LIÇÕES DE ESTÉTICA DE KANT E HEGEL: ENTRE O SUJEITO DA REFLEXÃO E O SUJEITO ABSOLUTO. 1 Davi Galhardo Oliveira Filho 2
As poucas linhas que se seguem visam demonstrar em traços gerais, momentos específicos do campo da Estética, a saber: as reflexões Kantianas acerca do Belo como Universal e ainda sob que ótica deve-se buscar compreender o Belo Artístico no sistema Hegeliano. Nesse sentido, buscando tornar didático o nosso estudo gostaríamos de apresentar duas questões, às quais buscaremos solucionar logo em seguida, e que assim nos servirão como norteadoras neste trabalho. 1) Como a experiência do Belo pode reivindicar um assentimento universal, posto que o seu julgamento não implica em uma determinação conceitual. Afinal, como pensar a partir dos Fundamentos Kantianos o fenômeno do Belo como sendo universal e sem conceito? 2) Sendo o Belo Artístico um produto da Razão Humana, como identificar o lugar da Arte no sistema Hegeliano, mostrando as diversas configurações a partir das quais a Arte surge como realização efetiva histórica da Razão, e se apresenta nos limites da finitude sensorial. Afinal, o que determina a Arte em sua configuração: arquitetônica, escultórica, musicológica e poética? Agora, uma vez que já apresentamos a nossa problemática, passemos à árdua tentativa de resolução da mesma.
O chamado Criticismo de Imnanuel Kant (1724-1804) procurou submeter a Razão ao Tribunal da Crítica a partir de três obras de fundamental importância para a História da Filosofia, a saber: 1) Crítica da Razão da Pura (1781); 2) Crítica da Razão Prática (1788) e 3) Crítica da Faculdade do Juízo (1790). A primeira tenta responder a pergunta: Como é possível conhecer? A segunda à pergunta: Como devo agir? E a terceira enfim, põe-se à questão: O que posso esperar? Gostaríamos portanto, de nos ater aqui sobre a terceira Crítica, visando elencar algumas considerações Kantianas acerca do Belo.
Na primeira seção da Analítica da Faculdade do Juízo Estética da Crítica da Faculdade do Juízo (1790) Kant procurou demonstrar que o Juízo de gosto é Estético. No que implica portanto tal consideração? Do ponto de vista do autor: "Para distinguir se algo é belo ou não, referimos representação, não pelo entendimento ao objeto em vista do conhecimento, mas pela faculdade da imaginação (talvez ligada ao entendimento) ao sujeito e ao seu sentimento de prazer ou desprazer." (KANT. 1993, p.47). Em outros termos: ao procurarmos determinar a beleza em um determinado fenômeno, deve-se perguntar pelo Sujeito da Reflexão, o único em 1
O presente texto foi elaborado para a disciplina de Estética do Curso de Licenciatura Plena em Filosofia da Universidade Federal do Maranhão.
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Graduando em Licenciatura Plena em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID. E-mail:
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tal relação que é dotado da categoria da Imaginação, nisso implica necessariamente que: "(...)O juízo do gosto não é, pois, nenhum juízo de conhecimento, por conseguinte não é lógico e sim estético, pelo qual se entende aquilo cujo fundamento de determinação não pode ser senão subjetivo" (KANT. 1993, p. 47-48) (Grifos Nossos). Diante do quadro exposto, o leitor mais apressado poderia ser levado a crer que se o gosto é determinado pelo Sujeito particular, poder-se-ia corroborar afirmações do vulgo, como: "questão de gosto não se discute", logo, não haveria possibilidade de considerá-lo como Universal. No entanto, Kant não procede desta maneira, pois considera uma distinção fundamental, entre o Belo, o Agradável e o Bom. Vejamos:
O agradável, o belo, o bom designam, portanto, três relações diversas das representações ao sentimento de prazer e desprazer, com referência ao qual distinguimos entre si objetos ou modos de representação. (…) Agradável significa para alguém aquilo que o deleita; belo, aquilo que meramente lhe apraz; bom, aquilo que é estimado, aprovado, isto é, onde é posto por ele um valor objetivo.
(KANT. 1993, p. 54)
De acordo com a análise proposta por DUDLEY (2013, p. 70) o Eu Transcendental é determinante na compreensão dos Juízos Estéticos que pressupõem que a natureza é subjetivamente intencional, ou seja: adequada para ser julgada por nós, dando-nos assim um prazer distintivo quando experimentamos a sua beleza. Em outros termos: tais Juízos surgem a partir de nossos esforços para compreender a nossa experiência através do desenvolvimento de conceitos universalizadores, princípios e leis que demonstram e preveem o comportamento da particularidade fenomênica. Com isso voltamos ao Juízo Reflexivo que exige portanto um Sujeito Reflexivo. Assim, "O belo é o que é representado sem conceitos como objeto de uma complacência universal" (KANT. 1993, p. 56) vinculado a agentes racionais. Logo, a beleza apresenta-se como algo único, e que dá prazer a todos os agentes racionais, assim, devemos entendê-la como Universal e sem conceito. De acordo com FERRY (1994, p. 130-131) a solução de nossa problemática pode ser pensada nos seguintes termos: contrapondo-se ao Racionalismo e ao Empirismo, o Belo caracteriza-se não como mera criação de conceitos (regras) determinados aos quais o objeto deve se submeter, ou ainda como mera subjetividade empírica do sentimento, o Belo é aquilo que "(…) desperta uma ideia necessária da razão que é, enquanto tal, comum à humanidade." Assim, é em referência a tal ideia não-determinada que é possível debater (de forma não dogmática) o gosto com outrem. Kant também localizou outra forma de experiência estética: a sublimidade. O Sublime é entendido pelo filósofo como aquilo que demonstra nossa capacidade para responder à infinitude, mesmo que não sejamos capazes de compreendê-la. Determinados fenômenos da natureza trazem a tona a experiência do sublime P. Ex.: o céu estrelado, um tsunami ou um furacão. Por hora nos limitaremos nestes breves comentários para que possamos avançar em
nosso estudo. Ao perguntarmos pelas reflexões sobre Estética propostas por Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) de imediato se impõe diante de nós o seu Sistema Filosófico, o que implica dizer que Arte enquanto tal deve ser pensada a partir deste, que por sua vez deve ser pensado como uma Totalidade. Em outros termos: não podemos pensar parte do Sistema, sem pensarmos Todo o Sistema. Assim, gostaríamos de expor em linhas gerais como se estrutura o Hegelianismo antes de passarmos às suas reflexões sobre a Arte. A divisão da Filosofia de Hegel — de forma bastante esquemática — pode ser estruturada nos seguintes pontos: 1) Lógica – a ideia em si: que comporta o Pensamento (Metafísica); 2) Natureza – a ideia fora de si, isto é, alienada: que comporta a Química, Física, Biologia etc. (Espaço e Tempo); 3) Espírito – a ideia, que a partir da alienação, retorna a si e se torna em si e por si: que comporta a seguinte tríade 3.1) Espírito Subjetivo; 3.2) Espírito Objetivo (que engendra a História, o Estado etc.); 3.3) Espirito Absoluto, que por sua vez engendra uma nova tríade 3.3.1) Arte; 3.3.2) Religião 3.3.3) Filosofia (tida por Hegel como o retorno do Espírito ao Pensamento) o mais alto grau de consciência. Tal processo caracterizase portanto como um movimento dialético. Uma vez localizada a Arte na estrutura sistemática pensada por Hegel, vejamos agora no que consiste a mesma, e a ciência que se propõe a estudá-la. Na introdução dos seus Cursos Sobre Estética (Vol. 1), o filósofo inicia com os seguintes dizeres: "Estas lições são dedicadas à estética, cujo objeto é o amplo reino do belo; de modo mais preciso, seu âmbito é a arte, na verdade a bela arte" (HEGEL. 2001, p. 27). Com isso, de imediato excluísse o belo natural, ou seja: aquele ligado aos fenômenos da natureza; Assim, mesmo a Aurora Boreal, os Relâmpagos de Catumbo ou um Tsunami (de 8 pontos na escala Richter que seja) não são autoconscientes, não são livres em si mesmos, "(…) somente o espírito é o verdadeiro (…) (Idem. p. 28). No Idealismo Absoluto Hegeliano, somente o belo artístico é a beleza engendrada e reengendrada do Espírito. Do ponto de vista de Hegel, a Arte surge como produto da Razão Humana ancorada pelo Espírito Absoluto, assim, conforme demonstrado anteriormente, a mais simples expressão de Bela Arte consegue superar o mais complexo fenômeno da Natureza, que no vulgo compreende-se como Belo. Vejamos, nos dizeres do próprio autor no que consiste tal afirmação: (…) a fonte das obras de arte é a atividade livre da fantasia que nas suas criações é de fato mais livre que a natureza. A arte tem à sua disposição não somente todo o reino das configurações naturais em suas aparências múltiplas e coloridas, mas também a imaginação criadora que pode ainda, além disso, manifestar-se em produções próprias inesgotáveis.
(HEGEL. 2001, p. 31) (Grifos Nossos)
Como podemos observar a Bela Arte resiste em sua autonomia, mesmo quando a cientificidade procura enquadrá-la, regulara ou adequá-la ao seu bel-prazer. Assim, Hegel
introduz (em acordo com Kant?) um impulso universal na natureza humana pelo Belo; O Idealista Alemão acrescenta que "(…) se segue a consequência de que não podem existir leis gerais do belo e do gosto, uma vez que as representações do belo são tão infinitamente variadas e, por isso, algo de particular" (HEGEL. 2001, p. 32). Observamos portanto que a Arte apresentasse como expressão em menor grau do Espirito Absoluto, a passagem que segue corroborará nossa afirmativa:
A bela arte é, pois, apenas nesta sua liberdade verdadeira arte e leva a termo a sua mais alta tarefa quando se situa na mesma esfera da religião e da filosofia e torna-se apenas um modo de trazer à consciência e exprimir o divino, os interesses mais profundos da humanidade, as verdades mais abrangentes do espírito. [Historicamente] Os povos depositaram nas obras de arte as suas intuições interiores e representações mais substanciais, sendo que para a compreensão da sabedoria e da religião a bela arte é muitas vezes a chave – para muitos povos inclusive a única.
(HEGEL. 2001, p. 32).
Diante do quadro exposto podemos concluir que a obra de arte presentifica as forças eternas (do Espírito), que para Hegel regem a História. No entanto, a Arte é apenas um momento da verdade, que em conformidade com o Sistema Hegeliano, só se torna plena na Filosofia, ou seja: o retorno a si ou o ser-em-si-e-por-si. No entanto, Hegel faz uma digressão quando nos adverte a partir de uma perspectiva histórica, sobre a realidade da arte contemporânea, movimento também conhecido como a morte da Arte. Vejamos:
(…) a arte não mais proporciona aquela satisfação das necessidades espirituais que épocas e povos do passado nela procuravam e só nela encontravam; uma satisfação que se mostrava intimamente associada à arte, pelo menos no tocante à religião. Os belos dias da arte grega assim como a época de ouro da Baixa Idade Média passaram. A cultura da reflexão própria de nossa vida contemporânea, faz com que nossa carência esteja, ao mesmo tempo, em manter pontos de vista universais e em regular o particular (…) Mas para o interesse artístico bem como para a produção de obras de arte exige-se antes, uma vitalidade (...)
(HEGEL. 2001, p. 35) (Grifos Nossos).
A existência da obra de Arte decorre em função da Alienação do Espírito no sentimento e na sensibilidade, e assim como ocorre em outros momentos do Sistema de Hegel, tal processo se dá em graus, que vão dos mais inferiores até a plenitude. Segundo SILVA JÚNIOR (2000. p, 199), "A idéia (sic), no seu processo de particularização, manifesta-se enquanto criação artística determinando-se portanto como Arquitetura, Pintura, Música e Poesia", o que ocorre portanto são determinações particulares da arte. A Arquitetura apresenta-se confinada nos limites da materialidade sob a forma da espacialidade/sensível, logo não comporta a plenitude do Espírito, e como este é um
desdobrar-se sobre si, ele engendra a forma Escultural, que embora assegure um acordo entre o exterior e o interior na sua nitidez plástica, ainda assim não satisfaz às necessidades do Espírito. A Pintura surge portanto como uma nova figuração do sensível, refletindo a interioridade do Espírito. No entanto, a Música é capaz de fazer ressoar o eu mais íntimo, a interioridade apresentada sem objeto. Mas, é somente na Poesia que o princípio da autopercepção do interno pelo interno, conforme demonstrou SILVA JÚNIOR (2000. p. 201), é que o Espirito atinge seu mais elevado grau na Arte. Pois, a Poesia transcende a percepção sensível, e dirige-se à consciência, visando portanto o Sujeito Absoluto. A ideia do Belo deve ser entendida de forma historicizada, e que desdobra-se dialeticamente, ou seja, evolui internamente. A partir destas considerações gerais acerca das concepções sobre a Estética, propostas por Kant e Hegel podemos compreender minimamente por que ambos os filósofos são tidos ainda nos dias atuais como de fundamental importância na compreensão sobre as reflexões sobre o Belo, seja ele pensado sob a perspectiva do Belo Natural ou das Belas Artes. Após o diálogo com estes dois gigantes do pensamento alemão, ainda assim, cabe a afirmação de um certo filósofo ateniense: O belo é difícil!
REFERÊNCIAS CONSULTADAS
DUDDLEY, Will. Kant: Idealismo Transcendental. In: ______. Idealismo Alemão. Trad. Jacques A. Wainberg. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. págs. 27-75.
FERRY, Luc. Homo Aestheticus: A Invenção do Gosto na Era Democrática. Trad. Eliana Maria de Melo Souza. São Paulo: Ensaio, 1994.
HEGEL, G. W. F. Cursos de Estética. Vol. 1. Trad. Marco Aurélio Werle. 2. Ed. São Paulo: EdUSP, 2001.
KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Trad. Valério Rohden e António Marques. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993.
SILVA JÚNIOR, Almir Ferreira da. A Razão Poética de Hegel: A Poesia como expressão do Pensamento. Revista Littera. v. 2. n. 1. São Luís: EdUFMA, 2000. págs. 193-205.