Liberdade programada; por um conceito de Reprodutibilidade Técnica da Lógica

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Liberdade Programada:
por um conceito de reprodutibilidade técnica da lógica
Orlando Lima Pimentel



RESUMO:

O texto que se segue pretende abordar o problema da Liberdade de
Expressão associado ao do desenvolvimento de Tecnologias da Informação e
Comunicação, em geral, sob um ponto de vista tanto histórico quanto
crítico. Para tanto, propõem-se basicamente duas coisas: olharmos a
"internet", websites, redes sociais, Skype, emails e qualquer ferramenta de
comunicação informacional tal qual aquilo que são: um software programável,
portanto, pertencente a estrutura própria da indústria da informática e à
indústria da eletrônica. Em segundo lugar, defende-se a necessidade de
criação do conceito de Reprodutibilidade Técnica da Lógica, com o qual
poderíamos compreender os cerceamentos econômico-estruturais da liberdade
de expressão através dos novos meios

ABSTRACT:

The following text intend to approach the problem of Freedom of
Expression associated with the development of Informational and
Communicational Technology, in general terms, from a historical and
critical point of view. Therefore, two propositions are made: regarding the
"internet", websites, social networks, Skype, emails and any informational
communication tool as what they really are: programmable Softwares,
belonging to the informatics and Electronics industry own structure.
Secondly, we support the necessity of creating the concept of Technical
Reproducibility of Logic, with which we could comprehend the economic-
structural curtailment of the Freedom of Expression through the new media




Liberdade Programada:
por um conceito de reprodutibilidade técnica da lógica

Orlando Lima Pimentel


1. Introdução

A inevitabilidade do uso da computação para toda sorte de atividade
social de nossos dias não parece ter encontrado ainda uma lente adequada
com a qual pudéssemos mirar este fenômeno e suas consequências na própria
concepção que costumamos ter do que seja a computação e seus efeitos. Ao
nos perguntarmos quais seriam os impactos que tal convívio com a computação
nos traria, o foco do questionamento parece ser dirigido ao avanço das
novas mídias, da internet, do mundo virtual e do simulacro, mas muito pouco
ou quase nada se fala do que seja, de fato, a própria possibilidade de
computarmos logicamente dados de modo a operar as mais diversas tarefas em
um Notebook ou um I-phone, inclusive aquelas relacionadas à comunicação em
redes sociais. Que lógica é essa que parece pôr tudo em funcionamento
sozinha e ser estranha tanto ao usuário comum da internet quanto a qualquer
programador de softwares, que traz tantos novos efeitos e enche de tamanhas
expectativas dos generais do Pentágono aos trabalhadores que pagaram a
prazo seu novo I-phone?

De pouco ou nada adiantaria falarmos sobre, por exemplo, o papel da
internet na promoção da liberdade de expressão, ou como um instrumento de
vigilância quase onipresente em nossas vidas, se não pudéssemos propor
determinados conceitos-guia pelos quais o atual cenário pudesse ser
enquadrado em sua própria história e fundamentado no processo de
(re)produção específico, com finalidades específicas.

A história geralmente divulgada nos manuais de informática e de
ensinos técnicos de toda sorte é a de uma tecnologia desenvolvida por
grandes heróis da área. Uma história curta, omissa da complexidade dos
desenvolvimentos econômicos nos quais se insere e, portanto, muito distante
da perspectiva que pretendemos adotar neste texto. Numa história de grandes
heróis da área terminaríamos, inevitavelmente, por aceitar de bom grado a
separação entre trabalho manual e intelectual pressuposta para apontar os
"geniais" inventores, como se fossem de todo separados da corporeidade
manual dos mecanismos que hoje nos parecem tão enigmáticos, mas não são
mais do que produtos inseridos no contexto da atividade econômica humana.


2. A origem das Máquinas de Computação de Dados

Para começar nossa história, lembremos que para o desenvolvimento do
que hoje chamamos de "Computador", devemos remontar pelo menos ao séc XIX,
quando o tão aclamado Charles Babbage, junto a Ada Byron ( respectivamente,
o considerado pai da informática e a primeira programadora), propuseram uma
máquina de cálculos analíticos. Para tanto, Babbage relata que teve de
visitar uma diversidade de workshops em toda a Europa, nos quais inovações
manuais, produzidas por operários do chão de fábrica e engenheiros,
geralmente desenvolvidas para ganhar mais tempo e se livrar de trabalhos
desgastantes e perigosos na indústria da época, eram expostos. Era,
digamos, assim que a própria atividade manual, inseparável da intelectual,
mesmo em profissões consideradas menos qualificadas, geravam as condições
para que ideias de melhorias em maquinários e de novas técnicas viessem a
luz, sendo reunidas em grandes exposições de inovações produzidas, em
grande parte, pelos próprios trabalhadores. Em seu Livro "On The Economy of
Machinery and Manufactures" Babbage faz menção ao uso de cartões perfurados
de Joseph Jacquard – operário francês, condecorado por Napoleão pelo seu
invento que permitiu a aceleração e complexificação da produção de padrões
de costura na indústria têxtil – e de como este pequeno aparato poderia ser
empregado para guardar, fisicamente, indicações que poderiam tanto pôr em
funcionamento uma máquina capaz de reproduzir mecanicamente equações
matemáticas e lógicas, quanto receber, fisicamente, os resultados do
processamento de tais máquinas.[1]Estes cartões, invenção de um operário
francês, foram usados até meados da década de 80 do século passado, em
bancos de dados do mundo todo, sendo um dispositivo indispensável para
colocar em funcionamento os circuitos lógicos de Mainframes[2]

A grande novidade das máquinas que Babbage concebera, com a fusão de
técnicas advindas da diversidade técnica produzida no seio da atividade
industrial têxtil, da relojoaria e a partir de processos ligados ao que o
historiador das técnicas Maurice Daumas chamava de La Petite Mécanique[3],
era a possibilidade de reprodução de cálculos matemáticos e lógicos em
tabelas, com a indicação de operações mecânicas diversas que retornariam
resultados legíveis nos cartões perfurados de Jacquard, eliminando, assim,
parte do trabalho humano de reprodução de contas. Seu primeiro uso foi
junto à (re)produção de cálculos de tabelas astronômicas, tarefa árdua que
empregava profissionais da matemática, chamados de computadores. O termo
computador, portanto, não era empregado para se referir às máquinas de
processamento de dados que se tornaram disseminadas quase um século e meio
depois. Era, antes, um nome de um profissional inserido no processo de
divisão do trabalho, requerido em empreendimentos como o de recenseamento
de Estados, levantamento de dados acadêmicos e, como pretendemos defender,
toda sorte de atividade em que o que se exigia era a reprodução técnica de
operações matemáticas e lógicas. Comparação de dados, funções como "maior
que" e "menor que", operações matemáticas diversas, etc... passavam a ser
um fim ligado não apenas a questões da matemática ou lógica pura, eram,
antes, ligadas a demandas eminentemente úteis, com reflexos econômicos e
políticos. Grosso modo, chamamos de Reprodutibilidade Técnica da Lógica o
processo no qual a matemática e lógica, antes exercida por humanos (os
profissionais, computadores), passa a ter uma mediação maquinal cada vez
mais presente na tecnologia da informação e que substitui a tal ponto a mão-
de-obra humana que, hoje em dia, chamamos as máquinas de reprodução técnica
de computações, apenas de computadores, sem nos questionarmos se o
"computar" é uma atividade que poderia ser assim, tão inocentemente,
predicada às máquinas


3. Reprodutibilidade Técnica da Lógica (RTL)

Antes de prosseguirmos com nossas divagações quanto ao que poderíamos
chamar de uma espécie de pré-história da sociedade conectada por uma
diversidade de aparelhos eletro-eletrônicos que temos hoje, cabe
precisarmos o uso do termo "Lógica" que aqui fazemos. Seria uma pretensão,
fadada a um erro grosseiro, dizermos que o sentido da palavra "Lógica", que
emprego neste texto, é como aquele do Silogismo e das reflexões
metalinguísticas de Aristóteles e de tantos outros que estavam, mais ou
menos, ligados a uma tradição que não poderia conceber a Lógica como
desligada de questões metafísicas e ontológicas mais profundas sobre a
verdade e o real. Nosso sentido da palavra "Lógica" é aquele que aparece no
século XIX, no contexto da lógica matemática de autores que defendem uma
Lógica separada da Metafísica e operável através de Cálculo algébrico (com
George Boole); de mecanismos analíticos complexos (com Charles Babbage); ou
até mesmo através de Ábacos Lógicos (com o economista William Stanley
Jevons). Em quaisquer das varias formas de propor tal Cálculo Lógico, os
pressupostos que justificavam a importância dessa guinada matemática da
Lógica eram aqueles ligados à mecanização e correção da linguagem lógico-
matemática e à economia do trabalho intelectual e de tempo[4].
Não temos aqui a pretensão de esgotar ou sugerir uma linha causal com
a qual uma diversidade de autores estaria interligada historicamente em
suas concepções de economia da linguagem, nessa lógica útil e mecanizada.
Assumi-se o risco anacrônico de, portanto, adotar a concepção de
Reprodutibilidade Técnica da Lógica como um conceito que permite olharmos a
diversidade de técnicas do passado com uma possível unidade que encontra
saltos em direção de uma possibilidade de reprodução cada vez mais complexa
e refinada, que , de nenhum modo, como percebemos nos nossos dias de
vigilância através de verdadeiros panópticos da comunicação via internet,
representam um progresso rumo a emancipação maior do gênero humano dos
grilhões de sua atividade diária de trabalho.

Se hoje sofremos restrições em nossa Liberdade de Opinião na
internet, enquanto usuários de "máquinas computadoras", acredito que isso
se deva às restrições estruturais que desde o início foram impostas à
Reprodutibilidade Técnica da Lógica, enquanto um conjunto de técnicas que
fazem parte de um complexo tecnológico intimamente ligado aos
empreendimentos econômicos, cujo fim último é o acúmulo de Capital. A
concepção de economia de linguagem, de tempo e a ode pela correção dos
resultados lógico-matemáticos, no tratamento de toda sorte de dados, é
condição não apenas para o advento de uma sociedade da informação, mas para
a continuidade e desenvolvimento do Capitalismo, cada vez mais enraizado e
eficaz, na exploração da mão-de-obra, seja ela mais ou menos qualificada.
No entanto, que não deixa de ser o velho capitalismo de sempre.

A mentira das revoluções tecnológicas libertadoras continua a mesma.
Ela sempre prometia que as inovações técnicas permitiriam diminuir o tempo
socialmente necessário para a produção de toda sorte de bens de consumo,
graças ao emprego de máquinas substituidoras da mão-de-obra assalariada,
sobrando, idealmente, ao trabalhador, tempo para cultivar a poesia, a
pintura, uma vida de ócio criativo e fartura de recursos. É assim que até
mesmo as mais recentes aplicações de tecnologia ao corpo biológico humano,
inaugurantes de áreas como a biocomputação e a neuroengenharia, reivindicam
para si o epiteto de revolucionárias, não apenas para a comunidade
científica, mas para toda a sociedade, nos aspectos ambientais, econômicos,
logísticos, informativos, sanitários e até mesmo no que concerne ao
Marketing![5]

Neste ponto, algumas questões poderiam ser levantadas, de modo
crítico à R.T.L.. Não já estaríamos distantes dos velhos tempos em que
podíamos falar de uma atividade mecânica da lógica, já que hoje já se
conjectura até mesmo com a era dos computadores quânticos e da internet em
todas as coisas? Até que ponto o conceito de Reprodutibilidade Técnica da
Lógica contribui com a nossa reflexão sobre a atualidade da comunicação da
internet? Frente aos desenvolvimentos históricos, não seria possível também
encontrar contradições interessantes no uso de tais técnicas, que
permitissem, criar brechas na estrutura tecnológica reinante (para
recuperar a distinção feita por Marcuse entre técnica e tecnologia)[6],
evidenciadas pelo uso cada vez mais indispensável, da computação em geral e
da internet, por parte de movimentos sociais, (MST, EZLN, Movimento Passe-
Livre e tantos outros)[7]?

Antes de respondermos a primeira das perguntas cabe lembrar que a
ideia de uma divisão de trabalho para o processamento de tabelas de
contagem e operações matemáticas com os mais diversos dados não é uma mera
analogia com a enaltecimento da divisão do trabalho feita por Adam Smith em
seu "The Wealthy of Nations". Em "On The Economy of Machinery and
Manifectures", Charles Babbage descreve (Capítulo 20, On the division of
Labour, em "On the economy of Machinery and Manufacture") sua admiração
pela matemática estatística francesa, estimulada no período Napoleônico
através da figura de Gaspard de Prony a fim de ampliar o controle das
informações sobre estoques de armas, população, território, etc.. e que, em
grande parte, empregava a divisão de trabalho smithiana.

O que isso tem a ver com a computabilidade atual e a legitimidade do
conceito de reprodutibilidade técnica da lógica como uma guia para nossas
reflexões? Ora, do ponto de vista dos pressupostos econômicos, tudo. Seja
na informática Quântica, nas antigas máquinas de processamento mecânico e
analógico, ou os diversos circuitos eletroeletrônicos digitais, a divisão
social do trabalho se mantém, se complexifica e se aprofunda, utilizando,
mesmo no caso da computação quântica, a mesma ideia básica da reprodução
técnica da lógica. Se antes não se vislumbrava a aplicabilidade das
técnicas da computabilidade junto a outras áreas, para além da produção de
tabelas de cálculos lógico-matemáticos, isso não permite desprezarmos que,
mesmo a reprodutibilidade técnica da obra de arte - sonora, imagética, com
ou sem efeitos especiais, através ou não da internet[8] – encontra um ponto
de vista materialista, através do conceito guia de R.T.L.

Neste ponto podemos compreender melhor o porquê o conceito que
advogamos pode sim ser útil para avaliarmos as nossas expectativas quanto à
comunicação via internet, seja aquela feita através de redes sociais, seja
qualquer outra existente na comunicação via emails, chats, skype, e de toda
e qualquer forma de envio e recebimento de informações entre duas máquinas
de processamento de dados (não necessariamente um Computador pessoal, mas
também um celular, um console de jogos, um tablet, etc..). O conceito
permite propor uma história de desenvolvimento político-econômico, na qual
o tratamento e o processo de dados passa a ser visto enquanto uma
mercadoria, ou técnica auxiliar na produção de outras mercadorias.
Parafraseando o francês Gaspard de Prony, "nous ferons notre calculs comme
on fait les épingles"[9].


4. Ciberativismo

Se nos chocamos, de fato, com as revelações de Edward Snowden sobre a
vigilância da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos a toda e
qualquer tráfego de informação na rede de computadores mundial, se nos
indigna a perseguição de whistleblowers como Julian Assange e as
inoportunas e preocupantes espionagens até mesmo à presidência de nosso
país, esse espanto e revolta frente à realidade distópica que temos diante
de nós, para ser consequente numa perspectiva de transformação desse
cenário, deve se voltar para além da crítica ao mero funcionamento das
redes sociais, enquanto fóruns de discussão e troca de mensagens. Deve
poder traçar e propor, ainda que com lacunas teóricas frente à pouca
pesquisa na área, uma análise de conjuntura da indústria sobre a qual se
assenta todo e qualquer software, a fim de organizar uma luta não só pelo
Direito a Comunicação sem o controle ou a espionagem exercida por grandes
agência de inteligência e empresas privadas, mas também pela socialização
dos meios de produção e de reprodução dos computadores e seus Softwares.

WhistleBlowers sofrem mais do que uma perseguição tão somente
política. Sofrem uma limitação de sua liberdade de imprensa advinda de uma
repressão proveniente da organicidade do Sistema Capitalista, de Estados e
de Empresas que de alguma forma se favoreciam de seus vínculos com as
agências de inteligência do mundo afora (Não só no caso da NSA, Norte
Americana) e que tem como indispensável ferramenta o tratamento e filtragem
de dados, sejam lá quais forem.

Ainda que a rebatida concepção marxista, de que novas formas de
exploração das forças produtivas criam novas formas de resistência, seja
válida e possível de se enxergar na atividade de WhistleBlowers, não
podemos cair, no caso da indústria da comunicação, numa espécie de
ciberativismo cool e até mesmo glamoroso que se torna, por diversas vezes,
o hacktivismo, mesmo em movimentos que poderíamos identificar como críticos
ao mundo da informática. Por não terem conseguido se aprofundar nas raízes
econômico-políticas dos monopólios proprietários da Microsoft quanto aos
seus sistemas operacionais Windows, e nem perceberem a ligação materialista
entre Software e Hardware, o movimento de ciberativistas, ligados ao
sistema operacional Linux, já sofre há um bom tempo os efeitos da
capacidade econômica capitalista de se apropriar até mesmo daquilo que se
propõe como contrário a ele. O questionamento a softwares proprietários,
por mais que tenha tido e ainda expresse uma "alternativa de esquerda" no
mundo da informática, não foi capaz de conter um novo nicho de mercado de
empresas como a Canonical (empresa responsável pela produção do sistema
operacional Ubuntu), que utilizasse do conceito de Software "Open Source"
para estimular melhorias através dos usuários de seus programas e sistemas
operacionais, ao passo que lucrava pela compra via internet de apps de toda
sorte.

O quadro que se desenha, mesmo num ambiente "não proprietário" como o
Ubuntu (Sistema Operacional que a empresa Canonical chega a enviar de graça
para quem quer que lhe encomende em seu site), é a de expansão do uso da
internet como um ambiente em que se realizam trocas econômicas, que por
estarem codificadas via a reprodutibilidade técnica da lógica, tornam-se
rarefeitas e cada vez mais fáceis de serem deslocadas de suas raízes
econômico-produtivas.

A diluição da atividade econômica através da internet é benquista
pela publicidade e propaganda, que segue de mãos dadas a esse processo,
aproveitando-se da possibilidade de tratamento e filtragem de usuários do
mundo todo, através de seus históricos de interesses pesquisados em sites
como o Facebook, Google, etc..., para aumentar o poder de sedução de
comerciais, diluí-los em meio a todo tipo de informação cotidiana da
internet e preparar o caminho para criar formas cada vez mais
personalizadas de propaganda, talvez, até o momento que elas sejam tão
suportáveis e estejamos tão acostumados com elas que elas possam ser tão
desejadas e confundidas quanto as nossas notícias diárias do jornalismo.
Pode-se conjecturar com o dia em que a internet disponibilizará ao usuário
comum uma ilusória liberdade de escolher a partir de quais comerciais ele
deseja se atualizar e como eles deveriam lhe aparecer.


5. Conclusão

Pode parecer que não cabe aqui nenhum otimismo quanto ao uso da
computação, tanto da máquina quanto seus softwares em nenhum empreendimento
coletivo emancipatório. Se recuperarmos a distinção de Marcuse entre
técnica e tecnologia, de fato, enquanto Tecnologia, não podemos nos fiar no
complexo industrial que, de diversas maneiras, trabalha com a
reprodutibilidade técnica da lógica a fim de alcançar a manutenção a
reprodução do econômico. Quanto à computabilidade vista enquanto técnica,
talvez sim... desde que condicionada a uma luta profunda contra as
restrições sistêmicas da economia capitalista, que ecoam na indústria da
computação (seja em sua faceta de Hardware ou de Software) e numa concepção
de lógica-binária unificadora e aceleradora do processo de circulação de
mercadorias. Por conta disso, não podemos apenas levantar a bandeira do
Direito a Privacidade de dados do usuário comum de computadores e, de
maneira inocente, defendermos a proteção de dados daqueles que, justamente,
andam a nos espionar e utilizar o tratamento de dados a seu bel prazer e
controle.

Do séc. XIX para cá, nada mudou quanto à computação: ela desde seu
início foi um produto cuja finalidade era a reprodução de cálculos, fossem
eles lógicos ou matemáticos, com alta-definição e complexos arranjamentos
integrados, ou não. Poderíamos formular de outra maneira dizendo que o
negócio da informática é a reprodutibilidade técnica de um tipo muito
específico de linguagem – a linguagem binária (furado/não-furado, 0/1,
pouca corrente, muita corrente elétrica, etc...) a fim de possibilitar o
tratamento de dados de toda sorte. Linguagem cuja especificidade é a de não
ser produzida no intuito de comunicação a um amplo grupo de pessoas e
também a de prescindir, até mesmo, de uma pessoa que a leia: ela funciona,
justamente, para operar indicações maquinais feitas para colocarem em
operação máquinas de processamento de dados, em que a emissão da mensagem é
de tantas formas intermediada por códigos, técnicas e divisões das cadeias
produtivas econômicas que fica difícil de perceber que, ainda assim, se
trata de uma linguagem plenamente humana.

A reprodutibilidade técnica da linguagem binária junto a sua
gramática inerente (que aqui chamamos simplesmente de Lógica) parece ser o
atual sustentáculo que permite pensarmos os novos meios de
reprodutibilidade técnica da escrita, do som, da imagem, de efeitos sonoros
e imagéticos, até então nunca produzidos pelo homem, com formas de
apreensão e efeitos diferentes daqueles apontados, de modo até otimista,
por um filósofo como Walter Benjamin, em seu texto a Obra de Arte na Época
de sua Reprodutibilidade Técnica. Se levarmos em conta desenvolvimentos
neurocientíficos atuais, no futuro, podemos imaginar mídias que envolvam a
interferência direta na percepção tátil, olfativa e palativa humanas e,
mesmo nessas, pressuponho que ainda estaremos nos desenvolvendo com base na
Lógica, cujos pressupostos este texto tentou esboçar.


Referências:

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BABBAGE, C. On the Economy of Machinery and Manufactures. London : C.
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São Paulo: Paz e Terra, 2000.

BLACK E. IBM e o Holocausto. Rio de Janeiro:Campos, 2001

BOOLE, G. The mathematical analysis of logic : being an essay towards a
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George Bell 1847

BOOLE, G. An investigation of The Laws of Thought: on which are founded the
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DYER-WITHEFORD, N. Cognitive Capital Contested- The Class Composition of
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http://multitudes.samizdat.net/Cognitive-Capital-Contested [visited
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DYER-WHITEFORD, N. (1999), Cyber-Marx: Cycle and circuits of struggle in
high technology capitalism, Urbana and Chicago, University of Illinois
Press.

EDGEWORTH, M. The life and letters of Maria Edgeworth, volume 1. London:
Edward Arnold, 1894. [ver em particular p. 106, 289, e 291 sobre os relatos
da empreitada de Gaspard de Prony]

Grier, D. A. When Computers Were Human. Princeton University Press. 2005

HARDT, M & NEGRI, A. Império . São Paulo, record, 2001

MARCUSE, H. Technology, War and Fascism: Collected Papers of Herbert
Marcuse, Volume 1 (Herbert Marcuse: Collected Papers). Routledge. 1998
-----------------------
[1] Não entraremos nos meandros técnicos da explicação de como o Cartão
Perfurado de Joseph Jacquard era um dispositivo de Input e Output das
máquinas de processamento de Dados. Para os interessados tanto em um relato
mais pormenorizado, quanto parte da história de como Babbage tomou
conhecimento dos Cartões de Jacquard, aconselha-se a leitura da obra "On
the Economy of Machinery and Manufacture" (Babbage,1832) e de "Sketch of
the Analytical Engine invented by Charles Babbage, Esq by L. F. Menabrea,
of Turin, Officer of the Military Engineers" (1843), considerado primeiro
exemplo de programação, escrito pelo engenheiro militar Luigi F. Menabrea
e traduzido para o inglês com notas e comentários por Ada Byron.
[2] Máquinas de processamento de dados que ocupavam, por vezes, prédios
inteiros e que hoje não chegam a se comparar, quanto a velocidade e
capacidade de armazenamento de informação, a um Tablet ou mesmo Smart-
phone.
[3] Daumas (1969)
[4] Expressadas de formas diferentes, tais concepções econômicas se
apresentam em: Charles Babbage - On The Economy of Machinery and
Manufactures , George Boole – The Laws of Thought e Mathematical Analysis
of Logic e William Stanley Jevons – Pure Logic e The Substitution of
Similars)
[5] Para os que desejam ver de modo mais detalhado como a neurociência,
com a ajuda de computadores e análises de encefalogramas, tem sido
apropriada por áreas como o Marketing, aconselha-se assistir "Cash
investigation. Neuromarketing : votre cerveau les intéresse". Saison 1
Episode 8. Sobre como a análise de encefalograma já foi utilizada no
contexto das disputas políticas pelo voto de eleitores estadunidenses ver:
"Neuromarketing scanner le cerveau un reportage de Canal Jimmy" disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=wk-vWqq5srw
[6] No livro "Technology, War and Fascism: Collected Papers of Herbert
Marcuse" o Filósofo distingue Tecnologia e Técnica. Tecnologia seria a
inevitável rede de controle e dominação em que as técnicas humanas são
utilizadas para a ampliação da exploração social e organicidade sistêmica.
Já a Técnica seria um elemento singular da atividade social em disputa, que
poderia ser utilizada para emancipação humana, não possuindo um fim de
dominação inerente
[7] O EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional) figura
historicamente como um dos primeiros movimentos sociais a utilizarem a
internet como um canal alternativo midiático que colaborou na divulgação
das atrocidades que o Estado Mexicano e paramilitares cometiam contra as
comunidades indígenas de Chiapas. O MST e tantos outros movimentos
copiaram, a sua maneira, tal uso e hoje utilizam canais de internet para
divulgação de eventos, notícias. Para além disso, o uso de emails, skype,
word, excel, enfim qualquer software, seja ele ligado ou não à internet,
são ferramentas da organicidade interna de movimentos sociais, entidades
sindicais, grêmios estudantis, ONGs, etc.
[8] A reprodutibilidade técnica da imagem, pelo menos desde o advento da
televisão, tem por base a apropriação da lógica binária pela Engenharia
Elétrica e as ideias esboçadas por uma Teoria Matemática da Comunicação
(Claude Shannon, 1948), que também foram indispensáveis para o refinamento
de circuitos lógicos e a transmissão de coordenadas binárias via satélite.

[9] "Nós faremos nossos cálculos, como fazemos os alfinetes". Edgeworth
(1894)
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