Leques, abanos, armas ... Parte II

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Leques, abanos, armas ... Parte II por Maria Luísa Infante Pedroso

Os nossos já conhecidos (vide parte I deste trabalho) «quatro lleques de Japão» voltam a aparecer no Capítulo 9 de «THE GLOBAL CITY» em consonância com a opinião expressa nesta obra de terem sido leques japoneses desdobráveis: «...Simão de Melo´s 1570 post-mortem inventory records four Japanese fans (lleques de Japão) in his wardrobe (see Chapter 8). One was a worked golden fan probably given as a diplomatic gift to Melo by a high-ranking Japonese, if not Nobumaga himself, during Melo's service as governor and captain in Malacca from 1545 to 1548. Three Japonese black lacquer-and-gold fans were cited in the 1559 Garça manifest discussed above.»(1) Um deles, agora lembrado como «a worked golden fan», apesar de não acompanhado do respectivo número de inventário, parece-me corresponder ao item (471) do pagamento de Garçia de Melo ou seja a «Item per hum lleque de japão guarneçido d´ouro anillado que tem huma cadea d´ouro grosa que ffoi tudo aualliado em trjinta mill reais», dando-se-lhe a probabilidade com justificação que ignoro, de ter sido um presente diplomático, por parte de um importante dignatário japonês ou até do próprio Nobunaga, destinado a Simão de Melo, quando este entre 1545 e 1548 foi Capitão e Governador de Malaca. De Oda Nobunaga, nascido em 1534, segundo filho de Oda Nabuhide, um pequeno senhor feudal, sabe-se ter herdado a casa do pai apenas em 1551. É considerado figura central na unificação do Japão e teria à data em que Simão de Melo era Capitão de Malaca, entre onze e quatorze anos o que leva a considerar que, mesmo em 1548, a concretização de seus feitos, que foram grandes e terríveis, estava ainda por acontecer bem como os muitos presentes que ofereceu ou recebeu seriam dádivas a ocorrer no futuro. É fácil contudo imaginar o jovem Nobunaga já então dotado de apurado treino militar e da necessária familiaridade com as armas, exigida aos jovens japoneses da sua condição, haja em vista o que abaixo se diz de um menino, quase seu contemporâneo, de nome Mancio, filho de Sancho Sangadono: «...Em huma dellas vinha hum filho deste fidalgo, por nome Mancio 16; que seria de doze anos; e depois de pedir-me que entrasse, me deo hum recado de seo pay,...Vinha este menino com hum arcabuz nos hombros, como se fora de 25 annos, com seo traçado e adaga muito galante e bem assombrado.»(2) Quanto ao «lleque de Japão guarneçido d´ouro anillado», acredito tratar-se duma

arma apropriada para presentear altos dignatários, o que aliás se pode conferir, por exemplo, na leitura da «Peregrinação» de Fernão Mendes Pinto, um autor hoje em dia muito mais credível do que em tempos recuados.(3) Na citação anterior declara-se ainda «...Three japanese black lacker-gold fans were cited in the 1559 Garça manifest discussed above.» contudo o que consta «na relação da Nau Garça» é o que segue: «Item tres avanos de Japão dourados per partes»(4) Avanos é denominação que tinha igual possibilidade naquela época de corresponder aos objectos que hoje chamamos abanos, com cabo e painel fixo (Uchiwa) como também aos leques desdobráveis (Ogi), mas daqueles três nada se sabe para além de que eram dourados por partes e por outro lado é de notar que na relação em causa somente se encontra a palavra leque associada à China e não a Japão, como já atrás se viu. Mas, em continuação ainda se afirma «...Japanese folding fans were introduced to the Lisbon court by Bernard, a convert and disciple of the Jesuit Francis Xavier, who in 1552 was the first Japanese to visit Europe. He caused a sensation, and not long after his arrival Portuguese princesses began holding japonese folding fans in their right hands in imitation of Samurai warriors ( figs. 132 and 133). A portrait of c.1552-65 by the portuguese court painter Alonso Sánchez Coello, active both in Portugal and Spain, portrays an aristocratic lady holding a fan with black and gold lacquered ends»(5). De Bernardo de Kagoshima (?-1557) sabe-se ter sido o primeiro japonês a visitar o continente europeu e que ingressou na Companhia de Jesus pela mão de Jerónimo Nadal, secretário do futuro Santo Inácio de Loyola, admitido em Portugal como irmão em 1554. Visitou Roma em 1555 e terá morrido repentinamente em Coimbra (ou em Lisboa) onde frequentou a Universidade. Quanto a ter sido após a sua chegada que as princesas portuguesas terão descoberto o leque, parece-me difícil de garantir, considerando o que desde há muito se tem escrito a este respeito. Efectivamente, porque razão teria o leque do Japão que esperar para ser introduzido na corte por este jesuíta japonês, chegado a Lisboa apenas em 1553, quando até já atrás se admitiu com toda a naturalidade a hipótese de um outro dessa mesma origem (que por acaso nem o era mas sim uma arma) ter sido oferecido ao Capitão de Malaca bastante tempo antes, entre 1545 e 1548, por um importante dignatário japonês ou mesmo pelo próprio Nobunaga? Tendo até em conta o encontro que houve em Malaca de Francisco Xavier com os três japoneses que o mercador Jorge Álvares trouxera consigo do Japão, assim como o reencontro com os mesmos em Goa, em príncipios de Março de 1548 e lembrando ainda que Francisco Xavier, em 1547, também contactou em Malaca com um samurai, que já aí estivera no ano anterior à sua procura quando o padre já tinha

partido para Maluco, parece possível supor que estes viajantes ao Capitão e Governador possam ter sido apresentados e que, no caso do guerreiro japonês, lhe despertassem curiosidade as armas que este usaria. O samurai referido, chamado Anjirô, nascido por volta de 1512 em Kagoshima, andava então perseguido na terra natal por homícidio. Vinha, relata Francisco Xavier, desejoso de confessar-se com ele «tendo dado parte aos portugueses de certos pecados que tinha cometido na sua juventude»(6). Anjirô foi baptizado em Goa em 1548 com o nome de Paulo de Santa Fé e regressou ao Japão em 1549 na companhia do futuro Santo. Sobre este assunto há ainda a considerar que D. Joaquim Ezquerra del Bayo apresentou no catálogo da exposição de 1920 «EL ABANICO EN ESPAÑA» um retrato de corpo inteiro da princesa D. Maria de Portugal, hoje parte do acervo do Museu Nacional do Prado, aceite em geral ter sido executado entre 1543 e 1545, portanto em data bastante anterior à da chegada do padre Bernardo e no qual a princesa segura com ambas as mãos um leque em posição de relevo, cuja origem é de admitir ser chinesa ou japonesa, como já bem pensava D. Joaquim.

D. Maria de Portugal @ Museo Nacional del Prado, Madrid

Não me parece também lícito garantir que se tratasse dum leque japonês o que se vê no retrato de senhora conhecido como «A Dama do Abanico», mencionado acima, pintura atribuída a Alonso Sánchez Coello e da década de sessenta do século XVI segundo Carmen Garrido(7), no qual aliás a análise radiográfica revelou ter o leque sido pintado sobre o vestido, depois deste terminado.

Pormenor de «A dama do Abanico»

Mas adiante, na página 146, ainda se afirma «...Japanese and Ryukyan leques became the rage in Europe, and first of all at Queen´s Catarina´s court. In 1562 the the queen bought 40 “abanos dos lequios”, the first time this word appears in a contemporary document, pinpointing fans from this region”...» Ora as seguintes referências a abanos léquios, ou dos léquios, todas anteriores a 1562, contradizem claramente esta afirmação. 1- Tomé Pires descreve abanos léquios duma maneira que conduz a acreditar que os apreciou de forma directa em Malaca, onde terá chegado em Junho ou Julho de 1512: «os lequios tem em sua terra somente trigo e arroz e vinhos... são homens grandes debuxadores e armeiros fazem os cofres dourados avanos muito ricos e bem obrados...»(8). 2- Uma segunda menção é feita na Peregrinação, em 1556, a cem abanos léquios: «...lhe mandou umas armas ricas, e dois treçados de ouro e cem abanos dos léquios...E estas armas que lá lhe mando tomará por sinal e prenda da minha verdade como entre nós os Reis do Japão se costuma...»(9).

3- Também um dos items constante na « relação de bens embarcados em Goa em 1559 para o Reino», que gosto de referir como da Nau Garça, menciona «huum espritorio da China com oito abanos lequeos dentro»(10), relação esta que é também mencionada atrás, como se leu a propósito de «Item tres avanos de Japão dourados per partes». 4- Em 1561, a Rainha D. Catarina, ofereceu à sua camareira-mor, entre variados presentes, «um avano lequeo» dado como «chegado nesse mesmo ano da yndia»(11). 5- Num alvará da rainha D. Catarina, datado de 1561 entre outros objectos constam: «quatro abanos de marfim labrados de hus bichinhos e dourados a partes e são de feição de abanos lequios e tem pela roda hus frocos de seda cremesy...»(12). Concluí-se assim que estas cinco referências a abanos léquios são anteriores a 1562 e as duas últimas estão relacionadas com objectos destinados à rainha D. Catarina. Igualmente se encontra documentado que em 1562 a rainha ofereceu a Margarida da Esperança «Qarenta e quatro abanos dos lequeos»(13) e ainda noutro alvará, com data de 1564, constam os famosos «cento e seytenta e oyto abanos lequios», objectos estes que já lhe seriam familiares pelo menos desde 1561(14). Em continuação, no texto da obra que tenho estado a apreciar, diz-se: «...Catarina would buy hundreds of Chinese, Japonese and Ryukyuan fans in the subsequent years, which she gave away as special gifts to her female relatives and court ladies. Competing with Far Eastern fans for sale in Lisbon´s shops and stalls were quantities of Chinese silk and Ming porcelain brought on Portuguese naus from Goa, by the crate-load, especially after Macau became Portugal`s trading post in 1557...» Esta referência a compras de centenas de leques (fans) chineses, japoneses e das Ryukyu por parte de D.Catarina, destinados a presentes especiais para senhoras de sua família ou damas de sua corte, efectuadas nos anos seguintes, isto é após 1562, não está contudo apoiada documentalmente senão no que refere a Ryukyu. É claro que admito possa haver outras fontes da época em causa onde constem grandes quantidades de leques chineses e/ou japoneses, fontes essas que não conheço mas muito gostaria de vir a conhecer. Quanto a abanos dos léquios, os documentos que vimos atrás emanados desta rainha, esses sim, comprovam a vinda da apreciável quantidade total de 223 e por estranho que pareça são os que se podem considerar como mais misteriosos de todos, por não se saber hoje como eram(15).

Mas houve outros, em quantidades variáveis, destinados a D. Catarina com origens para além da dos léquios, caso dos avanos de penas mouriscas que atingem quantidades de vinte e três e também de trinta unidades. Tal origem indica objectos do norte de África, mais especificamente de Fez, em alguns casos. Da Índia também vieram, se bem que em quantidades menores. Os primeiros que conheço, pertencentes a D. Catarina, foram inventariados em 1528, três anos após o seu casamento, como «item quatro palos de abanos guarnecidos de plata...item nueve avanos bordados de velludos...item mas otos doss (sic) avanos de Yndia»(16). A Ceilão podem associar-se «cinco abanos de marfim que se recolhem dentro dos cabos deles com penas do mesmo marfim»(17), que de forma precisa e sucinta nos permitem tão bem visualisar estas maravilhosas ventarolas, como hoje se lhes chamam e de que a seguir se ilustra um exemplo.

Ventarola de Ceilão ou «...avano de marfim que se recolhe no cabo dele com penas do mesmo marfim» Ceilão , meados do século XVI Marfim e osso Comprimento do cabo - 43 cm Diâmetro do painel - 33 cm @ Kunsthistorisches Museum, Wiener oder KHM, Wien

Guardo no entanto a esperança que futuras descobertas venham aumentar estas quantidades, talvez até comprovando finalmente a vinda de leques e abanos da China e do Japão para a corte de D. Catarina pois quanto a «três avanos de papel com laços de veludo»(18) que pertenceram a esta rainha a partir de data não precisada documentalmente, mas possívelmente depois de 1555, que têm sido dados como provavelmente «os primeiros de dobrar japoneses vistos na Europa»(19), não me parece que se lhes possa descortinar qualquer origem através de inventariação tão sucinta como a que deles dispomos. Conclusões: 1- Não encontrei nos inventários que conheço da Rainha D. Catarina nenhuma descrição a que se possa associar abanos do Japão ou da China. 2- A primeira referência que conheço a abanos da China (1546) é a seguinte: «quatro abanos da China e dois de Ormuz»(20), que poderiam referir ambas as formas, abano e leque, mas à data ainda esta última palavra não era ou foi usada. 3- A Relação da «Nau Garça» veio de uma vez por todas revelar que abanos do Japão e abanos dos léquios não se confundiam, por nela se encontrarem inventariados separadamente. Mas abanos do Japão têm a hipótese de corresponder não só a abanos como também a leques, por já se conhecer na época a existência dos tipos fixo e desdobrável. 4- Os léquios comercializavam «fans» (abanos e leques) do Japão e deste facto existem provas documentais, entre elas a datada de 2 de Setembro de 1509 onde se lê «Certificado emitido na 8.ª lua de Sho Toku (Chen Te) 4 Produtos comercializados através das ilhas RyuKyu...Originários do Japão. Espadas, lanças, arcos, armaduras, capacetes, arneses, biombos, leques (fans), objectos lacados, ouro e ouro em pó.»(21). Note-se que nesta fonte não há qualquer menção a abanos ou leques (fans) originários das Ilhas Léquias. Ainda no campo das conclusões tentei imaginar que tipo de loja de Lisboa, por volta de 1570, venderia abanos e leques, chineses e/ou japoneses, o que em minha opinião, envolveria apenas quantidades bastante reduzidas, mas a informação de que disponho a nada de definitivo me levou. Igualmente, não cedo à tentação de ligar a venda destes objectos a lojas do tipo «mercerias»(22), onde apenas se comercializavam produtos de reduzido valor (haberdashery). Naquela altura um objecto como o leque era ainda uma grande novidade, estando a começar a sua divulgação nas cortes europeias, como hoje já está bem comprovado. Era então de uso corrente apenas o abano, por vezes com pé ou cabo feito de materiais preciosos ou mais prosaicamente de cobre ou latão e até madeira, com penachos de penas ou paineis cobertos das mesmas ou de cetim, seda, veludo ou ainda papel.

Sabe-se que esses nóveis e exóticos objectos de abanar, os leques, viajaram muito tempo englobados numa categoria denominada «miudezas», que era na época muito heterogénea, como afirma James C. Boyajian: «...Incluía objectos pequenos, escritórios (lacados ou dourados e embutidos com marfim ou tartaruga) da Índia, China ou Japão, peças de marfim esculpidas da Índia e Ceilão, porcelana chinesa, silk fans (abanos ou leques de seda), aníl, lápis lazuli, ambar, e jóias de ouro. Os mercadores enchiam um enorme quantidade desses escritórios com pequenas quantidades de ambar, pérolas, jóias de ouro, ou sedas caras- damasco e tafetá- e os mais finos algodões... E grandes peças de mobiliáriobiombos, contadores…e armações esculpidas de cama e encomendas de pequenos objectos tal como porcelana.» (23) No entanto, se a peso as miudezas eram uma carga pouco relevante, já o respectivo valor absoluto podia ser substancial, o que está bem documentado por Boyajian. Trago isto a propósito por ter encontrado em «THE GLOBAL CITY» uma referência a abanos ou leques de senhora, «ventagli per donna», incluídos numa lista de objectos valiosos destinados a Lisboa e dados como oriundos da China, perfeitamente passíveis de pertencerem à categoria «miudezas» a que se refere Boyajian e que ainda tem o mérito de salientar a importância que por volta de 1570 se dava a objectos de abanar possívelmente vindos da China: «...Si portano dalla China alcune litiere, tavile, cadreghe, e scagni di certo legno fatto negro et lustro como ebano lavorato et rimesso d´oro assai politamente, alcune cassetini d´avolio lavorati a figure et remissi d´oro e rubinetti com lavori delicatissimi ventagli per donne di canna d´India e d´oro molto sotili, et molti altri lavori di oro et gioie et d´ogni sorte di delicatezza in modo che si può conscer che li populi della China siano dilicatissimi et d´acutissimo ingegno.»(24) Este texto, não assinado, é contudo atribuído com alguma probabilidade ao mesmo diarista que fez o registo da viagem de Antonio Tiepolo, embaixador veneziano, enviado a Espanha e Portugal em 1571. Nele o que mais importaria para o assunto é que a descrição fosse suficientemente explícita para se poder afirmar que os «ventagli per donne» se tratavam de leques ou abanos, o que na realidade não acontece, pois tanto poderiam ser na época em causa «ventagli rigidi» com cabo e painel fixo ou «ventagli pieghevoli» e neste caso leques. Em Leis Sumptuárias da Républica de Veneza(25), datadas de 1525 e 1535, a palavra «ventagli» é usada na descrição de abanos precisando os materiais permitidos na manufactura dos respectivos cabos e paineis, pois leques eram objectos ainda desconhecidos.

Se o autor da lista tivesse acrescentado «stecche» ou seja varetas, à descrição dos «ventagli per donne», o que era então corrente no idioma italiano, podíamos agora estar muito mais felizes por saber que estes, vendidos em Lisboa em 1570-71, eram garantidamente de forma desdobrável, mas assim não sendo, paciência. Uma necessidade de certo modo semelhante com a anterior ocorria para distinguir um abano de painel rígido e arredondado de uma ventarola desdobrável, precisandose que um objecto do primeiro tipo não tem varetas (stecche) tal como segue: «...un raro ventaglio rigido, non a stecche di forma tondeggiante» (26). A menção a «Di canna d´India» igualmente não permite esclarecer se tratava de abanos ou leques pois podia respectivamente indicar o material de cabos ou de varetas. E «d´oro molto sotili» (de ouro muito delicados) com o sentido de um fino trabalho a dourado ou ainda com a possibilidade de se conferir a estes objectos a condição de delgados, visto o adjectivo «sotili» poder ter os dois significados e ser muito utilizado no idioma italiano para descrever varetas finas ou os seus delgados prolongamentos, as flechas. E finalmente, a terem sido leques, seriam mesmo de origem chinesa os exóticos e muito apreciados «ventagli per donna», já que não muitos ocidentais teriam conhecimento suficiente para os distinguir dos do Japão? Através desta descrição, que quase nada diz, até abanos da Índia com cabos de bambu e painel decorado a ouro nela cabem... Com efeito na lista em causa outros objectos dados como vindos da China permitem essa mesma dúvida já que «...alcune cassetini d´avolio lavorati a figure et remissi d´oro e rubinetti com lavori delicatissimi» refere uns cofres esculpidos com figuras, decorados a ouro e pequenos rubis que mais facilmente se associam com os de marfim de Ceilão do que com quaisquer obras fruto do agudíssimo engenho dos povos da China. E agora quero terminar, penitenciando-me por fugir ao assunto principal, relembrando três citações entre as muitas que na época mencionaram a Rua Nova de Lisboa, de tão admirada largura, inspiradora e justamente protagonista do livro «THE GLOBAL CITY» e ainda outras ruas cuja actividade comercial merecia ser celebrada.

Ruas de Lisboa e suas logeas «...À entrada deste templo hé um fermozo campo chão, e de huma erva que não cresce meio palmo, e logo se segue hum bosque mui espeço. À primeira vista, tem huma entrada tão larga como a Rua Nova de Lisboa, e assim com esta largura e comprimento chega athé ao templo, que será da entrada athé chegar lá pouco mais ou menos de meia legoa.»(27) A propósito de uma «logea» em Lisboa, situada na Rua Nova: «...Na hera de 48 veio de Portugal em companhia do P.e Mestre Gaspar 1 o Irmão João Fernandes, cordovez que foi hum dos raros homens que em espirito e virtude que da Companhia passarão à India Oriental... Em Lisboa, antes de partir para a India, tendo hum irmão mercador rico e muito honrado em huma logea de sedas e veludos que trouxe a vender em Lisboa, foi o Irmão João Fernandes da mouraria athé a Rua Nova, aonde seu irmão estava acompanhado de cidadãos honrados; e hia em cima de hum asno virado para traz com o rabo na mão 4 e chegando-se à porta disse ao irmão.« Hasta aoora me llamávades João de Córboba. No quiro que dende em delante me llaméis sino João Hernandes». 5 Os homens que alli estavão prezentes admirados, huns se rião. Outros alevantavão as mãos e olhos ao ceo dando graça (s) ao Senhor, pois ordenara e permitira endoudecer daquella maneira hum mancebo de tantas partes, e de quem se tinha havia pouco tanta espectação.»(28) Por último uma detalhada descrição da Rua Nova e demais importantes ruas comerciais de Lisboa, no «Diálogo Sobre a Missão dos Embaixadores Japoneses à Cúria Romana», a saber: «...Mas havendo tanta coisa em Lisboa, muito digna de ver-se, não tivemos tempo para observar cada uma delas com cuidado, e fixar na memória cada pormenor, esmagados, por assim dizer, pela grandeza e multidão dos edifícios... ...MIGUEL-A primeira, chamada Rua Nova, é nobilitada, acima das restantes, pela amplidão e extensão e pela abundância de casas com muitos andares. Numa parte dela, separada por grades de ferro (tão larga é a largura da rua!) juntam-se todos os mercadores que exercem o comércio pelas várias cidades da Europa, principalmente os de Sevilha, Burgos, Valhadolid, Medina, Veneza, Génova e muitissimos mais que habitam outras cidades ou empórios da Europa. Na mesma rua, é extraordinário como são ricas as lojas dos mercadores, nas quais há maior variedade de todos os panos preciosos, feitos de lã, mas também tecidos de seda, de veludo, de damasco, tecidos bordados e de muitos outros géneros, em tanta quantidade, que o recheio de todos aqueles mercadores, exposto para vender, vale cem milhões de reis, algumas vezes repetidos ou, em linguagem vulgar, muitos milhões de ouro. Há nesta rua, além de tantas casas admiráveis, de tantos andares, com tantos inquilinos, que se encontram alguns que não conhecem os outros nem sequer de face ou de nome...

...MIGUEL, o jovem embaixador japonês, prossegue:...A segunda rua é a dos ourives...A terceira rua não é menos concorrida. Povoam-na cinzeladores, escultores, trabalhadores de cobre, canteiros...Não seria menor a vossa admiração se eu percoresse os artífices de prata, do linho e da lã, a quem são dedicadas as outras ruas.»(29)

O enviado japonês D. Miguel envergando traje ocidental

NOTAS (1) THE GLOBAL CITY ON THE STREETS OF RENAISSANCE LISBON, Capítulo 9, p.145 (2) Fróis, P. Luís, Historia de Japam, Volume II, pp. 41e 42 (3) Mendes Pinto, F. , Peregrinação, Cap. CXXXII, onde Fernão Mendes Pinto, narra acontecimentos passados no Bungo, província da Ilha de Kiusiu, como segue :...« e lhe pedi resposta da carta que lhe trouxera do Vice-Rei, a qual me ele logo deu porque já a tinha feita, e por retorno do presente lhe mandou umas armas ricas, e dois treçados de ouro e cem abanos léquios, a qual carta era feita por ele dizia assim ...». Nessa resposta ao Vice-Rei português, Yaretandono, Rei do Bungo, em 13 de Novembro de 1556, recomenda a Fernão Mendes... «que se não esqueça desta mensagem que por ele mando fazer ao seu rei irmão meu mais velho, por cujo respeito esta minha obediência fique honrosa, como confio que sempre será. E estas armas que lá lhe mando tomará por sinal e prenda da minha verdade como nós entre os Reis de Japão se costuma...». Os cem abanos léquios são referido por Fernão Mendes Pinto como parte fazendo parte dos presentes, não teriam para o rei do Bungo o mesmo valor simbólico, como se pode apreciar acima. (4) Revista das Artes Decorativas, 2, 2008, pp. 237-254. Maxime 237- 24 (Doc. 1), «Um olhar sobre a decoração e o efémero no Oriente: relação dos bens embarcados em Goa em 1559 para o Reino, o inventário dos bens do vice-rei D. Martim Afonso de Castro, falecido em Malaca, em 1607, e a relação da entrada do vice-rei D. Jerónimo de Azevedo em Goa, em 1612», Pedro Pinto (5) THE GLOBAL CITY ON THE STREETS OF RENAISSANCE LISBON, Capítulo 9, pp. 145 e 146 (6) São Francisco Xavier, Obras Completas, p. 316 (7) Exposición de Alonso Sanchez Coello, p 339 (8) PiresTomé, A Suma Oriental, Livro Quarto. (9) Mendes Pinto, F., Peregrinação, Cap.CXXXII (10) Revista das Artes Decorativas, 2, 2008, pp. 237-254. Maxime 237- 24 (Doc. 1), «Um olhar sobre a decoração e o efémero no Oriente: relação dos bens embarcados em Goa em 1559 para o Reino, o inventário dos bens do vice-rei D. Martim Afonso de Castro, falecido em Malaca, em 1607, e a relação da entrada do vice-rei D. Jerónimo de Azevedo em Goa, em 1612», Pedro Pinto (11) ANTT, Corpo Cronológico, parte I, maço 105, doc.61 (12) ANTT, Corpo Cronológico, parte 1,maço 10, doc. 106 (13) ANTT, Corpo Cronológico, parte I, maço 105, doc.109 (14) ANTT, Corpo Cronológico, parte I, maço 107, doc.19 (15) Pedroso, Maria Luísa, Brisas de Leques, cap.II, p.p.128-123 (16) ANTT, NA 926, 15/05/1528, fol.35v.º (17) ANTT, Casa Forte, n.º64, fol.50v.º (18) ANTT, Casa Forte, Livro da Cartuxa de Évora (19) Pedroso, Maria Luísa, Brisas de Leques, Cap. II, pp. 114 e 115. (20) Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa, Espólio de Balthasar Jorge, Juiz da Alfandega de Diu em 1546, n.º 6-1833, pág, 290. (21) Sakamaki, Shunzo, Ryukyu and Southeast Asia, Cambridge University Press, p. 386 (22) MORAES, DICCIONARIO, 1844 - Mercería-s.f. Marceria, negocio, vendagem de cousas miuda , e de pouco valor. (23)-Boyajian,James C., PORTUGUESE TRADE IN ASIA UNDER THE HABSBURGS, 1580-1640, p. 48 (24) THE GLOBAL CITY ON THE STREETS OF RENAISSANCE LISBON, Appendix 3, p. 24, (see Ch. 2 , Lowe, “Foreign Descriptions”) (25) cf. UN SOFFIO DI VANITÀ, Ventaglii da collezione private italiene, Padova, 1989, p.49 e Marsiletti, Giancarlo, IL VENTAGLIO DIPINTO, pp.15 e 16 (26) UN SOFFIO DI VANITÀ, p. 47 (27) Frois, L., Historia de Japam, II volume, Primeira parte, p. 49 (28) idem, pp. 215 e 216 ( Esta penitência foi-lhe imposta em Lisboa por Simão Rodrigues como prova de ingresso na Companhia (cf. Franco, Ano Santo 342) ; João Fernandes- homem insignificante, joão-ninguém) (29) Duarte de Sande, S. J., Diálogo Sobre a Missão dos Embaixadores Japoneses à Cúria Romana, pp.159 e 160,

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