Lusitanidade e lusofonia. Considerações conceituais sobre realidades sociais e políticas

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Artigo publicado na revista electrônica Plural Pluriel. Revue des Cultures de langue portugaise, 2010, 7 (). Alguns erros de tradução na versão publicada foram aqui corrigidas.

Lusitanidade e lusofonia Considerações conceituais sobre realidades sociais e políticas As linhas que seguem são as de um historiador e não as de um especialista em literatura. Esta afirmação não seria surpreendente se, como consequência, o autor, ao dar a sua contribuição para o quadro de estudos sobre a “cultura lusófona” 1, começasse dizendo que... isto não existe. De modo algum, não se quer dizer que não haja culturas que possam ser qualificadas como lusófonas, já que elas são expressas em língua portuguesa, embora o fato de que elas se expressam em português, não as faz “irmãs”, nem tampouco próximas, por utilizarem a mesma língua. Além do mais, o fato de utilizarem a língua portuguesa as transformariam em fenômenos lusófonos? Os portugueses são lusófonos? Os franceses são francófonos? Estas linhas têm, então, por objetivo desconstruir, mas procurar-se-á desconstruir até o fim, até mesmo parcialmente, a própria desconstrução. Assim, se justificará, in fine, sua presença nesta coletânea*. Em 17 de julho de 1996, foi “institucionalizada”, em Lisboa, uma nova organização interestatal: a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Não se tratou de uma simples reunião técnica entre governantes de Estados, cuja língua oficial era o português, mas de uma iniciativa de forte conteúdo ideológico. De resto, foi também por isso que o processo foi tão longo, tão moroso, e quase naufragou. Não é possível entrar em detalhes (Léonard, 1995, 1998; Cahen, 1997), mas é preciso examinar pelo menos o sentido das letras C, P, L e P. Com efeito, esta nova organização não foi chamada de organização no sentido da ONU, da OUA, da Organização dos Estados Latino-Americanos, etc., mas de comunidade; ela não foi chamada organização de Estados, mas de países (e um projeto inicial propunha “povos”); e ela não assinalou que reagruparia os países de língua oficial portuguesa – o que é, a minima, verdadeiro para os sete Estados fundadores e o oitavo, o Timor Leste, que a eles se reuniu em 2000 –, mas os países de língua portuguesa, como se o português fosse a língua dos moçambicanos, dos angolanos e, hoje, dos timorenses. Enfim, não foi anunciada a criação da CPLP, mas a sua “institucionalização”, com discursos inflamados de dirigentes portugueses e brasileiros (mas não de africanos) sobre o fato de que a “comunidade” existia, de fato, desde “sempre” em razão de “séculos de ligações fraternais” e que o ato de 17 de julho de 1996 era somente a sua formalização. Este discurso era claramente inaceitável para os africanos e, em

1 A versão original em francês deste artigo foi publicada in Binet, 2007. A versão portuguesa foi publicada na revista bilíngüe on-line Plural Pluriel. Revue des Cultures de langue portugaise (ISSN: 1760-5504; ). Algumas modificações foram acrescentadas ao texto face a esta nova publicação, em dezembro de 2009. O autor agradece a Mariângela Peccioli Galli Joanilho e a André Luiz Joanilho, pela tradução em português (Brasil), a Idelete Muzart-Fonseca dos Santos, pelo convite para publicar uma versão portuguesa em Plural Pluriel. * Nota do autor: trata-se da coletânea organizada, cf. nota 1 supra.

evidente contraste com sua repercussão em Portugal, somente interessou a uma parte mínima da intelectualidade brasileira. Como decorrência, o debate, na África, sobre a CPLP, tornou-se um debate em relação à língua do colonizador, em relação ao antigo colonizador propriamente, mas também e, sobretudo, um debate intra-africano sobre os meios sociais africanos produzidos pela colonização. Inquestionavelmente, ou meios sociais “crioulos” foram acusados pelas correntes “originárias” (compreende-se “negros” e até mesmo os adeptos da “autenticidade”) de não serem verdadeiramente africanos, porque estavam inseridos na cultura da CPLP2. O debate em torno da adesão à CPLP foi um debate em torno das disputas internas de poder entre grupos sociais de trajetórias históricas diferentes. Assim, Portugal sempre ocupava o lugar de réu, enquanto que o Brasil, que produzia grosso modo o mesmo discurso oficial, era poupado3. Esta atitude diferenciada dos PALOPs4 em relação aos discursos portugueses e brasileiros expressava evidentemente o rancor em relação ao colonizador mais recente, e alguma solidariedade sul-sul face esta outra antiga “colônia” de Portugal. Esta postura, esta solidariedade provocava um impasse gigantesco face às naturezas totalmente diferentes das colonizações: na África, tratava-se claramente de sociedades africanas invadidas, exploradas, oprimidas, parcialmente aculturadas pelo colonizador, mas também de sociedades africanas mantidas; no Brasil, tratava-se – excetuando-se as sociedades indígenas marginalizadas – de uma sociedade colonial que conquistou sua independência sem descolonização5, de uma sociedade mantida enquanto colônia6. Consequentemente, o Brasil podia se comunicar com Portugal nos seus discursos lusotropicalistas7 sobre “as origens comuns”, enquanto os africanos rejeitavam categoricamente este discurso acusando somente Portugal. Vê-se que lusofonia é um conceito eminentemente político e ideológico. Lusitanidade, lusofonia, império É clássico constatar que numerosos conceitos coloniais sobreviveram perfeitamente à descolonização, na medida em que o que foi condenado com o salazarismo foi bem mais o seu colonialismo, como política, do que a colonização como obra. Um imaginário colonial duradouro O imaginário português foi apenas parcialmente descolonizado. Não é raro ouvir hoje, na fala popular, expressões do tipo “a África nossa”. Muitos portugueses, e entre eles 2 … e isso, mesmo se fosse mais complicado na realidade, pois certos meios “crioulos” seriam muito anti-portugueses! Cf. Cahen, 2001c. Sobre a história dos grupos crioulos, ver, sobretudo, MESSIANT, 2006. 3 Sobre o imaginário brasileiro em Angola, ver Santil, 2006. 4 PALOPs: Países africanos de língua oficial portuguesa. 5 O “grito do Ipiranga” é emblemático: um indígena não diz “Fico”, pois a ideia de partir não faz sentido para ele, mesmo para recusá-la. 6 A colonização provoca fenômenos de sociedades inteiras (e não somente de classes) e não há nada “chocante” em constatar que até mesmo os escravos negros do Brasil fazem parte do mundo do colonizador português e não do indígena colonizado; eles são a classe mais explorada da colonização, mas no seio da colonização, e de modo algum enquanto sociedade estrangeira invadida pelo colonizador. Isso explica também que houve poucas revoltas conjuntas indígeno-negras. Hoje, os brasileiros nascidos de imigrantes europeus não são descendentes de colonizado, mas de colonizadores, e os brasileiros negros são descendentes de escravos inseridos à força, não no seio do mundo colonizado, mas no seio do mundo colonizador. 7 Não é possível neste artigo descrever a constelação lusotropicalista. O que se nomeia “lusotropicalismo” é principalmente o neolusotropicalismo tal como aparece nos anos 1950, quando Salazar recupera as teorizações de Gilberto Freyre, com seu pleno acordo. Assim, quando, por mais criticado que seja o lusotropicalismo original de Gilberto Freyre dos anos 1930, fazia da mestiçagem e da “integração sob os Trópicos” o fundamento de uma nova civilização; o lusotropicalismo tardio fez da mestiçagem uma etapa em direção ao “branqueamento” e à ocidentalização. A lusofonia entendida como dilatação da lusitanidade se liga claramente a este lusotropicalismo tardio (cf. infra).

numerosos acadêmicos, empregam frequentemente a expressão “países africanos de expressão portuguesa”, sem se dar conta que esses países africanos são eles mesmos designados de PALOPs, designação “neutra” e bem diferente já que afirma que se pode perfeitamente utilizar a língua portuguesa sem que a expressão seja portuguesa: a expressão é africana8. Na França a situação é a mesma, com a bem mal nomeada “Afrique d’expression française” (África de expressão francesa – n.T.), no entanto, melhor aceita graças à caução senghorienne*. Para se ater apenas a exemplos recentes, viu-se esta persistência dos mitos lusotropicalistas com a Exposição Universal de 1998, em Lisboa. O objetivo político da “Expo 98” era, no entanto, para o governo português, bem interessante: apenas doze anos após a sua integração à União Européia, fazer vir à capital milhões de turistas, europeus e de outros continentes, para mostrar que Portugal se transformou realmente em uma nação moderna da Europa, que tinha outra coisa a oferecer além de saudade, do fado, da poesia, de Fátima** e das caravelas. Entretanto, a mensagem foi rapidamente turvada pela escolha do tema dos “oceanos” que, mesmo se pudesse ser (e assim foi) conjugado de maneira moderna (desenvolvimento sustentável, preservação do planeta, etc.), provocou imediata e inevitavelmente a Lisboa um potente ressurgimento do “caravelismo”: o teto do grande hall da Expo simbolizando uma vela (no entanto, uma bela proeza técnica), a nova ponte sobre o Tejo (chamada Vasco da Gama), a nova estação (chamada Oriente), a iluminação e o calçamento desenhando caravelas (Manya, 1998), etc. – sem falar da existência concomitante da “Comissão nacional de comemoração das descobertas portuguesas” e das polêmicas antiespanholas relativas ao lugar do vizinho ibérico julgado incômodo, acusado de prejudicar uma vez mais a expressão da excepcionalidade de Portugal. Entretanto, a comissão da Expo teve a sábia prudência de não incluir um pavilhão especialmente dedicado às descobertas, o que lhe valeu reprovações amargas de uma parte da intelectualidade. Mas ninguém, nem mesmo a extrema esquerda, se deu conta que faltava um pavilhão nesta Expo: aquele da servidão e do comércio escravo. Ora, se uma Exposição Universal em Lisboa poderia muito bem não ter um pavilhão sobre as descobertas, não poderia ter ignorado, em função do objetivo político traçado pelo governo, a questão do trato escravo, especialmente para modificar a imagem que os africanos fazem do Portugal moderno (Cahen, 1998). África nossa, Ásia nossa O imaginário colonial não persiste somente nas classes populares, mas podemos encontrá-lo também, um pouco diferente, entre os governantes, de direita e de esquerda. Isto aparece de maneira espetacular na política portuguesa para Angola. Governos sucessivos – excetuando parcialmente algumas fases da presidência de Mario Soares*** – sustentaram, na prática, quase que incondicionalmente o regime político do MPLA9, sob a cobertura do fato que Angola era “muito importante para Portugal”. É totalmente lógico que a África de antiga colonização portuguesa seja objeto de interesse para Portugal, mas esta “importância” não implicaria necessariamente a sustentação exclusiva a dos lados (aquele do MPLA contra o da

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Sobre o nacionalismo paradoxal das frentes anticoloniais, eles tendo feito mais pela língua portuguesa que o colonizador em “cinco séculos”, cf. Cahen, 2001a. * O autor faz referência ao poeta senegalês Léopold Sédar Senghor que preconizava a cooperação entre a antiga metrópole, a França, e suas ex-colônias (n.T.) ** O autor faz referência ao santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal (n.T.) *** Mario Soares foi presidente de Portugal entre 1986 e 1996 pelo Partido Socialista (n.T.). 9 MPLA, Movimento Popular de Libertação de Angola, é uma das frentes anticolonialistas angolana e que tomou o poder em 1975, sob o regime de um partido único, e a partir de 1991, como partido ultra-hegemônico e de corrupção endêmica.

UNITA10) e ao abandono da sociedade civil angolana (igrejas, ONGs) nos seus esforços para chegar a uma solução negociada da guerra civil. Esta equação “MPLA=Angola” veio de longe, depois da época do MFA11 que ajudou abertamente a MPLA a expulsar outras duas frentes (FNLA12 e UNITA) de Luanda. Tratava-se evidentemente de uma proximidade política, de esquerda, mas, sem dúvida, muito mais de uma proximidade cultural e linguística: os militares portugueses do MFA descobriram com alegria que os dirigentes do MPLA eram “como eles” – tendo o português como língua materna, tendo seguido estudos comparáveis, habituados ao mundo urbano, hostis a etnias africanas, terceiro-mundistas, etc. O MPLA não era visto como expressão de um mundo estrangeiro para o MFA, diferentemente da FNLA e da UNITA com seus discursos sobre a “autenticidade africana”. Apesar das grandes tensões da proclamação unilateral de independência feita apenas pelo MPLA, em 11 de novembro de 1975, Lisboa reconheceu rapidamente o novo governo em 23 de fevereiro de 1976 – mas, mesmo assim, foi apenas o 82º Estado a fazê-lo, o que atiça o desprezo do governo do MPLA. Com efeito, se Angola é “muito importante para Portugal”, Portugal nunca foi muito importante para Angola... O governo angolano foi sempre de uma rigidez considerável, frequentemente de desprezo, para com Portugal, apesar das concessões a cada vez maiores deste (Messiant, 1997, 2000, 2004; Cahen, 2001). Mas Portugal queria “colar” em [a?] Angola, a pérola do Império, aquilo que jamais fez, na mesma altura, para Moçambique ou Guiné-Bissau. Outro domínio no qual se mede a persistência do imaginário colonial é a desconfiança em relação ao ativismo cultural francês nos PALOPs. A França tinha, com efeito, desde 1975, incluído os PALOPs nos países africanos, abrangidos pelo – então existente – Ministério da Cooperação13, embora, habitualmente, somente as antigas colônias francesas fossem aí incluídas. Paris queria dizer assim, claramente, que desejava “anexar” as antigas colônias portuguesas ao “país do campo” francófono, tudo isso enriquecido por discursos tão grandiloquentes quanto abstratos sobre a necessária solidariedade entre países “latinófonos”. Além disso, os meios materiais de que a França dispunha para edificar o maravilhoso centro cultural de Maputo e o ativismo mais modesto em Bissau suscitaram inquietudes e inveja. Mesmo assim, o “perigo francês” é amplamente virtual. Se há uma língua que ameaça o português em Moçambique, é o inglês; e, em Guiné-Bissau, se o avanço inelutável do francês se dá em razão do contexto geopolítico e da adesão do país à francofonia, isso não significa mecanicamente o recuo do português. Esta língua é, com efeito, fundadora da Guiné-Bissau, sendo o francês apenas um instrumento entre outros. E não foi o centro cultural português que foi queimado pela multidão por ocasião da guerra de 1998*, mas o francês! O problema revela claramente o imaginário: em qualquer parte, a atividade cultural da França é sempre considerada como “invasora” numa África que não é aquela de Paris, mas de... Lisboa. Terceiro exemplo escolhido : a formidável mobilização da nação portuguesa em solidariedade ao povo timorense, por ocasião dos massacres das milícias indonésias na 10 UNITA, União Nacional pela Independência Total de Angola, grupo anticolonialista que sobreviveu à contraofensiva do MPLA e de tropas cubanas em 1975-1976 e se tornou o principal oponente armado ao regime com a sustentação inicial da China maoista e, depois, da África do Sul “branca”. Após sua derrota militar em janeiro de 2002 e os Acordos de Luena, a UNITA se tornou um partido político legal. 11 MFA, Movimento das Forças Armadas (ex-Movimento dos Capitães), autor do golpe de Estado que dá início à Revolução dos Cravos em 25 de abril de 1974. 12 FNLA, Frente Nacional de Liberação de Angola, a frente anticolonialista mais antiga de Angola, autora da grande revolta de 1961, sustentada em seguida pelo regime de Mobuto do Zaire e depois pelos Estados Unidos. A FNLA, entretanto, não sobreviveu à contraofensiva do MPLA e das tropas cubanas. Ela subsiste, hoje, como um pequeno partido civil de oposição. 13 O ministério francês da Cooperação foi, e é atualmente, integrado ao ministério dos Negócios Estrangeiros, depois de ter sido desde a sua criação um ministério completamente autônomo. As tradições dos dois ministérios eram muito diferentes, o primeiro sendo « povoado » de antigos funcionários públicos coloniais, e o segundo de diplomatas. * Guerra civil que eclodiu em Guiné-Bissau, por ocasião de um golpe militar (n.T.).

sequência do referendo de 30 de agosto de 1999**. Este movimento extraordinário (altamente despercebido, para dizer claramente, incompreensível, pelos estrangeiros) foi o produto de uma unificação da nação portuguesa graças à conjunção excepcional de três tendências históricas distintas, até mesmo opostas. De início, foi a tradição nacional(lista) portuguesa que foi interpelada pelos massacres indonésios, lembrando a vergonha do 7 de dezembro de 1975, quando as tropas portuguesas se retiraram sem combate face a ofensiva militar de Jacarta. Segundo, foi a tradição anticolonialista (frequentemente católica) portuguesa: o povo português era solidário com esta descolonização tardia no seu antigo império. Em terceiro e último lugar, foi, ao contrário, a tradição imperial e colonial portuguesa: um território “português” da Ásia fora invadido! Era preciso ajudar os timorenses, de crença católica, que há anos, “à noite, rezavam às escondidas em português” (em português, no original, n.T). No seio da contradição histórica entre o colonizador e o colonizado14, a Indonésia tinha surgido como um estrangeiro no seio do “conflito habitual” entre dois parceiros tradicionais, impetrando uma agressão contra a identidade do conflito, permitindo assim a reunificação simbólica dos inimigos de ontem contra o intruso (Cahen, 2002 : 129). Dessa forma, do Partido Popular15 ao Bloco de Esquerda16, a totalidade da nação portuguesa foi tomada de um ardor considerável. No mesmo momento, a terceira guerra civil angolana fazia em torno de 800 mil vítimas, mais de vinte vezes que em Timor. Ninguém (com algumas exceções junto aos jornalistas do Público*)) se comoveu, em todo caso, não a ponto de desenvolver um movimento de solidariedade de massa. É que, a respeito de Angola, a nação portuguesa estava dividida, e não se podia assim falar a si própria como no caso timorense. Ela não podia fazer entrar verdadeiramente a “Angola” no imaginário nacional (pós) colonial português, quando não tinha nenhuma dificuldade em fazê-lo com relação a Timor. Enfim, é preciso evocar o uso e o abuso de belas expressões (inclusive títulos de obras) de grandes escritores, frequentemente fora de seus contextos. Se O mundo que o português criou (Freyre, 1940) é, sem equívoco, fundador do lusotropicalismo brasileiro, mais geralmente típico da ideologia das “Descobertas” (relativa aos mundos “criados e inventados” pelo colonizador, negando até mesmo a existência de sociedades conquistadas) ; se se poderia dizer o mesmo de expressões que ainda são correntes como “Portugal deu novos mundos ao mundo”, então o que dizer da famosa declaração de Fernando Pessoa, “Minha pátria é a língua portuguesa”, cujo sentido é quase totalmente invertido no seu (ab)uso atual? Vale a pena citar quase a passagem quase inteira: “Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse. » (Pessoa, 1999)

Assim, a declaração de amor do escritor à sua língua, que indica que ele vive na e por sua língua, de modo completamente desconectado de um território ou de uma identidade nacional, é desviada de seu sentido nos inumeráveis discursos, artigos, ou, como abaixo, blogs: **

Referendo em que a população de Timor Leste optou pela independência (n.T.). É preciso lembrar a extremamente difícil e mortífera conquista de Timor Leste pelos portugueses (cf. Pélissier, 2000), e a repressão contra a revolta de 1959. 15 Partido de direita português. 16 Coalizão de pequenos grupos de extrema-esquerda. * Jornal diário português (n.T.). 14

A minha Pátria é a Língua Portuguesa. A língua portuguesa é uma das mais faladas do planeta. É falada por mais de duzentos milhões de pessoas em todo o mundo. Oito países têm o Português como língua nacional : Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Guiné, Timor, Cabo Verde, e S. Tomé e Príncipe. O português é falado também em diversas regiões por todo o mundo, tais como Galiza (Espanha), Casamansa (Senegal), Goa (Índia), Macau (China), etc. Os países de língua portuguesa criaram uma comunidade, a CPLP, que representa toda uma identidade comum. […] A língua portuguesa é uma pátria e uma identidade comuns, para muita gente espalhada pelo mundo. [grifos meus] 17

O lirismo de nossos blogueiros esqueceu apenas os kristangs, de Malaca (Malásia)18, os burghers de Sri Lanka19, os “True Portugueses” de Bengala20, as preces recitadas em português do século XVI, nas Celebes e nas Ilhas das Flores (Indonésia), traços efetivos de uma antiga história colonial, mas que, no entanto, não constituem de modo algum comunidades portuguesas, nem mesmo lusófonas, etc. A bela expressão é assim feita império. “Minha pátria é a língua portuguesa”, da parte de um escritor em particular, é invertida e se torna: “A língua portuguesa é uma pátria comum” para os mais diversos povos. Evidentemente não se negará aqui que o uso comum de uma língua é uma característica partilhada, mas o discurso lusotropicalista contemporâneo populariza a ideia de que os países que usam a língua portuguesa têm uma “pátria em comum” e... um pouco portuguesa. É de longe significativo que o que é comum seja designado “língua nacional” (e não “oficial”), que a língua crioula (Casamança*) seja confundida com o português21, e que os mitos mais remotos sobre a prática da língua portuguesa em Goa22 e em Macau sejam retomados, sem sombra de dúvida sobre a lusofonia de Moçambique e de Angola... Os níveis sociais da língua O conceito de “lusofonia” (como também, claramente, aquele de “francofonia”) apaga em uma única palavra realidades sociais extremamente diferentes e status sociais incomparáveis. A língua pode ser materna ou afetiva, quer dizer, identitária e fundadora. Assim, a maioria dos franceses da França, dos quebequenses (ainda há pouco chamados de “canadenses franceses”), dos valões da Bélgica (cuja comunidade se chama “francesa” e não “francófona”) 17

Por acaso, entre, inumeráveis sítios e blogs, aqui o blog “Lusitânia, Portugal”, do qual se poderá sempre dizer que é um pouco caricatural. Mas, se ele o é por outros aspectos (glorificação da história portuguesa, etc.), seus parágrafos “linguísticos” não destoam da paisagem ideológica luso-linguística habitual de Portugal (). 18 Fernandis, 2001 (sobre a língua crioula de Malaca). 19 Jayasuriva, 2000, 2005 (Os burghers são descendentes mestiços de portugueses e cingaleses que mantiveram a língua crioula apesar do domínio holandês, mas, hoje, este crioulo quase desapareceu totalmente, n. T.). 20 Caixeiro, 2000 (Os “verdadeiros portugueses” é um grupo católico ou protestante hegemônico da vila de Mirpur, em Bengala, que assim se denomina por acreditar que, por ser cristão, é constituído por descendentes dos antigos colonizadores, n. T.). * Região no Senegal de que a parte ao Sul do rio Casamança foi de antiga colonização portuguesa. Ela foi cedida à França por conta da Conferência de Berlim, em 1885, que dividiu o continente africano entre as potências europeias (n.T.). 21 Contava-se, em 2004, em torno de 1700 pessoas tendo o crioulo guineense como língua materna em Casamança, ou seja, 0,28% da população casamancense e 0,016% da população senegalesa. 20.000 senegaleses têm o francês como língua materna, seja 0,188% da população. O francês é uma língua estrangeira falada por 15 a 20% dos senegaleses e por 1 a 2% das senegalesas. Ele se mantém como língua materna da pequena elite, provavelmente em razão do fato de que 55% dos jovens senegaleses vivem em regiões rurais e pouco dentre eles frequentam uma escola (fonte : ). 22 Lembramos que o último recenseamento português em Goa (1960), antes da intervenção militar indiana, dava em torno de 1% de goeses tendo o português como língua materna ou principalmente falada em família. Hoje ninguém fala português em Goa, mesmo se a herança colonial se exprima por muitas outras características (nomes de família português, arquitetura, direito romano, porcentagem de católicos, consumo de álcool, etc.).

têm a prática da língua francesa como marca identitária forte. Quase não faz sentido dizer que eles são “francófonos”, o que significaria que eles ouvem e entendem somente o francês (segundo a significação da raiz grega -fono, que quer dizer “ouvir” ). Sem dúvida, eles o ouvem e entendem, mas é sua língua identitária. Tal não é o caso para os povos conquistados que conservaram as suas línguas nacionais. A língua pode então ser segunda ou estrangeira. A língua é segunda nas situações em que não é materna, mas também não é sentida como estrangeira. Este é o caso dos países de falantes massivamente crioulos, como Cabo-Verde ou São Tomé e Príncipe: ninguém fala português em Cabo-Verde (mesmo os ministros, salvo quando eles sentam no conselho!), mas, graças ao crioulo, todo mundo pode compreender o português. Este já não é o caso de um país como Moçambique: por ocasião do último recenseamento (1997), 6,51% dos moçambicanos tinham o português como língua materna (7,0 % nas cidades, 2% no campo), 8,8% o português como “língua mais falada em casa” (26,1 % nas cidades e 1,4% no campo) e, enfim, 39,6% consideravam o português como uma “língua compreendida” (sem maior precisão sobre o nível de compreensão) (72,4% nas cidades e 25,4% no campo) 23. Bem evidente, a prática das línguas bantas, ao inverso do crioulo, não ajuda em nada a compreensão do português, língua estrangeira para a esmagadora maioria (91,2%) da população. A língua constitui neste caso de língua segunda um instrumento que tem, sem dúvida, efeitos identitários, sobretudo a longo prazo, mas que não funda a identidade de grupos sociais presentes em um território dado. Logo, numerosos senegaleses são verdadeiros francófonos, já que eles entendem e podem utilizar o francês; numerosos angolanos, notadamente em Luanda, são verdadeiros lusófonos pela mesma razão. Mas uns e outros não são menos Ouolofs, Toucouleurs, Fulas ou Mbundu, Bacongo ou Ovimbundu. Ora, os países concernidos não deveriam construir uma política sócio-educativa e sociolinguística idêntica para populações tendo com a língua colonial relações tão diferenciadas. Em particular, a alfabetização diretamente na língua colonial produziu catástrofes psicopedagógicas e é, entre outros fatores, responsável pelas altas taxas de fracasso escolar. A criança tem necessidade de aprender os mecanismos da escrita e da leitura na sua língua afetiva, e de modo algum em língua estrangeira. A diversidade das línguas africanas, frequentemente usada como argumento em favor de “uma só língua” é um argumento tecnocrático correspondendo aos interesses de uma elite. Porém, não seria necessário que essas línguas sejam perfeitamente normalizadas e “gramaticalizadas” para começar a alfabetização – tanto mais que, na maior parte dos casos, obras missionárias, com certeza imperfeitas e antigas, mas disponíveis (dicionários, léxicos, gramáticas) podem ser utilizadas. Mas o argumento vale também para as políticas de cooperação das antigas potências coloniais: as consideráveis somas vertidas para a difusão da língua portuguesa (ou francesa) seriam despendidas no interesse das populações em nome das quais se endereça a “cooperação”? Esta política é tanto mais contraproducente quanto foi muitas vezes provado que a alfabetização inicial em língua afetiva permitia uma melhor aquisição posterior da língua colonial. A questão é, em realidade, social (privilégio de uma elite) e ideológica (a própria ideia de nação e da modernidade). Vários países (como Moçambique e, recentemente, Cabo-Verde) votaram leis permitindo começar a escolarização em língua africana. Além de que a língua africana escolhida pelas autoridades não é sempre aquela das crianças (como é o ∗

∗ Nota ulterior do autor : Há aqui um problema de tradução. O verbo utilisado na versão francesa original era « entendre ». Só que « entendre » em francês geralmente não quer dizer entender em português do Brasil (perceber em português de Portugal), mas ouvir. Raramente, no entanto, « entendre » significa entender, e obviamente, no contexto de que se fala, ouvir impliqua também um certo grau de compreensão. Pois, acabei por escrer « ouvem e entendem » [São Paulo, 20 de março de 2013]. 23 Instituto nacional de Estatística, Maputo, 1997.

caso do kiswahili na Tanzânia, no Quênia, em Uganda que é a língua materna somente na costa), bem frequente estas leis são mal ou muito pouco aplicadas ou sofrem do fato que, por falta de vontade política, os meios financeiros não são aplicados e o esforço de longa duração para formação de professores não é feito. Os pais ressentem, então, o aprendizado da língua materna como prejudicial aos interesses de seus filhos – como este foi o caso notadamente na França com os “patois”* dos avós – e se identificam eles mesmos com a língua colonial. A aspiração – seguramente legítima – ao progresso social é assimilada a certa modernidade póscolonial. Em três gerações, uma língua pode assim desaparecer, mas as situações são muito diversificadas24. Mais geralmente, as políticas de cooperação linguística que não tomam em conta a diversidade dos status sociais da língua mostram o velho imperialismo cultural, às vezes praticado com a mais perfeita boa consciência. Assim, pouco após o drama do Timor Leste no Natal de 1999, o Comissariado de Apoio à Transição em Timor Leste, que é um órgão interministerial português25 levou – adorável rostinho de uma criança timorense para reforçar um prospecto – uma grande campanha de angariar fundos sob o slogan “Neste Natal contribua para que os meninos de Timor aprendam a falar português”. Então, por que “... aprendam a falar português”? Na África, a questão da língua é extremamente ligada ao imaginário da nação em construção. Numa situação na qual os processos históricos de identidade são enfraquecidos pela natureza dos Estados da periferia do capitalismo, incapazes de promover o progresso social26, a língua está no coração de um paradigma de modernização autoritária. Este último não se coloca à toa sobre um lento processo ao longo do qual as etnias**, longe de desaparecerem, produziriam contudo uma pan-identidade das identidades anteriores, uma nação de nações, mais ou menos como a identidade britânica é a pan-nação das nações inglesas, escocesa e galesa. Será o português, em Moçambique, em Guiné, etc., a “língua de unidade nacional” – o que é um conceito não pacífico: poder-se-ia exatamente da mesma maneira, dizer que o inglês será a língua de unificação europeia... – ou uma língua entre outras, aprendida por alunos já alfabetizados na língua materna? O modelo aplicado nos PALOPs seguiu as primeiras lógicas em detrimento das segundas: o “homem novo” deveria falar português, construir casas de concreto, não ter etnia, promoveria as fazendas de Estado a um [de?] alto grau de capital fixo. Acusa-se o “socialismo”, claro, mas além dele, há a própria ideia de nação moderna do tipo europeia e, no caso dos PALOPs, jacobina: hoje as fazendas do Estado são privatizadas e os telefones são celulares, mas o modelo tecnocrático de desenvolvimento quase não mudou, ficando não fundado sobre uma dinamização da economia camponesa, de artesanato e de pequena indústria, apto a liberar recursos acumuláveis locais. A ideia paternalista e autoritária de “modernização do povo” para forjar a nação, isto é, pela negação das sociedades africanas historicamente presentes no quadro fronteiriço traçado pela colonização, sobreviveu perfeitamente à dita “queda do marxismo”. Isto mostra bem que esta ideia paternalista e autoritária de “modernização do povo” não foi uma consequência do marxismo, mas que, ao contrário, o marxismo foi adotado em consequência desta ideia como um instrumento contextual eficaz para conseguir a *

Falares regionais, muitas vezes com sentido pejorativo (gíria de pastores, etc. - n.T.) Certas línguas africanas como o wolof, o lingala, o kiswahiki, estão em expansão apesar da pregnância das línguas coloniais. 25 Comissariado para o Apoio à Transição em Timor-Leste, . 26 Na história francesa, por exemplo, o fato de que os alsacianos e lorenos do norte, de cultura germânica, se sintam identificados com a França, se deve enormemente à herança da Revolução: era mais favorável para eles serem cidadãos da República francesa do que súditos do rei da Prússia. Um Estado portador de progresso econômico, social e cultural terá um “poder aglutinante” evidentemente mais forte do que um Estado predador. Na versão publicada, houve um erro de tradução que inverteu completamente o sentido da frase: “Este inscreve-se num processo longo no qual as etnias...”. 24

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ocidentalização subalterna desejada pela elite desses países, o instrumento de “nacionismo” dela (desejo de nação). A herança portuguesa, uma herança linguística? Faltam – até onde eu saiba – estudos de fôlego sobre as razões pelas quais, após “cinco séculos de colonização”, a língua portuguesa seja muito pouco falada em certos territórios e, ao contrário, por que, após períodos mais curtos, ela sobreviveu se “crioulisando” ou se espalhando em alguns lugares. Por que ninguém fala português em Goa, por que a utilização da língua portuguesa era tão fraca mesmo no tempo dos portugueses? É bem possível que Goa tenha sido mais lusófona nos séculos XVIII e XIX do que no século XX. É possível que o lento declínio do Estado da Índia27 forçou uma grande parte da sua elite a migrar para Bombaim ou para algumas áreas da Índia britânica, tanto mais que a coroa britânica procurava recrutar indianos dominantes do alfabeto latino. Isto explica que se encontravam goeses (geralmente não lusófonos28) em toda a administração colonial britânica na África Oriental, e que, de migração em migração, existiam comunidades goesas, numerosas e persistentes em Londres, no Canadá, enquanto elas desaparecessem por integração em Portugal. Não se pode senão contastar que: a língua portuguesa não foi socialmente útil a esses goeses para sua atividade profissional e para sua coesão identitária. Pode-se, sem dúvida, dizer o mesmo de Macau, cidade na qual a língua portuguesa nunca foi mais do que uma fina camada de verniz. Mas o que dizer então de Malaca, cidade portuguesa somente de 1511 a 1641, conquistada por uma tropa de cerca mil soldados portugueses (ou mercenários a serviço dos portugueses) e algumas centenas de chineses a serviço de Afonso de Albuquerque? Como se conseguiu que um Portuguese Settlement (“bairro português”) se tenha mantido e que um papia kristang (português crioulo) tenha sobrevivido até a primeira metade do século XX? Tem-se muito o que pensar que a identificação profissional (comunidade de pescadores), religiosa (católica) e linguística (crioulo de origem portuguesa) tenha sido o coração da coesão social de um pequenino grupo humano29. Quanto ao Timor, não há dúvida alguma de que a invasão indonésia fez o maior favor para a língua portuguesa. Não somente o governo de Timor declarou o português língua oficial (em 2002, com o tetum, uma das línguas locais) como instrumento de independência face à Indonésia e à Austrália, mas o complexo “catolicismo/língua portuguesa” foi um inegável vetor de resistência cultural e social contra a opressão indonésia e a difusão do bahasa (javanês) (Hull, 1998; Hattori et alii, 2005). Mas, tratar-se-ia aqui de uma herança? Fala-se pouco, mas bem mais, português em Timor hoje, do que em 1975! Houve um processo de expansão da língua de Camões em razão da sua utilidade social e política: língua da Igreja católica, principal instrumento de resistência civil. O que sempre retorna, nos casos de expansão como também de declínio ou desaparecimento, não é o critério de uma herança lingüística em sí, mas o critério de utilidade social da língua ao longo da história. Isto é: a herança vive se e somente se ela tiver uma utilidade social em dado momento da história. Visivelmente, o português não era útil aos brâmanes goeses para manter sua identidade social, que dispunham do konkani, língua indoiraniana, em seguida, de acordo com suas migrações, do inglês. O português então não foi o 27

Nome oficial do território de Goa, cuja capital é Panjim. Já não mais lusófonos em Goa, esses imigrados não tinham menos razão de sê-lo na África britânica. Entretanto, havia certo conhecimento de português naqueles poucos destes goeses que mantinham sua nacionalidade portuguesa. Portugal os utilizava para povoar, durante décadas, e até o início dos anos 1960, seus consulados e vice-consulados na África oriental britânica (Zanzibar, Mombassa, Dar Es-Salam, Pemba...) de vice-cônsules e cônsules honorários. Os centros diplomáticos oficiais estavam somente em Nairóbi e Salisbury. 29 Em 1999, pude perguntar a Gerard Fernandis, intelectual kristang, se ele pensava que sua comunidade, tão pequena, poderia sobreviver. Ele estava tranquilo sobre esta questão, pois me disse: “o governo compreende que é bom para o turismo...”. 28

cimento de sua atividade econômica e profissional, e a situação letárgica da Goa salazarista, não restabeleceu a situação. Porém, se em Goa, ninguém fala português, até mesmo o arcebispo católico, “tropeça-se” em todos os cantos das ruas sobre outras heranças portuguesas: os sobrenomes, a arquitetura, o direito romano, a porcentagem católica mais elevada que noutros lugares na Índia, o consumo de álcool, e certo espírito “anti-inglês” – no sentido de uma certa irritação face aos indianos de Nova Déli, que consideram espontaneamente, que os goeses continuaram sendo bastante portugueses, sem querer saber se, eles continuaram sendo um pouco “ingleses”, o português sendo claramente sentido como uma língua colonial, mas não o inglês... No caso das aldeias bengalesas, a reivindicação da “portugalidade” ou da “cristianidade” (frequentemente ligadas) serve de modo evidente na manutenção da coesão de comunidades de antiga ascendência política portuguesa – provavelmente fundadas por descendentes de mercenários asiáticos a serviço de portugueses nos séculos XVI e XVII (Caixeiro, 2000). Esses bengalis, entretanto, não se distinguiam em nada de outros indianos pela língua ou pelos ritos religiosos (os cristãos são numerosos em Bengala). Não ocorria provavelmente o mesmo para os burghers de Sri Lanka, para os quais a língua crioula estava em relação com a sua cristianidade dentro do universo cingalês ou tâmil. No entanto, a sua fraqueza demográfica era tal que o processo de assimilação-desaparecimento deles praticamente se completou hoje (restaria algumas dezenas de pessoas tendo o crioulo lusosrilankaleses como língua principal). Quando Ivo Carneiro de Sousa visitou, em 1999, as comunidades da Ilha das Flores (Indonésia) que ainda rezavam num velho português do século XVI e do qual nada entendiam, elas ficaram muito inquietas porque pensavam que ele seria um “inspetor” vindo verificar se elas ainda eram “verdadeiramente portuguesas”, o que obviamente já não era o caso desde muito. Além disso, diante da questão “onde está Portugal?” eram incapazes de responder. Um velho, de uma comunidade equivalente da região de Jacarta, respondeu: “Portugal está no céu” 30. Pode-se enfim evocar o caso desses “lusófonos esquecidos” que são os Agudás, de Benin, do Togo e do delta do Níger. As comunidades “afro-brasileiras” dessas zonas, descendentes de traficantes de escravos para o Brasil (notadamente Bahia), ou de escravos e de retornados na África no século XIX, não falam mais português há décadas, e fizeram ponto de honra em sustentando seu governo contra Salazar quando do caso do forte de São João Batista da Ajuda31. Dessa forma, a “afrobrasilidade” dos Agudás, com suas próprias procissões, seus nomes portugueses, certa endogamia, um belo passado arquitetural, hoje algumas viagens transatlânticas para encontrar seus parentes brasileiros, serve de toda evidência, sem a língua, para a coesão imaginária desse meio social. Mais diretamente sobre o plano político, é preciso também assinalar a herança do imaginário nacional português. O português pode ser a língua materna de uma pequena minoria de moçambicanos hoje, isso não impede que a ideia de nação tal qual ela foi tomada pelo Frelimo* “marxista-leninista” e, sob alguns aspectos, ainda hoje, pelo Frelimo neoliberal, com o Estado como principal agente da economia, a homogeneidade identitária do povo, uma língua oficial única, o corporativismo sindical (na época do partido único), a função pública 30

Conversa com o autor. Quando o Benim (ex-Dahomey) se tornou colônia francesa a partir de 1892, o forte restou como uma minúscula propriedade portuguesa totalmente encravado no território “francês” e dotado de um único habitante, o administrador. Quando o Benim conquistou sua independência, em 1º de agosto de 1960, o novo governo exigiu a cessão do forte, o que Salazar recusou, ordenando ao administrador para pôr fogo no forte (o que este não fez aparentemente) antes da intervenção das tropas beninenses. Um compromisso certamente teria sido possível, fazendo do forte uma pequena porção de extraterritorialidade ligada à embaixada portuguesa. Mas Salazar, naturalmente, não quis saber de nada, enquanto que, para o governo beninense, tratava-se também de testar a fidelidade dos Agudás. Portugal reconheceu a anexação em 1985, o que permitiu trabalhos de restauração da Fundação Calouste Gulbenkian. Sobre os Agudás, cf. Yai, 1997 ; Guran, 2000; Amos, 2007. * Frente de Libertação de Moçambique (n.T.). 31

hiperatrofiada, etc., tudo isso é muito “português” senão salazarista... Existe aí uma herança política nacional que não se pode negligenciar. Heranças religiosas, jurídicas, imaginárias, nacionais..., não se trata absolutamente, dentro do esforço de desconstrução empreendido aqui, de negar, nem mesmo de relativizar, as heranças: mas, neste caso, trata-se bem mais de lusotopia que de lusofonia. O conceito de lusotopia foi proposto em 1992 pelo geógrafo rocheliano** Louis Marrou a fim de designar o conjunto de espaços e comunidades, as quais, quaisquer que seja sua língua passada e presente, foram mais ou menos forjadas ou constituídas pela história da expansão portuguesa. Se pode obviamente dizer mais ou menos a mesma coisa para os antigos impérios francês ou inglês. Mas entra em jogo aqui uma especificidade portuguesa, a saber, um domínio colonial de antiguidade mais marcada e espacialmente mais rapidamente importante32 do que para outras potências europeias, um longo desenvolvimento e um lento declínio da primeira era colonial que produziu mais meios sociais ligados a este período particular da colonização33. A lusotopia impregnou, então, muito mais do que as franco e anglotopias. Mas ela não desenha portanto um espaço identitário, nem mesmo linguístico. O que a lusofonia não pode e pode ser A visão puramente linguística da questão leva a definir uma comunidade em função de uma única marca identitária, ainda que existam muitas outras, e além disso sem se preocupar com estatutos sociais da língua (materno-afetiva, segunda, estrangeira). Isto se reduz mais ou menos ao mesmo que considerar que a lusofonia contemporânea nada é mais do que o resultado de um processo histórico de dilatação da lusitanidade. De outro modo, ela é apenas a continuação de um imaginário imperial, certamente sem o colonialismo como política, mas com a colonização como fenômeno sociocultural de aculturação. Esta inclinação que foi notada na expressão “países africanos de fala portuguesa”, é parte integrante de uma tendência nacionalista portuguesa que exalta a “lusofonia” a fim de ultrapassar a pequenez do “retângulo metropolitano”, tanto mais que a integração à União Européia, após 1986, sublinha esta “pequenez”. Portugal, com efeito, em razão de sua história profundamente enraizada no imaginário nacional é, diferentemente da Bélgica, da Dinamarca, da Suíça, ou da Noruega (4 640 219 habitantes em 1º de janeiro de 2006), incapaz de “viver tranquilamente pequeno”. A “expansão” não é certamente mais militar, mas a portugalidade sempre tem a necessidade de um espaço de projeção, predefinido e tranquilizador: a “lusofonia”. É um avatar da velha tendência lusotropicalista segundo a qual o povo português tem facilidade inata e hereditária para se aclimatar harmoniosamente entre outros povos, mais frequentemente sob os trópicos. A questão que este imaginário nunca se coloca – os imaginários raramente se colocam questões, é verdade – é a de saber como os “outros lusófonos” sentem a maneira portuguesa. É só estudar as reações em relação à criação da CPLP nos países africanos34, para ver que tudo isso são águas passadas e não ajuda à **

Originário da cidade de La Rochelle, França (n.T.). ... mesmo se não comparável à “conquista efetiva dos territórios” da fase imperialista do fim do século XIX. 33 Mais precisamente: esta produção tão importante de meios sociais ligados à primeira era da colonização não significa que houve uma mestiçagem mais importante na colonização portuguesa tomada em seu conjunto do que nas outras. Alguns desses “meios” poderiam ser totalmente asiáticos ou bantos. Além disso, se houve um período colonial ao longo do qual a mestiçagem foi fraca, foi bem a da colonização contemporânea, antes de tudo ciosa do “branqueamento” das colônias. A “mestiçagem sem igual” do mito lusotropicalista foi antes aquela da escravidão. A influência portuguesa quanto à produção de línguas crioulas não seria, inversamente, limitada aos territórios “portugueses”. De início, há territórios que foram portugueses e se guardou o crioulo (como o Fá d’Ambo, da Ilha de Ano Bom, ligada à Guiné Equatorial “hispanófona”). Mas há territórios que não foram jamais concernidos. Assim, por exemplo, o papiamento de korsou, língua principal de Curaçao, é feito à base de línguas africanas, de holandês, de espanhol e de português, mesmo se a ilha não foi colônia portuguesa. 34 ... veja-se, por exemplo,resistência de uma parte da juventude timorense face à portugalização do ensino, juventude que, por mais anti-indonesiana que seja, conheceu o período de javanização linguística. 32

estabilização de uma relação saudável com um país que, queira-se ou não, teve uma importância na história dos novos Estados africanos. A lusofonia foi, de maneira bem interessante, definida por Eduardo Lourenço como uma área específica de intersecção com outras identidades: ela é, com efeito, definida por uma especificidade compartilhada, a língua, mas esta especificidade é circunscrita e relativa (em função do status social da língua). Na era da mercantilização mundializada, a própria língua se transformando numa mercadoria através das mídias privatizadas, não é um fator menor35. Mas ela é sempre apenas um. De fato, a definição laurentina corresponderia ainda melhor à lusotopia: pois, se ninguém, absolutamente ninguém, não fala nem compreende o português sobre o planalto maconde (Moçambique), nos New Conquests (Goa), em Macau ou em algumas ilhas de Bijagós (Guiné-Bissau), mesmo a “área específica de intersecção” não é mais definida relativamente à língua mas em outras heranças. Entretanto, se as adições simples de habitantes dos países de língua oficial portuguesa (e não os falantes efetivos) produzem grosseiros erros quanto ao número de lusófonos, não obstante a maioria destes mesmos habitantes tem, pelo menos, algumas noções de português. Além disso, outros marcadores identitários, que foram evocados anteriormente, produzem, com ou sem a língua, certo sentimento identitátio. Se não, por que os moçambicanos sustentariam a equipe portuguesa ou brasileira de futebol quando ela joga contra a França por ocasião de um mundial? Mas, trata-se então daquilo que se poderia chamar uma “identidade superficial”, modulada, além do mais, segundo os meios sociais. De certa maneira, podia-se compará-la, se houvesse igualdade de circunstâncias, com o que foi a “identidade soviética”. A URSS não foi jamais definida pelos seus dirigentes como uma nação (nem mesmo uma nação de nações), mas como a “pátria do socialismo”, dentro da qual existiam dezenas de nações. Os cidadãos da URSS sentiam-se sobretudo russos, armênios, ucranianos ou chukchis, etc., mas tinham também esta “identidade superficial” soviética. A lusofonia, a francofonia e mesmo a anglofonia (bem que neste último, o fato que ela pudesse se apoiar sobre uma hegemonia econômica, torna mais complexa a questão) puderam, dessa forma, impulsionar este tipo de identidade superficial. Quanto aos dirigentes políticos dos PALOPs, que não partilhavam os grandiloquentes discursos luso-brasileiros sobre as “origens comuns”, e os “séculos de convívio”, não há nenhuma dúvida que, para eles, a CPLP foi um instrumento político entre outros. Angola recusou aderir enquanto Mário Soares fosse presidente36, Guiné-Bissau, Cabo-Verde e São Tomé aderiram após terem se juntado à francofonia e Moçambique após aderir ao Commonwalth (Cahen, 2001c). A lusofonia não é então uma área cultural, mas um espaço pós-colonial específico, um espaço “relativo”. Isto não impede de modo algum de funcionar, favorecendo a expansão do neopentecostalismo, aqui, ou a contratação prioritária de brasileiros no comércio, acolá, (na cidade do Porto, por exemplo), porque, certamente, segundo o mito lusotropicalista, “os brasileiros sorriem” (Machado, 2004). Bem claro, há culturas nas lusofonias, mas não sobre um plano global da comunidade cultural lusófona, a menos que se reduza somente á área lusobrasileira. Tudo o que acabou de ser dito é muito bem aplicável também à hispanofonia, francofonia e anglofonia. Contudo, no caso português, o imaginário foi aguçado pelo sentimento de fraqueza da antiga metrópole. Este é incapaz de se constituir uma “pré-base” neocolonial do tipo francês (não há LusÁfrica como há uma FrançÁfrica). Angola e

35 Ela produz igualmente vetores religiosos. Por exemplo, se as igrejas neopentecostais são de origem norte-americana, aquelas que se implantaram maciçamente no Brasil (igreja Unida do Reino de Deus, etc.) “saltam” mais facilmente para Angola, Moçambique, Portugal e as diásporas lusófonas em Paris, que nas zonas não lusófonas. 36 Em razão do suposto apoio de Mário Soares à UNITA.

Moçambique não sentem Portugal como uma metrópole37. Esta inexistência de pré-base neocolonial é, no entanto, afortunada e poderá fundar um novo tipo de relação Norte-Sul..., mas, no momento, ela alimenta, sobretudo, as inquietações governamentais portuguesas em face da intromissão na África nossa por outras potências melhor aparelhadas financeiramente... No entanto, é efetivamente a ausência dessa LusÁfrica que permite dizer que a língua portuguesa foi descolonizada: há muitas línguas em português, utilizadas de Timor ao Brasil, passando por Maputo e o Minho, mas não há uma pátria linguística comum fora dos menores meios sociais globais “afro-luso-brasileiros”. *** A “identidade superficial” da lusofonia, esta supra-identidade reforçada pela mercantilização da língua, é levada adiante pelas pessoas implicadas, quando lhes interessa: é o caso dos brasileiros ou cabo-verdianos que imigram para Portugal (frequentemente considerando-o como “uma etapa” em direção à “verdadeira Europa”). Inversamente, apenas se pode constatar, sobre um longo período, a falta completa de ligações, ou de simples convergências, entre os Brazilian Americans, os Portuguese Americans, os Cape Verdean Americans (esses antigos “Brown Portugueses”) dos Estados Unidos. Na França, na Bélgica, na Holanda igualmente, países nos quais as comunidades portuguesa, cabo-verdiana e brasileira são numerosas, raras são as ocasiões de encontro, e fraco ou nulo é o sentimento de pan-comunidade. Talvez, em Portugal, se note alguma cumplicidade, sobretudo musical, entre cabo-verdianos e brasileiros. Enfim, há o fato das gerações: não há alguma dúvida de que a juventude portuguesa hoje parece mais desligada das “caravelas” do que seus avós da época do salazarismo ou mesmo dos pais da época da Revolução dos Cravos, cujo terceiro-mundismo tinha rimado perfeitamente com um lusotropicalismo modernizado – Portugal poderia doravante ter uma “relação excepcional” com a África, mesmo porque, abatido o fascismo, sua pequenez o teria sempre impedido de ser imperialista... No entanto, não é nada certo que as empresas portuguesas presentes na África tenham um comportamento mais filantrópico do que suas congêneres francesas, americanas ou brasileiras... Contudo, este afastamento discernível das “caravelas” da juventude portuguesa ainda não permitiu uma ampla mudança do discurso relativo à África, nem da grande narrativa nacional portuguesa. A “identidade superficial” que é a lusofonia é típica de situações fluidas que alguns qualificam de pós-modernas. Ela existe de fato, mas de maneira relativa e contextual, profundamente atravessada pela persistência da história38 dos espaços heterogêneos nos quais ela perdura. É porque ela não poderia ser “reificada” em uma comunidade humana unificada. 13 de fevereiro de 2007 Michel Cahen CNRS, Centre de recherches pluridisciplnaires et comparatistes “Les Afriques dans le monde” Université de Bordeaux, Sciences Po Bordeaux

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É talvez menos verdadeiro para Cabo-Verde e Guine-Bissau, e isso não impede a nomenklatura angolana-petrolífera de fazer suas compras nas lojas de luxo em Lisboa. 38 CARVALHO, Clara e CABRAL, João de Pina, A persistência da História, Lisboa: Imprensa das Ciências Sociais, 2004.

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