Liberdade de reunião e democracia: reflexões a partir das experiências brasileiras e alemãs

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Liberdade de reunião e democracia: reflexões a partir das experiências brasileiras e alemãs Roberto Dias Doutor em Direito do Estado pela PUC-SP. Professor de Direito Constitucional da PUC-SP. Coordenador da Graduação da FGV Direito SP.

Lucas De Laurentiis Mestre em Direito Constitucional pela USP. Doutorando em Direito Constitucional pela USP e Albert-Ludwigs Universität. Pesquisador convidado do Instituto Max Planck em Freiburg.

Resumo: O texto apresenta as características e contornos dogmáticos do direito fundamental à liberdade de reunião no direito constitucional brasileiro e alemão. Aborda questões controvertidas e precedentes judiciais desses dois países. Enfim, analisa e propõe soluções para problemas atuais do direito fundamental à liberdade de manifestação e discute a relação de seu exercício com o desenvolvimento da democracia. Palavras-chave: Direitos fundamentais. Liberdade de reunião. Direito de manifestação. Direito constitucional comparado. Sumário: Introdução – O direito de reunião na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro – O direito de reunião na jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão – Liberdade de reunião: novos horizontes, antigas questões – Observações finais – Referências

Introdução Pretendemos, neste artigo, analisar como o Supremo Tribunal Federal, no Brasil, e o Tribunal Constitucional Alemão têm, ao longo do tempo, decidido questões que envolvam a liberdade de reunião, como elemento essencial à preservação da democracia. A democracia, como lembra Norberto Bobbio,1 tem uma regra procedimental básica: as decisões devem se dar pelo consenso da maioria. Trata-se de uma – mas não a única – regra que pretende dar legitimidade ao regime. Mas exatamente por prever o consenso da maioria, há um pressuposto lógico: a existência de uma minoria que se opõe ao grupo majoritário. Assim, uma democracia, em que vigora o

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BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Trad. Marco Aurélio Nogueira. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, especialmente p. 41 e seguintes.

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pluralismo de ideias e visões de mundo, pressupõe o dissenso, que só poderá aflorar se houver respeito às minorias e a seus direitos fundamentais, especialmente os ligados à liberdade. Os direitos fundamentais – nas palavras de Jorge Reis Novaes – funcionam como trunfos contra a maioria, na medida em que se mostram como uma trincheira “contra as decisões da maioria política”, auxiliando “a posição mais débil, mais impopular ou mais ameaçada, não para fazer prevalecer ou impor à maioria, mas para garantir ao indivíduo ou à minoria isolada o mesmo direito que têm todos a escolher livre e autonomamente os seus planos de vida, a expor e divulgar as suas posições junto dos concidadãos, a ter as mesmas possibilidades e oportunidades que quaisquer outros para apresentar e defender as suas concepções, opiniões ou projetos, isto é, a competir com armas iguais no livre mercado das ideias”.2 Para Dworkin,3 o “Estado ofende seus cidadãos e nega a responsabilidade moral deles quando decreta que eles não têm qualidade moral suficiente para ouvir opiniões que possam persuadi-los de convicções perigosas ou desagradáveis. Só conservamos nossa dignidade individual quando insistimos em que ninguém – nem o governante nem a maioria dos cidadãos – tem o direito de nos impedir de ouvir uma opinião por medo de que não estamos aptos a ouvi-la e ponderá-la”. Deixar para que outros decidam o que podemos expressar – e, em última análise, o que nos é permitido pensar – é puro paternalismo. E o paternalismo, como bem demonstrado por Berlin – baseado nos pensamentos de Kant –, é despótico, “não porque seja mais opressivo do que a tirania manifesta, brutal”, mas por ser um “insulto a minha concepção de mim mesmo como ser humano”.4 Assim, numa democracia, o consenso da maioria deve conviver com o respeito aos direitos das minorias. Não há democracia sem que se assegure o direito de livre manifestação do pensamento, exercido de forma individual ou coletiva, e o direito de ouvir a opinião dos outros, sem um filtro autoritário imposto pelo Estado ou pela maioria das pessoas que formam a comunidade em que vivemos. A liberdade de reunião está inserida nesse contexto. Intimamente ligada à liberdade de expressão, ela dá forças às ideias de minorias que, reunidas, podem se fazer ouvir com mais intensidade e, quem sabe, alcançar uma vitória democrática ou, até mesmo, se tornar maioria, sem que seja necessário derramamento de sangue. Analisemos, então, as principais decisões das Cortes Constitucionais brasileira e alemã sobre o direito de reunião para, em seguida, enfrentar questões polêmicas com que o Brasil e o mundo têm se deparado quando do exercício dessa liberdade NOVAES, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra: Coimbra, 2006, p. 33-35. DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade: uma leitura moral da Constituição norte-americana. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 319. 4 BERLIN, Isaiah. Dois conceitos de liberdade. In: Estudos sobre a humanidade: uma antologia de ensaios. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 259. 2 3

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constitucional essencial à democracia. Tais decisões, além de mostrar o percurso histórico da jurisprudência das referidas Cortes, nutrirão a argumentação final que desenvolveremos.

O direito de reunião na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro O primeiro caso emblemático julgado pelo Supremo Tribunal Federal envolvendo a liberdade de reunião ocorreu em 1919, durante a vigência da Constituição de 1891.5 Foi o Habeas Corpus 4.7816 impetrado por várias personalidades do mundo político brasileiro da época, entre elas Ruy Barbosa. O objetivo era obter uma ordem preventiva para que pudessem, na Bahia, reunir-se “em comícios, nas praças públicas, ruas, teatros e quaisquer outros recintos” com o intuito de manifestarem, livremente, seus pensamentos e opiniões. Isto porque, durante a campanha à presidência da República, os impetrantes passaram a ser ameaçados de sofrer violências, além de terem sido impedidos e coagidos por abusos de autoridade dos poderes públicos do Estado. O então Chefe de Polícia proibiu, por meio de telegrama, o meeting em que o doutor Guilherme de Andrade queria falar em favor do senador Epitácio Pessoa. Há quase um século, neste caso paradigmático, a Suprema Corte reconheceu que, se a polícia proíbe a reunião, ela não pratica uma mera intervenção no meeting, ela não assiste ao comício, mas suprime, indevidamente, a manifestação. Ademais, a polícia não pode determinar que as reuniões se realizem só em certos lugares, porque isso implicaria eliminá-las, pois bastaria, para tanto, que fossem designados lugares, por exemplo, “sem a capacidade necessária à maior aglomeração de pessoas”.7

A Constituição de 1891, vigente à época, previa, em seu art. 72, §§8º e 12, o seguinte: “§8º – A todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas; não podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública”. “§12 – Em qualquer assunto é livre a manifestação de pensamento pela imprensa ou pela tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido o anonimato”. 6 Lembre-se que, em função da redação ampla do §22, do artigo 72, da Constituição de 1891 e da defesa ardorosa de Rui Barbosa a favor da efetividade das garantias individuais – defesa essa verificada sobretudo nas sustentações dos Habeas Corpus nº 300, relator Ministro Costa Barradas, j. 30 de abril de 1892 (Estado de sítio), e Habeas Corpus nº 406, relator Ministro Barros Pimentel, j. 2 de agosto de 1893 (Jupiter) –, desenvolveuse no Brasil a denominada “doutrina brasileira do Habeas Corpus”, identificada pela aplicação dessa garantia constitucional à defesa de todo e qualquer direito constitucionalmente protegido – não só à liberdade de locomoção. Essa peculiaridade da época explica o cabimento do Habeas Corpus na defesa do direito à liberdade de reunião. A aprovação da Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926, que limitou o cabimento do Habeas Corpus e criou o Mandado de Segurança, alterou essa configuração das garantias constitucionais. 7 Lembre-se que, quanto ao aspecto espacial do exercício da liberdade de reunião, a Lei nº 1.207/1950, aprovada em pleno regime getulista, afirmava em seu artigo 3º caber à autoridade policial de maior categoria (sic) da localidade, ao começo de cada ano, fixar as praças destinadas a comício. Tal limitação, de duvidosa constitucionalidade, tem sido aplicada em períodos eleitorais com base na remissão do artigo 254, §1º, do Código Eleitoral brasileiro, mas também em períodos não eleitorais, em razão de portarias de delegacias de política regionais. No Estado de São Paulo, há inúmeros exemplos dessa natureza. O diário oficial de 14 de 5

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Anos depois, em 1955, no Recurso Extraordinário nº 26.350, o Supremo Tribunal Federal, invocando as previsões da Constituição de 1946, então vigente, sobre as liberdades de pensamento, de reunião e de associação,8 afirmou que elas podiam sofrer restrições em relação “às classes armadas, a bem da disciplina militar”. Constatado o foco de indisciplina e insubordinação em certa associação de militares, as autoridades superiores poderiam retirar a autorização de funcionamento concedida, determinando a extinção da associação, sem recorrer à autoridade civil. Na ocasião, a Suprema Corte brasileira entendeu que, se a entidade “Casa do Sargento da Bahia” era ponto de reunião onde se praticava infração às leis militares, não seria ilegal a ordem do comandante que determinou o fechamento do clube. Para preservação da disciplina não se podia admitir, nem mesmo, críticas exageradas ou desagradáveis às autoridades militares, por inferiores hierárquicos, que poderia comprometer a própria defesa nacional. Tratou-se, nesse caso, de preservação da hierarquia e da disciplina militar em detrimento do direito de reunião. Já sob a égide da Carta de 1967, com a Emenda nº 1/69, chegou ao Supremo Tribunal Federal o Recurso Extraordinário nº 97.278, julgado em 1982. No caso, o Comitê de Defesa da Ilha de São Luís pretendia realizar, na Praça Deodoro, uma manifestação pública a favor da preservação ecológica. Para tanto, requereu ao Secretário de Segurança Pública a liberação do local para a concentração. Mas a autorização foi negada pela autoridade, sob o argumento de que tal logradouro público estava excluído da relação de locais em que seriam admitidos comícios ou concentrações de qualquer natureza.9 Os impetrantes argumentaram que a Praça Deodoro seria o local com melhores condições para o tipo de concentração popular que se pretendia realizar, lembrando que tal local vinha sendo utilizado com frequência para reuniões a céu aberto, como, por exemplo, quando da visita do então líder metalúrgico, Luiz Inácio Lula da Silva – que décadas depois veio a ser eleito e reeleito Presidente da República –, para a instalação do Partido dos Trabalhadores no Estado do Maranhão. março de 2014 apresenta diversos desses casos: nele, são encontradas portarias de Delegacias delimitando os locais em que a manifestação pública está autorizada nos Municípios de Presidente Prudente, Caraguatatuba, Ilha Bela, Ubatuba, entre outros. Isso mostra o descompasso entre a teoria, que em geral reconhece que tal possibilidade de limitação do exercício do direito de reunião não foi recepcionada pela ordem constitucional instituída em 1988, e a prática institucional, que, sem maior reflexão e controle, aplica conceitos e instrumentos de alta carga autoritária. 8 No acórdão, há menção ao art. 141, §§5º, 11 e 12, da Constituição de 1946, assim redigidos: “§5º. É livre a manifestação do pensamento, sem que dependa de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos casos e na forma que a lei preceituar pelos abusos que cometer. Não é permitido o anonimato. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos não dependerá de licença do Poder Público”. “§11. Todos podem reunir-se, sem armas, não intervindo a polícia senão para assegurar a ordem pública. Com esse intuito, poderá a polícia designar o local para a reunião, contanto que, assim procedendo, não a frustre ou impossibilite”. “§12. É garantida a liberdade de associação para fins lícitos. Nenhuma associação poderá ser compulsoriamente dissolvida senão em virtude de sentença judiciária”. 9 Vale lembrar que a Constituição de 1967, com EC nº 1/1969, no art. 153, §27, estabelecia o seguinte: “Todos podem reunir-se sem armas, não intervindo a autoridade senão para manter a ordem. A lei poderá determinar os casos em que será necessária a comunicação prévia à autoridade, bem como a designação, por esta, do local da reunião”.

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Apesar de o STF não ter conhecido do recurso e tampouco adentrado, com profundidade, na análise da liberdade de reunião, deixou consignado que, mesmo a autoridade policial tendo a competência de fixar, no começo de cada ano, os locais de reunião ou comícios, ela, no caso, não teria invocado “motivos de ordem pública ou segurança do Estado para indeferir o pedido, como lhe seria lícito fazer”. Por não apresentar justificativa para impedir a reunião, “com base no interesse público ou do caráter subversivo” da concentração popular, deveria admitir o exercício do direito pelo grupo de ecologistas. A referida decisão revela que o STF, a contrario sensu, admitiria a intervenção estatal na liberdade de reunião para proteger a “ordem pública”, a “segurança do Estado” e, também, para impedir manifestações de “caráter subversivo”, conceitos jurídicos indeterminados muito estimados por regimes autoritários como aquele vigente na ocasião.10 Com a promulgação da Constituição de 1988, o direito de reunião passou a ser assim disciplinado: “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.11 Na vigência da atual Constituição, dois casos emblemáticos sobre o tema merecem ser lembrados. O primeiro deles é o da proibição de manifestações em locais próximos a prédios públicos de Brasília, sob o argumento de que a liberdade de reunião não autorizaria a interferência no bom funcionamento dos órgãos públicos. O Governador do Distrito Federal editou Decreto12 proibindo a realização de manifestações públicas na Praça dos Três Poderes,13 na Esplanada dos Ministérios e na Praça do Buriti.14

Isso não significa que constituições promulgadas não tenham empregado conceitos indeterminados como estes. Basta ver, por exemplo, o já citado art. 141, §11, da Constituição de 1946: “§11. Todos podem reunirse, sem armas, não intervindo a polícia senão para assegurar a ordem pública. Com esse intuito, poderá a polícia designar o local para a reunião, contanto que, assim procedendo, não a frustre ou impossibilite”. Sobre a liberdade de reunião e os conceitos indeterminados, Leonardo Martins assevera: “Muito levianos podem se revelar argumentos baseados exclusivamente na proteção de conceitos jurídicos indeterminados como ‘ordem pública’” (MARTINS, Leonardo. ADPF 187/DF: ‘Marcha da Maconha’, in Robério Nunes dos Anjos Filho (org.). STF e Direitos Fundamentais: diálogos contemporâneos. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 302). 11 Art. 5º, inciso XVI. 12 Na verdade, foram três Decretos, o de nº 20.007, de 14 de janeiro de 1999, o de nº 20.010, do dia 20 do mesmo mês, e o de nº 20.098, de 15 de março daquele ano. O primeiro vedava a realização de manifestações públicas nos locais que indicava, exceto as de caráter cívico-militar, religioso e cultural. O segundo decreto, que revogou o anterior, não especificava a natureza das manifestações, mas impedia que elas ocorressem nos mesmos locais “com a utilização de carros de som ou assemelhados”. E o terceiro proibia “a realização de manifestações públicas, com a utilização de carros, aparelhos e objetos sonoros na Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministérios e Praça do Buriti e vias adjacentes”, revogando as disposições em contrário. 13 Como o nome indica, é a praça onde se localizam o Palácio do Planalto (Executivo), o Congresso Nacional (Legislativo) e o Supremo Tribunal Federal (Judiciário). 14 Na Praça do Buriti está o Palácio de mesmo nome, que é a sede do Governo do Distrito Federal. 10

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Em seu voto na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1969, julgada em 1999, o Relator Ministro Marco Aurélio Mello argumentou que “não cabe à autoridade local regulamentar preceito da Carta da República, muito menos a ponto de mitigá-lo”, como vinha ocorrendo no caso. Sustentou, ainda, que o direito de reunião está intimamente ligado “a outro de maior importância em sociedades que se digam democráticas”: está associado à manifestação do pensamento. O direito de reunião, portanto, não se restringe às manifestações silenciosas, mas, ao contrário, a previsão constitucional garante a “veiculação de ideias, pouco importando digam respeito a aspectos religiosos, culturais ou políticos”. E concluiu que, considerados possíveis excessos, o poder de polícia não deve ter o caráter preventivo, “sob pena de intimidação incompatível com as garantias constitucionais. Há de ser acionado, isto sim, de forma repressiva apenas quando extravasados os limites ditados pela razoabilidade, vindo à balha violências contra prédios e pessoas”. Discordando dos fundamentos do voto do Ministro relator, o Ministro Nelson Jobim reconheceu a inconstitucionalidade do decreto, pois inviabilizava o direito de reunião nos locais que mencionava. Mas, partindo do pressuposto de que o direito de reunião não é absoluto, admitia o exercício do poder de polícia para regulamentar e disciplinar as manifestações, desde que não se impedisse o exercício de tal direito. Com isso, perguntava: seria legítimo o exercício do direito de reunião, com carros de som, em frente a um hospital?15 No entendimento desse Ministro a resposta a essa questão deve ser negativa, pois o direito de reunião não poderia frustrar, por exemplo, o direito de não participação de manifestação ou o direto ao trabalho daqueles que não pretendem fazer parte do evento. O Tribunal, enfim, concluiu que o direito de reunião não é absoluto e pode se sujeitar a uma disciplina, desde que não o inviabilize. O decreto, no entanto, de maneira inconstitucional, especificava os locais onde as manifestações não poderiam ocorrer e, também, restringia indevidamente o modo de seu exercício ao impedir o uso de carros, aparelhos ou objetos sonoros.16 O Ministro desconsidera que, formulada em termos tão gerais e inespecíficos, essa questão tem pouco sentido. Isso porque, se é evidente que uma manifestação que requeira a diminuição de tarifas de trens e ônibus não deve ser realizada em frente a um Hospital, a questão não é tão clara quando a manifestação busque a melhoria do atendimento de saúde prestado naquele Hospital em específico. Fora isso, a proibição dessa última manifestação pode ter a finalidade específica de proteger a saúde de pessoas doentes, mas também a simples proteção do patrimônio particular, ou do local em que se localize o Hospital. Tudo isso indica que a ação dos manifestantes pode ter significados variados, que são protegidos pela ordem constitucional também de forma variada. Igualmente, o comportamento do Poder público frente a essas diversas formas de manifestação terá significados e parâmetros de legitimidade variados em função dos direitos que se encontram em conflito e da necessidade do uso da força pública. Ou seja, afirmar, como faz o Ministro Nelson Jobim, que a liberdade de reunião não é um direito absoluto e que, por isso, admite relativizações, é simplesmente afirmar o óbvio: o direito fundamental e a extensão de sua proteção, categorias e grandezas que devem ser trabalhadas e delimitadas em cada situação concreta. Finalidade essa que só pode ser realizada por um trabalho analítico e dogmático minucioso, não com questões gerais e retóricas, cuja resposta é tão certa, que torna a própria necessidade do questionamento duvidosa. 16 No julgamento do mérito, em 2007, o STF, parcialmente com outra formação, reiterou o entendimento exposto na Medida Cautelar. É verdade que o relator, Ministro Ricardo Lewandowski, deu mais ênfase à violação 15

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Em 2009, após algumas decisões de Tribunais estaduais proibindo as chamadas “Marchas da Maconha”, que pregavam a abolição do crime de consumo de drogas, foram propostas a ADI nº 4274 e a ADPF nº 187, que pretendiam que o Supremo Tribunal Federal realizasse “interpretação conforme a Constituição” dos arts. 33, §2º, da Lei nº 11.343/2006, e 287 do Código Penal, de forma a excluir qualquer exegese que pudesse “ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos”. O Supremo Tribunal Federal, na ocasião, entendeu que as pessoas podem se reunir pacificamente para debater a criminalização das condutas previstas nas leis. Do contrário, as normas penais “estariam fadadas à perpetuidade” e, por exemplo, não se poderia discutir, também, a proibição do aborto. Manifestar-se contra a criminalização de um ato não significa fazer apologia ao crime existente. O exercício da liberdade de reunião, enfim, é um direito-meio para alcançar o direito-fim da liberdade de expressão e “funciona como um mecanismo de controle dos abusos do Estado”. Trata-se de uma proteção a minorias que fortalece o pluralismo político e, via de consequência, a própria democracia. E não é apenas um direito de status negativus, de defesa contra intervenções estatais, mas uma imposição para que o Estado atue para garantir o seu exercício.17 Vale lembrar que, ao discutir a “Marcha da Maconha”, também aflorou na Suprema Corte um interessante debate sobre os limites da liberdade de reunião, associada à liberdade de expressão do pensamento, nos casos de manifestações racistas, antissemitas ou que pregassem a descriminalização da pedofilia.18

da proporcionalidade pelo decreto, e o Ministro Eros Grau apontou a inconstitucionalidade formal, pois as restrições não poderiam ser veiculadas por decreto, mas apenas por lei. 17 Aliás, Celso de Mello, ainda na vigência da Constituição de 1967, com a Emenda nº 1/69, já desenvolvia a ideia de direito-fim e direito-meio. O mesmo autor, acerca do status negativo e positivo do direito de reunião, mencionava que, em regra, não cabe à autoridade pública intervir no exercício do direito de reunião, exceto para garantir o seu exercício pelos indivíduos, para dissolvê-la se forem ilícitas e para preservar a ordem pública (O direito constitucional de reunião, in Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, v. 12, nº 54, p. 19-23, set.-out. 1978). Para uma análise crítica do acórdão proferido na ADPF 187, ver: MARTINS, Leonardo. ADPF 187/DF: ‘Marcha da Maconha’, in FILHO, Robério Nunes dos Anjos (org.). STF e Direitos Fundamentais: diálogos contemporâneos. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 277-305. Este autor concorda com a decisão do STF, que reconheceu a liberdade de reunião no caso de manifestação pela descriminalização da maconha. Mas discorda da admissão da ADPF e do uso da “interpretação conforme a Constituição como técnica de modulação de efeitos da coisa julgada” (p. 284 e 285). 18 Celso de Mello, no texto mencionado na nota anterior – publicado durante o regime militar e na época em que ainda não era ministro do STF –, argumentava que a “assembleia destinada a promover propaganda de guerra, processos violentos para subverter a ordem política e social, fomentar preconceitos de raça ou de cor, ofender os bons costumes, ameaçar a ordem pública, menosprezar a dignidade e os brios nacionais, perturbar a paz e causar desordem à tranquilidade pública, por exemplo, será considerada ilícita, sendo, assim, justa a sua proibição” (O direito constitucional de reunião, in Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, v. 12, nº 54, p. 19-23, set.-out. 1978). Já durante a vigência da Constituição de 1988, Fernando Dias Menezes de Almeida argumenta: “Assegurar o direito de os indivíduos reunirem-se nada tem a ver, em tese, com vedar-lhes a prática de racismo. Mas, se ao reunirem-se e manifestarem ideias, os indivíduos cometem atos de racismo, tal conduta há que ser cindida, de modo que cada parte dela sujeita-se à prescrição

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Mas o STF se restringiu a decidir a questão que foi posta e analisou apenas a constitucionalidade das manifestações que pregam a legalização do uso de drogas. De qualquer forma, a nosso ver, o Estado não deveria proibir uma reunião com o propósito de modificar uma lei criminalizadora de certa conduta, por mais que alguns comportamentos sejam fortemente reprováveis. Não importa se o direito de reunião se dá para reivindicar a revogação de uma lei que criminaliza o aborto, o consumo de drogas, a pedofilia, a pederastia,19 a homossexualidade, o ato obsceno, o roubo, o furto, a corrupção ou o dano ao patrimônio público.20 Como já mencionamos, citando Dworkin, nem a maioria dos cidadãos nem o governante tem o direito de decidir o que estamos aptos a ouvir. Isso seria infantilizar a população e os próprios governantes, que não teriam capacidade de, ouvindo opiniões, decidir o que é certo ou errado.

de cada norma. Nem da norma que assegura a liberdade de reunião decorre que se possa praticar o racismo, nem da norma que proíbe o racismo decorre que não seja lícito reunir-se” (Liberdade de Reunião. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 233 e 234). 19 O Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/69) prevê, no art. 235, o seguinte: “Pederastia ou outro ato de libidinagem – Art. 235. Praticar, ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar: Pena – detenção, de seis meses a um ano”. Em 2013, o Procurador-Geral da República ingressou no Supremo Tribunal Federal com Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 291, Relator Ministro Roberto Barroso) para obter a declaração de não recepção do referido art. 235 pela Constituição Federal de 1988. A ADPF ainda não foi julgada. 20 A discussão a respeito do conceito do direito de liberdade aflora nesse ponto. Vale lembrar que a primeira parte do art. 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, já previa que a “liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique o próximo”. Kant, nessa mesma linha, definia a lei universal do direito da seguinte forma: “age externamente de modo que o livre uso de teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal”. E continuava dizendo que tal lei “é verdadeiramente uma lei que me impõe uma obrigação, mas não guarda de modo algum a expectativa – muito menos impõe a exigência – de que eu próprio devesse restringir minha liberdade a essas condições simplesmente em função dessa obrigação” (KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Trad. Edson Bini. Bauru: EDIPRO, 2003, p. 77). Para Isaiah Berlin, o sentido negativo de liberdade deve ser alcançado quando se responde à seguinte pergunta: “qual é a área em que uma pessoa ou um grupo tem permissão de fazer ou ser sem a interferência de outras pessoas?” (Dois conceitos de liberdade, p. 229). Na definição de Norberto Bobbio, por “liberdade negativa” deve-se entender “a situação na qual um sujeito tem a possibilidade de fazer ou de não fazer, sem ser obrigado a isso ou sem que o impeçam outros sujeitos” (Igualdad y libertad. Trad. de Pedro Aragon Rincón. Barcelona: Paidós, 1993. p. 97). A liberdade negativa pressupõe, então, a ausência de impedimento, ou seja, a possibilidade de fazer. Mas também supõe a ausência de constrição, isto é, a possibilidade de não fazer (BOBBIO, Norberto. Igualdad y libertad, p. 97). Essa forma de liberdade individual confunde-se com o livre arbítrio do individuo. Por isso, José Afonso da Silva denomina essa liberdade de liberdade do querer (Curso de Direito Constitucional positivo, p. 231). O problema dessa definição é sua ausência de contornos jurídicos. Afinal, se a liberdade é definida pelo querer do agente, quais parâmetros jurídicos e dogmáticos podem ser utilizados para avaliar a conformidade de uma ação com a ordem jurídica? É justificada, portanto, a crítica segundo a qual tal forma de conceber a liberdade individual torna esse direito uma garantia simplesmente formal, alheia a qualquer diferenciação valorativa ou material mais precisa. Ou seja: o resultado dessa hipostasiação do significado da liberdade individual é a perda de seu sentido jurídico e a necessidade constante de serem atualizadas restrições e ponderações de um conceito que tudo poderia abarcar. A busca de uma definição mais específica e palpável da liberdade, agora definida em termos jurídicos, pressupõe a identificação da finalidade da proteção de cada uma das liberdades protegidas pelo texto constitucional. Ocorre que, no caso da liberdade de reunião e manifestação, essa finalidade não se encontra na defesa de uma ideia específica, seja ela alinhada ou não com a visão moral prevalecente. Tal qual observamos no início desse texto, o que define esses direitos é a defesa da pluralidade de ideias, não de uma ou outra ideia. Por isso, o simples fato de uma manifestação pública defender um ponto de vista, seja ele contrário ou em defesa da visão estabelecida de mundo, torna aquela manifestação digna de proteção. Nessa linha, na literatura alemã: Benjamin Rustenberg, Der grundrechtliche Gewährleistungsgehalt, p. 186.

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Seria, também, uma forma paternalista e autoritária de agir, o que não se pode admitir em um Estado Democrático de Direito, como a Constituição brasileira de 1988 pretende que seja o Brasil. 21

O direito de reunião na jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão O conceito de liberdade de reunião foi duplamente limitado pela jurisprudência recente do Tribunal Constitucional alemão. A primeira dessas restrições diz respeito ao conteúdo do direito fundamental; a segunda, à forma de seu exercício. Em Castor-Transport22 e Love-Parade,23 o direito de reunião foi definido como a reunião de pessoas que, buscando um objetivo comum, participem do debate público de ideias relevantes para a sociedade. Objetivo comum quer dizer aquele que não pode ser exercido de forma independente, por cada um dos participantes. O conjunto de torcedores de um evento esportivo, o conjunto de pessoas que pretendam assistir a um filme, ou os espectadores de um concerto,24 apesar de serem um conjunto de pessoas, que dividem o mesmo espaço, não são considerados participantes de uma reunião no sentido constitucional. Falta a todos esses exemplos o elemento comum e indivisível que une a ação dos participantes. Essa fronteira, que decorre da distinção linguística das expressões conjunto (Ansammlung) e reunião (Versammlung) de pessoas, não é tão clara e fixa quanto parece. Os torcedores que pretendam não só assistir a uma partida, mas também se manifestar contra as más condições dos estádios e os espectadores de cinemas ou peças de teatro, que, ao se dirigirem ao espetáculo pretendam defender uma causa política e social, deixam a posição passiva e passam a agir ativamente e de forma conjunta. Se isso ocorre, haverá uma reunião protegida constitucionalmente.25 Mas a jurisprudência do Tribunal Constitucional foi além. Ela exige também que esse elemento comum contribua para o debate público de ideias. Em Fraport, o referido Tribunal foi contundente em relação a esse ponto: em sua visão, não importa se esse debate – o caso envolvia a discussão acerca de deportação de perseguidos políticos – ocorre em espaços públicos, como uma praça ou rua, ou em espaços de domínio privado, como, no caso, o aeroporto de Frankfurt, que é gerido por uma sociedade de economia mista. Decisivo é se tal debate ocorre ou não.26 Quanto a manifestações racistas ou antissemitas, por mais que os argumentos acima também pudessem ser utilizados, o fato é o que Supremo Tribunal Federal, em 2003, ao julgar o Habeas Corpus 82.424-2/ RS, conhecido como o Caso Ellwanger, admitiu a condenação de um editor que publicou livros com conteúdo racista e antissemita. Para o inteiro teor da decisão, conferir: (último acesso no dia 6 de julho de 2014). 22 BVerfGE, NJW 2002, 1031. 23 BVerfGE, NJW 2001, 2459. 24 SCHLINK/PIEROTH, Staatsrecht II: Grundrecht, 26. Auf., Heidelberg, C.F. Müller, 2010, p. 185. 25 SACHS, Verfassungsrecht II: Grundrechte, 2. Auf., Berlin, Springer, 2003, p. 359. 26 BVerfGE 128, 226. 21

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A justificativa de tal limitação é a proteção especial conferida ao direito de reunião em relação à liberdade de expressão (art. 5, GG) e liberdade geral de ação (art. 2º, GG). A diferença específica e a razão da proteção especial da liberdade de reunião se encontram, na visão do Tribunal, na correlação desse direito fundamental com o exercício e realização de uma forma de democracia participativa.27 Reuniões que simplesmente expressem tradições populares, ou festas em que os participantes somente pretendam se divertir, cantando, dançando ou ouvindo músicas, mesmo que essas sejam expressão de uma forma de cultura ou contracultura, não são consideradas manifestações do direito de reunião. A limitação relacionada ao exercício da liberdade de reunião está diretamente relacionada com essa definição restritiva do conteúdo constitucionalmente protegido. Ao julgar a legitimidade da ação de um grupo religioso (Sinti und Roma), que bloqueou uma autopista para demandar uma audiência com o alto-comissariado suíço, encarregado da proteção de perseguidos refugiados políticos, o Tribunal Constitucional considerou que esse movimento tinha a finalidade de se autobeneficiar e não de contribuir com o debate público de ideias. Com base em tal fundamento, negou proteção constitucional à manifestação.28 A literatura constitucional apresenta fortes críticas a essas duas últimas restrições.29 A primeira, que exige dos manifestantes a divulgação verbal de ideias relevantes para o debate público e democrático está presa a uma visão das passeatas de 1968 que não existe mais e exclui a priori do âmbito de proteção do direito formas de ações culturais e musicais, nas quais o elemento político e o ideal democrático podem não ser manifestos, mas podem estar implícitos.30 Desconsidera também que a democracia não se realiza tão só na troca de ideias expressas verbalmente. O convívio social e a interação de pessoas em eventos públicos também é uma forma de realizar, fortalecer e desenvolver o sentimento de pertencimento a uma comunidade pública.31 Enfim, mesmo que a tradição do exercício do direito de liberdade de reunião esteja relacionada à manifestação verbal de ideais políticos,32 o texto da Lei Fundamental não apresenta nenhuma restrição quanto ao conteúdo da ideia que venha a ser defendida pela manifestação popular. A tradição histórica pode servir como elemento auxiliar e guia da interpretação constitucional, desde que ela não se choque com o sentido do texto constitucional.33 HOFFMANN-RIEM, Neuere Rechtsprechung des BVerfG zur Versammlungsfreiheit, NVwZ, 2003, p. 259. Na jurisprudência alemã: BVerfGE, NJW 2002, 1031 (1032). 28 BVerfGE, 104, 92 (39) – Sitzblockaden III. 29 Observe-se que essas críticas se dirigem especificamente aos critérios de diferenciação aplicados pela jurisprudência. Em nenhum momento elas colocam em questão a necessidade de critérios de diferenciação dogmáticos que indiquem as modalidades de manifestações protegidas pela ordem constitucional. 30 KNIESEL/POCHER, Die Entwicklung des Versammlungsrecht 2000 bis 2003, NJW 2004, p. 423. 31 SCHLINK/PIEROTH, Staatsrecht II: Grundrecht, p. 185. 32 Cf. MALGOLDT, Klein, Das Bonner Grundgesetz Kommentar, 2 Auf. Berlin: Franz Vahlen, 1957, art. 8, Anm. III 2. 33 Cf. CREMER, Freiheitsgrundrechte: Funktionen und Strukturen, Tübingen, Möhr Siebeck, 2003, p. 33. 27

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A análise da limitação quanto ao exercício da liberdade de reunião demanda maior reflexão. O bloqueio de passagens de automóveis, seja em uma autopista, seja numa via pública, é a forma de as manifestações se tornarem visíveis, chamando a atenção para seus problemas e reivindicações. E o simples fato de um grupo de pessoas se exporem ao perigo de tal ação mostra que sua reivindicação não teve ressonância nos canais mais tradicionais de participação democrática. Não se pode então excluir a priori do âmbito de proteção do direito fundamental à liberdade de reunião as manifestações que realizem o bloqueio de vias públicas. Decisivo para solucionar essa questão é a forma como esse bloqueio é realizado. Afinal, a depender da forma como esse ato é realizado, podem ocorrer lesões a bens – automóveis, por exemplo – ou à integridade física de pessoas, o que pode decorrer de um acidente. A questão que surge é se esses riscos não seriam suficientes para se concluir que a manifestação causa, ou pode causar, considerável perigo de danos às pessoas ou ao patrimônio público ou particular e, por isso, deve ser considerada uma manifestação não pacífica. Esse raciocínio não tem sido aceito pela jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, que há tempos reconhece que a possibilidade abstrata de ocorrerem danos físicos ou patrimoniais não compromete o caráter pacífico da manifestação.34 É necessário que se comprove, em concreto, que a forma como é realizado o bloqueio tem a finalidade de submeter a vontade de terceiros à ameaça de danos consideráveis à sua integridade física ou patrimonial. Não é, portanto, toda e qualquer possibilidade de dano que traz consigo a pecha da manifestação violenta e não pacífica. Quanto a esse ponto, a jurisprudência e a literatura constitucionais alemãs estão de acordo: o conceito “pacífico” não pode ser amplo a ponto de excluir a possibilidade de a manifestação coagir pessoas ou autoridades a alterarem o curso de sua ação.35 Sem esse elemento coercitivo, a efetividade do exercício do direito de manifestação perderia todo o sentido. O uso de estacas, pneus, cavaletes e barras de ferro por manifestantes exclusivamente para a realização de bloqueios de ruas, estradas ou passagens públicas, não torna a manifestação “não pacífica”.36 Não incide aqui o tipo penal da coerção mediante força ou ameaça.37 Surgem problemas graves e controvertidos quando a violência não é física, mas simbólica. Em parte, essa discussão decorre da previsão (art. 15) da federal lei que regula o exercício do direito de reunião (VersG), que autoriza a dissolução de reuniões que atentem contra a ordem e a segurança públicas. A interpretação dessa cláusula foi a fonte de um dos debates mais intensos entre os Tribunais Administrativos dos

BVerfGE 92, 1 (18) – Sitzblockaden II. KNIESEL/POCHER, Die Entwicklung, p. 423. 36 BVerfGE 73, 206 (257). 37 O tipo penal que reprime a conduta da coerção mediante força ou ameaça é o art. 240 do StGB. Sobre a não incidência desse preceito em manifestações que bloqueiem a circulação de automóveis, v.: BVerfGE 92, 1 (16); 87, 399 (406). Na literatura: SCHLINK/PIEROTH, Staatsrecht II: Grundrecht, p. 187. 34 35

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estados federados e o Tribunal Constitucional alemão. A série de casos envolvendo manifestações de grupos extremistas foi o estopim desse debate: em nível local, tais manifestações foram proibidas tendo em vista o dano que elas trazem ao debate democrático. Ideias extremistas, dizem essas decisões, são, por definição, contrárias ao pensamento democrático e, por isso, devem ser prontamente proibidas.38 O Tribunal Constitucional afastou essa argumentação. Dada a correlação entre a liberdade de expressão e a liberdade de reunião, os limites à atuação do Estado que valem para aquele direito devem ser aplicados no controle das limitações ao exercício da liberdade de reunião.39 Em ambos os casos, vigora o dever de tratamento neutro do Estado, a quem não cabe considerar uma ideia ou visão do mundo menos valiosa que a outra. Em si mesmas, ideias não devem ser protegidas, proibidas ou incentivadas pelo Estado. O controle recai sobre os efeitos dessas manifestações e não tem por referência unicamente a ideia expressa, mas sim todas as circunstâncias que circundam o caso: passeatas de neonazistas convocadas para o dia em que sejam relembradas as atrocidades do holocausto ou em locais que relembrem esses fatos não são somente a expressão de uma ideia, mas uma lesão ao sentimento e à identidade dos descendentes desse massacre. Com esse fundamento, a restrição a essa forma de passeata foi aceita pelo Tribunal Constitucional alemão.40 Mas, mesmo nesses casos, a proibição deve ser a última possiblidade a ser aventada pelos órgãos de controle. Se com a alteração da data ou local da manifestação e a não utilização de símbolos ou uniformes extremistas o caráter ofensivo da manifestação é mitigado, sua realização não deve ser proibida. Fora isso, a presunção da legitimidade da manifestação deve guiar a interpretação do caso, não o contrário. Só após o afastamento de todas as outras interpretações que possam fundamentar a legitimidade do ideal defendido pela manifestação, pode-se concluir que tal conteúdo é proibido.41 A literatura constitucional apresenta argumentos que reforçam a linha argumentativa do Tribunal Constitucional. Hoffmann-Riem, um dos juízes que mais influenciaram a jurisprudência recente do Tribunal Constitucional, sustenta que, após cinco décadas de vigência da democracia constitucional alemã, o Estado e a sociedade estão suficientemente maduros para travar um debate de ideias aberto e plural, inclusive com aqueles que se declaram seus inimigos.42 Poscher e Kniesel foram ainda mais contundentes.43 Para eles, aqueles que defendem uma visão da democracia e da Constituição segundo a qual manifestações

Cf., nesse sentido: VGH München, NVwZ 1992, p. 76; OVG Münster, DVBl, 2001, p. 584. BVerfGE, 111, 147. 40 BVerfGE, NJW 1993, 916 (917). 41 HOFFMANN-RIEM, Neuere Rechtsprechung, p. 261. 42 HOFFMANN-RIEM, Neuere Rechtsprechung, p. 265. 43 KNIESEL/POCHER, Die Entwicklung, p. 427 e ss. 38 39

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e ideias extremistas devam ser de plano excluídas do debate público de ideias abraçam uma visão ingênua e idealista do processo democrático de debate e formação de ideias. É evidente, dizem os autores, que a Lei Fundamental como um todo é contrária ao pensamento nazifascista. A origem histórica e a concepção teórica desse documento levam facilmente a essa conclusão. A questão é na verdade como e de que forma essa finalidade pode ou deve ser alcançada. Uma das formas de conceber essa relação entre desiderato e efetividade da Lei Fundamental vê o debate entre ideias, manifestações e pensamentos como parte fundamental do jogo que leva ao progresso contínuo, mas nunca completo, da democracia. Democracia, nesse sentido, não é só a aceitação da diferença, mas também a aceitação dos defeitos e desvios do pensamento. Pensar e agir democraticamente são formas não apenas de tolerância ou respeito, mas de aceitação das limitações da própria força normativa da Constituição. Democracia, nesse primeiro sentido, não é só a forma de governo que aceita a pluralidade, mas também a que aceita a imperfeição e se aceita como imperfeita. A segunda forma de tratar essa questão seria exigir que o ideal almejado pela Constituição fosse prontamente alcançado, que os inimigos da democracia fossem rapidamente rotulados, calados e excluídos, que não houvesse nenhuma válvula de escape para o pensamento fixo e pronto, desde sempre presente no texto constitucional. A ideia ou manifestação que estivesse em desacordo com esse ideal de perfeição constitucional seria posta na clandestinidade. Essa forma radical e intolerante de democracia pode ser defendida de diversas formas – uma visão absoluta e intransigente da proteção dos direitos humanos seria uma delas. Mas nenhuma delas é capaz de afastar a percepção de que não é ela a forma de democracia criada pela Lei Fundamental de 1949.

Liberdade de reunião: novos horizontes, antigas questões Como já mencionamos na introdução, direito à manifestação e exercício da democracia são elementos inseparáveis. Por isso mesmo, a regulação dessa relação é um exercício constante, que exige reflexão jurídica e debate social sérios. Não há razão para se espantar que muitas questões estejam em aberto. No Brasil, o ciclo de manifestações iniciado em junho de 2013 trouxe várias dessas questões ao debate público. O que é uma manifestação pacífica? Manifestantes podem vestir máscaras ou vestimentas de guerra? A reunião pode ocorrer em espaços públicos e privados? Com base no exposto e no que dispõe a Constituição brasileira de 1988, apresentamos aqui nosso entendimento a respeito dessas questões. Pacífica é a manifestação não beligerante e não armada. A reunião proibida constitucionalmente é, portanto, aquela que apresente, concomitantemente, um elemento intencional (subjetivo) e um elemento de fato (objetivo), que, conjugados, apresentem

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grave potencial de dano a direitos de terceiros.44 Se a manifestação foi organizada com a intenção de lesar, destruir, causar danos ou dilapidar bens públicos ou privados, existe o elemento subjetivo da proibição constitucional. Mas só a intenção de lesar não é suficiente se os manifestantes não dispõem de meios materiais suficientes para tanto.45 Por isso, é preciso que a manifestação seja “armada”. Os meios empregados pelos manifestantes devem ser idôneos para realizar a lesão intencionada. Para a proibição legítima do direito à reunião, não é suficiente, portanto, constatar que “objetos” foram arremessados pelos manifestantes. Se esses “objetos” forem rosas, penas, ovos ou tomates, não há potencial lesivo suficiente que justifique a dissolução da manifestação. É correta a orientação do Tribunal Constitucional alemão quanto a esse ponto: uma interpretação demasiadamente ampla do termo pacífico, que exclua do âmbito de proteção do direito de reunião toda e qualquer possibilidade de lesão, equivale a uma negação desse direito. Isso não quer dizer que a pessoa que eventualmente se sinta lesada com o arremesso desses objetos esteja desamparada. Ela poderá pleitear em juízo o ressarcimento de eventuais danos que vier a sofrer – uma camisa manchada ou um carro amassado por ovos, por exemplo. Nada disso é motivo, contudo, para levar à proibição ou dissolução da reunião. A conclusão contrária simplesmente impossibilitaria todo tipo de manifestação satírica e o happening, que são expressões de descontentamentos legítimos, que invariavelmente causam inconvenientes. A vida em democracia nem sempre é completamente agradável a todos os membros da sociedade. E aceitar esse fato é o primeiro passo para a construção de uma convivência pacífica.

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Uma análise semelhante é encontrada em: SACHS, Verfassungsrecht II: Grundrechte, p. 358. O raciocínio vale para uma suposta manifestação, para utilizar o exemplo do Ministro Nelson Jobim, que ocorra em frente a um hospital. A proibição dessa manifestação dependeria, antes de mais nada, de verificar se esse ato tem a intenção específica de incomodar doentes, caso em que sua própria legitimidade constitucional passa a ser questionável, ou se ela quer favorecê-los, clamando, por exemplo, pela melhoria do atendimento médico hospitalar. Ademais, se os, mais uma vez supostos, autofalantes utilizados pelos manifestantes não apresentam a capacidade objetiva de incomodar os enfermos – seja porque as paredes do hospital têm proteção acústica, seja porque os autofalantes têm pouca amplitude sonora – não há razão para se limitar o exercício do direito de manifestação. Todas essas questões deveriam anteceder à constatação de um conflito de direitos fundamentais, pois em todos esses casos a solução será simplesmente negar ou afirmar a proteção do direito fundamental protegido. Ao invés disso, o que se observa na jurisprudência recente é a busca por generalizações e ponderações abstratas, nas quais os direitos são ditos “não absolutos” e a sua proteção, “relativa”. O resultado dessa orientação não é só o perigo de uma perda do conteúdo normativo dos direitos fundamentais (a esse respeito, cf.: Ernst-Wolfgang Böckenförde, Zur Lage der Grundrechtsdogmatik, p. 59), mas também uma desorientação da jurisprudência e da dogmática constitucionais, que, ao invés de buscarem pontos de convergência e identificação entre prática e teoria, recorrem constantemente à metáfora da ponderação de bens e direitos constitucionais, sem indicar qual critério ou finalidade norteia essa ponderação. Não é de se espantar que, nessa situação, prolifere a discussão acerca do ativismo judicial. Afinal, quem não concorda com uma decisão que não apresenta nenhum ponto de reflexão e orientação além da busca pelo equilíbrio de direitos fundamentais não tem outra saída a não ser dizer que essa decisão é ativista. Ao contrário, quem concorda com o resultado de uma tal decisão só pode dizer que essa decisão não é ativista, pois aplica os “valores” constitucionais na justa medida. Isso até que esse último se confronte com uma decisão que contrarie seus interesses. Nesse caso, as posições se invertem e assim por diante, em um jogo sem fim de oposições e desorientações que tornam a proteção dos direitos fundamentais cada vez mais fluida e os resultados práticos dessa proteção, indeterminados.

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Questão relevante e pouco debatida na literatura constitucional brasileira é a definição do termo “arma” (art. 5º, XVI, da Constituição Federal de 1988). A reunião proibida é aquela em que todos os manifestantes portam armas? E o porte de armas permitido pela legislação também pode servir de fundamento para a dissolução de uma manifestação? Quanto à primeira questão, três situações devem ser consideradas. Na primeira, todos os participantes da reunião portam armas. Na segunda, só uma pequena parte deles tem o porte. Finalmente, na terceira hipótese, a pequena parte porta a arma, mas a grande maioria dos participantes sabe e apoia essa atitude. As primeiras situações nos parecem mais simples: a primeira reunião é proibida; a segunda, permitida. A terceira hipótese é complexa e exige mais cuidado para analisá-la. A chave para sua solução se encontra na conjugação do elemento subjetivo da reunião: se os demais participantes apoiam o porte da arma e sabem que ele tem a finalidade de ferir ou prejudicar terceiros ou participantes da reunião, tal manifestação deve ser proibida. Ao contrário, se os demais manifestantes sabem que pessoas armadas participam da manifestação, mas não consideram a possibilidade de tais armas serem utilizadas para ferir ou causar danos, essa reunião deve ser permitida. Decisivo para a admissibilidade da dissolução da reunião é a intenção e a beligerância do todo ou da maior parte dos participantes. Se a agressividade vem de uma pequena parte deles, não é possível proibir a reunião. Nesse caso, a solução é impedir a manifestação daqueles que insistam em portar armas, não a dissolução da manifestação. Já no que diz respeito à qualificação do “porte de arma”, duas questões devem ser consideradas. Ambas estão relacionadas com a Lei Federal nº 10.826/03, que regulamenta o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo. A primeira questão é se só o porte das “armas” referidas nessa lei pode ser motivo para a dissolução da reunião. Nossa resposta é negativa. Ao criar essa regulamentação, a lei penal não tinha outro objetivo senão regular e controlar a circulação e a quantidade de armas à disposição da população.46 A regulamentação do direito constitucional à liberdade de reunião passou bem longe dessa intenção legislativa. Por isso, para os fins da proibição de reuniões, “arma” não é necessariamente “arma de fogo”. Basta que os manifestantes portem, por exemplo, facas, tacos, tacapes, barras de ferro, e que tenham a intenção de ferir ou causar danos, para que a proibição constitucional tenha incidência.47

O fato de tal lei ter criado um órgão especialmente direcionado à identificação, ao controle e ao cadastro de armas (Sinarm – Sistema Nacional de Armas) indica essa finalidade. 47 Nesse sentido, conferir o artigo 3º da Lei nº 15.556, de 29 de agosto de 2014, do Estado de São Paulo, que restringe o uso de máscaras ou qualquer paramento que oculte o rosto da pessoa em manifestações e reuniões: “Art. 3º – À proibição constitucional de portar armas nas manifestações e reuniões públicas, incluemse as de fogo, as armas brancas, objetos pontiagudos, tacos, bastões, pedras, armamentos que contenham artefatos explosivos e outros que possam lesionar pessoas e danificar patrimônio público ou particular”. 46

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Enfim, a autorização legal do porte de armas de fogo por certos grupos de pessoas – policiais ou seguranças privados, por exemplo – traz consigo a questão da possibilidade de esses grupos realizarem manifestações armadas. Nessa linha, seria possível argumentar: se a legislação48 autoriza que tais classes portem armas diariamente, não há motivo para proibir o porte em suas reuniões ou manifestações. Esse argumento não é convincente. Ele desconsidera que a manifestação pública é um ato com características peculiares. Não é raro que manifestantes e contramanifestantes se encontrem e também não é incomum que manifestações desagradem ou causem grande desconforto a terceiros. É uma situação extrema, na qual não só os integrantes da manifestação, mas também indivíduos que por ela são afetados, se encontram em uma situação de grande ansiedade e pressão psicológica. Essa é uma das razões da proibição constitucional. Por isso, pouco importa que o grupo que realiza a manifestação tem autorização para o porte de arma. Toda reunião armada foi constitucionalmente proibida. Questão diversa, mas relacionada, está na possibilidade de os participantes da manifestação usarem máscaras ou panos que escondam o rosto.49 O elemento

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Art. 6º da Lei nº 10.826/03, regulamentada pelo Decreto nº 5123/2004. A polêmica a esse respeito é grande no Brasil. O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, editou a Lei nº 6.528, de 11 de setembro de 2013, que, em seu art. 3º, inciso IV, e §3º, prevê: “Art. 3º – O direito constitucional à reunião pública para manifestação de pensamento será exercido: [...] IV – sem o uso de máscaras nem de quaisquer peças que cubram o rosto do cidadão ou dificultem sua identificação; [...] §3º – A vedação de que trata o inciso IV do caput deste artigo não se aplica às manifestações culturais estabelecidas no calendário oficial do Estado”. O Estado de São Paulo também editou a Lei nº 15.556, de 29 de agosto de 2014, proibindo o uso de mascaras em protestos. No interior do Estado de São Paulo, mesmo antes da edição da referida lei, decisões judiciais proibiram o uso de máscaras por manifestantes. Também surgiram, em alguns municípios, como Campinas, propostas de lei para a proibição completa dessas condutas. A proposta enviada pelo Ministério da Justiça para regulamentar o direito à liberdade de reunião foi na mesma linha. Também há um intenso debate nos meios de comunicação a esse respeito. Os argumentos mais diversos foram lançados, muitas vezes aleatoriamente. Dois exemplos: um representante da defensoria pública do Estado de São Paulo sustentou, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, que dita lei seria formalmente inconstitucional, pois, a seu ver, só leis penais podem restringir a liberdade e tais leis só podem ser editadas pelo congresso nacional (Caderno Poder, dia 5 de julho de 2014). Não se sabe o que o dito defensor entende por “liberdade”, pois se é certo que só o Congresso Nacional tenha competência para legislar sobre matéria penal (art. 22, I, CF), ao Estado e ao Município competem criar condições para que se realize a mobilidade urbana de pessoas e veículos, objetivo esse que também pressupõe a restrição da liberdade de locomoção – por meio da determinação da mão de direção de uma via, por exemplo. Esses são dois aspectos distintos e inconfundíveis do regime de restrições do direito fundamental à liberdade de ir e vir – aquele decorre de uma condenação, este, de uma regulamentação do exercício desse direito. Sendo assim, seria primeiro preciso determinar se a proibição do uso de mascaras em manifestações é uma pena – caso, deveras implausível, em que sua instituição competiria à União – ou uma regulamentação do exercício do direito, caso em que compete aos Estados e Municípios. Afirmar simplesmente que a instituição dessa “limitação” é uma competência exclusiva da União é concluir, sem previamente determinar, a premissa da conclusão. Segundo exemplo: um representante de uma organização de direitos humanos sustentou que a restrição do uso de mascaras é contrária ao direito à presunção de inocência, “já que não é possível prever que manifestantes com o rosto coberto cometerão crimes” (Projeto que proíbe máscaras durante protestos é aprovado em SP, disponível em: , último acesso em 2 de agosto de 2014). A afirmação contém contradição interna, pois se o manifestante tem o direito fundamental de trajar mascaras ou vestimentas em atos públicos, o princípio da presunção de inocência, que só incide quando alguém tenha de se defender da acusação da prática de um crime, não deve nem mesmo aplicação. O paradoxo é interessante, pois indica o que se esconde por detrás da consciência coletiva: nem mesmo o mais ardoroso

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distintivo para a proibição do uso dessas vestimentas deve mais uma vez ser a intenção beligerante dos manifestantes. Máscaras que ironizem governantes são comuns em manifestações e representam uma forma legítima de manifestação de pensamento. A mesma conclusão vale para máscaras que estejam relacionadas a orientações religiosas. Restringir, em abstrato, a expressão de crenças e ideias dos manifestantes é um ato desprovido de autorização constitucional. A Constituição assegura a inviolabilidade de crença e religião, o que seria suficiente para afastar qualquer possibilidade de controle sobre a vestimenta de fundo religioso (Burcas ou Niqabs, por exemplo) utilizada por manifestantes. Aliás, há um forte potencial discriminador na atitude do governante ou juiz que autoriza que manifestantes se vistam de uma forma e não de outra. Essa conclusão não é afastada pelo inciso IV do artigo 5º, da Constituição de 1988, que assegura a expressão de pensamento, mas veda o anonimato.50 Primeiro porque não há reunião anônima: os manifestantes querem visibilidade para suas ideias e ocupam espaços públicos ou privados com essa intenção. Se o objetivo fosse o anonimato, ficariam em casa. Segundo porque, se um oficial de polícia verificar a necessidade de identificar algum dos manifestantes, basta que exija sua identificação civil. Só na falta desta, será o manifestante submetido à identificação criminal.51 Tudo isso independe de o manifestante vestir ou não máscaras. Finalmente, se alguns manifestantes não querem ver seu rosto exposto em meios de comunicação, mas querem expressar seu descontentamento ou indignação, o uso de máscaras se torna forma de exercício do direito de personalidade e imagem. Exigir que o manifestante se exponha da maneira pretendida pelo Estado é uma violação a esses direitos fundamentais. Só há uma hipótese em que a utilização de máscaras em manifestações é constitucionalmente proibida: se a vestimenta indicar a realização de um ato de caráter paramilitar. Quando for comprovado que, ao utilizarem máscaras, os manifestantes indicam a intenção comum de praticar atos de vandalismo, será admitida a proibição da vestimenta. Como observa Hoffmann-Riem em relação à utilização de uniformes militares ou símbolos de guerra, o ônus da prova recai aqui sobre a Administração Pública.52 Na dúvida, a máscara deve ser permitida.

defensor da liberdade de manifestação consegue fugir da tentação de considerar o seu exercício como uma forma de atividade criminosa. 50 Em sentido contrário, conferir o editorial da Folha de São Paulo, intitulado Equívoco Mascarado, publicado no dia 15 de julho de 2014, e o artigo de Beatriz Horbach na edição de 6 de julho de 2013 do Observatório da justiça constitucional, Disponível em: . Acesso em: 19 mar. 2014. 51 Conferir, nesse sentido, o art. 5º, LVIII, Constituição Federal de 1988: “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”. 52 HOFFMANN-RIEM, Neuere Rechtsprechung, p. 264.

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Finalmente, há a questão do local em que a reunião é admitida. A esse respeito, a Constituição brasileira segue um caminho diverso da alemã.53 No Brasil, o texto constitucional autoriza a realização de reuniões em “locais abertos ao público”.54 A expressão indica que não importa se o local da reunião é uma propriedade pública ou privada – esse critério de distinção poderia ser aplicado se a Constituição brasileira dissesse “local aberto e público”, mas não é o caso. Na falta de lei que defina o que a expressão constitucional significa, quatro possibilidades devem ser consideradas. Na primeira, a reunião ocorre em local de propriedade pública e aberto ao público; na segunda, ela é convocada para um local que pertence à Administração Pública, mas fechado ao público; na terceira, a manifestação acontece em local pertencente a particulares, mas aberto ao público; por fim, na quarta hipótese, os manifestantes pretendem se reunir em propriedade particular, fechada ao público. As duas primeiras situações são resolvidas pela legislação administrativa. Bens públicos de uso comum do povo – praças e avenidas, por exemplo – são, por definição, abertos ao público. A manifestação nessas localidades está autorizada. Já prédios que pertençam à Administração Pública, mas onde o acesso seja restrito aos funcionários públicos, são localidades em que a manifestação é proibida. A sede de uma Prefeitura se enquadra nessa classe de bens. Por outro lado, a sede do Poder Legislativo é um caso especial em que o local de trabalho do funcionário público tem a característica de ser necessariamente aberto ao público. Isso porque, por definição, Parlamento é o local destinado à expressão e ao debate público de ideias. Não há como proibir a realização de manifestações convocadas para essas localidades. As situações mais problemáticas ocorrem quando a reunião ocorre em local aberto ao público de propriedade privada. Como distinguir esses espaços e os locais privados fechados ao público, onde a liberdade de reunião não pode ser exercida? Uma vez que a legislação civil brasileira não define a figura do “bem particular aberto ao público”,55 devemos buscar critérios e indicações no próprio texto constitucional. Uma possível diferenciação pode ser desenvolvida com a análise da concorrência – não colisão,56 pois não se trata de medir o peso concreto dos direitos fundamentais – entre os direitos à liberdade de reunião e inviolabilidade de domicílio. A legislação civil e a jurisprudência brasileiras seguem uma interpretação ampliativa do direito à

Na Alemanha o artigo 8º da Lei Fundamental cria dois regimes distintos de restrições ao exercício do direito de reunião. O primeiro, sem reserva legal, é aplicado às reuniões realizadas em locais fechados; o segundo, com reserva de regulação em lei, dirige-se às manifestações que ocorrem a céu aberto (unter freiem Himmel). 54 Destacamos. 55 O art. 98 do Código Civil brasileiro se contenta com a distinção entre bens públicos e particulares. 56 A distinção entre esses conceitos é encontrada em: DIMOULIS; MARTINS, Teoria geral dos direitos fundamentais. 3. ed., São Paulo: RT, 2011, pp. 160 e ss. De forma semelhante, na doutrina alemã: SCHLINK/PIEROTH, Staatsrecht II: Grundrecht, pp. 76 e ss; Lothar H. Fohmann, Konkurrenzen und Kollisionen im Grundrechtsbereicht, EuGRZ, 1985, pp. 52 a 54. 53

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inviolabilidade domiciliar: não só o local de residência particular, mas também o local de trabalho são locais protegidos por força da incidência do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio.57 Em abstrato, a incidência dessa proteção constitucional afasta o direito à liberdade de reunião. Só quando as características específicas e concretas do local de trabalho indicarem a necessidade de inversão dessa presunção é que poderá ser admitida a reunião em locais privados. O movimento grevista que ocupa uma agência bancária ou uma indústria é um exemplo, aqui sim, de colisão concreta de direitos fundamentais.58 Nesses casos, a proibição do exercício de um direito fundamental representa a proteção de outro direito fundamental.59 Nesses casos, a técnica da proporcionalidade e da proibição de excessos (Übermassverbot) oferece parâmetros doutrinários para a aferição concreta da legitimidade da restrição ao direito fundamental afetado. Já os casos que envolvem a ocupação de centros privados de compras,60 ou a manifestação em locais de domínio público cuja administração tenha sido concedida à iniciativa privada,61 por exemplo, contêm uma especificidade que faz presumir a legitimidade da reunião convocada para ocorrer em seu interior: em ambos os casos, a atividade privada pressupõe a circulação do público no local de domínio privado. A abertura desses centros à convivência de pessoas com interesses e ideais democráticos diversos é elemento essencial e inseparável da própria atividade do titular do bem privado. Na verdade, a empresa que oferece tais serviços e comodidades ao público lucra com a circulação de pessoas no interior. O aluguel de espaços em centros de compras e de outdoors em aeroportos é medido em função do poder aquisitivo e da quantidade de pessoas que circulam nesses locais. É um contrassenso admitir que o particular possa usufruir do benefício trazido pela circulação do público em situações de normalidade sem assumir os ônus diretamente relacionados a esse fato, que podem surgir em outras situações, nas quais o público expresse suas críticas e seus descontentamentos. O público é um só e não pode ser separado entre “público bom” e “público ruim” para os negócios privados. E as manifestações de descontentamento

Nesse sentido, cf. os arts. 70 e 72 do Código Civil e o julgamento do Mandado de Segurança 23.595/DF, relator Ministro Celso de Melo, publicado no Informativo de Jurisprudência 185/2000. 58 Essa situação de conflito de direitos fundamentais tanto é admitida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que há Súmula Vinculante (n. 23) regulando a competência para a solução dessa controvérsia. 59 Trata-se aqui de uma relação triangular envolvendo dois titulares de direitos opostos, em que o direito fundamental serve de parâmetro para a aferição da legitimidade da regulação estatal desse conflito. A doutrina constitucional alemã recente considera que essa é uma situação típica em que direitos fundamentais surgem como direitos reflexivos, vez que incidentes em casos de relações já ordenadas de direitos. A esse respeito, cf.: Ralf Poscher, Grundrechte als Abwehrrechte: reflexive Regelung rechtlich geordneter Freiheit, Tübingen: Mohr Siebeck, 2003. 60 Nos primeiros meses de 2014, o Brasil presenciou uma onda de casos em que “manifestações” eram convocadas para ocorrer no interior de Shopping Centers. Esses encontros passaram a ser chamados de “rolezinhos”. 61 Foi a situação enfrentada pelo Tribunal Constitucional alemão em Fraport (BVerfGE 128, 226). 57

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são parte do jogo democrático e da relação que todos, uns mais e outros menos, têm com o público. O titular particular tem a liberdade de exercer a atividade que mais lhe agrade ou que lhe dê maior lucro. Se sua escolha é trabalhar com a circulação do público em seus estabelecimentos, deve assumir a responsabilidade de sua escolha. No que diz respeito ao direito de manifestação, ele não pode proibir a realização de reuniões pacíficas no interior de sua propriedade.

Observações finais Apresentamos neste estudo duas perspectivas diferentes do direito de reunião: a alemã e a brasileira. Observamos os pontos de contato entre elas, mas também como elas se distanciam. O passado autoritário aproxima os dois países. Ambos sabem que a ditadura se alimenta do controle da consciência e expressão. E sabem que impedir o exercício do direito de reunião é uma das formas mais perversas desse controle. Por isso, a jurisprudência atual, tanto a brasileira quanto a alemã, tem tido muita cautela ao analisar os limites, constitucionais ou legais, do direito de manifestação pacífica. E aqui está um ponto de afastamento: a regulação legislativa e a grande quantidade de decisões judiciais foram os elementos que fizeram surgir, na Alemanha, um intenso debate doutrinário e público acerca das características e da forma de exercício legítima do direito de reunião. Recentemente, o Brasil tem vivido um quadro de proliferação de manifestações e a perspectiva de criação de uma nova base normativa para regular esse direito fundamental. Observar a experiência internacional e apresentar de forma clara os contornos dogmáticos do direito de reunião pode ser o primeiro passo, de muitos, na construção de um modelo – sempre inacabado – de democracia fundado na liberdade de manifestação social. Nesse trabalho, buscamos contribuir para que seja dado esse passo.

Abstract: The text presents the dogmatic features and contours of the fundamental right to free assembly in the Brazilian and German constitutional law. Addresses controversial issues and judicial precedents from these two countries. Finally, analyzes and proposes solutions to current problems of freedom to assembly and discusses the relationship of its exercise with the development of democracy. Key words: Fundamental rights. Freedom of assembly. The right to demonstrate. Comparative constitutional law.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): DIAS, Roberto; DE LAURENTIIS, Lucas. Liberdade de reunião e democracia: reflexões a partir das experiências brasileiras e alemãs. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo Horizonte, ano 8, n. 30, p. 649-669, set./dez. 2014.

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