LIBERDADE E FUNDAMENTO NO PROJETO DA METAFÍSICA DO DASEIN DE HEIDEGGER

June 9, 2017 | Autor: Victor Marques | Categoria: Phenomenology, Martin Heidegger, Heidegger
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LIBERDADE E FUNDAMENTO NO PROJETO DA METAFÍSICA DO DASEIN DE HEIDEGGER VICTOR HUGO DE OLIVEIRA MARQUES RESUMO

O artigo que segue expõe a primeira discussão de fôlego de Heidegger sobre a liberdade depois de S   . Ela aparece nos escritos onde o filósofo se debruça sobre a questão do fundamento, de modo a evidenciar seu horizonte de compreensão ontológico e a distanciar das tradições racionalistas e voluntaristas. Assim, o objetivo desse artigo é reconstruir a relação que Heidegger faz entre liberdade e fundamento em dois momentos: mostrar como a liberdade é um modo de ser fundamental do Dasein; e por segundo, asseverar de que modo essa liberdade é condição de possibilidade para a própria compreensão do fundamento. PALAVRAS-CHAVE Em-vista-de. Liberdade. Fundamento. Ontologia. Heidegger. * Graduado em Filosofia pela UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO (2006), e Mestrado em Filosofia pela UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS (2012). Atualmente é professor titular do Curso de Filosofia da UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO; professor convidado do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Ensino em Filosofia, Sociologia e Religião na FACULDADE DE THEOLOGIA; pesquisador colaborador do Projeto de Pesquisa Epistemologia e educação em direitos humanos e Ética e educação em direitos humanos, ambos, da UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL, estudante colaborador do Projeto de Pesquisa História da fenomenologia e Hermenêutica da UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA; e coordenador do Projeto de EXTENSÃO FILOSOFIA EM CENA DA UCDB.

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Kalagatos - REVISTA DE FILOSOFIA. FORTALEZA, CE, V. 11 N. 22, VERÃO 2014

Recebido em ago. 2014 Aprovado em dez. 2014

MARQUES, VICTOR HUGO DE OLIVEIRA. LIBERDADE E FUNDAMENTO NO PROJETO DA METAFÍSICA DO DASEIN DE HEIDEGGER. P. 419-443.

ABSTRACT

This article gives an account of Heidegger’s first deep discussion about freedom after Being and Time. It appears in the writings where the philosopher focuses on the ground question, in order to highlight its horizon of ontological understanding and the distance of the Rationalist and Voluntarist traditions. Therefore the aim of this article is to rebuild Heidegger’s connection between freedom and ground in two moments: to show like the freedom is a way of being fundamental of Dasein; and secondly assure that this “freedom” is the condition of possibility toward the own understanding of ground. KEYWORDS For-the-sake-of. Freedom. Ground. Ontology. Heidegger.

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Ao final dos anos 20, depois de Ser e Tempo, Heidegger ministrou um curso no seu último semestre de verão de Marburg antes de ir para Freiburg que recebeu o título de Lógica – publicado anos mais tarde em suas Obras Completas (Gesamtausgabe, n. 26) sob o título: Os fundamentos metafísicos da Lógica nos escritos de Leibniz – e, subsequente, publicou um texto em 1929, em comemoração ao 70º aniversário de Husserl, cujo tema é convergente com o curso sobre Lógica, mas sua metodologia é original, denominado Da essência do fundamento; em ambos, o filósofo traz à tona sua primeira discussão de fôlego sobre a liberdade. Essa discussão, no mínimo, pode ser vista sob dois âmbitos de compreensão: primeiro, ela não se refere a nenhum tipo de capacidade racional humana, nem mesmo a uma vontade cuja figura do sujeito ou uma subjetividade são pressupostas; e, segundo, está diretamente ligada ao problema do fundamento e da finitude humana. O           

liberdade em Heidegger diz respeito à dissociação com qualquer ato racional, tal como postulou a tradição racionalista que alcançou Kant, bem como sua origem volitiva que alcançou Schopenhauer, porque a liberdade não se comporta como uma propriedade humana, tal como o filósofo escreveu nos anos 30: O homem não possui a liberdade como uma propriedade, mas antes, pelo contrário: a liberdade, o ser-aí [Dasein], ek-sistente e desvelador, possui o homem, e isto tão originariamente que somente ela 421

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 ROBLEMATIZAÇÃO DA LIBERDADE

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ente em sua totalidade e enquanto tal, sobre o qual se funda e esboça toda a história (HEIDEGGER, 1979, p. 139).

Para Heidegger, compreender a liberdade como propriedade do homem é, de algum modo, pressupor a existência de um sujeito. Postular um sujeito livre para um mundo é movimentar-se em uma relação sujeitoobjeto. Ora, o que há com este tipo de relação que impede compreender a liberdade? Heidegger (1978) compreende que mais problemático do que tentar sustentar as polaridades desta relação isoladamente, é esclarecer a própria relação em si mesmo. Estabelecer uma relação sujeito-objeto, de certo, acaba por “omitir” e ao mesmo tempo “perder” o que é de mais essencial para ela. Aquilo que, segundo o filósofo, é omitido e perdido é o caráter do “entre”, aquilo que efetivamente faria a conexão entre sujeito e objeto e que a tornaria possível, pois poucos são os esclarecimentos sobre os fundamentos da inter-relação entre uma subjetividade e os seus objetos. Essa refutação, tão comum nos escritos heideggerianos, passa a ter importância no esclarecimento da questão da liberdade quando essa última é compreendida a partir de uma relação intencional, a saber, a partir de um “em-vista-de” (Umwillen)1 si mesmo. Essa proposição, contudo, requer maiores explicações. 1 Optou-se traduzir o termo Umwillen pela expressão “em-vistade” como forma de manter uma aproximação das terminologias fenomenológicas, principalmente, a intencionalidade, evitando, assim, traduzi-lo literalmente como: “por-causa-de”,” em-razãode”, ou ainda, como na tradução portuguesa, “por mor de”. Nossa tradução, ainda, se aproxima da tradução de Blanc (1998, p. 298), que a faz utilizando o termo “intenção”.

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à medida que ele transcende em direção ao mundo, tem por movimento uma relação em-vista-de, o que significa dizer que a transcendência do Dasein para o mundo constitui fundamentalmente um movimento intencional. Fenomenologicamente, essa relação intencional, que determina a existência do Dasein, é preenchida em sua visada pelo si-mesmo, pelo próprio ser do Dasein: Em-vista-de-seu-ser é uma determinação essencial do Ser do ente que denominamos Dasein. Essa constituição que agora brevemente chamaremos emvista-de, oferece a intrínseca possibilidade de esse ente poder ser ele mesmo, ou seja, pertence a seu Ser a ipseidade (Selbstheit). No modo de um Mesmo, o ser quer dizer: Ser fundamentalmente para ser si mesmo. Este para-ser-si-mesmo (Zu-sich-selbst-sein) constitui o Ser do Dasein e não algo como uma capacidade adicional para observar-se, além da existência. Paraser-si-mesmo é a própria existência, apenas este paraser-si-mesmo deve ser compreendido em seu escopo metafísico e não ser restrito a alguma atividade ou capacidade ou para um modo de apreensão tal como o conhecimento ou apercepção (HEIDEGGER, 1978, p. 243-244, tradução nossa).

Vê-se que o Dasein é compreendido existencialmente como uma intencionalidade ontológica (em-vista-de) preenchida pela ipseidade (Selbstheit), o que quer dizer que ele é determinado “em-vista-de-ter-que-ser-si-mesmo” (Zu-sich-selbstsein). Em outras palavras, o Dasein em sua ipseidade direciona-se, preferencialmente, para si mesmo. 423

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