Liberdade para a narrativa da História

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Liberdade para a narrativa da História Antonio Caleari

Publicado em 09/2014. Elaborado em 12/2013.

Alguns  que  se  dizem  democráticos  e  pluralistas,  de  um  lado,  anuem  com  caricaturas  de Maomé, por outro, condenam as pesquisas acadêmicas que afrontam a versão oficial e popular do Holocausto. Com oito anos de diferença do análogo documento então subscrito por historiadores franceses (“Liberté pour l'Histoire”), um expressivo número de acadêmicos brasileiros fez divulgar, há pouco, em alusão à polêmica das biografias, manifesto no qual clamam contra a censura prévia estabelecida no Código Civil. Falar­se  em  liberdade  para  a  narrativa  da  História,  seja  a  de  personalidades  públicas  ou,  de  uma  forma  geral,  de  fatos sensíveis  para  humanidade,  remete  diretamente  à  outra  controvérsia,  esta  de  dimensões  internacionais:  a  Revisão Histórica  do  Holocausto  Judeu.  Trata­se,  neste  caso,  da  discussão  sobre  a  legitimidade  da  criminalização  do  assim chamado “negacionismo”. Num  momento  em  que  a  opinião  pública  se  vê  desafiada  com  a  pauta  das  biografias  desautorizadas,  não  podemos negligenciar  aqueles  que,  muito  pior  do  que  a  “mera”  censura  aos  seus  trabalhos,  estão  presos  por  veicularem  opiniões divergentes da estatuída “versão oficial da História”. Os limites da intervenção do Estado em face do direito à Liberdade de Expressão devem ser debatidos não apenas na esfera cível, mas, especialmente, na seara penal. E cumpre aqui informar que se encontra em tramitação um projeto de lei federal que  visa  a  instaurar  no  Brasil  uma  censura  para  muito  além  das  biografias,  atingindo  também  eventos  históricos determinantes para a compreensão da ordem mundial em que vivemos. Surpreende­me  que  os  mesmos  acadêmicos,  praticamente  uníssonos  em  defender  a  liberdade  para  alguns,  silenciem  no caso  de  outros.  A  sociedade  nutre  expectativas  de  que  a  comunidade  científica  tenha  também  a  coragem  de  adotar  um resoluto posicionamento sobre a iniciativa que propõe inaugurar um delito de opinião em nosso ordenamento (PL 987/07). Tutelar­se  juridicamente,  seja  uma  “verdade  histórica”  ou  a  “memória”  (coletiva  e  individual),  associadas  tanto  aos pretendidos  dogmas  sobre  a  Segunda  Grande  Guerra,  como  à  limitação  biográfica,  é  de  uma  significância  ímpar  para  o cenário constitucional; verdadeiro marco decisivo na política brasileira. Esta apropriação da História pelo Direito deve ser francamente rechaçada por todos aqueles comprometidos com a liberdade de manifestação do pensamento. Vale frisar que a defesa da liberdade de expressão de uma ideia não implica na concordância com o seu mérito. Retomemos aquele notório aforismo de Voltaire: “posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê­las”. O  processo  de  emersão  de  ideias  que  afrontam  o  establishment  encontra,  por  vezes,  resistência  antes  fundada  no  puro argumento  de autoridade do que na objetiva análise racional. Há de se desconfiar de toda apregoada “verdade absoluta” baseada na censura às vozes dissidentes. Daí a analogia que propus entre as atuais leis de proibição do Revisionismo com o obscurantismo da época em que constituía heresia questionar a “notabilíssima” teoria geocêntrica. Carece  de  reconhecimento  a  patente  moral­dupla  de  alguns  Estados  (e  intelectuais)  do  Ocidente  que,  ditos esclarecidamente  democráticos  e  pluralistas,  de  um  lado  anuem  com  as  caricaturas  de  Maomé,  mas,  por  outro  lado, condenam as pesquisas acadêmicas que afrontam a moderna religião do Holocausto. Cui bono?

Autor Antonio Caleari

Bacharel  em  Direito  pelo  Largo  de  São  Francisco  (FD­USP)  e  autor  do  livro  “Malleus Holoficarum:  o  estatuto  jurídico­penal  da  Revisão  Histórica  na  forma  do  Jus  Puniendi versus Animus Revidere” (Chiado Editora: Lisboa, 2012).

Site(s):

 

www.malleusholoficarum.com.br www.revisionismo.com.br

Informações sobre o texto Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT) CALEARI, Antonio.  Liberdade  para  a  narrativa  da  História.  Revista  Jus  Navigandi,  Teresina,  ano  19,  n.  3872,  6 fev. 2014. Disponível em: . Acesso em: 19 maio 2015.

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