MADALENA E AS OUTRAS. Um laboratório estético dedicado ao corpo feminino. Publicado in: Corpo em contexto.1 ed.Belo Horizonte : Scriptum, 2014, p. 12-29.

June 14, 2017 | Autor: Alessandra Vannucci | Categoria: Teacher Education, Applied Theatre, Feminism, Teatro do Oprimido
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Viabilizado pelo MinC através do Prêmio Interações Estéticas e Residências Artísticas em Ponto de Cultura, realizado em parceria com o Pontão do Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro e em seguida, com o Ponto de Cultura ESTEC de Brasília. O nome Laboratório Madalena inspirou-se na rede internacional de teatro Magdalena Project. A adesão ao método Boal, mesmo que experimental enquanto interação artística, viabilizou ampla difusão na rede internacional de Teatro do Oprimido, o que fez conhecer o Laboratório pelo nome Madalena – teatro das oprimidas. Atualmente, é uma rede autônoma de núcleos sem referência central, com três encontros internacionais realizados (Rio de Janeiro 2011, Berlim 2012, La Paz 2014) e um festival previsto para 2015 (Puerto Madryn, Argentina).
Técnica do arsenal do Teatro do Oprimido em que se apresenta uma história baseada em vivências reais em que um personagem enfrenta os seus antagonistas opressores, cada qual defendendo os seus interesses; o oprimido fracassa e o público é convidado a substitui-lo em cena, buscando alternativas para o problema encenado.

Após 2010, a circulação das peças e das pessoas tem sido viabilizado contando apenas com recursos específicos (no Brasil: Funarte, Caixa Cultural, Festival de Teatro em Língua Portuguesa, Universidade Federal através da modalidade Extensão).
Missão do CNRS dirigida por Jean-Michel Chazine no Borneio, novembro de 2007.
Sob orientação da talentosa parceira Maria Carmen de Souza (NAC-Brasília).


Madalena e as outras. Um laboratório estético dedicado ao corpo feminino.
Alessandra Vannucci

Lugar de mulher é na cozinha, já se disse; e também: é na cama. Lugar de mulher é na igreja, mas só se for diante do altar, entregue de um homem para outro. No boteco? Só se acompanhada. E no transito, melhor no banco do carona, porque mulher no volante... Mas isso já foi – vocês estão pensando. Sim, era uma vez uma cidade em que tribunal, palanque, parlamento, cátedra e mesmo um palco de teatro não eram lugar de mulher. Uma vez, mulheres que praticassem em público alguma arte como dançar, cantar, tocar flauta ou dizer poemas podiam ser julgadas "mulheres públicas", algo próximo de prostitutas. Uma mulher que praticasse artes mágicas, tivesse visões místicas ou dominasse a medicina natural, de certo era bruxa; lugar dela, a fogueira. Hoje, porém, há mulheres médico e mulheres professoras, juízas, diretoras de cinema, mecânicas e presidentas: mulheres que conquistaram um lugar no espaço público.
É evidente que a vivência, bem como a representação do corpo da mulher, nas últimas décadas vem passando por mudanças radicais. Ao longo de séculos escondido, subjugado e protegido pelo masculino, hoje o corpo feminino aparentemente está na ribalta da sociedade do espetáculo: isto é, literalmente, aparece em cada esquina, em cada banca de jornal, em quase todo canto do globo. É um corpo incorpóreo, plástico, depilado, despedaçado e onipresente, que conquista espaço enquanto melhor veículo para venda de qualquer produto. Espaço somente virtual, conquista ilusória – já que não abona mudanças das condições reais de emancipação da maioria das mulheres; pelo contrário, como para qualquer mercadoria, a superexposição faz do corpo feminino um fetiche, uma representação fantasmagórica que tende a ocultar os modos de exploração subjacentes. Mesmo alforriado do domínio patriarcal, pelo acesso ao mundo do trabalho socialmente reconhecido como tal, o corpo feminino continua sujeito aos regimes de exploração que oprimiam as nossas ancestrais, em toda parte do globo: por exemplo, a desvalorização de afazeres e gestos "femininos" como o trabalho doméstico (socialmente não reconhecido como tal) e o cuidado das crianças; ofícios hoje em dia delegados, frequentemente a outras mulheres, ou realizados em dupla jornada. Entretanto, embutidos na luta pela subjetivação mirando conquistar pares oportunidades, surgem novos modelos de feminilidade, desvinculados das imagens e funções tradicionalmente atribuídas às mulheres. Uma vez emancipada, pede-se à mulher que seja bem-sucedida profissionalmente, além do que como esposa, como mãe, como filha e, obviamente, como mulher. A mídia tende a impor um modelo hegemônico de beleza e sucesso, em que se inclui a capacidade de consumo e a obrigação de ser consumível. O corpo feminino é hoje um objeto de desejo, ansioso por vender-se no mercado da carne humana; sua representação, talvez mais do que nunca, é moldada para agradar ao olhar alheio. Séculos de olhadas e olhadelas masculinas condicionaram o corpo da mulher à uma dependência simbólica: a percepção de estar no mundo primeiramente para o olhar dos outros, como objeto receptivo, atraente, simpático, disponível, dócil e até mesmo passivo, em uma palavra: "feminino". Na estrutura da sociedade ocidental, dualismos como eu/outro, mente/corpo, cultura/natureza, macho/fêmea, civilizado/primitivo são fundadores de uma dialética de dominação em que o elemento dominador é tal, somente enquanto espelho do dominado e vice-versa. Permanentemente expostas ao olhar alheio, as mulheres hoje são obrigadas a fazer constante experiência da disparidade entre seu corpo real e o corpo ideal, propagado pelo espelho universal da mídia. Assim, a máxima exposição-emancipação do corpo feminino convive com sua máxima exploração-alienação. A choque entre hábitos ancestrais de submissão e imperativos urgentes de emancipação provoca certa irrequieta insatisfação com os papéis de sempre. Queremos ainda ser Cinderelas, Brancas de Neve, Belas Adormecidas beijadas pelo príncipe azul? Chega de Barbie, já basta de Sherazade! E será mesmo que, se a mulher não for santa, será a bruxa, a vagabunda, escandalosa, culpada, humilhada, apedrejada, ajoelhada? Quem disse que se não for Maria, serás Madalena?
Vivenciando, como possivelmente qualquer mulher, essas expectativas, seduções e obsessões, e, como diretora e dramaturga, pesquisando há tempo temas relacionados à violência contra o corpo da mulher, em fins de 2009 resolvi lançar, com Bárbara Santos, um laboratório estético com técnicas do Teatro do Oprimido, realizado em sucessivas residências em regiões do Brasil, Guiné Bissau, Moçambique, Alemanha e Portugal. Os laboratórios, integrando todas as artes, seriam exclusivos para mulheres: não atrizes, mas filhas, mães, netas, trabalhadoras no campo, na cidade, no mato ou no sertão, enfim "atrizes sociais" em seu cotidiano, entre a necessidade de repetir todo dia o mesmo papel e o desejo de ser e de se ver outra, de ocupar outro lugar. Nossa pergunta inicial dizia respeito à universalidade desta busca e desta contradição. O que teria em comum entre vivências tão diversas, seja no que diz respeito às relações reais quanto ao aparato simbólico, às imagens que descrevem, aos papéis que são atribuídos ao corpo feminino? Existe uma especificidade feminina, nas diversas culturas, independentemente de sua subordinação às culturas masculinas hegemônicas? Em que medida uma mulher pode ser espelho de outra? Quais modelos ancestrais (dominantes, subalternos) continuam agindo no "devir mulher" do nosso tempo? Quais contextos sociais condicionam seu comportamento e seu corpo? Quais expectativas, quais sonhos?
Estruturamos nossas perguntas em quatro Atos de pesquisa, compactados em períodos de convivência que variaram de quinze dias a três horas de duração: no primeiro Ato, investigamos as imagens ancestrais ou infantis "coladas" no inconsciente, seja feminino como masculino, a condicionar os nossos hábitos; no segundo Ato, as imagens "reforçadas" por cada sociedade; no terceiro Ato, as imagens em que nos espelhamos; no quarto Ato, as imagens que queremos incorporar e assumir como identidade. No Ato final, montamos uma partitura, no sentido de ações editadas em forma fechada (performance ou peça) ou uma forma aberta (teatro-fórum ou exposição de instalações e obras ou procissão, ato público, festa) e apresentamos. Mesmo que definido por ser um espaço de trabalho reservado às mulheres, o laboratório se realiza necessariamente como Ato público, no sentido de uma ação física coletiva de ocupar um lugar público onde partilhar o comum, acolhendo em cena as intervenções dos espectadores, de todos os gêneros. A palavra "ato" tem portanto uma dupla função: passando pelos quatro Atos que hospedam ações intimas e analíticas (como escrever poesias, declaração de identidade, dançar gestos infantis, desenhar e pintar de olhos fechados, produzir instalações e improvisar performances e muitas outras), as Madalenas produzem um Ato final relacional, político, cuja função é interferir no regime de visibilidade e comungar nossas perguntas, desafios, desejos de transformação. Nas cenas de Teatro-Fórum (entre 2009 e 2010 montamos EVA, no Cariri; MADALENA, no Rio de Janeiro; RITUAL DE PARIDEIRAS, na Guiné Bissau; A VOZ DE ROSA, em Moçambique; BOA NOITE, CINDERELA em Ouro Preto e BRAZILHA, em Brasília) a denúncia da violência sobre o corpo feminino foi constante, legitimando as preocupações que surgem tanto ao ouvir narrativas pessoais quanto a analisar estatísticas mundiais, mesmo em condições diversas. Porém, perguntas frequentemente surgiam não indagando a postura dos opressores, mas, sim, das próprias oprimidas quando contribuem, ratificam e propagam a opressão que as prejudica. Ficou logo claro que não estamos interessadas em psicologizar a opressão de gênero, como fato isolado vinculado a psicoses individuais, mas de estudar e revelar os dispositivos sociais que a fundamentam historicamente, condicionando as formas de ver e as formas de fazer que constituem as coletividades. Tentamos definir, assim, nossas modalidades criativas como uma experiência estética que não alimentasse a distribuição tradicional "artista versus espectadores" (onde pessoas são tidas por ter diferentes competências, autorias e lugares de visibilidade, de acordo com sua posição na comunidade); ao contrário, uma experiência estética que configurasse uma nova partilha de sensibilidades e proporcionasse a busca de um novo regime de visibilidade. Observando, com Jacques Rancière (2010), que os regimes de representação tradicionais (especialmente aqueles instituídos pela indústria cultural, dados ao consumo massivo como televisão, mídias e em muitos casos, também teatro) tendem a incorporar as desigualdades na apreensão do mundo sensível, dando como fato que "aqueles que foram destinados a criar regras e aqueles que foram destinados a serem regidos por regras não têm o mesmo equipamento sensorial, nem os mesmos olhos, nem os mesmos ouvidos e nem a mesma inteligência", buscamos adentrar em um regime estético esvaziado de tais expectativas. Sintonizado com o pensamento do Boal, especialmente atendendo ao convite repetido em sua última obra, Estética do Oprimido, o laboratório Madalena elaborou, ao longo dos anos, até hoje, um arsenal de ações criativas, articuladas nos cinco Atos, visando afirmar a arte como linguagem de subjetivação, ferramenta de diálogo e processo relacional transformador. O método se mantém experimental, isto é, capaz de absorver qualquer sugestão, seja da minha atividade de ensino e pesquisa na área da direção teatral, seja de colaboradores (pintores, músicos, cenógrafos) e seja de todas as participantes, militantes de TO ou de movimentos feministas mas, principalmente, mulheres interessadas em buscar uma estética feminina em rima com ética, mais do que com cosmética. Qualquer elemento (objetos, sons, imagens, histórias, dados estatísticos, slogans, gestos, provérbios, lendas, músicas) pode se tornar material estético desde o momento que é distanciado do dispositivo social de manutenção da opressão e desnaturalizado, isso é, analisado sob outro ponto de vista.
Assim, o laboratório constitui um anti-dispositivo, no sentido dado por Agamben (2010): temporário, porém infinitamente multiplicável. Seu êxito consiste na clareza e contundência com que consegue mostrar preconceitos e bloqueios e despertar ações políticas engajadas na luta contra as formas materiais e simbólicas de opressão de gênero. Se a arte é um direito, ela pode e deve abranger toda a comunidade. Provocadas pela ideia de realizar atos públicos em função de anti-dispositivo, realizamos incursões site specific nos diversos territórios, visando modificar a paisagem social: em Juazeiro do Norte, terra de romeiros, saímos pela feira devocional cantando e dançando a nossa música (ao que chamamos de Romaria das Madalenas); no Rio, improvisamos uma guerrilha urbana em plena Lapa, armadas de batom vermelho para modificar imagens e escritas machistas (Bloco das Madalenas); em São Domingos, Bissau, participamos de uma cerimônia de fertilidade vetada aos homens (Cerimonia de Paridas); no Porto, fizemos incursões de Teatro Invisível sobre união homossexual em um parque frequentado por famílias; em Berlim, participamos da Marcha Mundial de Mulheres; no Rio, convocamos uma reunião na praça pública (Madalena ocupa a Lapa) com programação intensa de debates, galeria de arte, mostra de teatro, performance, dança e música. Naquela ocasião, em junho de 2010, reunimos 140 mulheres do Brasil, Argentina, México, Itália, Guiné Bissau e Moçambique e cerca de 2.000 espectadores de todas as classes sociais, cores e opções políticas. A partir daí, pensando em manter em comunicação os núcleos iniciais e incluir os novos, multiplicados pelas participantes, articulamos uma rede, pela qual tem sido possível o proliferar de iniciativas sem um "centro" representativo. Imaginamos também uma ponte sensorial, constituída por um (dois, três, inúmeros) tecido branco comprido e horizontal, que todas assinamos, usando como carimbo as próprias mãos pintadas. O tecido viaja de um laboratório para outro, inaugurando os trabalhos das Madalenas com uma saudação ao mesmo tempo individual e coral por parte de todas as outras, em outros tempos e lugares. A ação potencializa a ideia de um comum capaz de subjetivar cada indivíduo; ao mesmo tempo, resgata, no ato de assinar, a consciência da re-inclusão feminina no domínio da autoria artística. A mínima incidência da mulher enquanto autor-sujeito da obra de arte, função em que está embutido o direito de expressão de uma visão de mundo, é efeito da distorção de um milenário regime de representação (do qual a arte faz parte) que desqualifica as práticas femininas enquanto não rentáveis, na logica produtiva capitalista, resumindo a história humana em dupla sujeição da mulher: ao homem e ao capital. Reduzida a tarefas domesticas, a mulher sofreu exclusão das práticas artísticas – apanágio masculino desde tempos imemoriais, por projeção da ordem social vigente – a não ser na subordinação de corpo-objeto exposto em estado de inatividade em inúmeras obras de arte. Uma expedição arqueológica recente, porém, atribuiu a uma mulher a assinatura em forma de mão achada nas paredes decoradas de uma caverna pré-histórica na Indonésia; a descoberta alinha a prática artística ao domínio doméstico, atribuindo a mulher um papel bem maior no ato da criação e até mesmo da invenção da arte. O tecido remete a esta pré-histórica testemunha.
Pensamos nisso, diante do fato real de não dispor, na maioria dos casos, de recursos financeiros nem de aparato cênico para a produção. Assumir-se como artista e parte de uma comunidade estética, a priori, potencializa os recursos humanos, isto é, memória, vivência, imaginário das mulheres participantes, sua vontade de expressão e de afeto em relação à sua comunidade, provocando a proliferação de seus próprios meios de criação. Sempre há quem costura, quem cozinha, quem desenha, quem maquia, quem canta, quem ritualiza. Gestos femininos antigos em que as mulheres de hoje vivenciam em seus corpos a memória de gerações e gerações de mulheres engajadas em luta criativa pela sobrevivência e pela subjetivação. Artes, no sentido que Platão, nas Leis, dá as formas de fazer que definem e limitam a participação do cidadão na polis, aquele espaço do comum (bem comum, interesse comum) em que o cidadão toma parte no fato de governar e ser governado. Sua relativa exclusão se dá pela hierarquia que define, na partilha do comum, partes respectivas e exclusivas e formas de fazer mais ou menos competentes à vida política: são excluídos os que não dominam a palavra, como escravos e artesãos; os que cumprem outras práticas indispensáveis à comunidade e por isso "não tem tempo" para tomar parte da assembleia, como as mulheres. Neste sentido, parece evidente que a divisão das tarefas na fundação da nossa sociedade (pois evidentemente a reflexão platônica não é normativa, mas descreve um sistema de poder) motiva, justifica e legitima a subalternidade feminina dentro de um determinado regime de visibilidade. Observamos assim que as práticas femininas, mesmo necessárias à manutenção da polis (na esfera do parentesco que inclui a educação dos filhos) e essenciais à sua sobrevivência (na esfera da procriação) tornam-se irrelevantes na partilha do poder. Por consequência, não convém que seu corpo expresse desentendimento, descontentamento, desobediência; sua voz não soa na assembleia onde a palavra define a isonomia entre cidadãos; seu lugar não é, definitivamente, o espaço público, podendo chegar a ser reclusa, expulsa ou enterrada, caso não se conforme. Os mitos narram com profusão de exemplos a limitação e exclusão do corpo (potencialmente transgressivo) da mulher no regime de visibilidade representativa que rege a democracia: Perséfone, separada da mãe Demetra, deusa das colheitas, no campo ensolarado onde colhe flores, é exilada pelo marido Ades no subsolo, lugar dos desejos reprimidos. Antígona, que desafia a lei da cidade (do Rei Creonte, seu futuro sogro) em nome do mandamento ancestral de sepultar os mortos (o corpo do irmão rebelde Polinice), é enterrada viva. O desafio de Antígona ao Estado descreve uma resistência especifica, que assume seus atos (seja o gesto de enterrar e seja o ato de fala) e reclama uma voz publica, uma parte de visibilidade que não seja o lugar "de mulher" a ela destinado na sociedade patriarcal. O entendimento "feminino" sobre o bem no vínculo familiar, é traço de um regime alternativo e anterior ("as leis não escritas, perenes, dos deuses", declara Antígona) que assombra e ameaça o Estado, cuja fundação é a família submetida ao bem comum. Este domínio torna-se perigoso e inominável, como aponta Judith Butler (2014), pois sua resistência ao regime patriarcal age do interior do mesmo. É por isso que Hegel, na Estética, justifica a criminalização da Antígona, no sentido da necessidade de suprimir a feminilidade inimiga, que não age politicamente (em nome do espirito da comunidade) mas individualmente (em nome do parentesco). Como poderia haver hostilidade entre parentesco e sociedade? Pois, mesmo criminalizada, Antígona reivindica o direito implícito em sua culpa: age o crime e ousa proclamar que o fez, porque assim fazendo revoga uma culpa maior. Ela tem coisas a dizer sobre o governo da polis, tem perguntas e desafios. Ela tem um corpo que resiste ao esquecimento frio de sua subjetividade; denuncia a afirmação violenta do regime simbólico masculino, identificado no Estado patriarcal; evoca outra regra, anterior, que podemos identificar como um ambiente humano matriarcal.
Na cultura judaica, Eva é a mulher que se opõe a limitação do saber feminino imposta pelo regime de poder, na partilha do comum. Seu ato de transgressão, justificado por uma pergunta mais do que sensata, provoca uma ação física repetida que move uma trajetória de desvio em função do desejo (colher a maça, morde-la, oferece-la ao homem) que acaba por expulsar os dois e a raça humana para fora do paraíso, lugar de partilha de todos os desejos – menos um, o de provar do fruto da arvore do bem e do mal. Sua culpa reivindica um direito implícito, negado pela proibição do desejo de conhecimento; seu castigo é o exilio, a perda do lugar de visibilidade, porque tal visibilidade contradiz e ameaça o comum ordenado. Como seria o corpo de Perséfone, de Antígona, de Eva antes do enterramento, antes do exilio? Como seria o corpo de Madalena, a puta apóstola, a mulher que abandonou suas obrigações femininas para seguir o bando de Cristo? Madalena, a companheira insubmissa a qual é dada a revelação do Cristo ressorto – embora os apóstolos não a considerem digna – e que, segundo a lenda, sai pregando o seu próprio evangelho pelas bordas do Mediterrâneo? Elegemos Madalena, a mulher que sai do "lugar de mulher", que não se contenta de ser menos do que é, que transgrede para vir à luz, a mulher que se transforma e reconquista o seu corpo, como madrinha de nossa própria busca.
Um percurso de reconquista do corpo é a vivência física daquelas que chamamos de "ancestrais", através de práticas de respiração bioenergética e um exercício de memória sensorial regressiva das épocas e nos lugares que pode chegar até a pré-história pela linhagem maternal. A criação individual é coreografada em partitura e compartilhada em um círculo de personagens ancestrais, cada uma com seu corpo marcado pelos dispositivos opressivos de sua época, lugar, destino; elas convivem e se observam, treinando a ideologia de mundo que as governa no discurso indireto íntimo, no gesto corporal, na respiração; em seguida, se apresentam a outra mulher, a qual podem confiar em particular seu desejo segredo e rebelde. Mais adiante, elas se apresentam em público, em um ringue de combate verbal em que cada uma declara o que pensa sobre mulheres escandalosas, como Eva, ou declara o que é a felicidade para uma mulher; sobre estes temas, debatem, tentando persuadir outras e identificando os grupos ideológicos que mantém influência. Notamos que, por mais que suas palavras e trajes pareçam superados e até grotescos, estas mulheres ainda existem, nas nossas cidades, aldeias ou dentro de nós, como uma ressonância ancestral, um jogo de espelhos. Cada mulher se reconhece um pouco em outra, mesmo que distante no tempo e no mapa-múndi; as descobertas são fortes. A culpa, com seu corolário de sacrifício atribuído à mulher desde a transgressão de Eva, é ainda a arma que cotidianamente intimida e limita muitas mulheres na partilha dos direitos. Uma arma não apontada para a cabeça, mas instalada dentro desta: opressora quanto mais insidiosa, já que dispensa a ação violenta do antagonista e faz com que a oprimida reprima-se sozinha. Quantas vezes renunciamos ao que queremos? Quantas vezes reproduzimos hábitos que não mais queremos? Porque, mesmo decididas a assumir nova condição, mesmo quando não mais constatamos uma dominação real no nosso cotidiano, continuamos obedecendo preceitos e repetindo condutas que espelham a subalternidade simbólica?
Muito trabalho, combinado com gestos de apatia, fragilidade, resignação, caracteriza os corpos das "ancestrais"; mudamos século, lugar, hora do dia; continua a aparecer este corpo exausto e dependente. Entretanto, quando a vivencia alcança a mulher primitiva, eis surgir a ousadia necessária a sobrevivência, as dinâmicas de independência da mãe-caçadora e a partilha entre iguais. O que teria feito este corpo vigoroso desaparecer do imaginário sobre o corpo feminino? A supressão deste corpo não estaria relacionada ao estabelecimento violento de um determinado modo de produção, dominante a partir de dado momento histórico, em que a mulher é subalterna e explorada como corpo produtor, além do que reprodutor? Se o corpo é território de poder, em cada corpo se inscreve um discurso ao passo que outros são censurados ou invisibilizados. Neste sentido, o corpo é um arquivo de histórias de vida, um processador de infindáveis possibilidades do ser no mundo, seja no sentido biológico como simbólico. Corpos são produzidos, modificados pelos dispositivos de poder, reduzidos a objeto ou ao contrário subjetivados; carregam as marcas das opressões, assim como da transgressão que em algum momento engendrou uma nova identidade. No laboratório, a busca por outros corpos onde se espelhar não prova que somos todas iguais, nem celebra a potência do eterno feminino e o luto pelo seu melancólico fim, mas apenas revela o fato que ao longo dos séculos, as culturas embasadas na força do falo e do verbo tentaram impor uma forma ao corpo feminino, de maneiras semelhantes: uma representação subalterna e repetitiva, que não corresponde as suas potencialidades.
Reformulando a pergunta da Gayatri Spivak (1992) sobre a possibilidade do subalterno falar, procuramos construir nosso anti-dispositivo teatral buscando o máximo êxito estético: como fazer com que o subalterno seja visto e ouvido? Evidentemente, o ato de pôr-se em cena enquanto corpo feminino é, em si, uma transgressão do regime que lhe impõe a invisibilidade ou uma superexposição destinada ao consumo do olhar masculino. O ato de olhar e o seu reciproco, de se deixar olhar, não são neutrais, mas carregam uma dialética sujeito-objeto ou caçador-caça que mantem a lógica falo-logo-cêntrica (BUTLER: 1999). Procuramos portanto, na pratica, elaborar estratégias de representação alternativas que desnaturalizem a forma "mulher", assim como é socialmente construída e assumida culturalmente. Um dos processos propõe que as mulheres articulem em partitura as memorias infantis (acústicas, gestuais, sensoriais) que remetem à construção de seu corpo com forma de boa menina. Outro, propõe montar os gestos cotidianos "tipicamente" femininos em uma dança individual que pode ser coreografada em coro. Parece fundamental, na sequência do laboratório, constituir após o momento criativo, um segundo momento reflexivo-criativo: quando uma mulher observa a outra que atua e produz uma leitura sinestésica daquela representação, se utilizando de qualquer linguagem, sem ser a que foi utilizada pela mulher observada. Uma poesia se transforma em desenho, uma dança em poesia, uma canção em instalação, etc. conforme vontades e competências de cada uma. O percurso de tradução sinestésica de um código para outro é interativo, já cada mulher interpreta o que outra "escreveu", no espaço ou no papel, de si mesma, fortalecendo a ideia de que uma pode ser espelho da outra. Esta prática de dupla performatividade tem, por um lado, um sentido político, já que faz sair o trabalho do invisível, incônscio, individual e impõe uma re-partilha do fazer, anulando a divisão entre vozes autorizadas ou não, capazes ou menos. É preciso que a criatividade prolifere para superar dispositivos conceituais tão enraizados no âmbito social. A pratica das artes constitui exceção a outras práticas, mesmo quando as repete, pois a arte é uma forma de trabalho desalienado, que elabora seu próprio sentido. Por outro lado, a prática da dupla performatividade tem um sentido estético, pois, ao se verem representadas através do espelho (imaginário, quebrado, deformador, revelador) do corpo da outra, as participantes adquirem uma condição de espect-atoras, isto é, assumem consciência de seu potencial transformador e compreendem que tal vigor pode ser transferido para a ação real. Sugere Boal (2009) que o ato de transformar é transformador em si, porque tem força reveladora e implica em uma redefiniçao da utopia.
No laboratório de 2010, em Brasília, foi possível articular a experiência com mulheres trabalhadoras – catadoras – que vivem em comunidades contiguas aos lixões, nas cidades satélites do Grande Distrito Federal. Catar: isto é, reciclar; um gesto de trabalho que faz parte do cotidiano das mulheres desde os tempos mais antigos; uma pratica autossustentável que parece caracterizar uma possível economia de trocas, ecológica e comunitária. Este modelo de sociedade se diferencia do sistema patriarcal, fundado na propriedade particular, na divisão do trabalho (por gênero e classe) e na privatização dos lucros (produzindo a necessidade de eliminar restos, sejam eles dejetos ou indivíduos). O primeiro modelo, ao contrário, fundamenta a convivência na comunhão dos bens, o trabalho na organização cooperativa e o consumo no direito natural (a cada um segundo sua necessidade e não segundo sua posse, o que elimina o problema dos restos, pois tudo é reciclado). Esta utópica sociedade resgata uma mentalidade matrilinear possivelmente muito bem sucedida na pré-história da civilização humana, antes do patriarcado, citando os clássicos estudos de Bachofen (1988). Uma dimensão constituinte que é possível resgatar em práticas especialmente "femininas", ao mesmo tempo ordinárias e resistentes ao regime de legitimidade que tende a exclui-las do mapa da cidade e da cidadania. A convivência com as mulheres catadoras mostrou que, ocupando lugares à margem da metrópole, seja na cartografia urbana e seja pela atividade que exercem, extremamente desqualificada mesmo que indispensável à cadeia do consumo, elas de cara entendem o teatro como uma tática inusitada de conquistar um lugar melhor. Como fazer com que a integração não se dê no sentido do acesso ao ambiente identificado como artístico na base dos paradigmas do consumo, mas, sim, no sentido da conquista de um domínio artístico próprio? Lançamos mão de experiências estéticas inspiradas nas práticas da reciclagem – o que, por um lado, equalizava os saberes entre nós participantes, e por outro, garantia um encaixe significativo com o trabalho de criação cenográfica, tradicionalmente embasado na re-funcionalização de elementos usados em outra montagem. Montamos um repertorio comum de ações físicas e sonoras que expressassem as emoções e histórias do cotidiano das atrizes; este repertorio sociocultural orgânico, agregado às vivências pessoais, constituiu material para a partitura da peça, da qual as mulheres catadoras (autoras e interpretes) dariam conta com seu corpo, voz, e mais instrumentos musicais e cenário inteiramente realizados com lixo limpo, isto é, objetos e materiais já sem nenhum valor para o mercado. Nada foi comprado. O lixo, exposto e iluminado no palco, hospedando os espect-atores sobre tapetes que reconfiguravam a cartografia de Brasília com uma ilha (daí o título BRAZILHA) circundada por satélites, tornou-se metáfora de uma civilização que se organiza pela inclusão/exclusão de indivíduos, quanto mais marginais e descartáveis a medida de sua menor capacidade de consumo. O tema do fórum, o direito à moradia (ao lar) como pergunta fundamental de cidadania posta por mulheres sob risco de serem expulsas do lote que ocupam e do qual não tem posse (sendo que o proprietário é o próprio governo federal) implicava uma crítica radical a todo um regime de partilha. A solução cênica proposta pelas catadoras, citando um ato de resistência praticado de fato por uma delas após a expulsão do seu lar e atribuição de posse em outro lote, em outra cidade-satélite, foi de demarcar ambos os espaços (o afetivo e o atribuído) com portas fictícias, afirmando seu direito de residência contra a exclusividade de uma lógica de deportação (RAHOLA: 2013). A arte, dando voz e espaço aos sem parte, provocou no público uma atenção inconformada e mobilizadora que justificou a realização de uma sessão de fórum legislativo, com a presença de especialistas no assunto e legisladores, visando produzir uma tomada de posição da assembleia em relação ao problema proposto. Perante a evidente incapacidade das instancias legais (sindicatos, instituições públicas, policia) de encontrar uma solução justa à situação, já não parece utópica a ousadia de um grupo de cidadãos de propor alternativas jurídicas viáveis, já que ancoradas ao contexto local. O fato da assembleia não delegar seu direito-dever de legiferar, como acontece no regime representativo, mas sim de exerce-lo em condição de isonomia, em relação ao bem comum, mostrou com evidencia o êxito dos processos participativos na gestão democrática de um lar assim como de uma comunidade, cidade, nação ou planeta, moradia do ser humano. Como corolário deste êxito, surgiu em muitos espect-atores a necessidade de adotar regras de conduta autossustentáveis que expressem a consciência de que o cuidado de si coincide com o autogoverno do comum (FOUCAULT: 2010). Quando fazer algo político se torna poético, e vice-versa!
Deste modo, o laboratório Madalena que já priorizava, ao projeto artístico inicial, o processo de reconhecimento de si como artista na experiência de criação, passou decididamente a valorizar, na apresentação pública dos resultados, a relação gerada e a possível interação cognitiva entre criadoras e espect-atores. Neste momento, entramos em diálogo com iniciativas de ativismo artístico (artivismo) que, a partir da década de 80, deslocam-se dos lugares próprios (como teatros e museus) para outros espaços públicos (como igrejas, metrôs, praças), adquirindo, do ativismo político, táticas de instalação, manifestação, guerrilha que repercutem a tensão revolucionária das vanguardas históricas. Tais iniciativas marcam uma vocação "relacional" (BOURRIAUD: 2009) na arte contemporânea, que faz coincidir a obra com seus objetivos políticos, como é o caso das russas Pussy Riots protagonistas em 2012 de uma ação na Catedral de Moscou que custou-lhes um longo calvário de reclusão e uma condenação por vandalismo, mas garantiu espetacular exposição, através da mídia mundial, dos dispositivos de repressão do regime que as aprisiona e julga. Entretanto é evidente que, por militar contra alvos desproporcionais, tais experiências se apresentam como investidas idealistas que dependem de valores heroicos como desobediência, risco e sacrifício e de táticas excepcionalmente audaciosas, que acabam limitando a sua real eficácia. Seu objetivo parece ser "uma revolução da subjetividade, que não afeta o movimento macro, mas pela lenta e progressiva contaminação se infiltra no micro, moldando as subjetividades de maneira criativa" (MOTA&FELIX: 2011).
Interessa porém notar que a intervenção insubmissa e surpreendente da arte na ordem do cotidiano provoca uma suspensão da mesma em "territórios estéticos" (ou "zonas autônomas temporárias", citando o filosofo situacionista HAKIM BEY: 2001) em que a comunidade efêmera formada pelo processo relacional da obra produz sua própria reflexão crítica sobre as condutas em vigor, a disciplina do espaço urbano e os dispositivos de controle. A obra assim realizada, como estado existencial subjetivado, mesmo que temporâneo, age como provocação do consenso sobre o estado das relações cotidianas pré-condicionadas, estimulando novas formas de percepção, novas sociabilidades e um impulso de resistência aos condicionamentos comportamentais. Neste contexto, o laboratório Madalena, assim como outras experiências no arsenal do Teatro do Oprimido como o Teatro Invisível e o Teatro Forum, incentiva a ação artivista de qualquer cidadão, atribuindo à arte um poder revolucionário, porém não vinculado a valores heroicos nem proféticos e não alienado pelo regime de exposição que condiciona o êxito da obra a sua visibilidade midiática e consagração do autor em circuitos canônicos. Sem donos, sem delegados, os cidadãos que se reconhecem artistas no ato de criar formam uma comunidade temporária autônoma de qualquer dispositivo de controle, já que o objetivo da obra é a experiência estética em si. O processo artístico é o contra dispositivo graças ao qual, suspenso o significado preconcebido do espaço social, a assembleia dos comuns projeta seu próprio território, marcado por características ideais de convivência tais como isonomia, acessibilidade, pares direitos e livre expressão. Inventa e explora concretamente um outro mundo, isto é, uma utopia localizável no futuro – a que Foucault denomina de heterotopia, isto é, "lugar que está fora de todos os lugares, embora seja efetivamente localizável" (2009, p. 414-415). Nesta condição futura e presente, por mais temporária que seja, a partir do rompimento com o estado opressivo das coisas, os laços sociais são renovados e a felicidade se faz possível.

BIBLIOGRAFIA
AGAMBEM, Giorgio. Che cos'è un dispositivo, in Che cos'è il contemporaneo e altri scritti. Roma: Nottetempo, 2010, pp. 4-21

BACHOFEN, J.J. Il matriarcato. Ricerca sulla ginecocrazia nel mondo antico, nei suoi aspetti religiosi e giuridici. Torino: Einaudi, 1988 (orig. 1861)

BOAL, Augusto. Estética do Oprimido. Rio de Janeiro: Garamond/Funarte, 2009

BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009

BUTLER, Judith. O clamor de Antigona. Parentesco entre a vida e a morte. Florianópolis: Editora UFSC, 2014

---------. Género en Disputa. Feminismo y la Subversión de la Identidad. Barcelona: Paidos, 1999

BEY, Hakim. Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Editora Conrad, 2001

FOUCAULT, Michel. O governo de si e dos outros. São Paulo: Martins Fontes, 2010

----------. Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009

MOTA, Gilson e FELIX, Tania Alice. Artivismo e utopia no mundo insano. Dossiê "Teatro e espaço urbano", in Revista ArteFilosofia, IFAC-UFOP, 2011

RAHOLA, Federico. Something poetic…something political. A proposito di arte e cittadinanza, in Lo squaderno, n.29, 2013

RANCIERE, Jacques. Nossa ordem policial: o que pode ser dito, visto e feito. In Urdimento, Programa de Pós-Graduação em Teatro, UDESC, set/2010, N° 15, pp. 81-86

SPIVAK, G.C. Can the Subaltern Speak? In Colonial Discourse and Post-Colonial Theory. New York: Columbia University Press, 1992, pp. 66–111.

Sobre o laboratório Madalena:

Alessandra Vannucci e Barbara Santos (org.). Dossiê Madalena, in Revista Metaxis do Centro Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro, n. 6, 2010, pp 102-123

Gabriela Chiari. Laboratório Madalena, Inovação Pedagógica para o Gênero Feminino. Dissertação de Mestrado em Artes Cênicas, PPGAC, UNIRIO, Rio de Janeiro, 2012

Magdalena Spychaj. Impacto del teatro entendido como el lenguaje corporal en la vida y los cuerpos de las mujeres: el caso del proyecto Madalenas-Teatro das Oprimidas. Dissertação de Mestrado em Estudos da Mulher e do Genero (GEMMA), Universitá di Bologna (Itália) e de Granada (Espanha), 2014


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