Livro virtual Sexualidade e orientação sexual

June 4, 2017 | Autor: Tania Cruz | Categoria: Gender Studies, Education, Gender and Sexuality, Feminism
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Descrição do Produto

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social

UnisulVirtual Palhoça, 2014

Créditos Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul Reitor

Sebastião Salésio Herdt Vice-Reitor

Mauri Luiz Heerdt Pró-Reitor de Ensino, de Pesquisa e de Extensão

Mauri Luiz Heerdt

Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional

Luciano Rodrigues Marcelino

Pró-Reitor de Operações e Serviços Acadêmicos

Valter Alves Schmitz Neto

Diretor do Campus Universitário de Tubarão

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Diretor do Campus Universitário da Grande Florianópolis

Hércules Nunes de Araújo

Diretor do Campus Universitário UnisulVirtual

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Campus Universitário UnisulVirtual Diretor

Fabiano Ceretta Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) - Educação, Humanidades e Artes

Marciel Evangelista Cataneo (articulador)

Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Ciências Sociais, Direito, Negócios e Serviços

Roberto Iunskovski (articulador)

Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Produção, Construção e Agroindústria

Diva Marília Flemming (articuladora)

Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Saúde e Bem-estar Social

Aureo dos Santos (articulador)

Gerente de Operações e Serviços Acadêmicos

Moacir Heerdt

Gerente de Ensino, Pesquisa e Extensão

Roberto Iunskovski

Gerente de Desenho, Desenvolvimento e Produção de Recursos Didáticos

Márcia Loch

Gerente de Prospecção Mercadológica

Eliza Bianchini Dallanhol

Tânia Mara Cruz

Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social Livro didático

Designer instrucional Isabel Zoldan da Veiga Rambo

UnisulVirtual Palhoça, 2014

Copyright © UnisulVirtual 2014

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Livro Didático

Professor conteudista Tânia Mara Cruz

Projeto gráfico e capa Equipe UnisulVirtual

Designer instrucional Isabel Zoldan da Veiga Rambo

Diagramador(a) Oberdan Piantino Revisor(a) Diane Dal Mago

306.76 C96 Cruz, Tânia Mara Sexualidade e orientação sexual : cultura e transformação social : livro didático / Tânia Mara Cruz ; design instrucional Isabel Zoldan da Veiga Rambo. – Palhoça: UnisulVirtual, 2014. 104 p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.

1. Educação sexual. 2. Orientação sexual. 3. Sexo – Educação. I. Rambo, Isabel Zoldan da Veiga. II. Título.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

Sumário Introdução | 7

Capítulo 1 Gênero, sexo e sexualidade | 9

Capítulo 2 Sexualidade em debate | 35

Capítulo 3 Identidades de gênero e orientação sexual | 67

Considerações Finais | 93 Referências | 95 Sobre o Professor Conteudista | 103

Introdução Durante todo século XX e início do século XXI temos acompanhado transformações, entre avanços e retrocessos, nas relações de gênero e de sexualidade. Diferentes movimentos sociais imprimem suas marcas e exigem seus direitos sociais, ocupando as ruas e os espaços cibernéticos. Conhecimentos têm sido produzidos dentro dessa temática e há uma disputa sobre esses saberes que os movimentos reivindicam como fundamentação teórica para suas lutas, a sociedade ora os incorpora tirando deles sua radicalidade, ora os ignora, ficando tais informações restritas a pequenos círculos acadêmicos ou profissionais. Mas o que se observa, nesse início do século XXI, é que, em paralelo à luta por mudanças, ainda predominam atitudes e convenções sociais discriminatórias na maior parte do planeta, baseadas em situações econômicas que usufruem da permanência das tradições, ou em contextos religiosos e culturais que as justificam e até naturalizam. O espaço escolar participa com a família e a mídia desse contraditório processo, em parte pressionado por crianças e jovens que se recusam a entrar para a escola, deixando do lado de fora seu corpo, seus sentimentos, suas dúvidas e certezas. Preocupados/as com o respeito à diferença e com uma escola transformadora, professores/as e gestores/as mostram-se abertos a novos projetos que levem em conta as necessidades trazidas pelos/as estudantes, mas para isso reivindicam espaços de formação que os prepare para lidar com essa situação profissional. No livro Sexualidade e Orientação Sexual: Educação, cultura e transformação social nosso grande objetivo, com as habilidades que lhe propomos desenvolver dentro de cada capítulo, é que você compreenda as bases teóricas que fundamentam as mudanças relativas à sexualidade, gênero e educação e o papel dos novos sujeitos políticos a elas vinculados. A ideia é que você possa, não só reorganizar seus saberes com o que aqui trazemos para reflexão, mas produza, durante o decorrer das leituras, projetos de trabalho individuais e coletivos sobre a educação sexual. O livro compõe-se de três capítulos: o que trata de gênero, sexo e sexualidade como conceitos-chave para operar a discussão, o que trata da sexualidade em debate, tanto para Freud, Reich e Foucault, como para os movimentos sociais

e, por fim, o último capítulo que trata do processo de construção das identidades de gênero e de orientação sexual e do papel da escola no respeito à diversidade sexual. Certamente, é apenas um início, visto ser um tema altamente complexo tanto do ponto de vista teórico como por implicar mudanças de concepção de mundo já arraigadas há muito. Mas contamos com a sua curiosidade e também com o desejo de conhecer e mudar o mundo! Bons estudos!

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Capítulo 1 Gênero, sexo e sexualidade

Habilidades

Reconhecer as diferenças sociais, posicionandose contra quaisquer formas de desigualdade econômicas ou culturais, bem como compreender os significados de gênero e sua importância para a sexualidade contemporânea, são algumas habilidades que você desenvolverá a partir dos estudos deste capítulo.

Seções de estudo

Seção 1:  Gênero, cultura e natureza. Seção 2:  Dos primeiros usos de gênero aos atuais significados. Seção 3:  Interseções de gênero, raça e classe na vivência educativa.

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Capítulo 1

Seção 1 Gênero, cultura e natureza 1.1 Mulheres e homens: entre o biológico e o social

A temática da sexualidade ganhou status de ciência sexual no mundo ocidental a partir do século XIX, sendo tratada por especialistas, médicos e reformadores morais. Data desse período uma nova distinção entre homens e mulheres, baseada no sexo biológico. Você sabia que a sexologia foi criada no final do século XIX e que seus estudos ancoravam-se em uma base interdisciplinar como a biologia, psicologia, história, sociologia e antropologia?

De lá para cá algumas coisas mudaram e outras permaneceram. E para compreender a sexualidade humana em novos termos, torna-se imprescindível a compreensão do conceito de gênero. Para Grossi (1998, p.4), o conceito de gênero está colado, no Ocidente, ao de sexualidade, o que promove uma imensa dificuldade no senso comum – que se reflete nas preocupações da teoria feminista – de separar a problemática da identidade de gênero e a sexualidade, esta marcada pela escolha do objeto de desejo

O que é ser homem, o que é ser mulher e as respectivas masculinidades e feminilidades são temas associados à sexualidade e permeiam desde o cotidiano das pessoas, os espaços educativos, a medicina até as esferas de decisão política de governos ou organismos institucionais, como a Organização das Nações Unidas para a educação, ciência e a cultura (UNESCO), a União das Nações Sul-americanas (UNASUL), entre outras. De tal modo, a sexualidade ou a orientação sexual ocupam uma centralidade nas modernas sociedades ocidentais que elas passam a ser não uma das referências, mas a referência principal dos sujeitos, como se o sexo biológico e tudo o que se supõe decorrer dele determinasse nossa identidade, nossa personalidade. E a política não escapa desse olhar escrutinador. Durante muito tempo, os meios de comunicação estamparam os bastidores do escândalo envolvendo o presidente da Itália e suas ligações com a rede de prostituição europeia e menores de

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social idade, que culminou em sua prisão (UOL, 2014). Em outro caso, diametralmente oposto, por ser uma expressão de identidade e não um crime social, uma ação discriminatória marcou a cidade de Quelendorf, na Alemanha. Em 1998, um movimento de eleitores na cidade alemã alegou que o prefeito não ‘era mais a mesma pessoa’, solicitando a destituição do cargo de prefeito para Norbert Michael Lindner, no momento em que ele decidiu tornar-se mulher e feminina. Nesse exemplo de Quelendorf , trazido por Louro (2000), ela tece uma reflexão interessante, ao comentar que mudanças de partido ou de posição política não parecem provocar a mesma ira. E você, consegue se lembrar de outros exemplos? E mais, em algum momento já foi instigado/a a responder sobre o que diferencia um homem de uma mulher?

Com certeza se reconhece nessa questão. O mais provável é ter utilizado em sua argumentação que essa diferença sexual estava atrelada aos ‘diferentes’ órgãos sexuais ou à ‘diferente’ sexualidade – ambas comumente associadas aos aspectos biológicos. Em decorrência, ao partir da afirmação de que sexo/ sexualidade deriva apenas da natureza, passou, quase automaticamente, à dedução de que todas as demais características humanas, entre elas a masculinidade e a feminilidade como igualmente decorrentes dessa diferença primordial. Nessa lógica, está presente o padrão humano contemporâneo para o qual ser homem significa ser macho, masculino e heterossexual, e ser mulher significa ser fêmea, feminina e igualmente heterossexual. Para Jeffrey Weeks (2000, p. 37), essa forma de pensar a sexualidade reflete uma preocupação pós-darwiniana do final do século XIX em explicar todos os fenômenos humanos em termos de forças identificáveis , internas, biológicas. Hoje estamos mais inclinados a falar sobre a importância dos hormônios e dos genes na moldagem de nosso comportamento, mas a suposição de que a biologia está na raiz de todas as coisas persiste (...) Falamos todo o tempo sobre o “instinto ou impulso do sexo”, vendo-o como a coisa mais natural. Mas é isso mesmo? Há agora vasta literatura sugerindo, ao contrário, que a sexualidade é, na verdade “uma construção social”, uma invenção histórica, a qual, naturalmente, tem base nas possibilidades do “corpo”: o sentido e o peso que lhe atribuímos são, entretanto, modelados em situações sociais concretas.

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Capítulo 1 Parte desse modo de ver busca sua justificativa no fato de que a reprodução parece ser um processo puramente biológico, e que de modo candente seria a mulher a figura central desse processo. Utilizamos a expressão parece biológico porque partilhamos da concepção de que os seres humanos são biopsicossociais e que não é possível separar exatamente o que é natureza e o que é cultura, por mais que haja concepções que busquem no biológico uma essência humana da qual decorrem todas as características. À busca em elementos da natureza para justificar quaisquer diferenças entre seres humanos, atribuindo aptidões físicas e psicológicas para diferenças geográficas, étnicas, de sexo, entre outras, designamos como determinismo biológico. À busca de explicações para um fenômeno a partir de uma essência comum que independe de fatores externos, designamos como essencialismo.

Excertos do verbete Essencialismo de Ceia (2014). [Filosofia] De um ponto de vista filosófico, o essencialismo remete para a crença na existência das coisas em si mesmas, não exigindo qualquer atenção ao contexto em que existem. Uma posição essencialista distingue-se facilmente de uma posição dialética: a primeira pressupõe a reflexão de uma coisa em si mesma, a segunda privilegia a reflexão de uma coisa em relação com outras; a primeira confia em que as qualidades de uma coisa  revelam-se a si próprias, a segunda defende que as qualidades de uma coisa devem ser sempre discutidas em confronto com outras qualidades e com outras coisas, procurando-se sempre uma explicação lógica para que uma dada qualidade exista ou predomine. (...)

O construcionismo social, o qual adotamos para pensar as questões de gênero e sexualidade, contrapõe-se ao essencialismo e ao determinismo biológico, englobando um rol de concepções (em níveis diversos de articulação) que afirma ser possível compreender o corpo e a sexualidade (significados e práticas sociais), em cada contexto histórico específico. Dentro da concepção essencialista, os sentidos de normalidade e aceitação inserem-se em um quadro instituído de relações de poder dominantes e que tiveram seu questionamento a partir dos movimentos sociais, como os feministas e os movimentos de lésbicas, gays, bissexuais e trans (LGBT).

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social

1.2 Noções básicas sobre os diferentes significados de feminismo O termo feminismo é vítima de uma campanha difamadora sem precedentes pelos meios de comunicação de massa nas décadas de 80 e que se segue no século XXI. Inclusive, erroneamente, passa-se a informação de que há apenas um tipo de feminismo. Os motivos que levaram a isso são históricos e culturais, mas fogem aos propósitos de nossa reflexão, cujo foco é gênero e sexualidade. Mas para que o gênero não entre em nossa discussão e o feminismo saia pela janela, como dizem algumas feministas, vamos pontuar alguns aspectos do(s) feminismo(s) aqui, porque dele(s) falaremos no decorrer de muitos temas tratados nos capítulos posteriores. E você, consegue formular, em poucas palavras, uma definição de feminismo? Talvez você até seja feminista sem saber! Pense nisso por alguns momentos e só depois siga a leitura e compare com sua autorreflexão.

Claro que é possível haver elementos comuns para uma proposição feminista, a partir do dado básico da igualdade social entre os sexos em todos os sentidos (econômicos, culturais, afetivos etc.), mas vamos trazer um pouco dessa história para que você compreenda as diferentes correntes feministas. Essa luta começou há pouco mais de dois séculos, antes mesmo de ser utilizada a palavra feminismo. Antes disso havia homens e mulheres que, de modo isolado, lutavam pela igualdade entre homens e mulheres, mas enquanto manifestação política, é a participação das mulheres nas revoluções burguesas da França e Inglaterra, no século XVIII, que tem sido considerado o marco histórico. Naquela época, as mulheres cobravam do novo ideário burguês os direitos à igualdade de participação política, de educação e, consequentemente, de acesso às profissões oriundas da formação escolar. As ações das mulheres foram severamente reprimidas, como aconteceu com a jovem escritora Olympe de Gouges, que ainda jovem escreveu a famosa Declaração dos Direitos das Mulheres e das Cidadãs no ano de 1791, pouco antes de a Revolução Francesa começar e depois foi guilhotinada. A Revolução Francesa expressava a concepção, já hegemônica, naquele momento, dentro da dominação masculina vigente, de que apenas homens podem fazer política e serem portadores de direitos. A mulher, como deveria submeter-se aos homens, estaria atrelada aos seus pais ou maridos e não precisava de representação política como o direito ao voto, ou usufruir de direitos civis, como o acesso à educação.

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Capítulo 1

Hegemonia É preciso, pois, tentar alcançar a compreensão do conceito de hegemonia proposto por Gramsci, peça-chave para a construção deste processo metódico de transformação social. A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto político um bloco mais amplo, não homogêneo, marcado por contradições de classe. O grupo ou classe que lidera este bloco é hegemônico porque consegue ir além de seus interesses econômicos imediatos, para manter articuladas as forças heterogêneas, numa ação essencialmente política, que impeça a irrupção dos contrastes existentes entre elas. Logo, a hegemonia é algo que se conquista por meio da direção política e do consenso, e não mediante a coerção. Pressupõe, além da ação política, a constituição de uma determinada moral, de uma concepção de mundo, numa ação que envolve questões de ordem cultural, na intenção de que seja instaurado um “acordo coletivo”, por meio da introjeção da mensagem simbólica, produzindo consciências falantes, sujeitos que sentem a vivência ideológica como sua verdade. O pensamento político e ideológico, dessa forma, apresenta-se como uma realidade prática, porque, ao ser compreendido e aceito pelos atores sociais, torna-se poder material, converte-se em ação prática, ou, mais precisamente, em práxis. (COSTA, 2012, s.p)

Desde a Revolução Francesa até o início do século XX, as bandeiras desse feminismo burguês (ou feminismo liberal) se materializaram nas lutas pelo voto, acesso à escolaridade superior e ao exercício do trabalho fora de casa, em profissões que se consideravam, na época, compatíveis ao ‘ser mulher’ como professoras, médicas, jornalistas e escritoras. O feminismo liberal centrava-se na luta por igualdade de direitos entre homens e mulheres, tanto nas relações familiares e amorosas, como no mundo do trabalho e da política. Ocorre que, ao mesmo tempo, as mulheres proletárias, termo da época para as trabalhadoras, que igualmente lutavam pelo acesso ao trabalho e ao voto, percebiam que as conquistas jurídicas não bastavam, devido às duras condições de trabalho em que se encontravam, priorizando as reivindicações de “salário igual para trabalho igual”, “proteção do trabalho feminino” (no que o trabalho afetava diferenciadamente a saúde da mulher) e “proteção à maternidade”, mas enfrentavam forte resistência da sociedade capitalista. “Existe un contraste repugnante en Inglaterra entre la esclavitud de la mujer y la superioridad intelectual de las mujeres escritoras.” Flora Tristan “Na Inglaterra existe um terrível contraste entre a escravidão da mulher e a superioridade intelectual das mulheres escritoras.” Flora Tristan

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social Essas bandeiras as distanciavam da ênfase do feminismo burguês nas reivindicações pelo voto ou acesso às profissões liberais, por considerarem que estavam longe de seus problemas básicos, corte reivindicatório que as aproximava novamente dos trabalhadores homens, construindo uma identidade de classe. Às vezes, enfrentavam fortes contradições, porque tinham que lutar contra alguns homens de sua própria classe, que as queriam em casa e no cuidado dos filhos. Todavia, nas greves e manifestações gerais lutavam por melhores condições de vida e de salário, para o conjunto das classes trabalhadoras. É construído assim o feminismo, com um corte de classe (também chamado de socialista, comunista, anarquista), em oposição ao feminismo liberal. Entre elas se destacaram Flora Tristán e Alexandra Kollontai: a primeira, filha de mãe francesa e pai peruano, era escritora e militante nas lutas do início do século XIX, junto a operários e operárias franceses; a segunda, também escritora, participou do processo revolucionário que culminou com a Revolução Russa, como Comissária do Povo para a Segurança Social, implementou mudanças econômicas e sociais para as mulheres e lutou por relações amorosas igualitárias entre os sexos. O feminismo comunista tem como eixo a crítica à propriedade dos meios de produção por uma classe social, a divisão social e sexual do trabalho (entre homens e mulheres, intelectuais e braçais, entre outras) e a necessidade de superação da sociedade de classes. Denuncia a contradição do capitalismo entre a possibilidade histórica da ‘igualdade’ de todos os sexos e a manutenção das hierarquias entre homens e mulheres, principalmente no tocante à divisão sexual do trabalho, mantendo as mulheres presas à reprodução da vida no mundo doméstico, quer em jornada única de trabalho em casa, quer em dupla jornada. Dentro desta concepção, temos o feminismo socialista e o feminismo anarquista, com visões diferenciadas sobre o modo pelo qual se daria processo revolucionário que levaria a essa sociedade sem classes, comunista. Entre tantas correntes feministas, como o liberal e o comunista, encontramos também outras divisões, como o feminismo essencialista, que se aproxima do liberal, enquanto proposta política de sociedade centrada na luta pela igualdade jurídica, mas enfatiza serem as diferenças de masculinidade e feminilidade entre homens e mulheres enraizadas na biologia e reforçadas pela cultura. Nesta concepção, toma-se a relação mulher/natureza como produto da experiência adquirida no espaço doméstico, que cria valores baseados na solidariedade, que são considerados femininos e que devem ser assumidos como modelares para orientar as relações entre os seres humanos e a natureza. (SOUZA, 2000, p. 58).

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Capítulo 1 O feminismo essencialista, mais conhecido como Feminismo da Diferença, questiona a hierarquia entre masculino e feminino e nega determinados valores da masculinidade como negativos para o desenvolvimento da humanidade. Para Garcia (2001), o feminismo essencialista engloba as distintas correntes que igualam a liberação das mulheres com o desenvolvimento e a preservação de uma contracultura feminina: viver em um mundo de mulheres para mulheres. Candiotto (2012, p.1399) acrescenta que no feminismo essencialista “o mundo das mulheres mostra que elas são mais intuitivas, sensíveis e empáticas; enquanto o mundo dos homens é caracterizado pela agressividade, competitividade, autoconcentração e eficiência.”

Essa contracultura exalta o princípio feminino e seus valores e repudia o masculino. Para essa corrente, os homens representam a cultura; e as mulheres, a natureza. Ser natureza e possuir a capacidade de serem mães comporta qualidades positivas que inclinam exclusivamente as mulheres à salvação do planeta, já que são moralmente superiores aos homens. A sexualidade masculina é agressiva e potencialmente letal, a feminina difusa, terna e orientada às relações interpessoais. Por último, a opressão da mulher deriva da supressão da essência feminina. (GARCIA, 2011, p.101).

As três bases feministas apresentadas, como o Feminismo Essencialista (ou Feminismo da Diferença), defensor da diferença biológica e sua manutenção sem hierarquias, o Feminismo Liberal, mais centrado na luta por direitos, e o Feminismo Comunista (socialista e anarquista), que incorpora a luta por direitos, questionando as bases econômicas e políticas da organização capitalista que alimenta a desigualdade , seguem existindo em paralelo a outros feminismos que foram surgindo, de um modo ou outro ligados a uma dessas vertentes, como o Feminismo Radical, que se inicia marxista e depois se constitui como uma corrente liberal, ou o Ecofeminismo e o Feminismo Negro, em diferentes facetas.

1.3 Natureza, cultura e poder A ideia consolidada de utilizar a diferença biológica como causa da existência de masculino e feminino, tão comum entre nós que parece ter sempre existido, data, na verdade, do início do século XVIII. Até esse período predominava a ideia de sexo único e quaisquer justificativas de diferenças entre homens e mulheres que justificavam o poder dos homens eram fundamentadas nas concepções religiosas ou filosóficas e não se utilizava o sexo (ser homem, ser mulher) e suas diferenças anatômicas para comprovar a hierarquia. (LAQUEUR, 2001). Segundo ele, diziase que “as mulheres, em outras palavras, são homens invertidos, logo, menos perfeitas. Têm exatamente os mesmos órgãos, mas em lugares exatamente errados.” (LAQUEUR, 2001, p. 42).

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social Figura 1.1 – Órgão sexual feminino visto como semelhante ao masculino.

Fonte: Gregoli (2012).

Ainda no século XVII, “parteiras e médicos acreditavam que o orgasmo feminino era uma das condições para uma concepção de sucesso, e davam várias sugestões para que a mulher o atingisse”. (LAQUEUR, 2001, p.7). Os estudos desse autor revelam que as ideias dominantes de haver dois sexos antagônicos e de mulheres como seres sem acesso ao prazer, em nada devem aos avanços da ciência, mas foram respostas às demandas históricas e políticas que marcaram a construção da sociedade liberal moderna e sua nova forma de dominação masculina. Localizar o sexo biológico ou o ‘sexo verdadeiro’ dentro do binarismo homem e mulher tem sido desde então uma necessidade da medicina, que a cada época e com suas correspondentes tecnologias, situa-o ora na anatomia, ora nos cromossomos ou, ainda, nos genes e hormônios. Em geral, sem sucesso. Tais concepções são alimentadas também pelo senso comum ainda presente nas ciências biológicas: é frequente encontrar, em intervalos de tempo regulares, extensas matérias em jornais, revistas e programas de televisão que buscam justificar quaisquer diferenças na anatomia dos órgãos sexuais, nos cromossomos, hormônios ou, a partir do desenvolvimento da neurociência, na relação entre hormônios e conexões neuronais. Uma característica em comum nos textos jornalísticos é que os jornalistas constroem a matéria utilizando a ciência e a alta tecnologia como forma de convencimento do leitor, e deixam de lado que os sujeitos pesquisados, em geral, já estão com os elementos básicos de sua constituição cerebral e de sua psique já selecionada por sua trajetória de formação biopsicossocial que se dá,

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Capítulo 1 primordialmente, na primeira infância. Entre as exceções sobre esse ‘equívoco’, encontramos a matéria jornalística intitulada ‘Mapa cerebral vê diferença entre os sexos’, a qual, na segunda parte, destaca que as diferenças observadas entre adultos não foram encontradas entre crianças: As diferenças mais acentuadas no novo estudo de mapeamento cerebral, porém, só foram vistas em adultos, afirmam os autores do trabalho. Meninas e meninos não exibiam, em média, a disparidade anatômica que foi vista em homens e mulheres. Isso abre espaço para que a origem das diferenças seja cultural e não de nascimento. (GARCIA, 2013)

No entanto, o título da matéria é tendencioso, porque induz ao contrário. Por trás dessa lógica da busca da diferença biológica está também a busca da normalidade, pois os pesquisadores não mencionam as pessoas que fogem ao padrão esperado e jornalistas raramente perguntam se houve quem não se adequou ao padrão. De acordo com essas concepções, ocupar majoritariamente postos de direção viria da capacidade inata de liderar dos homens, a presença de mulheres como educadoras da educação infantil e fundamental seria resultado da sensibilidade feminina, as carreiras ligadas às engenharias e computação dependeriam da habilidade masculina com a área de exatas. No entanto, os estudos de gênero vêm mostrar que essa divisão sexual do trabalho nada tem de natural, como nos mostra a socióloga Elizabeth Souza-Lobo (1991) em seu livro A classe operária tem dois sexos. A partir desses exemplos, convidamos você a pensar: já observou que as diferenças citadas são permeadas por uma hierarquia em que ao masculino é atribuído um valor maior, e que, não raro, expressam-se em desigualdades econômicas?

Ao ocuparem determinados trabalhos, as mulheres recebem determinados salários compatíveis com o valor atribuído socialmente a esse trabalho. Na média salarial brasileira, as mulheres recebem cerca de metade ou, no máximo, um terço dos salários masculinos. Sem contar que o trabalho doméstico, que provoca dupla jornada para muitas mulheres, é desvalorizado socialmente e visto como não trabalho. A manutenção da divisão sexual do trabalho é uma das bases que perpetua a organização econômica da sociedade, ao cuidar da reprodução da força de trabalho em âmbito familiar e privado, sem custos para o capitalista. (CRUZ, 2010) A nossa forma simplificada de pensar as relações de gênero expressa o modo de a sociedade se organizar em dicotomias e pólos antagônicos e excludentes,

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social como homem-mulher, masculino-feminino. E naturalizamos também outras dicotomias como superior-inferior, que aplicamos não só ao masculino e feminino, mas a todas as dimensões de nossa vida, como adultos e crianças, heterossexuais e homossexuais, brancos/as e indígenas e tantas outras, habituados que estamos em viver de modo alienado em uma sociedade de classes, que tem por princípio estruturar-se a partir da hierarquia social e da desigualdade econômica. Se agregarmos o marcador raça ao de sexo, não só constatamos a hierarquia e a desigualdade entre brancos/as e negros/as, como também dentro da categoria mulheres observamos diferenças entre elas, sendo que em sua maioria as negras ocupam os trabalhos menos remunerados e pouco valorizados socialmente, como o emprego de trabalhadoras domésticas. Ao mesmo tempo, mulheres brasileiras brancas e negras podem ter condições de vida semelhantes, se pensarmos no recorte de classe social e as situarmos no conjunto de mulheres que trabalham na informalidade e/ou com baixos salários.

1.4 Duas precursoras: Margareth Mead e Simone de Beauvoir A compreensão do modus operandi de uma determinada configuração cultural ou do que a gerou tem sido trabalho árduo de antropólogos/as. Em uma pesquisa sobre povos ainda existentes na Nova Guiné, cujo resultado foi publicado em livro no ano de 1950,. sob o título Sexo e Temperamento, a antropóloga Margaret Mead (1988), ao procurar saber se “havia ou não diferença de temperamento entre os sexos”, terminou por trazer mais contribuições do que imaginava inicialmente. É o primeiro estudo da antropologia que oferece pistas sobre o que viria a ser chamado posteriormente de gênero, mas que Mead (1988) designa como temperamento ao desvincular a diferença de sexo biológico da construção cultural dos significados de masculino e feminino.

A antropologia cultural ou etnologia, por ser uma ciência que realiza um estudo comparativo de diferentes formas de organização social, sempre foi um terreno fértil para se compreender como se dão as relações entre homens e mulheres, abrindo uma perspectiva crítica sobre a organização atual dessas mesmas relações ou procurando, ainda, encontrar elementos que expliquem o que levou à divisão sexual de trabalho entre homens e mulheres e à dominação masculina.

Mead (1988) analisa nessas culturas da Nova Guiné uma predominância da divisão sexual do trabalho, mas com características variáveis de temperamento e do que é permitido/proibido a cada sexo. 19

Capítulo 1 Entre os Arapesh há uma divisão sexual geral do trabalho, e o cuidado com as crianças é considerado tarefa de ambos, desde a concepção. O ‘temperamento’ predominante entre homens e mulheres é amigável, delicado e cuidadoso, sendo que apenas os meninos selecionados para a chefia e os contatos com o mundo exterior é que devem aprender a agressividade em um ‘temperamento’ que só é valorizado nesta função que visa a estabelecer relações com outros povos. Entre os Tchambuli, as mulheres vivem em grupos, controlando toda a produção e circulação dos produtos,possibilitando trocas econômicas com outros grupos. Enquanto as mulheres vivem e trabalham em grupo, realizando também o trabalho doméstico relativo às crianças e ao alimento cotidiano, os homens vivem isolados e brigando entre si pelo amor e atenção das mulheres, em suas casas individuais, fazendo a sua comida, produzindo arte e ornamentos para dançar e se enfeitar para as mulheres. Apesar de serem os chefes religiosos e políticos, o controle do trabalho e da economia está nas mãos das mulheres que, segundo Mead, são alegres, decididas e têm um forte sentido de coletividade e parceria no cotidiano. No ritual do casamento, em ambas as culturas, são os homens que escolhem as esposas para seus filhos, promovendo as alianças dos clãs por meio da saída da mulher para o clã do marido e com pequenas brechas de recusa para as mulheres: no caso dos Arapesh, elas podem se separar quando crescerem, caso o desejem e entre os Tchambuli a “escolha” supõe sempre aceitação prévia pela esposa indicada. Pelas informações de Mead, podemos inferir que há assimetrias e jogos de poder recíprocos nas relações de gênero nessas culturas, e que os significados de gênero não são universais (iguais em todas as culturas) ou atrelados ao sexo biológico. E você, conhece alguma sociedade em que o significado de gênero seja diferente do que está acostumado/a a pensar? Ou que seja o contrário do que vivencia no cotidiano?

No mesmo momento histórico, no ano de 1949, a escritora francesa Simone de Beauvoir publica o livro “O Segundo Sexo”, no qual afirma: Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico, define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. (BEAUVOIR, 1980, p.9)

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social Figura 1.2 – Simone de Beauvoir

Publicado em dois volumes, o trecho acima está no início do volume 2 ,‘A experiência vivida’. A força dessas palavras provocará uma das bases para o questionamento do destino biológico atribuído às mulheres. Para Beauvoir, os seres humanos são capazes de ‘repetir’ a vida, pelo ato da reprodução biológica e da ‘criação’ da vida por meio da cultura. Segundo ela, o fato de a mulher reproduzir a vida, obriga-a a uma camisa de força biológica que possibilita ao homem subjugá-la, pois ele fica livre para a criação cultural, enquanto que ela, ao ter que cuidar da prole, de certa maneira, torna-se cúmplice dele. A grande preocupação de Beauvoir é, na verdade, que o sujeito biológico “mulher” se aperceba do que foi Fonte: Bresson (1946). feito de si enquanto vinculação da diferença biológica às diferenças culturais e de sua subordinação ao homem. Nas palavras de Louro, a importância de Beauvoir sobre a crítica do que significava a mulher estava em afirmar que: seu modo de ser e estar no mundo não resultava de um ato único, inaugural, mas que, em vez disso, constituía-se numa construção. Fazer-se mulher dependia das marcas, dos gestos, dos comportamentos, das preferências e dos desgostos que lhes eram ensinados e reiterados, cotidianamente, conforme normas e valores de uma dada cultura. (LOURO, 2008, p. 17)

Ambas as autoras deram o passo inicial para o questionamento da natureza como fundamento para um destino inevitável. De lá para cá gênero tomou o lugar de temperamento, mulheres no plural (negras, indígenas, lésbicas...) tomaram o lugar da ‘mulher universal’ e, mais recentemente, as dicotomias de homem-mulher e masculino-feminino têm sido implodidas pelas rupturas provocadas pela Teoria Queer.

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Capítulo 1

Seção 2 Dos primeiros usos de gênero aos novos significados 2.1 As origens O conceito de gênero apareceu pela primeira vez nos Estados Unidos no início da década de 60. Haraway (2004) nos traz um pouco desta história inicial: Em 1958, o Projeto de Pesquisa sobre Identidade de Gênero foi constituído no Centro Médico para o Estudo de Intersexuais e Transexuais, na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA). O trabalho do psicanalista Robert Stoller discutia e generalizava as descobertas do projeto da UCLA. Stoller apresentou o termo “identidade de gênero” ao Congresso Internacional de Psicanálise, em Estocolmo, em 1963. Ele formulou o conceito de identidade de gênero no quadro da distinção biologia/cultura, de tal modo que sexo estava vinculado à biologia (hormônios, genes, sistema nervoso, morfologia) e gênero à cultura (psicologia, sociologia). O produto do trabalho da cultura sobre a biologia era o centro, a pessoa produzida pelo gênero – um homem ou uma mulher.” (HARAWAY, 2004, p.216)

Nos Estados Unidos, o uso tornou-se crescente nas décadas seguintes, mas na França, por exemplo, durante muito tempo predominou a expressão ‘relações sociais de sexo’ e que inclusive perdura parcialmente até início do século XXI. Por um certo tempo, houve no Brasil uma mescla na forma de usar os conceitos, devido às influências dos dois países, mas no final dos anos noventa passou a haver um predomínio do uso do conceito ‘relações de gênero’ ou ‘gênero’, às vezes de modo equivocado, expresso pela simples troca de palavras. Ao falar do feminismo norte-americano, Nicholson (2000) pontua a necessidade de pluralizar os sentidos de ‘mulher’, mas ao mesmo tempo propor políticas de coalizão em contextos específicos: Se as feministas brancas nos Estados Unidos sentem cada vez mais a necessidade de considerar seriamente as reivindicações das mulheres não brancas, e não as das brancas conservadoras, isso acontece não porque as primeiras possuam vaginas e as últimas não, mas porque multos de seus ideais estão bem mais próximos dos ideais de muitas não brancas do que dos ideais das conservadoras. Talvez seja hora de assumirmos explicitamente que nossas propostas sobre as “mulheres” não são baseadas numa realidade dada qualquer, mas que elas surgem de nossos

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social lugares na história e na cultura; são atos políticos que refletem os contextos dos quais nós emergimos e os futuros que gostaríamos de ver. (NICHOLSON, 2000, p.38)

Por isso, afirmamos que gênero, além da ideia de masculinidades e feminilidades, expressa relações de poder tanto quanto outros marcadores sociais e com eles se combina, constituindo grupos sociais com identidades múltiplas, em que cada grupo se apresenta com necessidades particulares, mas sofrendo experiências comuns à organização social e econômica em que estão inseridos. A pouca reflexão dessa temática nos espaços de formação de educadores/as termina por favorecer que as escolas e universidades sejam ainda difusoras de concepções naturalizantes, que só reforçam relações baseadas em dominação e exploração.

2.2 Gênero e sexo Vamos refletir sobre o conceito de gênero. De que modo ele faz parte de nossa vida?

Podemos dizer que as diferentes expressões de masculinidades e feminilidades são personificadas em cada sujeito, independente de seu sexo biológico, e resultam de um complexo processo cultural e não de diferenças naturais instaladas em corpos de mulheres e de homens. Não há uma natureza que não seja informada pelo gênero: desde o momento em que nasce podemos dizer que o corpo, ao qual se atribui socialmente o atributo de sexo de homem ou de mulher, já nasce generificado. O conceito de gênero foi criado exatamente para distinguir a dimensão biológica da dimensão cultural e demonstrar que essas dimensões não existem em Figura 1.3 – Teoria Queer: fim da demarcação de separado, cruzam-se, mas não gênero e de sexo decorrem uma da outra!

Fonte: Desaventurasfemininas, (2014).

Gêneros não são derivados, em qualquer circunstância, do modo de os seres humanos explicarem a diferença biológica. Como vimos, a própria ideia de ‘diferença biológica’ foi construída no século XIX, como afirma o historiador Laquer (2001).

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Capítulo 1 Ao afirmar que é da base biológica de homens e mulheres que decorre as diferenças construídas culturalmente, o fundacionismo permanece preso à biologia. Perceba a sutileza desse jogo de palavras, que a título de exemplo trazemos aqui, na seguinte explicação: gênero são as Nicholson (2000) diferenças culturais estabelecidas a partir das diferenças chamará de fundacionismo biológicas entre homens e mulheres. Como podemos ver, biológico a concepção o fundacionismo supera apenas em parte o daqueles/as que afirmam determinismo biológico, já que supõe haver, mesmo ser o gênero diferenças parcialmente, características humanas comuns ‘dentro’ de masculinidade e feminilidade ‘decorrentes’ de cada sexo biológico. das diferenças biológicas entre homens e mulheres. Gênero se refere à construção social de significados de masculinidades e de feminilidades que compõem, em conjunto com outros marcadores sociais, os atributos de cada sujeito, e é resultado do modo como cada sociedade se organiza e produz sua cultura.

Os estudos de gênero contribuem para explicar de que modo diferentes culturas constroem diferentes significados de masculino e de feminino e até mesmo porque, dentro de cada cultura, também não encontramos apenas uma masculinidade e uma feminilidade, visto que há resistências e experiências sociais diferenciadas do padrão dominante, hegemônico, configurando uma pluralidade de significados que permeia cada época e lugar. O conceito de cultura é polissêmico, mas a visão trabalhada aqui em nossa reflexão fundamenta-se em uma visão marxista, na qual os dois sentidos que se combinam:

a. o sentido amplo de cultura humana, um conjunto de aspectos relativos à produção e reprodução da vida, em todas as suas dimensões econômicas, políticas, artísticas, religiosas e a consciência social resultante desse amplo processo que é simultâneo e contraditório; b. um sentido estrito em que dentro da produção e reprodução da vida organiza-se a base econômica e a base social e cultural; dentro dessa segunda base temos o conjunto de aspectos ligados à produção de significados em todas as dimensões do fazer humano, incluindo aí a ideologia e a consciência social. Ressaltamos que as ações decorrentes das relações produtivas alteram as demais relações as quais, por sua vez, constituem-se como materialidade e poder e, dialeticamente, agem sobre a base econômica, desestabilizando-a e ampliando o rol de contradições que se manifestam socialmente em um processo contínuo de permanências, conflitos e transformações.

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social É importante frisar que, em ambos os sentidos, está presente a noção de conflito entre concepção hegemônica de mundo das classes dominantes e concepções contra-hegemônicas pelas classes dominadas, com outras visões de mundo, conflito que é resultante e provocador, ao mesmo tempo, de mudanças materiais. Marx, em A ideologia alemã, afirma que: “todas as condições e funções humanas, independente de como e quando se apresentem, exercem influência sobre a produção material, agindo sobre ela de maneira mais ou menos determinante” (MARX, 2007, p.86).

Sobre a multiplicidade de gêneros (pluralidade de masculinidades e feminilidades) presentes socialmente, ancoramo-nos também em Connell (1995; 1997), o qual argumenta haver uma masculinidade hegemônica em cada cultura que configura a sociedade como sendo de dominação masculina, mas ela recebe/sofre a pressão de outras masculinidades que dialogam com ela, em um processo dinâmico de incorporação e negação de mão dupla. Por outro lado, todas as feminilidades são subalternas, mesmo expressando resistências e formas diferenciadas da feminilidade padrão esperada. Frisemos que não se pode utilizar gênero como sinônimo de mulheres e homens, confusão que ainda se faz presente em muitos textos sobre gênero e dificulta sua compreensão. Os termos homem ou mulher são variáveis necessárias para a compreensão das relações de gênero no presente momento, e sua explicitação em censos demográficos e demais pesquisas tem sido uma antiga reivindicação feminista. Como saber, por exemplo, sobre a diferenciação escolar ou salarial se não se perguntar quantos são homens e quantos são mulheres? Nesses casos, a substituição da categoria sexo por gênero só nos tem causado problema. Se gênero não é sinônimo de sexo, por que a troca? Mais adequado seria para o avanço acadêmico e político se fosse agregada a pergunta sobre o gênero, além da pergunta sobre o sexo, pois expressar masculinidades ou feminilidades descoladas do sexo biológico é, no momento da escrita deste texto, uma reivindicação já presente no movimento LGBT. Figura 1.4 – Gênero ou orientação sexual?

Fonte: Becker (2011).

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Capítulo 1 Reflita conosco: como uma pessoa que é do sexo biológico homem, mas se considera do ponto de vista do gênero como feminina, responderia a uma enquete sobre sexo biológico? Em outros termos: se não houver a pergunta sobre o sexo biológico deduziremos que todos que responderam à pergunta de gênero, com a resposta ‘feminina’, seriam... mulheres?

A partir dessa problematização, pensamos que a entrada do conceito de gênero não significa, a nosso ver, o abandono dos sujeitos. Menos ainda do aporte da luta feminista, responsável por seu surgimento e difusão no meio acadêmico. Como vimos, não são, entretanto, significados neutros do ponto de vista do poder, visto expressarem desigualdades sociais entre seres humanos. Ao estudar as masculinidades, Connell (1995, p.189) argumenta que (...) diferentes masculinidades são produzidas no mesmo contexto social; as relações de gênero incluem relações entre homens, relações de dominação, marginalização e cumplicidade. Uma determinada forma hegemônica de masculinidade tem outras masculinidades agrupadas em torno dela que não equacione gênero simplesmente com uma categoria de pessoas. Se a ‘masculinidade’ significasse simplesmente as características dos homens, não poderíamos falar da feminilidade nos homens ou da masculinidade nas mulheres (exceto como desvio) e deixaríamos de compreender a dinâmica do gênero.

Se há uma masculinidade que é hegemônica, os sujeitos homens ou mulheres que incorporam novas masculinidades sofrem discriminação, assim como as feminilidades que são sempre subalternas. Até aqui estamos falando de delimitações de sexo biológico e de gênero. Tal raciocínio se complexifica quando se combina a orientação sexual. Ao analisarmos um mesmo sujeito, podemos ver nele um sexo biológico (macho, fêmea, intersexo), uma identidade de gênero dentro do rol de masculinidades e feminilidades existentes, uma orientação sexual dirigida ao mesmo sexo, a outro sexo ou a ambos. (alguns autores utilizam aqui o conceito de identidade sexual, que optamos por não usar para evitar confusões conceituais com a categoria de sexo). Mas há quem questione essas ‘caixinhas’, preferindo práticas sexuais (e não orientação sexual), por serem tais designações verdadeiras prisões sociais, não desejando ser enquadrados nessas dicotomias, preferindo a designação de trans, ancorados na Teoria Queer e no rompimento das fronteiras ou, quem sabe, considerando a própria fronteira como o espaço do viver.

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social Autoras como Butler (2010) estão no extremo do que poderíamos chamar de construcionismo social ou até em ruptura com ele, visto problematizarem os próprios termos em que se dá a categorização identitária de encaixes e definições subsequentes. Por isso, faremos uma distinção conceitual: manteremos o antigo (mas nem por isso ultrapassado) conceito de sexo biológico, no sentido descritivo das diferenças anatômicas básicas dos sujeitos que os dividem em homens e mulheres, e também no sentido de sujeitos políticos; utilizaremos gênero(s) como construções simbólicas de feminilidades e masculinidades, vistos em relação ou separadamente independente do sexo biológico ou da orientação sexual de quem os expresse; e relações de gênero quando nos referirmos às relações sociais mediadas pelos significados de gênero, sejam elas relações entre quaisquer sujeitos. O conceito de gênero, por ser relativamente novo, interdisciplinar e permitir articulações com diferentes correntes teóricas, é ainda um conceito em construção. Esperamos que no decorrer do estudo você produza suas sínteses e compreenda suas articulações com a temática da sexualidade e educação.

Seção 3 Interseções de gênero, raça e classe na vivência educativa. 3.1 Articulações entre sociedade e escola Nas últimas duas décadas, a educação brasileira tem sido fortemente influenciada pelas discussões sobre gênero, raça e educação, e o volume de pesquisas sobre a temática tem adquirido consistência e vigor. A partir dos diálogos entre movimentos sociais, educadores/as e pesquisadores/as, particularmente em relação às reivindicações dos movimentos étnico-raciais, LGBT e suas interfaces com os movimentos feministas, diferentes instâncias educacionais têm buscado articular estas temáticas na compreensão da diversidade dos sujeitos que compõem o espaço educativo, na análise e formulação da política curricular e da formação docente. No início do século XXI, essas demandas aparecem nas lutas de diferentes coletivos, e que sob o manto da hegemonia capitalista são incorporadas parcialmente pelas leis, de modo a mudar para permanecer o mesmo, ou seja, aprovam-se determinados direitos sociais sem que sejam dadas as condições

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Capítulo 1 para que eles sejam, de fato, implementados em sua plenitude. Em outras palavras, a reivindicada igualdade de direitos, expressa-se nos aspectos jurídicos, mas está muito aquém dos interesses de movimentos sociais feministas ligados às mulheres trabalhadoras (negras, indígenas e brancas) e movimentos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trans (LGBT). Alguns exemplos são ilustrativos dessa questão. Os direitos das trabalhadoras domésticas avançam, mas o racismo/sexismo faz que continuem a ser as mulheres negras a fazê-lo; ou ao contrário, a proibição do aborto se estende oficialmente a todas as mulheres, mas são as trabalhadoras que enfrentam dificuldades com os riscos do aborto em condições precárias e maus tratos médicos quando são atendidas no serviço público. Fala-se do direito à creche, mas 80% dos bebês estão fora dela, isso é impedimento para as mulheres que mais necessitam de renda voltar ao mercado de trabalho, assim ficam afastadas durante um extenso período de tempo. Entre os/as jovens homossexuais, pobreza e cor transformam suas vidas em alto risco e recorrentes impunidades para os agressores, a exemplo de casos relatados na imprensa brasileira. (MELO, 2014) Essa realidade tem sido demonstrada na educação, quando observamos o recuo da incorporação das lutas LGBT nas escolas, na tímida implementação de políticas de saúde para as especificidades das mulheres negras, ou na falta de políticas públicas (em larga escala) de formação de professores/as em gênero, a despeito das poucas, mas consistentes e positivas, experiências de formação como a proposta do curso Gênero, Diversidade e Escola (GDE)

O curso Gênero e Diversidade na Escola faz parte da política de formação de professores/as, desenvolvido em parceria pelas Universidades Federais, Ministério da Educação (MEC), Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM/PR) e a Secretaria Especial de Políticas para a Igualdade Racial (SPPIR/PR) e Centro LatinoAmericano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ). Foi desenvolvido em vários estados do Brasil, inclusive em Santa Catarina, onde já houve sua implementação por duas vezes, ambas coordenadas pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Por acreditarmos que a inserção de classe está presente, de forma clara ou subsumida, nos espaços educativos formais e não formais, pensamos ser necessário articular as demandas feministas e de classe, em um movimento contínuo de contra-hegemonia (COUTINHO, 1992; 2008), no sentido de apontar as contradições dessa sociedade desigual e hierárquica e possibilitar vislumbres/ experiências do que pode ser uma nova ordem não capitalista.

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social Se os sujeitos, na singularidade, são compostos por um conjunto de marcadores sociais como gênero, raça, etnia, orientação sexual e que se expressam conforme o contexto em que estão inseridos, apenas na medida em que esses marcadores permitem processos coletivos de identidade é que se ampliam as condições para que o sujeito histórico produza ações políticas desestabilizadoras do status quo. Por outro lado, a articulação entre vários marcadores e os de classe permite perceber que há desigualdades e opressões diferenciadas que estão dentro de uma mesma totalidade, a do sistema capitalista, que as alimenta e fornece as bases estruturais para sua continuidade.

3.2 Saberes escolares, saberes sociais Em muitos livros sobre educação se discute a função social da escola, tendo como pano de fundo os saberes escolares que estudantes devem adquirir ao final do processo educativo e se desconsidera os saberes sociais que também nela são aprendidos. A partir da década de 90, as políticas governamentais instituíram, inclusive, diferentes mecanismos de avaliação para mensurar esses saberes escolares, levando ao paroxismo a padronização dos conhecimentos escolares. O que se supunha necessário até então era apenas uma base comum, considerando a diversidade cultural brasileira, como se costumava dizer na época do surgimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais, mas depois os ‘parâmetros’ viraram ‘normas’. Mas os conteúdos programáticos (padronizados ou não) são apenas um dos conjuntos de saberes que percorrem a escola, ainda que seja o dominante na visão de políticos, gestores/as e educadores/as. Arriscamos a dizer, e não estamos sozinhos nessa crítica, que na escola mais se aprende sobre a visão de mundo da sociedade capitalista do que se tem, de fato, acesso aos ditos conhecimentos universais, haja vista a qualidade da educação pública. Os saberes escolares incluem o currículo oculto expresso em rituais, gestos, organização do espaço e tempo, disciplina moral e corporal que conformam (em um diálogo contraditório com os saberes sociais trazidos por estudantes) uma determinada visão de mundo dos aprendizes que passam pela escola.

Necessário dizer que pensamos a escola vista em sua pluralidade e analisada conforme cada contexto. Mas há elementos comuns na escola tal como se apresenta no contexto brasileiro. A escola de educação básica, espaço de contradições, torna possível o aprendizado intelectual (saberes escolares) e o acesso aos saberes sociais, simultaneamente, reproduz as relações sociais capitalistas de poder e submissão, o que nos leva a afirmar que um

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Capítulo 1 dos aprendizados fundamentais na escola, principalmente a pública, é a obediência e não o respeito. Outro aspecto que revela a preocupação com poder disciplinar dá-se no fato de a escola ter duas temporalidades, a mais longa em sala de aula, contraposta a um intervalo (ou recreio) reduzido, por ser um espaço com reduzida interferência dos adultos. (FREITAS, 2003). Na organização da escola, alegando-se a falta de conhecimento de estudantes sobre as questões de conteúdo, insere-se o mecanismo de decisão baseado na hierarquia etária (adultocêntrica) e profissional, que configura a pouca preocupação, com as organizações estudantis autônomas. Mesmo que isso fosse parcialmente verdade, (ninguém consegue imaginar estudantes selecionando a totalidade dos conhecimentos escolares) o que se camufla, de fato, é que a vivência escolar não abrange apenas os conteúdos programáticos e cognitivos: o modus operandi da escola educa, ou molda, corpos e mentes daqueles que ali passam boa parte de seu dia! As decisões tratam, não só sobre conteúdos formais e calendários, como de regras, normas e punições, que são tomadas por professores e direção sem quaisquer mecanismos de consulta a coletivos infantis ou juvenis. Eventualmente, professoras estabelecem, em sala de aula, ‘combinados’ que refletem, de fato, um acordo coletivo. A auto-organização de estudantes, tão cara a Gramsci (2004), segue sendo um sonho distante para quem estuda na escola pública.

Dentro desse controle escolar temos a normatização do corpo e da sexualidade, nela vigorando os padrões aceitos de identidade de gênero e orientação sexual, controle que também é exercido entre colegas, e que pode manifestar-se por meio de violências cotidianas. Ocorre que os sujeitos não são passivos e resistem a esse controle. Por isso, vivenciamos na escola a existência de padrões de normalidade permeada por todo um universo subterrâneo de transgressões e sociabilidades que escapam da norma. O longo tempo passado na escola desde a mais tenra infância contribui para que estudantes tenham um perspicaz conhecimento de seus meandros e da criação de estratégias de sobrevivência nela, sem se submeterem totalmente. Apesar de, no início da infância, a família brasileira ocupar um tempo considerável com a criança, já que o número de unidades de educação infantil ainda é insuficiente para a necessidade da população trabalhadora, isso muda nas fases posteriores. Nas etapas seguintes da infância e adolescência, podemos frequentar até mais tempo o espaço escolar do que o ambiente familiar. Há contextos em que a criança passa até 10 horas fora de casa e vivenciará relações familiares apenas no breve período noturno que antecede o sono, momento esse, não raro, como vítima da pedagogia de uma outra instituição, a televisão aberta, a que assiste na companhia de seus pais e mães. 30

Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social Nesse sentido, ainda que o resultado da identidade singular seja fruto das diferentes instâncias de aprendizagem social ao longo da vida, podemos afirmar a centralidade da escola na produção de identidades e que suas marcas profundas nas lembranças embasam determinadas concepções de mundo e formas de convívio social de modo duradouro. A lembrança de professores/as e de colegas acompanha as novas vivências profissionais e sociais e terá impacto no modo desse sujeito conceber e intervir na sociedade à sua volta. Quem não se lembra das aulas de educação física e dos corpos masculinos e femininos em evidência e angústias? Aos meninos o compulsório aprendizado do jogo de futebol, e às meninas o vôlei, a ginástica ou na arquibancada para evitar o suor dos corpos. No recreio as diferenças corporais nos modos de brincar entre meninos e meninas, eles donos de quase todo o território em corridas e lutinhas, e elas na luta para entrar no futebol ‘deles’ ou atraí-los para suas corridas, perante o silêncio omisso da escola. Na sala de aula, outros aprendizados físicos: o corpo controlado nos mínimos gestos – considerados excessivamente femininos ou masculinos, e nunca adequados ao ‘sexo biológico’? Da sua vida de criança ou jovem estudante que marcas você traz desse passado? Quais as estratégias utilizadas para driblar a vigilância de adultos e até de colegas para evitar a punição pelas transgressões?

3.3 Relações de gênero, raça e classe na escola As relações de gênero binárias e hierárquicas parecem impregnar o conjunto de ações escolares: a forma de organizar grupos de trabalho, filas e carteiras pelo critério de sexo; o controle dos corpos femininos na rigidez das posturas ‘delicadas e comportadas’; a heterossexualidade dominante que inferioriza e expõe a situações de violência física meninos e meninas, ao expressarem qualquer forma de interesse erótico-afetivo por pessoas de mesmo sexo biológico, entre outros exemplos. Os padrões circulam nas relações sociais escolares de tal modo naturalizados que professores/as e gestores/as pouco interveem para sua denúncia e transformação.

Para Gomes (1996, p. 68) há uma desatenção de educadores/as no que se refere aos aspectos da alteridade em que estão imbricadas as relações sociais de gênero, raça e classe na educação e que esses “fatores interferem nas relações estabelecidas entre os sujeitos e na maneira como esses veem a si mesmos e ao outro no cotidiano da escola.”

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Capítulo 1 De acordo com Zanella (2005), o conceito de alteridade pode nos ajudar a compreender o papel que o outro tem em nossa constituição, já que “a existência de um eu só é possível via relações sociais e, ainda que singular, é sempre e necessariamente marcado pelo encontro permanente com os muitos outros que caracterizam a cultura.” (p.102). A autora ainda argumenta que: a assertiva é aparentemente simples e ao mesmo tempo complexa, pois remete a um todo, a um agregado anônimo que está visceralmente interligado – as relações sociais – e que ao mesmo tempo se dissipa em composições múltiplas, em infinitas possibilidades de vir a ser que se objetivam em cada pessoa, que encarnam e marcam a carne que se faz gente, que se faz um(uma), que é indivisível. (ZANELLA, 2005, p. 103) Figura 1.5 – Alteridade

Fonte: Pacete (2013).

Você já parou para pensar no que o olhar do Outro, de aprovação ou rejeição, provocou em seu modo de ser e estar no mundo?

Com relação à aprendizagem de raça, (aqui utilizada como categoria social e histórica, promotora de preconceito e desigualdade e não biológica), Gomes (1996) analisa que as escolas levam para seu contexto as teorias e concepções racistas presentes na sociedade e que ao adentrar nelas “sofrem um processo de retroalimentação, e terminam por legitimar o racismo presente no imaginário social e na prática social e escolar.” (GOMES, 1996, p.70). Em suas pesquisas, explicita como presentes na escola:

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social •• o discurso de incapacidade intelectual do negro; •• a defesa da mestiçagem como solução para as questões raciais no Brasil; •• a primitividade da cultura negra por meio da folclorização da cultura afro; •• e a teoria da democracia racial. Teorias que terminam por justificar o forte racismo presente na escola, que se dá na ausência do sujeito negro nos livros escolares, na presença negra lembrada apenas em festas comemorativas, ou na invisibilidade com que a escola lida com os frequentes insultos, conflitos e exclusão entre crianças brancas e negras. “Heterossexismo foi um termo proposto por Stephen Morin em 1977, e refere-se à ideia de que a heterossexualidade é a orientação sexual “normal” e “natural”. Ao considerar a heterossexualidade “normal”, contrapõe-se a ideia de que as outras orientações sexuais (homossexualidade e bissexualidade) são um desvio à norma e reveladoras de perturbação. Não são encaradas como um dos aspectos possíveis na diversidade das expressões da sexualidade humana. O considerar a heterossexualidade como “natural”, aponta para algo inato, instintivo e que não necessita de ser ensinado ou aprendido. O termo heterossexismo também é utilizado para designar os preconceitos existentes contra os homossexuais, bem como os comportamentos deles decorrentes.” (FERREIRA, 2011, s.p)

De modo semelhante ao racismo e ao sexismo (machismo), a partir dos anos 2000 a denúncia do heterossexismo (perseguição a quem não é heteressexual) e a reivindicação da expressão pública da homossexualidade na escola tem sido motivo de intenso debate, forçada por movimentos sociais e, em parte, pelos próprios sujeitos em cada escola, que relutam à lógica do ocultamento. Todavia, de acordo com Louro, admite-se e tolera-se a homossexualidade que aparece disfarçada , pois, “de acordo com a concepção liberal de que a sexualidade é uma questão absolutamente privada, alguns se permitem aceitar ‘outras’ identidades ou práticas sexuais, desde que permaneçam no segredo e sejam vividas apenas na intimidade.” (LOURO 2000, p.23) Quando as diferenças se combinam a contextos identitários, em que há a convivência de crianças e jovens oriundos das classes trabalhadoras com os demais, outros conflitos aparecem: meninos negros e pobres em repetências sucessivas expressam a falta de atenção docente para a aprendizagem necessária (CARVALHO, 2007); meninas brancas e pobres sofrem a pressão da estética feminina que envolve altos gastos com cuidado com o corpo, roupas e

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Capítulo 1 acessórios; meninas negras e pobres enfrentam com mais violência a barreira da cor da pele e do cabelo crespo (SOUZA, 2006; GOMES, 2002). Mesmo não sendo uma unidade produtiva que expresse antagonismos de classe e desigualdade, a escola pública também expressa em si as diferenças decorrentes dos aspectos econômicos que são convertidas em hierarquias. Nesse processo contraditório, a escola, segundo Petitat, reproduz e ao mesmo tempo participa das transformações sociais, “às vezes intencionalmente, às vezes contra a vontade, e, às vezes, as mudanças se dão apesar da escola.” (PETITAT, 1994, p.7).

No entanto, se fora da escola o fator classe expressa uma preponderância em relação aos demais elementos de discriminação, na escola, além da submissão exigida de crianças e jovens como um fato comum e classista geral, todos os marcadores sociais produzem, de modo relevante, diferenças que configuram a escola como um celeiro de sofrimento e conflito.

Mas esse quadro, que parece sombrio ao tornar visível a necessidade de transformação da cultura escolar vivenciada nas relações de gênero, raciais e de classe, revela práticas contestatórias de resistências de estudantes e docentes, que terminam por inverter a regra do jogo e produzir situações de respeito e diversidade. Até agora buscamos compreender alguns referenciais sobre as relações entre sociedade, educação, gênero, classe e raça. Vamos refletir na próxima unidade sobre significados de sexualidade na cultura ocidental e o papel dos movimentos sociais feministas e LGBT neste debate. Com o cuidado, é claro, de não se perder de vista a multiplicidade de outras instâncias educativas (como a família e a mídia), em que se dá a formação do sujeito em nossa sociedade contemporânea.

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Capítulo 2 Sexualidade em debate

Habilidades

A partir dos estudos deste capítulo, você vai identificar a educação, formal e não formal, na sua dimensão sociocultural, problematizando-a e correlacionando-a aos processos mobilizatórios dos movimentos sociais feministas. E também conhecer os aspectos básicos sobre o desenvolvimento da sexualidade a partir de três autores significativos: Freud, Reich e Foucault.

Seções de estudo

Seção 1:  Seção 1 Freud, Reich e a sexualidade humana Seção 2:  Foucault e a noção moderna de sexualidade Seção 3:  Movimentos Sociais e a sexualidade

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Capítulo 2

Seção 1 Freud, Reich e a sexualidade humana 1.1 O desenvolvimento da sexualidade Você provavelmente já ouviu falar em Complexo de Édipo, Libido, Inconsciente... A psicanálise, criada por Freud, habita o vocabulário contemporâneo até para aqueles/aquelas que não o leram. Vamos entender um pouco o significado desses conceitos dentro da concepção de desenvolvimento da sexualidade. No momento em que Freud inicia seus estudos, final do século XIX, a medicina ocidental já se detinha desde o século XVIII sobre a sexualidade e porque não dizer, de sua regulamentação, nesse caso, em conjunto com outras instituições como a Igreja e o Estado. O que há de novo em Freud?

Ao buscar entender a sexualidade e o comportamento sexual adulto, ele chegará ao que designará como o núcleo central da vida psíquica, produzida a partir de dois movimentos: o da vivência do prazer infantil, que é ligado aos estímulos sensoriais e às descargas motoras corporais, e o movimento da linguagem por meio da qual se desenvolve a psique. Curiosamente, Freud não estudou as crianças para chegar a essa afirmação, mas observou Neurose: distúrbio de seus pacientes adultos com sintomas neuróticos, personalidade, definido diferencialmente da e tais sintomas revelavam secretas atividades infantis psicose (loucura) e da negadas por eles. perversão, em termos de que nessa estrutura o conflito entre o desejo (inconsciente), cujas manifestações mais radicais são reprimidas, e os valores morais alcançam uma intensidade considerável, levando à produção de sintomas histéricos, obsessivos ou fóbicos, ou, na sua ausência, a um pronunciado grau de ansiedade e/ou culpa. (GOLDGRUB, 1989, p.85)

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Em seus escritos expressou sua discordância com educadores da época: (...) torna a criança ineducável, pois perseguem como ‘vícios’ todas as suas manifestações sexuais, mesmo que não possam fazer muita coisa contra elas. Nós, porém, temos todos os motivos para voltar nosso interesse para esses fenômenos temidos pela educação, pois deles esperamos o esclarecimento da configuração originária da pulsão sexual. (FREUD, 1969, p.168-169)

Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social Freud chamará a criança de perversa polimorfa, no sentido em que a perversão significa a busca pela realização máxima de seus desejos, em diferentes partes de seu corpo e com diferentes objetos. Designar a criança como perversa polimorfa significa dizer que ela pode, sem barreiras (isso é a perversão) experimentar várias formas para realizar o seu prazer, em qualquer parte de seu corpo e com diferentes meios (polimorfismo). Pensamos que esse conceito de perversão implica, de alguma maneira, uma visão do que é a sexualidade vista como normal e anormal pensada por Freud. Para ele, a sexualidade infantil ser perversa polimorfa era ‘normal’, mas o que se apresenta na sequência é mais do que isso, porque Freud parece indicar que as barreiras culturais sobre a criança serão, também, ‘normais e necessárias’ para que a sociedade possa se desenvolver. Pensamos que decorre do pensamento freudiano uma implicação moralizante sobre o desenvolvimento da sexualidade, aplicada para a sociedade europeia em que ele vivia. Todavia, o conhecimento de diferentes concepções de família e de sexualidade, existentes em diferentes culturas ou mesmo dentro de uma mesma cultura, coloca em xeque ‘qual a moralidade necessária’ para um pleno desenvolvimento da sexualidade. As pulsões sexuais, que em muitas traduções de Freud são atreladas ao significado de instinto, na verdade, diferem desse, porque pulsão está vinculada à construção da sexualidade humana, a qual o psicanalista atribui uma relação com a cultura, diferente dos demais animais. As pulsões podem ser realizadas; sofrerem recalcamento (guardar para dentro) ou sublimação (expressa em algo externo não visivelmente sexual). Recalque e sublimação aparecem paralelamente, na maioria das vezes, porque são os dois polos extremos das vicissitudes das pulsões. São as mais importantes formas de evitamento da realização sexual direta. No recalque, o sujeito permanece preso ao sexual, que é o ponto de referência para ele, no nível do proibido. Na sublimação, o sujeito deixa a referência à satisfação sexual direta e lida com ela na sua dimensão de impossível. Esse impossível da satisfação que está em jogo na pulsão encontra na sublimação sua possibilidade de manifestação plena, pois a sublimação revela a estrutura do desejo humano como tal, ao evidenciar que, para além de todo e qualquer objeto sexual, esconde-se o vazio da Coisa, do objeto enquanto radicalmente perdido. (MENDES, 2011, s.p, grifos nossos)

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Capítulo 2 Veja o gráfico da mesma autora: Figura - 2.1 - Recalque e sublimação

Fonte: Mendes (2011, s.p).

A libido seria a energia psíquica específica das pulsões sexuais e que mobiliza o sujeito em busca do prazer. Esse processo se dá por meio de um desenvolvimento gradual, em relação a um ‘outro’, que inicialmente é a mãe (ou seus substitutos) dentro dos padrões culturais aos quais a criança está exposta. De maneira poética, Chico Buarque retratou sua versão edipiana ao compor uma letra para a música de Guinga, e afirmou que a fez para sua mãe e as memórias de infância. (BUARQUE, 2014). Leia trechos da música no quadro abaixo:

Você, Você (música Guinga – letra Chico Buarque) Que roupa você veste, que anéis? Por quem você se troca? Que bicho feroz são seus cabelos Que à noite você solta? De que é que você brinca? Que horas você volta? (...) (...) Me sopre novamente as canções Com que você me engana Que blusa você, com o seu cheiro Deixou na minha cama? Você, quando não dorme Quem é que você chama?

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Pra quem você tem olhos azuis E com as manhãs remoça E à noite, pra quem Você é uma luz Debaixo da porta? No sonho de quem Você vai e vem Com os cabelos Que você solta? Que horas, me diga que horas, me diga Que horas você volta?

Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social Ainda que Freud pretendesse que sua concepção de desenvolvimento sexual fosse universal, partilhamos com outros autores que ela se aplica à sociedade ocidental no século XX (e ao que dela persiste no novo século que se inicia) e suas formas de organizar o desejo, a reprodução da espécie e, particularmente, em específicas formas familiares centradas na família nuclear (CHAUÍ, 1984). A estrutura familiar nuclear é considerada como composta por mãe, pai e filho, ou um dos genitores e filhos, já que o outro ausente tem seu espaço simbólico garantido socialmente, como representação da sua permanência no histórico familiar, mesmo em sua ausência. Uma das lógicas de funcionamento da psique, proposta por Freud, baseia-se em um psiquismo formado por três instâncias: •• Id (Isso, neutro), inconsciente, que contém nossa energia psíquica básica - a libido, e que se expressa na busca de prazer por meio da redução da tensão; •• Ego (Eu), o que seria a instância mediadora consciente e racional, resultante do equilíbrio entre o Id (desejo) e o Super-ego (internalização das normas externas); •• Super-ego (Super-eu) que limita e determina o que é aceito ou não socialmente (representados não só pelo pai e mãe, mas pelo mundo adulto e a cultura), internalizado de modo inconsciente, mas que se expressa em um iceberg consciente – o Ego Ideal, autocontrole baseado nos comportamentos aceitos socialmente. Para Freud, quando o Ego é pressionado demais pelo Superego, constituise o contexto de ansiedade.

Vamos analisar as características das três primeiras fases para que você consiga ter uma visão básica sobre o pensamento freudiano. A fase oral corresponde aos primeiros meses, por volta do oitavo mês, mais ou menos, sendo que a libido está associada ao processo de alimentação em que primeiro surgem “urgências vitais (fome, por exemplo) que aparecem como estímulos internos, excitação em busca de satisfação. O prazer ligado à boca, de sugar, e o brincar com o seio materno surgem apenas como ato secundário.” (DELOUYA, 2011, p.10). A necessidade da nutrição provoca o choro, o desespero e em seguida a calmaria, resultante da voz e toque humanos seguidos da satisfação da necessidade infantil: todo o contexto interativo em que se darão essas sucessivas cenas produzirão um conjunto de representações, ou construções de figuras psíquicas e que se constituem como a humanização inicial da criança pela construção e vínculos afetivos.

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Capítulo 2 Esse momento de apropriação prazerosa é recíproco, afirma Freud, pois o adulto revive de modo inconsciente a criança escondida nele, ao usufruir da segurança e afeto presente no contexto do cuidado e do prazer do contato, de falar com o bebê, tocá-lo e amamentá-lo. Nesse momento, dá-se a erotização do corpo infantil, decorrente desse conjunto de associações entre as sensações de prazer com as carícias, cheiros e sons que acompanham essa vivência inicial. A criança, nessa fase ainda imersa na fusão com outro, em um determinado momento passará a ver o outro e só então inicia a aprendizagem do autoerotismo, ao se enxergar de posse de si descobre que o seio (ou mamadeira) pertence a um adulto, processo de separação que só culminará na adolescência. Em seguida à fase oral, temos a fase anal, que se situa entre o final do primeiro ano e o terceiro ano de vida e está ligado ao controle dos esfíncteres, em novas áreas corporais que geram tensão e gratificação pela estimulação e produção de fezes, que a criança passa a usufruir conforme a tensão e descarga subsequente. Em nossa cultura, os adultos, muito preocupados com a higiene, exercem uma pressão grande sobre a criança, que se submete às restrições e proibições em troca do amor, antecipando o controle ou deixando de buscar o prazer em brincadeiras relacionadas a essa fase. Na sequência, temos então a fase fálica que é a descoberta dos órgãos sexuais seus e dos outros e a manipulação em busca do novo prazer. É nessa fase que se dá o Complexo de Édipo, conflito sexual em que a criança deseja um dos genitores e entra em conflito com o outro (chamada também de fase edípica). A elaboração do conceito de Édipo foi processual. No início, Freud pensava que a neurose era resultado de um trauma sexual real, ocorrido na infância e que voltava depois, no início da adolescência. Depois, ele desconstruiu sua própria teoria para pensar que os relatos ouvidos de seus/suas pacientes eram no plano da fantasia e a partir daí ele passaria a atribuir grande valor ao conflito psíquico que expressará a ambivalência de sentimentos das crianças na relação com seus pais. Ao desejar um deles e ser interditado pelo outro, essa interdição, ao ser introjetada, configuraria-se como superego, o que Freud designaria como resolução bem sucedida do Complexo de Édipo. Delouya (2011, p.15) nos esclarece essa passagem e sua sequência: Estamos nos referindo à configuração da trama edípica e a usar assunção da realidade da castração, quando as pulsões parciais confluem para os órgãos sexuais- processo concomitante à instalação da noção de rivalidade com um terceiro, isto é, o outro desejado, fazendo surgir a proibição do incesto e, portanto, a ameaça da castração, assim como o encaminhamento para o universo social. Isso acarreta o recalcamento da sexualidade infantil e a aceitação das barreiras da cultura (...)

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social Podemos retomar agora os conceitos de recalque e sublimação apresentados. A ameaça de castração, que está presente no Complexo de Édipo, dar-se-ia pelo impedimento do outro, que é o objeto de investimento libidinal da criança e seu sucesso é o recalcamento e a obediência da criança da autoridade do adulto, trocando seu desejo pelo cuidado e pela afetividade sem sexo. O ato de direcionar as pulsões para o inconsciente como proibidas seria o recalcamento. Por outro lado, desviá-las diretamente para outro objeto, como atividades intelectuais ou artísticas seriam níveis elevados de sublimação, afirma Freud. Por isso, podemos dizer que o Complexo de Édipo está vinculado ao sucesso imposto pelo Superego em todos os níveis da vida humana (cultura, trabalho) e não só aos limites da sexualidade. “Freud preferia usar o termo repressão para os processos conscientes e pré-conscientes, usando o conceito de recalque ou recalcamento para os processos inconscientes. O recalque se realizaria quando a satisfação de uma pulsão sexual (que poderia proporcionar prazer) aparece como capaz de suscitar desprazer e, sobretudo, como ameaçadora para o sujeito. Tanto pode ser uma censura (repressão) como uma defesa (um ato de desinvestir uma pulsão, investindo em outras não ameaçadoras). (...) A repressão (recalque) difere da supressão porque nesta realmente faremos desaparecer definitivamente alguma coisa.” (CHAUÍ, 1984, p.66-67)

No pensamento freudiano, as fases do desenvolvimento da sexualidade são sucessivas e incorporam sempre as anteriores e relacionam origem do prazer, regiões do corpo que promovem o prazer e objetos que proporcionam maior prazer. Segundo Freud, haveria a fase oral, anal, fálica, seguida por um período de latência, quando voltaria na fase genital na adolescência. Alguns autores problematizam a ideia do período da latência, argumentando que Freud trabalhava com uma afirmação conservadora de que a sublimação sexual era a base do desenvolvimento da cultura ocidental e que só no principio da vida adulta o ser humano estaria pronto para conciliar sexualidade e trabalho. Ainda contemporâneo a Freud, um discípulo dele, Wilhem Reich, questionou essa afirmação após pesquisar exemplos de brincadeiras sexuais em culturas infantis dos povos trombriandeses (REICH, 1974), quando argumentou a favor de um desenvolvimento processual da sexualidade, lento e sem interrupção, que só seria bloqueado na cultura ocidental devido à repressão sexual. Reich concordava com as duas fases anteriores (oral e anal), mas em relação as três fases (fálica, latência e genital) argumentava que deveriam se converter em apenas uma, a genital, que se desenvolveria a partir dos quatro anos até a juventude rumo à uma sexualidade saudável, sem interrupção na infância e retorno na adolescência como afirmava Freud.

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Capítulo 2 A criança vivencia situações abertas de desvio da sexualidade e está sujeita a mudar de forma, ao ter sua psique modelada pela cultura. Todo esse processo de construção da psique se dá de modo processual e inconsciente durante a infância. Delouya (2011) apresenta, entre as barreiras da cultura, o estabelecimento do nojo e da vergonha, e a supressão da masturbação, do incesto e da bissexualidade. Problemas e dificuldades no processo edipiano gerariam as neuroses e outros problemas psicológicos que a análise, por associação livre de ideias, método psicanalítico criado por Freud, poderia contribuir para tornar consciente e, a partir daí, ser elaborado em conjunto com o terapeuta. Associação livre de ideias é como ficou conhecida a técnica psicanalítica (que substituiu a antiga hipnose) de fazer com que o paciente expresse pensamentos sem censura e de modo consciente a partir de ideias, imagens e descrições de sonhos ou espontaneamente, e que serão interpretados pelo terapeuta como caminho para acesso ao inconsciente e compreensão de si.

Em seus textos, Freud deu margem à ideia de que o ser humano é, inicialmente, um ser de desejo, e que o objeto do desejo pode ser múltiplo, muito além do que se atribui no senso comum como sexo oposto. Todavia, atribuía o nome de invertido (porque direcionava a libido a algo semelhante a si mesmo, invertendo o direcionamento ‘normal’) àquele/a que tinha práticas sexuais com pessoas do mesmo sexo, considerando uma inversão do processo natural de sexualidade entre homens e mulheres. Afirmava ainda que Complexo de Édipo bem resolvido poderia contribuir, no futuro, para a definição da heterossexualidade. Para Mark Poster (1979), um estudioso de Freud, houve na sociedade europeia diferentes formas de família e de expressão da sexualidade. Poster e outros autores designam a família estudada pela psicanálise como família nuclear burguesa, pois teve seu surgimento junto com as classes burguesas e depois se expandiu para as demais classes. Segundo Poster, será na família burguesa, (em processo que culmina com o Complexo de Édipo), que as crianças aprenderão a separar amor e sexo, e a vincular amor e exclusividade, amor e autoridade, amor e propriedade, essas três últimas devido ao controle adultocêntrico sobre a criança no contexto da família nuclear, o qual se dá entremeado pela construção psíquica vinculada à sexualidade. Até hoje se discute que parte da violência e demais problemas nas relações amorosas que têm sido denunciados pelos/as feministas decorrem desse aprendizado familiar. Você sabia que, ao tentar aprofundar a ideia do Complexo de Édipo de modo diferenciado para homens e mulheres, Freud criou a alternativa feminina com o Complexo de Electra? No entanto, após definir a mulher como continente negro e desconhecido, abandonou essa ideia, mantendo apenas um complexo para ambos.

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social No entanto, o conhecimento sobre a construção da sexualidade ocidental e da psique não levou Freud a enfatizar aspectos educativos para as neuroses, ele mesmo um pessimista ao pensar a articulação sexo e sociedade. “A vida, tal como a encontramos, é árdua demais para nós. Proporcionanos muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis.” FREUD

Milliot (2001, p.7) em seu livro Freud antipedagogo afirma: Não encontraremos na obra de Freud tratado algum sobre educação. Seria inclusive inútil procurar elementos disso. É verdade que Freud lança uma crítica severa às práticas educacionais de sua época, mas não é pródigo em conselhos sobre esse domínio.

1.2 A teoria do Orgasmo Reich constrói outra formulação para o trabalho analítico, estabelecendo relações entre o corpo e a sociedade, articulando natureza, cultura e economia. Partindo das premissas psicanalíticas da construção da psique e tendo como base o conceito de pulsão sexual de Freud, Reich buscaria descobrir o que bloqueia a realização do prazer e chegará à educação como prevenção das neuroses. Segundo Kignel (2011, p.27), [Reich] vê a experiência orgástica como inseparável do sistema global de respostas de uma pessoa e de suas capacidades de relacionamento.” E complementa que “distúrbios da capacidade orgástica refletem distúrbios da personalidade e envolvem a saúde global do organismo no sentido psicossomático.

Em 1923, ainda jovem e com 26 anos, Reich elabora em a Teoria do orgasmo, conceito que em sua época apenas tinha como foco a capacidade “ejaculativa” e “eretiva”. No livro Função do Orgasmo, (publicado pela primeira vez só em 1942), traz sua experiência clínica para mostrar que a repressão sexual ocidental sobre homens e mulheres faz com que esses percam sua capacidade de experimentar a entrega involuntária durante a relação sexual. É precisamente essa fase, antes desconhecida, de excitação final e de solução da tensão que tenho em mente quando falo de ‘potência orgástica’. Ela constitui a função biológica básica e primária que o homem tem em comum com todos os outros organismos vivos. Toda experiência da natureza deriva dessa função, ou do desejo dela. (REICH, 1990, p. 97).

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Capítulo 2 Para Reich, qualquer conflito de ordem psíquica vivenciado pela criança pode desequilibrar e produzir a neurose, que se manifestará no corpo por meio da estase, (uma interrupção do fluxo energético) e, consequentemente, da respiração, que tem como resultado final a criação de couraças musculares, tensionamentos, que transformarão a dificuldade respiratória em permanente e bloqueadora da capacidade de realização do orgasmo. A questão das couraças e do bloqueio da potência orgástica ele trabalhará no livro Análise do Caráter (REICH,1998). Toda a sua obra será destinada à reflexão do que impede o prazer e da importância da sexualidade no cotidiano das pessoas. Figura - 2.2 - Sonho de gato

Fonte: BM (2010).

Por potência orgástica define a “capacidade de abandonar-se, livre de quaisquer inibições, ao fluxo de energia biológica; a capacidade de descarregar completamente a excitação sexual reprimida, por meio de involuntárias e agradáveis convulsões do corpo.” (REICH, 1990, p. 92)

Apesar de Reich partir da tese freudiana do Complexo de Édipo e do recalcamento/sublimação do desejo, não os vê nem como necessários. Afirmará que a forma como a família e a sociedade produzem a vivência sexual na infância é que promoverá o estado neurótico e que o grau de interferência da neurose na descarga da energia sexual poderá ou não tornar a vivência da sexualidade como patológica, sendo que tal processo se dá de modo alienado. Os pais reprimem a sexualidade das crianças pequenas e dos adolescentes, sem saber que o fazem obedecendo às injunções de uma sociedade mecanizada e autoritária. Com sua expressão natural bloqueada pelo ascetismo forçado, e em parte pela falta de uma atividade fecunda, as crianças desenvolvem pelos pais uma fixação pegajosa, marcada pelo desamparo e por sentimentos de culpa. Isso, por sua vez, impede que se libertem da situação de infância, com todas as suas inibições e angústias sexuais concomitantes. As crianças educadas assim tornamse adultos com neuroses de caráter, e depois transmitem suas neuroses a seus próprios filhos. Assim de geração em geração. Dessa forma é que se perpetua a tradição conservadora que teme a vida. Como, apesar disso, podem as pessoas se tornar — e permanecer — sãs? (REICH, 1990, p. 172).

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social Para Reich (1990), os fluxos de energia sexual decorrem de processos não conscientes, porque estão ligados à respiração, fluxo sanguíneo e pressão e do inconsciente corporal, construção histórica do corpo, mas que é acessada pelo sistema nervoso autônomo. Nem sempre a terapia corporal para desbloqueio da estase chegará ao processo consciente, ainda que possa surtir efeito e produzir a volta da capacidade do corpo vivenciar o prazer. Daí a proposta de Reich: ao invés do divã e da associação livre de Freud, serão propostos exercícios de respiração e de desbloqueio muscular, ao que designará como psicoterapia corporal, criando a técnica da vegetoterapia de análise de caráter,

Apesar da ênfase de Reich com a Teoria do Orgasmo estar no processo do prazer genital, sua preocupação abrange o fluxo total de energia, que inclui a genitalidade e vai além, na busca de aliviar as tensões respiratórias e produzir um bem-estar geral. No período entre 1920 e 1934 Reich permaneceu vinculado à Associação Psicanalítica Internacional (IPA), nesse intervalo, promoveu a junção da psicanálise com o marxismo não economicista, e construiu as bases para a compreensão e prevenção das neuroses, promovendo palestras a médicos e trabalhadores. Esse processo culminou com a criação de um intenso movimento social, principalmente junto à juventude, relacionando sexualidade e política – conhecido como SexPol, que articulava a libertação política com a libertação sexual.

Dois anos são importantes para o trabalho de Reich. Leia um trecho extraído da Cronologia publicada pelo Instituto de Formação em Pesquisa em Reich, no site de mesmo nome (IFP, 2014, s.p): • 1929 – Funda a Sociedade Socialista para Consulta Sexual e Investigação Sexológica. Abertura do primeiro Dispensário de Higiene Sexual para Trabalhadores e Empregados, que proporciona informações livres sobre o controle da natalidade, educação sexual para adolescentes e crianças etc. (...) • 1931 – Fundação Sexpol-Verlag em Berlim, que se expande por toda Alemanha, contando com a participação de até 40 mil membros. O sucesso é tão intenso que repercute como uma onda por toda Alemanha, causando alarme no Comitê Central do Partido. Procura unir as ideias dos primeiros escritos de Freud com a práxis revolucionária, em uma tentativa de ampliar a luta do proletariado na sua emancipação econômica, política e sexual. (...)

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Capítulo 2 Para Kignel (2011, p.28), o movimento SexPol era uma prática inovadora e original por ser:

Seguidores da linha reicheana, na Espanha, ainda desenvolvem trabalhos a partir do exemplo da Sexpol, inclusive tendo criado uma fundação de mesmo nome. Produzem cursos, oficinas, publicações teóricas e disponibilizam vídeos em seu site. (FUNDAÇÃO SEXPOL, 2014)

um complexo esforço teórico-prático para, primeiro, ajudar as massas em suas dificuldades sexuais e, segundo, articular as necessidades sexuais aos aspectos políticos relevantes dentro do movimento revolucionário dos trabalhadores. (...) Ele também se adiantou no tempo, antecipando o movimento de ir ao encontro das pessoas, em vez de ficar esperando-as na clínica – prática utilizada hoje em dia em diversos projetos terapêuticos sociais.

Esses exemplos mostram uma diferença substancial entre Freud e Reich, no que tange ao tipo de articulação entre sexualidade e organização social. O primeiro considerava a repressão e o controle da sexualidade como necessários: seriam produtores de neurose, mas, simultaneamente, de cultura, inclusive apresentando a família nuclear como universal. Reich, por sua vez, argumentará em prol de uma educação para a sexualidade, por considerar a liberdade sexual como sinônimo de criatividade, equilíbrio e desenvolvimento cultural, criticando a sociedade capitalista, que mantinha uma determinada forma doentia de relações amorosas e sexuais, produzindo neuroses e violências.

Figura - 2.3 - Violência & Sexo

Fonte: Dahmer (2011).

Reich, durante sua juventude como psicanalista, tinha também uma preocupação com a educação formal e acompanhou, em parceria com Vera Schimdt, muitos trabalhos na Rússia Revolucionária, com as crianças nos Círculos Infantis; ele considerava o papel da educação fundamental como prevenção às neuroses. (REICH; SCHIMIDT, 1975).

A denúncia da articulação entre neurose e submissão social será outro dos pilares da proposta de Reich, como podemos ver neste trecho extraído do livro Psicologia de Massas do Fascismo,

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social A inibição moral da sexualidade natural na infância, cuja última etapa é o grave dano da sexualidade genital da criança, torna a criança medrosa, tímida, submissa, obediente, “boa” e “dócil”, no sentido autoritário das palavras. Ela tem um efeito de paralisação sobre as forças de rebelião do homem, porque qualquer impulso vital é associado ao medo; e como sexo é assunto proibido, há uma paralisação geral do pensamento crítico. Em resumo, o objetivo da moralidade é a criação do indivíduo submisso que se adapta à ordem autoritária, apesar do sofrimento e da humilhação. Assim, a família é o Estado autoritário em miniatura, ao qual a criança deve aprender a se adaptar, como preparação para o ajustamento geral que será exigido dela mais tarde. A estrutura autoritária do homem é basicamente produzida – é necessário ter isso presente – através da fixação das inibições e dos medos sexuais na substância viva dos impulsos sexuais. (REICH, 2001, p.28)

Após o rompimento com a psicanálise, Reich residiu por algum tempo na Europa e depois de perseguido no contexto da segunda guerra mundial, passa a viver nos Estados Unidos, onde suas teorias continuavam a incomodar. A figura de Reich é polêmica: no decorrer de sua trajetória, suas críticas não eram aceitas: primeiro rompe com a psicanálise, depois com o Partido comunista e, mais tarde, torna-se também um exilado. A terceira fase, nos anos 40-50, é considerada o período mais polêmico de Reich, quando seus estudos passam a focar a energia vital que designa como Orgone. Ao inventar um equipamento que considera um acumulador de energia, visando à cura de doenças (inclusive o câncer), sofre acusações e destruição de seus livros e equipamentos pelo órgão governamental norte-americano Food and Drugs Association (FDA), instituição que regula remédios, alimentos e equipamentos. Mais tarde, a essa acusação se agregam outras, derivadas do período macarthista de perseguição aos comunistas, o que desencadeia a prisão de Reich em março de 1957. Em novembro do mesmo ano, dias antes de sua liberdade condicional, teve sua morte registrada como ataque cardíaco, mas suspeitase de envenenamento porque, segundo afirmação de sua irmã, a autópsia não foi permitida. Mas Reich sabia do potencial revolucionário de suas ideias, pois pensava muito diferente de sua época, tanto que em seu testamento solicitou que seus textos não publicados só deveriam ser divulgados 50 anos após sua morte. “O amor, o trabalho e o conhecimento são as fontes de nossa vida. Deveriam também governá-la.” Wilhem Reich

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Capítulo 2

Seção 2 Foucault e a noção moderna de sexualidade As discussões contemporâneas sobre sexualidade e corpo, de algum modo, necessitam passar pelas reflexões de Foucault (1926-1984), embora esse autor tenha tratado de muitas temáticas. Para ele não há uma sexualidade, nem mesmo uma sexualidade que tenha existido em todas as épocas: “não se deve concebêla como uma espécie de dado da natureza que o poder tenta pôr em xeque, ou como um domínio obscuro que o saber tentaria, pouco a pouco, desvelar. A sexualidade é um dispositivo histórico.” (1993a, p.100) É necessário entender o que ele quer dizer com esse novo conceito. Para ele, dispositivo histórico significa um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas (...) o dito e o não-dito são elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos. (FOUCAULT, 1993b, p.244)

Foucault questionará a explicação de que há uma vinculação entre repressão sexual e o advento do capitalismo no século XVII. Para ele as práticas sexuais nesse período eram dirigidas pelo direito canônico, pela pastoral cristã e pela lei civil, todas com grande ênfase nas regras para o sexo matrimonial, mas sem a preocupação com a sexualidade das crianças, da masturbação ou da prática sexual entre sujeitos do mesmo sexo, que havia em outros momentos anteriores e que depois voltará posteriormente. Nessa direção, situa a nova linha de corte para a questão da sexualidade no final do século XVIII e durante o XIX, exatamente com a multiplicação de profissionais que criarão quatro estratégias, eixos, de controle sexual: •• a sexualidade das mulheres, inclusive criando a figura da mulher nervosa (histérica); •• a pedagogização do sexo da criança, vendo a sexualidade infantil como tendência natural, mas com necessidade de controle adulto; •• as políticas sociais sobre as condutas procriativas, diminuindo ou aumentando a natalidade, conforme os interesses do Estado; •• e, por fim, a psiquiatrização do prazer perverso, criando a ideia de anomalias e desvios entre adultos, que deveriam ser vigiados e, reconduzidos aos padrões da sociedade, particularmente com a homossexualidade. 48

Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social Não significa dizer que todos esses sujeitos e situações não existissem antes, mas a configuração desse conjunto de dispositivos é que vai construir, modelar e iluminar esses contextos, passando a produzi-los de maneira sistematizada. Dentro do que Foucault chama de bio-poder (FOUCAULT, 1993), as tecnologias direcionadas à sexualidade assumiram, desde então, centralidade na vida social. Ainda que não recuse totalmente a psicanálise, sua visão de sexualidade é muito distinta de Freud e Reich. Foucault questiona, inclusive, a tentação da confidência, originária da Igreja como controle e estimulada pela psicanálise. Confidência revitalizada, diríamos nós, pelo vício internáutico presente na alta exposição da vida privada e sexual por meio de blogs, facebooks e twitters, que impera no início do século XXI. Foucault considera a psicanálise como uma ruptura com a modernidade, pois a vê como “um dos novos saberes que afastam definitivamente a visão de um sujeito uno, conhecedor de si, como o cartesiano” afirmando que ela criou as bases para a compreensão da dificuldade ou impossibilidade do conhecimento de si, que Freud induziu, mas não assumiu, e que foi adotada posteriormente pelo psicanalista francês Jacques Lacan. (GONÇALVES, 2011, p.21)

Foucault debaterá com os sexólogos, inclusive psicanalistas, afirmando que ao alegarem a busca pela natureza sexual e o corpo, acabaram por “inventar” a sexualidade tal como a vemos hoje. Por essa visão, podemos situar Foucault dentro do construcionismo social mais radical, em que o histórico prevalece sobre o que outros autores designam como natureza sexual dos seres humanos. A tese da repressão sexual não será rejeitada totalmente por ele, mas o que importará, de fato, é que ele considera a repressão apenas um dos mecanismos pelos quais age o poder e sua ênfase estará no modo pelo qual o poder age como modelador, produtor, de uma determinada sexualidade. No entanto, criticará também a ideia de sexualidade como forma de liberação da sociedade opressiva. Tal concepção estava ancorada, segundo Weeks (2011), porque Foucault acreditava que a sexualidade tinha se desenvolvido como parte de uma rede complexa de regulação social que organizava e modelava (“policiava”) os corpos e os comportamentos individuais. A sexualidade não pode agir como uma resistência ao poder, porque está demasiadamente envolvida nos modos pelos quais o poder atua na sociedade moderna.” (WEEKS, 2011, p.41-42)

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Capítulo 2

E de que modo o poder atua sobre os corpos?

Uma das formas dessa positividade do poder se dará, segundo Foucault, pela “explosão discursiva” sobre o sexo. Nunca se falou tanto sobre o sexo, afirmou ele. Nas revistas, nas mídias eletrônicas, nos canais de TV, na literatura especializada... O que não significaria exatamente uma repressão, mas uma produção da sexualidade: ao invés de liberdade, o que temos seria uma permanente atitude prescritiva de como deve ser a sexualidade humana. O dispositivo da sexualidade é positivo: produz, inventa e reiventa, nega assimilando e reconstruindo em novas formas aceitas socialmente, e efetua o controle dos sujeitos em todos os níveis e dimensões de suas vidas, por meio da sociedade disciplinar, descrita por ele em seu livro Vigiar e Punir (FOUCAULT,1977). O poder, que se entranha em todos os níveis das relações sociais é positivo, afirma Foucault.

Figura - 2.4 - Positividade do Poder

Fonte: Dahmer (2009).

Diferentemente, Chauí trabalha a ênfase sobre a repressão sexual, sem discordar de Foucault sobre a positividade do poder na afirmação de como se deve viver a sexualidade. Para ela, repressão e positividade caminham juntas, e seriam formas distintas e possíveis de regulação da sexualidade. Acrescenta ainda que o fenômeno ou o fato da repressão sexual é tão antigo quanto a vida humana em sociedade, mas que o conceito de repressão sexual é bastante recente, isto é, que a reflexão sobre as origens, as formas e os sentidos desse fato, seu estudo explícito, data do século XIX (...) momento que o sexo passa a ter um sentido muito alargado, especialmente quando os estudiosos passaram a distinguir e diferenciar entre necessidade (física, biológica), prazer (físico, psíquico) e desejo (imaginação, simbolização). (CHAUÍ, 1984, p.11)

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social E você, como se insere nesse debate? Quais seriam seus argumentos a favor ou contra cada uma das ênfases postas pelos autores para a ideia de “repressão sexual”?

Essa forma de Foucault pensar a sexualidade não está desvinculada do seu modo de construir a trama histórica: no que diz respeito ao fato de haver tantas falas sobre sexo, ele mostra que é preciso perguntar quem está falando, a partir de que lugar e de que ponto de vista, quais são as instituições que provocam e pressionam para que se fale e quais as que acumulam, conservam e propagam o que é dito.(GONÇALVES, 2011, p.18)

Baseados em Foucault, poderíamos fazer essas perguntas ao Programa Global Big Brother e buscar entender a concepção de sexualidade e de corpo que este programa produz/dissemina Ou então, ao fenômeno das jovens “rolezeiras”, que ocorre em algumas regiões do Brasil, em contextos que caminham na fronteira entre o senso comum da norma heterossexual, da mulher como objeto sexual e da ruptura de fronteiras que aterroriza os shoppings de classe média. Figura 2.5 - Outro olhar

Fonte: Esquizofia (2013).

Compreender as relações de poder e seus processos de constituição não é tarefa simples, diria Foucault. Analisar implica um trabalho árduo de desconstrução. Ao adentrar na história da sexualidade, procurou compreender os dispositivos de controle e vigilância que a sociedade organiza em torno do prazer (ou desprazer), procurando ver o que, normalmente, não se procura encontrar.

“Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir”. Foucault

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Capítulo 2 Entre suas preocupações, Foucault chamará a atenção para um aspecto desses modos de constituir a sexualidade, a normatividade. Se prestarmos atenção, perceberemos os padrões normativos: norma está relacionada ao poder de quem determina o que é e o que não é normal, que em geral não se dá pela coerção, mas pelas urdiduras sutis quase invisíveis, diluídas em diferentes espaços e discursos. Foucault vincula a noção de norma à de micropoderes ou poderes difusos, que Louro (2008, p.22) sintetiza: A norma não emana de um único lugar, não é enunciada por um soberano, mas, em vez disso, está em toda a parte. Expressase por meio de recomendações repetidas e observadas cotidianamente, que servem de referência a todos. Daí porque a norma se faz penetrante, daí porque ela é capaz de se “naturalizar”.

Como fugir da norma? Como indagar sobre o que julgamos ser universal e inevitável? Como criar um outro olhar?

Problematizar o já dado era uma característica desse filósofo, não só no plano da sexualidade, como em quaisquer outros planos. Para ele, a sociedade constitui determinados espaços e cria as armadilhas para o conhecimento, fazendo-nos tecer perguntas semelhantes para encontrar respostas já conhecidas, por isso Foucault buscará nos estudos da razão – a loucura, nos dispositivos de poder – os contrapoderes. Por meio de métodos que ele chamará de genealogia e da arqueologia, Foucault construirá as ferramentas de indagação sobre a história humana, sintetizadas nas palavras de Yasbek (2012, p.120-121) A pergunta essencial da filosofia foucaultiana, nesse sentido, poderia apresentar-se nos seguintes termos: nestes espaços nos quais nos movemos, na topografia das posições ocupadas por nós, e que nos são dadas como universais, necessárias, obrigatórias, “qual é a parte que é singular, contingente e devida a constrangimentos arbitrários?” Isto é: como sair do círculo vicioso da repetição de espaços e lugares informados pelas estruturas fundamentais – e historicamente arbitrárias – do campo de pensamento que é o nosso?

“É preciso cavar para mostrar como as coisas foram historicamente contingentes [possíveis], por tal ou qual razão inteligíveis, mas não necessárias.” Foucault

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Seção 3 Movimentos sociais e a sexualidade 3.1 Movimentos feministas: do direito ao corpo e ao prazer De uma maneira ou de outra, a questão da sexualidade sempre permeou as práticas e os estudos feministas, já que qualquer questionamento da dominação masculina colocava em xeque a sexualidade das ativistas. Podemos citar como exemplo a história de Olympe de Gouges: pouco antes de a Revolução Francesa começar, ela figurava no livro Homenagem às mulheres mais bonitas e virtuosas de Paris e, simultaneamente, na Lista de Prostitutas de Paris! (GARCIA, 2011) Figura - 2.6 Olympe de Gouges

Mas o que queremos destacar aqui se trata de um período do feminismo a partir da década de 60, em que o direito ao corpo e ao prazer ganha destaque, e mulheres (e alguns homens) ocupam as ruas produzindo denúncias contra o uso do corpo feminino, que transforma a mulher em objeto sexual, ao mesmo tempo que nega a ela o direito ao prazer; ou exerce sobre ela o controle Fonte: Ehow (2014). da natalidade, ao mesmo tempo que a impede da decisão do aborto. O feminismo radical nos EUA teve papel chave nesse processo de crítica e mobilização. Para o feminismo radical era tão importante atuar nos espaços públicos da política institucional e contra a opressão e a exploração capitalista quanto questionar o que se passava na esfera privada das relações amorosas e sexuais. Família e sexualidade são chamadas ao centro da discussão e é criado o slogan, sucessivamente estampado em cartazes e faixas nas grandes manifestações, que nunca perde a atualidade: ‘O pessoal é político! ’

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Capítulo 2 Muitas eram as formas de luta dos movimentos feministas nos anos 60 e 70 e aqui destacamos: •• Grandes protestos públicos: manifestações de massa com intervenções em encontros políticos (partidários e governamentais) e sociais (como desfiles de moda e concursos de misses), em que chamavam a atenção sobre as bandeiras do movimento; •• Desenvolvimento de grupos de autoconsciência: também chamados de grupos de reflexão, eram constituídos somente por mulheres, sem hierarquia, com até 24 integrantes (quando ultrapassavam esse número se dividiam) que se reuniam em casa uma das outras, em bares e em bibliotecas, discutindo temáticas que envolviam quaisquer formas de opressão e, particularmente, as ligadas às vivências corporais da menstruação, da maternidade, do desejo sexual e do prazer. Você sabia que data desse período a criação, pelos movimentos feministas, de centros alternativos de ajuda e de autoajuda na área de saúde e ginecologia, para incentivar as mulheres a conhecerem o seu próprio corpo? E que essas práticas, também desenvolvidas no Brasil no final dos anos 70 e 80, serviram para orientar as políticas públicas de saúde das mulheres?

Se nos anos 60 e 70, como decorrência da invenção da pílula há um passo substancial para a separação entre prazer e reprodução, sendo responsável pelo questionamento da virgindade como tabu, principalmente nos meios universitários. Os anos 80 e 90 assistem a uma liberalização da sexualidade entre jovens solteiros e com maior expressão do No Brasil, o desejo feminino. Em todo o Brasil, grupos políticos e Coletivo Feminista - sexualidade e organizações não governamentais organizam ações saúde desenvolve, e atividades educativas e de atendimento no sentido de desde 1985, ações lutar para ampliar o direito ao prazer e à saúde para as que contribuem com mulheres, a exemplo do SOS Corpo, de Recife ou do a autoconsciência das mulheres sobre Coletivo Feminista sexualidade e saúde, de São Paulo. o corpo, saúde e No entanto, o desconhecimento do corpo feminino pelas sexualidade e para a mulheres e a falta de uma política de saúde da mulher que necessária participação politica que envolve atinja a todas as mulheres trabalhadoras e inclua as negras essas mudanças. permanecem como tensionamentos. No Brasil, temos, entre outros grupos feministas negros, a organização não governamental Criola, que atua desde1992.

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Nos anos seguintes, o conjunto dessas ações, dentro das políticas feministas, configurou o que passou a ser designado como direitos sexuais e reprodutivos.

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Muitas foram as denúncias e reivindicações à sociedade e aos poderes públicos, questionando as biopolíticas relacionadas à contracepção e ao corpo, e que ocorrem de modo diferenciado entre os países, a exemplo da organização não governamental WLSA, de Moçambique, que encabeça muitas dessas denúncias na África Austral. Se os avanços na área da contracepção nos países do Norte, dos anos 1980 em diante, proporcionaram novíssimas gerações de pílulas contraceptivas com baixa dosagem hormonal, cada vez com menores sequelas para o corpo e a saúde das mulheres, elas não atingiram a grande maioria das mulheres dos países do Sul (do terceiro e do quarto mundo). As mulheres do Sul passaram a utilizar, em larga escala, métodos pesados e definitivos – como no caso do Brasil, em que a esterilização feminina, durante décadas, tornou-se o método mais utilizado – além de serem, frequentemente, cobaias para as pesquisas científicas de contraceptivos de ponta, como os injetáveis e os implantes subcutâneos. (SCAVONE, 2010, p.52) Figura - 2.7 - Direito ao corpo

Fonte: WLSA (2014).

Podemos ver outros problemas também. Se a pílula do dia seguinte (vendida sobre prescrição médica), que está no rol dos métodos de anticoncepção de emergência desenvolvidos, traz relativa tranquilidade para as mulheres no controle de seu próprio corpo, provoca também efeitos colaterais e descontinuidades hormonais, se utilizadas de modo frequente. Além disso, como os outros métodos citados anteriormente, responsabilizam e penalizam as mulheres e não os homens pela anticoncepção. O uso da camisinha, mesmo com a presença da AIDS e outras doenças, ainda é reduzido entre homens.

“A Gentis Panel, empresa especializada em pesquisa de mercado, entrevistou mais de 2 mil pessoas de todas as regiões do Brasil e obteve resultados preocupantes: 52% dos brasileiros [homens] nunca ou raramente usam preservativos, 10% utilizam às vezes e só 37% se protegem sempre ou frequentemente.” (ALVES, 2013, s.p) 

Como alternativa mais radical, situamos o aborto, temas dos mais controversos e difíceis dentro e fora do movimento feminista. Entre os religiosos é assunto

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Capítulo 2 polêmico, dizem as integrantes do Movimento Feminista Católicas pelo Direito de Decidir. O aborto, prática feminina que existe desde tempos remotos e que a sociedade finge não haver, é vivenciado de maneira diferenciada, conforme o pertencimento a essa ou aquela classe social. Mais uma vez são as mulheres trabalhadoras, sem condições de pagar por clínicas de luxo (clandestinas), que sofrem as sequelas de sangramentos e riscos de vida e que, com sorte, conseguem ser atendidas pelos serviços públicos de saúde. Por isso, a luta pelo direito ao aborto no Brasil segue já há quase 30 anos, e o feminismo vem lutando pela sua descriminalização e tem conseguido alguns avanços. No final dos anos 1980, garantiu o início do atendimento aos casos previstos por lei – estupro e risco de vida à gestante – em serviços públicos de saúde. (SCAVONE, 2010, p.54). A disciplina agia sobre os indivíduos, o biopoder, segundo Foucault, agia sobre a Espécie (...) E sobre esse corpo-espécie, o biopoder cuidava de processos como nascimentos e mortalidades, da saúde da população (doenças e epidemias, por exemplo), da longevidade etc. O biopoder é a gestão da vida como um todo, técnicas de poder sobre o biológico, que vira central nas discussões políticas. Modificá-lo, transformá-lo, aperfeiçoá-lo eram objetivos do biopoder, e, é claro, produzir conhecimento, saber sobre ele, para melhor manejá-lo. Assim como a disciplina foi necessária na docilização do corpo produtivo fabril, o biopoder foi também muito importante para o desenvolvimento do capitalismo, ao controlar a população e adequá-la aos processos econômicos. (TRINDADE, 2008, s.p)

Mas acompanhe conosco essa história, que é de conquistas e retrocessos, a exemplo da necessidade de um novo Projeto de Lei que deu entrada no Congresso em 1999 e que previa o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual. O PLC 3/2013 (como ficou conhecido) só foi aprovado pela câmara de deputados e senadores no primeiro semestre de 2013. Nas manifestações de rua articuladas por diferentes organizações e pelas redes sociais no ano de 2013, podemos ver faixas e cartazes do movimento feminista, que tem sabido aproveitar os espaços cibernáuticos e redes sociais para divulgar suas lutas. Por iniciativa de Paula V., foi feita uma petição popular para o PLC 3/2013, por intermédio do site da AVAAZ (2013), com a entrega de um documento à presidenta Dilma, para que ela sancionasse (não vetasse) o PLC, com a subscrição de 3.717.000 assinaturas.

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social Esta lei, embora não traga qualquer alteração nas regras que hoje regem o atendimento à saúde de mulheres e adolescentes vítimas de violência, representa um reforço legal precioso para as orientações que regem este atendimento, traduzidas na Norma Técnica de Atenção aos Agravos da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, do Ministério da Saúde, fruto de amplo consenso na área médica e entre os movimentos de mulheres. Esta Norma Técnica vigora desde 1999 e foi revisada e aprimorada em 2005. (AVAAZ, 2013)

Por fim, o PLC foi sancionado pela Presidenta da República em 2 de agosto de 2013. Mas em nossa reflexão até aqui você já sabe que o controle da concepção é apenas um dos aspectos que envolvem a sexualidade. Na fronteira entre o século XX e o século XXI, as mudanças vêm sendo conquistadas, mas muitos problemas permanecem. Incorporada pela mídia visual, a sexualidade está em todos os espaços, como a internet, o cinema, as novelas – principalmente no Brasil, o que pode aparentar uma grande liberdade, que na realidade esconde, em muito, o antigo sob as novas vestes. No cotidiano, adolescentes e jovens convivem dentro de uma sociedade contraditória, em visões diferenciadas sobre as relações de gênero – desde as mais tradicionais (inclusive religiosas) às mais inovadoras. Do ‘ficar’ ao ‘namoro’ ou ao ‘casamento experimental’, jovens negociam com a geração anterior. Meninas convivem muito cedo com a possibilidade da experiência sexual, mas circunscrita em uma masculinidade hegemônica, que as coloca em risco de violência por seus parceiros a todo instante; sem falar sobre a vivência do prazer, que continua algo distante para muitas. As masculinidades juvenis alternativas enfrentam angústias decorrentes da desconstrução de padrões frente ao bombardeamento midiático ‘do país do futebol, da cerveja e da mulher gostosa’. Por um lado, a vitória com os casamentos gays, por outro o sofrimento de meninos e meninas homossexuais hostilizados dentro e fora da escola e todos em busca de guetos para se protegerem. No mundo, homens religiosos muçulmanos condenam e matam pessoas que escapam à heterossexualidade dominante. Na área da saúde, além da gravidez precoce, as doenças sexualmente transmissíveis como a AIDS, a hepatite, a herpes rondam as experiências sexuais e, em alguns casos, fazem retroceder as conquistas das gerações anteriores. Importante destacar, por fim, que as tecnologias reprodutivas, que muito têm ajudado na autonomia dos sujeitos na área da reprodução, têm como contrapartida novas prisões nas tecnologias de modelagem corporal, que alimentam padrões favoráveis à feminilidade-objeto da indústria da estética e que atinge, inclusive, às trans e suas novas produções corporais.

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Capítulo 2 No campo da sexualidade, a Marcha Mundial de Mulheres tem denunciado a exploração sexual, o tráfico de mulheres e a pedofilia. Muitas lutas e uma pluralidade de organizações feministas estão espalhadas pelo Brasil e mundo e são também articuladas na internet, espaço de divulgação das atividades de rua.

Alguns autores/as têm estudado a pluralidade do feminismo e argumentam sobre a incorporação das diferentes demandas, conforme as necessidades de cada grupo em um contexto específico, tornando-se cada vez mais difícil localizar o feminismo como um movimento unificado. Em entrevista na web, Regina Facchini, autora do livro Sopa de Letrinhas (2005), afirma que Quando pensamos na multiplicidade de demandas do movimento feminista, já estamos pensando num momento posterior, novo, no qual temos a intersecção entre várias demandas políticas. O que nós vemos é o que algumas autoras têm chamado de “feminismos hifenizados”: feminismos que vão fazer a interface com outras lutas sociais. São ativistas percebendo que “mulher” enquanto uma categoria única não dá conta das demandas das mulheres todas que existem na vida real. A partir disso, você tem uma articulação de feminismos que vão levar em conta a questão racial, geracional, de classe ou de que certas mulheres são mulheres do Primeiro Mundo, de países em desenvolvimento, situadas em grandes centros urbanos ou em comunidades rurais ou ditas tradicionais. (CANTARINO, 2013, s.p)

Uma bandeira que inicialmente surgiu nos movimentos libertários da década de 60, mas ainda se apresenta ousada, é erguida pelo movimento de Porto Alegre/ RS: Relações Livres (2014). No site do grupo, que se autodesigna como Rli, consta que o objetivo do grupo é a busca à livre expressão amorosa e do desejo sexual, em contraposição à monogamia das relações amorosas. Para isso propõe relações abertas entre parceiros/as e o fim do sofrimento e violências decorrentes dos sentimentos de ciúme e propriedade presentes nas relações amorosas contemporâneas. Pela multiplicidade de grupos e formas de luta, a bandeira do direito à sexualidade e ao corpo ora aglutina diferentes movimentos sociais por uma mesma bandeira ora uma determinada organização coordena e recebe (ou não) o apoio das demais. Se você pesquisar pelo descritor ‘luta feminista’ na internet vai se deparar com muitos movimentos e possibilidades, provavelmente, vai se surpreender. Apenas para lhe situar, podemos trazer algumas lutas em andamento ainda não citadas: pelos direitos à saúde da mulher (anticoncepção

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis); contra o abuso sexual infantil e o tráfico de mulheres; por relações amorosas e sexuais livres; pelo direito profissional relativo à liberdade do uso do corpo na prostituição; pela liberdade de orientação sexual; entre outros. Vamos aprofundar um pouco mais sobre o Movimento LGBT, por estar entre os grandes movimentos pela liberdade de expressão sexual e suas interfaces com o movimento feminista.

3.2 Movimentos LGBT e a visibilidade de um novo sujeito político 3.2.1 A emergência do movimento O Movimento LGBT - de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trans (aqui incluímos transexuais, transgêneros e travestis) considera como marco histórico a Rebelião de Stonewall, em Nova York, EUA, em 1969. Era frequentado por gays, onde se deu o primeiro embate coletivo, em que cerca de 200 jovens se manifestaram contra a polícia, devido às repressões cotidianas de que eram vítimas. No ano seguinte, 10 mil homossexuais, lésbicas e trans saíram às ruas de Nova York para comemorar a luta, depois disso, o dia 28 de junho passou a ser referência para as lutas emancipatórias, instituindo-se pelas práticas políticas mobilizatórias, como o dia do Orgulho Gay, e as manifestações espalharam-se pelo mundo desde então. Procure conhecer sobre esse momento histórico, fazendo uma pesquisa de imagens na internet, a partir do descritor Stonewall.

Já em meados da década de 60, dentro da luta feminista pelo direito ao corpo e ao prazer, podemos situar as mulheres lésbicas com uma intensa participação. Dentro desse processo histórico, as mulheres lésbicas começam a se organizar e a apresentar pautas (necessidades) ao conjunto das feministas em um questionamento a ausência de questões ligadas à sexualidade entre mulheres. No final de 70, surge o conceito heterossexismo, por Stephen Morin, para denunciar a não aceitação da homossexualidade, e em 1980 a feminista Adrienne Rich cunha o termo heterossexualidade compulsória, que considerava estar presente no movimento, porque centrava suas questões a partir das relações econômicas, amorosas e sexuais apenas entre homens e mulheres (RICH, 2010). Lentamente, nesse contexto de aliança e crítica, as mulheres lésbicas passam a desenvolver organizações autônomas e posteriormente a fazer parte dos movimentos LGBT, sem nunca se distanciarem, efetivamente, da luta feminista, que desse momento em diante passam a desenvolver em diferentes espaços, mas de modo articulado.

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Capítulo 2

Heterossexismo “Heterossexismo foi um termo proposto por Stephen Morin, em 1977, e refere-se à ideia de que a heterossexualidade é a orientação sexual “normal” e “natural”. Ao considerar a heterossexualidade “normal”, contrapõe-se à ideia de que as outras orientações sexuais (homossexualidade e bissexualidade) são um desvio à norma e reveladoras de perturbação. Não são encaradas como um dos aspectos possíveis na diversidade das expressões da sexualidade humana. O considerar a heterossexualidade como “natural”, aponta para algo inato, instintivo e que não necessita de ser ensinado ou aprendido. O termo heterossexismo também é utilizado para designar os preconceitos existentes contra os homossexuais, bem como os comportamentos deles decorrentes”. (FERREIRA, 2011, s.p)

Entre as brasileiras esse debate foi travado, particularmente, na década de 80 durante os encontros feministas nacionais e latino-americanos (dentro e fora do Brasil), sendo que nesse período já havia um movimento de homens homossexuais que atuava em conjunto com o movimento feminista, em ações que vinham desde a luta contra a ditadura brasileira no final dos anos 70. Mas o embate se deu também contra a hegemonia dos homens homossexuais no movimento LGBT, o que produziu inclusive a reivindicação das lésbicas para a letra ‘L’ estar em primeiro lugar (o movimento antes era GLBT), como forma simbólica de contestar a dominação dos homens gays no movimento e à própria misoginia presente em muitos grupos de homossexuais. Aproveite a dúvida e faça uma pequena pesquisa sobre o termo misoginia e descubra quem pode ser misógino.

A história do movimento homossexual no Brasil, para Facchini (2005), pode ser dividida em duas ondas: ‘a primeira onda’ no final dos anos 70, com destaque para o grupo Somos de Afirmação Sexual, de São Paulo e o jornal Lampião da esquina, editado no Rio de Janeiro com “propostas de transformação para o conjunto da sociedade, no sentido de abolir hierarquias de gênero e lutar contra a repressão sexual, fonte do autoritarismo e de produção de violência e desigualdade.” (BRASIL, 2009, p.135) A ‘segunda onda’ foi marcada por maior visibilidade pela chegada da epidemia da Aids na década de 80, e também pela incorporação do ‘sujeito gay’ como consumidor privilegiado dentro do capitalismo, marca que passa a fraturar o movimento gay devido às diferenças de classe dentro dele. Apesar de todo o ‘pânico moral’ estabelecido contra a comunidade gay em todos os países, no

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social Brasil, em particular, o movimento se fortaleceu e se articulou no desenvolvimento de políticas públicas, inclusive inserindo técnicos dentro do governo brasileiro. A militância dos movimentos de saúde, inclusive feministas, historicamente organizados desde 80, somou-se a esses esforços e transformou o Brasil em referência contra a Aids durante os anos 90. Ao mesmo tempo, permitiu que os movimentos LGBT se estruturassem e reivindicassem outras bandeiras.

Foi nesse contexto que atuaram os grupos Triângulo Rosa e Atobá, do Rio de Janeiro, e o Grupo Gay da Bahia. O objetivo destes grupos, além das atividades comunitárias, era promover mudanças na sociedade e em diferentes níveis do governo, que servissem para diminuir a discriminação contra os homossexuais. Interessava incidir nas ações de governo, na política partidária, no âmbito legislativo e em organizações da sociedade civil. Foi o Grupo Gay da Bahia que coordenou a campanha pela retirada da homossexualidade do Código de Classificação de Doenças do Inamps. Durante a Constituinte de 1988, foi do Grupo Triângulo Rosa a articulação do movimento homossexual para reivindicar a inclusão da expressão “orientação sexual” na Constituição Federal, no artigo que proíbe discriminação por “origem, raça, sexo, cor e idade” e no artigo que versa sobre os direitos do trabalho. Embora sem sucesso nessa instância, o combate a esse tipo de discriminação passou a ser incluído nas legislações de vários estados e municípios. (BRASIL, 2009, p. 136)

Nas palavras de Fernandes (2011, p.50), o impacto da AIDS mudou a forma de fazer política dos movimentos LGBT no mundo: •• Produziu a agenda anti-homofobia como uma agenda global, articulando os ativismos locais com as pautas internacionais; •• Construiu novas formas de fazer política, centradas na solidariedade e nas respostas comunitárias, com um crescimento de grupos que passaram a gerir financiamentos e projetos de prevenção à Aids, muitos deles passando a se configurar como ONGs. Para Bastos (2002), houve no Brasil, dos anos 90 e 2000, uma especificidade que facilitou esse processo devido à articulação entre movimentos sociais LGBT e produtores de conhecimentos (entre eles médicos/as e cientistas sociais) que passaram a intervir nas políticas públicas de modo decisivo, inclusive em um trânsito entre acadêmicos e integrantes de ONGs, que passam a atuar como gestoras governamentais. Esse processo gerou uma contrapartida ‘estatal’ para o movimento, atrelando-o à agenda estatal, o que gerou (e tem gerado) intensas

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Capítulo 2 discussões políticas sobre o grau de institucionalização das lutas dentro da ordem e na perda do caráter libertário que marcou suas origens. Igualmente, na Europa, movimentos que surgiram na Inglaterra, como o Gay Liberation Front (Frente de Libertação Gay) e na França, com o Front Homosexuel d’Action Revolucionaire (FHAR, Frente Homossexual de Ação Revolucionária) sofreram um processo histórico de institucionalização, semelhante ao que ocorreu com parcela significativa do movimento LGBT e feminista. Coutinho nos alerta sobre esse processo: Se na década de 1970 associavam-se aos movimentos sociais, a partir dos anos 1990, as ONGs estão submetidas a uma outra lógica: priorizam trabalhos em “parceria” com o Estado e/ou empresas; proclamam-se “cidadãs”; exaltam o fato de atuarem sem fins lucrativos. Desenvolvem um perfil de “filantropia empresarial”; mantêm relações estreitas com o Banco Mundial e com agências financiadoras ligadas ao grande capital, como é o caso das Fundações Ford, Rockfeller, Kellogg, MacArthur, entre outras. (COUTINHO, 2005, p.58).

A institucionalização se dá quando os movimentos sociais perdem o caráter contestatório de transformação radical da sociedade e passam a constituir ONGS, que em um momento inicial são mobilizatórias para em seguida se tornarem dependentes financeiramente do Estado ou de instituições internacionais, facilitando o controle do capital e submetendo-se politicamente à agenda dessas instituições. No caso das pessoas LGBT, a articulação da orientação sexual com classe e outros marcadores estão imbricadas, já que a expressão livre da sexualidade é agravada pelo “desemprego, pela precariedade e pela dependência econômica em relação à família. Então as convergências de interesse não se situam mais apenas no seio do movimento homossexual clássico.” (GIRARD; CASTRO, 2012, s.p). Podemos dizer também que a discriminação contra a população LGBT aumenta quanto maior a vulnerabilidade social e econômica de quem a expressa como ser mulher, ser jovem, ser pobre e/ou ser negro/a, basta saber o número de assassinatos realizados no Brasil em 2012. É importante saber que, assim como há várias correntes feministas, igualmente há grupos com posicionamentos diversos nos movimentos sociais LGBT. Um movimento sediado no México, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), expressa essa preocupação da junção das lutas identitárias feministas e LGBT com a crítica à ordem social e contém em seu movimento setores LGBT.

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social Ainda em 1994, um de seus líderes, o subcomandante Marcos, ao ser perguntado por um repórter quem era ele, assim respondeu: Marcos é gay em San Francisco, negro na África do Sul, asiático na Europa, um chicano em San Ysidro, um anarquista na Espanha, um palestino em Israel, um maia nas ruas de San Cristobal, um judeu na Alemanha, um cigano na Polônia, um mohawk em Quebec, um pacifista na Bósnia, uma mulher solteira no metrô às dez da noite, um camponês sem terra, um membro de gangue nas favelas, um trabalhador desempregado, um estudante infeliz e, é claro, um zapatista nas montanhas. (KLEIN, 2003, p.88)

Enfim, com todo esse debate, podemos reafirmar: a sexualidade é política! Ou permanente alvo do biopoder, como diria Foucault.

3.2.2 A luta pelos direitos civis e sexuais Outras vertentes de lutas, centrada, na busca dos direitos civis, têm forte expressão No Brasil contemporâneo, o movimento LGBT centra sua luta pelos direitos sexuais e passa ampliá-la pela conquista dos direitos civis, a exemplo da Europa, Estados Unidos e alguns países da América do Sul, como a Argentina. Destacamos aqui duas lutas sobre a liberdade sexual que marcaram os anos 2000, representando conquistas e perdas para o movimento no Brasil: •• A vitória, com a aprovação das parcerias civis foi noticiada e você pode ler o texto no EVA, no Tópico 2. •• A perda, mesmo provisória, que se deu na votação do PLC 122 que visa criminalizar a homofobia e teve forte pressão de setores evangélicos. Na votação da Comissão de Direitos Humanos do Senado, em 18 de dezembro de 2013 o Projeto é apensado (anexado) ao projeto de reforma do Código Penal e sai da pauta do Legislativo, por 29 votos a favor e 12 contra. A partir de 2014 ele passa a tramitar junto com a reforma do Código Penal e ser colocado novamente em discussão. O que chamamos de Movimento LGBT, é uma associação de organizações em forma de rede, mas que mantêm as suas particularidades, podendo ser grupos de um ou mais desses segmentos sociais Reúnem-se anualmente para deliberação de algumas ações conjuntas. E mais, que a Associação inclui também cerca de 62 organizações colaboradoras ligadas às lutas pelos Direitos Humanos e ao combate à Aids.

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Capítulo 2 A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT, foi criada em 31 de janeiro de 1995, com 31 grupos fundadores. Hoje a ABGLT é uma rede nacional de 286 organizações afiliadas. É a maior rede LGBT na América Latina. A missão da ABGLT é promover ações que garantam a cidadania e os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, contribuindo para a construção de uma sociedade democrática, na qual nenhuma pessoa seja submetida a quaisquer formas de discriminação, coerção e violência, em razão de suas orientações sexuais e identidades de gênero. (ABGLT, 2014)

3.2.3 Os novos movimentos Queer O termo Queer, que por aproximação com a língua portuguesa poderia ser traduzido como abjeto, tinha um sentido originário negativo a quem o recebia como perversão, anormalidade, desvio porque rompiam com as normas de gênero e de sexualidade. O termo foi adotado e assumido pelo movimento por volta dos anos 90, como crítica social e questionava o próprio sentido das lutas por ‘identidades sexuais ou de gênero’, pois considerava que estas lutas contribuíam para a continuidade tanto da normalização O feminismo, a revolta das identidades como da hegemonia de umas e LGBT, o combate sexual da juventude são um subordinação de outras. patrimônio colossal de pensamento, conflito e libertação que tem sido importante para a crítica e ação radical sobre a vida. Fala-nos de desejo, de amor, de amizade, de homem e mulher e suas variações, de corpos, de barricadas, de xamanismo, de clínica, de capital e exploração. O seu objetivo é destruir o PODER, enquanto teia biopolítica das relações humanas. A razão instrumental não o satisfaz, exige uma sensibilidade ou poética ou paixão. Exige bruxaria e histerismo. Exige revolta. Exige uma frente do desejo pela revolução sexual global. (PINK BLOK, 2012)

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De lá para cá têm obtido grande espaço nas universidades (de onde surgiram), mas também apresentam alguns grupos espalhados pelo mundo, principalmente na França, Estados Unidos, Canadá e Portugal. (GIRARD, CASTRO, 2012). Os grupos vinculados às propostas Queer vêm se posicionando de modo diferenciado nos movimentos pela liberdade sexual, resgatando elementos do feminismo radical e LGBT da década de 60 e o Combate Sexual da Juventude com referência a Reich em suas lutas do início do século XX, a exemplo do grupo português Pink Blok. Enquanto filiação teórica, alguns grupos se reivindicam do marxismo cultural, mas grande parte sinaliza para a vertente anarquista, que tem como eixo a crítica do capitalismo e a sua forma política de democracia representativa, que consideram excludente. As ações produzidas pelos diferentes grupos Queer como os Panthéres Roses (Panteras Rosas) e os Pink Bloks (Blocos Rosa) que atuam em diversos países, inclusive no Brasil, buscam articular as demandas com a questão

Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social de classe ao tornar “as questões LGBT visíveis durante as mobilizações para a defesa e os serviços públicos, contra o racismo ou contra o imperialismo, destacando o emaranhamento dos combates.” (GIRARD; CASTRO, 2012, s.p) Na fala de um de seus defensores brasileiros a vertente Queer se apresenta, em termos políticos como uma alternativa crítica aos movimentos identitários e seus objetivos de assimilação à ordem existente. O movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), por exemplo, opera a partir das identidades sexuais vigentes, e expressa a demanda por reconhecimento. Isso contrasta com a proposta queer de apontar as fraturas nos sujeito, seu caráter efêmero e contextual. (MISKOLCI, 2011, p.35)

Enfim, dependendo da visão teórica, as lutas políticas por direitos e pela transformação radical da ordem social podem se combinar ou ser consideradas excludentes. Pense a esse respeito!

Por ora, partilhamos da visão de Girard e Castro (2012) que aponta a necessidade de conjugar “a luta contra a repressão, a conquista de direitos e a vontade de transformar uma sociedade desigual (...) evitando a fragmentação crescente e um fechamento identitário que arruinaria as possibilidades de alianças ” (s.p). Faz-se necessário, portanto, buscar a articulação de lutas por direitos com a produção de situações as quais desnudem a realidade econômica e social que as mantém e não se perca de vista a necessidade de coalizões de diferentes grupos políticos feministas e LGBT. Figura - 2.8 - Grupo Queer - Transgender Equality Network Ireland (TENI)

Fonte: TENI (2014).

Esperamos que, com esse breve panorama, você tenha conseguido se situar, de um modo básico, nas lutas travadas pelos movimentos LGBT no Brasil e no mundo e siga conosco nos estudos sobre a construção da identidade de gênero e orientação sexual e mais adiante, de como lidar com essa temática dentro da proposta contemporânea de Educação Sexual.

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Capítulo 3 Identidades de gênero e orientação sexual

Habilidades

Refletir, criticamente, sobre as discriminações de gênero, orientação sexual e raça/etnia. Problematizar o espaço escolar e sua importância no processo de construção das identidades de gênero e orientação sexual.

Seções de estudo

Seção 1:  A (difícil) presença do corpo e da sexualidade na escola Seção 2:  A construção do desejo nos meandros do gênero e da orientação sexual Seção 3:  Homofobia e diversidade sexual na educação

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Capítulo 3

Seção 1 A (difícil) presença do corpo e da sexualidade na escola A corporeidade é foco de inúmeros estudos na contemporaneidade. Neles se afirma que nossa corporeidade é definida não apenas por determinantes biológicos, mas por um conjunto de significados culturalmente instituídos que vão delimitando muitas de nossas ações, nossas relações com os outros e com nós mesmos, nossos hábitos, nossas regras de conduta, nossos movimentos, enfim, nossa identidade. (ANDRADE; CAMARGO, 2010, p.99)

O texto de Andrade e Camargo, Corpos femininos escolarizados (2010) nos faz pensar a necessidade de preceder a discussão sobre as identidades de gênero e orientação sexual, com uma breve reflexão sobre o lugar (ou não lugar) que a escola dá ao corpo nesse processo. Importante resgatar que o corpo quieto e imóvel foi definido como necessário em uma determinada época e lugar, que data do surgimento da escola (com suas interfaces religiosas) e do capitalismo, período conhecido como Modernidade, entre os séculos XVII e XIX. Nela se aprendia a concentração por meio do esforço pessoal e da disciplina. Tanto que as primeiras escolas tinham a disciplinarização em quase tudo, semelhante às fábricas, e visavam ao controle máximo da espontaneidade do corpo, preparando-o para a racionalidade voluntária. (FOUCAULT, 1986). Nessa aprendizagem. “os movimentos corporais tornavam-se dissociados das emoções momentâneas, perpetuando-se o controle e a manipulação.” (GONÇALVES, 1997, p.33) Pensando com Freud, poderíamos dizer que a na sociedade capitalista a escola ensina que o princípio de realidade antecede (e nunca se combina) ao principio do prazer: o corpo não é para ser vivido, mas sim submetido. Como exemplo de racionalidade voluntária e contenção do corpo, temos os regulamentos de tempo na escola, como hora de comer, de ir ao banheiro, de brincar, esses tempos curtos. O maior tempo é o de estudar em sala de aula, de preferência com controle máximo da emoção.

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social A visão moderna sobre o corpo na escola ainda é predominante, embora tenha havido mudanças. A escola ocidental, na contemporaneidade, continua a considerar o corpo uma ‘tábula rasa’, sobre a qual é possível qualquer aprendizagem e ainda o pensa de uma maneira particular: processa sua divisão em base material e imaterial, como se fosse possível fragmentá-lo em corpomente, supondo, na maioria de suas práticas, que seu trabalho essencial se dá sobre o pensamento descolado da base imaterial. Por isso, dedica a parte principal da aprendizagem dos/as estudantes à supervalorização cognitiva de conteúdos lógicos, racionais, abstratos, fragmentados e não aos vínculos sociais e afetividades que ali são construídos nas relações entre colegas e professores/as. Em outras palavras, desconsidera a cultura escolar relacionada “à educação da sensibilidade, dos aspectos sensoriais, da estética e do prazer” (ANDRADE; CAMARGO 2010, p.101) Louro (2000) retrata, de modo poético em seu texto quase autobiográfico, o seu período em uma escola pública, como direcionado à negação do corpo como prazer e vida, e da construção da criança inquieta e alegre em uma aluna bem comportada e preocupada com o aprendizado dos ‘conteúdos’, em uma sociedade classista e competitiva. Figura 3.1 - Deveres escolares

Fonte: Rosamaria (2012).

Mas o que torna a escola tão diferente dos demais espaços e, ao mesmo tempo, tão importante para a construção do corpo e da sexualidade, mesmo havendo outras instâncias que também o fazem?

Podemos afirmar que alguns aspectos amplificam o poder da escola: o aumento da escolaridade obrigatória desde muito cedo, a criação da escola de tempo integral e, principalmente, o fato de aglutinar e aproximar grandes grupos de estudantes por faixa etária semelhante. Esse último quesito, contraditoriamente, também debilita a escola, que se por um lado tenta estampar seu poder

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Capítulo 3 altamente disciplinador, enfrenta, ao mesmo tempo, a constituição de subgrupos de poder e resistência entre adolescentes e jovens estudantes que a transformam em um barril de pólvora, caso sua eficiência disciplinadora não os convença . Entre o que permite e interdita no seu cotidiano, a escola molda representações sobre o corpo a partir do que pode ou não se fazer com ele. Em consequência, participa, em conjunto com a mídia, a família e a religião, na produção e/ou reforço das subjetividades sexuais e de gênero. Como controlar o corpo se não se controla um de seus componentes fundamentais, o desejo? Enquanto uma das instâncias responsáveis pelo biopoder, a escola tem autorização social tanto para a coerção como para o convencimento, mas nos tempos contemporâneos, quanto mais seus métodos se aproximarem da coerção, menos eficiente será, por isso o jogo da negociação escolar na contemporaneidade está em ceder, sem perder a lógica dominante da sexualidade restrita e mercantilizada, da masculinidade hegemônica e da heterossexualidade como norma. Governar o corpo é condição para governar a sociedade. O controle do corpo é, portanto, indissociável da esfera política”. (SANT’ANNA, 1996, p.246).

Em outras palavras, a negociação direcionada ‘para o convencimento’ contempla, entre outras práticas: •• o jogo tanto de permitir como negar a aprendizagem da sexualidade enquanto realização de prazer (em outras palavras: o que se pode ou não fazer); •• o direcionamento das identidades no que se refere à orientação sexual e gênero, tendo como modelo o casal heterossexual; •• a tolerância praticada junto a outras relações não heterossexuais, desde que invisíveis (no máximo, discretas) dentro da escola. Além disso, enquanto materialidade em movimento, o corpo tem um certo lugar nas brincadeiras no parquinho, durante o recreio ou, eventualmente, a depender da prática docente, nas aulas de educação física. Todavia, a vigilância se dá em todos os espaços, tanto quanto as transgressões. “Assunto dos recreios, banheiros ou corredores e na maioria das salas de aula, continua sendo fruto proibido e objeto de fiscalização e controle: são palavras que ficam flutuando no ar, não ditas, (mal)ditas, (des)ditas ou sacramentadas.” (ANDRADE; CAMARGO, 2010, p.103)

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social No entanto, nenhuma vigilância é incontornável e pode ser contestada, particularmente por adolescentes que compreendem melhor as contradições e usufruem delas: Adolescentes, estávamos cada vez mais conscientes de que podíamos inscrever em nossos corpos indicações do tipo de mulher que éramos ou desejássemos ser. O cinema, a televisão, as revistas e a publicidade (que também exerciam sua pedagogia) nos pareciam guias mais confiáveis para dizer como era uma mulher desejável e tentávamos, o quanto possível, nos aproximar dessa representação. A escola, por seu lado, pretendia desviar nosso interesse para outros assuntos, adiando, a todo o preço, a atenção sobre a sexualidade. (LOURO, 2000, p.15)

Mas até mesmo as crianças criam espaços de autonomia perante o adulto, como podemos ver no exemplo abaixo. O autoerotismo infantil, para desespero de quem as educa, está presente, seja no parquinho ou até mesmo em situações de punições não relacionadas com a sexualidade. No parque, também se observava crianças se masturbando ao sentar em brinquedos como balanças, baldinhos, gira-gira ou, quando, por terem feito algo errado, eram postas para “pensar” e colocavam as mãos dentro de suas calcinhas ou cuecas. Se, por um lado, essas situações exigiam um olhar mais atento de vigilância dos adultos, por outro, ao se depararem com essas situações, muitos não sabiam como agir. Será que abrir mão da vigilância não seria uma boa alternativa para lidar com essas situações? (ALTMANN; CARVALHO, 2012, p.7)

A instigante conclusão das autoras - em forma de pergunta, demonstra uma possibilidade oposta à ideia de uma sociedade disciplinar: se não se sabe como agir, por que não se deixa de vigiar? A aparente ‘dessexualização’ da arquitetura social dos espaços escolares, ainda presente no século XXI, entra em contradição com o que crianças e adolescentes insistem em trazer frente a estarrecidos professores/as, que alegam não estar preparados para essa ‘quase luta’, porque travar esse debate supõe para eles e elas um trabalho interno sobre suas próprias convicções e visões de mundo, também escolarizadas a seu tempo. É provável que os conteúdos sexualizados que adolescentes trazem à escola nos passem a impressão de que muita coisa mudou nesse ambiente escolar, em relação à época dos autoritários anos 70, mas talvez seja uma cortina de fumaça. Percebemos uma via de mão única nesse universo que adentra a escola, porque educadores/as estão bem distantes, não só de permitir a livre circulação de ideias e gestos, como de debater com

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Capítulo 3 estudantes essas mesmas ideias, de forma crítica, sobre o que significam essas mudanças e as problematizando. O período que compreende a sexualidade infantil até o início da adolescência (4-12 anos) é o mais dramático da vivência escolar, já que os processos de conhecimento do corpo e da sexualidade na infância, apontados por Freud, ainda deixam atordoados/as educadores e educadoras. É possível vislumbrar durante experiências de formação em sexualidade os modos dessa vigilância e as concepções que permeiam a escola. Sobre as séries iniciais, Ribeiro et al (2004, p. 115, 117) trazem, entre outros exemplos, uma cena descrita e um diálogo narrado, contendo relatos de duas professoras das séries iniciais, coletados durante a formação docente. Nas situações relacionadas às identidades de gênero e sexuais – quando em brincadeiras os alunos beijavam as meninas ou baixavam as suas calças, e ainda quando as meninas se acariciavam –, as professoras utilizaram como estratégias pedagógicas algumas “micropenalidades”, como, por exemplo, as transferências de alunos para outros turnos ou para outras escolas, os encaminhamentos à direção da escola, as repreensões. Profª. M.: “Estás parecendo uma bichinha, te agarrando nos caras. Do que os teus amigos vão te chamar? De bichinha”. Aluno: “Ah, eu não sou bichinha!” Profª. M.: “Mas está parecendo!” Aluno: “Mas eu não sou!” Profª. M.: “Tá, então pára de te agarrar, vai brincar. Não fica de bracinho, de mãozinha”.

As autoras questionam o dispositivo de sexualidade presente nessas práticas docentes punitivas (micropenalidades), aplicadas com maior rigor para quem rompe com a norma da heterossexualidade. Inúmeros estudos demonstram atitudes docentes semelhantes frente às práticas infantis de pequenos toques, como dar as mãos, aplicar ‘selinhos’ (toque suave dos lábios), pentear cabelos, sentar-se próximos/as em sala de aula, brincar de papai e mamãe sem ser do ‘sexo Micropenalidades biológico correspondente’, entre tantas manifestações significam processos das crianças. Os adultos, moldados sexualmente ou sutis de punição, que “vão do castigo para o medo da liberdade sexual ou para a ênfase na físico leve a privações relação sexual genital, não conseguem ver nas crianças o ligeiras e a pequenas exercício de um erotismo e afeto infantil: logo determinam humilhações” a ‘adultização’ das práticas, como a definição de (FOUCAULT, 1999, p.149) orientação sexual e a relação sexual entre adultos e, consequentemente, reprimem-as.

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social As crianças e jovens têm trazido para a escola compreensões e práticas sexuais que questionam a ordem sexual vigente e os padrões dominantes de gênero e de orientação sexual. Possivelmente, e algumas pesquisas o comprovam, as crianças do século XXI se aproximam do entendimento de que a sexualidade (aqui não entendida apenas como relação sexual) é algo cotidiano e prazeroso, ainda que a maioria de seus familiares não converse com elas sem tensionamentos. Vimos que tal ambiguidade familiar se repete na escola, presente nos exemplos da pressão adulta, que impede meninas e meninos da expressão de seu corpo, em consonância com seus desejos e afetos. Será que as práticas que crianças e jovens trazem para a escola são sempre críticas à uma sexualidade conservadora? O que você pensa a esse respeito?

Em resposta a essa pergunta, poderíamos dizer que sim e não, tendo por base as concepções de Gramsci (2004), um filósofo italiano que pensou muito a respeito do senso comum e do bom senso. Nesse sentido, crianças não são diferentes dos adultos: expressam as contradições do mundo exterior à escola. Podem até vivenciar, no espaço educativo, práticas de gênero e sexualidade opostas das que vivenciam no bairro ou dentro de sua família. Pudemos observar, por exemplo, crianças de uma escola pública na zona sul da cidade de São Paulo que, no início dos anos 2000, expressavam uma forma particular de relações de gênero (CRUZ, 2004). Foi inventada pelas culturas infantis ali presentes um tipo de relação social baseado em uma agressividade recíproca entre os sexos, a qual designamos como sociabilidade baseada no conflito. Imaginamos terem sido construídas para dar conta de uma ‘guerra dos sexos’, alimentada por um ambiente escolar que a tudo categoriza por sexo (nas salas de aula, nas filas de entrada etc.), o que certamente combinase com as experiências da masculinidade hegemônica de fora dela. Em parte, eram brincadeiras para estarem juntos e, muitas vezes, permeadas por aspectos erotizados, que em alguns momentos ultrapassavam as fronteiras da aceitação recíproca, quando ocorriam os xingamentos pelos meninos e os tapas pelas meninas. (CRUZ; CARVALHO, 2006) Tais experiências das relações sociais de gênero podem, em momentos futuros, voltar-se contra as meninas, pensando aqui nos altos índices de violência entre casais, principalmente (mas não só) heterossexuais. Todavia, se pensarmos nos jovens e nas novas experiências desse período, de um modo ou de outro, podemos dizer que a primeira relação sexual tem sido vivenciada de modo contraditório e a escola é ausente nesse processo. Há, em algumas escolas, programas sobre doenças sexualmente transmissíveis, mas

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Capítulo 3 salvo exceções felizes de políticas que mesclam as temáticas sobre sexualidade e prevenção de DSTs, é comum descolarem-se o desejo e afetividade da discussão, atendo-se apenas aos aspectos fisiológicos. Igual ao que se passa na escola, a orientação e a aceitação familiar da primeira ‘transa’ não se dá sem percalços. Enfim, para a maioria dos/as adolescentes e jovens, esse momento é de incerteza e medo, porque: •• padrões de sexo e de gênero são cruciais nessa hora, já que algumas famílias relutantes até aceitam tais vivências, desde que o encontro não seja na casa da menina; e se for na casa do menino, por sua vez, espera-se que esse também não tenha uma irmã mais nova, exemplo que ‘assusta’ mesmo pais e mães ousados/as; •• os motéis são caros e não aceitam menores, considerando-se aqui não só a repressão sexual vigente, mas os riscos da prostituição infantil/juvenil e o tráfico de mulheres; •• os índices de gravidez precoce e doenças transmissíveis, entre elas a AIDS, estão presentes como tensões que recaem, em geral, sobre as garotas, apesar de os dados revelarem que os garotos usam mais os preservativos que os homens adultos; •• a situação fica quase impossível se os padrões da heterossexualidade não forem seguidos, daí a necessidade do sigilo perante a família entre jovens casais homossexuais; •• por fim, no que diz respeito ao conhecimento do corpo feminino por meninas e meninos nas relações heterossexuais, ao contrário do que demonstra o excesso de discurso sobre sexo, garotas adolescentes e jovens ainda estão muito longe do direito ao prazer. A psiquiatra Carmita Abdo, fundadora e coordenadora do Projeto Sexualidade (ProSex) na USP, onde também é professora, analisa que entre as mulheres, as jovens até 25 anos apresentam o maior índice de falta de orgasmo (anorgasmia), cerca de 40% em experiências que ainda podem ser dolorosas pela indelicadeza ou desconhecimento do parceiro. (ABDO, 2004, p.95)

A angústia sexual que esse contexto provoca entre as jovens passa ao largo da escola e educadores/as não se sentem preparados para dar suporte a tantas dificuldades que até podem ultrapassar as possibilidades do ato educativo escolar, visto tratar-se de aspectos de ordem íntima e familiar. Mas as fronteiras entre espaços educativos formais e não formais são tênues na sociedade contemporânea e as pedagogias sexuais, que atuam em paralelo à escola e permeiam diferentes instâncias, estão presentes e mais fortes que a escola, e

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social contribuem para a modelagem do que se entende por concepção de sexualidade e amor na virada do século XXI. No Brasil, podemos citar, por exemplo: •• a novela das oito, transmitida cada vez mais tardiamente, mas igualmente assistida por crianças e familiares, permeada de violência e erotismo adulto; •• as revistas femininas (e masculinas) e suas receitas de ‘bom sexo’, como uma tecnologia acessível a todos/as; •• a divulgação sistemática de consumo, cujo erotismo e estética são vinculados a um padrão tradicional de feminilidade e masculinidade. Em contraposição a essas modelagens, temos outras, talvez mais abrangentes e múltiplas: o cinema comercial, (expressão da indústria do entretenimento), mas que trata, em alguns momentos, de outras possibilidades de gênero e orientação sexual, e o cinema alternativo, de arte, crítico ou libertário, que vai mais além; a internet com sua infinita gama de redes sociais e vídeos das mais diferentes correntes de pensamento e movimentos sociais; a literatura virtual com grande influência entre jovens, presente em blogs e outros textos internáuticos, promove sociabilidades múltiplas e rupturas. Esse conjunto de práticas de sociabilidade permite que crianças e jovens encontrem contrapartidas às dificuldades presentes na escola e na família. Todos esses espaços poderiam ser aproveitados pela escola na reflexão de novos significados de sexualidade junto à juventude. No entanto, de modo planejado ou intencional, poucas escolas participam desse debate e buscam a formação docente, preocupadas que estão apenas com as aprendizagens cognitivas (necessárias),mas que não existem descoladas das subjetividades, com desejos, sentimentos e valores!

Corpo-máquina, moldado para largas horas de trabalho e o prazer ilusório e fugaz das horas noturnas; corpo-quevende exaltado na publicidade e o corpo-que-se-vende, da indústria do sexo e do entretenimento. Nada mais que corpo-mercadoria, amormercadoria, desejo-mercadoria, produzindo pessoas que, supondo-se livres, se veem atônitas frente a esse emaranhado de informações e (im)possibilidades.

Com esse breve panorama, observamos uma diferença no moralismo do século XXI com o que o antecede: a criança é reprimida em sua espontaneidade sexual, mas se depara com uma sociedade adulta, onde o sexo é permitido, estimulado e está à venda como mercadoria que se consome. Tudo é sexualizado, e não importa a frustação ou compulsão, pensa-se e/ou fala-se em sexo a todo o momento. O apelo sexual está presente nas músicas da moda e suas danças correspondentes, na alta exposição corporal proporcionada pelas roupas femininas, entre outras

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Capítulo 3 expressões. O que não significa, necessariamente, felicidade sexual ou amorosa para jovens e adultos. A escola, que é espaço de socialização de conhecimento e preparação intelectual das novas gerações e, contraditória e simultaneamente, de força de trabalho para o capital, pelo seu silêncio ou pelo dispositivo da sexualidade que impera no modus operandi da rotina escolar, também alimenta a dominação masculina e direciona para a futura sexualidade permissiva, mas não necessariamente ‘livre’ que nela impera. Ao proceder prioritariamente pelo aprendizado informal da sexualidade, que muitas vezes se dá pelo silêncio em relação ao que dizem ou fazem os/as estudantes ou reprimindo manifestações corporais ligadas à sexualidade e afetividade, em nada contribui para a vivência de uma sexualidade mais livre e na formação das identidades de gênero e de orientação sexual de crianças e jovens no sentido de suas necessidades e de respeito às suas concepções.

Seção 2 A construção do desejo nos meandros do gênero e da orientação sexual Para falar de sexualidade, dialogamos com a política, a filosofia, a psicanálise, a história. Nessa trajetória elaboramos a ideia de sexualidade como construção social (e contextualizada em cada cultura) de corpos, desejos, comportamentos e identidades. O exercício da sexualidade remete aos sujeitos, objetos de nosso desejo e configura-se como prática sexual. E damos muitos nomes a isso: relações sexuais, fazer sexo, transar ou, de modo mais poético, fazer amor. No embate entre diferentes práticas sociais e poderes constituídos em todos os níveis, constroem-se, simultaneamente, os sentidos de normalidade e anormalidade, que tendem na sociedade ocidental contemporânea a serem justificados, tendo por base a ideia de sexo como natureza, herança moderna e positivista. Nessa concepção, o desejo deve ser direcionado para aquele/a que se considera seu ‘sexo oposto’. Tal lógica centra-se em um tripé que unifica sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual: o homem (macho, sexo biológico) deve ser masculino (identidade de gênero) e ser atraído por mulheres, configurando-se como heterossexual; igualmente a mulher (fêmea, sexo biológico), deve ser feminina (identidade de gênero) e ser atraída por homens, sendo ela também heterossexual. A identidade de gênero (aqui acoplada ao sexo biológico de maneira inquestionável) também se vincula a uma orientação sexual hetero igualmente ‘inata’, construindo-se, desse modo, a base para a heteronormatividade e o heterossexismo.

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social O termo heteronormatividade, que significa mais do que a heterossexualidade compulsória, foi criado em 1991 por Michael Warner, sendo a norma a palavra chave dessa ideia, para a qual todas as pessoas devem organizar suas vidas conforme o modelo social tradicional das relações heterossexuais. Como ilustração, podemos citar a aceitação dos rituais e formas de relacionamento e que são vigentes dentro desse modelo tradicional, como ciúmes e monogamia, o ritual do casamento, a adoção de filhos como realização máxima do casal, entre outros. Podemos pensar como exemplo extremo um casal em que, mesmo sendo dois homens ou duas mulheres no sentido biológico, um deles adota elementos tradicionais do gênero feminino e outro do masculino. A heteronormatividade expressa as expectativas, as demandas e as obrigações sociais que derivam do pressuposto da heterossexualidade como natural e, portanto, fundamento da sociedade (...) a heteronormatividade é um conjunto de prescrições que fundamenta processos sociais de regulação e controle, até mesmo aqueles que não se relacionam com pessoas do sexo oposto. Assim, ela não se refere apenas aos sujeitos legítimos e normalizados, mas é uma denominação contemporânea para o dispositivo histórico da sexualidade que evidencia seu objetivo: formar todos para serem heterossexuais ou organizarem suas vidas a partir do modelo supostamente coerente, superior e “natural” da heterossexualidade.

(MISKOLCI, 2009, p.156-157)

“Historicamente, a prescrição da heterossexualidade como modelo social pode ser dividida em dois períodos: um em que vigora a heterossexualidade compulsória pura e simples e outro em que adentramos no domínio da heteronormatividade. Entre o terço final do século XIX e meados do século seguinte, a homossexualidade foi inventada como patologia e crime, e os saberes e práticas sociais normalizadores apelavam para medidas de internação, prisão e tratamento psiquiátrico dos homo-orientados. A partir da segunda metade do século XX, com a despatologização (1974) e descriminalização da homossexualidade, é visível o predomínio da heteronormatividade, como marco de controle e normalização da vida de gays e lésbicas, não mais para que se “tornem heterossexuais”, mas com o objetivo de que vivam como eles. Nesse aspecto, ganha relevância uma reflexão crítica sobre o casamento gay”. (MIKOLSCI, 2009, p.157)

Triângulo Negro, Triângulo Rosa Para os nazistas, o Triângulo Negro afixado nos uniformes marcava as pessoas consideradas ‘antissociais’, entre elas as mulheres homossexuais. Para os homens homossexuais era utilizado o Triângulo Rosa e para homens homossexuais judeus eram os dois triângulos superpostos.

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Capítulo 3 Dentro do pressuposto heteronormativo, todas as pessoas devem organizar suas vidas conforme o modelo social tradicional das relações heterossexuais, ou seja, vive-se sob normas que instituem como padrão do desejo e da afetividade os modos de se relacionar baseados nas tradicionais relações amorosas-sexuais, entre pessoas de sexo e de gênero antagônicos. Como consequência desse padrão, temos o heterossexismo, que significa o preconceito ou discriminação contra todos que não são heterossexuais, como os homossexuais, as lésbicas e os/as trans (transgêneros, transexuais e travestis). Como decorrência dessa ‘naturalização’ do afeto e do desejo, podemos citar outras consequências como: •• as crianças devem ser criadas a partir de uma escolha prévia dos adultos sobre seu gênero e seu sexo biológico (mesmo que esteja indefinido como ocorre com os/as considerados ‘intersexos’ -1% da população); as famílias (e o casamento) só devem ser constituídas de homens e mulheres; apenas casais hetero podem adotar crianças.

Homossexualidade Antes designada como ‘homossexualismo’, em 1990 deixou de ser considerado um distúrbio psicossocial e foi retirado da Classificação Internacional de Doenças (CID), sendo substituído o sufixo ‘ismo’ pelo sufixo ‘dade’, que passou a significar ‘modo de ser’. O prefixo ‘homo’ significa semelhante, igual, ou seja, aquele que deseja relacionar-se sexual e/ou amorosamente com pessoas do mesmo sexo biológico. Lesbianidade Safo, poeta grega, tinha uma vida sexual livre e se relacionava com as mulheres na ilha grega em que vivia, chamada Lesbos, de onde veio a expressão – lésbicas, para designar a relação sexual e/ou amorosa entre mulheres. De modo semelhante ao termo homossexual com o surgimento da sexologia, no final do século XIX a palavra ‘lesbianismo’ significava doença mental, sendo alterada posteriormente para ‘lesbianidade’. Intersexos São pessoas que podem: expressar uma clara ambiguidade genital; ter uma genitália com aparência feminina, por exemplo, com aumento do clitóris; ter uma genitália com aparência masculina, por exemplo, com micropênis; entre outras possibilidades. Apesar do termo ‘intersexos’ ainda ser bem utilizado, a área

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médica tem revisto essa nomenclatura, que tem sido alvo de polêmica entre movimentos e a medicina, já que se insiste na ideia de anomalia. Para Damiani, “Já há vários anos, abolimos o termo intersexo dos diagnósticos, preferindo a expressão ADS, [Anomalia da Diferenciação Sexual] já que intersexo denota um sexo intermediário ou um terceiro sexo, o que não é adequado para os pacientes.” (DAMIANI, 2007, s.p) 

Pense na dificuldade de aceitação social de um casal formado por um homem e uma mulher, biologicamente falando, em que ambos expressem uma mesma identidade de gênero feminina. Você consegue imaginar essa cena? Como seria sua reação?

Para pensar orientação sexual e gênero, partimos da premissa construcionista de que, independente da natureza, o direcionamento social tem papel relevante na definição da orientação sexual e que, portanto, não há uma ‘essência’ escondida em algum lugar ainda não encontrado, que ‘determine’ a sexualidade de uma pessoa. Quaisquer que sejam as possibilidades plásticas (pré-condições biológicas) do corpo e da construção da psique o ser humano é, de modo inseparável – biopsicossocial. Se fosse diferente não haveria tanta necessidade da heterossexualidade, forma ‘normal’ de expressão dominante na cultura ocidental contemporânea, reprimir sexualidades ‘anormais’, produzindo um discurso tão onipresente para evitar que crianças tornem-se homossexuais, bi ou trans no futuro! Na verdade, questionamos a necessidade de definição sobre se o objeto de desejo – de mesmo sexo ou outro sexo, de mesmo gênero ou outro gênero, nasce com o sujeito ou é construído socialmente, porque independente da resposta, defendemos a liberdade de orientação sexual e pensamos que essa é uma falsa questão. Aliás, é importante lembrar que o conceito de identidade de gênero surgiu inicialmente na medicina psiquiátrica para designar o que os médicos consideravam transtorno: pessoas de um sexo biológico e de um gênero considerado oposto a ele. Depois, esse conceito passou a ser adotado pelo movimento LGBT, em um processo de rebeldia e contestação para que tal prática fosse considerada possível e não desvio, transtorno.

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Capítulo 3 Sobre esse tópico, Foucault nos traz um belo exemplo com a história de Herculine Barbin, um hermafrodita francês do século XIX, que nasceu com sexo indeterminado (um pequeno pênis), mas foi criado/a como uma moça. Ao ser pressionado/a por médicos e advogados a se definir e tornar-se um homem, a/o jovem Alexina/Herculine, que antes vivia, nas palavras de Foucault, no “limbo feliz de uma não identidade” (FOUCAULT, 1982, p.6), termina provocando sua própria morte. A necessidade da verdade sobre o sexo biológico e de suas amarras com a identidade de gênero, necessidade ainda de setores médicos em pleno século XXI, aprisiona não só as pessoas intersexos (nome atual dado aos hermafroditas), mas a todos os seres humanos, e tem sido uma luta das minorias sexuais em todo o mundo. Importante relembrar aqui que sexo biológico refere-se a um conjunto de informações cromossômicas, anatômicas (órgãos genitais internos e externos) e características fisiológicas secundárias, como os hormônios.

O direito ao corpo inclui a liberdade de diferenciação com outro corpo e não a padronização na medida em que corpo refere-se ao processo de apropriação subjetiva de peculiares experiências, emoções, sentimentos, sensações de prazer e dor, acolhimentos, rejeições ou mesmo das transformações físicas. Isto significa que o conceito de corpo inclui, além das potencialidades biológicas, todas as dimensões psicológicas, sociais e culturais pelo qual as pessoas desenvolvem a percepção da própria vivência. (BRASIL, 2009, p. 120-121)

Dessa forma, torna-se impossível universalizar o significado de corpo, porque ele traz as marcas de sua construção de classe, de etnia, de raça, de gênero, de idade e outras. Nas palavras de Louro (2000, p. 11), Nossos corpos constituem-se na referência que ancora, por força, a identidade. E, aparentemente, o corpo é inequívoco, evidente por si, em consequência, esperamos que o corpo dite a identidade, sem ambiguidade nem inconstância. (...) Os corpos são significados pela cultura e, continuamente, por ela alterados. Talvez devêssemos nos perguntar, antes de tudo, como determinada característica passou a ser reconhecida (passou a ser significada) como uma marca definidora de identidade; perguntar, também, quais os significados que, nesse momento e nessa cultura, estão sendo atribuídos a tal marca ou a tal aparência. Pode ocorrer, além disso, que os desejos e

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social necessidades que alguém experimenta estejam em discordância com a aparência de seu corpo. (...) Os corpos não são, pois, tão evidentes como usualmente pensamos. Nem as identidades são uma decorrência direta das ‘evidências’ dos corpos.

Nesse significado ampliado, o corpo expressa tanto a identidade de gênero quanto a sexualidade e orientação sexual. A identidade de gênero está pautada na autoatribuição seletiva, a partir do que se considera feminilidades ou masculinidades na cultura de pertencimento (ou ambas) e não determina a orientação sexual, ou seja, não é possível haver uma relação automática e complementar entre uma e outra. O impedimento de uma expressão livre de gênero ou de orientação sexual faz com que muitas pessoas vivam em contradição, não os expressando publicamente e condicionando seus corpos aos padrões aceitos socialmente. Figura 3.2 - Ué, eu não sou normal?!

Fonte: Bycori (2011).

Por outro lado, a identidade de gênero relaciona-se com a orientação sexual para aqueles/as a quem direcionamos nosso desejo, porque os significados de gênero estão imbricados na construção da sexualidade e que é resultante de uma história própria das vivências prévias familiares e sociais, onde tudo aparece mesclado; vivências que constituem um modo particular de sentir e agir em relação ao outro e do que provoca o prazer. Em outras palavras, o que é considerado erótico e desejante para um, pode não ser para o outro. Aqui falamos tanto dos estereótipos como de características gerais associadas aos atributos de feminilidades ou masculinidades disponíveis socialmente (não raro dicotômicos e antagônicos), expressos por meio da estética, do comportamento, da linguagem, da imagem, do cheiro, dos códigos corporais da sedução, entre outros. Podemos dizer, baseados na psicanálise contemporânea, que na construção da psique os elementos que provocam prazer tendem a se firmar como características próprias (de si) ou almejadas no outro;

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Capítulo 3 nesse processo complexo ‘de quem sou e quem eu desejo’ é que se constituem as identidades de gênero e a orientação sexual. A orientação sexual é um processo que explicita o sexo das pessoas que escolhemos como objetos de desejo e afeto. Costuma-se dizer que são reconhecidos três tipos de orientação sexual: heterossexualidade, atração sexual por pessoas de outro sexo; homossexualidade, atração sexual por pessoas de mesmo sexo; e a bissexualidade, atração Figura 3.3 - Símbolos Gays, sexual por pessoas de ambos os sexos. Lésbicas, Bi e Trans É essa complexidade de construção simbólica humana dentro de uma diversidade cultural elástica, que permite romper com as expressões de sexualidade e de gênero hegemônicas a cada época e produzir novas identidades que serão taxadas de desviantes: homens afeminados (sexo biológico homem e identidade de gênero feminina) que se relacionam com homens (sexo biológico homem e identidade de gênero masculina), e assim sucessivamente, mulheres masculinizadas com Fonte: Desconhecida mulheres femininas; mulheres femininas que se relacionam entre si. As pessoas intersexuais, de sexo biológico ambíguo, que podem expressar uma ambiguidade também dos gêneros (ou se definir por um deles) e direcionarem seu desejo de modo instável. As pessoas trans (transexuais, transgêneros e travestis) vivenciam de modo amplificado a dificuldade, com as ‘caixinhas de gênero e de orientação sexual,’ e expressam experiências mais fluidas nesse processo, por isso mesmo com maior preconceito social, construindo alternativas no cruzamento entre gênero, orientação sexual e sexo biológico, que inclui até a ingestão de hormônios e a remodelação de seus corpos. Mas o que vem a ser um(a) transexual? Seria possível uma definição?

A transexualidade ainda é tratada e compreendida em muitos setores dentro de padrões heteronormativos, podendo o sujeito trans ser submetido a uma exaustiva avaliação com testes psicológicos e sessões de terapia que questionam sobre a possível veracidade de sua masculinidade ou feminilidade, quando solicita mudanças de nome ou cirurgia. Entre estudioso/as do tema, os conceitos que descrevem as características do que vem a ser um/a transexual variam muito. Essas diferenças de conceituação sobre o que vem a ser a transexualidade vêm sendo construídas em um diálogo constante (não raro conflituoso) entre sujeitos trans, acadêmicos/as, ativistas e profissionais de saúde ou da mídia.

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social É necessário destacar que, antes de 1950, não existiam definições específicas para transexuais, ou diferenciação entre transexuais, transgêneros, travestis, e homossexuais, e só a partir desse período é que se iniciou a construção de conceito de transexualidade. Inclusive a ideia de troca de Transgêneros e sexo data de 1953, momento em que o endocrinologista travestis estariam mais vinculadas(os) às alemão radicado nos Estados Unidos, Harry Benjamin, experiências relativas apresenta a proposta de cirurgia de transgenitalização, ao trânsito entre os como possibilidade de terapia para o que ele considera os gêneros e não ao sexo biológico. transexuais verdadeiros (palavras dele), argumentando que essa poderia evitar possíveis mutilações, ou até mesmo suicídios. Na área da saúde, a reafirmação de uma única definição de transexualidade tem gerado problemas para os sujeitos trans. Ao não se distinguir gênero de orientação sexual, o binarismo continua como modelo referência nos diagnósticos médicos e psicológicos. Para muitos profissionais de saúde, responsáveis em elaborar o relatório com o diagnóstico, é impensável que pessoas façam a cirurgia de transgenitalização e se considerem lésbicas ou gays. (...) Ler a sexualidade pela lente do gênero, supor o masculino e o feminino como expressões da complementaridade do sexo, ou que as transformações corporais realizadas pelas pessoas transexuais são os ajustes necessários para se tornarem heterossexuais, é considerar o binário como modelo único para expressar as construções das identidades. (BENTO, 2008, p. 46).

Eventualmente, o indivíduo transexual pode ou não sentir desconforto com seu órgão genital e querer retirá-lo, ou até remodelar um outro sexo biológico anatômico, mas essa mudança não seria uma condição sine qua non da transexualidade, a exemplo de um homem transexual feminino que pode, simbolicamente, feminilizar seu órgão genital e conviver com ele sem desejar a sua retirada. Se o desejo é construído de maneira imbricada, torna-se uma pretensão buscar o enquadramento da sexualidade humana nos limites da convicção ou experiência pessoal de alguns. Importante relembrar aqui que sexo biológico refere-se a um conjunto de informações cromossômicas, anatômicas (órgãos genitais internos e externos) e características fisiológicas secundárias, como os hormônios.

Como afirmou Bento (2008), a convivência satisfatória com seu corpo original não desqualificaria ou tornaria menos transexual um sujeito que se autodefine como transexual e, tampouco, obrigaria-o a definir-se em apenas uma das orientações sexuais, seja ela como heterossexual, homossexual, ou bissexual. 83

Capítulo 3 Como você pôde ver, as pessoas Trans desestabilizam as ‘caixinhas’ costumeiras das identidades de gênero e das orientações sexuais.

Por todas essas questões, uma das defensoras da teoria Queer, Butler (2003), problematiza o conceito de transexualidade e gênero, e aponta para a transitoriedade e o questionamento de identidades que pretendem ‘fixar’ e ‘delimitar’ as experiências de gênero e orientação sexual. Podemos elaborar a partir de toda essa problematização que a cadeia sexo biológico, gênero, desejo e práticas sexuais não podem ser unificadas, daí a necessidade de resistirmos criativamente no cotidiano às definições simplistas de sexo e gênero. Importante resgatar em nossa reflexão outra polêmica que perpassa o movimento LGBT, a qual talvez você já tenha se dado conta ao ler diferentes textos sobre o tema de nosso estudo. Falamos dos conceitos ‘opção sexual’ e ‘orientação sexual’. Apesar de adotar aqui o termo Orientação Sexual por ser ainda o mais utilizado, cabe lembrar que o termo inicialmente adotado para as preferências sexuais era ‘opção sexual’, e que na década de 80 passou a ser substituído para ‘orientação sexual’ no Brasil, pelos movimentos sociais e governo. Em concordância com outros autores, pensamos que o conceito Orientação Sexual é problemático, na medida em que ele questiona a ideia de que a sexualidade também pode ser ‘uma escolha’, mesmo que não haja uma escolha descontextualizada das experiências de vida dos sujeitos, desde a infância e dos limites sociais dados. Outras visões, particularmente ligadas à psicologia e alguns setores do movimento LGBT, defendem origens biológicas (genéticas, cerebrais, entre outras) para as preferências sexuais e protestam veementemente contra a ideia de construção social da homossexualidade e das demais, concentrando-se na defesa dos direitos sexuais, como decorrência do respeito à natureza de cada um. Para os construcionistas, a naturalização que terminou por ser ‘colada’ ao termo ‘orientação sexual’ despolitiza a luta pela liberdade sexual, fixa identidades (pois não considera a transição entre elas) e ao final ‘normaliza’ as formas novas de sexualidade, que passaram a ser aceitas (como gays, por exemplo), enquanto questiona outras já existentes ou que possam surgir. Inclusive devido a esta preocupação, vem ganhando espaço o conceito de ‘práticas sexuais’, visando a quebrar a fixidez das preferências sexuais: pode-se viver práticas bissexuais, por exemplo, sem se ‘tornar’ um/a bissexual... E você, como se posiciona neste debate?

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social De qualquer forma, as preferências sexuais são produzidas em um contexto de masculinidade hegemônica heterossexual, que se constrói contra outras masculinidades e feminilidades e produz, em diferentes espaços sociais, a vigilância para que não se fuja da heteronormatividade. Há toda uma lógica de violências sutis (ou não) que sinaliza o perigo do desvio e que, constatado de fato, transforma-se em punições. Busca-se inculcar a identidade heterossexual e sua contrapartida com a identidade de gênero ‘adequada’ ao sexo biológico. A escola (que participa de modo contraditório dessa ação) tende a buscar a ‘normalização’ - transformar em normal, e a constituir a ‘normatização’- ao criar regras muito claras sobre determinados padrões de sexualidade para crianças e adolescentes escolares. Nesse processo, a escola tem uma tarefa bastante importante e difícil. Ela precisa se equilibrar sobre um fio muito tênue: de um lado, incentivar a sexualidade “normal” e, de outro, simultaneamente, contê-la. Um homem ou uma mulher “de verdade” deverão ser, necessariamente, heterossexuais e serão estimulados para isso. Mas a sexualidade deverá ser adiada para mais tarde, para depois da escola, para a vida adulta. É preciso manter a “inocência” e a “pureza” das crianças (e, se possível, dos adolescentes), ainda que isso implique no silenciamento e na negação da curiosidade e dos saberes infantis e juvenis sobre as identidades, as fantasias e as práticas sexuais. (LOURO, 2000, p.28)

Além desse problema, de negação e afirmação da sexualidade infantil e juvenil, produzindo crianças e adolescentes confusos e adultos angustiados, que Reich tão bem demonstrou em seus estudos, a escola tende a disseminar a aceitação apenas de uma das práticas sexuais, a do casal heterossexual. Nesse sentido, reafirma a norma da relação amorosa e sexual baseada na reprodução biológica, marginalizando todas as demais possibilidades como homoerotismo, reprodução independente, experiências trans, entre outras. Mas essa prática pode ser diferente: Para além das valorações derivadas de convicções pessoais, é responsabilidade da comunidade educativa respeitar e promover o direito de cada pessoa viver, procurar sua felicidade e manifestar-se de acordo com seu desejo. Essa responsabilidade implica um trabalho de reflexão e aprendizado individual e coletivo, a partir de situações e novos conhecimentos que desafiem marcos consagrados de compreensão da sexualidade e do gênero. (BRASIL, 2009, p.134)

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Capítulo 3

Seção 3 Homofobia e diversidade sexual na educação O direito à liberdade de identidade de gênero e de orientação sexual esbarra em uma barreira cultural: a homofobia, que intensificou sua manifestação no período pós-AIDS, circula com frequência em diferentes espaços na contemporaneidade e faz parte do rol de discriminações cotidianamente presente em meios profissionais, religiosos, programas de humor e, claro, ambientes escolares. No entanto, antes mesmo de tal termo existir, Oscar Wilde, um escritor inglês do século XIX, foi condenado a dois anos de trabalho forçado, morrendo logo após ser solto, devido às péssimas condições de sua prisão. Foi acusado de pederastia e sodomia por estabelecer relações afetivas e sexuais com outro homem mais novo do que ele. Wilde, à época, compôs um poema em que cunhou a expressão O amor que não ousa dizer seu nome e que deu origem a filmes e outros textos poéticos.

O Amor Que Não Ousa Dizer Seu Nome (Oscar Wilde) O Amor, que não ousa dizer seu nome, Bateu-lhe à porta, ao acaso, um dia. E ele, inebriado pela cotovia (que paira à janela, mas depois some...), ... Sentiu crescer, súbito, na alma, u’a fome De algo que, até então, desconhecia. Desejo... estranheza... culpa... agonia...! Desce aos umbrais, na angústia que o consome! ... ... Porém, depois das lágrimas enxutas, Chamou a cotovia, deu-lhe frutas, E sorveram, um no outro, a própria essência. ... E ambos, nessa atração de semelhantes, Num cingir de músculos, os amantes Ergueram-se aos portais da transcendência.

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social Após a atuação dos movimentos e reivindicações desde a década de 60, os contextos têm mudado entre transformações e permanências. O que se vê, amiúde, é a aceitação de uns e negação de outros, aceitando-se aqueles homossexuais que se enquadram nos padrões sociais de aceitabilidade, como afirmam Vicente e Ribeiro (2012, p.12-13): Compreendendo que a figura do homoafetivo no seio da sociedade brasileira, via de regra, é vista ou no extremo da figura efeminada, afetada, debochada, não viris, ou no outro extremo nas formas em processo de aceitação e normatização de homoafetividade: gays ricos, bem vestidos, brancos, televisionados, dentro de padrões heteronormativos, vivendo relações heteronormativas – ainda que entre pessoas do mesmo sexo, seguindo uma normatividade neoliberal dentro dos padrões estabelecidos pelo mercado e pelo capital (...)

Por outro lado, nas ruas, segue-se a violência contra os demais, não raro com assassinatos, o mesmo se podendo dizer de trans (masculinos ou femininos), seguidos por assassinatos de lésbicas, como demonstra esta notícia, a partir de dados de 2009: (...) Segundo o antropólogo Luiz Mott, um dos fundadores do Grupo Gay da Bahia, [professor da Universidade Federal da Bahia], dentre os homossexuais assassinados no ano passado [2009], 117 eram gays, 72, travestis, e nove, lésbicas. (...) “A cada dois dias um homossexual é assassinado no Brasil e precisamos dar um basta nesta situação”, afirmou Marcelo Cerqueira, presidente do GGB. (RELATÓRIO, 2009)

Essa discussão tem motivado manifestações pela criminalização da homofobia, bandeira que é motivo de polêmica entre ativistas do movimento e juristas. Na visão dos críticos (VICENTE; RIBEIRO, 2012), o detalhamento de leis não promove mudanças comportamentais e pode até reproduzir vieses de classe, prejudicando os já prejudicados, pois, segundo eles, no Brasil qualquer condenação passa, primeiro, pela situação socioeconômica de quem produz o crime, o que vale para qualquer crime contra a pessoa (leis que já existem), não importa quem seja a vítima. Nesse argumento, se a vítima pertencer às classes dominantes, haverá punição, caso contrário, não. Para os defensores da criminalização, essa medida legal pode gerar punição aos culpados, a exemplo de outras leis, como contra o racismo ou sexismo e ainda, quem sabe, coibir a homofobia.

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Capítulo 3 E você, já parou para pensar nas relações entre leis e mudanças culturais? Como se posiciona em relação a esse debate que se enquadra dentro da área de direitos sociais e sexuais?

O termo homofobia surgiu na década de 60, pela psiquiatria, com o significado de expressão de medo irracional e hostilidade perante homossexuais. Difundido na década de 70, ganhou espaço quando o termo homossexual deixou de ser considerado doença e a homofobia passou a ser uma categoria analítica social e psicológica. A abordagem psicológica refere-se aos sentimentos e às percepções negativas a respeito da homossexualidade e às consequências que ambos têm na conduta individual. A abordagem sociológica analisa os mecanismos de reprodução da hostilidade contra o desvio da norma heterossexual. (BRASIL, 2009, p.151)

No decorrer de seu uso, a categoria passou a incluir a homofobia social, de instituições, e não mais estar vinculada apenas a práticas individuais. As pautas homofóbicas direcionam-se tanto a desvios de gênero em relação ao sexo biológico de origem quanto a manifestações de orientação sexual a pessoas do mesmo sexo, independente da identidade de gênero de quem a expresse. Pelo fato de a homofobia ter uma base geral assentada sobre o sexismo, Fernandes (2009) argumenta que há autores como Borrillo (2001) que ampliam a ideia de homofobia para bifobia, quando dirigida a bissexuais, transfobia, quando dirigida a pessoas trans e lesbofobia, quando dirigida a lésbicas. Assim, a gayfobia, utilizada especificamente para homens homossexuais, se diferencia muito da lesbofobia, utilizada para mulheres lésbicas, já que estas ainda espelham a homofobia e o heterossexismo. Isso ocorre porque a mulher é vista como objeto de desejo do homem, contrapondo não apenas os estereótipos, mas também as funções de gênero, e, quando rompe com esse pressuposto, instaura um problema de ordem organizacional na sociedade. (FERNANDES, 2009, p.217)

No caso dessa última, a violência inclui sexismo e homofobia, por serem mulheres que a recebem. A homofobia está em ligação direta com a construção da masculinidade hegemônica, para construir-se necessita diferenciar-se de mulheres e crianças por meio da virilidade e que rechaça os homossexuais devido à sua semelhança com as mulheres. Nesse sentido, tanto a masculinidade hegemônica quanto a heterossexualidade masculina, associadas a ela, sustentam-se nessa dupla negação. Por isso, o horror às mulheres (misoginia e sexismo) combina-se, frequentemente, a práticas homofóbicas.

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social Homofobia e sexismo: (...) Esse processo de naturalização da homofobia foi sendo construído historicamente, primeiro evidenciando como o cristianismo, herdeiro da tradição judaica, delega à heterossexualidade o único comportamento natural conforme a lei divina, inaugurando assim uma homofobia até então desconhecida nas populações. A heterossexualidade enquanto normalidade para Deus e o casamento monogâmico como responsável pela procriação, expressos na bíblia judaico-cristã, apresentam resquícios ainda hoje levados a cabo nos discursos político-administrativos. Para legitimar isso, a monogamia e os “papéis de gênero” são extremamente marcados, já que cada indivíduo (o homem e a mulher) possui um papel importante na “formulação da vida”. (...) (FERNANDES, 2009, p.215)

As pessoas trans, por vivenciarem mudanças na expressão de masculinidades ou feminilidades que dificilmente podem ser escondidas, pois tratam dos modos de expressão pública, são expostas de modo mais direto à violência heterossexual, a transfobia. Além do abandono da família, o abandono da escola é outra faceta da discriminação : “segundo pesquisas do CLAM nas paradas LGBT brasileiras, 34,4% das pessoas trans entrevistadas sofreram discriminação e abuso perpetrados na escola por colegas ou professores/as.” (BRASIL, 2009, p.153). Essa situação, aliada a outros fatores sociais, leva muitas pessoas trans à prostituição. Voce já presenciou algum tipo de ação homofóbica no ambiente escolar? Que tipo de atitude você manifestou? O que ocorreu após o ato discriminatório com a pessoa que agrediu?

A homofobia não atinge apenas aqueles/as que assumem outras identidades de gênero ou orientação sexual. Ela é a própria expressão da sociedade disciplinadora, porque, ao definir fronteiras, •• define quais contatos físicos , com quem e como devem ser realizados ; •• vigia a linguagem corporal e verbal de cada um/a; •• enquadra esteticamente padronizando a noção de ‘belo’; •• determina, inclusive, modos de sensibilidade em todas as relações sociais, de amizade, conjugais, entre pais/mães e filhos/as; •• por fim, reduz todos os elementos diferenciadores da vida humana em dicotomias de masculino e feminino e da heterossexualidade compulsória.

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Capítulo 3 E, em todos esses elementos, constitui-se como uma hierarquia, na qual o masculino é sempre dominante, configurando o que já afirmamos anteriormente como sexismo. Na Alemanha, em 2013, pais e mães conseguiram o direito de não especificar o sexo do bebê no momento do nascimento. Essa é uma das formas de se romper com padrões de gênero e sexo e respeitar os direitos civis das crianças. (Alemanha, 2014) Veja matéria no Tópico 3 no EVA.

Pesquisas sobre a escola no início dos anos 2000 (em números que ainda permanecem altos) revelam intensa homofobia entre alunos e professores. A pesquisa “Perfil dos Professores Brasileiros”, realizada pela UNESCO, entre abril e maio de 2002, em todas as unidades da federação brasileira, na qual foram entrevistados 5 mil professores da rede pública e privada, revelou, entre outras coisas, que para 59,7% deles é inadmissível que uma pessoa tenha relações homossexuais e que 21,2% deles tampouco gostariam de ter vizinhos homossexuais. (JUNQUEIRA, 2009b, p. 17)

E mais, em índices de outra pesquisa da UNESCO, também em todo o Brasil, foram encontradas variações de 30% a 47% professores que argumentam não saber como abordar temas relativos à homossexualidade, e igual número de estudantes que não gostariam de ter colegas de classe homossexuais. Para a masculinidade hegemônica, tudo que foge à heterossexualidade deve ficar no âmbito do privado, retirando o direito à expressão pública do amor e do desejo que só será permitido aos que se enquadram nas normas.

No processo histórico de discussão da homofobia é que surge a categoria política da Diversidade Sexual situada no âmbito dos direitos humanos, apelando para a necessidade de se reconhecerem como legítimas as múltiplas e dinâmicas formas de expressão das identidades, dos corpos e das práticas sexuais. Exige a promoção de politicas e pedagogias atentas à complexidade, produtoras de posturas flexíveis

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Sexualidade e Orientação Sexual: Cultura e Transformação Social voltadas par garantir a igualdade de direitos, as oportunidades e a interlocução. (...) Pede atenção contínua em relação às convergências entre representações e mecanismos heteronormativos, sexistas, heterossexistas, misóginos, homofóbicos e racistas. (JUNQUEIRA, 2009, p.425)

Assim sendo, educar para a diversidade significa estar atentos/as para a busca de transformação e emancipação em todas as dimensões da vida humana.

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Considerações Finais “Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas conscientes e engajadas possa mudar o mundo; de fato, sempre foi somente assim que o mundo mudou.” Margaret Mead

Como você sabe, as políticas educacionais têm buscado chamar a atenção de educadores e educadoras para a inclusão de temáticas que levem em conta o sujeito integral e não apenas o aspecto cognitivo. A UNISUL, em consonância com esse momento político e pedagógico, incluiu no currículo de Pedagogia a certificação Educação, Relações de Gênero e Sexualidade. A unidade de aprendizagem que aqui apresentamos está inserida nessa certificação, que contemplará, em outro livro, as demais temáticas ligadas a gênero, educação e profissão docente. Os estudos sobre a sexualidade, gênero e diversidade sexual são muito mais amplos do que trouxemos aqui, mas pensamos ter permitido a você uma visão panorâmica sobre aspectos que consideramos cruciais para lhe instrumentalizar com os recursos básicos que lhe permitam um novo olhar sobre o tema. Esperamos que, a partir desses primeiros passos, você já consiga saber o que e como procurar quando necessitar aprofundar seus conhecimentos sobre sexualidade e gênero. Sobre sua prática docente, cabe a você definir o tipo de atuação que pretende realizar enquanto educador/a, que pode ser desde o simples cuidado para evitar atitudes discriminatórias para com estudantes e colegas (e deles entre si), como exercitar a escuta compreensiva, ou até mesmo ousar e propor projetos de educação sexual nos espaços onde já atua ou vai atuar. O que importa é estar sintonizado/a com as mudanças necessárias e respeitar a diversidade de identidades de gênero e de orientação sexual. Professora Tânia Mara Cruz

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Sobre o Professor Conteudista Tânia Mara Cruz Possui graduação e licenciatura em História, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) (1983), especialização em Psicodrama Aplicado, pelo Instituto Sedes Sapientiae/SP (1991), mestrado em História, pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) (1996) e doutorado em EDUCAÇÃO, pela Universidade de São Paulo (USP) (2004). Atualmente, é professora do Programa de Pós-Graduação - Mestrado em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), dentro da linha Relações Culturais e Históricas na Educação, com ênfase em temáticas ligadas a relações de gênero e raciais-étnicas. Integra o Grupo de Pesquisa Educação, Cultura e Sociedade - Educs - UNISUL (Diretório de Pesquisa do CNPQ), do qual é vice-líder, e o Grupo Políticas e gestão da Educação Unisul (Diretório de Pesquisa do CNPQ). Participa de projetos de formação presencial e a distância para professores da educação básica sobre Gênero e Sexualidade. Tem experiência docente e de formação de professores em Educação, Básica e Superior, Presencial e a Distância. Faz formação em gênero e feminismo junto aos movimentos sociais.

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