marxista se encontram umbilicalmente ligadas, esta ligação se dá de modo que em suas obras a exposição teórica serve quase sempre à defesa de seu ponto de vista político. Aqui, no entanto, não temos espaço nem a pretensão de uma análise exaustiva do conjunto de sua vida e obra, o que resultaria, sem dúvida, numa análise polêmica como o foi o próprio revolucionário. Por este motivo, desde já indicamos ao leitor algumas das principais obras dedicadas a biografia de Trotsky, que são a trilogia de Isaac Deutscher (O Profeta Armado, O Profeta Desarmado e O Profeta Banido) e o volume Trotsky escrito por Pierre Broué. Para uma melhor compreensão sobre sua vida e obra, nos remetemos a estes conhecidos trabalhos, que nem por sua relevância deixam de gerar polêmica. O legado de Trotsky é visto com ressalvas por alguns marxistas, principalmente ligados a setores da academia, que julgam existir em sua teoria e atuação prática graves contradições. Por outro lado, como analisa Álvaro Bianchi5, poucos são os estudos dedicados a uma reconstrução teórica do revolucionário russo, e essa sobrevalorização do homem de ação em detrimento do teórico do marxismo teria como consequência o empobrecimento do legado de Trotsky. Para este autor, a originalidade de Trotsky reside na contribuição ao desenvolvimento de um método de análise das relações sociais, possível por sua concepção aberta do marxismo, se recusando a tratá-lo de forma dogmática, já que para Trotsky, “o marxismo é acima de tudo um método de análise – não de análise de textos e sim das relações sociais”.6 Neste artigo nosso intuito é seguir por este caminho de uma “reconstrução teórica”, buscando compreender na teoria de Trotsky os pontos relevantes para a análise do direito e como eles se articulam com sua compreensão do capitalismo e da transição para uma sociedade emancipada. Isso não significa, no entanto, que devamos nos abster de conhecer minimamente sua história de vida. Sempre que analisamos uma teoria é relevante entender como ela encontra na realidade social seu locus de nascimento, que 5

O Marxismo de Leon Trotsky, Álvaro Bianchi. Disponível em: http://www.pstu.org.br/teoria_materia.asp?id=4065&ida=29. Acesso em: 05 de fevereiro de 2013. 6 Leon Trotsky. 1905. Resultados y perspectivas. Paris: Ruedo Ibérico, v. 2, 1971, p. 172.

relações formam a realidade que tornou aquele modo de pensar possível. Por isso, uma breve análise cronológica visando à contextualização da vida e obra de Trotsky se faz necessária. No entanto, como o foco deste trabalho é a construção da filosofia jurídica a partir do pensamento do autor - bem como a análise de suas conseqüências, desde já avisamos que este feito será realizado do modo mais breve possível.

1 - A VIDA DE TROTSKY

A observação de Maquiavel ao dizer que “todos os profetas armados venceram, e todos os desarmados foram destruídos”

7

serviu de base para Isaac

Deutscher nomear a trilogia biográfica que dedicou para contar a vida do revolucionário russo.

Isto porque, ao longo da vida de Trotsky, temos fases bem demarcadas e

distintas: a primeira sendo a ascensão e conquistas políticas (“profeta armado”); a segunda posteriormente à morte de Lênin, quando o revolucionário buscava combater a campanha difamatória desenvolvida pelo stalinismo (“profeta desarmado”), e; a terceira no exílio (“profeta banido”), quando julgava escancarar os pecados da burocracia que, em sua visão, manchava e traia os ideais da revolução da qual ele fora um dos bastiões. Lev Davidovich Bronshtein somente adotou o nome de Leon Trotsky em 1902, após fugir de um campo de prisioneiros na Sibéria. Nasceu em 7 de novembro de 1879, sendo filho de judeus proprietários de terras na Ucrânia. Aos oito anos de idade o jovem foi enviado a Odessa aonde iniciou seus estudos, e com 17 anos mudou-se para Nikolayev. Esta cidade tem especial importância na história de Trotsky, pois marcou o início de suas atividades políticas e revolucionárias. Foi aí também que foi preso e deportado para a Sibéria, por se envolver na organização do Sindicato dos Trabalhadores do Sul da Rússia. Trotsky consegue escapar de sua rotina de trabalhos forçados na Sibéria e vai para Londres, onde se junta a um grupo de exilados russos. Nesta cidade encontra-se com os redatores da revista Iskra, da qual será futuramente redator, graças ao apoio de outro revolucionário chamado Wladimir Lênin. Poucos meses depois de chegar à Inglaterra, em julho de 1903, Trotsky participa do Congresso do Partido Operário Social-Democrata da Rússia. Nesse congresso, por posturas antagônicas quanto à 7

Maquiavel, Nichola. O Príncipe. Capítulo VI. São Paulo: Martin Claret, 2004. P.52

composição e estrutura do partido, há uma cisão que dá origem a duas facções políticas que serão protagonistas da futura revolução russa: os bolcheviques (que deriva do russo, significando “maioria”), liderados por Lênin; e os mencheviques (que deriva do russo, significando “minoria”), liderados por Martov. Trotsky acaba por se aliar a este último grupo. Analisando esta decisão de se aliar a Martov, afirma Deutscher: “Era quase inevitável que Trotsky se aproximasse mais de Zasulich e Martov, em cuja casa morava e que exerciam sobre ele uma influencia constante, do que de Lênin cuja influência era apenas intermitente. Ainda em sua fase de formação, precisava de maior intercâmbio social e discussões para estimular-lhe a inteligência. Essa necessidade, Zasulich e Martov, mas não Lênin, satisfaziam generosamente.”8 Após essa ruptura do Partido Social-Democrata, marcada por dois anos de tentativas dos dois lados de desconstruir a honra e o histórico dos oponentes, Trotsky retorna à Rússia para apoiar um levante popular iniciado em São Petersburgo. Acaba por assumir a liderança do soviete (conselho) da cidade, fato que o leva novamente a prisão após acalorado julgamento em que os membros do soviete partem em defesa dos réus. Na carta de defesa enviada ao tribunal responsável pelo julgamento, podemos ler: “Nós trabalhadores da fábrica de Obukov (...) declaramos que o soviete não consiste em um punhado de conspiradores, mas de verdadeiros representantes do proletariado de Petersburgo (...) e que se nosso estimado camarada é culpado, então todos nós somos culpados, e confirmamos isto com a nossa assinatura.”9 Mesmo diante do clamor popular Trotsky foi condenado e deportado para a Sibéria, de onde escapou novamente, vivendo em vários países até que, com o Governo Provisório de 1917, anistiam-se todos os exilados. Trotsky e toda sua família voltam então para a Rússia, vivendo agora em Petrogrado. Nesta cidade ele se junta aos bolcheviques por discordar do apoio que os mencheviques deram ao Governo Provisório, e em conjunto com Lênin passa a liderar o soviete local, derrubando o 8

DEUTCHER, Isaac. TROTSKY – O Profeta Armado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. P. 74 9 L. Trotsky. Sochinemia, II, livro 2, pags 142-3 apud DEUTCHER, Isaac. TROTSKY – O Profeta Armado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. P. 180.

governo provisório e dando início a Revolução de Outubro (que na realidade seria hoje a “Revolução de Novembro”, segundo o nosso atual calendário gregoriano). Com a tomada de poder pelos bolcheviques, Trotsky é indicado por Lênin para a função de Comissário do Povo para Relações Internacionais e tem como missão efetivar o tratado de paz com as potências capitalistas centrais. Após nove semanas de negociação, assina o Tratado de Brest-Litovsk e, em seguida, é nomeado para a função de Comissário do Povo para Guerras. Ter comandado o exército vermelho para a vitória sobre o exército branco (Czarista com apoio das potências imperialistas estrangeiras) alimentou sua força política tornando-o um possível sucessor na liderança do partido. Antes de sua morte, Lênin cria o cargo de Secretário Geral e indica Stalin para esta nova e poderosa função. Este utiliza todo o poder do cargo para minar a base de apoio trotskysta, excluindo aqueles que apoiavam o Comissário do Povo para Guerras ao mesmo tempo em que realizava inúmeras novas indicações dentro do partido, criando uma burocracia dependente de seu poder e que estava ciente de que sua permanência no partido dependia da efetivação do Secretário Geral como líder do partido. A campanha de Stalin foi tão virulenta e sorrateira, que Lev B. Kamenev, assim disse a Trotsky: “Você pensa que Stálin está imaginando como rebater os seus argumentos? Você está enganado. Ele está pensando em como poderá destruí-lo, difamá-lo; como poderá montar uma conspiração militar para depois, quando o terreno estiver preparado, ordenar um atentado terrorista.”10 Assim, com a morte de Lênin, Stalin toma o poder consolidando-se como líder do partido e iniciando uma perseguição implacável a Trotsky e a todos os seus seguidores. Stálin primeiramente consegue destituí-lo de seu cargo e pouco tempo depois obtêm sua proibição de falar em público. Passados alguns anos, em janeiro de 1929, finalmente consegue bani-lo da União Soviética. Em seu novo exílio Trotsky foi expulso de vários países em que buscou se estabelecer, especialmente por dois motivos: o primeiro deles era a força com que Stalin usava seu aparelho diplomático para exercer pressão política e econômica sobre os 10

Garza, Hedda. Trotsky. São Paulo: Nova Cultural, 1987. P.73.

países que aceitassem o pedido de asilo feito por Trotsky; o segundo motivo se dava por conta das frequentes tentativas de internacionalizar a revolução do proletariado, levando em consideração sua teoria do desenvolvimento desigual e combinado, que será desenvolvida e explicada no decorrer desse artigo. Estava, por assim se dizer, entre a cruz e a espada: os países imperialistas o expulsavam por receio de suas atividades revolucionárias, enquanto os países simpáticos à URSS o expulsavam por conta da perseguição estalinista. Neste período de exílio, viveu na Turquia (1929 até 1933), na França (1933 a 1935) e na Noruega (1935 a 1937), tendo passado seus últimos três anos de vida no México, onde foi assassinado em 21 de agosto de 1940, por Ramón Mercader, assassino provavelmente contratado pela polícia secreta de Stalin. Nestes últimos anos de exílio, dedicou-se a aprofundar suas teorias da revolução permanente e do desenvolvimento desigual e combinado, que já haviam sido concebidas anteriormente. Além disso, também escancarou para o mundo o totalitarismo da burocracia stalinista que reinava na Rússia em obras como A Revolução Traída. Trotsky chegou mesmo a dizer em Estado Operário, Termidor e Bonapartismo, buscando uma nova estrutura política soviética, que: “O arbitrário burocrático deve ceder seu lugar à democracia soviética. O restabelecimento do direito de crítica e de uma liberdade eleitoral verdadeira são condições necessárias para o desenvolvimento do país. O restabelecimento da liberdade dos partidos soviéticos a começar pelo partido bolchevique, e o renascimento dos sindicatos são implicações disso (…).”11 Trotsky nunca abandonou a prática revolucionária. Mesmo em seu exílio no México, este manteve estreita relação com os socialistas norte-americanos que ajudaram a fundar, em 1938, a IV Internacional. Desta fundação participaram delegados de dez países, inclusive, representando a América Latina, o brasileiro Mário Pedrosa. Respondendo antecipadamente aos que afirmariam que uma nova Internacional somente se daria após fatos históricos relevantes, e então que a fundação da IV era “artificial”, o Programa de Transição aprovado na conferência dizia que: “A IV Internacional já surgiu de grandes acontecimentos: as maiores derrotas do proletariado 11

FAUSTO, Ruy. Trotski, a democracia e o totalitarismo (a partir do Trotsky de Pierre Broué). Lua Nova, São Paulo, 2004, n.62, pp. 113-130. ISSN 0102-6445.

na História”

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. Com isso a IV Internacional se desenvolve até os dias de hoje, tendo,

inclusive no Brasil, entre outros partidos políticos que julgam representar e lutar pelos seus princípios e objetivos, o PSTU e o PCO. Pelo mundo todo são dezenas (quiçá centenas) de organizações que defendem e lutam com base em seu legado. Essas passagens da vida de Trotsky e sua repercussão evidenciam o volume e a importância política e social deste “profeta” que armado, desarmado, ou mesmo banido, foi um homem de ação e transformação. Após esta digressão biográfica, agora é hora de analisar o potencial teórico geral do autor tendo em vista principalmente a extração de conclusões para uma teoria sobre o direito. Como já dito, importa-nos mais a coerência teórica do que as posições práticas, mesmo que elas tenham sido muito relevantes em sua época. Análises conjunturais serão por vezes utilizadas, mas desde que de modo a demonstrar e esclarecer suas concepções teóricas.

2 - A “LEI DO DESENVOLVIMENTO DESIGUAL E COMBINADO” E A TEORIA DA REVOLUÇÃO PERMANENTE

Em uma época em que o pensamento do movimento comunista capitaneado pela Segunda Internacional estava conformado, julgando que seria impossível uma a revolução que levasse ao socialismo, Trotsky, juntamente com Lênin, abriu caminho para o novo, ao apontar a possibilidade de uma transformação radical da sociedade russa. A grande maioria dos socialistas àquela época imaginava que era necessário um longo período de capitalismo que precedesse a revolução proletária. Assim prescreviam para sociedades atrasadas como a russa, a necessidade de uma revolução burguesa que consolidasse o capitalismo antes de se pensar na tomada do poder pelos trabalhadores. Com efeito, o pensamento dominante entre os marxistas “ortodoxos”, russos ou europeus, era de que a futura revolução russa teria necessariamente um caráter estritamente democrático burguês. Seu resultado seria a abolição do czarismo, o estabelecimento de uma república democrática, a supressão dos vestígios feudais no 12

SAGRA, Alicia. Os 70 anos da Quarta internacional. Disponível em: http://www.pstu.org.br/teoria_materia.asp?id=9084&ida=75, acessado em 21 de novembro de 2010.

campo e a distribuição de terras aos camponeses. Nesse passo, Michel Löwy afirma que, se havia alguma disputa entre as frações da Social-Democracia Russa, esta repousava no papel do proletariado na revolução burguesa e suas alianças de classe: privilegiaria a burguesia liberal (mencheviques) ou o campesinato (bolcheviques)? 13 Conforme analisa o autor, Trotsky foi o primeiro e por muitos anos o único a colocar em questão esse “dogma sacrossanto”. Ele foi, antes de 1917, o único a considerar não somente o papel hegemônico do movimento operário na revolução russa – tese defendida também por Parvus, Rosa Luxemburgo e, em certos textos, Lênin – mas também a possibilidade de ultrapassar e superar a revolução democrática burguesa transformando-a imediatamente em revolução socialista. A ruptura com o pensamento dominante e dogmático da época – que inclusive não levava em consideração as próprias análises de Marx sobre a Rússia14 – possibilitou a Trotsky desenvolver sua chamada teoria da revolução permanente15, com conclusões que remontam ao processo revolucionário de 1905, sistematizadas posteriormente em Balanços e Perspectivas (1906). Segundo alguns, Trotsky, em conjunto com Lênin, pode ser reconhecido por resgatar o marxismo revolucionário dos desvios mecanicistas e economicistas da II internacional, tendo se oposto aos mencheviques e à social democracia e suas ideias de composição com a burguesia. Uma das principais contribuições de Trotsky ao pensamento marxista trata-se da sua teoria da revolução permanente, chamada por Knei-Paz de teoria da “revolução do atraso” 16, sendo considerada por alguns como “a primeira e mais original adaptação 13

LOWY, Michel. O Profeta da Revolução de Outubro. Outubro, 1999, São Paulo, nº. 3, pp. 53-61. ISSN 1516-6333. 14 É importante ressaltar que análises feitas por Marx já no fim de sua vida apontavam para a possibilidade de uma revolução socialista na Rússia. 15 Conforme analisa Michel Löwy: “O termo „revolução permanente‟, parece ter sido inspirado por a Trotsky por um artigo de Franz Mehring na Neue Zeit de novembro de 1905; mas o sentido que lhe atribuía o socialista alemão era muito menos radical e mais vago do que ele vai receber nos escritos do revolucionário russo. Trotsky foi o único a ousar sugerir, desde 1905, a possibilidade de uma revolução executando „tarefas socialistas‟ – a expropriação dos grandes capitalistas na Rússia – hipótese rejeitada pelos outros marxistas russos como utópica e aventureira.” in LOWY, Michel. O Profeta da Revolução de Outubro. Outubro, 1999, São Paulo, nº. 3, pp. 54. ISSN 15166333. 16 Como explica Knei-Paz: “a expressão revolução do atraso não se encontra na obra de Trotsky (...) a expressão mais conhecida “revolução permanente” (...) também não foi criada por Trotsky, mas por ele aceita; ela pode, contudo, levar a equívocos, se implica a idéia de uma revolução sem fim, estranha ao pensamento de Trotsky, que pensava em

da teoria e dos instrumentos conceituais do marxismo à análise da mudança nas sociedades pré-capitalistas subdesenvolvidas”17. Trotsky formula esta teoria após ter conhecido Alexandrer Helphand “Parvus”, que escreveu o prefácio de um artigo seu sobre a situação da Rússia em 1905, após o massacre peticionista.18 No prefácio ao artigo de Trotsky, Parvus dizia que a particularidade do desenvolvimento russo, onde a modernização da indústria tinha ocorrido pelo alto, sob ordens do Czar e sem desenvolvimento de uma burguesia poderosa e independente, tinha tornado o proletariado a principal força política daquela sociedade. A burguesia não poderia ser a classe revolucionária, pois ela praticamente inexistia, a única força suficientemente independente que poderia realizar a tarefa de por fim ao Czarismo, trazendo a Rússia para a modernidade, era o proletariado. A conclusão de Parvus era de que a os operários haveriam de fazer a revolução em nome da burguesia. Conforme analisa Michel Löwy19, Trotsky sem dúvida foi influenciado por Parvus, porém, ressalva que este último jamais foi além da idéia de um governo operário cumprindo um programa estritamente democrático (burguês): ele queria mudar a locomotiva da história, mas sem sair dos seus trilhos. A influência de Parvus fez com que Trotsky aprofundasse o estudo da história da sociedade russa e demonstrasse que esta pertencia ao mundo asiático e não europeu, mas, que a proximidade com as potências européias, a forçava a adequar suas forças militares ao de seus vizinhos do oeste, de forma a manter sua soberania. Esta necessidade militar obrigava o desenvolvimento da infra-estrutura industrial. Para tanto o autocracia russa lançava mão de altos impostos que impediam o desenvolvimento de uma burguesia independente, barrando não só o desenvolvimento econômico, mas também o surgimento da burguesia revolucionária ao mesmo tempo em que jogava as massas camponesas na miséria. uma “revolução ininterrupta””. KNEI-PAZ, Baruch. “Trótski: revolução permanente e revolução do atraso” in HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do marxismo V, op. cit., p. 161, nota de rodapé. 17 Ibid., p. 164. 18 Massacre ocorrido em 22 de janeiro de 1905, conhecido como “domingo sangrento”. A manifestação pacífica que pretendia entregar uma petição diretamente ao Czar, organizada pelo padre Jorge Gapone, foi recebida à bala pela guarda do Tzar Nicolau II em frente ao Palácio de Inverno, causando centenas de mortes. 19 Leon Trotsky, profeta da Revolução de Outubro – Sobre as diferenças entre Parvus e Trotsky, ver Alain Brossat, Aux origines de la revolution permenente: la pensée politique du jeune Trotsky. Paris: Maspero, 1974. In Revista Outubro, p. 54.

O progresso industrial imposto pelo Estado acabava, assim, por dividir a Rússia em duas: de um lado, uma enorme massa de camponeses que viviam em condições medievais e, de outro, o novo setor industrial, com tecnologia avançada mesmo para padrões europeus. Este último setor acabava por empregar cada vez mais proletários, que, diferentemente dos camponeses, tomavam consciência de si e de se sua classe, podendo se insurgir contra o Czarismo. Sobre esta condição revolucionária do proletariado na Rússia, escreveu posteriormente Trotsky: “Nossa grande indústria não surgiu, naturalmente, do artesanato e dos ofícios. A história econômica das nossas cidades ignora o período das corporações. A indústria capitalista surgiu, entre nós, sob influência direta e imediata do capital europeu. Apoderou-se, em suma, de terras primitivas, sem encontrar resistência da parte dos artesãos. O capital estrangeiro afluiu, entre nós, pelo canal dos empréstimos de Estado e por via da iniciativa privada, reunindo ao seu redor o exército do proletariado industrial sem deixar tempo ao artesanato para nascer e se desenvolver. Como resultado desse estado de coisas, no momento da revolução burguesa, um proletariado industrial de tipo social muito elevado revelou-se como a principal força nas cidades. É um fato indiscutível que ele deveria servir de base às nossas conclusões táticas revolucionárias.”20 Os estudos de Trotsky sobre o desenvolvimento da Rússia resultaram na chamada “lei do desenvolvimento desigual e combinado”. Para uma melhor compreensão do que venha a ser essa “lei”, verifiquemos o que o próprio autor desenvolve sobre o tema. Trotsky parte da principal característica do desenvolvimento russo, que na História da Revolução Russa, afirma ser: “o traço fundamental e mais constante da história da Rússia é o caráter lento de seu desenvolvimento, com o atraso econômico, o primitivismo das formas sociais e o baixo nível de cultura constituindo sua consequência obrigatória”.21 Adiante, o autor analisa as contradições desse desenvolvimento, pois, no capitalismo, os países atrasados assimilam as conquistas

20

TROTSKY, Leon. A Revolução Permanente. São Paulo, Expressão Popular, 2007, p.137-138. 21 História da Revolução Russa, p.19

materiais e ideológicas das nações avançadas, ou melhor, são obrigados a assimilá-las antes do “prazo previsto”, saltando, deste modo, por toda uma série de etapas intermediárias. Porém, prossegue o autor, este salto não é, de forma alguma, absoluto, estando sempre condicionado, em última instância, pela capacidade de assimilação econômica e cultural do país. Essa contradição no desenvolvimento histórico das sociedades capitalistas de desenvolvimento tardio é explicitada por Trotsky ao se referir à introdução de armamento e empréstimos europeus na Rússia, “incontestáveis produtos de uma cultura mais elevada” que, por sua vez, determinaram o fortalecimento do Czarismo, sendo um consequente obstáculo ao desenvolvimento do país. Ocorre, prossegue ele, que o desenvolvimento de uma nação atrasada induz, forçosamente, que se confundam nela, de uma maneira característica, as distintas fases do processo histórico 22, sendo isto, a expressão da lei do desenvolvimento combinado. Nas palavras de Trotsky: “O desenvolvimento desigual, que é a lei mais geral do processo histórico, não se revela, em nenhuma parte, com maior evidência e complexidade do que no destino dos países atrasados. Açoitados pelo chicote das necessidades materiais, os países atrasados se vêem obrigados a avançar aos saltos. Desta lei universal do desenvolvimento desigual da cultura decorre outra que, por falta de nome mais adequado, chamaremos de lei do desenvolvimento combinado, aludindo à aproximação das distintas etapas do caminho e à confusão de distintas fases, ao amálgama de formas arcaicas e modernas. Sem recorrer a esta lei, enfocada, naturalmente, na integridade de seu conteúdo material, seria impossível compreender a história da Rússia, nem a de nenhum outro país de avanço cultural atrasado, sejam em segundo, terceiro ou décimo grau.”23 De fato, enquanto que “até o momento do estalar da revolução a agricultura se mantinha, com pequenas exceções, quase ao mesmo nível do século XVII, a indústria, no que se refere à sua técnica e estrutura capitalista, estava no nível dos países 22

TROTSKY, Leon. História da Revolução Russa (Tomo I). São Paulo: Sundermann, 2007, p. 20-21. 23 Ibid, p. 21.

avançados” 24, sendo que em alguns casos o ultrapassava. É, pois, essa contradição, não somente a que possibilitaria uma revolução na Rússia, mas, precisamente, que essa revolução fosse encabeçada pelo proletariado. O resultante deste desenvolvimento “desigual e combinado” tende a colocar em xeque o sistema político-econômico em que a burguesia conservadora dependia da autocracia, justamente pelo surgimento do proletariado, que pressionava a mudança do sistema. A lei do desenvolvimento desigual e combinado constitui a base da famosa teoria da revolução permanente e foi utilizada, posteriormente, inclusive para o desenvolvimento das análises da condição de atraso dos países latino-americanos pela CEPAL. Diante dessa concepção dialética do desenvolvimento russo, em que se combinavam elementos atrasados com o mais avançado da técnica capitalista, alguns autores como Knei-Paz extraem certo determinismo, pois entendem que para Trotsky só havia uma solução para o caso russo: a revolução permanente: Nas palavras de KneiPaz: “Não é exagerado dizer que Trotsky concebia a teoria da revolução permanente – isto é, a revolução do atraso – como a única solução possível desse dilema, ou seja, o único modo de realizar a modernização e, ao mesmo tempo a única possível consequência do modelo que estava emergindo das específicas características econômicas, sociais e políticas da Rússia.”25 Por outro lado, Michel Löwy coloca a questão sob outra perspectiva, que apesar de apontar a revolução permanente como uma possibilidade, afirma que com a influência de fatores subjetivos e objetivos pode ser concretizada, nas palavras do mesmo: “A concepção de história de Trotsky não é fatalista, mas aberta: a tarefa do marxismo, escreveu, é a de “descobrir, ao analisar o mecanismo interno à revolução, as possibilidades que ela apresenta em seu desenvolvimento”. A revolução permanente não é um resultado determinado por antecipação, mas uma 24

Ibid, p. 24-25. KNEI-PAZ, Baruch. “Trótski: revolução permanente e revolução do atraso” in HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do marxismo V, op. cit., p. 181. 25

possibilidade objetiva, legítima e realista, cuja concretização depende de inúmeros fatores subjetivos e acontecimentos imprevisíveis.”26 Na famosa conferência de Copenhagen, proferida por Trotsky, podemos encontrar um resumo de sua idéia de revolução permanente: “Em relação as suas tarefas imediatas, a revolução russa é uma revolução burguesa. Sem embargo, a burguesia russa é antirevolucionária. Por conseguinte a vitória da revolução só é possível como vitória do proletariado. O proletariado vitorioso não se deterá no programa da democracia burguesa e passará imediatamente ao programa do socialismo. A revolução russa será a primeira etapa da revolução socialista mundial. Tal era a teoria da revolução permanente, elaborada por mim em 1905 e, mais tarde, exposta à crítica mais acerba sob o apelido de “Trotskysmo”. Isto não é mais que uma parte desta teoria. A outra parte, agora particularmente atual, expressa: As atuais forças de produção há muito tempo extravasaram as barreiras nacionais. Por mais importantes que sejam os êxitos econômicos de um Estado operário isolado, o programa do “socialismo num só país” é uma utopia pequeno-burguesa. Só uma federação européia e, depois, mundial de repúblicas socialistas pode abrir caminho a uma sociedade socialista harmônica.”27 O duplo caráter da revolução, que deveria realizar não só as tarefas democráticas, mas também alçar ao poder o proletariado conduzindo ao socialismo é o que dá à revolução o caráter de “permanente”, como escreve o próprio Trotsky: “A ditadura do proletariado, que sobe ao poder como força dirigente da revolução democrática, será colocada, inevitável e muito rapidamente, diante de tarefas que a levarão a fazer incursões profundas no direito burguês da propriedade. No curso 26

LOWY, Michel. O Profeta da Revolução de Outubro. Outubro, 1999, São Paulo, nº. 3, p.55. ISSN 1516-6333. 27 TROTSKY, Leon. “O que foi a revolução de outubro” in Revista Civilização Brasileira, Ano III – Caderno Especial n. 1 - Novembro, 1967, p. 143-144.

do seu desenvolvimento, a revolução democrática se transforma diretamente em revolução socialista, tornando-se, pois, uma revolução permanente.”28 Tal teoria encontrou forte repúdio por parte da burocracia soviética, já que ela colocava em questão a possibilidade da continuação da União Soviética como estava, principalmente por conta de suas ações no exterior. Enquanto Stálin apoiou, na China, a palavra de ordem da “ditadura do proletariado e do campesinato”, Trotsky julgava esta posição equivocada, já que favorecia tendências pequeno-burguesas e impedia o desenvolvimento da real consciência de classe, prescrevendo que a ditadura é do proletariado em aliança com o campesinato: “Quaisquer que sejam as primeiras etapas episódicas da revolução nos diferentes países, a aliança revolucionária do proletariado com os camponeses só é concebível sob a direção política da vanguarda proletária organizada como partido comunista. Isso significa, por outro lado, que a vitória da revolução democrática só é concebível por meio da ditadura do proletariado apoiada em sua aliança com os camponeses e destinada, em primeiro lugar, a resolver as tarefas da revolução democrática.”29 O terceiro foco decisivo da idéia de revolução permanente reside no internacionalismo. No embate de Trotsky contra a burocracia soviética este ponto teve vital relevância, pois contrasta diretamente com a teoria soviética do “socialismo em um país só”, assim, em A Revolução Permanente pode se ler que: “A revolução socialista não pode se realizar nos quadros nacionais. Uma das principais causas da crise da sociedade burguesa reside no fato de as forças produtivas por ela engendradas tenderem a ultrapassar os limites do Estado nacional. Daí as guerras imperialistas, de um lado, e a utopia dos Estados Unidos burgueses da Europa, de outro lado. A revolução socialista começa no terreno nacional, desenvolve-se na arena internacional e termina na arena mundial. Por isso mesmo, a 28 29

TROTSKY, Leon. A Revolução Permanente, op. cit., p. 208. Ibid. p. 206.

revolução socialista se converte em revolução permanente, no sentido novo e mais amplo do termo: só termina com o triunfo definitivo da nova sociedade em todo o nosso planeta.”30 Tendo estudado a história russa e sua forma peculiar de desenvolvimento, Trotsky parecia ter a certeza de que as forças atuantes conduziriam à revolução permanente na Rússia, que começaria como uma revolução burguesa, mas continuaria ininterruptamente como uma revolução proletária31. Tal convicção de Trotsky, segundo alguns autores32, o difere fundamentalmente de Lênin por um determinismo que o faz crer que as condições do desenvolvimento histórico conduziriam à ebulição social russa para uma revolução proletária, como aponta Vittorio Strada: “Diferentemente

de

Trotsky



que

estava

seguro

da

correspondência da revolução russa às leis do “desenvolvimento combinado” e, portanto, confiava na extensão internacional do processo revolucionário -, Lênin estava consciente do fato de que a sua revolução não era garantida, e que a tomada do poder na Rússia ocorrera graças a uma conjuntura nacional e internacional extremamente rara e precária (...) no fundo da posição de Trotsky, havia uma outra convicção: a de que, mesmo se houvesse uma nova ofensiva e o poder revolucionário na

Rússia

devesse

heroicamente

sucumbir,

a

flama

revolucionária se reacenderia em outro lugar, já que, para alimentá-la, além da paixão das massas e da energia dos líderes, existiam as leis do desenvolvimento histórico.”33 Esta alegada diferença entre o pensamento dos dois talvez possa explicar seus “desentendimentos” antes da revolução, como por exemplo, o ocorrido à época da cisão 30

Ibid. p. 208 Como explica Knei-Paz: “A revolução do atraso do século XX devia assumir a forma de uma “revolução combinada”, isto é, na qual agissem juntas as forças resultantes de duas era históricas, diferentes mas agora ligadas no tempo: a da revolução agrárioburguesa e a da revolução industrial-socialista”. KNEI-PAZ, Baruch. “Trótski: revolução permanente e revolução do atraso” in HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do marxismo V, op. cit., p. 182. 32 Conclusão alcançada por outro autor: “Parece evidente que Trotsky, diferentemente de Lênin, atém-se à tipologia determinista-voluntarista da ação política”. Ibid., p. 194. 33 STRADA, Vittorio. “Lênin e Trótski” in HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do marxismo V, op. cit., p. 153. 31

entre bolcheviques e mencheviques, quando chega a acusar Lênin pessoalmente de, entre outras coisas, ser uma “reles caricatura da trágica intolerância do jacobismo”34 e, depois, quando do tratado de Brest-litovsk35. Tal crença em sua própria teoria o fez criticar ferozmente o bolchevismo na cisão, dizendo que se ele não fosse erradicado e destruído, ele acabaria por destruir a social-democracia e qualquer perspectiva de realizar o socialismo na Rússia. No entanto, como observa Vittorio Strada “a teoria do „desenvolvimento combinado‟ e da „revolução permanente‟ tinha um vazio: a organização do partido revolucionário”.36 Mais tarde, porém, Trotsky iria perceber que sua teoria, ainda que correspondesse à realidade, sem uma ação prática não poderia levar ao desabrochar da revolução37. Isso o fez se unir a Lênin e seu partido revolucionário em 1917, revendo suas opiniões anteriores, o que o levaria a dizer que tinha cedido anteriormente a um “otimismo fatalista”38 e que todas as condições “suficientes para que irrompesse a revolução eram, porém, insuficientes para assegurar a vitória do proletariado”39, pois faltava o Partido Bolchevique. Sobre isso afirmou também que “nenhuma receita tática poderia dar vida à Revolução de Outubro se a Rússia não a levasse nas suas próprias entranhas. O partido revolucionário não pode desempenhar outro papel senão o de parteiro que se vê obrigado a recorrer à operação cesariana”.40 Esta mudança prática, a aproximação de Trotsky com Lênin e com o 34

Sobre as críticas de Trotsky a Lênin ver KNEI-PAZ, Baruch. “Trótski: revolução permanente e revolução do atraso” in HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do marxismo V, op. cit., p. 192-193. 35 Quando Trotsky fez oposição à Lênin pois “afirmava que a ofensiva alemã terá influência sobre o movimento operário internacional e suscutará um impulso revolucionário de apoio ao poder soviético”. BETTELHEIM, Charles. A luta de classes na União Soviética: primeiro volume (1917-1923). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2ª ed. 1979, p. 339. 36 STRADA, Vittorio. “Lênin e Trótski” in HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do marxismo V, op. cit., p. 150. 37 Como escreve Knei-Paz: “Trotsky, naquele momento em que o tempo histórico, mais do que uma aceleração, conhecia um paroxismo, captou a maturidade da situação para a sua “revolução permanente” e aceitou o partido de Lênin como o último elo que faltava à sua construção”. Op. Cit., p. 171. 38 TROTSKY, Leon, APUD KNEI-PAZ, Baruch. “Trótski: revolução permanente e revolução do atraso” in HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do marxismo V, op. cit.,, p. 195 39 TROTSKY, Leon. “O que foi a revolução de outubro” in Revista Civilização Brasileira, op. cit., p.145. 40 Ibid., p.138.

bolchevismo, teve repercussão em sua teoria, pois se nos anos da cisão ele considerava que o centralismo do partido poderia levar ao fim da possibilidade de socialismo na Rússia, depois passou a defender o partido único, negando-se a admitir que o embrião do stalinismo pudesse já se encontrar neste papel desenvolvido pelo partido desde antes da revolução. Isto em parte explica sua concepção de traição da revolução por parte da burocracia, já que ele não podia admitir que o desenvolvimento desta fosse decorrente lógico do bolchevismo.41 Após esta visão geral do pensamento de Trotsky, passemos a análise de seu pensamento no que tange o direito.

3 - DIREITO E FIXAÇÃO NA PROBLEMÁTICA DAS FORÇAS PRODUTIVAS

Quando procuramos nos textos de Trotsky referências que possam esclarecer sua visão no que tange o direito e o Estado, encontramos, por diversas vezes, citações da grande obra de Lênin, O Estado e a revolução, para justificar sua própria visão, do desaparecimento destes entes (Estado, direito) conforme desapareça a exploração capitalista: “Depois de Marx e Engels, Lênin foi o primeiro a apreender o traço

distintivo

da

revolução.

Esta,

ao

expropriar

os

exploradores, suprime a necessidade de um aparelho burocrático que domine a sociedade e, antes de tudo, da polícia e do exército permanente. “O proletariado tem a necessidade do Estado que vá desaparecendo, isto é, um Estado que cedo comece a desaparecer e não possa deixar de desaparecer.”42 Seguindo estes desenvolvimentos esparsos em sua obra, pode-se perceber 41

“De qualquer modo, Trotsky insistiu em que não se podia de modo algum concluir que o “stalinismo” já estivesse “contido em potência no centralismo bolchevique” e aqui o Trotsky bolchevique-leninista renegava o Trotsky menchevique de “As nossas Tarefas Políticas”, de 1904, que profetizara o destino despótico do bolchevismo”. SALVADORI, Massimo L.. “A crítica marxista ao stalinismo” in HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do marxismo VII: o marxismo na época da Terceira Internacional: a URRS da construção do socialismo ao Stalinismo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986, p.318. 42 TROTSKY, Leon. A Revolução Traída. São Paulo, Centauro, 2007, p. 91

claramente que Trotsky via necessidade, postulada por Marx, do Estado e do direito desaparecerem, sendo para ele da ditadura do proletariado a incumbência de planejar este desaparecimento, uma vez completada a expropriação dos exploradores: “O Estado que realiza a ditadura tem por tarefa derivada, mas absolutamente primordial, preparar a sua própria abolição” 43. No entanto, ao sustentar este ponto de vista, Trotsky não desenvolve com profundidade a análise feita por Marx para chegar a estas conclusões e acaba fincando o desaparecimento do Estado na sua proclamada falta de utilidade em uma sociedade sem exploração. Isto não basta como explicação, não explicita a análise marxista do fim do direito e do Estado. É necessário depreender de sua teoria uma visão geral para qual é o papel do direito no socialismo, o que sem dúvida é o caminho mais difícil, dependendo da compreensão dos temas que mais preocupavam o pensador. Quando tentamos avançar por este caminho, o de entender as contribuições de teóricas de Trotsky e a partir delas extrair seu ponto de vista para o Estado e o Direito (ao invés de como fizemos acima, quando procuramos citações diretas sobre este assunto), torna-se ainda mais difícil chegar à conclusão de Marx retomada por Lênin. Analisando sua teoria da revolução permanente temos que dos três pontos que a constituem, o principal ponto em que Trotsky se baseia para justificar o erro do stalinismo e a não completude do socialismo na URSS, denunciada pela manutenção do Estado e do direito, é o fato da revolução não ter se internacionalizado. Em sua visão, para se alcançar o socialismo é necessária a internacionalização da revolução, mas ele não explica como, a partir disso, o Estado e o direito devam desaparecer. Contenta-se, ainda neste nível, com dizer que não haverá necessidade da existência destes entes, o que não chega ao âmago da questão de explicar como e por qual razão o direito e o Estado perdem a necessidade de existir no estágio superior do socialismo, o comunismo. Ao invés de procurar responder mais concretamente estas questões Trotsky postula ser necessária a mundialização para liberar as “atuais forças de produção há muito tempo extravasaram as barreiras nacionais”44. Aqui encontramos o ponto chave do pensamento de Trotsky em relação à sua compreensão do direito, ponto este que repercutirá contraditoriamente no seu 43

Ibid., p. 92. TROTSKY, Leon. “O que foi a revolução de outubro” in Revista Civilização Brasileira, Ano III – Caderno Especial n. 1 - Novembro, 1967, p. 144 44

pensamento em relação ao Estado e o direito: ele crê que o principal entrave ao estabelecimento de uma sociedade tal como pensada por Marx na URSS é o baixo rendimento do trabalho social. Para ele a base das relações sociais após a revolução já eram (após a revolução) socialistas, mas o rendimento do trabalho social ainda era muito baixo. O que impedia a caracterização do socialismo, assim, seria principalmente o baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas. O socialismo ainda não teria sido alcançado, pois seria concebido como uma formação social em que o domínio dá técnica é superior ao do capitalismo. Deste modo, contradizendo o stalinismo que já declarara a existência do socialismo na URSS, Trotsky escreve: “Mas precisamente do ponto de vista do marxismo, a questão não

diz

somente

respeito

às

formas

de

propriedade,

independentemente do rendimento do trabalho. Marx entendia, em todo o caso, por “estágio inferior do comunismo”, o de uma sociedade cujo desenvolvimento econômico seria, desde o início, superior ao do capitalismo avançado.”45 O fato de elencar a deficiência das forças produtivas como primeira razão de ainda não se ter alcançado o socialismo é recorrente em suas obras, constituindo, como já dissemos, fato de vital relevância para a compreensão de seu pensamento. Com isso ele desloca a problemática da transição ao socialismo do foco das relações de produção para colocá-lo sobre o desenvolvimento das forças de produtivas. Não dizemos aqui que Trotsky ignora por completo o problema das relações de produção, mas sim que ele, de uma forma geral, ao se debruçar sobre o problema do baixo rendimento do trabalho na URSS, acaba por não se dedicar suficientemente à análise das relações de produção. Com esta mudança de enfoque cria-se, em algumas passagens de sua obra, certa identificação das relações jurídicas com a totalidade das relações sociais:46 “A oposição objetava as primeiras declarações sobre a “vitória total”, que não basta considerar unicamente as formas jurídicosociais das relações, aliás, ainda contraditórias e falhas de maturidade na agricultura, abstraindo do critério principal: o 45

Ibid., p.88. Esta posição de Trotsky no que concerne a identificação das relações jurídicas com as relações de produção será retomada no próximo tópico. 46

nível atingido pelo rendimento do trabalho. As próprias forças jurídicas em um conteúdo social que varia profundamente segundo o grau de desenvolvimento da técnica (...) as formas soviéticas de propriedade, fundadas sobre as aquisições mais recentes da técnica americana e alargada a todos os ramos da economia se identificariam já com o primeiro estágio do socialismo. As formas soviéticas, em presença de um baixo rendimento do trabalho, não significam mais do que um regime transitório cujos destinos não estão ainda definitivamente pesados pela história.”47 A importância que dá à problemática das forças produtivas o leva a cada vez mais deixar a análise das relações de produção para segundo plano e considerar tudo uma mera questão de desenvolvimento da técnica, afinal, como ele diz “os problemas do Estado e do dinheiro possuem vários aspectos em comum, pois ambos se reduzem, no fim de contas, ao problema essencial: o rendimento do trabalho”48. Ora, julgando que o grande problema da implementação do socialismo na URSS se encontrava na necessidade de desenvolvimento da técnica, no ganho de rendimento do trabalho, Trotsky deixa transparecer que em seu pensamento as relações de produção já são, na sua essência, socialistas. Isso pode ser comprovado em diversas passagens, como a já citada, em que ele diz que as formas soviéticas de propriedade com o nível de desenvolvimento da técnica americano já se identificariam com o primeiro estágio do socialismo. Pensando deste modo chega a falar continuamente em um “método socialista” que já estaria em prática na URSS: “Para apreciar o novo regime do ponto de vista do desenvolvimento humano, há que se focalizar, acima de tudo, esta questão: de que maneira se exterioriza o progresso social e como se pode medi-lo? O critério mais objetivo, mais profundo e mais indiscutível é: o progresso pode medir-se pelo crescimento da produtividade do trabalho social. A estimativa da Revolução de Outubro, sob este ângulo, a experiência já deu. Pela primeira vez na história o princípio de organização 47 48

TROTSKY, Leon. A Revolução Traída, op. cit., p. 99. Ibid., p. 103.

socialista demonstrou sua capacidade, fornecendo resultados de produção jamais obtidos num curto período.”49 Para Trotsky o socialismo antes de tudo consubstanciava-se num modo de organização social para fazer a técnica progredir mais rapidamente que o “capitalismo estagnante” libertando as forças produtivas, o que para ele se comprovava por meio do rápido progresso da URSS nas décadas de 20 e 30, pelo “fato estabelecido empiricamente, a possibilidade de elevar o trabalho coletivo a uma altura jamais conhecida, com a ajuda dos métodos socialistas” 50. Não podemos deixar de notar que o determinismo já presente em suas discussões com Lênin permeia seu pensamento do momento de transição, quando ele entende que as formas básicas de produção socialistas já estão implantadas, por conta da revolução de outubro, originada de acordo com as leis do desenvolvimento histórico: resta assim primordialmente desenvolver a técnica. Seguindo esta linha de pensamento, Trotsky chega a afirmar que uma economia socializada como a URSS, ultrapassando a técnica capitalista já teria assegurado “automaticamente” um “desenvolvimento socialista”: “A força e a estabilidade dos regimes definem-se em última análise pelo rendimento relativo do trabalho. Uma economia socializada que ultrapassasse o capitalismo, tecnicamente, teria realmente assegurado um desenvolvimento socialista de certo modo automático, o que infelizmente não pode, de maneira alguma, ser dito da economia soviética.”51 O próprio internacionalismo, que tão fortemente marca sua posição antiestalinista, parece em sua argumentação ser necessário meramente para libertar as forças produtivas dos países mais adiantados, que as socializariam com a os países mais atrasados. Conjugando a técnica dos capitalistas avançados com os “métodos socialistas” o socialismo estaria garantido. Esta posição se torna de difícil defesa, posto que a técnica da URSS de sua época em muito superava o capitalismo inglês da época de Marx. Mas a este tipo de questionamento Trotsky responde que: 49

TROTSKY, Leon. “O que foi a revolução de outubro” in Revista Civilização Brasileira, op. cit., p. 150. 50 Ibid., p. 151. 51 TROTSKY, Leon. A Revolução Traída, op. cit., p. 89

“A aplicação dos métodos socialistas a tarefas pré-socialistas é agora o fundamento do trabalho econômico e cultural na URSS. É verdade que a URSS ultrapassa hoje, pelas suas forças produtivas, os países mais avançados do tempo de Marx. Mas, em primeiro lugar, na competição histórica dos dois regimes, trata-se muito menos de níveis absolutos que de níveis relativos: a economia soviética opõe-se ao capitalismo de Hitler, de Baldwin e de Roosevelt e não ao de Bismark, de Palmerston e de Abraão Lincoln; em segundo lugar, a própria extensão das necessidades do homem modificou-se radicalmente com o crescimento da técnica mundial: os contemporâneos de Marx não conheciam o automóvel, nem a telegrafia sem fio, nem o avião. Ora a sociedade socialista no nosso tempo seria inconcebível sem o livre uso de todos estes bens.”52 Ele elide a crítica feita com base no fato de que o desenvolvimento das forças produtivas na URSS já era superior aos países capitalistas do tempo de Marx, dizendo que o que importa não são níveis absolutos, mas sim níveis relativos de desenvolvimento da técnica. Não podemos concordar com esta afirmação, pois com ela Trotsky acaba por colocar o problema, ainda que por uma via indireta, no mesmo nível que o colocou Stalin: há um cerco capitalista que “concorre” com a sociedade em transição ao socialismo, por isso ela ainda não pode realmente ser considerada “socialista”. Só se tornará socialista quando superar esse invólucro capitalista. Para Stalin a maneira de superar é sendo mais poderoso militarmente, para Trotsky é instalando este “método socialista” em todo o globo, para que as forças produtivas dos países avançados sejam socializadas. Ora, no tempo de Marx as forças produtivas dos países avançados eram inferiores às da URSS, então, mesmo com a socialização das forças produtivas destes países, naquela época, a produtividade do trabalho social mundial seria menor do que a produtividade existente na URSS no tempo de Trotsky. Há uma contradição aqui: ou reconhece-se que a questão da transição ao socialismo não é primordialmente dependente do progresso da produtividade do trabalho, das forças produtivas, ou admite-se que o nível de progresso da técnica não é relativo, mas absoluto e no tempo 52

Ibid., p. 96

de Marx o socialismo não seria possível, ainda que com uma revolução mundial. Trotsky não vê essa contradição, e mantém-se firme na posição de que para ser alcançado o socialismo é necessária a internacionalização da revolução que libertaria as forças produtivas aprisionadas em âmbito nacional. Isto não explica em nada como seria possível a transição ao socialismo, mas apenas mais uma vez remete todo o problema para a temática do desenvolvimento das forças produtivas em detrimento de uma análise das relações de produção. Não se trata de dizer aqui - e é importante que isso reste muito claro – que a internacionalização da revolução não fosse necessária para seu sucesso, mas que não se pode considerá-la milagroso remédio que resolveria os problemas estruturais já experimentados pela URSS naquela época, problemas estes que se concentravam nas relações sociais de produção. Por mais que se enumerem motivos para a impossibilidade de existência do socialismo em um único país, motivos dentre os quais com muitos concordamos, como a pressão no terreno político e militar por conta dos países capitalistas, o desnível tecnológico e mesmo a mera existência de sociedades de consumo que podem incitar a massa a padrões de comportamento burgueses, estes são insuficientes para explicar como se dá a transição. Quando Trotsky debruça-se sobre o problema da transição na URSS, antes de atacar a própria forma de produção soviética53 e ver no que ela substancialmente difere do objetivo de emancipação humana, remete a crítica ao exterior, ao próprio capitalismo que impede a internacionalização da revolução. Ele procura o problema nas relações capitalistas internacionais e nisso esquiva-se de analisar o interno, as relações sociais que no interior da URSS são conflituosas e não socialistas, enquanto isso prescreve internamente a necessidade de aumento da produtividade do trabalho a qualquer custo. Assim, como diz Charles Bettelheim, “o que caracteriza a concepção de Trotsky é a defesa da tese sobre o primado do desenvolvimento das forças produtivas até suas últimas consequências”

54

.

Isso longe de repercutir apenas em sua produção teórica revela-se em suas posições enquanto líder bolchevique, como quando, por exemplo, defendendo junto com Bukharin a militarização do trabalho e dos sindicatos, escreveu: 53

Veremos adiante neste trabalho que a crítica que Trotsky faz à burocracia, no sentido em que esta traiu a revolução, coloca-a como superestrutura e não como parte estrutural do próprio modo de produção oriundo da revolução de outubro. 54 BETTELHEIM, Charles. A Luta de Classes na URSS. Volume 1. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. p. 36.

“Os operários devem estar ligados a seu emprego, sujeitos a serem transferidos; é necessário dizer-lhes o que devem fazer (...) Antes de desaparecer, a coerção estatal atingirá, durante o período de transição, o seu mais alto grau de intensidade na organização do trabalho.”55 Este autoritarismo presente em diversas asserções só pode ser corretamente compreendido levando em conta a defesa da necessidade de aumento da produtividade do trabalho, mesmo que claramente em detrimento de relações de produção mais igualitárias, que promovessem uma sociedade verdadeiramente libertária, como deverá ser no socialismo. Dessa forma, Trotsky prescreve que: “Uma luta planificada, sistemática, constante e resoluta deve ser travada contra a deserção do trabalho, em particular publicando listas negras dos desertores do trabalho, formando batalhões penais compostos desses desertores e, finalmente, encerrando-os em campos de concentração.”56 E ainda, que: “A militarização é impensável sem a militarização dos sindicatos como tais, sem o estabelecimento de um regime no qual cada trabalhador se considere um soldado do trabalho que não pode dispor livremente de si mesmo; se ele recebe uma ordem de transferência, deve executá-la; se não a executa, será um desertor que deve ser punido. Quem cuida disso? O sindicato. Ele cria o novo regime. É a militarização da classe operária.”57 Na mesma polêmica interfere Lênin, em posição contrária à de Trotsky, demonstrando como mesmo naquele momento de colossais problemas de produção, ainda era possível a defesa de um ponto de vista diferente. O grande líder bolchevique explica como o foco nas forças produtivas desconsiderando as relações de produção, 55

TROTSKY, Leon, apud BETTELHEIM, Charles. A Luta de Classes na URSS. Volume 1. Op. Cit., p. 351. 56 TROTSKY, Leon, apud BETTELHEIM, Charles. A Luta de Classes na URSS. Volume 1. Op. Cit., p. 351 57 Ibid., p. 351

longe de ser o que representa o marxismo, contrasta com esta filosofia: “Trotsky e Bukhain apresentam as coisas desse modo: vejam, nós nos preocupamos com o aumento da produção, e vocês unicamente com a democracia formal. Essa imagem é falsa, pois a questão se coloca (e, para falar como marxista, pode colocarse) somente assim: sem uma posição política justa, uma dada classe não pode manter sua dominação e, em consequência, não pode também se desincumbir de sua tarefa na produção.”58

4 - DIREITO DE PROPRIEDADE E DIVISÃO DE CLASSES

Com a escolha deste caminho teórico que postula que a base de relações sociais da URSS já é socialista e que o problema predominante (apesar de não único) é a questão do baixo rendimento do trabalho, Trotsky entende que a burocracia não é classe dominante. Julgá-la classe dominante implicaria que a estrutura não é em si socialista, o que levaria o problema a situar-se não nas forças produtivas, mas nas relações de produção. Ele parte então para uma argumentação que nos permite extrair apontamentos para sua concepção do direito. Como a estrutura já é socialista, a burocracia só pode representar algo que não é próprio do modo de produção alcançado com a revolução de outubro, portanto só pode ser considerada superestrutura59. Se a burocracia representa a superestrutura que se opõe 58

LÊNIN, Vladimir apud BETTELHEIM, Charles. A Luta de Classes na URSS. Volume 1. Op. Cit., p. 357. 59 Como explica Salvadori: “Trotsky tem seu centro teórico na afirmação de que a URSS sob o domínio de Stalin não deixa de ser socialista, em virtude da herança constituída pelas transformações estruturais econômicas e sociais realizadas pelo poder soviético no período de Lênin, e não qualitativamente renegadas pelo poder de Stalin, embora no plano das superestruturas e das técnicas de domínio político o stalinismo tenha realizado uma profunda distorção, de tal monta que se tornou uma verdadeira “traição” em relação às finalidades de uma revolução proletária e às exigências de uma ordem política e institucional socialista. Disso resulta a conclusão de que a essência do stalinismo consiste na criação de uma contradição crescente entre a estrutura econômica da URSS e as superestruturas”. SALVADORI, Massimo L.. “A crítica marxista ao stalinismo” in HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do marxismo VII, op. cit., p.308 59“Uma traição, porém, que era certamente muito grave, mas que se limitava – e aqui reside uma outra peculiaridade de Trotsky – à esfera das superestruturas” Ibid., p.313.

à estrutura já socialista, ela na realidade está contra as bases sociais lançadas em 1917, está, então, traindo a revolução:60 “Como força política consciente a burocracia traiu a revolução. Mas a revolução, felizmente vitoriosa, não é só um programa, uma bandeira, um conjunto de instituições políticas, é também um sistema de relações sociais. Não é suficiente traí-la, é necessário ainda subvertê-la. Os atuais dirigentes traíram a Revolução de Outubro, mas ainda não a subverteram. A revolução tem uma grande capacidade de resistência, que coincide com as novas relações de propriedade, com a força viva do proletariado, com a consciência dos seus melhores elementos, com a situação sem saída do capitalismo mundial, com a inelutabilidade da revolução mundial.”61 É possível perceber na citação acima que, para Trotsky, o sistema de relações sociais se contrapõe à burocracia traidora, inclusive pelas “novas relações de propriedade”. Isto ressalta não somente sua concepção de burocracia como mera superestrutura e a URSS já como detentora de relações sociais socialistas, mas dá um papel muito importante à propriedade em suas considerações, como se ela fosse o que determina as próprias relações sociais. Ora, se o que de fato foi modificado na URSS em matéria de propriedade foi apenas sua titularidade jurídica, que passou de privada para estatal, parece-nos que para Trotsky esta mudança meramente jurídica é o que tem o condão de criar novas relações de produção. Menções nesse sentido não são ocasionais em sua obra, ao contrário, se encontram em diversas passagens, como quando fala de uma revolução meramente política contra a burocracia: “A revolução que a burocracia prepara contra si própria não será social como a evolução de Outubro de 1917; não se tratará de uma mudança de bases econômicas da sociedade, de substituir uma forma de propriedade por outra. A história para além das revoluções sociais que substituíram o feudalismo pelo regime 60

“Uma traição, porém, que era certamente muito grave, mas que se limitava – e aqui reside uma outra peculiaridade de Trotsky – à esfera das superestruturas” Ibid., p.313. 61 TROTSKY, Leon. A Revolução Traída, op. cit., p. 244.

burguês conhece revoluções políticas que sem tocar nos fundamentos econômicos da sociedade, subverteram as antigas formações dirigentes (1830 e 1848 na França, fevereiro de 1917 na Rússia). A subversão da casta bonapartista terá, naturalmente, profundas consequências sociais; mas não irá para além dos limites de uma transformação política.”62 Pode-se perceber que ele julga serem as “bases econômicas da sociedade” decorrentes da “forma de propriedade”, já que se esta fosse substituída as “bases econômicas” seriam mudadas. Como ele escreve a “burocracia não criou uma base social para sua dominação, sob a forma de condições particulares de propriedade. É obrigada a defender a propriedade de Estado, fonte do seu poder e das suas receitas” 63. Ou seja, a burocracia precisa defender a propriedade coletiva em detrimento da propriedade privada e isto, a coletividade da propriedade, é o que para ele representa a base socialista da sociedade. Seguindo esta linha de pensamento os privilégios da burocracia não podem ser oriundos de uma relação de classe, mas sim de um “abuso”: “As iniciativas feitas para apresentar a burocracia soviética como uma classe “capitalista de Estado” não resistem visivelmente à crítica. A burocracia não tem títulos nem ações, recruta-se, completa-se e renova-se, graças a uma hierarquia administrativa, sem ter direitos particulares em matéria de propriedade. O funcionário não pode transmitir aos seus herdeiros o seu direito à exploração do Estado. Os privilégios da burocracia são abusos.”64 Ora, acima fica clara a importância que Trotsky dá ao direito de propriedade. Só pode haver “classe” se houver “direitos particulares em matéria de propriedade”65.

62

Ibid., p. 272. Ibid., p. 242. 64 Ibid., p. 242-243. 65 “Partindo do ponto, para ele firme, de que existe uma classe dominante em contraposição às outras classes sociais, somente quando aquela possui propriedade dos meios de produção. Trotsky conclui que a burocracia não pode ser uma classe porque não é proprietária. Mas a burocracia domina politicamente e goza de privilégios de todo tipo. Portanto para Trotsky, ela é um “estrato”, uma casta dominante, não uma classe dominante do tipo burguesia” SALVADORI, Massimo L.. A crítica marxista ao stalinismo in HOBSBAWM, Eric J. (org.). História do marxismo VII, op. cit., p.314. 63

Apesar disto, ele deixa claro que de fato há uma espécie de “pertencimento” do Estado à burocracia, o que parece contrariar sua definição da burocracia como superestrutura. Resolve esta contradição dizendo que a inscrição deste “pertencimento” no âmbito do modo de produção só se daria quando tais categorias se “legalizassem”, subvertendo de vez a revolução: “Os meios de produção pertencem ao Estado. O Estado “pertence” de algum modo à burocracia. Se estas relações, ainda que recentes, se estabilizassem, se legalizassem, se tornassem normais, sem resistência, ou mesmo com a resistência dos trabalhadores,

acabariam

pela

liquidação

completa

das

conquistas de revolução proletária.”66 Trotsky se baseia na idéia de que o regime em que a burocracia dominava a propriedade estatal só poderia existir de uma forma transitória, por curto espaço de tempo, e que esta se resolveria levando de volta ao capitalismo ou consolidando de vez o socialismo. Como a legalidade declarava ser socialista uma nova forma de exploração só poderia vir a tona com a “legalização” de novas relações. Não podia pensar na existência de um novo tipo de exploração burguesa com base na propriedade estatal, como explica Bettelheim: “A referência ao nível das forças produtivas permite a Trotsky introduzir a noção de “normas burguesas de repartição”, as quais seriam impostas na URSS pelo baixo nível das forças produtivas, e cuja existência poderia conduzir a uma restauração da propriedade privada. A idéia de uma restauração da dominação burguesa no interior da propriedade estatal é, assim, implicitamente rejeitada, se que Trotsky possa, além disso, apresentar

argumentos

verdadeiros

para

justificar

essa

negação.”67 Resta, assim, a conclusão de que para Trotsky a relação jurídica de propriedade tem vital relevância para sua definição das “bases econômicas da sociedade”, de forma que não consegue imaginar a existência de dominação burguesa 66

TROTSKY, Leon. A Revolução Traída, op. cit., p 242.

67

BETTELHEIM, Charles. A Luta de Classes na URSS. Volume 1. Op. Cit., p 36.

perene sem a existência da propriedade privada legalmente afirmada. O foco na problemática das forças produtivas impossibilita uma incursão aprofundada na questão das relações de produção, levando à redução desta questão complexa a uma mera operação jurídica. Em uma síntese de sua visão, o próprio direito, a própria legalidade, é o que define se determinado modo de produção é socialista ou capitalista, como confirmaremos adiante.

5 - TROTSKY E O FIM DO DIREITO E DO ESTADO

Conforme expomos anteriormente neste trabalho, apesar de Trotsky seguir Marx e Lênin ao declarar que o Estado e o direito desaparecerão, se torna claro que tal conclusão não decorre logicamente de seu pensamento. Por vezes, inclusive, ele aponta para o caminho oposto, como quando qualifica a lei como própria das relações de produção nas sociedades civilizadas: “Nas sociedades civilizadas a lei fixa as relações de produção e propriedade. A nacionalização do solo, dos meios de produção, dos transportes e de troca e também o monopólio do comércio exterior, formam as bases da sociedade soviética. E esta aquisição da revolução proletária define aos nossos olhos a URSS como um Estado operário.”68 Na passagem acima a lei é elevada a um patamar muito diferente daquele que se espera de quem defende o fim do direito e do Estado, Trotsky na realidade a ontologiza como que sendo própria de todas as sociedades civilizadas, ao derivar sua noção de Estado operário da própria disposição legal. O instante jurídico técnico, da legalidade, aquele que só se desenvolve plenamente no capitalismo69, é elevado como pertencente não somente às sociedades capitalistas, mas a todas as sociedades “civilizadas”. Aqui se pergunta: O comunismo não será uma forma civilizada de sociedade? Será a lei que fixará as relações de produção no comunismo?

63

Ibid., p. 241. Cf. MASCARO, Alysson. Critica da legalidade e do Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2008; e NAVES, Márcio Bilharinho. Marxismo e direito: um estudo sobre Pachukanis. São Paulo: Boitempo, 2008. 69

Trotsky aqui se opõe não somente a Marx, mas as suas próprias afirmações quando postula o fim do direito. Esta contradição insolúvel na qual seu pensamento se debate, pode ser explicada por uma confusão que aparentemente ele próprio faz entre o conteúdo e a forma do direito. Em certo ponto ele coloca as “normas burguesas” em oposição às “normas socialistas”, do mesmo jeito que coloca a “propriedade burguesa” em oposição à “propriedade socialista” como se criticasse não o direito como um todo, mas apenas seu conteúdo burguês, que poderia ser substituído por um conteúdo socialista. “Duas tendências opostas crescem no seio do regime: desenvolvendo as forças produtivas – ao contrário do capitalismo

estagnante



são

criados

os

fundamentos

econômicos do socialismo; e levando ao extremo, por complacência em relação aos dirigentes, as normas burguesas de repartição, prepara uma restauração capitalista. A contradição entre as formas de propriedade e as normas de repartição não pode crescer indefinidamente. Ou as normas burguesas se estenderão de uma ou de outra maneira, aos meios de produção, ou as normas socialistas terão de ser concedidas à propriedade socialista.”70 Podemos dizer, assim, que a visão de Trotsky está intrinsecamente ligada à supervalorização que ele faz do direito de propriedade, que, como já explicado, é colocado como determinante para a existência da divisão da sociedade em classes. O que definiria o modo de produção capitalista seria a existência deste direito específico que, uma vez abolido, tornaria impossível a cisão social em classes, redundando no “modo de organização socialista”. Apesar de momentos em que, com muita lucidez, diz que “a passagem das fábricas para o Estado só mudou a situação jurídica do operário”71 ou que “os colcozes72, até agora, não conseguiram mais do que transformar as formas jurídicas da economia nos campos e, em particular, o modo de repartição dos 70

Ibid., p. 238-239. Ibid., p. 236. 72 Cooperativas de produção, colcoz, é um tipo de propriedade rural coletiva, típica da União Soviética, no qual os camponeses formavam uma cooperativa de produção agrícola. Os meios de produção eram fornecidos pelo Estado, ao qual era destinada uma parte fixa da produção. Os colcozes constituíram a base do sistema de coletivização da agricultura na URSS, implantado após a vitória da Revolução de Outubro. 71

rendimentos”73 Trotsky não faz destas considerações a base de sua análise e, o fato de citá-las e depois prosseguir sem se deter nestes pontos, ao invés de contrariar, reforça a idéia de que seu foco não recai nas relações de produção, como deveria. O que é recorrente e fundamental em sua obra é que se considera a operação jurídica de transferência de titularidade da propriedade, do privado para o estatal, como já a base do “método socialista” que impediria a divisão da sociedade em classes. Identificando assim, as relações de produção capitalistas com o direito de propriedade, acaba por reduzir a importância da análise das relações de produção. Por isso não pode ver que o problema da transição se encontra não tanto nas forças produtivas, mas nas próprias relações sociais de produção. Tomando o direito de propriedade como base do capitalismo, não consegue estender sua crítica ao instante jurídico em geral, que como um todo representa as relações de produção de nosso tempo. A forma jurídica deveria ser o alvo da crítica e não apenas o conteúdo particular do direito de propriedade. Isto revela a incompreensão do caráter capitalista do direito a partir da própria forma. Trotsky parece não acompanhar o desenvolver da teoria marxista desde suas bases até alcançar, como o fez Marx, as conclusões sobre o fim do direito e o fim do Estado, pois isso o obrigaria a estender sua crítica para além do conteúdo da lei. O debate sobre o fim do direito e fim do Estado pode ser tomado como pedra de toque para averiguar os limites teóricos de um autor, conforme o pensamento marxista. É tema extremamente polêmico, de onde brotam inúmeras críticas às demonstrações de Marx. Defendemos que tais críticas surjam, principalmente, em razão de que tais previsões contrariam radicalmente o senso comum e todas as análises que se limitam à superfície dos fatos. A construção teórica necessária para se alcançar tais conclusões é muito extensa, dependendo do conhecimento e prova de muitos fatores intermediários. Além disso, como já explicava o próprio Marx, diferentemente dos fenômenos naturais, na esfera social não nos podemos valer de microscópios (e, diria hoje, computadores) para visualizar os fenômenos, mas apenas do conhecimento da história e da capacidade de abstração. Finalmente, por tratar do fim da sociedade como hoje a concebemos, o tema é recoberto pelo denso véu da ideologia, que nos impede de ver nossa própria condição 73

Ibid., p. 237.

historicamente determinada. Por estes motivos não é possível aqui demonstrarmos o caminho para se alcançar tais conclusões, mas tão somente dar uma explicação superficial do seu desenvolvimento, e ao fim compará-las com as idéias de Trotsky. Marx, em sua obra máxima, O Capital, explicou que o capitalismo se caracteriza pela generalização da troca de mercadorias como meio de produção social, diferentemente do que ocorria no feudalismo, escravagismo e outros modos de produção existentes na história. O modo de produção capitalista passa a existir quando o processo em que os humanos transformam a natureza, por meio de seu trabalho, para que possam garantir sua existência assume a forma geral de produção de mercadorias. Isso significa que a maior parte do que os homens produzem destina-se à venda e não ao seu próprio consumo, sua subsistência, como acontecia majoritariamente, nos modos de produção anteriores. A produção de mercadorias faz com que os bens que são trocados surjam diante dos olhos dos homens como portadores de “valor”, que é uma medida necessária para troca, ao passo que reduz as diferenças materiais, portanto qualitativas, dos diversos bens a uma diferença meramente quantitativa. Uma geladeira é algo de qualidade diferente de um avião, mas, ao serem ambos analisados sobre o prisma da troca, suas diferenças materiais são apagadas e toma o lugar a ser mera diferença quantitativa, uma diferença de “valor” - um bem vale x do outro. Marx demonstra que esta igualdade que permite a troca, o valor que aparece como propriedade dos bens, algo inerente a eles, é na realidade trabalho humano cristalizado. O trabalho humano é a única igualdade presente nos diferentes bens, é isso que permite sua equivalência para a troca. Ao mesmo tempo é só a existência de produtores individuais, que depois tem de levar seu produto ao mercado para que ele seja socializado, que permite existir a relação de trocas e assim do próprio valor. Em uma sociedade que produza coletivamente as coisas não são trocadas e assim não aparecem como possuindo um valor. Aristóteles já havia percebido a necessidade de haver alguma igualdade entre os diversos bens para ser possível a troca, mas não conseguiu perceber que a igualdade presente nos bens era a igualdade do trabalho humano e a julgou mero artifício criado para a necessidade prática de trocar. Marx explica a razão pela qual o grande gênio da antiguidade não conseguiu completar sua análise, fornecendo preciosa reflexão para o direito:

“O segredo da expansão de valor, a igualdade e a equivalência de todos os trabalhos, porque e na medida em que são trabalho humano em geral, somente pode ser decifrado quando o conceito da igualdade humana já possui a consciência de um preconceito popular. Mas isso só é possível numa sociedade na qual a forma mercadoria é a forma geral do produto de trabalho, por conseguinte também a relação das pessoas umas com as outras enquanto possuidoras de mercadorias é a relação social dominante.”74 Só em uma sociedade em que a relação entre possuidores de mercadorias é dominante é que foi possível a igualdade humana se tornar um preceito popular e então notar-se a equivalência dos trabalhos. Mas como Marx relaciona a igualdade humana com a troca de mercadorias? Como podem as trocas dar origem ao princípio que hoje consideramos basilar para o direito, o princípio da igualdade? A conexão explica-se, pois como ele diz: “As mercadorias não podem por si mesmas ir ao mercado e se trocar. Devemos, portanto, voltar à vista para seus guardiões, os possuidores de mercadorias” 75

. Nesta toada continua Marx: “Para que essas coisas se refiram entre si como mercadorias, é necessário que os seus guardiões se relacionem entre si como pessoas, cuja vontade reside nessas coisas, de tal modo que um, somente de acordo com a vontade do outro, portanto cada um apenas mediante um ato de vontade comum a ambos, se aproprie da mercadoria alheia enquanto aliena a própria. Eles devem, portanto, reconhecer-se reciprocamente como proprietários privados. Essa relação jurídica, cuja forma é o contrato, desenvolvida legalmente ou não, é uma relação de vontade, em que se reflete a relação econômica. O conteúdo dessa relação jurídica ou de vontade é dado por meio da relação econômica mesma. As pessoas aqui só existem, reciprocamente, como

74 75

MARX, Karl. O capital. Op. Cit., p. 62. Ibid., p.79.

representantes de mercadorias e, por isso, como possuidoras de mercadorias.”76 É dizer que a própria noção de igualdade humana como hoje a conhecemos é desenvolvida historicamente a partir da troca de mercadorias, pois a própria troca pressupõe pessoas que se vejam como iguais para poderem efetuar um contrato, a forma jurídica própria para o intercâmbio de mercadorias. Aqui, Marx já coloca o fundamental para uma análise do direito enquanto forma própria do capitalismo: a noção de igualdade formal e a vontade expressa pelo contrato, ambas decorrentes do intercâmbio de mercadorias. Ele, contudo, não teve tempo de completar sua análise para o direito e o Estado, prevista para estar no último tomo de O Capital. Somente no início do século passado foi que um grande jurisfilósofo soviético, Eugeni Pachukanis, tratou do direito com fidelidade ao pensamento marxista, em sua grande obra Teoria Geral do Direito e Marxismo. Os que anteriormente se debruçaram sobre a árdua tarefa não conseguiram extrair do pensamento marxista toda a radicalidade de sua crítica ao capitalismo, que depende da compreensão da forma mercadoria das relações sociais. Eles procuravam reunir as citações dispersas da obra de Marx para explicar sua concepção de direito, e não retirar de seu núcleo teórico as conclusões que pudessem embasar uma crítica do direito. Pachukanis, ao contrário dos demais, retoma Marx dizendo que “Toda a relação jurídica é uma relação entre sujeitos. O sujeito é o átomo da teoria jurídica, o seu elemento mais simples, indecomponível”. A análise do direito deve ser feita a partir das relações concretas dos indivíduos. A concepção jurídica dominante analisa o direito a partir da norma, mas esta não surgiu do nada, tem de ter um antecedente e uma gênese lógica e histórica. Não se pode colocar a norma antes das relações reais humanas que a trouxeram ao mundo, uma análise do direito por este caminho é idealista, para não dizer metafísica. Antes de existir direito, existiam homens que se relacionavam entre si e, em determinado ponto, estas relações tomaram uma forma que corresponde ao que atualmente chamamos de direito. Esta forma pressupõe a existência, antes de tudo, de um sujeito, a representação jurídica de uma pessoa real que se relaciona com outras mediante um ato 76

MARX, Karl. O capital. Op. Cit., p. 79-80.

de vontade. As relações entabuladas por estes sujeitos adquirem a forma de relação jurídica. A grande questão é: explicar por que estas relações, a partir de determinado período tomaram a forma jurídica? Descobrir o desenrolar histórico e lógico do modo dos homens se relacionar que deu origem a esta forma. Ora, como demonstrou Marx, o direito enquanto superestrutura depende de modificações na estrutura, na própria base econômica, assim, Pachukanis faz a correspondência entre as duas instâncias da vida social: “O sujeito como portador e destinatário de todas as pretensões possíveis, a cadeia de sujeitos ligados uns aos outros por pretensões recíprocas, tal é a estrutura jurídica fundamental que corresponde à estrutura econômica, isto é, às relações de produção de uma sociedade assente na divisão do trabalho e na troca.”77 Adentrando na especificidade do direito ele identifica a origem histórica da forma jurídica no desenvolvimento da forma contrato. “O

conceito

de

acto

jurídico

derivou

do

contrato.

Independentemente do contrato, os conceitos de sujeito e de vontade em sentido jurídico existem apenas como abstracções mortas. É unicamente no contrato que estes conceitos se movem autenticamente.”78 Deste direito embrionário baseado no contrato que já existia em sociedades em que a troca era de certo modo desenvolvida, como em Roma, Pachukanis segue a evolução da forma jurídica até o surgimento das abstrações mais gerais presentes no direito contemporâneo. O direito como todo teórico estruturado só surge com a consolidação do capitalismo: “Foi somente quando se desenvolveram totalmente as relações burguesas que o direito se revestiu de um caracter abstracto. Cada homem converte-se em trabalho social útil em geral, cada sujeito

77

converte-se

em

sujeito

jurídico

abstracto.

PACHUKANIS, Eugeni. Teoria Geral do Direito e Marxismo. Coimbra, Centelha, 1977, p. 117. 78 Ibid., p. 149.

Simultaneamente, a norma reveste-se igualmente da forma lógica acabada de lei geral e abstracta.”79 Com esta análise realista é que Pachukanis irá explicar o surgimento do direito. Falta, no entanto, explicar o porquê de esta relação entre particulares detentores de mercadorias surgir algo que seja destinado ao geral. É perguntar: como algo tão particular como o contrato se universaliza como a norma geral? Como é possível que, em uma sociedade de livres produtores, que tem pela igualdade de direito seu princípio fundamental, haja a manutenção da coesão social? Se todos os indivíduos são livres, como fazer com que a liberdade de um não atrapalhe a liberdade do outro? Como é possível o mando, a coação social, em uma sociedade em que todos são livres e iguais? “Na sociedade de produção mercantil a subordinação a um homem como tal, enquanto indivíduo concreto, significa a subordinação a um arbítrio, visto que isso equivale à subordinação de um proprietário de mercadorias perante o outro. Eis porque também a coação não pode aparecer aqui sob a sua forma não mascarada, como um simples acto de oportunidade. Ela deve aparecer antes como uma coação que provém de uma pessoa colectiva abstracta e que é exercida não no interesse do indivíduo donde provém – porque numa sociedade de produção mercantil cada homem é um homem egoísta – mas no interesse de todos os membros que participam nas relações jurídicas. O poder de um homem sobre o outro se exprime na realidade como o poder do direito, ou seja, como de uma norma objectiva impessoal.”80 Demonstrando a relação existente entre o sistema produtor de mercadorias, o direito e o Estado, relação não só historicamente averiguável, mas, também necessária do ponto de vista lógico, Pachukanis aponta para a possibilidade de superação destas formas de relações sociais: “A condição real de uma tal supressão da forma jurídica e da ideologia jurídica reside num estado social onde a contradição entre o interesse individual e o interesse social esteja superada. 79 80

Ibid., p. 148-149. Ibid, p. 182.

Porém, o que caracteriza a sociedade burguesa é precisamente o facto de os interesses gerais se destacarem dos interesses privados e de se oporem a eles. E, nesta oposição, eles próprios revestem involuntariamente a forma de interesses privados, ou seja, a forma do direito.”81 Com o fim do capitalismo e o surgimento de novas relações de produção que não se baseiem na forma mercadoria, também o Estado, como o direito, irá desaparecer. Tal pensamento é inconcebível para a grande maioria das pessoas hoje, parece contrariar a tudo que podemos enxergar como certo. A realidade parece negar esta perspectiva marxista, pois estas formas são as próprias condições a priori de existência da sociedade nesta forma, como explica Pachukanis: “O pensamento burguês, que considera o quadro da produção mercantil como o quadro eterno e natural de toda a sociedade, encara assim o poder do Estado abstracto como um elemento que pertence a toda a sociedade em geral.”82 Isso inclui toda a lógica da legalidade ou jurisprudência, com as quais se identifica nossa concepção de direito. É por isso que não podemos concordar com Trotsky quando ele diz que “Nas sociedades civilizadas a lei fixa as relações de produção e propriedade”83. Dizendo isso ele ainda se coloca dentro da limitada visão de mundo burguesa. A própria lei só surge a partir de determinado modo de produção, só se desenvolve e atinge seu ápice devido à especificidade das relações sociais em uma sociedade de produtores individuais de mercadorias, que precisam dela como forma de mediação estatal, operando em oposição ao seu comportamento individual na sociedade civil. O homem abstrato da legalidade serve como contraponto necessário ao individualismo concreto do homem numa sociedade produtora de mercadorias. Isto Trotsky parece não compreender. Na realidade, ele mesmo não parte da mercadoria, objeto de análise fundamental para o pensamento marxista, pois como diz Pachukanis “a análise da forma do Sujeito deriva, em Marx, imediatamente da análise da forma da mercadoria” 84. Sem 81

Ibid., p. 123. Ibid., p. 182-183 83 TROTSKY, Leon. A Revolução Traída, op. cit., p 241. 84 Ibid., p. 135. 82

partir da mercadoria não é possível uma análise profunda do direito e, podemos dizer, é impossível uma compreensão profunda do próprio marxismo, enquanto crítica radical ao capitalismo. Como já dito esta pode ser considerada a pedra toque para se averiguar a coerência com o pensamento marxista, e isto não por pouco, por diletantismo intelectual, mas por revelar o núcleo da relação social que condiciona todas as outras instâncias sociais em nosso modo de produção, a própria base geradora da consciência humana nesta etapa histórica. Na seara econômica a análise da mercadoria gera um problema análogo ao do desaparecimento do Estado e do direito, que sendo analisado torna ainda mais clara a limitação teórica de Trotsky: trata-se do desaparecimento da forma valor, a forma fantasmagórica assumida pelas coisas produzidas como mercadorias. O fetiche presente em cada mercadoria torna-se mais explícito naquela mercadoria que, com o desenvolver das trocas, passa a servir como expressão do valor de todas as outras. Nosso fascínio dirige-se para onde é mais visível o caráter místico de nossas relações sociais, para o dinheiro, que por isso, em geral, é mais analisado que as demais mercadorias. Por essa via indireta, que apenas representa o problema mais profundo da forma valor, é que Trotsky faz a análise da questão que na esfera econômica é análoga ao fim do direito e do Estado: “Na sociedade comunista, tanto o Estado como o dinheiro desaparecerão. O seu desaparecimento progressivo deve, pois começar sob o regime socialista. Só se poderá falar de vitória real do socialismo a partir do momento em que o Estado não seja mais que um semi-Estado e o dinheiro comece a perder a sua mágica força.”85 Concordamos inteiramente com a citação acima, conforme o próprio Marx, o Estado, o direito e o dinheiro hão de desaparecer no comunismo, fase superior do socialismo. Trata-se aqui, no entanto, de descobrir a profundidade da análise que sustenta tal afirmação de Trotsky. Cuida-se de averiguar, como já dito, se o desaparecimento do Estado e do direito representam para Trotsky o desaparecimento da forma jurídica em geral e, analogamente, se o desaparecimento do dinheiro representa o desaparecimento da própria forma valor. Trotsky continua:

85

TROTSKY, Leon. A Revolução Traída, op. cit., p. 103.

“O fetichismo do dinheiro só receberá o golpe de misericórdia quando o ininterrupto crescimento da riqueza social libertar os homens da sua avareza a respeito do minuto suplementar do trabalho e da sua humilhante inquietação quanto à quantidade de rações. Quando perder o seu poder de trazer a felicidade e de lançar o homem no vazio, o dinheiro se reduzirá a um meio de contabilidade cômoda para a estatística e para o plano. Como consequência, se viverá no futuro, provavelmente sem a necessidade desta espécie de aval. Mas, este desejo poderemos abandoná-lo aos nossos netos que não deixarão de ser mais inteligentes que nós.”86 Podemos perceber que ele concebe o fim do dinheiro, mas considera que ele “se reduzirá a um meio de contabilidade cômoda para a estatística e para o plano”. Ora, a manutenção do dinheiro como mero meio de contabilidade já implica na manutenção da forma valor, que só pode existir como forma de organização social em uma sociedade de produtores de mercadorias87. Em uma sociedade em que a forma mercadoria tenha desaparecido, a produção material libertar-se-á do jugo do trabalho abstrato, assim o surgimento de uma “administração das coisas” prescindirá da forma valor, já que as relações sociais aparecerão como tais, sem sua expressão reificada. Não haverá então o que se falar em dinheiro como meio de contabilidade, pois como Marx explica: “Não é por meio do dinheiro que as mercadorias se tornam comensuráveis. Ao contrário. Sendo todas as mercadorias, enquanto valores, trabalho humano objetivado, e, portanto, sendo em si e para si comensuráveis, elas podem medir seus valores, em comum, na mesma mercadoria específica e com isso

86

Ibid., p. 103-104. “No seio de uma sociedade coletivista, baseada na propriedade comum dos meios de produção, os produtores não trocam seus produtos; o trabalho invertido nos produtos não se apresenta aqui, tampouco, como valor destes produtos, como uma qualidade material, por eles possuída, pois aqui, em oposição ao que sucede na sociedade capitalista, os trabalhos individuais já não constituem parte integrante do trabalho comum através de um rodeio, mas diretamente.” MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha, in Karl Marx e Friedrich Engels: Textos. Volume I. São Palo, Alfa-Ômega, 1977, p. 231 87

transformar esta última em sua medida comum de valor, ou seja, em dinheiro. Dinheiro, como medida de valor, é forma necessária de manifestação da medida imanente do valor das mercadorias: o tempo de trabalho.”88 Manter o dinheiro como “meio de contabilidade” só é possível em uma sociedade baseada na troca de equivalentes, onde ainda exista a forma valor. No comunismo, onde “o ininterrupto crescimento da riqueza social libertar os homens da sua avareza a respeito do minuto suplementar do trabalho” também não sobreviverá o dinheiro, nem como uma abstração destinada ao plano contábil, pois este só existe como expressão da medida comum para a troca de mercadorias. Mesmo no socialismo, onde cada qual ainda receberá conforme seu trabalho, não é possível a existência do dinheiro, pois este não pode representar diretamente o tempo de trabalho: “A pergunta por que o dinheiro não representa diretamente o próprio tempo de trabalho, de forma que, por exemplo, uma nota de papel represente x horas de trabalho, se reduz simplesmente à pergunta por que, na base da produção de mercadorias, os produtos do trabalho precisam representar-se como mercadorias, pois a representação de mercadoria implica sua duplicação em mercadoria e mercadoria monetária. Ou por que o trabalho privado não pode ser tratado como seu contrário, trabalho diretamente social. Já tratei minuciosamente em outra parte, do utopismo superficial de uma “moeda trabalho”, com base na produção de mercadorias. Observaria ainda que, por exemplo, a “moeda trabalho” de Owen é tão pouco “dinheiro” como um bilhete de teatro.”89 Não se pode considerar dinheiro algo que não seja a própria expressão do valor de troca, a “administração das coisas” comunista, assim, dispensará a contabilidade, que se refere à medida do trabalho abstrato, o qual contabiliza, e não às coisas em si. Trotsky, no entanto, com seu foco no aumento do rendimento do trabalho, continua a tratar do dinheiro, defendendo e chegando até mesmo incentivar o próprio sistema produtor de mercadorias.. Ao invés de dedicar todos os esforços no desenvolvimento de 88 89

MARX, Karl. O capital. Op. Cit., p. 87. Ibid., p. 87, nota 50.

uma administração planificada da economia que pudesse substituir a socialização a partir da forma valor, ele entende, já em 1936, que: “O papel do dinheiro na economia soviética, longe de ter se esgotado, tem de se desenvolver ainda profundamente. A época de transição entre o capitalismo e o socialismo, considerada na sua totalidade, exige, não na diminuição da circulação das mercadorias, mas o seu extremo alargamento (...) para ser coroada de êxito, não se concebe uma edificação socialista sem a integração, no sistema de planificação, do interesse pessoal imediato, do egoísmo do produtor e do consumidor, fatores estes que só poderão se manifestar-se utilmente se dispuserem desse meio habitual, seguro e sutil, o dinheiro. O aumento do rendimento do trabalho e o melhoramento da qualidade da produção são absolutamente impossíveis sem um padrão de medida que penetre livremente em todos os poros da economia, isto é, sem uma estável unidade monetária.”90 Ora, novamente as relações sociais de produção são preteridas pela questão do desenvolvimento das forças produtivas. Trotsky chega aqui a verdadeiramente defender a socialização com base no valor por causa de sua eficácia produtiva, à semelhança do que fazem os próprios capitalistas. Não seria problema admitir a necessidade de retomada da economia de mercado em uma fase difícil, como ocorreu na NEP, mas daí a dizer que “não se concebe uma edificação socialista sem a integração, no sistema de planificação, do interesse pessoal imediato, do egoísmo do produtor e do consumidor” parece-nos contrariar toda a possibilidade real de suprimir a economia mercantil instaurando uma “administração das coisas”. Trotsky, assim, também na seara econômica, não alcança a profundidade crítica de Marx. Revela sua limitação em sua obra ao não abordar o capitalismo a partir da mercadoria, e, além disso, ao dar exemplos que nos levam a concluir que não tem entendimento aprofundado sobre a parte mais radical da crítica erigida por Marx. Criticando o capitalismo e o modelo desenvolvido sob Stálin pode-se dizer que ele não postula o fim da forma valor e da forma jurídica em geral, mas se foca apenas em suas

90

TROTSKY, Leon. A Revolução Traída, op. cit., p. 104-105.

manifestações mais óbvias: o dinheiro e o Estado e direito “burgueses”, como se fosse possível existirem também em sua forma “não burguesa”. Colocada a crítica neste limite mais estreito, só resta rever o conteúdo da norma jurídica e não a forma jurídica em si, e assim a considerar o direito de propriedade como “direito burguês” e sua supressão como surgimento do modo de produção socialista, que ainda não se manifesta em sua plenitude por falta do desenvolvimento das forças produtivas. Deste modo, a análise trotskysta, apesar de ter dado um revigorado impulso ao marxismo revolucionário e construído uma importante crítica ao Stalinismo na época em que poucas vozes ousavam se levantar, não nos leva à crítica mais ampla e profunda do que se passou na URSS. Não se trata, afinal, da crítica radical das formas capitalistas, e muito menos de uma que possa clarificar as questões da transição socialista no que tange o essencial: o fim das categorias do valor como o Estado, o direito e o dinheiro.

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