Livres nas pautas, algemados a convenções - análise do jornalismo literário do Correio Repórter

July 7, 2017 | Autor: Katherine Funke | Categoria: Literary Journalism, Journalism Ethics, Jornalismo Cultural, Journalism and Media Studies
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EDUARDO VIEIRA KATHERINE FUNKE YARA VASKU

LIVRES NAS PAUTAS, ALGEMADOS A CONVENÇÕES Análise do jornalismo literário do Correio Repórter

Monografia de conclusão do curso de pós-graduação Jornalismo contemporâneo: desafios nas redações do século 21, promovido pelas Faculdades Jorge Amado

ORIENTAÇÃO: LEANDRO COLLING

SALVADOR, FEVEREIRO/ 2008

EDUARDO VIEIRA KATHERINE FUNKE YARA VASKU

LIVRES NAS PAUTAS, ALGEMADOS EM CONVENÇÕES Análise do jornalismo literário do Correio Repórter

ORIENTAÇÃO: LEANDRO COLLING

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APROVAÇÃO

O presente trabalho foi aprovado pelos examinadores em fevereiro de 2008. Declaro, portanto, aprovados no curso de pós-graduação Jornalismo contemporâneo os alunos Eduardo Vieira, Katherine Funke e Yara Vasku.

LEANDRO COLLING Professor ORIENTADOR

NADJA VLADI CARDOSO GUMES Professora COORDENADORA

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DEDICATÓRIA

Dedicamos este trabalho a Leandro Colling, por ter sido o professor que causou as mais profundas transformações em nossa maneira de enfrentar o desafio de ser jornalista no século 21.

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AGRADECIMENTOS

Eduardo Vieira agradece à família e aos grandes amigos pelo apoio de sempre.

Katherine Funke agradece todo o apoio que recebeu, especialmente de sua mãe.

Yara Vasku agradece a oportunidade de estudar e conviver com pessoas muito especiais. Um agradecimento especial ao filho, João Pedro, pelo apoio e compreensão.

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E, no entanto, no começo dos anos 60, uma curiosa idéia nova, quente o bastante para inflamar o ego, começou a se insinuar nos estreitos limites da statusfera das reportagens especiais. Tinha um ar de descoberta. Essa descoberta, de início modesta, na verdade, reverencial, poderíamos dizer, era que talvez fosse possível escrever jornalismo para ser... lido como um romance. Como um romance, se é que me entendem. Era a mais sincera forma de homenagear a O Romance e àqueles grandes, os romancistas, claro. Nem mesmo os jornalistas pioneiros nessa direção duvidariam sequer por um momento de que o romancista era o artista literário dominante, agora e sempre. Tudo o que pediam era o privilégio de se vestir como ele... Eram sonhadores, claro, mas uma coisa eles nunca sonharam. Nunca sonharam com a ironia que vinha vindo. Nunca desconfiaram nem por um minuto que o trabalho que fariam ao longo dos dez anos seguintes, como jornalistas, roubariam do romance o lugar de principal acontecimento da literatura. (Wolfe, Radical Chique e o Novo Jornalismo, pg 19)

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RESUMO. A partir da observação de doze recursos do jornalismo literário, pertinentes da produção da pauta à edição do texto, o presente trabalho analisa o grau de presença do jornalismo literário no caderno dominical “Correio Repórter”, do jornal Correio da Bahia, de Salvador (BA). Parte-se do pressuposto de que as reportagens da publicação possuem possibilidades de se enquadrar no gênero por suas condições de produção. A análise recebe o auxílio de uma ampla revisão teórica que define o conceito de jornalismo literário e detalha os recursos em questão, baseados na categorização feita por Tom Wolfe e por Edvaldo Pereira Lima. Como resultado, temos que a publicação apresenta graus bastante variáveis de aplicação dos recursos observados.

ABSTRACT. From a review of the 12 features of literary journalism relating to text editing and story brief, the present paper analyses the level of presence of literary journalism in the Sunday supplement 'Correio Reporter' of the newspaper Correio da Bahia from Salvador (BA). It is assumed that the articles in this publication can be classed in this genre given the manner in which they are written. The analysis was aided by a wide theoretical review of literature which defines the concept of literary journalism and details the resources involved using Tom Wolfe and Edvaldo Pereira Lima's classification. The conclusion reached was that this publication demonstrates quite variable degrees of application of the resources observed.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................10

1. O JORNALISMO LITERÁRIO: UMA REVISÃO HISTÓRICA E TEÓRICA.............................................................. 14 1.1. No Brasil.................................................................................................................... 17 1.2. Nos Estados Unidos .................................................................................................. 22 1.3. Relevância para o campo do jornalismo ................................................................... 24 1.4. Principais contribuições acadêmicas.......................................................................... 29 1.5. Características intrínsecas do jornalismo literário..................................................... 32 1.5.1. A extensão pela pauta............................................................................................. 33 1.5.2. Captação dos dados................................................................................................ 37 1.5.3. A fruição pelo texto................................................................................................. 43 1.5.4. Construção cena a cena.......................................................................................... 47 1.5.5. Diálogos.................................................................................................................. 47 1.5.6. Variação de pontos de vista................................................................................... 48 1.5.7. Autópsia social.........................................................................................................49 1.6. Críticas e limites do jornalismo literário.....................................................................50

2. HISTÓRICO E ANÁLISES....................................................................................... 54 2.1 O Correio da Bahia .....................................................................................................54 2.2 O caderno Correio Repórter ........................................................................................55 2.3 Análises........................................................................................................................57 2.3.1. Edição 3/6/2007 – “Black in Bahia” ......................................................................57 2.3.2 – Edição 10/06/2007 – “Palácio da arte” ...............................................................60 2.3.3 - Edição 17/06/2007 – “Chá sagrado” ...................................................................62 2.2.4. Edição 24/06/2007 – “Quadrilátero do pretérito” ................................................66

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2.2.5. Edição 01/07/2007 – “Heroína esquecida” ...........................................................71 2.2.6 Edição 08/07/2007 – “Guerreiras anônimas” ........................................................76 2.2.7 Edição 15/07 – “Relíquia franciscana” ..................................................................80 2.2.8. Edição 29/07/2007 – “Estigma cruel” ...................................................................91

CONCLUSÃO..................................................................................................................97

BIBLIOGRAFIA.............................................................................................................106

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INTRODUÇÃO

Essa análise das reportagens do caderno Correio Repórter, publicado semanalmente aos domingos no jornal Correio da Bahia, em Salvador (BA), tem o objetivo de identificar o possível uso de técnicas de jornalismo literário nas etapas de produção das pautas, captação dos dados, escrita e edição da reportagem de capa. Entendemos por jornalismo literário o tipo de jornalismo que se caracteriza “pelo uso de técnicas de literatura na captação, redação e edição de textos sobre a vida real” (LIMA, S/D). Trata-se, portanto, de um modo de fazer jornalismo que não se prende a técnicas que encerram o real em fórmulas pré-concebidas, como é o caso do lead - o parágrafo inicial de notícias que deve responder a cinco perguntas básicas: como, onde, quem, por que e quando -, técnica utilizada como padrão nos textos noticiosos. O jornalismo literário também é conhecido por Novo Jornalismo, nome do movimento norte-americano dos anos 60. Segundo Lima (S/D), o jornalista Gay Talese, um dos expoentes desse New Journalism, atualmente denomina o que faz de “literatura da realidade”. Lima também aponta que no circuito universitário dos EUA a denominação em voga é “literatura criativa de não-ficção”1. Este trabalho vai investigar se o jornalismo praticado no caderno Correio Repórter foge de fórmulas como o lead e adere à literatura de não-ficção. A escolha desse produto jornalístico para a análise tem motivos: em Salvador, entre os três jornais de circulação diária, o Correio da Bahia é o único que mantém um caderno dominical de “reportagens especiais”, o Correio Repórter. A publicação sempre contém uma reportagem de capa, com nada menos que cinco páginas de texto, no formato standart, padrão mais utilizado entre os jornais do Brasil. Justamente por causa desse caderno de domingo, o Correio da Bahia também é o único jornal que disponibiliza, regularmente, um jornalista para passar 30 dias dedicandose apenas a uma grande reportagem, dando-lhe a oportunidade de ‘mergulhar’ no assunto,

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Neste trabalho, adotamos as diferentes denominações, porque consideramos para a análise a ser realizada recursos do New Journalism, ou do jornalismo literário, apontadas por um de seus expoentes, Tom Wolfe, e ampliadas pelo pesquisador brasileiro Edvaldo Pereira Lima.

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trazendo informações sobre diferentes facetas do tema. Aqui, queremos diagnosticar se esse mergulho também resulta em uma forma diferenciada de texto. Para nós, é mais provável que o Correio da Bahia adote um maior número de técnicas de jornalismo literário do que as duas outras publicações, A Tarde e Tribuna da Bahia, embora este projeto não exclua, de forma alguma, a possibilidade dos outros dois periódicos também adotarem o jornalismo literário em suas reportagens. A história do desenvolvimento das indústrias jornalísticas na Bahia, no Brasil e em outros lugares do mundo, como Estados Unidos, nos mostra que o mercado tem passado por uma contínua aceleração do processo de produção e difusão industrial de notícias, passando pela valorização da notícia, sofrendo os impactos da linguagem visual da televisão e da Internet nas formas escritas de notícias, com uma gradual diminuição do número de profissionais nas redações e redução generalizada do investimento em reportagens investigativas ou de aprofundamento. Contribui para esse cenário o fato de que, para enfrentar o mercado altamente competitivo e buscar parcerias no campo tecnológico, as antigas empresas exclusivamente jornalísticas têm se aliado ou simplesmente tem sido vendidas a grandes conglomerados. Essas ligações com o poder econômico se refletem no conteúdo e na abordagem do noticiário. Na Europa, já no início do século 20, os jornais foram comprados por indústrias siderúrgicas e químicas, o que influenciou o posicionamento da imprensa sobre o fascismo. É o que se passa agora nos Estados Unidos, onde a indústria do entretenimento e do comércio on line têm comprado as empresas jornalísticas. O jornalismo passa a ser apenas uma porcentagem menor, muito menor, de lucro dentro do grande negócio de oferecer informação e entretenimento ao público. Se não dá lucro, também não merece investimentos; além disso, não é interessante para os grandes empresários financiar reportagens investigativas ou de aprofundamento, que podem esclarecer leitores sobre suas próprias falcatruas (Kovach e Rosenstiel, 2003). As conseqüências desses fenômenos da industrialização do processo de produção de notícias para o aumento da superficialidade do trabalho jornalística do ponto de vista da contextualização, da abrangência, do tempo dedicado à captação da reportagem e do cuidado com a escrita do texto já foram analisadas em outros trabalhos por diversos

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pesquisadores do campo. Entre eles, especialmente Cremilda Medina (1988; 2003) tem pontuado o distanciamento existente entre o jornalismo convencional da complexidade e a pluralidade de vozes da vida real. Também Edvaldo Pereira Lima (1995) aponta a incapacidade do jornalismo cotidiano comumente praticado nos jornais diários em abarcar as demandas da sociedade contemporânea. Todos esses fatores contribuem para que o jornalismo literário passasse a ser entendido como gênero2 mais aplicável a livros-reportagem ou a raros cadernos e reportagens “especiais” dos periódicos impressos. Nesses últimos casos, contam positivamente projetos editoriais dos próprios jornais, sua estrutura e sua meta em relação ao tipo de público que desejam alcançar. Para analisarmos a presença de técnicas de jornalismo literário no texto do caderno Correio Repórter, esta pesquisa recorrerá especialmente à retomada teórica do movimento conhecido como New Journalism – o jornalismo literário praticado nos Estados Unidos dos anos 60 - feita por um de seus mais conhecidos integrantes, Tom Wolfe, no prefácio ao livro Radical chique e o novo jornalismo (2005), assim como as contribuições feitas posteriormente pelo pesquisador brasileiro Edvaldo Pereira Lima (1995), no livro Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura3. A análise levará em consideração doze recursos, categorizados nas etapas de construção da pauta, captação dos dados, escrita e edição do texto. Quanto à pauta, analisaremos as três liberdades elencadas por Edvaldo Pereira Lima (temática, temporal e

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Considerar o jornalismo literário como gênero não é unanimidade entre os pesquisadores. Aqui, adotamos a classificação de Fernando Resende (2002), que admite a formação de uma nova configuração discursiva, ou seja, de um novo gênero, a partir do cruzamento entre a literatura e o jornalismo, cada qual compreendido igualmente como gênero isolado, na perspectiva de Tzvetan Todorov, autor adotado por Resende. Outros autores, como Raymond Williams, possuem conceitos ainda mais ampliados. Williams liga os gêneros a condições contextuais sócio-históricas, como os folhetins no final do século XIX e início do século XX. No Brasil, diferentes visões do jornalismo como gênero e dos gêneros jornalísticos têm marcado as pesquisas no campo. Enquanto José Marques de Melo considera a existência de três gêneros jornalísticos – informativo, opinativo e interpretativo -, Luís Beltrão acrescenta ainda a existência do gênero diversional, ligado à diversão. 3 Lima volta sua preocupação, neste livro, a mostrar quais as técnicas do New Journalism podem ser aplicadas ao formato de publicação atualmente mais comum para o jornalismo literário: o livroreportagem. Compreendemos, entretanto, que o mesmo conjunto de técnicas pode estar presente em outros formatos, posto que originalmente o movimento de jornalistas norte-americanos era publicado em jornais impressos. Para Lima, “a questão que se levanta, então, é de potencialidade do jornalismo de prestar um serviço mais refinado”.

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de angulação). Essas três liberdades também são categorias criadas por Lima para possibilitar a avaliação de produções de jornalismo literário. Lima também categorizou tipos de captação de dados possíveis, dentre os quais estaremos atentos à técnica da observação participante, durante a análise do Correio Repórter. Quanto ao texto, serão observadas oito técnicas apontadas por Tom Wolfe e Edvaldo Pereira Lima. Wolfe categoriza quatro recursos emprestados do romance realista que caracterizam o texto do jornalismo literário. São eles: construção cena a cena, diálogos completos, alternância de ponto de vista e autópsia social. Já Pereira Lima nos apresenta, em termos de edição do texto: lições de cinema (cortes de tempo e espaço no lugar da maneira tradicional de construção do texto); lições de abertura (aquecer os momentos iniciais para prender o leitor, através da escolha de algum elemento da narrativa ou a apresentação do assunto do geral para o particular); lições de passagem (quebra de ritmo, junção de sequências, conexão de conflitos em evolução); lições de término e retorno (finalizar com desfecho em forma de obra aberta, ou seja, deixar algumas perguntas ou possibilidades no ar). Buscaremos o uso desses recursos em oito edições Correio Repórter, publicadas nos meses de junho e julho de 2007. A escolha de oito edições consecutivas, nos dois meses relatados, ocorreu no mês de agosto do mesmo ano, de forma absolutamente aleatória. Não levou em consideração qualquer indicação dos autores ou editores da publicação, que tampouco sabiam estar sendo avaliados. Dessa forma, a seleção assim realizada contribui para que possamos verificar a presença de recursos do jornalismo literário nas reportagens escritas atualmente pela equipe do caderno. A análise de oito edições leva como princípio de que é preciso um conjunto consecutivo e expressivo de publicações para conseguirmos pontuar características comuns ou contraditórias das reportagens.

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1. O JORNALISMO LITERÁRIO: UMA REVISÃO HISTÓRICA E TEÓRICA

A origem da relação existente entre o jornalismo e a literatura, muitas vezes, é associada ao surgimento do famoso New Journalism, corrente que passou a ganhar espaço em jornais e, aos poucos, no meio literário norte-americano no ano de 1962, quando o romance ainda reinava como gênero maior, sinônimo de prestígio para os romancistas. Neste período, uma nova corrente de escritores começou a preencher as redações jornalísticas com o intuito de tornar a narrativa destes periódicos mais viva, pulsante. A idéia era revolucionar a forma de se escrever, que era julgada como objetiva ao extremo e sem atrativos para o público leitor, que já estaria cansado da mesmice. Paralelamente, estes novos escritores também tinham o interesse de retirar o prestígio exacerbado dos romancistas. Eles queriam reconhecimento para a então nova forma narrativa. Entre os nomes mais consagrados do período, estão: Tom Wolfe, Jimmy Breslin, Gay Talese, Truman Capote, entre muitos outros. Mas o início desse intercâmbio entre jornalismo e literatura remonta de muito antes e não está diretamente associado ao estabelecimento do New Journalism. Para Ciro Marcondes Filho, em Comunicação e jornalismo: a saga dos cães perdidos, como traz o autor Felipe Pena (2006), em Jornalismo literário, a influência da literatura na imprensa está presente nos chamados “primeiro e segundo jornalismos”. O primeiro momento diz respeito à pré-história do jornalismo, entre 1631 e 1789. A fase pode ser classificada como de economia elementar, produção artesanal, com periódicos semelhantes ao livro. Já o segundo momento é denominado de primeiro jornalismo, que compreende o período entre 1789 e 1830. A fase traz conteúdo literário e político para a imprensa. As notícias surgem mais críticas e são elaboradas, principalmente, por escritores. Trata-se do século XVIII e XIX, quando escritores com prestígio reconhecido passaram a chegar às redações. Eles não somente escreviam, como ocupavam os mais variados cargos dentro dos veículos. Nesse período, o folhetim é um dos elementos mais importantes, que vai estreitar o diálogo do jornalismo com a literatura. Anteriormente, o termo era utilizado para denominar os suplementos destinados a temáticas diversas, como a crítica literária. Mas, posteriormente, ele assumiu a característica do romance realista. Os mais variados escritores passaram a publicar folhetins nos jornais, aumentando, dessa

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forma, popularidade e rendimentos. Além disso, também ganhava espaço a crônica e os contos. Cabe uma explicação sobre os termos ‘folhetim’ e ‘crônica’. No século XIX, esses dois termos são usados indistintamente para designar o que hoje classificamos de crônica. José de Alencar refere-se às crônicas semanais para o Correio Mercantil, que abordam a vida política e cultural na Corte, como o seu ‘folhetim da semana’. O termo folhetim designa, também, a seção do jornal que vem ao pé da página, separado do corpo das matérias, contendo assuntos diversos, crônicas e folhetins propriamente ditos – isto é, os romances feitos especificamente para serem publicados em capítulos. (ARNT, 2001, pgs. 16 e 17)

Os romances publicados por partes faziam sucesso não somente entre os leitores, mas também com os empresários da comunicação, que viam suas vendas crescerem com a utilização sistemática do recurso. O folhetim pode ser classificado como herdeiro do romance realista, apenas com uma nova forma de veiculação. Mas o recurso guardava algumas características específicas, como aponta Felipe Pena (2006). O folhetim era dirigido para um grande e bem diversificado público. Diante dessa característica, precisava de uma linguagem simples e acessível. A ação era sempre interrompida em um momento de grande importância da narrativa, com o intuito de chamar a atenção do leitor para a nova edição. Também era comum a utilização do recurso da repetição, para deixar o público sempre por dentro de todos os acontecimentos. Ainda nesse contexto, a trama poderia ser ampliada ou reduzida, dependendo do interesse do leitor. Características bem comuns às telenovelas, que bebem das estratégias do folhetim. Mas os elementos citados não significavam, necessariamente, baixa qualidade dos textos. A narrativa costumava ser muito bem construída, assim como os seus personagens. A presença dos escritores deixou o jornal, além de informativo, mais atraente. A atenção destes profissionais estava voltada para problemas do cotidiano e tensões sociais. Grandes nomes da literatura começaram a ganhar as páginas dos periódicos, como Charles Dickens, na Inglaterra, Honoré de Balzac, na França, Machado de Assis e José de Alencar, no Brasil, entre outros, que serão detalhados em tópicos seguintes. Dickens, que tem como obras emblemáticas Oliver Twist (1838) e David Copperfield (1849), é um dos atores mais engajados em críticas sociais. A miséria do proletariado inglês é marca em

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suas obras, assim como toda a problemática social inglesa que assolava o país naquele período. Os escritores, no afã de retratarem a vida como ela é – pelo enfoque literário realista –, não procediam assim em nome do dogmatismo do movimento, mas por serem observadores de uma realidade social que eles, na condição de jornalistas, tinham por função registrar – e o que observaram era o lastro de miséria de um lado e, de outro, a dissolução dos costumes deixados no rastro do progresso da Revolução Industrial. (ARNT, 2001, p. 13)

Como aponta Héris Arnt, na obra A influência da literatura no jornalismo: o folhetim e a crônica, a migração desses escritores para jornais possibilitou, também, a democratização da cultura letrada. Uma grande parcela de leitores não tinha como comprar livros caros. Eles encontraram, no jornal ou revista, uma forma de ter contato com a obra desses autores. É nesse momento histórico que se estreita a relação entre jornalismo e literatura. Esse fazer jornalístico está relacionado ao desenvolvimento da cultura de massa no século XIX, com uma sociedade ávida por informação. Assim como foi, também, o surgimento do próprio jornalismo, que surge da grande necessidade pela informação. Alguns autores, como Bill Kovach e Tom Rosenstiel, segundo Felipe Pena (2006), classificam os relatos orais como uma forma de pré-jornalismo. Período este muito relacionado à democracia grega, quando a oratória reinava.

O fato é que os relatos orais são a primeira grande mídia da humanidade. O historiador Peter Burke classifica-os como um meio de comunicação específico e importante, mas que têm recebido pouca atenção da historiografia oficial, apesar da vasta literatura sobre a oralidade... Segundo Burke, ‘as possibilidades do meio oral eram conscientemente exploradas pelos mestres do que era conhecido no século XVI como a retórica eclesiástica. (PENA, 2006. Pgs. 26 e 27)

A mudança da cultura oral para a escrita acontece justamente com a invenção dos tipos impressos, uma das bases do jornalismo moderno. A primeira fase, como já foi observada, vai aparecer a partir do ano de 1631. Os primeiros jornais, que contavam com

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periodicidade, surgiram na Alemanha, nos Países Baixos e na Inglaterra. Aqueles mais antigos são datados de 1609, em Augsbourg e Strasbourg. O jornalismo e a literatura faziam a ponte entre a informação e a opinião. Naquele período, os escritores introduziram pilares do jornalismo moderno. Estavam presentes nas páginas de notícia, opinião, divertimento e cultura. No século XIX, a dualidade entre jornalismo e literatura estava cada vez mais visível.

1.1. No Brasil A relação entre jornalismo e literatura no Brasil surgiu a partir do ingresso de escritores como José de Alencar e Machado de Assis nos veículos de comunicação. Mas o contexto histórico era bastante diferenciado do que acontecia na Europa no mesmo período. No velho continente, os escritores buscavam mudanças na estrutura social, o que não acontecia no Brasil. A política de escravidão e dos latifundiários cortou o País até o século XX, impedindo a industrialização.

José de Alencar aborda os temas da ambição, do amor ao dinheiro, da ganância semelhante ao escritor francês. Só que, em Balzac, estes temas são tratados com a veemência de quem vivia as contradições do sistema capitalista. Alencar não poderia conceber personagens com a mesma força, vivendo num Rio de Janeiro onde sequer o dinheiro era moeda corrente. Seus personagens não poderiam ser considerados fracos, comparados aos de Balzac; eles retratavam a realidade social em que estavam inseridos. (ARNT, 2001, p. 48)

José de Alencar iniciou a carreira de jornalista em 1850 como colaborador do Jornal do Commercio e do Correio Mercantil, quando assinou a famosa coluna Ao correr da pena, produzindo narrativas sobre o Rio de Janeiro. Quanto ao conteúdo, os folhetins de José de Alencar se assemelhavam aos textos que atualmente são chamados de crônicas. Em 1885, assumiu o cargo de editor-chefe no Diário de Notícias, do Rio de Janeiro. Foi neste veículo que publicou o primeiro romance: Cinco minutos. Posteriormente, lançou A viuvinha, nos mesmos moldes. Começou a se dedicar à política e literatura e passou a escrever peças teatrais. O autor também conta com obras ligadas a

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temas indígenas. Entre outros clássicos de Alencar, estão os muito famosos O guarani, lançado em 1857, Lucíola, em 1862, e Iracema, publicado em 1865. Um outro marco da dualidade pode ser considerado a publicação, em folhetim, de Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, no Correio Mercantil. O texto esteve nas páginas do jornal entre 27 de junho de 1852 e 31 de julho de 1853. Esta forma de se fazer jornalismo perdurou até o ano de 1907. Outro escritor de extrema importância para o período foi Machado de Assis. O autor observava os interesses pessoais e mesquinhos da sociedade brasileira e é apontado como aquele que levou o gênero a um amadurecimento no país.

Com sua ironia, talvez tenha sido o único brasileiro que conseguiu examinar a sociedade sem paixões. Seu humor destacava-se mais nas crônicas do que nos romances, conferindo um tom grave a acontecimentos leves, às coisas do dia-a-dia, brincando com as coisas sérias. Colocou seu olhar lúcido e melancólico em tudo que escreveu. (ARNT, 2001, p. 71)

Machado de Assis, como jornalista, fazia a cobertura do Senado brasileiro, além de escrever para periódicos. Em 1881, o escritor abandonou o romantismo da primeira fase de sua obra ao publicar Memórias póstumas de Brás Cubas, considerado o início do romance realista no Brasil. Entre as muitas obras, se destacam Quincas Borba, em 1892, Dom Casmurro, em 1900, Esaú e Jacó, em 1904, e Helena, lançado anteriormente, em 1876, entre muitos outros livros. A evolução do jornalismo literário brasileiro prossegue na virada do século XIX para o XX, mas já em uma nova era. É nesse período que a narrativa jornalística, na forma de reportagem, busca um caminho próprio, não demasiadamente ligado à literatura. A narrativa jornalística vai começar a parar, também, nas páginas dos livros. Um exemplo característico dessa transformação pode ser encontrado na clássica obra Os sertões, do autor Euclides da Cunha, que foi lançada em 1902. Euclides da Cunha esteve situado na linha entre ficção e realidade para compor a sua obra. Ele bebe de conhecimentos vindos do século anterior, mas já traz no seu texto o potencial que a reportagem ganharia no formato de livro. A sua narrativa pendia, nesse momento, mais para a literatura do que para o jornalismo propriamente dito.

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Rara combinação de inteligência aguçada, erudição e capacidade de coleta de campo, Euclides vai cobrir o confronto de Canudos, para O Estado de S. Paulo, em agosto de 1897, levando na bagagem uma qualidade que o diferencia essencialmente dos demais correspondentes: a habilidade para situar um evento no contexto que o cerca, demonstrando para o leitor o sentido mais profundo do que retrata... Mas a ótica do autor alarga-se também em torno dos espaços e das condições imediatas que cercam o conflito, revelando um cuidado de documentação que seria típico aos bons repórteres de profundidade do futuro. (LIMA, 2004. Pg. 213)

A cobertura de O Estado de S. Paulo foi considerada como grande diferencial em relação aos outros veículos que também enviaram correspondentes. A intenção era a de transcender a notícia básica, fugindo dos comunicados oficiais e de tudo o que deixasse o tema raso. Um encontro visceral com a realidade foi evidenciado nessa cobertura. Um outro marco é a narrativa de João do Rio, pseudônimo de João Paulo Alberto Coelho Barreto. O texto do autor é caracterizado pela reportagem de campo no espaço urbano, entre 1900 e 1920. Em uma série de reportagens na Gazeta de Notícias, evidenciava temas como: o uso do automóvel, a chegada do cinema, o fim da boemia e a imprensa em seu novo caráter industrial. Mas, como aponta Edvaldo Pereira Lima, a contribuição do autor não foi suficiente para marcar uma forma jornalística. Ainda assim, o pioneirismo dele, marcado por uma ampla observação da realidade, é de grande importância. Após a década de 20, a evolução da reportagem fica, de certa forma, estagnada até o fim da Segunda Guerra Mundial. Essa renovação passa a acontecer no período entre 66 e 68. Anteriormente, na década de 30, a produção ficcional na linha do realismo social inibiu o surgimento de uma corrente de jornalismo voltada para a profundidade.

Ao contrário dos Estados Unidos dos anos 60, quando a literatura vacilou em retratar a cirurgia plástica que no plano dos costumes remodela a face da nação, deixando espaço para uma ambiciosa geração de jornalistas em busca de ruptura de limites, aqui, antes da Guerra, a instituição literária coibira qualquer iniciativa. (LIMA, 2004. Pg. 221)

Um outro fator que é apontado como inibidor da reportagem é a ditadura do Estado Novo, responsável por censurar os meios de comunicação. Ao mesmo tempo,

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questiona-se o motivo que levou essas obras a não vencer a barreira da censura, como aconteceu com muitos livros de ficção. Após a queda do Estado Novo, contudo, a imprensa passou por uma grande revolução. Um dos marcos foi o auge alcançado pela revista O Cruzeiro, em 1950. Além disso, cresceu, de forma considerável, a quantidade de repórteres que investiam em livro-reportagem, como David Nasser, Joel Silveira e Edmar Morel. Mas foi em 1966 que surgiu um produto que revolucionou o mercado editorial brasileiro. A revista Realidade, publicação mensal pioneira da Editora Abril, fez muito sucesso diante de sua cobertura ambiciosa. As temáticas abordadas por Realidade eram as mais variadas e não ficavam presas aos fatos do cotidiano. Os acontecimentos eram sempre ultrapassados por linguagens mais universais. Mas os recursos também contavam com suas limitações e não apareciam de forma tão revolucionária como os responsáveis pela base do New Journalism.

Realidade primou pelo texto solto que rompia com as fórmulas tradicionais do jornalismo no Brasil. Não chegou a atingir o grau de experimentalismo ousado que alcançou o New Journalism, mas sem dúvida veiculou um texto de ruptura para com o próprio texto do jornal e da revista. Não encontramos nas edições até 1968, propostas tão radicais quanto o fluxo de consciência, por exemplo. Geralmente, também não havia alternância entre vários pontos de vista numa mesma matéria. (LIMA, 2004, p. 230)

Uma outra característica que faz Realidade se distanciar de tais características é o fato de englobar uma gama variada de assuntos em uma mesma edição, fato que dificulta o aprofundamento das temáticas. Em um livro-reportagem, um determinado assunto vai contar com um grau de detalhamento muito maior, fazendo com que, dessa forma, ele rompa ainda mais com o que costumava ser publicado na grande imprensa. Assim como Realidade chegou com uma proposta inovadora, em 1966, o mercado editorial brasileiro de hoje conta com publicações especializadas voltadas para o chamado jornalismo literário, que bebe em muitos dos recursos do New Journalism. No Brasil, como aponta Felipe Pena (2006), o jornalismo literário pode ser classificado de diversas maneiras. Alguns autores defendem que essa modalidade de jornalismo referese, simplesmente, ao momento em que escritores assumiram funções dentro das redações.

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Outros autores consideram que pode ser relacionada àqueles profissionais que faziam críticas literárias nos periódicos. Uma outra corrente defende que o conceito está, justamente, na modalidade do New Journalism. Existem, ainda, aqueles que creditam o jornalismo literário aos romances-reportagens e à ficção-jornalística. O brasileiro Joel Silveira é considerado, por alguns autores, como o pioneiro na utilização do estilo conhecido como jornalismo literário no país. Como aponta o autor Felipe Pena (2006), ele defendia a idéia de que a grande reportagem era uma espécie de porta voz para a ditadura do Estado Novo, que preenche a história nacional de 1937 a 1945. No mercado brasileiro atual, o jornalismo literário tem espaço definido. Publicações noticiosas como a revista Piauí e alguns textos publicados na edição brasileira da Rolling Stone são alguns dos exemplos de publicações que seguem essa linha. A Rolling Stone completou um ano no mercado no mês de outubro de 2007. Além de reproduzir textos da versão norte-americana, a revista conta com uma redação fixa no Brasil. Alguns dos textos apresentados conseguem fugir da lógica padronizada tanto criticada pelos jornalistas literários. Já a Piauí conta com uma proposta mais ampla, com uma estrutura ainda mais voltada para a prática e exercício do jornalismo literário. Antes da existência dessas publicações, contudo, o mercado de livros-reportagem já apresentava títulos que investiam na temática, como Abusado, de Caco Barcelos, publicado em 2003. O livro figurou nas listas dos mais vendidos e trazia relatos sobre os bastidores da formação de uma quadrilha. Outros autores, como Ruy Castro e Fernando Morais, estreitaram ainda mais a relação jornalismo e literatura ao apresentarem textos claramente inspirados na área literária. Castro conta com biografias e grandes textos que se transformaram em livros-reportagem, como Chega de saudade: a história e as histórias da Bossa Nova (1990), O anjo pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues (1992), Flamengo: vermelho e negro (2004), Carmen: uma biografia (2005), entre outros. Fernando Morais assinou o famoso Olga (1985), além de Chatô, o rei do Brasil (1994), Corações sujos (2000), entre outros. Uma outra evidência do interesse do mercado editorial brasileiro pelo jornalismo literário está no fato da Companhia das Letras, uma das maiores editoras do Brasil, dedicar uma coleção exclusivamente à temática. O selo Jornalismo Literário chegou ao

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mercado para reeditar grandes reportagens do século XX, entre elas: Hiroshima, de John Hersey, A sangue frio, de Truman Capote, Chico Mendes - crime e castigo, de Zuenir Ventura, e Radical chique e o novo jornalismo, de Tom Wolfe, que traz um texto considerado como o manifesto do New Journalism. Além das publicações específicas, existem aqueles jornalistas que, mesmo com todas as dificuldades impostas pelas rotinas produtivas, conseguem elaborar textos diferenciados, com um mergulho maior no tema, em seus personagens, com outras perspectivas. É o caso da jornalista Eliane Brum, que escreve para a revista semanal Época. Eliane traz perfis e textos mais elaborados para a publicação, além de ter editado o livro A vida que ninguém vê, uma narrativa voltada para personagens anônimos para o grande público. Uma outra evidência importante no cenário nacional é o surgimento da Academia Brasileira de Jornalismo Literário, uma iniciativa dos jornalistas-professores Edvaldo Pereira Lima, Sérgio Vilas Boas, Celso Falaschi e Rodrigo Stucchi, que também criaram e coordenam o portal Texto Vivo, Narrativas da Vida Real. Com sede em São Paulo, a academia ministra cursos de especialização em jornalismo literário, além de trazer textos e reflexões no portal Texto Vivo. Neste ano, os professores colocaram no mercado o livro Jornalistas Literários – narrativas da vida real por novos autores brasileiros. Organizado por Sergio Vilas Boas, a obra conta com 16 narrativas de alunos que participaram do curso de pós-graduação da academia, entre o final de 2005 e o início de 2007.

1.2 Nos Estados Unidos

Muito do que se relaciona ao jornalismo literário produzido hoje está em sintonia com os preceitos e com os recursos do New Journalism, modalidade jornalística surgida em 1962, como aponta Tom Wolfe em Radical chique e o novo jornalismo. O livro, além de trazer três narrativas do autor, apresenta o chamado manifesto do gênero, escrito em 1973. Wolfe começou a freqüentar a redação do New York Herald Tribune em 1962, quando os romancistas eram as grandes estrelas dos jornais. A idéia era assegurar para o novo jornalismo o lugar de destaque ocupado pelo romance.

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Mas a ligação moderna entre jornalismo e literatura, considerada a prévia do New Journalism, está relacionada com a proximidade da produção literária com o engajamento político de escritores como Upton Sinclair e Jack London, como aponta Carlos Régis Ferreira em Literatura e jornalismo, práticas políticas (2003). Estes autores promoviam palestras para proletários e intelectuais norte-americanos. O termo jornalismo literário, inclusive, foi utilizado pela primeira vez em 1887 nos Estados Unidos por Matthew Arnold para descrever o estilo do autor Pall Mall Gazette, considerado como atrevido, vívido, pessoal e reformista, entre outras características apresentadas (FERREIRA, 2003, p.289). Para alguns historiadores, Daniel Defoe pode ser considerado como o primeiro jornalista literário moderno. Ele escrevia, no começo do século XVIII, ensaios e crônicas na revista Review e ficou reconhecido, principalmente, pelos romances Robinson Crusoé (1719) e Moll Flanders, como aponta Felipe Pena (2006). Mas é com base nas propostas e nas idéias de Tom Wolfe e seus contemporâneos que a idéia de novo jornalismo ganha força atualmente. A iniciativa que povoou os anos 60 tinha como objetivo fazer jornalismo para ser lido como romance, deixando os textos menos “beges” e com uma quantidade muito maior de atrativos para o leitor.

O que me interessava não era simplesmente a descoberta da possibilidade de escrever não-ficção apurada com técnicas em geral associadas ao romance e ao conto. Era isso e mais. Era a descoberta de que é possível na não-ficção, no jornalismo, usar qualquer recurso literário, dos dialogismos tradicionais do ensaio ao fluxo de consciência, e usar muitos tipos diferentes ao mesmo tempo, ou dentro de um espaço relativamente curto... para excitar tanto intelectual como emocionalmente o leitor. (WOLFE, 2005, p. 28)

A nova modalidade que surgia contava com grande mudança na rotina dos profissionais que estavam dispostos a seguir com as propostas. A nova reportagem era mais detalhista, ambiciosa e, sobretudo, intensa. Não contava com regras “sacerdotais”. O jornalista passava dias ou meses para apurar um determinado fato. A relação com as fontes eram amplificadas ao máximo, para que os relatos ficassem com diversos detalhes e da maneira mais rica possível para o futuro texto. Mas Wolfe considera que o novo

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jornalismo não poderia ser considerado como um movimento, já que não contava com agremiações e associações. A partir de 1966, o New Journalism passou a ganhar ainda mais força, principalmente depois que a vida norte-americana se transformou no período que envolve o pós-guerra. Segundo ele, os romancistas não deram a devida importância aos acontecimentos, o que gerou uma lacuna no mercado norte-americano, espaço ligeiramente preenchido pelo novo jornalismo. Antes do manifesto de Wolfe, escritores já colaboravam muito com o novo jornalismo. Em 1946, John Hersey publicou o aclamado Hiroshima, que trazia uma narrativa com toques de romance para contar a tragédia com a bomba atômica na cidade japonesa. A idéia do escritor foi a de apresentar a história a partir do relato de seis sobreviventes. Dezenove anos mais tarde, a estratégia foi repetida com o também célebre A sangue frio, de Truman Capote. Para o escritor, o livro não era jornalismo, mas um romance de não-ficção. A sangue frio traz à tona a história de dois bandidos que assassinaram uma família na cidade de Kansas, nos Estados Unidos. Para Wolfe, a tática de Truman Capote em classificar a obra como um romance de não-ficção nada mais era do que dar ao trabalho a chancela do gênero literário que era dominante no período. Mas o que vai motivar esses novos escritores em suas obras é, como foi abordado anteriormente, uma insatisfação com as diversas regras de objetividade que reinavam nas redações. O lead era um dos elementos mais combatidos por esses autores. Outro nome muito marcante no período é o de Gay Talese, com obras importantes como Fama e anonimato, A mulher do próximo e O reino e o poder.

1.3 Relevância para o campo do jornalismo A adoção de técnicas da literatura pelo jornalismo, com a criação de uma nova configuração discursiva aqui chamada de jornalismo literário ou literatura de não-ficção, tem trazido contribuições bastante relevantes para o campo do jornalismo. Tanto em termos de práticas cotidianas quanto na produção de reflexões e pesquisas sobre a ampliação do alcance das suas funções sociais, especialmente as de ferramenta para o

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conhecimento do mundo real e de instrumento para a transformação de hábitos humanos já incompatíveis com o nível de desigualdade de renda e o grau de estafa do meio ambiente do planeta. Uma das contribuições mais palpáveis, do ponto de vista do texto concreto, é o aumento do prazer da leitura, provocado pelo apuro do texto jornalístico desenvolvido com apoio da arte da literatura. O uso de formatos geralmente utilizados para descrever situações imaginárias tornam as reportagens mais prazerosas, mais saborosas e, com isso, e o leitor fica mais “preso” ao texto. Justamente por identificar esse potencial, Tom Wolfe - um dos principais nomes do New Journalism - estabeleceu como meta principal, ao modificar sua maneira de escrever as reportagens, usar técnicas da literatura para “excitar tanto intelectual como emocionalmente o leitor” (2005, p.28). E, assim, prender leitores, dialogar com eles, mostrando o quanto a própria realidade pode ser fustigante, incrível e fantástica quando reportada com o uso de uma linguagem mais próxima da literatura. Resgatar o prazer da leitura era para Wolfe uma questão de honra quando ele começou a escrever literatura de não-ficção para a editoria de cidade e para o suplemento dominical New York do jornal Herald Tribune ou a revista Esquire. Especialmente no caso do New York, Wolfe sentia necessidade de dar aos leitores algo mais interesse para ler aos domingos, em lugar de entendiá-los com “caramelos mentais” (2005, p.30), textos sem qualquer atrativo escritos na mesma época: Os leitores não sentiam nenhuma culpa em deixá-los de lado, jogá-los fora ou nem olhar para eles. Nunca hesitei em experimentar qualquer recurso concebível capaz de reter de algum modo o leitor por mais alguns segundos. Eu tentava berrar no ouvido dele: Fique aqui!... (WOLFE, 2005, p.30).

O uso de técnicas da literatura diferenciava o jornalismo de Tom Wolfe e seus colegas contemporâneos de New Journalism dos demais textos jornalísticos na década de 60 do século passado, que utilizavam uma linguagem resultante do processo de neutralização, objetivização, apagamento das marcas do autor e enxugamento do texto iniciado no final do século 19 e início do século 20. Foi naquela época que a notícia passou a ser um “produto a venda”, como explica Cremilda Medina (1988). Os jornais impressos consolidavam-se então como negócio 25

comercial e não mais tanto como expressão de posicionamentos políticos de seus donos. No lugar das reportagens, dos folhetins, das crônicas e do jornalismo de opinião, nascia a notícia como baliza da “informação pura”, a informação apresentada de forma direta e supostamente objetiva e imparcial. A invenção do lead pelos jornalistas dos Estados Unidos trouxe impactos fortíssimos para a forma de escrita de uma notícia. A resposta às seis perguntas básicas (o que, quem, quando, como, onde e por que) logo no primeiro parágrafo do texto informava o leitor em poucos segundos sobre o que se tratava a história. A notícia deveria então seguir em tom neutro e objetivo, onde o autor se apaga como sujeito que compartilha o mesmo tempo e espaço que os fatos noticiados e se torna mero intermediador de informações. Não há, assim, lugar para o jornalista que gosta de contar a realidade com a ajuda de técnicas da literatura. A conseqüência é a criação de uma “ilusão de autonomia” do referente, ou seja, do fato reportado, com o ocultamento do “processo social que possibilitou a notícia” e a geração de um “efeito de objetividade” (SATO, 2002, p.31). Com o tempo, esse tipo de jornalismo transformou o repórter em difusor de declarações, acontecimentos e documentos oficiais, isto é, matéria-prima noticiosa que as estruturas de governo e as grandes empresas oferecem para a imprensa como notícia. A consolidação das assessorias de imprensa como serviços produtores de press releases faz parte do mesmo sistema de indústria informativa voltada a difundir o discurso oficial (MEDINA, 1988). Somadas à redução do número de profissionais nas redações, ao investimento cada vez mais raro em reportagem e à própria dinâmica mercadológica do jornalismo como negócio pouco lucrativo de um pool de empresas conglomeradas, fórmulas como o lead acabaram substituindo a reportagem de rua pelo jornalismo de redação, em que toda a etapa de apuração ou captação de dados é realizada dentro do prédio da empresa onde trabalha. Assim, a “alma encantadora das ruas”, tão importante para repórteres como João do Rio (criador da expressão), foi sendo gradualmente substituída por um jornalismo menos preocupado com reportar a realidade com todos os seus detalhes e contradições. A valorização da notícia em detrimento da reportagem culmina, no final do século 20 e

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início do século 21, em textos noticiosos escritos sem que o repórter ao menos pise na rua, bastando usar o telefonema e a Internet para elaborar leads tecnicamente perfeitos (MEDINA, 2003, p.79). Com a redução do número de profissionais nas redações e da estrutura disponível e o crescente domínio do mercado por um número menor de empresas de comunicação (muitas vezes, ligadas a negócios milionários de outros ramos, como telefonia e entretenimento, como já ocorre predominantemente nos Estados Unidos), a eficiência tem sido geralmente medida pela produtividade de notícias, ainda que superficiais e preliminares, e não tanto pelo aprofundamento de cada fenômeno social. A capacidade do jornalismo de tornar-se ferramenta para o conhecimento do mundo, ou de representar a complexidade do real, reduz-se na notícia à resposta às perguntas mais imediatas do receptor da mensagem. A fragmentação dos fatos em notícias isoladas e superficiais, corroborada pela compartimentação dos jornais impressos em editoriais, não ajuda o leitor a compreender o mundo e realizar articulações entre diferentes temas direta ou indiretamente interligados, como decisões políticas e vida cotidiana, incentivos à agricultura e a favelização das periferias urbanas etc. Se esse tipo de jornalismo deixa os repórteres mais sensíveis com os acontecimentos extra-muros da redação muitas vezes frustrados, como bem registra Cremilda Medina (2003, p.99), os leitores também já passam a exigir produtos melhores, ao menos no que tange ao jornalismo impresso, que sofre o impacto do deslocamento das notícias para veículos como maior capacidade de informá-las em tempo real, como a Internet, o rádio e a televisão. Em 1993, a pesquisa Truths to tell - Youth and Newspaper, realizada nos Estados Unidos pela ASNE Literacy Comitee Report4, mostrou que a pior forma de atrair leitores é a notícia escrita e organizada de maneira convencional e que os leitores ficam mais tempo em páginas com notícias escritas com auxílio das técnicas literárias. O estudo mostrou também que os textos que fazem algum esforço para explicar motivos, contextos e históricos de um fato têm atraído leitores jovens e menos instruídos.

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Disponível em http://www.asne.org/index.cfm?id=2476

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Também nos EUA, o Impact Study do Readership Institute5 (2001) deixou claro que, embora concorrentes da TV, da Internet e do rádio, os jornais impressos estão em boa posição no mercado e podem ganhar leitores se atenderem as suas expectativas. Para isso precisam, entre outros fatores, investir no conteúdo e na forma narrativa que o leitor preferir. No topo da lista dos dez conteúdos que mais interessam ao leitor dos EUA está a informação local aprofundada, especialmente sobre fatos ordinários da cidade e a vida (e morte) das pessoas comuns. Neste caso, as matérias escritas com aprofundamento narrativo são mais lidas do que as escritas da maneira tradicional. A pesquisa comprovou que esse estilo de narrativa, marcadamente de jornalismo literário, aumenta a satisfação do leitor e atribui valor à marca do jornal. Baseado na própria demanda comercial, o jornalismo chamado de literário ressurge ao final dos anos 90, nos EUA, como método para garantir a subsistência dos periódicos impressos. O prazer do texto, ao mesmo tempo em que atrai leitores, dá vazão à ampliação do conhecimento sobre o mundo real, uma necessidade humana cada vez mais urgente em tempos de efeitos digitais e produções político-midiáticas capazes de maquiar ou construir realidades. Assim, o jornalismo literário resgata a função primordial do campo como produtor de conhecimento e mais, apresenta-o como potencial motor de transformação de culturas e hábitos cotidianos. Isso ocorre porque, aliada à fruição do texto, a principal contribuição das técnicas de narrativa literária para o campo do jornalismo é a retomada da capacidade de reportar a complexidade do real – o abrir os olhos para o mundo como ele é, não mais como um conjunto de dados estáticos encaixáveis em leads. A própria função social do repórter se modifica: no jornalismo literário, não vale nada uma atuação supostamente “neutra” como mero intermediador de informações oficiais; o que vale é o jornalismo com marcas de autor, em que o conjunto de decisões, escolhas, apurações, observações, angulações e edições praticados pelo profissional do texto informativo se torna crucial para que o leitor possa compreender, em profundidade, o tema em tela. “O desafio é enxergar além do cotidiano, que tem efeito de catarata, provocado pela ilusão das certezas. O repórter tem que duvidar de suas certezas. O repórter mais 5

Disponível em http://www.readership.org/reports.asp

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perigoso é o que acha que já viu tudo”, diz Eliane Brum6, documentarista e repórter especial da revista Época, ganhadora de mais de 30 prêmios nacionais, entre eles um Esso por uma série de matérias intitulada A vida que ninguém vê, publicada no diário gaúcho Zero Hora, em 1999. Para Eliane, enxergar além da ilusão das certezas quer dizer voltar às ruas para ousar o confronto com o desconhecido, na tentativa de esclarecer questionamentos que a agenda dominante da mídia procura abafar. Interessante que é ponto comum entre defensores do jornalismo literário, ou mesmo do dito “bom jornalismo”, que o gênero tem uma função revolucionária, de modificar hábitos e culturas, especialmente de ampliar a visão do leitor sobre o mundo. Encontra-se essa declaração, de formas diferenciadas, em Tom Wolfe, Gabriel García Márquez, Cremilda Medina, Cláudio Júlio Tognolli, Sérgio Villas Boas e Edvaldo Pereira Lima, entre outros. Já nos anos 70, quando os ecos do New Journalism no Brasil faziam da grande reportagem a meta da maioria dos jornalistas, as pesquisas sobre técnicas de jornalismo literário eram vistas pelo governo como tentativas de “burlar o sistema”, relata Cremilda Medina (2003, p. 129). Para além de uma função política ou ideológica, entretanto, o jornalismo literário também evoca uma mensagem de que é possível acrescentar criatividade, intuição e arte ao pragmatismo imposto pelas rotinas industriais dos periódicos impressos. O investimento de mais tempo no processo de captação e a própria imersão nos fenômenos, práticas exigidas para a melhor concretização da proposta, denotam a realização de um trabalho quase artesanal na busca de articulação entre dados reais que possam colaborar para a compreensão do mundo.

1.4. Principais contribuições acadêmicas

As fronteiras entre jornalismo e literatura, as diferenças entre o real e a ficção, as marcas de autor versus a neutralidade do narrador, a formação literária dos jornalistas, o

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Declaração colhida por Katherine Funke durante palestra de Eliane Brum no Seminário Brasileiro de Jornalismo Literário, em São Paulo, em 23 de outubro de 2007.

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prazer do texto com formato literário são algumas das problemáticas que têm marcado a produção acadêmica sobre o campo do jornalismo literário. Um dos primeiros estudos que já versava sobre as contribuições da literatura para as reportagens foi publicado em 1972, de forma artesanal, pelos pesquisadores Cremilda Medina e Paulo Roberto Leandro, em A arte de tecer o presente. Em 2003, Cremilda atualiza os dados e lança uma obra homônima onde relata a experiência de ensino e pesquisa de “tessitura do real”, como ela chama a narrativa do tipo jornalismo literário. A pesquisadora lança propostas relevantes ao campo por incluir a discussão sobre as marcas do autor, o que abrange a inclusão da intuição, da criatividade, da cidadania e até da solidariedade no trabalho pragmático da reportagem. Simultaneamente e também logo depois de Cremilda Medina, outros pesquisadores contribuíram para a discussão. Em 1993, Edvaldo Pereira Lima lança Páginas Ampliadas, resultado de sua tese de doutoramento, uma das obras mais utilizadas em cursos de graduação em jornalismo como incentivo à grande reportagem, praticada em formato de livro, com técnicas de jornalismo literário. Em seu livro, Lima traz a hipótese que “o livro-reportagem (uma das classificações por ele proposta) estende a função informativa e orientativa do jornalismo impresso cotidiano uma vez que cobre os vazios deixados pela imprensa, e amplia, para o leitor, a compreensão da realidade” (LIMA, 1993, p.61). Para conseguir este objetivo, o livro-reportagem se utiliza das práticas inerentes do jornalismo, mas estas são ampliadas e até mesmo modificadas. Assim, o livroreportagem ganha características específicas e, de acordo com Lima, fica no patamar de novo gênero. Tom Wolfe, segundo Lima, chegou a reivindicar o nível de “gênero literário”. Lima foi um dos fundadores de um grupo de pesquisa chamado Texto Vivo (www.textovivo.com.br), que desde a virada do milênio oferece, em parceria com universidades, cursos de pós-graduação em jornalismo literário com turmas de alunos em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia e Porto Alegre. Assim, a produção de pesquisas sobre o campo tende a crescer nos próximos anos, ao lado da própria prática do jornalismo literário.

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Independente do Texto Vivo, contudo, a pesquisa sobre o jornalismo literário tem sido realizada de forma crescente no Brasil. Por exemplo, o pesquisador Fernando Resende (2002) aprofunda-se nos limites e contribuições entre literatura e jornalismo na análise da obra de Tom Wolfe. Ele rediscute características básicas do jornalismo (atualidade, objetividade e realidade) a partir das luzes lançadas por Wolfe em Radical Chique para concluir que as técnicas do jornalismo literário melhoram o jornalismo. Já pesquisadora Cristiane Costa (2005) lança Pena de aluguel, um estudo que entrelaça os campos do jornalismo e literatura do ponto de vista de quem os pratica no mercado. Ela pesquisou a fundo as características isoladas e entrelaçadas dos dois campos (jornalismo e literatura) no início de 1900 e 2000, para comparar o resultado da enquete realizada por Joao do Rio em 1904. A enquete de João do Rio buscava saber se o jornalismo era atividade que atrapalhava ou ajudava no desenvolvimento da literatura. O resultado, um empate entre considerar o repórter um escritor prostituído e o jornalismo como fonte digna de renda para escritores, intrigou Cristiane Costa. Entre as conclusões da pesquisa da autora, que é bastante ampla, está o fato de que a literatura de não-ficção tem conquistado o mercado literário, especialmente no formato de livros-reportagens. A discussão já suscitou uma série de outros estudos, como a coletânea de artigos Jornalismo e literatura – a sedução da palavra, organizada por Gustavo de Castro e Alex de Galeno, além de publicações específicas sobre o uso de técnicas de literatura na construção de perfis e biografias, como fez Sérgio Vilas Boas. O pesquisador Carlos Rogé Ferreira ampliou a discussão com a tese de doutorado, que resultou no livro Literatura e jornalismo, práticas políticas, onde examina algumas relações existentes entre contradiscursos (um discurso emancipador de esquerda e narrativas literário-jornalísticas). Ferreira analisou treze obras escolhidas por serem modelos com características das relações mencionadas. Entre as obras, o pesquisador analisou Miami e o cerco de Chicago, de Norman Mailer; Os honrados mafiosos, de Gay Talese; Lúvio Flávio, o passageiro da agonia, de José Louzeiro; Rota 66, de Caco Barcellos. Ferreira defende que as produções jornalísticas e literárias sejam entendidas como lugares importantes de descoberta e afirmação dos indivíduos e das coletividades, ligadas, entre outras, às questões das práticas transformadoras.

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1.5. Características intrínsecas do jornalismo literário

O estudioso Edvaldo Pereira Lima diz que as técnicas do jornalismo literário podem ser aplicadas em livros-reportagem, gênero7 mais conhecido no Brasil. Para ele, o livro-reportagem persegue o objetivo de ampliar a compreensão da realidade pelos leitores. Para isso, o livro-reportagem maximiza os recursos operativos inerentes à prática jornalística e ganha características individualizadas. Através do acompanhamento das etapas de elaboração da reportagem – pauta, captação e redação (incluindo aqui a edição), Lima sustenta que é possível evidenciar as limitações da imprensa regular. Para ele essas limitações podem ser ultrapassadas no livro, no qual a primeira marca característica, muitas vezes, é a liberdade do autor. Assim, o jornalista pode fugir dos ditames convencionais que restringem sua tarefa de construtor de mensagens na imprensa cotidiana. O pesquisador Edvaldo Pereira Lima apresenta três momentos bem definidos da produção de uma mensagem jornalística: a extensão pela pauta, a complementação pela captação e a fruição pelo texto. A cada um desses momentos, o autor detalha as características que diferenciam o jornalismo literário do jornalismo cotidiano, factualizado e limitado pelo foco nos acontecimentos do dia. Estas características serão melhor aprofundadas nos próximos itens. Já o jornalista norte-americano Tom Wolfe apresenta quatro características fundamentais: construção cena-a-cena, diálogos completos, observação participante e autópsia social. No momento da escrita do texto, há uma clara aproximação com as formas narrativas da literatura, como identifica o próprio Tom Wolfe e também Lima e Resende. Para Wolfe, o objetivo do uso dos recursos literários em textos de não-ficção era o de excitar tanto intelectual como emocionalmente o leitor. Porém, Sérgio Vilas Boas, em seu livro O estilo magazine: o texto em revista, diz que não é a supra-realidade8 que interessa ao jornalismo. 7

Os autores Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari, em Técnica de reportagem: notas sobre a narrativa jornalística colocam o livro-reportagem como gênero. O norte-americano Tom Wolfe também reivindicou o nível de “gênero literário” para a modalidade. 8 Vilas Boas aqui se refere à diferença entre o redator, para quem a linguagem é puro instrumento do pensamento, um meio de transmitir realidades, e o escritor que, ao contrário, tem a linguagem como um lugar dialético que permite a tradução de diferentes matizes do real.

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O que interessa é a precisão, pois tudo que se escreve em jornalismo dever ser verificável, comprovado na realidade imediata. A realidade do jornalismo se aproxima, então, de uma literatura não exatamente ficcional. Mas isto não impede o contrário: que a literatura de ficção, no conceito clássico, se utilize da realidade imediata e comprovável. (VILAS BOAS, 1996, p. 59)

E o estudioso Vilas Boas vai além na tentativa de esclarecer a ligação jornalismo e literatura e diz que a reportagem narrativa é um dos gêneros mais importantes em jornalismo e, provavelmente, o que mais aproxima o jornalismo da literatura. Para ele, o jornalismo é uma das categorias da literatura. Em outras palavras, é literatura de massa.

1.5.1. A extensão pela pauta No primeiro momento, da extensão pela pauta, segundo Edvaldo Pereira Lima, existem algumas liberdades em relação à imposição da atualidade do jornalismo diário, como a da presentificação.

Naturalmente que, para o leitor, muitas mensagens não necessitam ultrapassar o âmbito do efêmero. Mas quando se trata da reportagem, cujo objetivo é o aprofundamento, a definição da pauta pelo critério de atualidade pode revelar-se inócua, uma vez que muitos fenômenos que nos afetam escapam de uma conformação atual, no sentido restrito, tendo muito mais a ver com uma concepção um pouco mais dilatada de tempo presente. (LIMA, 1995, p.64)

A liberdade temporal avança para o relato da contemporaneidade, resgatando no tempo algo mais distante do atual, mas que segue causando efeitos. Assim, há uma liberdade de eixo de abordagem, que desobriga o texto a girar em torno do acontecimento factual, o que cria uma liberdade temática. A reportagem de jornalismo literário fica, portanto, livre para tratar de assuntos ausentes da agenda dominante da mídia naquele momento, assim como a liberdade de fontes, já que fontes de diferentes tipos, não apenas as usuais, podem ser ouvidas para a construção do texto. Segundo Lima, a periodicidade impõe padrões de rotina ao jornalismo e, ao mesmo tempo, alia-se a outros dois fatores nocivos para uma comunicação além do

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caráter informativo. São eles: construção da mensagem pela fórmula mais rápida, porém menos criativa, do texto pasteurizado das características impostas ao jornalismo (o que, quem, quando, onde, como e – nem sempre – porquê) e a recorrência apenas a fontes legitimadas, ou seja, institucionalizadas como tais. Assim, o jornalista recorre sempre as mesmas fontes, que são mais fáceis de localizar do que procurar várias pessoas não legitimadas ou pouco distantes do assunto. E Lima explica como, de súbito, Dr. X é guinado à posição de grande especialista em determinado assunto e é sempre procurado para falar, em detrimento de outros especialistas que também podem falar sobre o assunto, em respeito à quebra de rotina para o leitor. A pressão padronizadora e legitimadora favorece uma definição viciada das realidades sociais selecionadas para o relato jornalístico e deixa escapar muitos fatos que – por este viés - não apresentam relevância social. Muitos desses fatores não se encaixam às definições prévias, ou não se ajustam aos prazos de fechamento ou da narrativa conhecida, e ficam simplesmente de fora. Com isso, as reportagens ficam presas ao factual e não abordam as questões contundentes que conformam os acontecimentos. Lima apresenta outro agravante desse procedimento operacional viciado: a manipulação ideológica ou de comprometimento atrelado a interesses mercadológicos. Ou seja, estratégias para conquistar, a qualquer preço, o leitor, que perde a chance de captar o sentido mais profundo da contemporaneidade. “Muito mais ainda quando entra em campo um certo emocionalismo, típico do latino, distorcendo a leitura do real” (LIMA, 1995, p.67). Tudo isso contribui para a má qualidade da reportagem que, conforme colocou Lima, nasce na pauta, a primeira etapa do processo de produção da mensagem jornalística.

A pauta é a definição de rumos, o estabelecimento de diretrizes que, quando mal-administrada, conduz a matéria a terrenos pouco férteis (…). Caso as coordenadas sejam viciadas, naturalmente a navegação será pobre, menos eficiente, podendo hipoteticamente chegar, em condições extremas, a se desviar totalmente do destino previsto. (LIMA, 1995, p.68)

A estudiosa Cremilda Medina acrescenta que, nas rotinas de redação, as pautas pecam pela falta de domínio técnico-profissional e, muitas vezes, por falta de

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imaginação, um veículo pauta o outro. Medina também identifica problemas na angulação da pauta (perspectiva básica sob a qual a reportagem será desenvolvida) que resolve-se pelas relações entre os níveis grupal, massa e pessoal da comunicação (MEDINA, 1982, p. 143 e 145). Para Cremilda, o nível grupal identifica-se com a caracterização da empresa jornalística onde essa pauta vai ser transmitida. A empresa, uma vez conectada a um grupo econômico e político, conduz o comportamento da mensagem da captação do real à sua formulação estilística. Medina acrescenta que este nível é mais evidente nas páginas editoriais, mas pode ser detectado mais sutilmente em toda a codificação de jornalismo informativo. Há também a angulação pelo nível massa como elemento limitador da pauta diária do jornalismo convencional. Essa angulação seria a preocupação em corresponder a um ‘gosto médio’ ou, dito de outra forma, o uso de técnicas que apresentam a informação com certos ingredientes de consumo. Por fim, Medina fala do nível pessoal da angulação que oferece maior grau de autonomia ao autor do texto. A estudiosa, porém, faz a ressalva que essa autonomia se dilui bastante numa criação cada vez mais anônima nas redações. Além disso, um profissional prestigiado, por seu toque pessoal de qualidade na produção de matérias, segue tendências do consumo de massa e não vai contra o nívelempresa porque senão seria dispensado. Outro aspecto apresentado por Lima é a busca pela apreensão múltipla de aspectos da realidade. Para isso, prevê a localização dos conflitos relativos à questão que será tema da reportagem. Os conflitos, ou embates entre forças e/ou entre personagens, devem ser compreendidos e transcendidos para permitir a identificação de causas, efeitos e forças protagonistas da reportagem. Lima diz que esse processo deve ser feito na elaboração da pauta, uma leitura sistemática do assunto que vai ser trabalhado.

Analisar, decompor, o sistema visado em sua estrutura básica e encontrar, como ponto de partida, os conflitos resultantes dos estrangulamentos sistêmicos, o que facilita, num segundo passo, interpretar causas e consequências. Se queremos produzir um material sobre a queda do serviço hospitalar público no país, a abordagem sistêmica com certeza auxilia a encontrar os pontos nevrálgicos da questão, nos seus aspectos contextuais, processuais e temporais. (LIMA, 1995, p. 78)

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Feita esta análise da elaboração da pauta, em busca da captação do real, Lima nos apresenta um conjunto de liberdades disponíveis que privilegiam o livro-reportagem: liberdade temática, liberdade de angulação, liberdade de fontes, liberdade temporal, liberdade de eixo de abordagem e liberdade de propósito. Partindo do pressuposto que o livro-reportagem tem a possibilidade da diversidade temática, Lima acrescenta que este gênero abraça temas que não foram alvo de abordagem pela imprensa ou foram de forma superficial ou não tiveram o mesmo enfoque dado pelo livro. Esta liberdade temática pode ser ilustrada por uma série de livros-reportagem e até mesmo de grandes reportagens veiculadas em jornais e revistas, já que, como já foi dito, Lima escolhe o livro-reportagem para a sua análise, mas as características são de jornalismo literário e, estas, podem ser aplicadas em outros formatos de produtos jornalísticos. Na liberdade de angulação, Lima defende que o livro-reportagem é uma obra do autor e, assim sendo, é desvinculado, pelo menos em tese, do comprometimento com o nível grupal, de massa e com o pessoal. “(…) seu único compromisso é com a sua própria cosmovisão e com o esforço de estabelecer uma ligação estimuladora com seu leitor, valendo-se, para isso, dos recursos que achar mais convenientes, escapando das fórmulas institucionalizadas nas redações” (LIMA, 1995, p. 83). Podemos, aqui, dar como exemplo o livro A sangue frio, de Truman Capote, lançado em 1966 nos Estados Unidos. No livro, Capote apresenta o caso de uma família rural do Kansas que foi assassinada. Para fazê-lo, o autor passou cinco anos entrevistando fontes, especialmente os dois assassinos. Ficou claro na obra-prima de Capote que ele teve plena liberdade de angulação, pois revelou como autor seu apreço pelos bandidos (alguns até diziam que ele teria se apaixonado por um deles), o que contraria o consenso geral da época nos EUA, legitimado pela legislação daquele país, de condenação sumária dos assassinos. Da mesma forma, não estando atrelado ao ritmo compulsivo de produção das redações, Lima apresenta a liberdade de fontes, quando o jornalista pode fugir do estreito círculo de fontes legitimadas e usar um número variado de entrevistados. Um bom exemplo é Hiroshima, de John Hersey, lançado em 1946. O livro reconstitui o dia da

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explosão da bomba atômica a partir dos depoimentos dos seis sobreviventes e, para completar o trabalho, Hersey voltou à cidade 40 anos depois. Lima, para exemplificar outra liberdade, a temporal, cita do exemplo do livro 1968, o ano que não terminou, de Zuenir Ventura. No livro, segundo Lima, Ventura recupera um importante momento histórico do Brasil, trazendo vários atores que são personalidades atuantes na atualidade. Esta liberdade possibilita a fuga da presentificação restrita e “avança para o relato da contemporaneidade, resgatando no tempo mais distante do de hoje, mas que segue causando efeitos neste” (LIMA, 1995, p.85). A liberdade do eixo de abordagem também é permitida no livro-reportagem, de acordo com Lima. Dessa forma, o livro-reportagem não precisa ficar preso na factualidade, no acontecimento, mas pode vislumbrar um horizonte mais amplo através do fato e também descortinar questões mais duradouras que compõem as linhas de força que determinam os acontecimentos. Com esta flexibilidade de mergulho em situações e questões, o autor pode encontrar, de forma mais satisfatória, o âmago dos conflitos. Foi o que ocorreu em O teste do ácido do refresco elétrico, onde Tom Wolfe conta a história de um grupo de precursores do ácido lisérgico, aproveitando os fatos para analisar os efeitos do uso da droga, associando-os a toda uma série de contextos da época e interesses humanos universais, e atemporais, pelo que há além da realidade concreta. Para Lima, estas liberdades já apresentadas possibilitam que o livro-reportagem tenha propósitos mais elevados que a reportagem comum, já que confunde, mistura dados. A liberdade de propósito pode ser exemplificada no livro O segredo de Joe Gould, de Joseph Mitchell, de 1942. O livro nos apresenta um boêmio culto, excêntrico e pobre que guarda um segredo, mas também nos revela o espírito de Nova Iorque naquela época. Mitchell ficou famoso por revelar personalidades comuns, gostava sempre de evitar os famosos. Costumava dizer: “eles são tão grandes quanto você, seja você quem for”.

1.5.2. Captação dos dados Já o segundo momento categorizado por Lima, o da captação dos dados, mantém, muitas vezes, as limitações e as inadequações do jornalismo cotidiano. Com uma pauta bem elaborada, o jornalista tem as diretrizes para a coleta, via pesquisa de material

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registrado – livros, sonoras, documentos, outras matérias etc -, de entrevistas, pesquisas de tipo sociométrico e observações. Lima defende que uma reportagem de profundidade exige um bom trabalho de documentação, ou seja, o estabelecimento de relações entre fatos isolados e situações globais, de interpretação dos significados da contemporaneidade para o leitor. Para ele, no entanto, isso está longe de acontecer e diz que os jornalistas sofrem de uma “cosmovisão desatualizada”, uma atrofia de visão. Em função disso, o jornalista limita-se à simplificação do real, ao conceito de certo e errado. Um dos mais importantes instrumentos de captação, a entrevista, começa assim a receber críticas no meio acadêmico que discute os métodos e novos rumos para sua eficácia no processo de compreensão do real. Estas críticas, partindo especialmente de Cremilda Medina, se baseiam no fato de que a compreensão do real, no seu aspecto de humanização, pressupõe um diálogo interativo entre o entrevistador e o entrevistado, ou seja, o jornalista e a fonte. Com isso, cria-se uma interação humana entre o receptor e o personagem dos acontecimentos e das situações, através do jornalista, que é um representante do público. Lima acrescenta que o papel do jornalista, quando bem-sucedido, é o de tanto criar identificação e projeção quanto o de estabelecer um distanciamento crítico consciente, vívido. A missão do jornalista, nesse caso, é estimular uma conexão entre entrevistado e receptor. “É auxiliar a compreensão do real, mas também colocar a dose adequada de emoção, sem a qual nenhum ato comunica na dimensão humana o que o jornalismo pretende” (1995, p.90). Cremilda vai além.

Enquanto insistirmos na competência do fazer, despojada de significado humano, pouco se avançará no diálogo possível numa sociedade em que impera a divisão, a grupalidade, a solidão. Se os meios são de comunicação, que se encare então o que é comunicar, interligar. O maior obstáculo é o dirigismo com que se executam as tarefas de comunicação social. Na maior parte das circunstâncias, o jornalista imprime o ritmo de sua pauta e até mesmo preestabelece as respostas; o interlocutor é conduzido a tais resultados. (…) O que menos interessa é o modo de ser e o modo de dizer daquela pessoa. O que efetivamente interessa é cumprir a pauta que a redação de determinado veículo decidiu. (MEDINA, 1986, p. 07)

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Mesmo com essas críticas, Medina acredita no potencial da entrevista para ser um diálogo democrático, o que ela denomina de plurálogo. A pesquisadora classifica as entrevistas em dois grandes grupos: as de espetacularização (caricatura das possibilidades humanas) e as de compreensão (busca o aprofundamento). Nas entrevistas de espetacularização, Medina (1986, p. 15) define quarto subgêneros: o perfil do pitoresco (foco em traços sensacionalistas); o perfil do inusitado (aspectos exóticos do entrevistado); o perfil da condenação (colocando o entrevistado de forma simplista na condição de réu ou vilão) e o perfil da ironia (também realiza um julgamento aprioristicamente condenatório do entrevistado, mas num nível superior de sutileza). No segundo grupo da compreensão, Medina aponta cinco subgêneros: a entrevista conceitual (na qual o repórter versa sobre diferentes temas, com especialistas em cada área); a entrevista/enquete (em que um único tema é privilegiado pela pauta ou por questionários básicos aplicados à fontes escolhidas aleatoriamente); a entrevista investigativa (coleta de informações em off e em on e que ajuda matérias investigativas e de denúncia); a confrontação-polemização (mesa-redonda, debate, simpósio, painel ou seminário, quando fontes antagônicas são simultaneamente entrevistadas) e o perfil humanizado (proposta de compreensão ampla do entrevistado). E acrescenta que:

técnica de obtenção de informações que recorre ao particular, a entrevista vale-se de fontes individualizadas e lhe dá crédito, sem preocupações científicas. Isso não invalida o aleatório na seleção de fontes porque qualquer pessoa procurada no anonimato tem alguma coisa importante a dizer. (MEDINA, 1986, p. 19)

Saindo do campo da entrevista, Lima apresenta a importância da observação no momento de captação para a elaboração de um texto (ou matéria jornalística). Introduz a idéia da observação participante, que é quando o observador estabelece um grau de interações dentro dos grupos observados de modo a reduzir estranhezas mútuas. E apresenta técnicas: o da pesquisa participante (técnica de observação participante) e o de pesquisa-ação (supõe uma participação dos interessados na própria pesquisa organizada em torno de determinada ação).

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Essa etapa no processo de produção no jornalismo, segundo Lima, também encontra problemas por conta do esquema regular da imprensa cotidiana. Para ele, a grande reportagem deve fugir desse esquema e ater-se a observação intensa, demorada. Tudo isso para recuperar a arte da narração que envolve uma finalidade que ultrapassa o meramente informar. Medina completa:

ao lidar com o perfil humanizado, consciente ou inconscientemente, faz-se presente o imaginário, a subjetividade. Como enquadrar nos limites de um questionário fechado, de uma cronologia rígida, de uma presentificação radical, uma personagem que ultrapassa estes ditames? O diálogo possível, se acontecer, já encontraria esta fórmula. O entrevistado passeia em atalhos, mergulha e aflora, finge e é, sonha e traduz seu sonho, avança e recua, perde-se no tempo e no espaço. (MEDINA, 1986, p. 43)

E, aqui, mais uma vez aparece a questão da subjetividade na mensagem jornalística, especificamente na etapa de captação. Lima defende que não se trata mais de elementos pouco produtivos de evasão e de fantasias gratuitas e, sim, perceber uma visão mais completa da realidade. Além disso, propor ao leitor uma leitura abrangente dos acontecimentos, das situações e dos personagens que estão imersos num universo complexo em que o real concreto e imaginário interpretem-se, combinam-se. A captação, além da entrevista e da observação, encontra na documentação (coleta, exame, classificação e uso de dados disponíveis na sociedade, em seus mais diversos meios), outra ferramenta indispensável que, de acordo com Lima, alcançou um nível bom nas grandes empresas produtoras. Este nível é o resultado das criações dos departamentos de pesquisa que mantém um respeitável volume de informações diversificadas. Mas, somente isso, não garante um bom uso delas. O aproveitamento de toda essa informação não garante qualidade na produção jornalística. Segundo Lima, existe uma grande produção, mas é dada pouca importância à pesquisa e interpretação dos fatos. Para isso, é preciso sensibilidade do profissional e condições de trabalho, para que seja possível a ampliação de cada vez mais realidades das que se justapõem na ordem hierárquica estabelecida sistemicamente e uma abertura para a incorporação de novas

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lentes (criadas pela ciência, pelas artes) disponíveis pela própria sociedade em busca de conhecimento próprio e sobre o mundo. Feita essa análise do campo da captação, Lima apresenta os instrumentos que o livro-reportagem se utiliza (ou poderia utilizar), uma vez estando de fora das rotinas aprisionantes e repetitivas do jornalismo cotidiano. O primeiro instrumento apresentado é o de entrevistas de compreensão. Segundo Lima, em sua pesquisa, somente encontrou entrevistas de compreensão nos livrosreportagem. Num mesmo livro, várias entrevistas aparecem e, a depender do momento, é apresentada dentro de um dos seus subgêneros. Ou mesmo uma grande entrevista que é apresentada, num momento, dentro de um e depois de outro subgênero. Porém, Lima sustenta que a entrevista desponta como uma forma de expressão em si, dotada de individualidade, força, tensão, drama, esclarecimento, emoção, razão, beleza.

Nasce daí o diálogo possível, o crescimento do contato humano entre entrevistador e entrevistado, que só acontece porque não há pauta fechada castrando a criatividade. Em muitas ocasiões, surge o painel de multivozes e o repórter, o autor, é apenas um sutil maestro que costura os depoimentos, interliga visões de mundo com tal talento que parece natural tal arranjo, como se surgisse ali espontaneamente, perfeito. Nessas ocasiões, o jornalista-escritor atinge uma situação máxima de excelência no domínio da entrevista: a de tecedor invisível da realidade. (LIMA, 1995, p. 107)

Histórias de vida também são utilizadas pelo livro-reportagem, seja em forma clássica de entrevista (reprodução do diálogo) ou como depoimento direto. Acontece também uma mescla dessas duas modalidades com narrativa em primeira ou terceira pessoa. Lima ainda apresenta as divisões dessa modalidade apresentada por Dulcídia Buitoni (em Texto-documentário: espaços e sentidos. Livre-Docência. ECA-USP, 1986): autobiografia (o ator fala por si só); entrevistas biográficas (o entrevistador serve apenas como ouvinte ou também interfere na estrutura do relato); fonte complementar de pesquisa (as histórias de vida como um meio complementar de coleta de dados) e o suporte de pesquisa (as histórias são o principal suporte elucidador da rede de relações sociais). Mas a observação participante talvez seja a contribuição mais forte do New Journalism às técnicas de captação, pois envolve uma situação quase impossível no 41

jornalismo cotidiano: a do repórter que mergulha no universo estudado (às vezes sem se identificar como repórter ou sem anunciar que escreverá sobre aquilo que vive) de modo a retratar a realidade com a maior fidelidade possível, tendo acesso aos dados de maneiras muitas vezes informais, mas autênticas. Um bom exemplo (entre tantos outros) é o de Hunter Thompson, que fez parte da turma dos Hell´s Angels por 18 meses para poder escrever o livro Hell´s Angels - medo e delírio sobre duas rodas. O capítulo final conta o espancamento de Thompson pelo grupo. Outra ferramenta de captação é o resgate de memória, a busca de riquezas psicológicas e sociais. Pela reconstrução é ultrapassado o limite da informação concreta nua, chegando-se a uma dimensão superior de compreensão tanto dos atores sociais como da própria realidade maior em que se insere a situação examinada. Na captação de dados, usa-se também a documentação, que consiste em recolher dados em fontes reconhecidas para ligá-los a fatos aparentemente isolados. Isso porque o jornalismo literário foca mais na questão do que no fato, ou seja, a partir do fato pode-se ampliar a compreensão do universo tratado. Mas, apesar do recurso ser usado pelo jornalismo cotidiano, é no livro-reportagem que os autores se preocupam com pesquisas documentais sólidas para a realização do trabalho. Lima exemplifica com dois livros: Olga, de Fernando Morais, e 1968, o ano que não terminou, de Zuenir Ventura. O primeiro demandou uma pesquisa documental em instituições de seis países, além do Brasil, consulta de vários periódicos nacionais e estrangeiros, coleta de dados em uma vasta bibliografia, além de depoimentos de mais de vinte fontes vivas, no Brasil e exterior. O segundo exemplo contou com dez meses de trabalho, através de pesquisas em revistas, jornais, arquivos e livros. Por fim, Lima apresenta a visão pluridimensional simultânea, em que o jornalismo literário amplia a visão reduzida do cartesianismo e incorpora óticas modernas abrangentes. O jornalismo não deixa de abordar o real, não se confunde com ficção. Segundo o pesquisador, o New Journalism deu um passo na direção do mais abrangente, ao introduzir monólogos interiores dos personagens de suas matérias e fluxos de consciência, até então só empregados na literatura de ficção.

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Esta técnica, segundo Wolfe, manifestava-se pelo “ponto de vista autobiográfico em terceira pessoa”: “(…) a técnica de apresentar cada cena ao leitor através dos olhos de um personagem particular, dando ao leitor a sensação de estar dentro da mente do personagem e experimentando a realidade emocional da cena tal qual ele a experimenta” (The New Journalism, 1973, p. 32).

1.5.3. A fruição pelo texto O pesquisador Edvaldo Pereira Lima vai além da pauta e captação e apresenta problemas também na linguagem verbal do jornalismo cotidiano: prisão do texto à informação, perdendo-se o alcance possível de um tratamento mais enriquecedor e que traga, ao leitor, uma maior gratificação. Aqui, mais uma vez, torna-se necessária a presença da narração, do uso de tempos verbais, descrição, diálogo etc. A aproximação com as formas narrativas das artes é feita quando a narração compreende uma reconstrução do real, em que o emocional-racional e o emocional se equilibrem, em que o real e o imaginário convivem. Portanto, deve-se investir na percepção do real/imaginário tal como ele se manifesta no modo de ser e no modo de dizer de um entrevistado. Esta aproximação necessita de uma renovação da forma de escrever ou do rejuvenescimento do texto jornalístico. Para Lima, a narrativa jornalística de melhor qualidade instaura uma ordem em seguida a uma desordem, permitindo que o leitor constitua um reordenamento possível. E é esse restabelecimento de um novo ordenamento sistêmico dos dados da realidade que Lima pontua como o objetivo do jornalismo de profundidade em relação à reação do leitor. O autor de um livro-reportagem cria um jogo implícito com o seu leitor, procurando captar e atrair sua atenção, cativá-lo para abstrair-se desse mundo e mergulhar no mundo simbólico apresentado. Tudo isso para que a comunicação se dê. Mas, para isso, é preciso que o autor apresente componentes que façam com que o leitor sinta-se familiarizado e fique movido a invadir o livro. “Isso quer dizer que o autor, numa

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dimensão mais abstrata, sutil, deve penetrar no universo dos símbolos comuns – comuns entre ele, a obra e o leitor – que possibilitam o contato e a atração” (LIMA, 1995, p. 144). Mas, segundo Lima, somente essa conexão do leitor com o conteúdo apresentado não é suficiente para garantir que ele vai chegar até o final da leitura. Para isso, na construção do texto, Lima defende ainda a técnica de fluir com naturalidade, ou seja, usar passagens suaves entre o texto, usando a navegação entre o tempo e espaço. Com essa fluência, o autor deve conduzir a obra para uma eficiência que, como apresenta Lima deve ser entendida sob a ótica sistêmica da dinâmica psicológica de três vértices: tensão, equilíbrio e desequilíbrio. É uma motivação psicológica com que o leitor se vê atraído à leitura e nasce do desafio que o autor consegue apresentar-lhe: desafio ao mergulho numa realidade representada desconhecida. Deste estado de tensão, poderá redundar, no equilíbrio, o desequilíbrio. Equilíbrio aqui é entendido como a absorção de um conhecimento pouco aprofundado da contemporaneidade, sem uma real catarse reelaborada do conhecimento. Por outro lado, defende Lima, é preferível o desequilíbrio, já que este alcança um certo grau de desajuste entre o leitor e o mundo. Através da leitura, o leitor é estimulado a observar a realidade por outros ângulos, de forma que tenta reorganizar e aprofundar seus conhecimentos. Para se garantir tudo isso, Lima lista as técnicas de tratamento da linguagem: as técnicas de redação (narração, descrição, exposição e diálogo), as funções de linguagem, as técnicas de angulação, as técnicas de edição e o ponto de vista. Lima nos traz elementos essenciais na narração apresentados por outros autores, como a situação (que deve trazer dados básicos do acontecimento, o que ocorre, quando, onde, como, quem envolve, porquê), a intensidade (o que emocionamente resulta disso) e o ambiente (descrição do meio físico e emocional do acontecimento). A descrição é compreendida como a representação particularizada de seres, objetos e ambientes. De acordo com Gaudêncio Torquato (1984), existem tipos mais comuns de descrição: a pictórica (soma de detalhes com o observador imóvel em relação ao que é observado); a topográfica (mais ênfase a certos aspetos, normalmente massa e volume); a cinematográfica (destaque para o jogo de luzes ou sombras); a prosopografia

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(descrição física das pessoas) e a cronografia (descrição de épocas ou circunstâncias temporais). Segundo Lima, outro aspecto é a exposição que, por via de regra, é empregada quando o profissional quer discutir uma questão básica e argumentar de modo a tentar convencer o leitor a comungar sua visão do problema. Para apresentar as funções de linguagem, Lima se utiliza de Roman Jakobson, que estabeleceu seis funções: referencial (relato seco, direto); expressiva (emissor apresenta suas opiniões ou sentimentos); conativa (receptor em primeiro plano); fática (usada quando o emissor procura saber se o leitor entendeu a mensagem, usa perguntas como “entendeu?”, “sabe meu irmão, que…” ou frases como “alô”, “oi”); poética e metalinguística (explica, ao estilo didático, o tema de que trata a reportagem). Segundo Lima, essas funções pouco aparecem no jornalismo cotidiano. Ao contrário, devido a maior extensão do livro-reportagem, o autor sente a necessidade de experimentá-las, alternadamente, no decorrer do texto, como artifício para manter a atenção do leitor. Os níveis de manifestação da angulação já foram apresentados: grupal, massa e pessoal, mas Lima mantém a contribuição de Gaudêncio Torquato (1984, p. 117) para definir e apresentar três conjuntos de recursos técnicos de angulação. “(…) a angulação é o ato de escolher uma abordagem, uma palavra, uma imagem, cores; angular é saber onde e como colocar determinado componente no texto, de maneira que a idéia apresentada seja a mais próxima daquilo que se pretendeu”. Os três conjuntos de técnicas de angulação são: as imagens, analogias e comparações; a tipificação de situações e personagens (através da descrição de pessoas, ambientes e objetos); e a descoberta do aspecto mais original ou interessante da matéria. Segundo Lima, Torquato também sugere contrabalançar o texto direto (declarações textuais) com o indireto (a interpretação de quem escreve). O ponto de vista é a opção na escolha dos olhos (e de quem) que servirão como extensores da visão do leitor. O leitor transita veloz de uma posição à outra, na visualização das cenas, os pensamentos são de personagens distintos e o leitor está ali, aproxima-se para ver e distancia-se para compreender.

A narrativa jornalística é como um aparato ótico que penetra na contemporaneidade para desnudá-la, mostrá-la ao leitor, como se

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fosse uma extensão dos próprios olhos dele, leitor, naquela realidade que está sendo desvendada. Para cumprir tal tarefa, a narrativa tem que selecionar a perspectiva sob a qual será mostrado o que se pretende. (LIMA, 1995, p. 161)

Assim, Lima introduz a questão do ponto de vista que, de acordo com o desenvolvimento ocorrido com o passar do tempo, limitou-se a duas formas: a narrativa em primeira e em terceira pessoa e a narrativa em segunda pessoa. Lima defende que no jornalismo não se usa toda a variedade de combinações que esses recursos oferecem, como se faz na literatura, ficando basicamente com o ponto de vista em terceira pessoa, ou narrador onisciente neutro. Já em primeira pessoa ocorre o foco do narrador protagonista. O pesquisador vai além ao dizer que, no livro-reportagem, já aparecem outras formas, como o ponto de vista chamado onisciente intruso (narrador coloca comentários na narrativa); a onisciência seletiva múltipla (relato evolui por intermédio de ações e impressões de vários personagens); ponto de vista autobiográfico em terceira pessoa; monólogo interior (expressa os estados mentais de modo articulado) e o fluxo de consciência. Técnicas de edição, de acordo com Lima, são indispensáveis para o tratamento adequado dos segmentos que formam uma narrativa extensa. Tratamento de montagem, de estruturação e ordenação do conjunto de ações, ambientes, personagens, discussões, questões, de modo a haver, no todo, uma unidade organizada com lógica, graça e harmonia. Algumas outras técnicas podem ser observadas. São elas: lições de cinema (cortes de tempo e espaço no lugar da maneira tradicional de construção do texto, em que se dava de forma cronológica no tempo e linearmente no espaço); lições de abertura (aquecer os momentos iniciais para prender o leitor, através da escolha de algum elemento da narrativa ou a apresentação do assunto do geral para o particular); lições de passagem (quebra de ritmo, junção de seqüências, conexão de conflitos em evolução); lições de término e retorno (finalizar com desfecho em forma de obra aberta, ou seja, deixar algumas perguntas ou possibilidades no ar).

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1.5.4. Construção cena a cena

Tom Wolfe (2005) fez um esforço para identificar os recursos da literatura, especialmente do romance realista, que marcam seus próprios textos de New Journalism. Suas explicações contribuem muito para o entendimento do estilo. Retomamos aqui as quatro principais contribuições da literatura identificadas pelo autor, que serão utilizadas adiante como categorias de análise do caderno Correio Repórter. A primeira delas é a construção cena a cena. Trata-se da narração das ações envolvidas no fato, trazendo para o texto o ritmo, os personagens, as falas, as falas, os elementos e detalhes das cenas, uma a uma, na seqüência que for necessária para que o leitor compreenda a questão em tela – seja uma consecução de cenas que se sucederam, seja na aproximação de cenas que ocorreram em tempos e locais diferentes. Embora Wolfe não amplie muito sua explicação sobre esse ponto, nos é permitido, a partir da leitura dos textos do jornalista, acrescentar que esse recurso tem por efeito a aproximação da linguagem jornalística da linguagem cinematográfica, justamente pelo cuidado com a construção das cenas e do seqüenciamento planejado da apresentação dessas cenas para o leitor. Na reportagem Radical chique (2005), por exemplo, o jornalista dá uma mostra desse poder de construir cenas completas e depois embaralhá-las, às vezes cronologicamente, às vezes não, ao gosto de Wolfe, que está conduzindo o leitor ao universo da elite novaiorquina interessada no movimento social radical chamado Panteras Negras, em plena década de 60.

1.5.5. Diálogos

O segundo recurso da literatura, especialmente do romance realista, adotado pelo jornalismo de Wolfe (2005) é a transcrição de trechos completos de diálogos para que o leitor possa ter acesso às formas de comunicação dos personagens, ao tempo das falas (com suas diferentes velocidades de resposta e de expressão), o que define os

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personagens de maneira muito mais direta e completa do que outros recursos, na opinião do autor.

1.5.6. Variação de pontos de vista O terceiro recurso identificado por Wolfe é o que ele chamava de “ponto de vista da terceira pessoa”. Trata-se de apresentar os fatos sob o ponto de vista de personagens, a ponto de ser acusado por críticos de “entrar na cabeça das pessoas” (2005, p. 38). Wolfe explica que seu objetivo era justamente esse: entrar “diretamente na cabeça de um personagem, experimentando o mundo através do seu sistema nervoso central ao longo de toda uma determinada cena” (2005, p. 35). O recurso tinha por objetivo fazer o autor do texto fugir do destino de narrador ausente, imparcial e neutro – o lugar destino aos jornalistas nos textos baseados na lógica da objetividade, como já vimos. Para Wolfe, esse era um narrador “bege”, que não imprimia cor e vida às ações descritas e que, justamente por isso, não conseguia aproveitar a oportunidade de construir as cenas com a contribuição dos seus próprios participantes. Então a narrativa passava a ser contada sob variados pontos de vista:

Em vez de chegar como um locutor descrevendo a grande parada, mudava o mais depressa possível para dentro das órbitas oculares das pessoas da matéria, por assim dizer. Muitas vezes, mudava o ponto de vista no meio do parágrafo, até no meio de uma frase. (2005, p. 33-34)

A mudança de ponto de vista podia transitar entre terceiras pessoas (protagonistas ou não da reportagem) e mesmo do próprio autor da reportagem. Às vezes, o próprio Wolfe se colocava como um personagem que passava pela cena ou era apenas um espectador perplexo – ele se apresentava como White Suit (Terno Branco) e aproveitava a oportunidade para descrever a cena sob seu próprio olhar, sem contar ao leitor que se tratava da visão do autor. Edvaldo Pereira Lima (1995) observa que, com essas múltiplas mudanças de foco narrativo, o leitor transita veloz de uma posição a outra, na visualização da cena; o leitor está ali, aproxima-se para ver e distancia-se para compreender, sempre a partir do ponto de vista de algum personagem ou do narrador. 48

1.5.7. Autópsia social

Tom Wolfe também enumera como característica do jornalismo literário a realização de uma autópsia social, isto é, descrever hábitos, costumes, objetos, comportamentos, que localizem o status social do personagem.

Consistia no registro dos gestos cotidianos, hábitos, maneiras, costumes, estilos de móveis, vestuário, decoração, estilos de viagem, comida, de cuidar da casa, modos de comportamento para com os filhos, os empregados, os superiores, os inferiores, os colegas, mais os vários olhares, poses, relances, estilos de caminhar e outros detalhes simbólicos que pudessem existir numa cena. Simbólicos de quê? Simbólicos, no geral, do status de vida das pessoas, entendendo este termo no mais amplo senso do comportamento e das posses pelas quais as pessoas expressam sua posição ou o que gostariam que fosse. O registro de tais detalhes não é mero ornamento em prosa. Está tão perto do centro do poder do realismo quanto qualquer outro recurso da literatura. (WOLFE, 2005, p. 26-7)

É uma técnica que remonta ao que o romancista francês Honoré de Balzac realizou em toda sua Comédia humana e consiste em descrever detalhes do cenário ou do comportamento das pessoas de uma determinada cena que possam caracterizar as localizações sociais dos personagens.

Eis o que Balzac fazia sempre e sempre. Antes de apresentar o leitor a monsieur e madame Marneffe em pessoa (n’A prima Bette), ele o leva à sala dos dois e realiza uma autópsia social: ‘A mobília coberta de veludo de algodão desbotado, as estatuetas de gesso fingindo bronzes florentinos, o candelabro mal entalhado com seus anéis de vidro (...)’. (WOLFE, 2005, p. 55-56)

A autópsia social é a detecção de elementos do universo simbólico do personagem – simbólicos de seu status social, de sua história de vida e de seu relacionamento com as outras classes sociais. Ao analisar a obra de Wolfe, Edvaldo Pereira Lima (1995) também pontua que o jornalista também pode recorrer a elementos do universo simbólico que sejam comuns entre autor e leitor, ou seja, possam ser reconhecidos e localizados no

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campo das manifestações simbólicas sociais pelo leitor, para que o recurso possa ser utilizado ao máximo. Na carona da autópsia balzaquiana adotada por Wolfe, o pesquisador Sérgio Vilas Boas dá dicas de como o jornalista literário deve agir para atrair o leitor. “Para manter viva a atenção do leitor na página, você precisa também de detalhes da aparência, modos, trejeitos, a forma como o personagem fala ou se move. São aqueles pequenos toques humanos, que até podem não ser fundamentais para impulsionar a narrativa, mas fazem os personagens parecerem reais” (VILAS BOAS, 1996, p. 47).

1.6. Críticas e limites do jornalismo literário

Quando se fala em jornalismo literário, uma das perguntas recorrentes é: quais são os limites da interface entre os campos do jornalismo e da literatura? Em outras palavras: como podemos diferenciar a ficção da não-ficção? E mais: como saber se o repórter (autor) está retratando a realidade ou lançando mão da ficção para “complementar” o seu trabalho? A crítica já atormentava a vida dos autores do New Journalism, como confessa Tom Wolfe. Aliás, o próprio jornalista admite que, ao ler a primeira reportagem escrita com contribuições da literatura, na revista Esquire, sua primeira reação foi achar que o colega estava inventando (2004, p. 22). Ao praticar o jornalismo literário, Wolfe percebeu que a ilusão da invenção do real vinha simplesmente do fato de que há muito tempo os romancistas dos EUA não retratavam mais a realidade, os hábitos e costumes dos seus contemporâneos, e sim “mergulhados em romances de idéias, romances freudianos, romances surrealistas (“comédias negras”), romances kafkianos e, mais recentemente, romances catatônicos” (2005, p.50). Ou seja, não era comum encontrar a realidade retrata de maneira literária, gostosa de ler - e o espanto vinha justamente dessa novidade. Para além da avaliação de Wolfe, pode-se compreender as críticas ao uso de recursos literários no jornalismo como conseqüência da separação cartesiana entre os campos do fazer e do pensar. Nessa fragmentação da produção humana de conhecimento,

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a literatura está mais situada na arte de inventar e imaginar, e o jornalismo, na tarefa técnica de contar a realidade. Trata-se de um pacto discurso: a literatura é ficção e o jornalismo é factual (RESENDE, 2002, p.44). Essa concepção dualista dos dois gêneros, que exclui qualquer possibilidade de literatura de não-ficção ou jornalismo ficcional, faz com que se levante a hipótese de que os jornalistas, ao recorrerem às técnicas literatura, também estariam incorrendo na invenção de fatos, dizeres, pensamentos ou detalhes de uma história. O jornalista e escritor colombiano Gabriel García Márquez (2006) faz uma ponderação em relação a esse tipo de crítica, lembrando que os jornalistas estão cientes de que a imaginação não serve como matéria-prima de qualidade para as reportagens. Por outro lado, os escritores também sabem que a realidade tem muito a contribuir com seus romances: O problema é que em jornalismo um só dado falso desvirtua irremediavelmente os outros dados verídicos. Em ficção, em compensação, um só dado real bem usado pode tornar verossímeis as criaturas mais fantásticas. (MÁRQUEZ, 2006, p. 169)

Especulações também contribuem para que os críticos tenham bala para atirar contra os jornalistas literários. Truman Capote, por exemplo, teria inventado um trecho de A sangue frio, como denunciou, depois da morte do jornalista, o colega Gerald Clarke, segundo Vilas Boas (s/d). Conforme Clarke, Capote inventou toda a cena final do livro, a que se passa no cemitério. A informação teria sido confessada pelo próprio jornalista em uma entrevista a Clarke, que depois publicou-a em uma biografia póstuma de Capote. Nessa discussão, a problemática da objetividade X subjetividade também entra em cena. O principal paradoxo de um texto de jornalismo literário é o jogo proposto entre a objetividade científica e a liberdade do romancista. Com relação à objetividade, Booth (1980, p. 128) destaca que, sem ceder ao relativismo, é possível constatar que interesses e predisposições individuais diferentes levam as pessoas a tomar aspectos diferentes da realidade, para fins diferentes. Assim, prossegue Booth, cada “fato literário” está altamente carregado de significados do autor, por mais que ele queira ser objetivo. Carlos Rogé Ferreira (2004, p. 51) fala sobre a relação forma-conteúdo que nasce da imbricação da abordagem do fato noticioso por meio de um discurso literário, com o

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uso da terceira pessoa do singular, que coloca o autor como sujeito dividido. Isso permite a exploração de diversas ambiguidades, inclusive a auto-reflexão sobre os lugares de enunciação desse autor e sobre os próprios discursos construídos (inclusive o jogo entre a objetividade questionada e pretendida, em torno do científico e do subjetivo, a partir do real). Para o pesquisador, exemplos dos escritores norte-americanos (como Gay Talese, em Fama e anonimato) trazem a técnica de apresentar “pelo lado de dentro” as verdadeiras dimensões humanas de figuras e fenômenos normalmente estereotipados por uma história oficial ligada a interesses mais ou menos disfarçados ou explícitos. Esse novo tipo de jornalismo rompe com o discurso usual, que se assenta sobre a objetividade (reforçada nos moldes “científicos” de isenção), e assume sua própria subjetividade, capaz de captar a de outras pessoas e suas realidades, propondo, porém, ser tão ou mais “objetivo-verdadeiro” do que as velhas práticas jornalísticas (FERREIRA, 2004, p. 113). Ferreira acrescenta que o problema de se discutir esse paradoxo subjetividade X objetividade é que temos dificuldade em desligar a idéia da existência de uma verdade final, capaz de ser identificada, recuperada, mesmo que com alguma dificuldade, em seu estado de pureza intocada, dependendo de os procedimentos estarem marcados pela “honestidade” dos agentes. Ao contrário disso, devemos lembrar da seletividade da memória, o posicionamento social, emocional, político, intelectual que (re)constrói não apenas a memória de um acontecimento, mas a própria observação e entendimento do mesmo. Outra contribuição que nos ajuda a entender a crítica à possível relação da invenção com o jornalismo literário é que “não se pode trabalhar com a noção de uma única realidade, pois há mais de uma realidade” (RESENDE, 2002, p.72). Como assim, mais de uma realidade? Trata-se aqui de considerar que a realidade possui diferentes aspectos que podem ser percebidos e reapresentados pelos jornalistas. É o que ocorre quando Tom Wolfe tenta captar o real sob diferentes pontos de vista, por exemplo. A matéria prima do jornalismo continua a ser a mesma, mas o ângulo de observação faz com que esses diferentes aspectos possam se complementar para formar a “realidade” reportada pela reportagem.

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Fernando Resende (2002, p. 84) faz uma analogia dessa técnica de Wolfe com o cubismo, pois o recurso faz a realidade ser apresentada de forma fragmentada, sob diferentes ângulos e olhares. O interesse do autor não é descrever a “verdade objetiva” de fatos isolados, mas tentar reconstruir o contexto e as relações entre as pessoas, e entre elas e os fatos, a partir de múltiplas visões superpostas e simultâneas. Assim, entendemos que, afora os casos comprovados de invenção, as críticas ao jornalismo que utiliza recursos da literatura precisam levar em consideração que essa nova configuração discursiva pode, ao contrário de tornar o real ficcional, dar ao jornalismo ainda mais capacidade de captar a complexidade do real em seus diferentes aspectos. Em comparação com a notícia formulada nos termos do lead, a reportagem literária se mostra como uma estratégia jornalística mais eficaz na tarefa de reportar o real.

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2. HISTÓRICO E ANÁLISES

2.1 O Correio da Bahia

O caderno Correio Repórter faz parte da edição dominical do jornal Correio da Bahia, que circula diariamente em Salvador. A publicação é a segunda em vendagem e circulação no Estado e pertence à Rede Bahia, que também conta com emissora de televisão, afiliada da Rede Globo (TV Bahia), além de rádios e portais eletrônicos. As empresas são ligadas diretamente à família de Antônio Carlos Magalhães, ex-senador falecido em 2007, desde as suas respectivas fundações. A rede pertence ao filho, Antônio Carlos Magalhães Júnior. O Correio da Bahia começou a circular em 1979, justamente no momento em que a família Magalhães entrou no setor das comunicações, como traz Maria Érica de Oliveira Lima no texto Jornalismo Oligárquico: o Perfil do Correio da Bahia, apresentado no congresso da Intercom, em setembro de 2002. No final da década de 70, o mercado jornalístico era competitivo, diferente do que acontece hoje em Salvador, que conta com apenas três jornais. Além do Correio, circulam atualmente A Tarde e Tribuna da Bahia. Mas, em 1979, o leitor podia escolher entre A Tarde, Diário de Notícias, Jornal da Bahia, Tribuna da Bahia e Correio da Bahia. O Estado de S. Paulo e o Jornal do Brasil mantinham sucursais na capital. Hoje, o Estadão e a Folha de São Paulo contam com correspondentes na capital baiana. O Correio da Bahia foi às bancas pela primeira vez no dia 15 de janeiro de 1979. Um dos motivos para a sua fundação foi o fato de Antônio Carlos Magalhães não contar com grande espaço nos jornais locais naquele período, como aponta Maria Érica de Oliveira Lima. Diante da limitação, o então político decidiu fundar a própria publicação. A família Magalhães ainda tentou comprar o Jornal da Bahia, mas não obteve sucesso nas negociações e abrir uma nova empresa foi a solução encontrada. Com o início da transmissão da programação da Rede Globo pela TV Bahia, em 1987, o Correio perde, de certa forma, a posição de principal espaço para desenvolver as

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idéias do grupo, que passou a ver na TV Bahia a possibilidade de abranger um público muito maior, através de uma mídia massiva. O Correio da Bahia passa, atualmente, por um grande período de reestruturação. Nos próximos meses, não somente o projeto gráfico do jornal vai ser modificado, como também a sua linha editorial, segundo afirmou seu diretor de redação dos últimos 17 anos, Demóstenes Teixeira, para o site especializado em jornalismo Comunique-se, em 08/01/2008: Teixeira fala abertamente dos interesses aos quais o Correio da Bahia serviu ao longo dos últimos 29 anos. "Durante muito tempo esse jornal serviu de fato como porta-voz político. Hoje não há mais razão para isso. ACM morreu. Temos que tratar isso aqui como um veículo e fazer de fato jornalismo". Sobre a influência direta de ACM, ele contou que ela se dava através das conversas entre os dois sobre o conteúdo do Correio. (ABREU, 2008)

O Correio Repórter deve fazer parte desta transformação. A idéia é tentar dissociar da forte imagem de cobertura política tendenciosa e deixar o jornal mais competitivo no cenário do jornalismo baiano, além de mais moderno nos quesitos forma e conteúdo. O processo vai ser liderado pela empresa de consultoria espanhola Innovation. Entre os clientes da empresa estão os periódicos La Nación, Libération e O Globo.

2.2 O caderno Correio Repórter

O Correio Repórter começou a circular em maio de 2000, com o tema Quilombolas. Desde a primeira edição, ele traz como característica marcante a base histórica, que vai caracterizar muitas de suas edições. Segundo a idealizadora e atual chefe de reportagem, Linda Bezerra, ele nasceu com o intuito de abrigar grandes reportagens. A busca era principalmente pelo jornalismo histórico, com a intenção de “mostrar a história da Bahia que não foi contada. Buscamos algo que não existia no Jornalismo até então”, como contou Linda Bezerra em entrevista destinada à elaboração 55

deste trabalho monográfico. Segundo ela, o ideal era contar sempre com uma linguagem literária, mas nem todos os repórteres envolvidos com a elaboração do semanal conseguem aproveitar bem as técnicas oferecidas pelo jornalismo literário. “São poucos os que têm essa capacidade, até porque esse caráter literário já vem, muitas vezes, com a própria pessoa. O jornalismo literário foge do padrão diário, é mais livre, mais romanceado”, acrescenta Bezerra. O caderno sempre apresenta edições temáticas. Sua capa chama exclusivamente para a grande reportagem interna, que se desdobra nas páginas 3 a 7. O Correio Repórter também dá espaço a escritores da cidade, com duas crônicas na página 2. Na contracapa (página 8), jornalistas escrevem perfis de personagens anônimos (que não tem ligação com a reportagem principal). Ali também são publicadas cartas de leitores, que geralmente comentam a edição passada. Em sua equipe, a chefe de reportagem conta com uma média de cinco repórteres. Destes, três são fixos. Os jornalistas Pablo Reis, Adriana Jacob e Flávio Novaes integram a equipe e são deslocados somente para eventuais coberturas especiais, além das escalas de fim de semana. A publicação conta também com “repórteres volantes” vindos, na grande maioria, da editoria diária Aqui Salvador, responsável pela cobertura dos diversos fatos que acontecem todos os dias na capital baiana. “O ideal é que não tenhamos uma equipe fixa. Mas o grande problema que enfrentamos é, muitas vezes, a falta de experiência destes profissionais. Muitos foram contratados pelo A Tarde”. Além dos repórteres e da chefe de reportagem, o caderno conta com um editor e um diagramador. Para fechar uma edição, como as reportagens necessitam de pesquisas aprofundadas e de um outro tempo para a confecção do texto, o jornalista conta com uma média de 30 dias disponíveis. Nesse período, ele, inclusive, não precisa comparecer à redação do jornal. O profissional administra o seu tempo da forma que preferir e se compromete em entregar o conteúdo no prazo. Com as matérias em mãos, a equipe necessita de dois dias para editar todo o material. Algumas reportagens do Correio Repórter foram publicadas em livros. Duas obras chegaram ao mercado com uma seleção de textos do caderno, nos anos de 2004 e 2005, com o título Memórias da Bahia. Existe uma terceira edição finalizada, mas está

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engavetada por falta de verbas que possibilitem o lançamento de um novo livro no mercado, segundo Linda. Mesmo diante da forte carga política que o Correio da Bahia traz em sua história, Linda Bezerra não aponta nenhum tipo de censura sofrida pela publicação. Ela, porém, ressalta que o jornal é uma empresa e, como tal, visa o lucro e tem os seus interesses particulares. “Mas nunca foi preciso derrubar uma edição. Tenho um orgulho enorme de fazer esse caderno”. Segundo Bezerra, apenas uma edição, com a temática vinhos, deixou de ser realizada após a constatação que a Bahia não teria tanta tradição no uso da bebida, fato que desmereceria um caderno voltado exclusivamente ao tema. Entre algumas capas de destaque do Correio Repórter, a chefe de reportagem lembra de “Retratos do Nordeste” (7/2000), “Anísio Teixeira” (07/2000), “Boca do Inferno” (08/2000), “Doce Utopia” (01/2002), “Espírito Barroco” (06/2003), “Otávio Mangabeira” (09/2004), “Ufanista do Samba” (12/2004), “Subterrâneos da Discórdia” (07/2005), entre outros. Com relação à diagramação, pode-se afirmar que ela segue uma linha tradicional. Como o caderno é temático, é comum a presença de fotos abertas (ocupando toda a largura da página). Mas a disposição, ângulo e recorte das fotografias, nas edições analisadas, bem como a disposição dos títulos, chamados e do texto, seguem idéias de desenhos de páginas conservadoras, no estilo praticado na década de 80 no Brasil conseqüência da falta de modernização do projeto gráfico do jornal Correio da Bahia.

2.3 Análises 2.3.1. Edição 3/6/2007 – “Black in Bahia” A reportagem de capa da edição do dia 03/06/2007 se intitula “Black in Bahia” e trata da presença do movimento americano do black power e do funk soul em Salvador. Essa presença recrudesceu no começo dos anos 80 e, desde o fim dos anos 90, retorna com outra roupagem, a do hip hop. Podemos dizer que o tema certamente foi escolhido

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por estar novamente em voga o “black” na Bahia, o que compromete de liberdade temporal. A liberdade temática, no entanto, se mantém, pois o tema do movimento negro raramente é abordado do ponto de vista histórico e cultural no jornalismo cotidiano de Salvador, sendo muito mais vezes as lideranças negras apresentas como lideranças de protestos contra o racismo e a violência urbana, ou simplesmente como lideranças religiosas do candomblé ou organizadores de blocos de Carnaval, como se fossem pessoas atemporais e imbuídas de uma capa contra as influências globalizadas que marcam as manifestações culturais na pós-modernidade. Como o repórter fornece uma outra angulação para o movimento negro, trazendo já no nome da matéria um termo americano para se referir às raízes do atual modelo de ser negro na Bahia, sem se deixar tolher por possíveis censuras institucionais ou racistas e mesmo de angulações do nível-massa (posto que, certamente, seria mais vendável um caderno que tratasse apenas do atual mercado fonográfico do hip hop), percebemos ao longo do texto liberdade de angulação. A captação do repórter não é do tipo observação participante, posto que Alexandre Lyrio reporta fatos passados ou mesmo distantes, ocorridos no Rio ou em Nova Iorque. Quando trata da cena atual do hip hop, não se coloca na pele de um MC ou de um DJ, apenas se limita a reportar o movimento. Todas as matérias da reportagem iniciam com o mesmo tipo de abertura. O repórter Alexandre Lyrio repetiu a lição de abertura de aquecer a narrativa com um fato, uma cena, um acontecimento particular que apresenta e sintetiza todo o propósito do texto: “Um homem movido a nitroglicerina abre crateras de subversão em palcos americanos, traduzidno em versos o levante negro contra o racismo: - Say it loud, I’m Black and I’m proud – Diga isso alto, sou negro e tenho orgulho! Com microfone em punho, James Brown, o Mister Dynamite ou “Senhor Dinamite”, detona melodia agressiva e discurso hostil para romper com qualquer forma de música e intolerância. É a trilha sonora de um movimento ainda mais abrangente (...)” (p. 3)

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“O cano de uma beretta niquelada, calibre 9mm, mira o corpo de qualquer ser humano de pele branca e indumentária policial. A cidade de Oakland, na Califórnia, vive dias de confronto violento entre os Black Panters, os Pantera Negras, e as autoridades locais. O braço armado do movimento black power patrulha ruas e guetos em defesa da própria comunidade, perseguida pela polícia racista.” (p. 4) “O metrô de Nova York atravessa a área suburbana de Manhattan com lotação completa. No Harlem, considerado maior centro cultural afro-americano, desembarca imensa leva de negros, reunidos à porta da casa de espetáculos Apolo Theather – Teatro Apolo, meca da música soul mundial. Longe dali, com alguns anos de atraso, nota-se movimento semelhante na periferia de Salvador.” (p.5) “Ladeira de São Bento abaixo, trecho final da Avenida Sete de Setembro, pouco mais de duas dezenas de tamboras enfrentam a desconfiança e o receio de uma Praça Castro Alves inteira. - Que bloco é esse? O questionamento seria desnecessário. Toda a África, com a plenitude que congrega os diversos mundos e etnias de sua diáspora, utiliza versos de Paulinho Camafeu para responde em coro: - Esse é o mundo negro, que viemos mostrar pra você.” (p.6) “À base de comprimidos de ropinol, John Travolta esquece-se de sua vida tediosa. De segunda a sexta, imerge no lamaçal de problemas e discussões familiares. Em dançantes noites de sábado, com punhado de amigos e psicotrópicos, faz o mundo curvar-se ao bamboleio do seu quadril” (pg. 7)

Dessas aberturas pode-se perceber também o uso da técnica da construção cena-acena, difundida por Tom Wolfe. Também há um esforço para a realização de uma autópsia social que permita ao leitor localizar quem eram os integrantes do Black Power na Bahia:

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“Nossos panteras negras não empunham armas de fogo. Estão mais preocupados em ostentar o respeitável ‘cabelo casa de cupim’, símbolo máximo das transformações estéticas a que se submetem. (...) Batizados com alcunha particular, em clara referência ao maior ídolo daquela geração, os browns ou “braus”, assumem postura de exaltação da própria beleza. Nas ruas, adotam espécie de narcisismo declarado. (...) Portam-se à maneira de Michael Jackson e seus quatro irmãos (...). Queixo suspenso, andar pretensioso, o sapato Adams ‘cavalo de aço’ com plataforma descomunal e chapa de metal no bico coloca-os acima da medida dos brancos. Blusa de manga comprida, colada ao peito, de material flexível para aderir aos contornos do corpo. (...) Saem às ruas em bandos, comboios de 10 ou mais, sempre a divulgar a batida de James Brown. Penetram em aniversários, casamentos, batizados e até carurus de São Cosme e Damião. (...) Aceitos ou não, os blacks dominam os recintos e seduzem pela postura. Sempre impecáveis, mexem com a imaginação feminina. (...) Conquistam olhares logo na primeira girada de corpo, sempre seguida pelo toque da ponta de um dos pés no chão, a senha para o início da disputa. Abre-se a roda, o mais provocador dá corrupio até o solo e desliza movimento desafiador bem no meio do salão. (...)” (p. 4)

O uso da autópsia social e da construção cena a cena está presente em toda a reportagem, sempre entremeado com declarações de personagens que viveram a época. No entanto, não há o uso da técnica da alternância de ponto de vista, nem a transcrição de diálogos completos. O uso de lições de cinema confunde-se com a das construções cena a cena, mas as quebras são proporcionadas apenas pelos intertítulos do texto. Não há lições de passagem nem de término.

2.3.2 – Edição 10/06/2007 – “Palácio da arte” A reportagem especial “Palácio da arte” foi publicada no Correio Repórter na edição de 10 de junho de 2007. Assinada pela repórter Adriana Jacob, o texto explora o cotidiano e características da nova burguesia que começou a emergir em Salvador no início do século XX. Naquele período, o palacete denominado de Villa Catharino,

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construído pelo comendador Bernardo Martins Catharino, virou símbolo de modernidade e, também, daquela classe emergente. O palácio é o assunto central da reportagem, que descreve-o, na época da construção, com riqueza de detalhes, além de trazer algumas curiosidades, como o fato de ter sido um dos primeiros a contar com banheiro em Salvador. O texto também traz um pouco da história da família do comendador. O palacete, que foi tombado como patrimônio histórico, chegou a ser cogitado como local para a primeira sede do Museu Rodin fora da França, mas a idéia foi abortada em 2007. O caderno é centrado no chamado jornalismo histórico, apontado pela chefe de reportagem Linda Bezerra como uma das principais características da publicação. São muito poucas as características do jornalismo literário presentes no texto. A questão histórica se sobrepõe às demais. Com relação às técnicas apontadas por Wolfe, não se encontram nas reportagens observação participante, mudança de ponto de vista e diálogos completos. Mas existe autópsia social, como na passagem que abre a matéria da página 3. “A planta do italiano Rossi era um luxo. Não só porque nos três pavimentos havia sala de música, salão de bilhar, biblioteca, barbearia, mas principalmente porque, em meio aos dez quartos reservados à família, havia uma sala de banho (...)”

O caderno possui tentativas de construção cena a cena, que não chegam muito próximos ao modelo wolfeano porque contam apenas uma cena de cada vez. De qualquer forma, o esforço é feito, como nos trechos: “Ao acordar, antes de ir ao trabalho, ele não descia para tomar o café da manhã. Sentava-se numa salinha localizada ao lado do quarto e pedia que trouxessem sua bisneta Alice Maria, de apenas três meses de idade. A menina era colocada então num pequeno colchão sobre a mesa diante da louça com o desjejum. Como numa conversa sem palavras, apenas com troca de olhares, Bernardo sorria, satisfeito.” (p.6)

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“Quando José Pereira era menino, ganhou uma bicicleta de presente do pai. Um dia, quando pedalava nas ruas do Barbalho, viu um carro parar ao seu lado e escutou a voz do padrinho: - Pára o carro, Honório, e bota a bicicleta no carro. Vamos almoçar lá em casa.” (p.6)

As técnicas apontadas por Edvaldo Pereira Lima, e escolhidas para análise nesse trabalho, também não ganham destaque na edição. Pode-se apontar uma lição de abertura na matéria da página 4. “Mal havia chegado a Feira de Santana, vindo de Portugal, Bernardo foi logo cuidar dos pesados serviços gerais da firma Joaquim José da Costa & Irmão. Dedicado e inteligente, o desempenho do menino logo chamou a atenção do proprietário (...)”

Existe lição de encerramento na matéria da página 5. “Era lá que, durante muitos anos, o comendador tomava o café da manhã. O homem de negócios, ar empreendedor, só começava a refeição quando chegava à salinha um de seus mais preciosos bens.”

Não se encontra lições de passagem e cinema. No que diz respeito à pauta, podese dizer que existe liberdade temática, mas não temporal, já que o assunto estava em discussão devido à vinda para a Bahia da primeira filial do Museu Rodin. A reportagem também não teve liberdade de angulação, pois a repórter não aproveitou a oportunidade de produzir uma obra autoral, limitando-se a contar a história do casarão que abrigaria o Museu, de forma basicamente convencional.

2.3.3 - Edição 17/06/2007 – “Chá sagrado” A reportagem “Chá Sagrado” foi escrita pela jornalista Mariana Rios e publicada na edição de 17 de junho de 2007. O tema central em questão é a ayahuasca, bebida

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preparada com a mistura de dois ingredientes naturais (cipó Banisteriopsis caapi e o arbusto Psychotria viridis), e que é utilizada em rituais religiosos com o intuito de ampliar a consciência e aproximar o usuário com a figura do divino. Segundo a matéria, estima-se que duas mil pessoas façam uso do chá na Bahia. O composto tem gosto muito amargo e conta com difícil aceitação pelo organismo devido aos efeitos colaterais. Os adeptos das diferentes comunidades religiosas que fazem uso da ayahuasca não encaram o produto como alucinógeno, apesar de psiquiatras afirmarem que é. Entre as comunidades que fazem uso, as mais famosas são União do Vegetal e o Santo Daime, mas existem os dissidentes e, também, aquelas que tentam não aproximar tanto o chá das cerimônias religiosas. A reportagem não apresentou muitas técnicas do jornalismo literário, mas podemos observar alguns elementos ao longo do texto. O texto de Mariana Rios traz, em determinados momentos, a construção cena a cena, apontada por Tom Wolfe no prefácio do livro Radical Chique como um dos elementos do new journalism. O recurso pode ser observado na abertura da matéria da página 7. “Todos estão sentados, e a frase “flamejai chama violeta” é repetida no aparelho de CD. Em seguida, cantos gregorianos compõem a trilha sonora. De repente, após alguns arrotos e profundas inspirações, o homem sentado ao lado, joga-se ao chão. Levanta-se e põe-se a dançar em volta da fogueira (...)”

Com relação à pauta, pode-se dizer que ela é atemporal. A temática não está presente na grande mídia com freqüência, o que ajuda com que a prática ainda seja desconhecida por uma boa parte da sociedade brasileira. Os rituais são restritos a pequenos grupos e, quando se tornam públicos, ainda sofrem preconceitos. Da mesma forma, há liberdade temporal, por não haver nenhuma data comemorativa ou noticiosa atrelada à reportagem. Observa-se a presença de liberdade de angulação. Mariana Rios aproveitou a oportunidade para posicionar-se favoravelmente ao uso religioso do ayahuasca de forma autoral, ao mesmo contando sua própria experiência com o chá e ouvindo, predominantemente, fontes que o defendem. Dessa forma, Rios atua de forma

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independente do nível massa, já que as reportagens sobre substâncias psicotrópicas costumam condenar o uso ou causar alarmes sobre possíveis vícios. A repórter também atua com liberdade quanto ao nível institucional, o que pode ser compreendido pelo fato do uso religioso do chá não interferir em interesses da Rede Bahia ou do Correio da Bahia. A observação participante, também citada por Wolfe, pode ser encontrada ao longo do texto. A rica descrição do efeito e sensações causados pela ayahuasca leva a crer que a repórter não somente participou de rituais, como fez uso do chá. Na abertura da matéria da página 3, da edição em análise do Correio Repórter, o recurso já pode ser observado pelo leitor. “Do coração da Amazônia brotam as insígnias e da mente dos homens, as alegorias. Ao ser apresentado ao chá ayahuasca, se prepare para ser auto-apresentado. Cipó ou corda das almas é uma das traduções possíveis para a bebida que, ao agir sobre a mente, provoca ampliações de consciência e aos homens de fé, uma comunhão com o sagrado (...)”

O recurso prossegue ao longo do texto:

"Ao virar na boca, e com apenas um gole, forçar a sua descida ao corpo, o rosto contrai. A boca não acredita naquele gosto, que parece testar até onde suportamos sua adstringência. O retorno para a cadeira – a depender da sensação ou seita, pode-se permanecer em pé, bailar e cantar - é aceitação, uma renúncia ao gosto prazeroso (...)”

E na página 04: “A lua ia alta e de olhos fechados, miravam. Eram centenas de olhos - pontos estrelados. Piscado e a olhar, íris cristalinas negras, azuis, vermelhas, verdes, castanhas, azuis amarelas. A sensação era incômoda – como se cada parte do corpo, observada e esmiuçada, estivesse deslocada e desordenada (...)”

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E na página 6 “Vinte minutos após a ingestão do chá, começam as reações. Algumas pessoas conservam os chicletes nas bocas, para amenizar a aspereza do chá. A respiração profunda antecipa a purgação. O mestre executa as chamadas de abertura – espécies de cânticos cuja função é chamar a força na sessão da União do Vegetal e controlar a borracheira (força estranha), chamando ou despedindo diferentes energias. Concentrarse nas chamadas é considerado importante – mesmo com o fluxo permanente de pensamentos e “as voltas que parecem ocorrer no abdômen.”

A autópsia social quase não aparece nesse texto, exceto no trecho: “Os signos são diversos. Cristal, cruzeiro, espiral, altar, uma moldura com a imagem de Saint German, e aos fundos da casa, o congá – local para trabalhos de Umbanda (...)” (p. 7)

Nos textos não foram encontrados os recursos de diálogos completos, autópsia social e mudança de ponto de vista. Já com relação às técnicas apontadas por Edvaldo Pereira Lima, na obra Páginas Ampliadas, pode-se observar lições de abertura, que prendem a atenção do leitor logo na matéria da página 3. “Do coração da Amazônia brotam as insígnias e da mente dos homens, as alegorias. Ao ser apresentado ao chá ayahuasca se prepare para ser auto-apresentado. Cipó ou corda das almas é uma das traduções possíveis para a bebida que, ao agir sobre a mente, provoca ampliações da consciência e aos homens de fé, uma comunhão com o sagrado. Fruto da união harmônica de duas espécies vegetais, o líquido marrom escuro permite ao corpo humano alcançar o inatingível. Aprendizado e autoconhecimento ofertado pela natureza.”

Mas as reportagens não contam com lições de término e retorno, já que o material não é finalizado com sugestões de perguntas para o leitor. Mas apresenta lições de

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cinema, passando do momento atual para o passado, de maneira brusca, como na matéria presente na página 6. “Mestre Nonato recebeu a estrela que o designa apto a comandar as sessões da União do Vegetal do fundador da religião: o baiano mestre Gabriel. Nascido em Coração de Maria, em 1922, José Gabriel da Costa teve uma vivência espiritual intensa, em busca da realidade (...)”

No texto, não foram encontradas as lições de passagens abordadas por Lima.

2.2.4. Edição 24/06/2007 – “Quadrilátero do pretérito” A reportagem em análise “Quadrilátero do pretérito” é assinada por Pablo Reis e foi publicada em 24 de junho de 2007. Vem, como as demais, com um texto de chamada na capa e ainda ocupa as páginas 3, 4, 5, 6 e 7 para falar sobre as lojas de antiguidades localizadas no centro de Salvador que já tiveram seus dias de glória e, hoje, amargam um período de franca decadência. O texto traz as três liberdades de pauta. Como se trata de um assunto pouco tratado na mídia, já que o segmento está em decadência, a pauta possibilitou ao repórter imprimir a sua marca, sem a presença do nível grupal ou de massa, utilizando a liberdade de angulação. Também tem liberdade temática, pois traz à tona um assunto que passa despercebido até mesmo pelas pessoas que transitam naquela região. E a liberdade temporal, já que a pauta não encontra nenhuma conexão com o momento atual, ou seja, não há nenhum link para que o assunto fosse levantado. O jornalista também se utiliza, em todas as páginas, da lição de abertura, muitas vezes mesclada com construção cena a cena. Vejamos os exemplos, página a página, na ordem de aparição: “Gildo dorme em divã de madeira. São quase 17h nas proximidades da prefeitura de Salvador e das repartições públicas que deixam as ruas transversais do centro antigo

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da cidade apinhadas de carros. Há movimento nas redondezas, mas não há serviço para Gildo, alheio a tudo isso no sono vespertino de seu assento em jacarandá.” “A coleção de santos do século XIX está lá por todas as prateleiras, mas não tem audiência sacra e nem profana para eles. São imagens graves da religião que já adornaram oratórios, nichos e estantes dos grandes fazendeiros do inteiro do estado, e hoje podem ser compradas a partir de R$50.” “Ele vem novamente com suas duas sacolas de plástico estufadas de promessas de lucros e já imagina que vai ser recebido pelo arrocho de uma crise. O mulato idoso procura por negócios, tem excelentes oportunidades para um comerciante esperto. É o mascate das antiguidades (...)” “O cheiro de guardado perfuma de ócio os antiquários mais tradicionais do centro de Salvador. As peças amontoadas continuam em seus lugares por até anos, porque dependem da aparição de clientes em um fluxo bissexto. A entrada de uma pessoa na loja é motivo insuficiente para dar esperanças a qualquer vendedor, que sobrevive de salário, mas principalmente de comissão.” “No ponto privilegiado da Ladeira da Praça, a Casa Moreira, desde 1925, tornou-se referência em relíquias ornamentais, preciosidades de quaisquer eras, tamanhos e preços. Mais que uma loja, é um marco do prestígio e da fidelidade aos clientes, recomendada por Jorge Amado, no livro “Bahia de Todos os Santos – guia de ruas e mistérios.”

Nos textos da reportagem em análise, pudemos observar o uso da técnica de lições de cinema, principalmente na página 03. Nela, o jornalista, praticamente a cada dois parágrafos corta a narrativa que vem desenvolvendo com o personagem X para apresentar o personagem Y e o Z, com suas atitudes e novos cenários. A cada nova quebra de espaço, quando vai apresentar novo personagem, o repórter inicia com “Menos de 100m

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adiante, ergue-se sem pressa dona Nicier Aguiar...”, ou “A 40 passos de distância, outra vendedora, Eliana dos Santos Primo...”. Esse recurso também é visível na página 06, quando o repórter aproveita para descrever uma cena: “Quase ao mesmo tempo, na Casa Moreira, um senhor atarrancado, usando pochete e com jeito de quem está sempre com pressa, mostra a José Luís, no balcão, o próprio relógio (...)”

Além desse tipo de quebra na narrativa, o jornalista também traz elementos da técnica de lições de passagem, pois quebra o ritmo com novos conflitos. Na mesma página 03, o texto vem apresentando os vendedores para, num determinado momento, começar a falar dos problemas da região. Mais adiante, depois de apresentados os problemas de estacionamento, policiamento etc, o repórter volta à cena para os vendedores, utilizando mais uma vez de construção cena a cena: “Gildo levanta da sua cadeira de sesta com aquele jeito sem muito ânimo de quem ainda esfrega os olhos, como criança que acorda de manhã e não quer ir para a aula, não exatamente com má vontade, mas apenas uma reação orgânica ao susto de despertar.”

A técnica de construção cena a cena é usada praticamente em todos os três primeiros parágrafos da página 05, quando o repórter fecha a aspas de um vendedor com: “(...), lamenta, limpando o suor espesso da testa larga protegida por um boné surrado de campanha política.”

A construção cena a cena é utilizada de forma mais interessante na página 06, quando o jornalista descreve o momento em que uma suposta compradora entra em uma das lojas:

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“Eliana Primo acaba de receber uma senhora com aparência de ex-hippie, cabelos propositadamente deixados grisalhos, que procura determinado tipo de mesa de uma madeira específica. Eliana ainda tenta argumentar que há alternativas para aquele móvel no acervo. A cliente desconversa, só queria saber de determinada mesa, ainda passeia pelo ambiente, pergunta sobre esse ou aquele item e vai embora sem se despedir.”

E, na página 05, não de forma ampla, mas sucinta: “É no número 73, da Rua Ruy Barbosa, que ele mantém a oficina para remediar os estragos do tempo. Mesa, cadeira, guarda-roupa, composições feitas com tábuas escuras e pesadas passam pelas mãos calejadas dos seus 75 anos de idade, quase seis décadas do único ofício que aprendeu na vida.”

De forma também tímida, o jornalista experimenta, em alguns momentos, a técnica de alternância de pontos de vista. Vejamos esse exemplo da página 03 quando o repórter apresenta uma vendedora e, em seguida, se coloca como se fosse ela a observar o movimento da rua: “Enquanto isso, assiste a uma escalada de violência no camarote de seu próprio trabalho. O trânsito dos excluídos, o balé sinistro dos chamados sacizeiros que saem das tocas no crepúsculo para dominar aquele quadrilátero dos antiquários.”

Na página 07, o repórter tenta entrar no fluxo de consciência dos vendedores quando descreve o atendimento a uma jovem cliente: “Diante da escassez de clientes, receber a jovem numa tarde ociosa é até um estímulo para desenvolver explicações sobre a origem de algumas peças.”

As técnicas de lições de término ou retorno também são utilizadas por Pablo. Na página 03, por exemplo, o leitor termina o texto com várias perguntas na cabeça ou com

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vontade de saber mais sobre o assunto. O repórter conclui com uma venda bem sucedida em um dos antiquários: “É um raro dia de alegria no quadrilátero dos antiquários de Salvador.”

Técnica rara nos textos analisados, a autópsia social é experimentada por Pablo na página 03: “Nos dois pavimentos da Casa San Martin, a disposição disciplinada dos objetos, a luminosidade e o aspecto de uma recente demão de tinta dão a impressão de um empório de decoração. Só que o ambiente em tons pastéis apenas disfarça uma rejeição indistinta dos clientes por aquele comércio.”

E com construção de uma cena na página 06: “Na frente da loja, uma placa avisa sobre compra e venda de antiguidades: louças, prataria, jóias antigas, brilhantes, relógios, móveis, quadros, cristais, biscuit e lustres. Só que desde o Carnaval, não há nem compra e nem venda no estabelecimento. A caixa registradora, de tão obsoleta, corre risco de virar artigo de exposição também.”

Ainda na página 06, o jornalista se utiliza dessa técnica, dando já o gancho para o final do texto, com lições de término e retorno: “O teto em madeira arruinada, carcomida e com mofo, contrasta com o veículo que ele estaciona dentro do estabelecimento, perto de penteadeiras e cristaleiras (...)”

O mesmo ocorre na página 07, quando descreve uma boneca de louça e a utiliza para brincar com o texto: “Na San Martin, uma boneca do tamanho de uma criança de 3 anos, com a face alva de porcelana, sentada numa cadeira, parece fitar os poucos clientes com os olhos gulosos de uma órfã que pede para ser levada para casa. Só que o preço não é

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brincadeira: R$ 2 mil. E termina assim a fábula de melancolia e desolação no quadrilátero dos antiquários em Salvador: com uma boneca desamparada à espera de um dono que não vai chegar e vendedores solitários recolhidos ao passado de fausto, porque o presente é só reclamação.”

Nessa reportagem em análise, apenas uma vez o repórter se utiliza da técnica de diálogos completos. Vejamos o exemplo na página 06: “- Sessenta e nove reais, em promoção, responde. - Mas, como? Eu comprei esse meu por 89..., indigna-se. - É. Esses preços variam de loja pra loja... - Mas eu comprei aqui mesmo. - Como eu já disse, a gente não tem mais o relógio e ele estava em promoção.”

Pablo Reis não utilizou a técnica da observação participante. Embora se perceba que o repórter é bastante observador, a ponto de transcrever diálogos completos, não chega a participar dos acontecimentos.

2.2.5. Edição 01/07/2007 – “Heroína esquecida” A reportagem em análise “Heroína esquecida” foi escrita pelo repórter Flavio Novaes e fala sobre a cidade de Maragogipe, que foi cenário importante para a independência da Bahia, mas atualmente, não faz parte das comemorações do 2 de Julho. Um dos fatos de comprovação dessa tese foi que a cidade recebeu o prisioneiro general Labatut, em 1822, um dos nomes mais conhecidos dessa parte da história. A reportagem está dividida em capa e páginas 3, 4, 5, 6 e 7, sendo que está última foge do tema central. Na página 7, o repórter apresenta um aspecto econômico e social dos moradores de Maragogipe. O texto mostra a importância da pesca para a vida dos moradores (a principal fonte de renda) e o perigo da pesca com bomba que é realidade na região. No final, traz dados sobre a suposta volta da Companhia Bahiana de Navegação a Vapor.

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A reportagem foi publicada no dia 1 de julho de 2007, portanto, um dia antes da histórica data de 2 de Julho, quando se comemora a Independência da Bahia. Esse detalhe chama a atenção para a liberdade de angulação que aqui não está presente, pois a abordagem realizada pela repórter atende às exigências do nível-massa, ao explicar para os leitores as motivações históricas da importância do município. Essa limitação também é complementada pela ausência de liberdade temporal, já que o caderno circulou um dia antes da comemoração do 2 de Julho. Por outro lado, a reportagem apresenta a liberdade temática porque todo ano se fala na Independência da Bahia, mas sempre (ou na grande maioria das vezes) da mesma forma, pouco se acrescentando à história. Dessa forma, a reportagem traz um tema que não é alvo comum: a participação de Maragogipe na luta pela independência da Bahia. Na abertura da reportagem em análise, logo na capa, o jornalista usa da técnica destacada por Lima, a lições de abertura e de forma quase poética, faz um resumo do que o leitor pode esperar naquele caderno. “Maragogipe não esquece, foi ali que ficou preso o general Pierre Labatut. As celas úmidas do primeiro andar da Casa da Câmara e Cadeia do município, que hoje servem de depósito, foram testemunhas da luta pelo poder. Foi ali, por mais de 60 dias, onde permaneceu um dos heróis da independência (...). Maragogipe não é mais a mesma, mas ainda há tempo de fazê-la colher os louros das comemorações do 2 de Julho (...)”

Nas páginas internas, o jornalista utilizou algumas das técnicas de jornalismo literário, mas sempre de modo tímido. Uma das técnicas utilizadas foi a lições de abertura, que está presente em quase todas as páginas, a exemplo da página 03: “Todo ano é o mesmo discurso, é o mesmo enfoque, é a mesma visão distorcida do evento que mudou a história do Brasil. Salvador, Santo Amaro da Purificação, Cachoeira e até Itaparica levam os louros de uma história que envolveu muito mais do que a capital do estado, a do recôncavo, a jóia do Paraguaçu e a maior ilha da Baía de Todos os Santos (...)”

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Nas demais páginas, o jornalista se vale da técnica de lições de abertura, utilizando para isso o recurso wolfeano de construção cena a cena, como aparece de forma tímida na abertura do texto da página 04: “A Casa da Cultura cumpre o seu papel. Adolescente e crianças, dezenas delas, estão rodando por ali, íntimos do lugar. E entre conversas, gargalhadas e às vezes olhares de quem está saindo da puberdade, sentam-se para pesquisar (...)”

Essa técnica também foi utilizada na abertura do texto da página 06: “Tudo aconteceu muito rápido, a região vivia dias agitados, tensos, de grande preocupação. Momentos que alternavam tristeza e euforia. Por isso aquela agonia, deveria ser exatamente naquele instante, o patriota Manoel Maurício Pereira Rebouças deveria partir à toda à vizinha Maragogipe e comunicar a boa nova.”

E ainda na abertura da página 07: “É final da manhã e os homens, sobre as pequenas embarcações, se aproximam. Alguns sentados, remando. Outros de pé, com os paus, enterrando-os na lama do mangue, até a aproximação no ancoradouro da cidade. Saíram cedo, nas primeiras horas da manhã. E agora retornam com xangôs, robalos (...)”

A técnica de variação de observação participante também é pouco (ou timidamente) utilizada. Está presente, por exemplo, na página 04, quando o repórter se coloca no texto: “Dali à outra casa, a que abriga a sede dos poderes Executivo e Legislativo do município, bastam alguns passos. Logo estamos, sempre acompanhados do fiel Roque Cruz, em frente (...)”

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Como exemplo da técnica de alteração de ponto e de vista, na página 05, o repórter descreve o ponto de vista de um pescador de Maragogipe, contando um detalhe do seu dia de labuta, para depois apresentá-lo, pelo ponto de vista do jornalista, como solução para o transporte até o local onde a reportagem terá continuidade. Na página 06, o jornalista se coloca dentro no momento histórico, quando escreve “Estamos nos primeiros minutos do dia 26 e apenas uma hora antes havia acabado de terminar o embate (...)” ou “Mas voltemos àquela madrugada do dia 26 em que todos pareciam extasiados (...)”. Já na página 07, o jornalista narra com o ponto de vista de um dos pescadores do local preocupado com a questão ambiental. “Mas, fica a dúvida: será aquele farto pescado que se apresenta no cais um presente espontâneo de Iara, a rainha das águas? Ou um butim? Que, daqui a algumas horas, envolverá mais cúmplices no crime consumado, os consumidores da feira ali adiante, inocentes ou não? Afinal, nem tudo é festa. ‘As pessoas ainda pescam muito com bomba por aqui. Eu mesmo fazia isso direto, mas parei’.”

Como exemplo das lições de passagem, na página 04, encontramos o trecho no qual o repórter está falando sobre o general Labatut em Maragogipe e passa a falar sobre a lembrança dele em Salvador, onde ele é nome de rua e as pessoas, no dia das comemorações ao 2 de Julho, discutem a pronúncia certa de seu sobrenome, para depois voltar para o local, em Maragogipe, onde ele ficou detido. Também de forma tímida, o texto da página 04 traz a técnica wolfeana da autópsia social: “É a sua residência, dentro do prédio, na antiga masmorra. Seu apartamento está montado, com direito a alguns passarinhos presos em gaiolas e outros utensílios domésticos para distrair a prole (...). O outro portão, imediatamente contíguo à casa, está aberto (...). Guardam-se, sim, dezenas de garrafas Pet, cadeira, roupa velha, bananas, laranjas para o consumo e restos da antiga modernidade, como uma antena de

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TV. O antigo depósito é mesmo rico, da antiga masmorra, continuam apenas as antigas grades (...)”

Outro exemplo dessa técnica aparece logo na abertura da página 05: “Os músculos dorsais e plantares são extremamente desenvolvidos. Fruto de anos e anos arrastando redes, jogando tarrafas, empurrando a areia da pequena praia da Ponta do Souza, nos mangues de Maragogipe, seja em Coqueiros ou em Najé, ou ainda nas pequenas e belas enseadas da baía de Iguape.”

E logo mais adiante: “Quem nos recepciona, todo sorrisos, sandália de dedo com a tira frouxa e remendada, camisa rasgada de político (...)”

Cortes de tempo e espaço, das lições de cinema, também estão presentes no texto, como na página 04, quando o jornalista descreve a antiga masmorra, através da condução do momento presente (situação atual) e volta para a parte histórica para lembrar dos porquês da prisão de Labatut. Outra técnica pouco utilizada, mas presente é a de diálogos completos. O jornalista faz uso uma vez ou outra, mas contentando-se em pequenas troca de frases, como pode ser observado na página 05: “Que apelido é esse? ‘Sei não, se porque é não’. E cai na gargalhada seu Bartolomeu Souza Santos, ‘dos diabos ninguém quer ser, né meu filho?’.”

E ainda: “‘Lembro que o vapor que fazia a linha apitava quando aparecia lá embaixo (...)’, recorda ele. Isso faz quanto tempo? ‘Não lembro, não, só sei que estou rezando 87 anos’, revela a idade.”

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Na página 07: “‘É bomba de dinamite mesmo, do Exército’. E onde encontraram isso? ‘Ô, você sabe que essas coisas têm em todo lugar, né não?’.”

A técnica de lições de término ou retorno também é pouco utilizada, mas temos como exemplo o trecho da página 05, quando o repórter diz que é realizada uma importante regata e se utiliza da figura de um dos personagens apresentados no texto e do Forte de Salaminha que está em decadência: “Em agosto, mês do evento, é mais uma boa oportunidade para conhecer um pouco mais da história da Bahia. E seu Cobrinha estará lá, firme e vigilante, junto ao seu Salamina, vendo os barcos da paz subirem o rio.”

2.2.6 Edição 08/07/2007 – “Guerreiras anônimas” A reportagem em análise, “Guerreiras anônimas”, foi publicada em 08 de julho de 2007 e foi feita pela jornalista Perla Ribeiro. Trata, sob diferentes abordagens, como uma grande autopsia social, a profissão da lavadeira em Salvador, do surgimento na época das mucamas até os dias de hoje. A reportagem vem com uma chamada na capa e ocupa as páginas 3, 4, 5, 6 e 7. Quanto à questão da pauta, a reportagem em análise pode ser encaixar tanto na liberdade de angulação, quanto temática e temporal. Liberdade temática porque se trata de uma categoria profissional que nunca teve o reconhecimento público ou das esferas do governo, portanto, pouco se escreveu sobre as lavadeiras no jornalismo cotidiano. Ou, quando apareceram, sempre foram de forma superficial ou com algum enfoque que faz parte de um todo. Nunca como sua rotina e importância como foco principal. Há liberdade temporal porque a reportagem não faz referência a nenhum momento atual, ou seja, não é factual. A liberdade de angulação se justifica porque não houve interferências de interesses de nível grupal ou de massa.

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No geral, a reportagem em análise não apresentou muitas técnicas do jornalismo literário. É um texto rico e bem escrito, mas que detém basicamente as técnicas convencionais do jornalismo. A repórter, no entanto, em todos os textos optou por utilizar das lições de abertura que Lima tão bem caracterizou. Em alguns casos, esta opção ficou mesclada com a técnica de construção cena a cena, apontada por Wolfe. Vejamos os exemplos (pela ordem das páginas): “Ao nascer, elas foram batizadas de Maria, Antônia, Joana e outros tantos prenomes, mas, ao longo da vida, acostumaram-se a ser chamadas da mesma maneira. Incontáveis vezes, enquanto essas mulheres subiam ladeiras ou caminhavam pelas ruas equilibrando enormes trouxas de pano em suas cabeças, ouviam o vocativo: “Lavadeira! (...)” “Era um daqueles dias em que o céu estava bem azul e o sol tinindo. De passagem pela Bahia, o príncipe Maximiliano de Habsburgo foi ao Dique do Tororó conferir a riqueza da sua flora e fauna. Ali não se conteve diante das lavadeiras. Parou atrás de uma árvore e pôs-se a observar (...)” “Naquela manhã de uma data esquecida no tempo, as lavadeiras perceberam uma movimentação diferente na Lagoa do Abaeté. O sol ainda lançava os primeiros raios e, curiosamente, além delas, já existia um estranho visitante no local (...)” “A trouxa podia ter 30 ou 60 peças, não importava quantas eram camisas ou colchas, o valor cobrado era sempre o mesmo. Enquanto as lavadeiras se dirigiam à casa das patroas, iam rezando para que as senhoras tivessem compaixão e maneirassem um pouco na quantidade de roupas (...)” “É tarde do terceiro domingo de junho, repetindo um ritual que já dura quase duas décadas, um grupo com cerca de dez mulheres se reúne no Colégio Assunção, nos

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Barris. Conversam animadamente, dão risada, cantam e até sambam. Em comum, todas as letras das músicas se referem ao trabalho e á luta das lavadeiras (...)”

A técnica de construção cena a cena também pode ser observada na página 05: “Por décadas, diariamente saía de casa cedo para se juntar às dezenas de mulheres que, como ela, ganhavam a vida lavando roupa. Chegavam à lagoa vestidas com roupas leves, chapéu de palha grande ou um pano amarrado à cabeça para proteger do sol forte, arriavam as trouxas e danavam a lavar (...)”

Ou na página 06: “Enquanto as lavadeiras iam contando o número de peças e anotando em uma folha de papel, sob o olhar atento da patroa, as espalhavam sobre um lençol, faziam um monte e davam um nó com as pontas (...)”

O recurso de alteração do ponto de vista também é ensaiado pela repórter na página 03 quando ela descreve o trabalho do cronista visual do Brasil do século XIX, o francês Jean Baptiste Debret, sobre as lavadeiras. “Munido com papel e pena, ele observou por horas a fio, às margens de um riacho, o vaivém das mãos acariciando bruscamente os tecidos, insistindo para que a sujeira os abandonasse. Na inexistência de escovão, esfregavam com o bagaço da palha de licuri ou a folha de São Caetano (...)”

Muito sutilmente e pouco utilizada, a técnica de alternância de pontos de vista pode ser observada na página 04 quando a jornalista se coloca no lugar do príncipe Maximiliano de Habsburgo: “Tinha ido ali para observar as belezas naturais, mas o aspecto humano não podia escapar à sua observação. Impressionava a força que aquelas mulheres

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imprimiam nos braços para retirar a sujeira dos tecidos. (...) Por mais que a atividade fosse braçal, encantava o desempenho com tanta destreza.”

E ainda quando se coloca no lugar de uma das lavadeiras: “Dava gosto de ver os lençóis alvos brilhantes e exalando um perfume suave.”

A mesma técnica aparece na página 05 quando a repórter apresenta o ponto de vista das lavadeiras que estranham a presença de um homem e três crianças, tão cedo do dia, na Lagoa do Abaeté: “De tão habituadas ao labor, como num gesto mecânico, as mãos já sabiam o caminho a percorrer. Enquanto molhavam, ensaboavam e esfregavam incansavelmente, desviavam o olhar para observar o intruso.”

E na página 06, ainda o ponto de vista das lavadeiras, sobre as patroas: “Por mais que conhecessem de cor e salteado as recomendações, como um disco arranhado, as patroas as repetiam incansavelmente. Diziam que queriam as roupas bem lavadas, pediam para terem mais cuidado com as peças finas (...)”

Como foi dito na abertura dessa análise, a reportagem é toda estruturada como uma grande autópsia social, mas podemos ainda dar exemplos mais claros, como o da página 04: “Carregando a penca de filhos e a trouxa na cabeça, elas acordavam com o sol e junto com ele seguiam para mais um dia de trabalho, só retornando ao final da tarde. Quem circula pelo Dique do Tororó ou mesmo pára às suas margens para admirar as estátuas de orixás, dificilmente consegue imaginar que no passado o verde da água era tomado pelo branco das espumas de sabão (...)”

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Ou ainda: “Hoje o corpo cansado se limita a se deslocar vagarosamente pela casa, mas a maior parte do tempo ela passa sentada no sofá, onde consegue ver a movimentação da rua e a filha, que também é lavadeira, manusear o tanquinho.”

O texto também traz de forma sutil as lições de passagem quando a repórter conta como era na época das primeiras lavadeiras, depois traz uma contextualização mundial para a profissão e retorna para a rotina, mas com dados de lavadeiras da atualidade. A técnica de lições de cinema também é usada, mas sempre de forma sutil. Na página 06, por exemplo, o texto apresenta a rotina das lavadeiras, quando é cortado para falar sobre a luta da classe e as suas reivindicações. A técnica de lições de término ou retorno está presente na página 03, quando o texto deixa em aberto a questão da extinção da profissão da lavadeira. Também na página 04 quando o texto não esclarece o que mudou no universo das lavadeiras, de antigamente para os dias de hoje. Nessa reportagem não foram utilizadas as técnicas de diálogos completos e observação participante.

2.2.7 Edição 15/07/2007 – “Relíquia franciscana” A reportagem de capa da edição de 15 de julho de 2007, intitulada “Relíquia fransciscana”, foi escrita pelo repórter Flávio Novaes. O assunto é a história do Convento de Santo Antônio de Paraguaçu, erguido em 1686, próximo à cidade de Cachoeira. Nota-se que a liberdade temática e temporal são relativas aqui, posto que o assunto da origem do Convento veio à tona com uma denúncia, difundida dois meses antes, de que em torno da construção teria se constituído uma falsa comunidade remanescente de quilombo, formada por escravos que teriam erguido o Convento, assim como trabalhado em engenhos de cana-de-açúcar da região. O tema da reportagem em análise é objeto de polêmica desde que a matéria do repórter José Raimundo, da TV Bahia – que integra a Rede Bahia, mesmo grupo

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empresarial do Correio da Bahia - foi ao ar, em 14 de maio de 2007, no Jornal Nacional9. A notícia televisiva suscitou muitas reações10 em defesa dos direitos dos quilombolas, posto que classificou as pessoas que moram no vilarejo como ladrões de terra, interessados em roubar o território do ex-prefeito de Cachoeira, Edson Ivo de Santana. O repórter Flávio Novaes, sem citar o nome completo do político, adota o carimbo “Ivo Santana”, com o qual ex-prefeito é mais conhecido entre seus antigos eleitores. A denúncia foi alvo de sindicância pela Fundação Palmares, órgão do governo federal responsável pelo reconhecimento desse tipo de comunidade. A sindicância confirmou11 que, historicamente, pode-se considerar a comunidade remanescente de quilombo, o que gerou reações dos fazendeiros de Cachoeira – incluindo o médico e exprefeito Ivo Santana, cuja família se responsabilizou por preservar a memória e a edificação do Convento. Assim, uma série de reportagens e notícias sobre as controvérsias da origem da comunidade localizada próxima ao Convento passou a ser publicada no final do primeiro semestre de 2007. Ivo Santana e seus filhos são personagens da reportagem em análise. Aparecem em três das cinco páginas, sempre entre elogios. Santana é apresentado ao leitor, pelo repórter Flávio Novaes, como o patriarca e verdadeiro guardião do Convento, na página 5. “É a pessoa física diretamente responsável pela manutenção do grande imóvel, por ele ainda estar de pé”. O repórter se posiciona diversas vezes diante da família Santana como admirador da paixão pela história franciscana por parte de seus personagens. Descreve assim Ivo Santana: “81 anos, ex-prefeito de Cachoeira, dono de parte daquelas terras, amante, eterno apaixonado pelo lugar”. Seus filhos também são pessoas muito respeitáveis e cuidadosas: o filho Chico “possui muito mais que uma admiração pela obra grandiosa”, 9

A reportagem pode ser assistida na Internet por meio do endereço da Rede Globo: http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM676535-7823SUSPEITAS+DE+FRAUDE+EM+AREA+QUE+VAI+SER+RECONHECIDA+COMO+QUILOMBOLA ,00.html 10 Algumas das reações podem ser lidas em: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2007/05/382190.shtml , http://www.ciranda.net/spip/article1094.html , http://refletindomuito.blogspot.com/2007/05/so-franciscodo-paraguau-territrio.html , http://www.cedefes.org.br/new/index.php?conteudo=materias/index&secao=3&tema=31&materia=3735 11 Conforme http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/09/24/materia.2007-09-24.8721146942/view

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se tornou arquiteto por causa do Convento e fez “fino projeto para a recuperação de toda a antiga área ocupada pelos franciscanos” (p.7); concede poder à família Santana, pois coloca-a no status de possuir Zé de Gringa como “fiel escudeiro” (p.7). Se Ivo Santana e família têm direito a declarações, elogios e presença intensa na reportagem em análise, por outro lado os supostos quilombolas sequer são ouvidos pelo repórter do Correio da Bahia. Mesmo sem cumprir a premissa jornalística de ouvir os dois lados da história, Novaes conclui, ao final da página 3: “Mas uma luta pela posse e propriedade de terras domina as rodas de conversa enquanto o hotel de luxo não vem. É o que o jornalista José Raimundo denunciou no Jornal Nacional e os pretensos descendentes de escravos estão vigilantes. Cercam como quem não quer nada, estão desconfiados com a revelação da farsa dos quilombolas, o carro da reportagem que está por ali. É mais um triste capítulo da história do Brasil. Seja pela preservação do seu passado, seja pelos interesses obscuros que podem atrapalhar ainda mais a busca à nossa verdadeira história.”

Pela presença maciça dos personagens da família Santana em posição de destaque, pelo posicionamento do repórter e pela ausência do “outro lado da história”, podemos afirmar que a reportagem é conduzida no sentido de comprovar a versão da família Santana da história. Novaes ainda termina dessa forma, na página 7, com um posicionamento bastante claro do repórter – e do Correio da Bahia – sobre a questão: “Fundação Palmares, Incra, família Santana, Jornal Nacional, Poder Judiciário. Invasões de terras, reintegrações de posse. Instituições e ações, uma legais, outras não, hoje dominam e tiram a tranqüilidade da vila. As terras transferidas o patriarca Ivo Santana para os filhos estão sendo constantemente invadidas por integrantes que desejam ocupar a terra reconhecida como área remanescente de quilombola. ‘Quando foi feita doação para os frades, já havia uma povoação de pescadores no local, não há registro de quilombo’, registra Ivo Santana, evocando o historiador frei Joboatão, que escreveu sobre a trajetória dos franciscanos. ‘No Iguape, dentro da bacia, é que existiam escravos porque ali tinha muitos engenhos’, completa.”

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Estes são indícios de que a angulação da pauta da reportagem em análise obedeceu ao nível institucional, por considerar verdadeira a versão reportada pela TV Bahia, em vez de trazer a controvérsia – que seria a versão dos supostos remanescentes de quilombolas, que dizem que seus antepassados, escravos, ajudaram a construir o Convento. O jornal A Tarde esteve no local e trouxe essa versão12 cumprindo uma angulação do nível-massa, ou seja, buscando trazer à maior parte dos leitores interessados mais condições de obter dados em linguagem acessível sobre o conflito. Podemos nos perguntar: e o que faz o Correio da Bahia publicar apenas uma versão da história, assim como a TV Bahia? Se olharmos para a história da Rede Bahia, verificamos que foi graças ao então ministro das Comunicações Antonio Carlos Magalhães (mais conhecido por ACM) que a Rede Bahia pôde ser construída. Filiado ao partido dos Democratas (DEM), antigo Partido da Frente Liberal (PFL) ACM, um político de grande prestígio e poder na Bahia e no Congresso Nacional, distribuiu nos anos 80 concessões de canais de televisão e rádio para aliados e familiares. Dessa forma, pôde controlar a imagem divulgada a respeito de si mesmo e de seus aliados13. Ivo Santana, por sua vez, pertencia ao grupo carlista quando político atuante. Falecido no dia 20 de julho 2007, ACM ou seus assessores podem ter tido alguma influência sobre a angulação da pauta da reportagem em análise. É algo que essa pesquisa não pode comprovar, mas existem indícios suficientes para inferirmos essa possibilidade. Assim, podemos afirmar que, do ponto de vista das técnicas de jornalismo literário, a reportagem teve suas liberdades temática, temporal e de angulação limitadas pelo contexto institucional da publicação. Outras técnicas de jornalismo literário, contudo, puderam ser bastante exploradas pelo repórter Flávio Novaes. Sua narrativa começa na página 3 (“Memória sepultada”) com o uso da técnica wolfeana da construção cena a cena. O repórter começa com a descrição do pôr-do-sol em um dia de espetáculo dos golfinhos ao mar, visto a partir dos degraus da Igreja de Santo Antonio; dois parágrafos depois, a idílica cena inicial é 12

A TARDE, 13/10/2007. Para uma análise mais completa, verificar a tese “Política e mídia na Bahia : com ênfase na trajetória de Antônio Carlos Magalhães”, de Gilberto Wildeberger de Almeida (Universidade Federal da Bahia, 1999). 13

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interrompida por um retorno à história da fundação do Convento. Logo depois, a narrativa retorna para o movimento do final da tarde aos pés da igreja. O texto segue com um retorno aos séculos anteriores, para dar uma visão geral da história da construção religiosa; passa pela apresentação de dois personagens atuais que trabalham no local, com a construção da cena da aparição deles; e termina com o cruzamento da história com um fato atual, a polêmica em torno de um suposto remanescente de quilombo na região que se constituiria apenas uma farsa da comunidade local, segundo denúncia de um repórter da Rede Bahia, José Raimundo, citado por Flávio Novaes. Essas cenas são seqüenciadas como num filme que alterna o tempo cronológico dos fatos, o que demonstra domínio da técnica batizada por Edvaldo Pereira Lima de “lições de cinema”. Essas quebras no tempo e no espaço - esse vai-e-vem de conflitos em evolução que lembram filmes formados por cenas aparentemente isoladas e que, com o tempo, acabam sendo entrelaçadas pela lógica da narrativa - marcam toda a reportagem em análise. O texto da página 3 possui também as “lições de passagem”, com quebra de ritmo, junção de seqüências e conexão de conflitos em evolução. Por exemplo, inícios de frase com conectivos, como: “Enquanto o futuro não chega (...)”, “Além da luta para manter o que resta (...)”. O repórter usa uma tímida alternância de ponto de vista ao falar a partir do olhar de um admirador do patrimônio histórico, que cuida do convento, ao dizer: “Mas desgraça pouca é bobagem e não há mais espaço para chorar a perda quase total do patrimônio tombado pelo Iphan” (p.3). O primeiro parágrafo da segunda página da reportagem, a página 4 (“Templo de fé”), recorre à técnica do ponto de vista da terceira pessoa (no caso, dos franciscanos), mas é tímido, porque ele não o autor deixa de dar referência do dono do olhar já na quarta frase. Assim, o ponto de vista foi uma forma de Novaes aquecer a introdução, usando o que Pereira Lima chama de lições de abertura: “Mares e rios eram as principais referências. E saindo da velha cidade-fortaleza, golfão adentro, se encontrava a barra de um rio. A curiosidade só fazia aumentar. E por uma, duas, três, tantas ilhas se navegou até encontrar um grande lago de águas tranqüilas,

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‘por onde entrava o salgado’, como afirmava o grande colono-jornalista Gabriel Soares de Souza em seu Tratado descritivo do Brasil em 1587, se define o lugar ideal.” Sem manter o tom do ponto de vista da terceira pessoa, voltando ao tom do narrador-bege, Flávio Novaes tenta conduzir o leitor por uma viagem pela história linear da construção do Convento, como se o leitor fosse um franciscano chegando ao local do templo. Para isso, o repórter realiza a construção cena a cena a partir do momento em que diz que o “candidato a navegador de hoje” – o leitor – pode também fazer o mesmo trajeto dos franciscanos, navegando rumo ao Convento, partindo do porto de Cachoeira “em motor de popa e com capacidade para oito pessoas”. Durante o segundo e o terceiro parágrafo da matéria, o leitor passa a conhecer o lugar, como se estivesse chegando de navio. E então descobre que “os fransciscanos não seguiram esse caminho” ao quarto parágrafo. A construção das cenas continua, com destaque para uma cena crucial para o entendimento do fato histórico, a do incêndio do Convento de Olinda, que originou a necessidade por outro Convento para os franciscanos do Nordeste brasileiro. O repórter relaciona o incêndio à construção do Convento de Santo Antonio de Paraguaçu e passa a descrever os demais fatos ligados à edificação da casa religiosa dos franciscanos, até chegar à atualidade, quando a igreja perdeu toda a riqueza do passado. “Mas, da pedra fundamental, do quatro de fevereiro de 1658, à chegada tranqüila na diminuta prainha próxima ao convento, no maio de 2007, a riqueza se foi. A igreja está praticamente oca.”

Como um navegador da atualidade que chegou à edificação oca, Novaes começa a descrever o que ainda resta de história no prédio, justificando o que ainda pode ser visto no presente com a história da degradação do patrimônio. Mesmo assim, o repórter mantém a linearidade cronológica, e aproveita a oportunidade para fechar o texto com uma lição de término que deixa no ar a pergunta: o que explica, afinal, tanta fé? Vejamos: “E não importa que não existam mais bancos, imagens sacras, crucifixo na capela-mor, tampouco altares. É do lado de fora mesmo, no singular adro em uma das

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mais belas vistas da baía e da Bahia, que os romeiros, sempre em outubro, chegam de Nagé, Coqueiros, São Roque e Candeias para agradecer, pedir, rezar e festejar o Santo Antônio do Paraguaçu.” Na página seguinte (“Patrimônio lesado”), Novaes usa lições de cinema e de passagem, com a junção de cenas acontecidas no presente e no passado, em diferentes espaços. O texto passa - nessa ordem – por uma cena de um filme de 2004 (Cid Teixeira – a enciclopédia da Bahia), pela biblioteca do convento do passado, pela degradação do convento atual, pelo perfil do cuidador atual do patrimônio, novamente pelo convento antigo, novamente pelo cuidador atual, por fatos e documentos antigos, pelo Rio de Janeiro, pela Rua da Poeira em Salvador, pela sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Salvador e, enfim, de volta ao convento atual. Mesmo com tantas quebras de tempo e espaço, os fragmentos do texto conseguem constituir uma peça única, graças ao uso das lições de passagem, com junções de seqüências feitas com naturalidade, conduzindo o leitor, como em “E 107 anos depois, em um sábado de sol (...)” ou simplesmente “Retornamos.” Há a uma lição de abertura no começo, partindo de uma cena particular de um filme para a do mundo real. O autor do texto busca a construção cena a cena, com maior detalhe para fragmentos que envolvem ações – e não apenas apresentação de fatos históricos - , especialmente ao apresentar o perfil do cuidador do templo, Zé de Gringa, e o filho de Ivo Santana, Chico. Com esse último, Novaes consegue transpor o local da entrevista para o local do Convento, com menção ao Convento do passado, gerando um efeito cinematográfico: “A conversa com Chico se desenrola no salão da sede do Iphan em Salvador, no antigo Colégio São Salvador, na Barroquinha. Mas parece que estamos saindo do “salão do mar”, grande espaço no primeiro andar do convento onde estava a biblioteca e as celas dos padres e noviços. Depois, seguimos para o salão da terra, passamos pela sala de refeições e vamos até à frente do convento, beijado pelas águas do mar nas marés cheias (...)”

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Além disso, ao falar de Zé de Gringa pela segunda vez, o repórter conta uma cena em que estudantes aparecem para visitar o local e explica como eles se comportam – usando superficialmente o que Tom Wolfe poderia chamar de construção cena a cena, com a diferença de que, em vez de simplesmente se ater a descrever os símbolos que marcam o status dos estudantes em relação ao Convento, o repórter se posiciona, condenando-os: “A pequena escuna foi alugada em Coqueiros, distrito de Maragogipe, e o álcool os acompanha desde a saída. O professor não está muito interessado no que pode vir a acontecer com os meninos e as meninas invadindo o espaço sagrado com copos plásticos bem servidos, até a boca, mas ali não é lugar de cerveja nem de vodca misturada com coca-cola. Está diante de apenas mais uma ação depredatória do patrimônio (...). Zé de Gringa se livra da excursão que partiu de volta para Maragogipe e retorna feliz para mostrar o que resta do convento.”

O final contém tensão, o que demonstra o uso de lição de término. Ao explicar que Ivo Santana entregou a responsabilidade do convento para a igreja Católica, o repórter deixa no ar a pergunta: será que a comunidade católica vai conseguir cuidar do templo tão bem como fez Ivo Santana e família? Ou será que vai mandar demolir o que restou do terreno, como o fez dom Jerônimo Thomé de Silva no início do século passado? Eis o início e o fim do último parágrafo do texto: “Teme-se, agora, uma volta ao futuro. (...) Será a Paróquia de São Tiago do Iguape quem terá a incumbência de não repetir os erros cometidos no longínquo 1915.” O texto da página 6 (“Santo resgate”) é menos rico em usos de técnicas de jornalismo literário. Aqui, o repórter entrega a função de contar história para frei Hugo Fragoso, o que poderia tornar o texto uma simples reportagem declaratória, daquelas presentes no jornalismo cotidiano convencional. Mas duas pequenas fugas ao mero jornalismo declaratório pincelam doses tímidas de jornalismo literário sobre o texto, em

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intensidade insuficiente para podermos inferir que o repórter adotou as técnicas aqui descritas. A primeira fuga é o uso de descrição da sala de onde fala frei Hugo, assim como das marcas de sotaque do franciscano. Assim, o repórter não apenas transcreve o que Hugo falou e escreveu em livro, mas também leva o leitor para local da entrevista. Se tivessem sido mantidos durante todo o texto, essas descrições do local da entrevista e do próprio entrevistado poderiam ser classificadas autópsia social. No entanto, esses detalhes de descrição são concentrados em apenas parte dos dois parágrafos iniciais e no último, não chegando a ser uma autópsia social, porque não proporcionam ao leitor a capacidade de verificar por completo o status do frade. O repórter tentou localizar o status de Hugo com o uso de um adjetivo – “humilde” – para classificar a sala onde se deu a entrevista, ao invés de descrever provas concretas dessa humildade ao longo do texto. Uma sala humilde não quer dizer uma vida completamente desprovida de certos confortos da vida moderna, ou mesmo religiosa; algo que só um perfil mais apurado poderia averigüar. A segunda fuga também poderia ter aberto o texto para o jornalismo literário, mas não o fez: a do uso da técnica do ponto de vista da terceira pessoa. Como que se colocando na pele de Hugo, que de repente parece se dar conta do assunto em questão depois de falar sobre diversos aspectos da história baiana, o narrador do texto termina a fase de preâmbulo (dois primeiros parágrafos) para entrar no tema da reportagem dessa forma – da maneira como um frade faria, ao falar de sua Ordem com ares de professor: “Mas sim, os franciscanos. Eles são o alvo. Os reais pioneiros da Terra de Santa Cruz. Oito deles acompanhavam Pedro Álvares Cabral. Frei Henrique de Coimbra, não esqueça, celebrou a primeira missa em Porto Seguro, está lá nas edições dos livros escolares da oitava série (...)”

Essas poderiam ser frases de frei Hugo? Não sabemos, mas temos impressão que sim, e que o repórter assume o tom do entrevistado para fugir da fórmula do jornalismo declaratório. Mas Novaes não consegue sustentar essa forma de contar a história a partir do ponto de vista de frei Hugo em toda a reportagem. Ele traz para si, já no mesmo parágrafo em que abria o texto para a alternância dos pontos de vista, a neutralidade do

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“narrador bege”– ignorando a possibilidade aberta frases antes. Durante todo o texto, embora seja econômico com citações da fala ou da escrita do entrevistado, ainda recorre a elas, utilizando aspas e os verbos declaratórios, como “completa”, “transcreveu” e “explica”, e não volta mais a usar o ponto de vista de frei Hugo. Outra técnica presente no texto, mas de forma muito leve, é a observação participante. O repórter relata que a entrevista com frei Hugo teve de ser interrompida para que ele pudesse assistir ao espetáculo sobre a história da Ordem dos Franciscanos na Bahia: “A conversa está ótima, se deixar não vai parar mais, porém é chegada a hora. Vai ter início o espetáculo de luz e som no templo revestido de talha dourada, parece ouro de verdade. Sete reais. Não são permitidas máquinas fotográficas, vídeos.” A última página da reportagem (“Trajetória singular”), na página 7 da edição em análise, é a única que contém um intertítulo, que divide o texto em dois. Isso ocorre porque não há conexão entre a primeira e a segunda partes. A reportagem se destina a contar como vivem algumas pessoas da região e culmina com o posicionamento do repórter a respeito do conflito entre Ivo Santana e supostos descendentes de escravo da região, pois a pauta recebeu angulação do nível institucional, como já exposto no início dessa análise. Novaes usa lições de cinema ao misturar cenas, ocorridas em diferentes espaços e tempos e apresentadas entre cortes, para costurar falas e ações de sete personagens: dona Dina, Jéferson Conceição, dona Mariinha, Zé da Gringa, Aída Sanchez de Abreu, Ivo Santana e dois de seus filhos. A maior parte dos personagens novos, que não apareceram em textos anteriores, recebe pequenos “perfis”, isto é, parágrafos em que se descrevem quem são e como vivem, com ênfase na relação que possuem com a crença católica. Pode-se verificar que dessa forma o repórter tentou construir uma autópsia social da vila de Santo Antonio de Paraguaçu, em que o status social dá lugar a um status religioso, ou seja, o que importa é ressaltar qual a localização do personagem em relação ao tema central da reportagem. É o que se percebe em trechos como:

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“De hábito cinza, gasto, transita pela igreja íntima do lugar, aguarda a conclusão da visita do jornalista para bater um papo, quer contar a sua história. ‘Muita gente não acredita, mas me formei na Congregação de Nossa Senhora de Guadalupe, no Peru’(...)” “De nada importam os dez filhos, os 36 netos e os 15 bisnetos. O fato é que a irmã Maria José é hoje a segurança personificada de parte dos bens móveis que ainda resistem na Vila de São Francisco.” “’Pode entrar, meu filho. Vá lá fora ver a obra’, diz. Lá no quintal, ainda está conservado o conjunto do aqueduto que abastecia o convento, em formidável engenho.”

Além da autópsia social voltada para a localização da dedicação religiosa de cada personagem, Novaes usa uma pequena dose de alternância de ponto de vista. É o que ocorre no trecho “Procura-se desesperadamente quem possa puxar as orações na novena na capelinha quase-ermida de Nossa Senhora da Glória para a novena do mês de Maria”. Essa frase externa um ponto de vista dos moradores religiosos da vila, que estão sem rezador entre seus dois mil habitantes, mas não é atribuída a ninguém. Assim, esse ponto da narrativa é contado a partir do ponto de vista dos personagens, por apenas uma frase. Já a técnica da observação participante é utilizada pelo repórter, que se coloca como personagem em visita à vila, recebido com almoço especial: “Façamos esse enorme sacrifício para o almoço de sábado no céu claro.”

Para chegar a esse ponto do texto, que no meio do primeiro parágrafo o repórter primeiro faz uma abertura com a descrição do potencial de animais marinhos da região, como que para dar água na boca do leitor, usando lições de cinema e de passagem, com o corte bem alinhavado entre o tratado do historiador Gabriel Soares e a cena seguinte: “E dona Edinalva cumpriu a profecia. Aguarda-nos de sorriso largo e braços abertos com a carta improvisada em uma forma tosca, mas cujo conteúdo é único.”

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Pela escolha feita pelo repórter, pode-se dizer que o prazer da leitura prevaleceu neste texto, em relação ao jornalismo convencional. Isso porque um dado relevante do texto, que não se repete em nenhuma outra parte da reportagem, nem mesmo na chamada de capa, é relegado ao segundo plano: aparece apenas no parágrafo que antecede o penúltimo. É a informação de que o Convento foi incluído, em setembro de 2006, na lista dos cem maiores empreendimentos do mundo com risco de desaparecer, pela entidade americana World Monuments Watch. Esse seria um dado importante numa reportagem sobre o Convento, mas o repórter preferiu dar destaque, na abertura, para o almoço recebido, o que proporcionou ao texto um tom mais cinematográfico que noticioso; optando, portanto, pelo jornalismo literário. Nessa reportagem não há nenhum exemplo, nem mesmo tentativa, de transcrever diálogos completos.

2.2.8. Edição 29/07/2007 – “Estigma cruel” No domingo seguinte à da reportagem sobre o convento de Paraguaçu, o Correio Repórter não circulou. Dois dias antes, havia falecido o senador ACM, o que ocasionou uma edição especial do jornal no domingo, 22 de julho, sem o Correio Repórter. Saindo na semana seguinte, a edição do dia 29 de julho de 2007, intitulada “Estigma cruel”, trata das emoções vividas pelos pacientes de câncer. A data da publicação não se relaciona de forma alguma com qualquer data referente à doença, o que nos proporciona dizer que foi uma pauta escolhida com liberdade temporal, assim como temática. Tampouco o Correio da Bahia incorreu no risco de fazer uma matéria científica demais, com detalhamentos que poderiam impedir o entendimento dos leitores. Ao contrário, o que está em pauta são as emoções dos pacientes, justamente a questão mais popular do câncer. A própria repórter esclarece: “Que turbilhão de emoções é esse que envolve os portadores do câncer? É isso que se pretende mostrar nessa reportagem.” Essa escolha, que vai demonstrar por cinco páginas o medo, o peso e a dor de passar pelo câncer, remete a uma seleção feita pelo critério do que mais chama a atenção

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da maioria das pessoas – não só da que passaram pela doença, mas das que a temem. A angulação da pauta foi feito, portanto, pelo nível-massa. Outro fator que confirma essa angulação é que predomina no texto o jornalismo convencional, muito baseado na transcrição de declarações das fontes. Contudo, a repórter Perla Ribeiro consegue imprimir uma angulação de nívelindividual ao utilizar a técnica de alternância de pontos de vista. Esse uso é tímido e está disperso em todas as páginas, aparecendo apenas em um ou dois trechos de texto por página. Na página 3 (“O valor das pequenas coisas”), a primeira aparição desse recurso ocorre logo no primeiro parágrafo do texto: “Se falar causa temores, confrontar-se com o diagnóstico é como carregar o peso de uma sentença que mutila corpo e a alma.”

Perla escreve como se fosse a personagem Ruth falando, sem aspas. Assume o ponto de vista da entrevistada, ou seja, coloca-se no papel de uma pessoa que teve, terá ou tem câncer – papel que assumirá durante toda a reportagem. A clareza de que se trata da expressão do sentimento da entrevista se dá pela brusca transição na forma de narrar. Na primeira frase do trecho, a repórter ainda é narradora. Na segunda e terceira, se coloca na pele de Ruth: “Ruth extraiu um grande ensinamento. Vencer um câncer é como viver de novo. É aprender a olhar a vida de uma forma ampla e, acima de tudo, saber dar valor a pequenas coisas.”

Nas páginas seguintes, a repórter sequer faz referência anterior a quem estaria falando. Já vai direto ao papel da pessoa temerosa ao câncer e depois retorna ao papel de narradora isenta. Na página 4 (“Sinais quase silenciosos”), o que antecede ao trecho é a opinião de especialistas; o que vem depois é um depoimento de uma médica anestesista:

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“Proporcional à dor física provocada pelo câncer no seu estado avançado é ouvir seu diagnóstico. É algo tão devastador que pode ser descrito como uma faca no peito, que entra como um furacão, rasgando e dilacerando tudo por dentro. Aí vem a fase de negação, parece que o cérebro não aceita processar aquela informação.” (p. 4) Na página 5 (“Dores da alma”), há três trechos com essa característica – em que a repórter define-se autora de sensações de vítimas do câncer -, sempre no cruzamento entre depoimentos de pacientes ou ex-pacientes de câncer e informações sobre procedimentos de cirurgia de extração de órgãos ou tecidos atacados por tumores: “Até lá, a sensação inicial é de um vazio no peito, tanto no sentido literal quanto metafórico.” (p.5) “Em uma sociedade machista, é uma situação difícil olhar para a região genital e perceber que o pênis ou testículo não ocupa mais seu lugar.” (p.5) “Independentemente das vontades e do querer, por mais racional que se queira ser, difícil é ter controle nessa hora sobre os sentimentos.” (p.5) A página 6 (“Bálsamo poderoso”) também possui três pequenos trechos em que a repórter se coloca no papel de vítima do câncer: “É um peso praticamente impossível de carregar sozinho. Mas, quando há um ombro amigo para apoiar, pode ser mais fácil conseguir manter-se firme na caminhada.” (p.6) “É como se a angústia tivesse o poder de minar toda e qualquer resistência do organismo. Só que o mínimo de controle nessa hora parece pedir muito em um momento em que todas as forças parecem conspirar contra a vida.” (p.6)

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“Na contramão das emoções, é preciso buscar forças de um gigante para saber controlar o turbilhão de sentimentos e aprender a conviver harmoniosamente com a doença.” (p.6) Já na página 7 (“A um passo da vitória”), ocorre uma alternância de ponto de vista de outro tipo: a repórter assume o olhar de médica especialista sobre o paciente: “Por mais que as armas apresentadas pela medicina sejam potentes, muitas vezes, o paciente tem a sensação de que não terá forças o suficiente para chegar ao fim. É como se sentisse impotente diante de um inimigo que mata sete milhões de pessoas por ano no mundo.” (p.7)

Depois a repórter volta ao posto de vítima do câncer para finalizar o texto com um clamor pela fé, colocando-se na posição de um paciente com câncer desesperado: “Diante do medo de morrer, o pensamento é um só, se bem não fizer, mal também não fará. Na luta pela vida, recorre-se a cirurgia espiritual e até negociação [sic] com Deus, o que não pode é desacreditar.” (p.7).

Como uso das lições de abertura, percebemos que em quatro das cinco matérias a repórter repetiu a mesma fórmula – a de que partir do geral para o particular, deixando no ar um certo suspense sobre o que está falando – o câncer – sempre buscando um substantivo generalizante para substituir a palavra câncer e levando o leitor a desvendar o “grande mistério”, a “palavra impronunciável” por trás da fórmula: “É uma palavra quase proibida. Pronunciá-la é trazer para perto uma aura de maldição. Por isso, a ela se referem como “a doença”, “o tumor” ou “CA”. É como se os sinônimos tivessem o poder de reduzir o peso do estigma ainda hoje impregnado no imaginário coletivo. Mas se é inevitável proferi-la, o fazem com respeito, sussurrando. Em seguida, cospem ou batem na madeira como uma forma de manter o mal distante. Se falar causa temores, confrontar-se com o diagnóstico é como carregar o peso de uma

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sentença que mutila corpo e a alma. A ciência avançou nos tratamentos, aumentaram os casos de cura, ainda assim, o pesadelo do câncer insiste em permanecer vivo para uma sociedade que o tem como metáfora da morte.” (p.3) “Ele chega silencioso, como se entrasse na ponta dos pés, sem fazer barulho, e só quando está bem acomodado emite os primeiros sinais. Muitas vezes, só é notado quando já se espalhou por diversas partes, causando estragos. A dor, principal manifestação de que algo não vai bem no organismo, nem sempre costuma dar o toque de alerta. Par aos desatentos, sua presença só é percebida quando já não resta muito a fazer. Por isso os especialistas não cansam de repetir que é preciso estar atento aos sinais. Pequenas alterações no funcionamento do organismo são o principal indício de que alguma coisa não vai bem. Proporcional à dor física provocada pelo câncer no seu estado avançado é ouvir o diagnóstico.” (p.4) “É um peso praticamente impossível de carregar sozinho. Mas, quando há um ombro amigo para apoiar, pode ser mais fácil conseguir manter-se firme na caminhada. Os efeitos das drogas são inegáveis, entretanto, os especialistas são unânimes ao advertir: se o emocional não colabora, o câncer pode ser letal.” (p. 6) “O inimigo existe e está ali, forte, ostentando aura de imbatível. Sua presença ainda é tão temível que alguns sequer aceitam lutar. Preferem sucumbir à morte. É como se sentissem sem forças para encampar essa batalha. Há séculos que inúmeros papas da ciência se debruçam em busca da solução e acabam abandonando o front sem encontrar uma arma tão poderosa que consiga dizimar o inimigo. A guerra continua e, provavelmente, hoje, uma das principais ambições da medicina é conseguir derrotar o câncer.” (p.7)

Não identificamos nessa reportagem o uso de lições de cinema ou de término, nem as técnicas wolfeanas da autópsia social e da transcrição de diálogos completos. Tampouco houve captação do tipo observação participante, o que poderia ter havido caso a repórter se colocando na observação do comportamento de um paciente com câncer em

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sua casa ou família, por exemplo. As lições de passagem são utilizadas de forma convencional, sem grandes contribuições da literatura. Há apenas uma tentativa de construção cena a cena, que se limitou a construção de uma cena, no terceiro parágrafo da página 3, quando trata da sala de espera do Cican.

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CONCLUSÃO

Após a análise de oito edições do caderno Correio Repórter, publicado aos domingos no jornal Correio da Bahia, pudemos verificar características que marcam o uso das técnicas de jornalismo literário nesse caderno: o nível, a freqüência, a propriedade e a possível mixagem do jornalismo literário com técnicas do jornalismo convencional, entre outras questões. Lembramos que esta busca levou em consideração doze recursos, categorizados nas etapas de construção da pauta, captação dos dados, escrita e edição do texto. Como explicamos ao longo do trabalho, existem outras técnicas do jornalismo literário que, pela necessidade temporal de delimitação do objeto de pesquisa, ficaram de fora nesta avaliação, como, por exemplo, a liberdade de propósito, apontada por Edvaldo Pereira Lima, ou a influência direta de determinados estilos de autores do romance realista, como Honoré de Balzac, que encantava Tom Wolfe (2005), um dos pais do new journalism. Incluímos como possibilidades para ampliar essa investigação um estudo sobre o direcionamento dado pelas intenções dos autores das reportagens em relação ao próprio trabalho, bem como suas bagagens literárias e culturais. Tom Wolfe, por exemplo, confessa que tinha a intenção de ser, um dia, um grande romancista (2005). É possível que essa vontade tenha determinado seus usos dos recursos literários, mas seria necessário um estudo mais abrangente para descobrir qual o grau de influência das ambições literárias de um jornalista em sua prática de reportagem. Tendo em vista que não analisamos essas questões, o resultado deste trabalho não poderá chegar a conclusões sobre a presença de contribuições da literatura em todos os âmbitos do jornalismo praticado no Correio Repórter. Para isso, seriam necessárias pesquisas complementares. Outra limitação do método desse trabalho é a utilização de apenas oito edições consecutivas, localizadas todas no ano de 2007, o que impede uma análise comparativa da evolução da publicação no que tange à adoção de técnicas de jornalismo literário. Sugerimos que esta pesquisa com uma abrangência temporal seja realizada, para que seja possível compreender questões como a relação entre seleção de pautas e períodos

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históricos e políticos do governo de Salvador e da Bahia, posto que se trata de um jornal ligado ao forte grupo político do falecido senador Antonio Carlos Magalhães, líder do Partido Democrata, antigo Partido da Frente Liberal (PFL). Mesmo diante dessas limitações, as análises realizadas neste trabalho possibilitam que afirmemos qual o grau de uso das técnicas consideradas, desde a produção da pauta até a edição do texto. Como vemos, há uma grande heterogeneidade de modos de usar, de seleções de técnicas e mesmo de freqüências de recursos. Quanto à produção da pauta, verificamos que a liberdade temática está presente em seis das oito reportagens. A presença maciça de liberdade temática pode ser justificada pela periodicidade do caderno (uma vez por semana, o que proporciona 52 temas diferentes por ano), assim como pelo fato da produção das reportagens ser iniciada com um mês de antecedência (o que desvincula da factualidade). Nota-se que essa liberdade não é atendida nos casos de cadernos vinculados a datas cívicas comemorativas. A presença de reportagens ligadas a essas datas é justificada pelo perfil editorial do caderno, voltado ao jornalismo histórico. Foi o caso da edição de 01/07/2007 (“Heroína esquecida”), que tratava da importância da cidade de Maragogipe para a Independência da Bahia, comemorada anualmente em 2 de Julho. Outro caso de comprometimento da liberdade temática foi a reportagem “Relíquia franciscana”, de 15/07/2007. O tema havia sido abordado pela TV Globo dois meses antes e ainda estava em discussão na mídia, inclusive na Internet, como demonstrado neste trabalho, quando a reportagem foi produzida e publicada. Quanto à liberdade temporal da pauta, percebe-se que tiveram claro comprometimento as reportagens sobre Maragogipe, já citada, e a sobre a Villa Catharino, de 10/06/2007. Em ambas, havia uma notícia factual envolvida – no primeiro caso, as comemorações pela Independência da Bahia e, no segundo, o anúncio da instalação do Museu Rodin nas edificações da Villa. Houve outros dois comprometimentos relativos. Um deles, a reportagem “Black in Bahia”, de 03/06/2007, que aproveitou a moda atual do hip hop para tratar das raízes do movimento negro baiano. O outro, a reportagem “Relíquia Franciscana”, de 15/07/2007, que tratou de assunto em foco em outras mídias.

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Cinco reportagens possuem liberdade de angulação. Mesmo que não cheguem a constituírem obras autorais de jornalismo literário, elas fogem das limitações impostas pelos interesses do grupo ou exigências atribuídas geralmente ao público receptor. Três edições se dobraram a essas limitações, em dois casos pelo fato da abordagem atender ao nível-massa (“Palácio da Arte” e “Heroína esquecida”) e, em outro, pelo direcionamento institucional (“Relíquia Franciscana”), como vimos no capítulo dois. Enquanto na etapa da pauta a maioria das reportagens teve as liberdades exigidas para a realização potencial de um jornalismo literário, a captação dos dados do tipo observação participante, bastante característica do gênero, foi utilizada em apenas três edições: “Chá sagrado”, “Heroína esquecida” e “Relíquia Franciscana”. Em nenhuma das três, houve o uso do recurso de forma plena. Em “Chá Sagrado”, por exemplo, nota-se um aproveitamento bastante subjetivo da técnica. Ao descrever sensações internas, psíquicas, físicas, emocionais, a repórter Mariana Rios dá a entender que participou dos rituais. Mas a captação limitou-se a uma auto-indagação: “O que estou sentindo? Como meu corpo está reagindo?”. Assim, a repórter deixou de fazer uma observação do mundo exterior (como, por exemplo, relatar o que pôde ver da relação entre o mestre e os membros da União do Vegetal, a forma como se comportam os daimistas quando dançam e cantam ou mesmo a interação entre a repórter e os demais integrantes dos rituais, quando sob o efeito do chá). O leitor tampouco recebeu informações sobre a participação da repórter nos rituais: a que horas ela chegou, como chegou, se foi apresentada como repórter antes ou depois de beber o chá, se havia feito a limpeza exigida para receber o líquido, quantos copos bebeu, quanto os outros da mesma roda beberam. Seriam detalhes sobre o envolvimento do repórter com o tema abordado, que jornalistas como Tom Wolfe, Hunter Thompson e Joseph Mitchell, respectivamente, não deixam de contar em seus livros O teste do ácido do refresco elétrico, Hell’s Angels: medo e delírio sobre duas rodas e O segredo de Joe Gould. Nas outras duas edições onde encontramos observação participante, o uso ocorreu da mesma forma: tímida, em trechos dispersos no texto, onde o repórter narra ações que acontecem durante a captação, como deslocamentos, chegadas e recepções. Isso acontece de uma forma mais incisiva em “Relíquia Franciscana”, em que o repórter inclusive conta

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que fará o “sacrifício” de comer uma moqueca de siri catado preparada por uma das melhores cozinheiras da região onde ele fazia a reportagem. É importante ressaltar que os autores das reportagens “Black in Bahia”, “Guerreiras Anônimas”, “Quadrilátero do Pretérito” e “Estigma Cruel” tiveram oportunidade, mas deixaram de utilizar a observação participante como técnica de captação. No conjunto das reportagens de “Black in Bahia”, nota-se que o repórter teve mais interesse pelo passado do movimento negro baiano e que perdeu o ritmo ao descrever o cenário atual do hip hop. Mesmo dispondo apenas de uma página, a última da reportagem, para descrever o momento presente do movimento black em Salvador, o repórter Alexandre Lyrio poderia ter se inserido no meio hip hop para compreender a manifestação atual de uma das facetas da cultura negra de protesto pós-moderna, o que exigiria o esforço mínimo de ir a um show de rap na periferia soteropolitana. Mas, ao tratar do presente, o repórter abriu mão de reconstruir a complexidade do real, como realizado nas quatro páginas anteriores da reportagem, a partir de outros recursos. Lyrio se comportou, no final da reportagem, como jornalista convencional, ouvindo fontes, colhendo declarações e relatando-as entre aspas. Em “Quadrilátero do pretérito”, nota-se que o jornalista Pablo Reis esteve nos locais que são cenários da reportagem, teve contatos diretos com os personagens e observou suas rotinas, mas não chegou ao ponto de mergulhar no universo retratado e vivenciar experiências comuns aos personagens, a ponto de fazer parte delas. O mesmo ocorre em “Guerreiras Anônimas”: percebe-se que a repórter Perla Ribeiro teve contato próximo com a realidade em questão, mas não a ponto de participar ativamente da vida de uma das lavadeiras entrevistadas. Já no caso da reportagem “Estigma cruel”, a repórter poderia ter, por exemplo, convivido com uma família de uma vítima do câncer durante suas rotinas diárias para compreender suas angústias, necessidades, reações corriqueiras e características da interação entre doentes e seus parentes. Em vez disso, Perla Ribeiro optou por visitar hospitais, clínicas e, a partir das declarações das fontes, reconstruir uma parte dessas angústias por meio da técnica da alternância do ponto de vista.

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Se a presença rara da observação participante não denota uma preocupação especial do Correio Repórter com jornalismo literário, já um recurso integrante da etapa da escrita do texto, a técnica de alternância de ponto de vista, pode ser encontrada em cinco das oito edições analisadas: “Quadrilátero do Pretérito”, “Heroína Esquecida”, “Guerreiras Anônimas”, “Relíquia Franciscana” e “Estigma Cruel”. Contudo, assim como as outras técnicas ligadas ao texto, a alternância do ponto de vista aparece de forma tímida, com relação à quantidade e a forma que é utilizada. As exceções ficam por conta de “Estigma Cruel” e “Guerreiras Anônimas”, assinadas pela mesma repórter, Perla Ribeiro. A profissional faz um esforço para construir os textos de acordo com os pontos de vista de seus personagens. A repórter faz apuração de forma convencional, mas em vez de abrir aspas com as declarações dos entrevistados (como seria mais comum em um jornalismo não-literário), narra os fatos de forma multifocal, o que contribui para que o leitor compreenda a realidade a partir de diferentes ângulos. Ainda sobre as contribuições da literatura para a escrita do texto, observamos que em todas as edições o recurso da construção cena a cena é utilizado, mas também de forma pouco incisiva. Em metade das reportagens analisadas, apenas uma cena é narrada, ou seja, não há uma construção dos desdobramentos das ações. Nesses casos, a técnica serviu para iniciar um parágrafo, quebrar um ritmo, mas não para dar forma à reportagem, como ocorre no texto Radical Chique, de Tom Wolfe (2005). A reportagem mais se aproxima do modelo wolfeano é “Quadrilátero do Pretérito”, especialmente em sua página 3. Assim, embora apareça em metade das edições, a construção cena a cena recebeu um uso de grau mínimo. Em grau ainda menor, tanto pela freqüência quanto pela forma de usar, verificamos que o recurso da transcrição de diálogos completos foi usado em apenas duas reportagens: “Heroína Esquecida” e “Quadrilátero do pretérito”, sendo que no primeiro caso os diálogos encontrados são realizados entre o repórter e a fonte. Isso nos faz afirmar, mais uma vez, que “Quadrilátero” é o único exemplo fiel ao recurso que propõe a transcrição de diálogos entre pessoas que não sejam o repórter. Já a técnica da autópsia social, em que o autor descreve elementos da cena que auxiliam o leitor a localizar o status social dos personagens, foi aproveitada em sete das

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oito edições analisadas, com exceção da reportagem “Estigma Cruel”. Contudo, não há um padrão para o uso da técnica: ela pode ser a técnica predominante da reportagem (como no caso das “Guerreiras Anônimas”) ou apenas mera coadjuvante (“Heroína esquecida”), ou ainda servir para uso pontual (“Relíquia franciscana” e “Chá sagrado”). A este ponto, podemos concluir que as liberdades de tema, de tempo e de angulação, presentes de forma maciça na produção das pautas do caderno em análise, não resultaram em um trabalho de reportagem especialmente literário, com captação do tipo observação participante e os quatro recursos de escrita do texto elencados por Tom Wolfe. Vejamos agora como os repórteres e editores do Correio Repórter utilizam as técnicas de edição de texto, categorizadas por Edvaldo Pereira Lima. A lição de abertura é a técnica de edição mais utilizada pelos repórteres: está em todas as oito edições. O uso freqüente do recurso, contudo, está bastante ligado ao fato de que o aquecimento da abertura é utilizado pelo menos desde meados da década de 90 pelo jornalismo convencional. Como vimos, já em 1993 uma pesquisa de recepção realizada nos Estados Unidos alertou os jornais impressos de todo o mundo de que o texto escrito de forma convencional afasta leitores. Assim, já se tornou comum que reportagens fujam da abertura clássica do lead e recorram a descrições de personagens ou construções de cenas. Entretanto, pode-se perceber falta de criatividade no uso desse recurso no Correio Repórter, pois não houve variedade de fórmulas de abertura, sendo a construção de uma cena a técnica de aquecimento mais usada. Além disso, duas reportagens repetiram a mesma fórmula em todas as páginas (“Black in Bahia” e “Estigma Cruel”). Com relação às lições de passagem, o recurso só não foi encontrado nas reportagens: “Palácio da Arte”, “Chá Sagrado”. Já as lições de cinema deixaram de ser usadas apenas pelos autores de “Black in Bahia”, “Palácio da Arte” e “Estigma Cruel”. A presença maciça de ambas as lições pode ser compreendida quando percebemos a extensão dos textos, que ocupam cinco páginas de jornal: elas possuem a função de conectar diferentes partes dos textos. Enquanto as lições de passagens dão coerência ao texto, as lições de cinema proporcionam uma visão dinâmica da realidade, aproximando fatos que ocorrem ao mesmo tempo em locais diferentes ou no mesmo local em tempos diferentes, por exemplo.

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Também a lição de término é encontrada na maioria das edições (em “Palácio da Arte”, “Quadrilátero do Pretérito”, “Heroína Esquecida”, “Guerreiras Anônimas” e “Relíquia Franciscana”). O uso difundido também pode ser justificado pela divisão editorial da reportagem em cinco páginas, o que gera uma demanda pela continuidade da leitura na página seguinte. Percebemos, portanto, que na etapa da edição as lições ligadas ao jornalismo literário são utilizadas com mais freqüência do que na escrita do texto e na captação dos dados, mas isto tanto pode ser provocado pela convenção adotada no jornalismo cotidiano de aquecer aberturas quanto pelo tamanho da reportagem, distribuída ao longo de cinco páginas. Devido à falta de criatividade nas aberturas e também pela ausência de técnicas de edição em algumas das reportagens, concluímos que, também nesta etapa, os autores do Correio Repórter não privilegiaram de forma especial o jornalismo literário. Assim, verificamos que, embora seis das oito reportagens analisadas nesta pesquisa tenham tido liberdade temática, que todas utilizem lições de abertura e que apenas duas sofram algum comprometimento na liberdade de angulação, nenhuma delas possui, integralmente, todas as doze técnicas de jornalismo literário em observação. Das técnicas observadas neste trabalho, as menos utilizadas são: transcrição de diálogos completos e mudanças de ponto de vista, na etapa da escrita do texto, e observação participante, na etapa da captação dos dados. As mais utilizadas são liberdade temática, ainda na etapa da pauta, e lições de abertura, na etapa de edição do texto, além de autópsia social e menções, nem sempre desdobradas em mais de uma cena, à técnica da construção cena a cena, na etapa da escrita do texto. Concluímos que as reportagens do Correio Repórter nascem livres em suas pautas, mas são desdobradas sem o apoio maciço do jornalismo literário e editadas de maneira convencional. Contudo, não há um padrão médio que possa ser aplicado a todos, com edições de características predominantes bastante díspares no que diz respeito ao jornalismo literário. Duas reportagens se destacam pelo uso cruzado das técnicas analisadas: “Quadrilátero do Pretérito”, sobre a decadência dos antiquários, que só deixou de usar a captação do tipo observação participante, dentre as técnicas analisadas. Em segundo lugar nesse quesito está “Guerreiras Anônimas”, onde apenas não foram

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encontrados os recursos da observação participante e da transcrição de diálogos completos. Além de possuir maior quantidade de técnicas, a reportagem de Reis (“Quadrilátero do pretérito”) é das que melhor utiliza as potencialidades da contribuição do jornalismo literário para seu trabalho, com cruzamentos de técnicas e criatividade – ao contrário de reportagens que repetem as mesmas fórmulas de abertura, como a da mesma Perla Ribeiro sobre o câncer ou a de Alexandre Lyrio sobre o movimento negro na Bahia. Reis também é o único repórter a transcrever diálogos completos no formato do romance, como idealizado por Tom Wolfe. O resultado não nos surpreende tendo em vista que o trabalho de Pablo Reis tem sido reconhecido e premiado. Até o início de 2008, Reis havia recebido cinco prêmios e uma menção honrosa por reportagens publicadas no Correio da Bahia, oferecidos por instituições como Associação Bahiana de Imprensa (ABI), Caixa Econômica Federal, OAB-B, Banco do Brasil. Foi ainda finalista do Prêmio Imprensa Embratel em 2004, na categoria Esportes (nacional), com a reportagem “Leopardo Negro”. Mas, enquanto “Quadrilátero do Pretérito” chega próximo a modelos wolfeanos de reportagem, “Palácio da Arte” pode ser classificada como predominantemente convencional e a maioria das demais reportagens mescla ambas as formas de fazer jornalismo, literária e convencional, produzindo um texto com perfil mestiço. Essa falta de padrão confirma a impressão da coordenadora editorial do caderno, Linda Bezerra, de que a presença do jornalismo literário no Correio Repórter está vinculada à capacidade do repórter explorar as potencialidades proporcionadas pelo tempo de apuração (um mês) e o espaço de publicação disponível (cinco páginas). Além disso, como foi colocado no início dessa conclusão, o resultado de uma reportagem também deve levar em conta as intenções dos autores em relação ao próprio trabalho, bem como suas bagagens literárias e culturais. Não se trata, portanto, de uma característica intrínseca ao projeto editorial do caderno. Usar ou não o jornalismo literário fica a critério do repórter. E a sensibilidade do repórter para essa nova configuração discursiva, de acordo com Lima (1995) e Medina (2003), é de fato um fator importante para busca de um jornalismo capaz de cumprir sua tarefa, avesso às algemas das convenções, como a do jornalismo declaratório.

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Como apontou Ferreira (2003), o repórter que usa o jornalismo literário não quer descrever a verdade objetiva de fatos isolados, mas tentar reconstruir o contexto e as relações entre as pessoas, e entre elas e os fatos, entre elas e suas próprias histórias de vida. O jornalista literário quer mais do que noticiar um fato, ele quer construir um conhecimento sobre o fato: quer que seu leitor entenda o mundo a partir de seu texto. É por isso, e não por uma imposição tecnicista, que ele pode ser transformar em um observador participante ou transcrever diálogos completos. Com esse trabalho, esperamos ter contribuído para o desenvolvimento de pesquisas que se debrucem sobre o reconhecimento e valorização do jornalismo literário. Ao analisarmos a presença de algumas técnicas, esperamos também ter contribuído para a pontuação das vantagens da literatura do real em relação ao jornalismo cotidiano comumente praticado nos periódicos impressos. Partimos do princípio teórico de que o uso das técnicas do jornalismo literário ajuda a tornar o texto mais prazeroso para o leitor – e prazer da leitura, em jornalismo, é o que poderá garantir a sobrevida dos impressos.

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