LUIZ FILHO DE OLIVEIRA: POESIA, SÁTIRA E OS ENIGMAS DA LINGUAGAEM

June 3, 2017 | Autor: F. Filho | Categoria: Brazilian Literature
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LUIZ FILHO DE OLIVEIRA: POESIA, SÁTIRA E OS ENIGMAS DA LINGUAGAEM



Cunha e Silva Filho



Terceira livro de poesia do autor piauiense, antes precedida de
dois livros, Bardo Amor (2009), 2º prêmio Torquato Neto de Poesia da
Fundação Cultural do Piauí, e Onde humano (2003), os quais lhe renderiam 
visibilidade da crítica em seu Estado natal,Das bocadas
infernéticas (Guaratinguetá,SP.: Editora Penalux, 2016, 146 p) surpreende
o leitor, seja o especialista em literatura, seja o leitor entusiasta
de poesia, pelo arrojo de, desta vez, ainda mais radicalizar seu
perfil poético de escrever poesia provocando perplexidades e
indagações pelo inusitado de versos ferinos que, no geral, prestam 
tributo à glória da mordacidade de Gregório de Matos, o conhecido "Boca
do inferno" do Barroco brasileiro.
Não pense o leitor que sua radicalidade formal se restringe apenas à
poesia satírica por mera imitação de temas de Gregório de Matos (1636-
1696) . Este lhe serve como referência principal e por razões de 
admiração, porquanto outros autores da poesia ou fora da poesia
complementam uma espécie de linhagem de autores com os quais 
estabelece diálogos fecundos e por afinidades de visão poética ou 
do mundo em que está visceralmente inserido.
Isso se comprova explicitamente na primeira parte de título
desabrido, Das bocadas, desse novo livro, através do "Envite aos vates
assinalados a chiste abaixo assinado", e aqui despontam as citações,
primeiro, a preferida, do mencionado Gregório de Matos seguido de Tomás
Antonio Gonzaga (1744-1810), Bernardo Guimarães (1825-1884), Luís Gama
(1830-1882), Juó Bananére (1892-1933), Owald de Andrade (1890-1954), do
humorista Millôr (1923-2012), do cronista Luís Veríssimo, do poeta Chacal e
do poeta Glauco Mattoso, este também prosador e, se não me engano, 
dicionarista de palavrões. No entanto, ao longo do livro, outras vozes,
 Mário de Andrade (1893-1945), Carlos Drummond de Andrade ( 1902-1987),
 Fernando Pessoa (1888-1935), Da Costa e Silva (1885-1950), Bocage (1765-
1805) se agregam com suas ressonâncias, por vezes mal percebidas pelo
leitor desatento.
Dividido em duas partes, a primeira, já nomeada, Das bocadas, parte
I, e a segunda, Infernéticas, parte II e, neste último vocábulo, ainda
lança mão de um neologismo formado, por processo de aglutinação: inferno +
internet + sufixo adjetival –ica, por derivação imprópria. ou seja, num só
vocábulo alia dois processos de formação de palavra. Acredito que essa
tendência no poeta é recorrente e variada no tocante ao prazer lúdico
com a manipulação de natureza libertária com a língua.
Luis Filho, a meu ver, intencionalmente divide o título da obra em
dois grandes conjuntos de poemas, quiçá com a intenção, de parecer 
"quebrar" a suposta ou aparente unidade temática do livro, numa 
atitude de composição muito do seu estilo poético, que é desarticular
para, em seguida, articular.
Tal expediente técnico nele aparece nas duas obras anteriores, já
citadas. No volume, ao todo são 100 poemas, 46, na primeira parte e 54, na
segunda.Graficamente, ele apresenta na primeira parte todos os poemas em
forma de letra escrita à mão, ao passo que, na segunda parte, os poemas
aparecem em letras impressas normalmente. A opção pela forma gráfica de
escrita à mão já aparece no primeiro livro, BardoAmar, mas não a emprega no
segundo livro, Onde humano.De qualquer sorte, os aspectos grafemáticos 
percorrem os poemas do autor escritos até o presente e, portanto, julgo 
constituírem parte significativa da iconicidade inerente à poesia de
Luis Filho.
O que ousaria afirmar é que esse poeta parece sentir o gosto de 
desviar-se dos cânones do verso tradicional no uso do espaço da folha em
branco. Sua predisposição é no sentido de se afastar dos parâmetros 
convencionais, busca a fuga a outros esquemas tanto na disposição de
exibir na folha branca o lado figurativo dos poemas quanto se deleita em 
acrescer aos poemas, além dos títulos, à feição de alguns autores do
passado, não títulos breves, mas rubricas, no sentido de dramaturgia, de
cunho narrativo, expediente utilizados por ficcionistas e alguns poetas, 
inclusive Gregório de Matos. Isso imprime, em alguns poemas, uma feição de
narrativa, de algum relato no espaço da poesia.
Esse desvio de convenções datadas, no plano textual se repete como
estratégia discursiva, semântica, vocabular e frasal. Quer dizer, é nos 
planos morfossintático-estilísticos que os desvios aos padrões mais se
agudizam de tal sorte que enunciado e enunciação sofrem rupturas, pondo em
choque o leitor em luta com o texto e sua opacidade, o texto e sua
capacidade de desestabilizar hábitos de formas menos complexas de
enfrentar a leitura de poemas.
Em outros termos, o texto passa a ser fonte de proposital
"estranhamento," amplamente adotado pelo Modernismo brasileiro e por
outros modos de fazer poesia vanguardista (servindo de exemplo o poeta
Oswald de Andrade nessa fase de ruptura com os movimentos poéticos do
passado), procedimento operado pelo poeta que a crítica vê como um 
traço primordial da modernidade poética: desautomatizar os hábitos já
consolidados do leitor que ainda procura na poesia a emoção, o halo
sentimental ou romântico, a subjetividade simétrica ao lidar com
os temas da tradição literária - aliado à linearidade do verso tradicional
anterior ao Simbolismo. 
Enquanto em BardoAmar radicaliza, reitero, os recursos visuais e
grafemáticos, assim como as desarticulações e a imprevisibilidade da ordem
morfossintática, Onde humano se comporta com menos ousadias enquanto
subversões dos recursos espácio-grafemáticos e, nesse aspecto está mais
aproximado deDas bocadas infernéticas – cujo epicentro temático é seu
caráter satírico. Por outro lado, na tematização, o repertório poético 
ganha mais um componente, que é o de trazer sobretudo para a segunda
parte do livro os temas e situações da linguagem das mídias sociais e é
nesse espaço do virtual que o livro se realiza com toda a sua energia 
renovadora, podendo-se dizer que o universo da comunicação pela internet 
se constitui em um dos temas da obra, como se fora um personagem no campo
ficcional.
Uma vez, o autor me confidenciara que um dos objetivos de sua
poesia é divertir, o que me leva definir essa atitude artística como um
 trabalho lúdico de fazer poesia em todas as suas possíveis modulações.
Entretanto, se efetivamente não se pode negar o fato de que em grande
parte de seus poemas podemos identificar essa dimensão do ludismo, do
jogo de palavras ou mesmo de composição de estruturas frasais, há, por
detrás desse técnica ou estratégia , uma profunda seriedade em tratar 
de questões sociais pelo viés de uma crítica contra as mazelas, as
injustiças e os destinos do comportamento humano.
Em outras palavras, a vertente profundamente social de seus versos 
acompanha a sua produção desde a primeiro livro e só não chega à
panfletagem porque, acima do lado social crítico há a primazia do
estético, da assimilação da crítica social pelo mecanismos estéticos bem
identificados pelo elevada importância que atribui ao gênero que
cultiva. Reitero que, em primeiro lugar, no poeta Luiz Filho existe
visceralmente o compromisso estético com a linguagem .
Releva um pormenor que não se pode jamais deixar de levar em
consideração ao analisar a poesia de Luiz Filho: o funcionamento
criterioso da linguagem como forma de construção de seus poemas já
muito bem identificado pelos títulos, tanto na primeira parte do livro
quanto na segunda, nos quais a função metalinguística nele se mantém 
sempre presente, o que me remete, em certo sentido, por exemplo, à
justaposição de palavras formando frases, ocorrente no poeta norte-
americano e.e.cummings (1894-1962)). Neste sentido, cabe um exemplo de
Luis Filho no poema de título #LiçãoDeLínguasEm Lesbos, do qual citarei
apenas uma parte
inicial::#EmpênisSêmenDuro/#EEsseSeuPúbisEuchuloO/EBeijoONumLugarComumEEsses
SeusLábiosEngulo-Os ( ...) 
Com referência a modos renovadores e experimentalistas de fatura
poética, no Brasil, poderia pensar em Manuel Bandeira(1886-1968)
pela versatilidade de transformar temas apóeticos em grandeza poética. E,
em certos modos de inventividade, em Da Costa e Silva, no poema "À margem
de um pergaminho" e nos conjunto de poemas de título "Poemas à maneira
de."
Na segunda parte do livro, o núcleo temático imbrica temas socais e
situações da experiência da comunicação virtual, cuja base é o mundo
cibernético que, embora fazendo parte da vida do autor, é ao mesmo 
tempo material para fazer dele objeto de crítica desabrida. Por isso,
usa e abusa do terminologia virtual. Há uma profusão de termos da
informática percorrendo praticamente a obra inteira. Ao acaso, veja-se o
poema"Assalto à mão teclada" (p.93) percorrendo toda a extensão da segunda
parte. Esse vetor tem que ser levado em alta conta na interpretação de
sua poética tipificada no livro: Com a tela em coberta toda/por um
tecido de códigos,/cobrndo o rosto de propósito,/um hacker./ Le-assaltou
agora,/há segundos atrás num chat,/quando le-apontou um mouse velho/ e
levou do bolso do poeta o quanto/Ele teclou texto em sua conta,/-Cpylantra!
Os temas atingem uma multiplicidade de segmentos da sociedade,
sobretudo urbana: políticos,questão indígena,capitalismo, indivíduos
desonestos, meio-ambiente, sexo, amor virtual, miséria, fome,
publicidade enganosa, redes sociais, a poética, a linguagem etc. Em
síntese, Luis Filho parece querer abarcar todos cantos do espaço sem
fronteiras e os seus versos cáusticos pululam aqui e ali numa 
acumulação de nomes literários, de figuras universais, de lugares e de
situações múltiplas da existência.
Não é numa simples resenha o lugar ideal de abarcar os diversos
segmentos linguísticos e temáticos do livro, todo ele ubíquo, multifocal,
literariamente atemporal, combinando modos de vida e de pensar plurais,
num exercício de composição poemática que, do solene e do dessacralizado,
da abundância escatológica sem arestas nem preconceitos, sem receios de
melindrar as hipocrisias das convenções sócias oportunistas para uso
externo, escolhe sua matéria poética feita do bem e do mal, do feio do
belo, da comédia e da tragédia.
Recolhendo a diversidade da condição humana até onde for possível e
mediante recursos vários, até não se furtando ao trabalho de aproveitamento
de tudo que, em termos tradicionais, não é considerado digno de matéria
poética, está certo de que, no terreno da arte, não pode haver um
discurso único, mas vias multifárias de transformar a vida e tudo que
possa haver no mundo em arte, anulando as interdições como formas de
liberdade de linguagem e formas desafiadoras do lugar-comum.
Se sofremos com o excesso de referências e da retórica no estilo 
do poeta, levando-o a um hermetismo que pode afastar leitores menos
afeitos ao fazer poético da pós-modernidade, ganhamos igualmente em
termos de novas maneiras de manifestação poética da linguagem e pela
linguagem.
De tanta consciência o autor tem dessa quebra de normatividade de
elaboração poética (trocadilhos, inversões sintagmáticas e verdadeiros
torneios frasais que se aproximam do nonsense, dos jogos engenhosos de
frases, provérbios etc que, no segundo livro, Onde humnano, ele oferece
ao leitor, no final do livro, "notas numeradas" e "notas avulsas," onde se
elucidam alusões a autores, expressões linguísticas lexicais antigas e
modernas e regionalismos brasileiros. Já em Das bocadas infernéticas, ele
deixa a tarefa de garimpagem e de decifrações ao leitor avisado ou
desavisado.
É bem provável que, mais tarde, passada essa fase experimentalista, o
poeta, como o fez um Ferreira Gullar na fase inicial de sua poesia, retome
o lado mais adequado ao lirismo da poesia do futuro, com maior
discursividade embora não se desfazendo de todo do traço 
da imprevisibilidade que é fruir o poético ainda que atravessado
pela apreensão da não-totalidade do discurso poético de nossos dias, cada
vez mais tão pleno de referências alusivas - já há tempos profetizadas
pelo crítico I.A. Richards (1893-1979) - e, muitas vezes, impenetráveis.
Quiçá seja isso o que torna a poesia um gênero permanente, campo
privilegiado da sensibilidade e da beleza.
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