Major Sport events, challenges and outlook - Os grandes eventos esportivos, desafios e perspectivas, de Kimberly Schimmel

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Kimberly Schimmel. (Org.). Os grandes eventos esportivos: desafios e perspectivas. 1ed.Belo Horizonte: Casa da Educação Física/CEAv-Unicamp, 2013.

Os grandes eventos esportivos: desafios e perspectivas

Kimberly Schimmel

2 Índice

A importância do esporte, Pedro Paulo A. Funari

Prefácio - Paulo César Montagner e Marcelo W. Proni

Capítulo 1 - Take me out to the ball game: A transformação das relações de produção e consumo no esporte coletivo profissional.

Capítulo 2 - A economia política do lugar: As perspectivas de estudos urbanos e do esporte.

Capítulo 3 - Jogo absorvente: Esporte ao nível de liga principal e as condições sociais urbanas nos Estados Unidos.

Capítulo 4 - Economia política: Esporte e desenvolvimento urbano.

Capítulo 5 - Protegendo a NFL/militarizando a pátria: Cidadãos-soldados e resiliência urbana nos Estados Unidos pós-11 de setembro.

Capítulo 6 - Grandes eventos esportivos e ameaças/respostas globais.

3 A Importância do Esporte

As preocupações com os movimentos corporais vêm desde os tempos antigos. É provável que não seja uma simples coincidência que as primeiras expressões simbólicas humanas sejam da arte rupestre e representem pessoas dançando, jogando e movendo seus corpos, o que, em termos modernos, pode ser descrito como o exercício dos músculos, a dança e a prática de esportes. Isso significa que as primeiras expressões do homem estão ligadas de forma direta aos movimentos do corpo. Os gregos chegaram a estabelecer sua própria história e identidade relacionadas aos jogos Olímpicos (776 a.C. – 393 d.C.): os atributos simbólicos e religiosos dos jogos marcaram aquela experiência como única por mil anos. Alguns até diriam que ser grego era o mesmo que ser atleta, pois, na época, a prática esportiva ia além da disputa, estava enraizada na vida social dos indivíduos.

Nos tempos modernos, jogos e atividades corporais foram base para inúmeros novos esforços culturais, sociais e econômicos. Desde o final do século XVIII e o moderno ethos burguês, jogos e movimentos corporais iriam adquirir novos significados. Antes das revoluções burguesas, os jogos eram parte dos hábitos da aristocracia, como um meio de conservar a nobreza. Pessoas comuns tinham suas próprias práticas esportivas, não menos importantes no seu contexto e meio social. A modernidade gerou novos costumes e o esporte se tornou o resultado de um processo notável de secularização da atividade física. Se nos tempos antigos os jogos eram de caráter simbólico e religioso, em honra às divindades Olímpicas, na modernidade, o esporte estava ligado ao prazer, como a própria etimologia da palavra sugere: o ato de levar alguém a um lugar diferente (de + portare). De fato, o esporte nos tempos modernos refere-se à atividade física regida por um conjunto de regras ou costumes e, com frequência, está relacionado à competitividade. O que une dois aspectos diferentes, simbólico e físico. De um lado, o esporte transporta de um lugar para outro, deste mundo comum, para um diferente, o dos atletas e campeões. Esta é, então, uma das mudanças mais simbólicas de um lugar comum, para um diferenciado. Por outro lado, refere-se ao desempenho físico, o único meio de atingir o status de um esportista exímio. A modernidade, assim, reestabeleceu os Jogos Olímpicos (1896) como uma das práticas mais modernas, alheias à festividade de teor religioso original. Outros tipos de práticas de jogos eram também parte da competição capitalista moderna, visando a

4 promover a disputa como um exemplo do empenho capitalista. Não importava se a modalidade fosse futebol, beisebol ou basquete, na verdade, o objetivo era encontrar um meio de praticá-la em nome dos ganhos capitalistas. Já não havia Zeus para oferecer uma coroa de louros, mas apenas humanos oferecendo ouro, prata e bronze como prêmio a outros humanos. Os esportes modernos já não podem ser separados de prêmios monetários. É nesse contexto que podemos entender e nos beneficiarmos a partir da leitura do volume de Kimberly Schimmel, que, durante as últimas décadas, tem estudado os esportes nos contextos modernos a partir de uma variedade de pontos de vista, todos prescientes e essenciais para entendermos como o esporte moderno está ligado às características contemporâneas e seus desdobramentos. Schimmel tem experiência e trajetória únicas, já que, após seu bacharelado em Saúde e Educação Física (Universidade Muskingum, 1983), continuou com Estudos Esportivos (Universidade de Miami, 1987) e Estudos Esportivos Socioculturais (Universidade da Carolina do Norte em Greensboro, 1991). Sua formação multidisciplinar tem se mostrado essencial para suas contribuições com a Academia e para as conquistas profissionais que atingiu. Além disso, Schimmel tem estudado as mais importantes características modernas dos esportes, em particular, a mudança da prática pelo lazer, em direção à busca da obtenção de ganhos. Durante 2011, a Profª. Schimmel esteve no Centro de Estudos Avançados, em Campinas, lecionando e interagindo com acadêmicos e estudantes brasileiros. Sua passagem pelo Centro foi uma das mais importantes, até porque, foi capaz de inspirar pessoas de várias idades a participarem de seu esforço em prol de um entendimento crítico e prático do exercício dos esportes. Um de seus principais tópicos de pesquisa é, também, uma das mais importantes preocupações modernas do Brasil: como lidar com importantes eventos esportivos. O Brasil irá sediar a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016, sendo ambos os acontecimentos esportivos mais importantes para o país. O Centro de Estudos Avançados da Universidade de Campinas criou um Grupo de Estudos para tratar de assuntos com tal complexidade, e teve a Professora Schimmel como peça chave na decisão de como abordar e discutir os desafios que deverão ser enfrentados pelo país que abrigará esses eventos. O volume a seguir reúne vários capítulos dedicados ao tema, e todos contribuem com o entendimento dos desafios que chegarão, e, por consequência, com a maneira de lidar com eles. Além disso, ainda que tenham especial relevância para o Brasil,

5 todos esses assuntos são também úteis para outros países, já que envolvem as características contraditórias do nosso tempo. O esporte é um dos assuntos mais importantes, contanto que consideremos o sugerido por Sócrates, no séc. V a.C., como a atividade fruto da reflexão. Esse livro, por sua vez, é de grande valor, pois, sobressai-se ao nos levar a refletir e ponderarmos sobre nós mesmos, algo de não pouca monta.

Campinas, 6 de outubro, 2012 Pedro Paulo A. Funari Coordenador Centro de Estudos Avançados Universidade Estadual de Campinas Brasil

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Prefácio A Profa. Kimberly Schimmel, pesquisadora e professora da Kent State University, esteve na UNICAMP a convite do Centro de Estudos Avançados (CEAv) no período de 12 a 19 de setembro de 2011. Nesse período, a Profa. Schimmel cumpriu uma extensa agenda de atividades junto ao Grupo de Estudos Avançados em Esporte – GEAE/CEAv, com a participação em simpósios, palestras e seminários. O foco principal das suas análises nesses encontros foi o Esporte visto com o olhar da Economia Política, priorizando o desenvolvimento do esporte profissional no meio urbano, os impactos sociais da difusão de novos hábitos esportivos, a expansão da infraestrutura esportiva (em especial, a construção de estádios e arenas), as tensões colocadas pela superposição entre o local e o global, buscando refletir sobre uma problemática que inclui a necessidade da participação do Estado na realização de megaeventos, em contraste com os efetivos benefícios para as comunidades que recebem essas manifestações. A ideia desta obra nasceu em meio aos debates que fizemos com a Profa. Schimmel, quando de sua estada em nossa Universidade. As discussões enriquecedoras e o desafio de conhecer melhor novas abordagens provocaram um interesse mútuo na continuidade deste intercâmbio intelectual, que se consolida agora com esta publicação. Temos a convicção de que se trata de uma rica contribuição aos estudos do Esporte, não só pela qualidade dos ensaios, densos e bem estruturados, mas porque são recheados de afirmações provocantes e olhares inovadores. O presente livro corresponde a uma coletânea de seis artigos da Profa. Kimberly Schimmel, publicados entre 2001 e 2012. Os artigos selecionados sintetizam as principais contribuições que esta autora tem dado no campo da sociologia do esporte. Numa visão de conjunto, podemos dizer que estes estudos priorizam dois processos interligados: o desenvolvimento do esporte profissional e o desenvolvimento urbano nos Estados Unidos. Por um lado, a Profa. Kimberly mostra claramente que a transformação na organização dos torneios mais populares e o crescimento dos mercados associados com tais espetáculos esportivos só podem ser compreendidos à luz das mudanças econômicas e sociais que se concentraram nos centros urbanos em rápida expansão e das mudanças culturais adjacentes. Por outro, sua análise coloca em discussão o papel exercido pelo esporte-espetáculo na

7 divulgação de novas práticas sociais e na legitimação de certas políticas governamentais, assim como o discurso que enfatiza os impulsos gerados pela realização de grandes eventos esportivos em determinados espaços urbanos. O primeiro artigo (Take me out to the ball game: a transformação das relações de produção e consumo no esporte coletivo profissional, publicado em 2001) adota uma perspectiva histórica com o objetivo de examinar, em distintos períodos, as relações entre “produtores” e “consumidores” no esporte profissional norte-americano, com ênfase no beisebol e no futebol americano, que são as modalidades mais tradicionais na cultura popular dos Estados Unidos. A argumentação da autora contempla o surgimento do profissionalismo no país; a estruturação e organização de ligas nacionais; a articulação do esporte profissional com os incentivos ao rápido crescimento de cidades norte-americanas; assim como as tentativas feitas por torcedores e fãs locais no sentido de influenciar as decisões dos proprietários de times esportivos profissionais. O segundo artigo (A economia política do lugar: as perspectivas de estudos urbanos e do esporte, publicado em 2002) explicita a baixa conexão entre a literatura especializada em estudos urbanos e a que prioriza os estudos centrados no esporte. O ponto de partida é mostrar a insuficiência das abordagens que explicam o recente desenvolvimento urbano com base no conceito de "máquina de crescimento". A Profa. Schimmel argumenta, em seguida, que alguns estudos no campo da sociologia do esporte procuraram estabelecer conexões com a economia política do espaço urbano. Em particular, deve-se frisar que a competição entre cidades ocorre em torno de projetos de revitalização urbana e de desenvolvimento econômico especializado. Neste novo contexto, o esporte – visto como expressão da forma cultural dominante – é mobilizado por coalizões favoráveis ao máximo crescimento possível na tentativa de legitimar seus projetos. E isto é feito por meio de discursos que reforçam a ligação entre o esporte e a comunidade, que exaltam o patriotismo dos atletas, que exageram na importância para a cidade de pertencer a uma liga nacional, que justificam os sacrifícios feitos para elevar a competitividade internacional de uma cidade. O capítulo seguinte (Jogo absorvente: esporte ao nível de liga principal e as condições sociais urbanas nos Estados Unidos, publicado em 2006) toma como referência um conceito originalmente desenvolvido por Bentham e depois ressignificado por Geertz: “deep play”. O pressuposto é que um jogo pode ser profundamente absorvente, envolvente,

8 criando uma situação em que as relações sociais aparecem imersas nos rituais e instituições esportivos. O objetivo é discutir o desenvolvimento do esporte profissional num contexto de mudanças claras nas relações e representações sociais em grandes cidades dos Estados Unidos. A argumentação da autora enfoca a sofistificação das infraestruturas necessárias para receber grandes eventos esportivos, numa época em que as metrópoles contemporâneas se tornaram uma espécie de campo de batalha onde poderes globais se opõem a tradições e identidades locais. Ganha destaque o aumento dos gastos destinados à infraestrutura em razão das ligas esportivas nacionais. Além disso, enfatiza-se a militarização crescente do espaço urbano, onde a preocupação com a segurança tornou-se uma justificativa para medidas que afetam a liberdade dos indivíduos e a qualidade de vida da população. No quarto capítulo (Economia política: esporte e desenvolvimento urbano, publicado em 2009), a Profa. Schimmel assume a perspectiva teórica da economia política para examinar a relação entre a organização do esporte moderno e a vida urbana. Ela explica que o “paradigma urbano” foi dominante nos estudos sobre a função social do esporte ao longo do século passado, uma vez que é no ambiente urbano que muitas modalidades surgem e passam a ser valorizadas pela população, inclusive como meio adequado para alcançar fins que extrapolam o universo lúdico. Alguns conceitos formulados por Marx e Weber foram apropriados por estudiosos do esporte com o propósito de analisar o contexto mais amplo, as forças e a dinâmica que orientam as mudanças no campo esportivo. Por exemplo, a produção e o consumo de espetáculos e bens esportivos nas sociedades capitalistas, assim como a burocratização das entidades esportivas, a modernização dos torneios e a disputa pelo monopólio social das modalidades. A exposição dos seus argumentos se baseia em um estudo de caso localizado na cidade de Indianápolis, nos Estados Unidos, que possibilita um diálogo com algumas das abordagens teóricas mais férteis da economia política contemporânea. O quinto capítulo (Protegendo a NFL / militarizando a pátria: cidadãos-soldados e resiliência urbana nos Estados Unidos pós-11 de setembro, publicado em 2012) examina as interseções entre as práticas de segurança adotadas pela National Football League (NFL) e as medidas antiterrorismo do U.S. Department of Homeland Security (DHS). Foi escrito com o objetivo de explicitar a contribuição de uma das ligas profissionais mais populares da América para a legitimação das políticas e estruturas legais criadas para a prevenção, a

9 proteção e contenção dos efeitos de ataques terroristas. A autora argumenta que o relacionamento de apoio mútuo entre a NFL e as diversas forças empregadas para garantir a segurança nos jogos é única nos esportes profissionais norte-americanos e implica na militarização dos torcedores de futebol americano de maneiras pouco usuais. Também explica o conceito de resiliência urbana, procurando sugerir que, depois do atentado de 11 de setembro de 2001, a preocupação com a segurança pública se tornou mais civil, doméstica e pessoal. Neste sentido, procura esclarecer como a ideia de resiliência urbana pode ser demonstrada por meio das medidas tomadas no âmbito da NFL. O tema da relação entre segurança pública e esporte retorna no último capítulo do livro (Grandes eventos esportivos e ameaças / respostas globais, publicado em 2012). Tratase de um pequeno ensaio sociológico, no qual a Profa. Schimmel discute a intensificação das medidas de segurança para os principais eventos esportivos disputados em grandes cidades norte-americanas. Em especial, ela tenta explicar por que esse fenômeno foi muito pouco contestado pelo público e, de certo modo, ajuda a entender como as preocupações com a segurança nacional se refletiram, com o passar do tempo, numa espécie de naturalização de procedimentos autoritários e de comportamentos antissociais. Certamente, as questões que desafiam os estudiosos do esporte na sociedade brasileira são distintas das discutidas neste livro, referentes à sociedade norte-americana. Contudo, as análises críticas elaboradas pela Profa. Schimmel podem contribuir para inspirar novas investigações no Brasil. Em especial, convém destacar as formas de abordagem e problematização dos principais fenômenos esportivos, que incluem reflexões pautadas no desenvolvimento urbano e diálogos criativos com autores relevantes sobre as relações de sociabilidade, conduzindo o leitor a estabelecer conexões entre processos econômicos, políticos e sociais. Como bem sabemos, o Esporte não pode ser retratado apenas como um conjunto de práticas motoras ou pela maestria com que se preparam os atletas atualmente. Fazem parte desse grandioso fenômeno a preparação e organização de torneios, a logística e as estruturas esportivas, os modelos de gestão e desenvolvimento do esporte, os impactos sociais e educacionais dos pequenos e grandes eventos, dentre alguns temas. A Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos constituem megaeventos que influenciam as multidões, possuem intenso interesse das mídias e – como bem explora o conteúdo do livro em seus vários capítulos – promovem desdobramentos e impactos sociais e urbanos, gerando lucros

10 (e prejuízos) políticos e econômicos, exigindo gastos públicos que nem sempre são necessários ou prioritários. Cabe aos cientistas do esporte contribuir com suas pesquisas para o avanço do conhecimento nas várias áreas que compõem este complexo campo de sociabilidade. Não se trata de propor um diálogo maniqueísta, mas sim de oferecer uma produtiva contribuição teórica para a problematização desse grandioso fenômeno cultural do século XX e, seguramente, do século XXI. A abordagem crítica de temas relevantes, procurando desvendar aspectos pouco conhecidos do Esporte, nos dá a certeza da leitura essencial desta obra, pela sua pertinência e atualidade. Com a publicação deste livro no Brasil, damos mais um passo na direção do projeto que se iniciou em 2010 com a criação do Grupo de Estudos Avançados em Esporte, na Universidade Estadual de Campinas. O CEAv-Esporte tem o compromisso, inscrito nos seus objetivos institucionais, de estimular no amplo conjunto dos profissionais do esporte a geração e difusão de um pensamento crítico e plural. Em suma, além de suprir uma lacuna da literatura disponível em português comprometida com o avanço nessa área de conhecimento, esperamos que professores e pesquisadores das mais variadas procedências recebam esta obra como uma referência para balizar suas reflexões. Nosso desafio permanente é encontrar maneiras criativas de movimentar as mentes e acionar novas ideias. Estamos felizes por compartilhar com os leitores esses ensaios da Profa. Schimmel e desejamos que ela possa retornar ao Brasil para mais discussões e para continuar estimulando intelectualmente a nossa comunidade acadêmica. Saudações!

Prof. Dr. Paulo Cesar Montagner - Faculdade de Educação Física

Prof. Dr. Marcelo W. Proni - Instituto de Economia Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP Centro de Estudos Avançados (CEAv) Primavera de 2012

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Capítulo 1

Take Me Out to the Ball Game: A transformação da produção e do consumo Por que devemos perder dinheiro quando apresentamos um jogo que as pessoas adoram? – William A. Hulbert, dono de time de beisebol profissional, aos seus colegas, em 1876; citado em Pietursz, 1991, p. 28.

Na virada do século XX, os esportes eram eventos ocasionais e não regulamentados, praticados por membros dos clubes esportivos locais 1. No entanto, como a citação mencionada acima sugere, os esportes, aos poucos, tornaram-se importantes para mais pessoas do que só para aquelas que os praticavam. O surgimento de público nos torneios dos clubes esportivos locais proporcionou a oportunidade para os empreendedores de risco converterem “jogos que as pessoas adoram” em empreendimentos lucrativos. Num período de tempo relativamente curto, os passatempos comunitários tradicionais se transformaram nos espetáculos urbanos comerciais atuais. A

ascensão

do

esporte

coletivo

profissional

contemporâneo

envolveu

necessariamente uma transformação das relações entre produtores e consumidores na cultura esportiva norte-americana. A participação voluntária foi substituída pelos arranjos contratuais obrigatórios, e as rivalidades entre as cidades pequenas cederam lugar aos megaeventos regionais produzidos para o consumo de massa. Os laços que antes ligavam o espectador esportivo de maneira localizada estão hoje atenuados pelos arranjos econômicos predominantes da organização da liga nacional. Nesse ambiente transformado, as equipes da liga nacional não temem mais perder dinheiro, mas os aficionados locais temem perder suas equipes. No contexto atual, todos os moradores de cidades (quer aficionados de esportes ou não) são convocados a fornecer incentivos poderosos para capturar times livres de esporte profissional. O desejo contínuo dos aficionados por "leve-me ao jogo com bola" ("take me out to the ball game”) é condição necessária, mas não suficiente, para manter um time profissional numa comunidade anfitriã. Os fatores que fomentaram a evolução e ascensão do esporte contemporâneo são complexos. Assim, não tentarei apresentar todos neste artigo.2 Em vez disso, abordarei

12 quatro épocas de transformação das relações entre produtores e consumidores no esporte coletivo profissional: o surgimento do esporte coletivo profissional na cultura popular norte-americana; a organização da estrutura da liga nacional; a articulação do esporte profissional com a política pró-crescimento das cidades norte-americanas; e as tentativas dos consumidores de esportes locais de influenciar as decisões dos donos de times de esporte profissional. Para cada período histórico, apresento uma introdução aos principais eventos transformativos, enfocando o beisebol profissional – também conhecido como America’s Pastime – e, sobretudo, o futebol americano profissional, esporte mais popular na cultura norte-americana.3 Esclareço muitos dos meus argumentos com exemplos da região nordeste de Ohio, onde o futebol americano profissional nasceu.

O pontapé inicial

As primeiras tentativas de criar o esporte coletivo profissional, ainda que abundantes, são mais notáveis pelos fracassos do que pelos sucessos. Entre 1869 e 1900, 850 clubes de esporte profissional masculino foram fundados (Vincent, 1981). Dentre esses clubes, 650 desaparecerem em 2 anos ou menos, e somente 50 duraram mais que 6 anos. O beisebol foi o primeiro esporte a tentar estruturar ligas, fundando a primeira em 1870. No entanto, os times cambaleavam semanalmente, incertos da escalação, dos adversários e, em última análise, do futuro. Muitos times não conseguiam cumprir a tabela por motivos financeiros. Numa prática denominada “giratória”, os jogadores jogavam no time que lhes oferecia mais dinheiro. No período “crepuscular” da formação da liga, como Voigt (1966) o denominou de maneira apropriada, os times competiam entre si tanto no campo como no livro de contabilidade. Nessa época, os donos dos clubes enfatizavam o ato de ganhar dinheiro para si mesmos (algo designado como “maximização de utilidade”) e ignoravam a prosperidade da liga como um todo (ou “maximização do lucro do grupo”). A pessoa que queria confirmar o status de “cidadão de destaque", incrementar o poder na comunidade local ou aumentar a clientela na loja, restaurante ou bar tentava ser dona de um clube, desde que o time local fosse vencedor e conseguisse atrair o público (ver Vincent, 1981; ver também Ingham, Schilperoort e Howell, 1987). Cerca de vinte anos após a organização das ligas de beisebol (1890, aproximadamente), os clubes de futebol americano surgiram nas cidades produtoras de aço

13 e carvão de Ohio e Pensilvânia. Ainda que criados depois, os times e a ligas de futebol americano passaram por padrões de desenvolvimento parecidos com os do beisebol. Em contraste com o beisebol, porém, os clubes de futebol americano foram organizados após o esporte já ter sido adotado nos Estados Unidos como prática cultural. Na década de 1890, o futebol americano universitário assegurara uma posição proeminente entre os esportes universitários, reunindo 40 mil espectadores nas cidades universitárias da costa leste (Leifer, 1995). Em contraste, “o futebol americano independente” (assim chamado porque existia fora da estrutura universitária), era mais popular nas cidades médias do Meio-Oeste, lugares mais propensos a ter um time patrocinado por uma fábrica do que um time universitário. Desde os primeiros dias, o futebol americano profissional entrou em conflito com o caráter amador do jogo universitário mais elitista, que defendia o “fair play” (“lisura”) e o “espírito esportivo” (McClellan, 1998). O “verdadeiro” futebol americano amador posicionou o esporte entre diversas práticas desinteressadas, mais valorizadas como mostras da virtude cavalheiresca do que como oportunidades para derrotar adversários (ver Bourdieu, 1978). No entanto, para os profissionais, e para o público que torcia por eles, o esporte era outra coisa. Em seus primórdios, o futebol americano profissional dramatizava a vida da classe trabalhadora. Os trabalhadores se identificavam muito mais com os jogadores profissionais do que com os jogadores universitários pertencentes, sobretudo, às classes alta e média alta, para quem o futebol era considerado uma atividade de “construção de caráter”. Como símbolos da masculinidade da classe trabalhadora, os jogadores profissionais eram reverenciados pelo estilo “luta de foice”, pela atitude “não desiste nunca” e pela disposição de suportar (e infligir) dor na busca da vitória. Para os trabalhadores de fábricas, usinas siderúrgicas e ferrovias que apoiavam o esporte, o time local de futebol americano tornouse símbolo do orgulho da comunidade fabril. À diferença dos jogos de sábado do futebol americano universitário, o futebol americano profissional era disputado aos domingos, quando as fábricas fechavam. Os trabalhadores adotavam “seus times” por causa do compartilhamento e da comunidade, em vez do credencialismo. Os fãs do futebol americano profissional compareciam nos jogos no dia de folga do trabalho. Eles não precisavam ser ex-alunos de universidades para que se sentissem ligados aos times locais, “desprezados e ridicularizados pelo público universitário, amados só pelos operários e por

14 alguns fanáticos, o futebol americano profissional criou raízes nas cidades fabris do MeioOeste norte-americano” (McClellan, 1998, pp. 20-21). No entanto, uma base de apoio constituída por operários nem sempre era uma vantagem para os primeiros empreendedores do futebol americano profissional. Antes de 1915, para pagar as despesas, muitos times independentes simplesmente “passavam o chapeu” no fim dos jogos. Contudo, em alguns poucos anos, o futebol americano mudou radicalmente, assinalando uma transição do futebol independente e semiprofissional para o profissional.

Embora

a genuína popularidade do esporte assegurasse que os

empreendedores interessados em lucros continuariam a financiar os times, as práticas de maximização de utilidade dos apoiadores financeiros do futebol americano e as práticas giratórias dos jogadores continuaram a elevar os custos de produção dos jogos. Em geral, naqueles tempos de programações incertas e déficits de receitas, um jogador era contratado só para um jogo de cada vez, sendo liberado para vender seu talento semanalmente para quem oferecesse uma remuneração maior. Também era comum que os jogadores usassem nomes falsos, para que pudessem jogar por mais de um time de cada vez. Em virtude dos baixos salários dos torcedores do futebol americano, buscar o lucro por meio do aumento do preço do ingresso não era uma opção viável. Interessados em melhorar a lucratividade de seus times individuais, os empreendedores do futebol americano precisavam pôr em campo times que atraíam grande quantidade de torcedores pagantes, realizando isso por meio da criação de jogos “interessantes” ou da contratação de “ringers” talentosos e famosos. Na tentativa de sobreviver naquele mercado frágil, os donos de times recrutavam estrelas universitárias (na maioria das vezes, ex-estrelas) e promoviam rivalidades locais (McClellan, 1998).

Batalhas no campo de jogo no estado de Ohio

Já em 1896, um campeonato estadual de futebol americano se realizou entre os times independentes de Ohio (Leifer, 1995; ver também Becker, 1998). No início do futebol profissional, as maiores rivalidades aconteciam entre os times da região nordeste de Ohio, incluindo Canton, Massillon, Akron, Youngstown e Cleveland. Naqueles primeiros anos, Cleveland colocava em campo seis times independentes diferentes. A abertura da temporada de 1915, em Massillon, entre o Massillon Tigers e o Blepp Knights, incluiu um

15 grande desfile com a banda da Massillon High School e os jogadores dos dois times. Dois mil espectadores lotaram o minúsculo estádio do Massillon para ver o time local vencer o jogo com facilidade. No ano seguinte, um público de dez mil espectadores se reuniu para ver o Indians, time de futebol profissional de Cleveland, enfrentar o Canton Bulldogs. Embora a rivalidade entre Cleveland e Canton despertasse interesse, o público acabou atraído para esse jogo por um motivo adicional: ver Jim Thorpe, heroi dos Jogos Olímpicos e maior ringer do futebol americano. Como noticiado pelo Cleveland Plain Dealer, os espectadores compareceram “para deleitar a vista com o maior atleta de todos os tempos – Jim Thorpe – e, casualmente, ver a batalha entre os times de futebol americano profissional de Cleveland e Canton” (citado em McClellan, 1998, p. 217). Sempre que Thorpe disputava uma partida o tamanho do público dobrava. O último jogo da temporada de 1915 de Ohio é um exemplo excelente de como a combinação de rivalidade entre times e jogadores famosos atraía o interesse dos torcedores. O jogo foi disputado entre o Canton Bulldogs, apresentando Thorpe, e o Massillon Tigers, apresentando Knute Rockne, lenda do futebol americano. Estrelas do futebol americano eram contratadas pelos dois times, ainda que muitas jogassem sob nomes falsos. De acordo com McClellan (1998), mais de 6,5 mil espectadores pagaram para entrar no estádio e outros 1,5 mil subiram em árvores e sobre a cerca para assistir a partida. Apesar de sua popularidade com os torcedores, a operação comercial do futebol americano profissional dos primeiros tempos gerou instabilidade econômica para muitos times e resultou em desastre econômico para a maioria. Mesmo os times vencedores encontravam dificuldade para sobreviver num ambiente de negócios caótico, dado que o arranjo econômico vigente era um em que a oferta (quantidade de times) era maior que a demanda e os custos da mão de obra eram empurrados para cima pelo giro dos jogadores. Nos primeiros anos do século XX, as perspectivas para o futebol americano profissional não eram claras de forma alguma.

O huddle: o trabalho em equipe dos donos de times muda o jogo

Um modelo para a reorganização do setor de esportes coletivos profissionais foi criado em 2 de fevereiro de 1876, quando um pequeno grupo de donos de times de beisebol se reuniu a portas fechadas no Grand Hotel de New York. A reunião, convocada por

16 William A. Hulbert, dono do Chicago Baseball Club, foi divulgada para a imprensa como uma reunião do comitê de regras (Vincent, 1981). No entanto, a agenda de Hulbert era muito diferente: ele queria criar uma nova liga de beisebol. Ele propôs que os donos da liga, a ser denominada Major League, atuassem juntos para assegurar que cada time fosse bemsucedido financeiramente. Como os donos atuando em conjunto, Hulbert considerou, a Major League podia emergir como a liga de prestígio, maximizando, assim, os lucros econômicos. A criação de uma liga principal estratificaria o esporte e os donos de times profissionais (franquias) seriam forçados a solicitar o ingresso (o que os donos existentes poderiam negar) ou tentar sobreviver sozinhos. Os jogos entre os membros da liga e os nãomembros foram banidos completamente. A reunião de Hulbert marcou o início do que se denominou “era da cartelização” do esporte profissional (ver abaixo), e a liga nacional de beisebol estabeleceu um precedente para as práticas empresariais que transformaram e institucionalizaram drasticamente a produção e o consumo do esporte coletivo profissional norte-americano (Ingham, Howell e Schilperoort, 1987; Schimmel, Ingham e Howell, 1993). Apesar de tendência de pensar o esporte profissional norte-americano como epítome da competição, é a disposição dos donos dos times de cooperar mutuamente que assegura o sucesso da liga. Em longo prazo, o modelo de Hulbert para a estrutura da liga assegurou que o esporte profissional fosse controlado por homens de afluência (na maioria das vezes)4. Ainda que ele não pudesse ter previsto, o modelo experimental de Hulbert continha três elementos que se tornaram características aceitas como fato consumado pelo setor do esporte profissional norte-americano: cartelização, monopólio e monopsônio. Cartelização é o termo que se aplica aos donos de empresas comerciais (nesse caso, times de esporte) atuando juntos para tomar decisões acerca da produção e distribuição de seus produtos (nesse caso, esportes). Os donos de times, atuando como um cartel, possuem um conjunto bastante complexo de regras idealizadas para restringir a competição econômica em relação à mão de obra atlética e para dividir mercados geográficos para times individuais. Ainda que cada time seja uma entidade empresarial distinta, os donos elaboraram regras para conduzir os negócios de maneiras que representem seus interesses coletivos. Por exemplo, todas as ligas possuem regras para a divisão de receitas entre os times, e os donos dos times votam sobre a localização, controle acionário e número de times (franquias) na liga. Além disso, as transmissões de tevê e rádio, o ingresso para os jogos, e a venda de mercadorias

17 relacionadas ao time são todas sujeitas às regras da liga. Em resumo, as práticas monopolistas manipulam a distribuição do esporte profissional para os consumidores. As práticas monopsônicas, por outro lado, manipulam o custo de aquisição da mão de obra esportiva. Por exemplo, as regras da liga especificam os procedimentos para recrutar novos jogadores e vinculá-los a contratos, assegurando, assim, a não irrupção de guerras de lances por talentos atléticos. Ainda que a cartelização do esporte fosse desafiada de vez em quando por donos traiçoeiros e sindicatos de jogadores, essas práticas empresariais consagraram a Major League Baseball, a National Football League, a National Hockey League e a National Basketball Association como algumas das mais poderosas empresas da história dos Estados Unidos. Contudo, é importante observar que o precedente estabelecido por Hulbert e seus colegas do beisebol foi ignorado pelos donos de time de outros esportes profissionais durante seus anos de formação. Com o tempo, porém, a concentração econômica e a cartelização foram adotadas pelos donos de time de outros esportes exatamente pelo mesmo motivo: a criação de escassez artificial no mercado aumentou a demanda do consumidor. Literalmente, os times não conseguiam sobreviver fora de uma liga de prestígio: eles se uniam as mesmas ou faliam. Por exemplo, o futebol americano da década de 1920 tinha 2 ligas e 58 times, mas, já na década de 1950, as fusões, as falências e as exclusões reduziram a quantidade de ligas a uma: a National Football League (NFL) detinha o controle de todo o mercado norte-americano (Schimmel, Ingham, and Howell, 1993).

A nova liga de futebol americano e a cidade do Browns

Em 1920, a NFL foi fundada em Canton, em Ohio, cidade situada no meio das rivalidades do futebol americano de Ohio e sede do melhor time de futebol americano da época. Os representantes dos times de cinco estados do Meio-Oeste se reuniram numa concessionária de veículos de Canton e criaram a American Professional Football Association (renomeada National Football League um ano depois). Jim Thorpe, que ainda estava competindo como jogador de futebol americano, concordou em atuar como presidente da liga. Como o modelo da liga de beisebol de Hulbert, a NFL procurou impor regras de exclusividade. Uma taxa de sócio de 100 dólares foi fixada para cada time (ainda que não fosse cobrada) (Leifer, 1995). Ao contrário do beisebol, porém, a programação de

18 jogos foi deixada para cada time; em consequência, os times disputavam diversos jogos contra membros e não-membros da liga. Jim Thorpe, descrito como “melhor atleta do que organizador” (Leifer, 1995, p. 99), foi substituído como presidente no segundo ano de existência da liga. Foram necessários mais dois anos (até 1924) para a NFL instituir um calendário fixo de jogos com os times-membro de onze cidades do Meio-Oeste. Na primeira década da liga, três times distintos faliram em Cleveland, todos vítimas de temporadas de fracassos, finanças minguantes e condições meteorológicas adversas (Danielson, 1997). Em 1937, a National Football League finalmente se enraizou na região nordeste de Ohio, quando o Rams, da American Football Conference, se candidatou e recebeu o título de sócio da NFL (Morgan, 1997). Nos 47 anos seguintes, em Cleveland, os aficionados do futebol americano profissional tinham um time para torcer. Como veremos abaixo, porém, por pouco tempo a NFL perdeu seu domínio sobre a cidade. O futebol americano de Cleveland salta para os “Dawgs”

Em 1943, Dan Reeves, dono do Cleveland Rams, reclamou que seu time estava perdendo dinheiro. Arthur “Mickey” McBride, o magnata dos táxis de Cleveland, propôs a compra do Rams, o time de sua cidade, mas a NFL se recusou a vender para ele. No ano seguinte, McBride, junto com outros cinco investidores, fundou uma liga rival denominada All-American Football Conference (AAFC), e se designou como dono do novo time de Cleveland. Paul Brown, heroi do futebol americano de Ohio, foi contratado como técnico e, beneficiando-se de sua popularidade, o time foi batizado com seu nome. A reputação de Paul Brown sozinha era suficiente para expulsar o Rams – na ocasião, o campeão da NFL – de Cleveland. Os problemas para o Rams, porém, era o fato de que o time jogava suas partidas em diversos estádios e a base de bilhetes para a temporada consistia somente de 200 torcedores. O Browns, em contraste, assinou um contrato de locação de longo prazo do Municipal Stadium, com capacidade para 78 mil pessoas. Sem querer competir com Paul Brown ou seu time homônimo, Reeves, dono do Rams, recebeu permissão da NFL para transferir seu time para Los Angeles (Morgan, 1997). Reeves, pelo jeito, fez o movimento certo. Em 6 de setembro de 1946, no primeiro jogo no Municipal Stadium, o Cleveland Browns, da liga AAFC, estabeleceu um novo recorde de público para o futebol americano profissional, quando uma multidão de 60.135

19 espectadores viu o Browns vencer o Miami Seahawks. O time de Cleveland seguiu adiante e venceu quatro títulos consecutivos da AAFC, mas, em 1950, após uma guerra comercial vigorosa, a conferência rival concordou em seu fundir com a National Football League. Três times da AAFC (San Francisco, Cleveland e Nova York) se uniram à NFL e uma compensação especial foi dada aos times restantes. A fusão significou a existência de times de futebol americano profissional em somente quatorze cidades. Depois de mais de setenta anos de rivalidades entre pequenas cidades, o Browns era o único time deixado em Ohio. De novo, Cleveland era uma cidade de NFL e a afinidade dos torcedores pelo time cresceu constantemente ao longo das décadas. Em meados da década de 1980, os torcedores do Browns que se sentavam na zona de gol (end zones) adotaram a alcunha de “Dawg Pound”. Encarando os invernos congelantes de Cleveland, usando máscaras de cachorro feitas de borracha e agitando biscoitos caninos, a torcida Dawg Pound tornou-se uma elemento principal dos vídeos de divulgação da NFL. Os fãs não só se ligaram ao Browns, mas também ao venerável Municipal Stadium. Construído na margem do Lago Erie no final dos anos 1920, o Municipal Stadium foi um símbolo do poderoso distrito industrial de Cleveland. Comentando sobre sua imensidão (11 andares e mais de 240 metros de comprimento), John Marshall, prefeito de Cleveland, declarou, na cerimônia de batismo do estádio: “O mundo antigo nunca viu uma estrutura como essa” (Morgan, 1997, p. 61). No entanto, 67 anos depois, o antigo e parrudo estádio estava precisando com urgência de reparos. Na década de 1930, o Municipal Stadium era, em parte, responsável pelo sucesso do nascente time do Browns, mas, numa época distinta, seria responsabilizado pela partida do time da cidade. Quando os velhos estádios se tornam um peso morto para as cidades?

Se você construir...

Tendemos a pensar sobre as cidades como tendo qualidades tanto tangíveis como intangíveis. Os componentes tangíveis são as estruturas da cidade, construídas de concreto, tijolos e vidros, que constituem os contornos e as silhuetas da forma urbana. Os aspectos intangíveis da cidade procedem daquilo que imaginamos que a cidade é: uma cidade boa ou uma cidade perigosa; uma comunidade vibrante ou um fim de mundo. Naturalmente, essas duas maneiras de pensar sobre as cidades não estão desvinculadas, nem são permanentes.

20 Um exame mais cuidadoso do ambiente construído da cidade revela o impacto das forças dinâmicas sociais, econômicas e políticas. Algumas cidades, ou partes de uma cidade, manifestam declínio e decadência, enquanto em outras as estruturas antigas são demolidas e substituídas. O tecido social da cidade também pode mudar quando as populações se retiram de algumas áreas e são substituídas por grupos sociais distintos. Padrões mutáveis de comércio, a produção e o consumo também delineiam o caráter da vida social urbana. Nos últimos vinte anos, quase todas as cidades norte-americanas foram afetadas por mudanças nos sistemas econômicos nacional e global. A reação a essas mudanças de forma localizada envolve uma interação completa de decisões públicas e privadas. Os grupos em nível local, compostos de líderes empresariais, incorporadores imobiliários e políticos, planejam e implementam iniciativas de “crescimento” urbano 5. Em diversas cidades, a construção de novos estádios esportivos e as tentativas de obter (ou reter) times de esporte profissional foram incluídas nas estratégias de coalizões de crescimento para estimular o ambiente urbano. A agenda do crescimento não só altera o ambiente construído (tangível), mas também contribui para a percepção (intangível) de se a cidade merece ou não o status de liga principal. Uma das particularidades mais preocupantes do contexto urbano norte-americano é a percepção de que os problemas sociais dominantes devem ser enfrentados em níveis locais, e que “mais desenvolvimento” é a solução (Molotch, 1993). A expectativa é que os políticos em nível local “façam alguma coisa” a respeito do impacto dos problemas sociais de larga escala (por exemplo, o desemprego resultante de mudanças estruturais na economia) que se manifestam em áreas locais. Junto com essa expectativa existe o fato de que os políticos locais são responsabilizados por problemas que estão relacionados de modo genuíno com o local, como a infraestrutura em declínio. Para muitos políticos, a solução é “fazer alguma coisa” manipulando o uso e a regulação do solo urbano; um dos poucos domínios autônomos da governança de nível local. O resultado é a hegemonia da “política do crescimento”, e a utilização de subsídios públicos para empreendimentos tais como centros de convenções, shopping centers, lojas-âncora e centros culturais. Em diversos casos, esses projetos são apregoados como bem-sucedidos, não por causa de qualquer avaliação objetiva acerca de seus benefícios para os moradores locais, mas sim por causa do poder simbólico vinculado aos próprios edifícios. O que eles indicam é “alguma coisa” que pode ser feita, e sua mera presença matiza as percepções locais e forja carreiras

21 políticas (Molotch, 1993; Zukin, 1991; ver também o artigo de Salmon nesse livro). Avento que os estádios esportivos também tem esse tipo de poder simbólico, ainda mais se têm times para combinar com ele. Em geral, acredita-se que abrigar um time de esporte profissional aumenta o prestígio da comunidade: “nenhum localidade poderá de fato ser considerada uma ‘grande cidade’ se não tiver um time profissional de beisebol ou futebol americano” (Okner, 1974, p. 327). Por sua vez, a hegemonia cultural do esporte profissional e a economia interna da estrutura da liga, em combinação com a hegemonia da política do crescimento, cria um contexto em que as cidades são sequestradas pela motivação do lucro dos donos de times. Nas décadas de 1970 e 1980, quase todos os donos de times de esporte profissional ameaçaram transferir seus times para outras cidades se suas demandas por novos estádios e outros benefícios não fossem atendidas (Euchner, 1993). Atualmente, sob as condições definidas pela liga de escassez artificial (limitando o número de times), existem mais cidades que querem times do que times disponíveis. Ainda que a maioria dos estádios seja estatal, os times são negócios privados, podendo se mudar para lugares que prometem lucros maiores. Parafraseando Ingham, Howell e Schilperoort (1987), os times são móveis, mas as cidades não são. Incentivadas pelas ligações dos torcedores com os times e atentas ao poder simbólico do esporte profissional, as coalizões do crescimento urbano competem entre si para capturar os times livres. As cidades que se recusam a entrar nessa competição entre cidades se arriscam a perder o(s) time(s) existente(s), e a política da construção do estádio está sempre no centro do jogo. Mais uma vez, podemos considerar Cleveland como um exemplo.

O erro à beira do lago

Pergunta: Qual é a diferença entre Cleveland e o Titanic? Resposta: Cleveland tem uma orquestra melhor.

Embora Cleveland fosse outrora um formidável gigante industrial, já na década de 1970, a cidade encarnava os piores aspectos do Rustbelt. Fechamento de fábricas, perda populacional e paisagens desagradáveis deram à cidade o apelido de “O erro à beira do lago”. Em 1975, entre 58 grandes cidades, Cleveland se classificou em segundo lugar em

22 termos de apresentar os piores problemas sociais e econômicos do país (Green, 1993). Sem dúvida, a imagem de Cleveland como cidade suja e moribunda se cristalizou na mente da maioria das pessoas quando, em 1969, o rio Cuyahoga, coberto com uma camada de óleo e resíduos tóxicos, pegou fogo. A crise de Cleveland alcançou seu auge sob o governo do prefeito Dennis Kucinich (1977-79), que fomentou um populismo urbano contrário ao establishment corporativo. Kucinich se opôs a reduções de impostos e subsídios para empresas, e relutou em aumentar os impostos municipais. O departamento de planejamento do prefeito inventou o “planejamento de proteção”, que recorreu ao planejamento urbano direto a favor dos moradores de baixa renda, enfatizando a justiça social em detrimento da eficiência, e salientando a moradia social e o transporte público (ver Warf e Holly, 1997). Referindo-se ao relacionamento entre a prefeitura e a comunidade empresarial, o sócio principal do maior escritório de advocacia do país (com sede em Cleveland) afirmou:

Era terrível... [Kucinich] tornou o ataque contra as empresas uma atividade extracurricular... Havia um sentimento generalizado de que algo precisava mudar. As coisas não podiam ficar pior, e as coisas não podiam continuar daquele jeito (citado em Green, 1993, p. A6).

A comunidade empresarial ficou tão malquista pela liderança de Kucinich que, em 1978, os bancos locais se recusaram a rolar uma dívida de 15,5 milhões de dólares em títulos municipais de curto prazo, provocando a insolvência da cidade. Desde a Grande Depressão, Cleveland tornou-se a primeira cidade norte-americana a dar o calote em relação aos seus títulos, e esse calote precipitou a derrota do prefeito Kucinich e conduziu a uma nova era da política local (Swanstrom, 1985).

Pró-crescimento e pró-esporte: Uma solução E(erie) para os problemas de Cleveland

Pouco depois da insolvência de 1978, os líderes empresariais enviaram um emissário até o palácio de governo de Ohio, onde o republicano George Voinivich, excomissário do condado de Cuyahoga, estava servindo como vice-governador. A missão do emissário era convencer Voinivich a voltar para sua cidade natal e tirar Cleveland da crise. Em 1980, com os grupos empresariais financiando sua campanha, Voinivich derrotou

23 Dennis Kucinich, e manteve o cargo de prefeito até sua eleição como governador de Ohio nove anos depois. Menos de 24 horas após sua eleição como prefeito de Cleveland, Voinivich criou uma força-tarefa empresarial voluntária, que passou três meses estudando as finanças municipais. O grupo enviou 650 recomendações para o novo prefeito e Voinivich aceitou 500 delas, variando da privatização de certos contratos até a criação de um departamento de desenvolvimento econômico. Os líderes corporativos também criaram uma coalizão prócrescimento denominada “Cleveland Tomorrow”, dedicada à direção do desenvolvimento do centro da cidade. A eleição de George Voinivich como prefeito de Cleveland foi considerada por muitos como o evento decisivo na restauração da cidade. De acordo com Richard Jacobs, um dos principais incorporadores de imóveis comerciais do mundo:

Foi o que deu início ao renascimento do centro de Cleveland... Finalmente, o bate-boca chegou ao fim... com a eleição de Voinivich, os dois lados (governo e líderes empresariais) começaram a trabalhar juntos, superando as diferenças e um definindo um rumo para o novo centro da cidade... Nós nos organizamos no momento certo, pois toda a cidade estava em risco (citado em Green, 1993, p. A6).

A construtora de Jacobs investiu milhões de dólares em construções no centro de Cleveland, e foi agraciada com 225 milhões de dólares em reduções de impostos na década de 1980 (Keating, Krumholz e Metzger, 1995). Desde 1986, Jacob também era o dono principal do Cleveland Indians, time de beisebol profissional de Cleveland. Em 1987, sob a liderança do prefeito Voinivich, de Richard Jacobs, dono do Cleveland Indians (Major League Baseball) e de George Gund, dono do Cleveland Cavaliers (National Basketball Association), o conceito de instalações esportivas profissionais foi formalizado, e a “Gateway Economic Development Corporation” foi criada7. Art Modell, dono do Browns, era membro original da Gateway, mas sua relações com os outros membros da coalizão azedaram e, em 1990, ele saiu do grupo. Naquele mesmo ano, o “Gateway Complex” foi proposto aos eleitores do Condado de Cuyahoga, que foram convocados para aprovar um aumento de imposto sobre o álcool e os cigarros

24 para ajudar a pagar a construção do complexo. Os planos requeriam um complexo financiado por impostos a ser construído num local no centro da cidade, que incluiria um novo estádio de beisebol para o Indians (que, na ocasião, estava dividindo o Municipal Stadium com o Browns) e uma nova arena de basquete para o Cavaliers (que estava jogando num estádio do subúrbio de propriedade de George Gund). Para ajudar a assegurar a aprovação dos eleitores, a Cleveland Tomorrow investiu 1 milhão de dólares na campanha política pró-Gateway. Dois dias antes do referendo, Fay Vincent, diretor da Major League Baseball, fez uma ameaça bastante direta diante da câmara municipal:

Se essa instalação não estiver disponível em Cleveland, se a proposta de aumento de impostos for rejeitada, podemos nos ver confrontando um assunto que queremos evitar... Digo a vocês: seria muito ruim para o beisebol, e sou contrário a que Cleveland perca seu time (citado em Bartimole, 1994, p. 30).

Junto com essas advertências, vieram anúncios de página inteira nos jornais informando aos eleitores que o voto favorável deles geraria: “28 mil empregos bem remunerados para os desempregados, 15 milhões de dólares por ano para as escolas e para as nossas crianças; receitas para os postos de saúde e hospitais da cidade e do condado para os doentes; programas de ajuda de custeio da energia para idosos” (citado em Bartimole, 1994, p. 30).

Com 383 mil votos computados, o Gateway foi aprovado por estreita margem pelos eleitores (51,7% a favor; 48,3% contra). Concluído em 1994 a um custo final de 485 milhões de dólares (superando a previsão orçamentária em 28 milhões de dólares), o Gateway é o maior e mais oneroso projeto imobiliário da história de Cleveland (ver Rosentraub, 1997). Art Modell, dono do Browns, foi deixado de fora do projeto Gateway, e não houve nenhuma proposta para a reforma do Municipal Stadium, de 62 anos de idade. Pouco depois da cerimônia de inauguração dos novos estádios de beisebol e basquete, Modell começou a se queixar de modo enigmático que os líderes municipais não estavam lhe dando

25 o merecido valor. Por causa do Gateway, os membros do Cleveland Tomorrow, Richard Jacobs e George Gund (na época, integrantes da lista dos norte-americanos mais ricos da revista Fortune; ver Keating, 1995), conseguiram arenas esportivas novas, sustentadas pelos contribuintes, com alugueis favoráveis e garantias de receitas. Os torcedores locais de beisebol e basquete tinham de “sustentar” o Indians e o Cavaliers. Os eleitores do Condado de Cuyahoga, porém, tiveram algo a mais do que se esperava: os empreiteiros moveram um processo sustentado que tinham direito a 21,5 milhões de dólares por seu trabalho, e, em 1996, as arenas apresentavam uma dívida de 20 milhões de dólares. O Gateway sozinho tem uma dívida operacional anual de mais de um milhão de dólares e 600 mil dólares de impostos prediais não pagos para o Condado de Cuyahoga. Atualmente, as arenas estão à beira da insolvência. No entanto, mesmo diante dessas realidades financeiras, os promotores do crescimento de Cleveland apontam para o projeto Gateway e o desenvolvimento ao redor como evidência do suposto “renascimento” de Cleveland. Em 1995, a participação de Cleveland na World Series de beisebol proporcionou um palco nacional para os líderes do crescimento e os torcedores locais exibirem os novos “sucessos” da cidade. Após décadas de zombarias das pessoas de fora, os moradores de Cleveland aproveitaram a oportunidade para enviar uma resposta aos telespectadores de todo o país: no terceiro jogo da World Series, uma faixa surgiu no andar superior do estádio Jacobs Field, dizendo: “AGORA vocês acreditam em Cleveland?” (Green, 1993). Contudo, qualquer inveja nacional que existiu durante a World Series, em outubro, chegou ao fim em novembro, quando Art Modell, afinal capaz de aparentemente retaliar, anunciou que estava levando o Browns para Baltimore.

Fumble!: Cleveland perde a posse dos Browns

Foi um jogo muito emocional para mim. Havia homens barbudos de 135 quilos me abraçando e chorando. Quando saí, vi as pessoas no estacionamento chorando. Tentei não chorar, mas não consegui me conter (Bob Burnett, jogador do Browns, no último jogo no Municipal Stadium; citado em Cabot, 1999, p. S23).

26 Nos dias que antecederam ao anúncio oficial da mudança do Browns, os políticos de Baltimore e Cleveland entraram numa guerra de lances pela oportunidade de abrigar o time. Os residentes da área de Cleveland foram convocados para um referendo referente ao aumento do imposto sobre álcool e cigarros (sin tax), para obtenção de 175 milhões de dólares para a reforma do Municipal Stadium. Um dia antes da votação, Modell anunciou que estava levando o Browns para Baltimore. Os torcedores de Cleveland, cuja presença média por jogo superava 70 mil espectadores, reagiram aprovando o aumento do imposto. No fim, porém, Baltimore venceu a batalha pelo Browns, realizando um acordo secreto com Modell, oferecendo-lhe 75 milhões de dólares para despesas de mudança, isenção de aluguel de um novo estádio de 200 milhões de dólares construído com dinheiro público, um bônus de contratação de 50 milhões de dólares e todas as receitas resultantes de vendas de ingressos, concessões, estacionamento e propaganda no estádio. Os contribuintes de Maryland também teriam de pagar para Modell pela “receita perdida” se o estádio não lotasse nos dez anos seguintes (Eitzen, 1999). Foram esses incentivos, junto com a péssima condição e o potencial de receita relativamente menor do estádio de Cleveland, que Modell se referiu quando disse que manter o Browns estava “muito além da capacidade de Cleveland” (Heider, Diemer, and Theiss, 1995, p. 1A). O que estava com certeza além da capacidade da maioria dos aficionados de futebol americano da região nordeste de Ohio era a capacidade de aceitar que mais de um século de futebol americano profissional havia acabado. Os outrora orgulhosos torcedores de Cleveland, modelos de fidelidade ao time e de respeito pela tradição do futebol americano, estavam naquele momento reduzidos a vítimas de uma liga que eles ajudaram a desenvolver. Ou não? Na próxima seção, focalizo a resposta dos torcedores do Browns à mudança de Modell e a decisão da NFL de permitir aquilo.

Fora das arquibancadas e para dentro do campo: Os torcedores entram no jogo em Cleveland, os torcedores sempre foram fora de série, e estão numa região do país onde o futebol americano é uma paixão do berço ao túmulo (Paul Tagliabue, comissário da NFL; citado em Grossi, 1999, p. 2-S).

Embora o estudo sobre fãs do esporte nos Estados Unidos remonte, no mínimo, aos anos de 1930 (ver, por exemplo, Nash, 1938), houve pouca documentação acadêmica do

27 componente político ou militante dos torcedores. Isso é verdade, apesar do fato de que os vínculos emocionais dos torcedores com seus times favoritos de esporte profissional se estremecessem inúmeras vezes por causa das ameaças dos donos dos times relativas à transferência para outros lugares. Ironicamente, antes da mudança do Browns para Baltimore, o caso mais infame de mudança de endereço no futebol americano profissional foi a transferência, em 1984, do Colts, time pertencente à NFL, de Baltimore para Indianápolis. A cobertura da mídia a respeito da mudança relatou manifestações dramáticas de emoção por parte dos torcedores, que sentiram que parte de suas identidades se perderam (ou foram roubadas). Em Baltimore, onde o Colts partiu no meio da noite após 31 anos, os torcedores declararam que a partida noturna do time destinou-se a “humilhá-los e aviltá-los” (Indianapolis Star, 1984). No entanto, embora existam muitos relatos da mídia a respeito da indignação dos torcedores com as transferências dos times para outros lugares, houve poucas iniciativas acadêmicas de analisar as reações dos torcedores a essas transferências. Na maioria das vezes, os historiadores do esporte enfocaram como a urbanização e a industrialização fomentaram a “espectadoridade”. Os economistas do esporte tenderam a enfocar o impacto econômico (para as cidades) de ganhar ou perder um time de esporte profissional. Os sociólogos do esporte enfocaram a economia política urbana do desenvolvimento do estádio. Em nenhum desses estudos houve um foco sobre os torcedores em si mesmos. Por que os torcedores não são tratados como parte importante dessas análises? A resposta, de acordo com a erudição mais recente de estudos do esporte, é que os torcedores simplesmente não contam:

As ligações que existem entre os times de esporte profissional e suas comunidades anfitriãs não são mantidas coesas por sentimento, fidelidade ou tradição. Além disso, o afeto da comunidade por um time de esporte profissional não tem importância primordial para o dono do time quando ele analisa a decisão em relação ao lugar ou à transferência para outro lugar. Quando os donos consideram a mudança de endereço, o diálogo é com os governos municipais ou “autoridades” municipais, e não com os torcedores (Schimmel, 1995, p. 112).

28 Em vez disso, os torcedores ficam “reduzidos a uma dependência das fontes monopolistas de oferta, que os limita a uma única sanção contra a insatisfação: a opção de não comprar” (Ingham, Howell, and Schilperoort, 1987, p. 428).

Mas isso ainda é verdade? Os torcedores esbulhados são simplesmente os perdedores da competição entre cidades por times de esporte profissional? Eles não têm outro recurso além da alternativa de deixarem de serem torcedores? Acredito que os torcedores foram percebidos e, na maioria das vezes, atuaram como vítimas impotentes das decisões dos donos de times de esporte profissional. No entanto, sugiro que, em 1995, a mudança do Browns de Cleveland pode assinalar um ponto de inflexão na era dos torcedores como vítimas. Por meio de suas ações, os torcedores do Browns resgataram a história do futebol americano profissional em Cleveland, mas a ferramenta que utilizaram para fazer isso é, em grande quantidade, parte do presente.

Brownsfans.org: Os aficionados do futebol americano enfrentam a NFL O ativismo via Internet está lentamente causando impacto – às vezes, pequeno; outras vezes, grande – sobre a política local... O que teria exigido horas de colagem de selos em cartas e centenas de dólares de custos de distribuição há uma década... leva menos do que 30 minutos de digitação grátis (Riccardi, 1998).

A notícia de que Art Modell, dono do Browns, pretendia transferir seu time para Baltimore desencadeou uma iniciativa maciça e coordenada dos torcedores do Browns e também da comunidade de Cleveland para manter o time na cidade. Embora a NFL não impedisse a mudança, tomou a decisão inédita de proibir Modell de levar o nome do time e as cores com ele, e de conceder a Cleveland um novo time (expansion team) a partir da temporada de 1999. Assim, de maneira efetiva, o Browns voltou para Cleveland após um hiato de três anos. Decisivo para o sucesso evidente de Cleveland foram os esforços dos membros da “Save Our Browns Campaign”. Liderada pelo prefeito de Cleveland logo depois da declaração de Modell, a campanha uniu os torcedores do Browns, os políticos e

29 as empresas locais numa iniciativa de toda comunidade, para impedir a mudança de local proposta. No centro da campanha, estavam os próprios torcedores do Browns, em grande quantidade e muito bem organizados. Especialmente notável foi o surgimento de diversos grupos de torcedores na Internet, dedicados a combater a transferência do Browns para Baltimore. Uma rápida busca na Internet localizará dezenas de home pages e sites, incluindo "Burn Art Modell Page", "The Browns Fans Headquarters", "Dawgs in Cyberspace” e "Greedwatch”. Embora alguns desses sites sejam dedicados a discussões, outros são direcionados explicitamente para os ativistas. Quando os rumores a respeito da mudança começaram a aparecer, por volta do momento da declaração de Modell, os torcedores do Browns especialistas em Internet rapidamente criaram o grupo Browns Fans WorldWide Network (BFWWN). Na descrição deles:

Quem somos nós? Somos o Browns Fans WorldWide Network, grupo de torcedores que se RECUSA a se dar por vencido em relação à NFL. Entendemos o que alguns outros entenderam, ou seja, NÓS PAGAMOS AS CONTAS! Desse modo, achamos que temos direito a alguma consideração no grande plano das coisas e, em nome de Deus, nós vamos conseguir! (www.browns-fans.com)

A função explícita do grupo era coordenar o ativismo dos grupos de torcedores. Como componente-chave da Save Our Browns Campaign, o BFWWN ajudou a realizar diversos protestos e comícios, incluindo uma manifestação nas cerimônias do Football Hall of Fame Induction, em Canton; uma marcha durante as audiências do Congresso norte-americano sobre a mudança de endereço de times de esporte profissional; um protesto nas reuniões anuais da NFL; e manifestações públicas diante do estádio de Cleveland. No entanto, o BFWWN utilizava a Internet não só como um lugar para coordenar as atividades off-line: a própria Internet tornou-se um veículo de protesto. Em geral, os sites e as home pages incluíam endereços de e-mail e números de fax dos donos da NFL, do comissário da NFL, de outros funcionários da liga e até de senadores e membros do Congresso norte-americano. Em sua ação mais famosa, em meados de janeiro de 1996, os torcedores bombardearam os escritórios da NFL, os donos de times, os sites de Maryland, os meios de comunicação e os patrocinadores corporativos da NFL com 24 milhões de mensagens por e-mail e faxes. Esse

30 bombardeio foi, nas palavras alegres de um membro do BFWWN: “O primeiro e maior evento de protesto de um dia na história da humanidade” (citado em Dyer, 1997; ver também Gomboda, 1996). O protesto eletrônico foi tão intenso que impediu a NFL de realizar os negócios de rotina. Os torcedores do Browns também bombardearam a seção de comentários do site oficial do estado de Maryland de maneira tão pesada que os funcionários do estado a fecharam. Os protestos continuaram durante meses. Diante de uma pressão implacável dos torcedores, e preocupada com o fato de que Cleveland atrairia um time existente (com isso criando um pesadelo de relações públicas ainda maior), a NFL decidiu devolver o futebol americano profissional para Cleveland. Em março de 1996, os funcionários da liga e os políticos de Cleveland chegaram a um acordo sem precedentes: a cidade concordou em construir um novo estádio ao custo de 250 milhões de dólares e a liga concordou em fornecer um time e um empréstimo de 48 milhões de dólares (a ser pago pelo dono do novo time). Cleveland manteve o nome Browns, as cores e a história (recordes, estatísticas, etc.), e o novo time de Baltimore recebeu o nome de Ravens. A NFL também concordou com um plano de arrendamento para o novo estádio de Cleveland, que continha disposições para a construção de uma seção de arquibancada “Dawg Pound” em homenagem aos torcedores mais fieis do Browns. No entanto, apesar dessas concessões pela NFL, o preço da vitória foi bastante alto para a comunidade de Cleveland. Quando o custo do novo estádio de futebol americano é adicionado aos investimentos para o Gateway, financiado sobre um período de 25 anos, os moradores do Condado de Cuyahoga (independentemente de serem fãs de esportes ou não) pagarão mais de um bilhão de dólares pela oportunidade de abrigar times de esporte profissional (ver Rosentraub, 1997). Em última análise, as ações dos torcedores do Browns não levaram a nenhuma transformação estrutural real – a NFL ainda é dona da marca e não os torcedores -, mas eles tiveram êxito em alterar os planos da liga. É a primeira vez na era do esporte profissional contemporâneo que os produtores de esportes realmente mudarem de decisão com base nas demandas de seus consumidores. Veremos se o caso do Browns é único ou se isso significa uma nova era no esporte profissional. Enquanto isso, os aficionados de futebol americano de Cleveland, que esperam o retorno do Brown, podem monitorar a construção minuto a minuto de seu mais novo investimento (o estádio de futebol americano), num, ironicamente, site apoiados pela National Football League (www.cleveland.com/sports/browns/).

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Conclusão

O fenômeno do esporte coletivo profissional atual resulta da ampliação das relações capitalistas d e produção e consumo para o âmbito da cultura do esporte 8. Longe de simplesmente responder ao interesse dos entusiastas do esporte nos jogos locais, os financiadores do esporte tanto cultivaram o apoio dos torcedores, como transformaram o ambiente esportivo, numa tentativa de colher lucros financeiros. Antigamente novidades só para as pessoas que os praticavam, os eventos esportivos contemporâneos são mercadorias regulamentadas, produzidas para troca no mercado. Em pouco mais de um século, os apoiadores interessados se tornaram aficionados locais fieis e, com o tempo, transformaram-se em consumidores de eventos esportivos/midiáticos de alcance nacional. Os jogos locais informalmente organizados do passado foram substituídos por um fluxo limitado de espetáculos esportivos urbanos produzidos em nível nacional, que, atualmente, simbolizam o status das cidades com times da liga principal. Para abrigar um time de esporte profissional, as cidades devem agora satisfazer as demandas dos donos de times; uma condição que requer recursos combinados de políticos locais e moradores da cidade. Em todos os momentos ao longo do caminho, a transformação das relações de produção e consumo no esporte coletivo profissional foi condicionada pela reorganização e institucionalização das principais ligas esportivas (Leifer, 1997). Quando consideramos o próximo século, é seguro presumir que o esporte profissional passará por mudanças mais radicais. Ainda que eu não tente prever eventos específicos, proporei possíveis catalisadores. Do lado do consumo, aventei nesse artigo que a era dos fãs de esportes como vítimas pode estar acabando. Os torcedores do Cleveland Brows, por exemplo, tiveram o mérito – tanto por si mesmos como por outros – de conseguir o que nenhum outro grupo de aficionados de esportes profissionais conseguira: obter o time “deles” de volta. Pela primeira vez na era da pós-cartelização, a NFL foi forçada a reagir ao seus consumidores. Recentemente, as cidades também recorreram à Justiça, assim como os representantes legislativos locais recorreram às câmaras municipais, em iniciativas para deter as transferências para outros lugares dos times de esporte profissional. Ainda que nenhuma dessas iniciativas tenha sido bem-sucedida, todas as vezes que as ligas precisam defender suas atividades, arriscam-se a ficar malquistas pelos

32 torcedores locais. Finalmente, como o custo de abrigar um time de esporte profissional está em ascensão, cada vez mais cidadãos norte-americanos são atraídos para os debates acerca se os benefícios simbólicos referentes ao status de liga principal valem ou não a pena. Com os orçamentos das cidades já altamente comprometidos, as propostas de estádios esportivos ficaram mais difíceis de ser vendidas ao público. Do lado da produção, os esportes das ligas norte-americanas estão procurando se expandir para os mercados internacionais. A NFL, por exemplo, lançou recentemente uma liga experimental na Europa e, em 1999, fará um jogo de exibição na Austrália. Além disso, no que muitos chamam de americanização do esporte, as ligas de esporte profissional da Europa, Austrália e Canadá estão começando a adotar a estrutura organizacional das ligas principais norte-americanas. No mercado de esportes do século XXI, é provável que a canção familiar “Take me out to the ball game” seja tocada na arena global.

Notas

1. Historicamente, o esporte coletivo era um privilégio masculino. Embora existam tentativas recentes de organizar ligas esportivas profissionais femininas (por exemplo, a Women’s National Basketball Association), essas estruturas de liga seguem à risca a estrutura descrita neste artigo.

2. Para uma visão geral desses fatores, ver Ingham e Hardy (1993) e Hardy (1997).

3. Pela medição das audiências de rádio e tevê e pesquisas de opinião, o futebol americano superou o beisebol na década de 1970 como o esporte profissional mais popular do país (Danielson, 1997).

4. As descrições a respeito da estrutura da liga são extraídas de Schimmel (no prelo). Esse artigo também fala a respeito das poucas mulheres que foram donas de times masculinos (ver também Coakley, 1998).

5. Essa perspectiva de desenvolvimento urbano norte-americano é descrita em Fainstain e Fainstain (1983); ver também Fainstain (1994) e Molotch (1993).

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6. Em Swanstrom (1985).

7. Não é incomum que os grupos de defensores do crescimento, incluindo tanto servidores públicos quanto empreendedores privados, planejem estratégias de desenvolvimento urbano. Às vezes, esses grupos se formalizam, como no caso do grupo Gateway de Cleveland; outras vezes, porém, atuam fora do alcance do escrutínio público. A análise desses grupos, e seu impacto sobre as comunidades locais, tornou-se tema dominante nos estudos urbanos norte-americanos. Quer rotulados como “máquinas de crescimento” (Logan e Molotch, 1987; Molotch, 1986), “coalizões de crescimento” (Mollenkopf, 1983; Swanstrom, 1985), "coalizões dirigentes" (Stone, 1987) ou "regimes urbanos" (Elkin, 1985; Fainstein e Fainstein, 1983), a premissa básica acerca dos grupos políticos locais é a mesma: a política de desenvolvimento em nível local é produzida por meio de ações próximas de atores interessados, e os benefícios e os ônus de suas estratégias são distribuídos de maneira desigual por toda a cidade. Só muito recentemente, porém, existiram tentativas de teorizar e investigar de forma empírica a conexão entre política de crescimento, atores políticos em nível local e o esporte coletivo profissional norteamericano (como exceção, ver Lipsitz, 1984). Por exemplo, a economia política referente à construção de estádios foi investigada por Euchner (1993), Sage (1993), Schimmel (1995) e Schimmel, Ingham, e Howell (1993). No entanto, é provável que a construção de estádios esportivos atraia mais atenção de acadêmicos de estudos urbanos, pois, atualmente, os Estados Unidos está passando por um boom de construção de estádios. Nos próximos quatro anos, planeja-se a inauguração de 39 instalações esportivas profissionais, a um custo estimado de 8 bilhões de dólares, com os contribuintes bancando metade do custo (Kalich, 1998).

8. Para uma discussão a respeito da transformação do esporte em mercadoria, ver Ingham e Hardy (1993).

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Capítulo 2 A economia política do lugar: As perspectivas de estudos urbanos e do esporte Nos últimos vinte anos, a pesquisa acadêmica sobre o (re)desenvolvimento se caracterizou por uma disjunção curiosa e preocupante entre estudos urbanos e estudos do esporte. Embora os acadêmicos dos estudos do esporte situem seu trabalho dentro dos modelos de estudos urbanos e tenham feito contribuições importantes para a compreensão geral da economia política urbana, essas contribuições permanecem bastante desconhecidas dentro dos estudos urbanos1. Embora os acadêmicos de estudos urbanos estejam começando a reconhecer a importância do esporte como organização cultural e econômica, parecem alheios à maneira pela qual os estudos do esporte em si conceitualizaram aquela importância. Em resumo, os acadêmicos dos estudos do esporte são raramente consultados pelos colegas de outras disciplinas quando (co)-investigam o desenvolvimento urbano e do esporte. Neste artigo, esclareço essa disjunção recorrendo a um modelo conceitual que aborda o (re)desenvolvimento urbano: a assim chamada perspectiva da “máquina de crescimento”.2 Desenvolvida dentro dos estudos urbanos e considerada por alguns como uma “tour de force acadêmica” (Jonas e Wilson, 1999), a perspectiva da máquina de crescimento foi utilizada por acadêmicos de sociologia, ciência política, geografia cultural, economia e história, entre outras disciplinas. Quais foram as contribuições dos acadêmicos dos estudos do esporte? Desde o influente trabalho de Gregory Stone, de 1981, sobre esporte e comunidade, diversas conferências e simpósios associados aos estudos do esporte abordaram a relação entre esporte e economia política do espaço urbano (cf. Ingham e Donnelly, 1997). Neste capítulo, recorri principalmente aos trabalhos da sociologia do esporte para mostrar as contribuições que foram feitas – e que deveriam ser melhor reconhecidas – em relação à perspectiva da máquina de crescimento. Dessa maneira, espero estabelecer conexões entre os estudos urbanos e os estudos do esporte que amoldarão futuras maneiras de pensar acerca do (re)desenvolvimento urbano. Nas duas próximas seções, examino brevemente o surgimento do conceito de “lugar” nas teorias de economia política e, em seguida, discuto a tese da máquina de crescimento. Nas seções subsequentes, abordo diversas contribuições dos sociólogos do esporte para essa

40 tese, apesar do pouco reconhecimento recíproco da maioria dos acadêmicos de estudos urbanos a respeito da existência ou relevância dessas contribuições. Antes de começar, porém, devo oferecer inúmeras advertências ao leitor. Primeiro, em virtude das limitações de espaço, minha discussão será necessariamente simplificada, e, de vez em quando, sou forçado a ignorar nuanças importantes nas várias perspectivas da máquina de crescimento. Segundo, em vez de uma meta-análise abrangente da literatura, seleciono palavras-chave da sociologia do esporte para ilustrar conexões disciplinares. Finalmente, não estou sugerindo que o objetivo explícito dessas obras selecionadas fosse contribuir para a tese da máquina de crescimento; de fato, alguns autores podem discordar desses princípios básicos. Em vez de um enunciado definitivo, este capítulo, então, deve ser lido como uma iniciativa de abrir um diálogo mais recíproco entre os acadêmicos de estudos urbanos e do esporte. Introduzindo o “lugar” na economia política

Na década de 1970, um modelo urbano de orientação de esquerda emergiu nos Estados Unidos como contestação à ciência social urbana da corrente dominante, que assumia que a participação empresarial na política de desenvolvimento local era inerentemente “apolítica” (ver, em particular, Peterson, 1981, p. 142). O livro La Revolution Urbaine (1970), de Henri Lefebvre, os artigos críticos de David Harvey publicados em Social Justice and the City (1973), e o livro City, Class and Power (1978), de Manuel Castells, foram marcos no desenvolvimento de uma alternativa tanto para a sociologia urbana tradicional, como para as explicações neoclássicas a respeito do desenvolvimento urbano nos Estados Unidos3. As obras desses autores incorporam os princípios do estruturalismo marxista nos quais os processos econômicos, ou as “leis do movimento de Newton” do capitalismo, são percebidas como as forças motoras básicas da mudança urbana (ver Smith, 1988; Swanstrom, 1993). Num desafio direto à ciência social urbana da corrente dominante, os acadêmicos de orientação de esquerda enfatizaram a natureza conflituosa da luta de classe no controle e na melhoria do espaço urbano. Harvey (1986), por exemplo, sustentou que o poder é estruturado de maneira hierárquica nas áreas urbanas, resultando no fato de que o estado local tem de assumir a função de gerente dos conflitos de classes e das contradições econômicas. Devido à necessidade de manter a acumulação de capital (isto é, a geração de

41 lucro), o estado local favorece a classe capitalista. A lógica da acumulação de capital, portanto, limita as opções dos governos locais e, em grande medida, determina a política local (de Leitner, 1990, p. 150-152). O resultado é um desenvolvimento urbano e regional desigual, que é reflexo inevitável das economias nacional e global. Nesse enfoque, a política urbana é amplamente irrelevante em relação às leis do movimento do desenvolvimento econômico: “a política e a sociedade são reduzidas a ‘portadoras’ de inexoráveis forças econômicas e tecnológicas” (Smith, 1988, p. 4). As características estruturais do capitalismo deixa pouco (ou nenhum) espaço para os atores em nível local influenciarem o desenvolvimento urbano. No final da década de 1970 e no início da década de 1980, a erudição urbana crítica floresceu nos Estados Unidos, pois os acadêmicos influenciados pelas obras de Lefebvre, Harvey e Castells começaram a articular um paradigma que enfatizava a importância de analisar características específicas do capitalismo em qualquer avaliação da vida urbana. A riqueza e profundidade do pensamento marxista inspiraram diversas abordagens neomarxistas para a análise urbana. Os acadêmicos debateram a importância relativa da economia, a produção social do espaço, a competição por investimento de capital, a importância dos processos políticos e o papel do estado no desenvolvimento urbano (ver Feagin, 1988). Da mesma forma que a teoria urbana neomarxista se desenvolveu como crítica da sociologia da corrente dominante, também emergiu como alternativa à visão que as cidades são “mantidas cativas” (Peterson, 1981) ao modo capitalista de produção. A perspectiva da “lógica do capital” foi criticada por introduzir a política só depois do fato, como uma reação urbana às forças econômicas. Os também conhecidos como acadêmicos da “práxis urbana”, por exemplo, reconhecem a influência dos processos econômicos mais amplos, mas afirmam que a política tem importância no desenvolvimento econômico da economia urbana local (Smith, 1988). Essa perspectiva possibilita uma autonomia local muito maior e enfatiza muito mais a necessidade de incluir contingências “específicas do lugar” no estudo da política de desenvolvimento local (Leitner, 1990). Portanto, os acadêmicos da práxis urbana sustentam que a lógica da acumulação de capital nunca consegue determinar plenamente as formações sociais, políticas e culturas específicas (Smith, 1988). Em vez disso, os teóricos começaram a enfatizar a dualidade da estrutura social e da agência humana (ver Gidden, 1984). Em vez de enfocar somente como as estruturas coagem a

42 oportunidade, esses teóricos também identificam suas características capacitadoras. Nessa visão, as economias urbanas estão acopladas frouxamente com as forças nacional e global, deixando espaço tanto para a variedade cultural, como para a liderança política. Embora a diferença possa parecer sutil, nessa nova perspectiva o foco não está na economia das relações políticas; em vez disso, o que se investiga é a política das relações econômicas (Swanstrom, 1993). Dessa vez, o poder político local foi conceitualizado principalmente por meio dos estudos do poder da comunidade, abordagem exemplificada pelo trabalho de Dahl (1961) sobre New Haven, onde o poder local é visto como mecanismo de controle social: a aplicação da dominação caso a caso (por exemplo, política, eleitoral) sobre grupos subordinados. No entanto, Molotch (1976) criticou essa abordagem, por conceder muita autonomia aos atores locais e ignorar a coação sistêmica. Sua tese forjou um meio termo entre estudos do poder da comunidade e o marxismo estrutural, e deslocou o foco do poder locar para um conceito mais facilitado. Ele seguiu um modelo de produção social de poder com base na pergunta: “Como, num mundo de autoridade limitada e dispersa, os atores trabalham junto através de linhas institucionais, para produzir uma capacidade de regulamentar e viabilizar resultados publicamente significativos?” (Stone, 1989, p. 89). Nesse modelo, o poder é posto em prática por meio do que Molotch (1976) denominou “máquinas de crescimento” (ver também Logan e Molotch, 1987). Entre outros termos para essa coletividade de atores sociais, incluem-se “coalizões de crescimento” (Mollenkopf, 1983; Swanstrom, 1985), "coalizões dirigentes" (Stone, 1987) e "regimes urbanos" (Elkin, 1987; Fainstein e Fainstein, 1983). Embora haja variações nos significados subjacentes desses termos, todos têm em comum uma premissa básica: o desenvolvimento da política em nível local não é resultado inevitável das forças estruturais amplas; em vez disso, é produzida por meio de ações próxima de atores interessados. Como questão empírica, os partidários desse paradigma geral sustentam que a política de desenvolvimento local apresenta consequências reais para diversos grupos nas cidades que podem ser problemáticos (Molotch, 1993). Na seção a seguir, descrevo temas-chave da tese da máquina de crescimento.

Compreendendo o poder local: A tese da máquina de crescimento

43 Entre as diversas perspectivas para a compreensão da natureza da economia política baseada no lugar, talvez nenhuma tenha sido mais influente do que a tese da máquina de crescimento de Harvey Molotch. Apresentado em 1976, seu artigo “The City as Growth Machine” foi um marco decisivo na história da economia política urbana. Singular em escopo e visão, estabeleceu e impeliu uma agenda de estudo que, atualmente, estende-se através de limites multidisciplinares; também proporcionou uma base para a reavaliação crítica dos trabalhos a respeito da política de desenvolvimento econômico local (Cox, 1999; Jonas e Wilson, 1999). Para Molotch, as ações diárias das elites urbanas não foram levadas em conta de maneira substantiva e relevante. Por um lado, os estudos do poder da comunidade deixaram de identificar os aspectos estruturalmente integrados do poder e dos recursos que apoiam o desenvolvimento dos lugares urbanos. Por outro, com sua preocupação com o conceito marxista de classe social, os acadêmicos de orientação de esquerda “deram pouca atenção aos agentes, aos processos e as consequências da construção da cidade” (Molotch, 1999, p. 247). Jonas e Wilson (1999) observam que, em diversos estágios de seu desenvolvimento, a tese da máquina de crescimento recorreu ao apoio conceitual de uma mistura complexa de tradições eruditas. Foi amoldada e inspirada pelos entendimentos críticos da ecologia urbana, da análise do poder da comunidade e das teorias neomarxista e de estruturação. Em Urban Fortunes (1987), Logan e Molotch procuraram encontrar um meio termo “entre o voluntarismo e o estruturalismo, o micro e o macro, e o contextual e o composicional” (p. 5). Ainda que duas décadas de novos conceitos e estudos empíricos de política urbana tenham questionado muitas de suas afirmações originais, no próprio centro da tese de Molotch de 1976 está um insight fundamental, que resistiu à prova do tempo: “As coalizões das elites baseadas em terra, em conjunto com as possibilidades econômicas dos lugares, orientam a política urbana em seu objetivo de expandir a economia local e acumular riqueza” (p. 3). Mais recentemente, Molotch (1993, 1999) reafirmou a importância do “localismo centrado na agência” (Jessop, Peck e Tickell, 1999) da tese máquina de crescimento, introduzindo um discurso renovado acerca de seus limites e possibilidades, mas atestando a influência e a durabilidade marcantes de suas ideias. Evidentemente, não estou tentando apresentar todos os temas da tese da máquina de crescimento; em vez disso, minhas escolhas se baseiam na minha leitura das últimas duas décadas da erudição de estudos do esporte que se conectam, direta ou indiretamente, a

44 algumas das preocupações centrais da perspectiva da máquina de crescimento da economia política urbana. Dessa maneira, sugiro que a erudição dos estudos do esporte pode contar entre suas forças com um corpo de literatura contendo conceitualizações e temas empíricos que abordam (embora involuntariamente, de vez em quando) alguns dos próprios “problemas” que os acadêmicos dos estudos urbanos combatem ou, de fato, ignoram completamente. Entre esses problemas que abordo abaixo, incluem-se: a) o grau pelo qual os atores relacionados ao esporte exercem influência nas decisões de política de crescimento urbano; b) como o esporte foi utilizado por diversas coalizões de crescimento para formular uma agenda de crescimento urbano; e, sobretudo, c) uma conceitualização de por que essas duas coisas são possíveis.

Espaço da cidade como mercadoria

Em 1976, o modelo da máquina de crescimento era verossímil, mas não era testado. Nas duas décadas subsequentes, seus princípios foram discutidos de modo intensivo e novas e consideráveis evidências foram arregimentadas contra e a favor suas conclusões. Qual, agora perguntamos, é a evidência de sua hipótese básica? De maneira mais específica, a máquina de crescimento é o ator predominante da política local? (Logan, Whaley e Crowder, 1999, p. 75).

Em Urban Fortunes (1987), Logan e Molotch formulam a hipótese de que o desenvolvimento das cidades é determinado em grande medida por dois grupos de pessoas que agem movidas por “forças” inerentemente conflitantes, e cujos interesses, portanto, estão muitas vezes em divergência mútua: os “rentistas” e os residentes. O conflito potencial se concentra na arena altamente transformada em mercadoria da produção do lugar urbano ou, em outras palavras, entre o uso do solo (valor de uso) e sua troca por lucro (valor de troca). A classe rentista, consistindo principalmente de construtores, corretores de imóveis e instituições financeiras, é condicionada a intensificar o uso do solo e melhorar o valor de troca dos imóveis locais. Os rentistas são apoiados por grupos secundários situados na mídia, nas universidades, nos serviços públicos, nos times de esporte profissional, nas câmeras de comércio, etc. Essa mistura de atores impulsiona o crescimento a fim de aumentar o valor dos terrenos e acentuar a posição financeira dos membros da máquina de

45 crescimento. O potencial de conflito existe, pois as ações dos rentistas, que vislumbram o “lugar” como pouco mais do que uma mercadoria para vender, podem ameaçar o prazer e o uso do espaço urbano pelos residentes locais, e também sua capacidade de viver de maneira confortável. Os dois grupos buscam os poderes do governo local para proteger e perseguir seus interesses. Por exemplo, quando os rentistas tentam utilizar os recursos estatais e locais para liberação do solo e montagem do lugar, os residentes locais exigem o controle do crescimento por meio de zoneamento restritivo ou incorporação suburbana (Boyle, 1999; Jonas e Wilson, 1999). No entanto, a oposição ao valor de uso em relação aos projetos de crescimento é rara e difícil. Antes dos residentes locais se unirem para resistir ao desenvolvimento urbano, eles devem ter o desejo de fazer isso. As máquinas de crescimento atuam para unir os residentes locais em torno de causas pró-crescimento; com isso, dirigindo proativamente o conflito. Isso é realizado por meio da utilização de discursos referentes à comunidade e do fomento da crença de que o crescimento beneficia a todos em longo prazo. Abordo esse “trabalho de ideologia” abaixo. Além do desejo de se opor ao desenvolvimento local, os residentes devem ter a capacidade de influenciar a tomada de decisão. Às vezes, as coalizões de crescimento são capazes de solapar as capacidades antagônicas dos residentes, mantendo longe do escrutínio público os planos de crescimento até o “negócio estar fechado”; quando os planos são revelados, é muito tarde para os residentes locais organizarem uma resistência impiedosa (ver Elkin, 1987). Além disso, Logan e Molotch (1987) sugerem que a capacidade de resistir ao desenvolvimento é ligada à raça e à classe; “os bairros mais pobres e ‘negros’ aparentemente sendo deixados impotentes no processo de tomada de decisão” (ver Boyle, 1999, p. 57). Em resumo, a tese da máquina de crescimento ofereceu um afastamento significativo das perspectivas de estudos tanto marxista estruturalista como do poder da comunidade. A perspectiva da máquina de crescimento enfatiza que são as ações dos agentes humanos (para Logan e Molotch, os rentistas e os residentes locais, com o estado local), junto com o poder e os recursos estruturalmente condicionados que determinam o desenvolvimento local. Nessa perspectiva, a cidade é um lugar onde o solo e os edifícios funcionam como mercadorias e onde os grupos de atores se vinculam na tentativa de proteger e perseguir os próprios interesses. Além disso, por causa dos interesses divergentes entre os membros da coalizão do crescimento e os residentes locais, e porque os resultados

46 do crescimento geralmente beneficiam os rentistas e oneram os residentes, o desenvolvimento urbano pode gerar conflitos. Assim, a coalizão do crescimento trabalha para evitar a oposição e gerenciá-la de acordo com seus planos. Em outras palavras, na agora frase familiar de Stone (1989): “a política importa” no desenvolvimento local. A sociologia do esporte acrescentou detalhes à tese da máquina de crescimento de diversas maneiras e proporcionou apoio empírico, por meio de estudos de caso, para a ideia de que as coalizões de crescimento se formam e atuam de modo a promover os próprios interesses. Em certos casos, em vez de serem meros “atores secundários”, os atores relacionados ao esporte (por exemplo, donos de times de esporte profissional) tornaram membros-chave das coalizões de crescimento. Nesses casos, os planos de desenvolvimento urbano se concentram no projeto específico que utiliza mais espaço, alavanca mais financiamento público e altera a paisagem talvez mais do que qualquer outro projeto de desenvolvimento: a construção de estádio esportivo e de instalação esportiva. Em um dos primeiros artigos de estudos do esporte a enfocar a construção de estádios, Reiss (1981) apresentou uma descrição histórica dos interesses que se combinaram nos anos de 1920 e 1930 para construir e operar o Los Angeles Coliseum. Escrita antes da onda de meados da década de 1980 referente à erudição orientada pela máquina de crescimento, a análise de Reiss utiliza algumas marcações teóricas dos estudos do poder da comunidade, mas também contribuiu para o surgimento de perspectivas acerca da criação de coalizões de crescimento urbanos, de como a oposição ao crescimento é contornada, e de como o esporte é utilizado na transformação em mercadoria da cidade. De acordo com Reiss, em vez dos políticos eleitos, o grupo que patrocinou o L.A. Coliseum era composto de editores de jornais, banqueiros e incorporadores imobiliários. Era um grupo de “homens confiantes e realizados, pessoas que acreditavam que sabiam o que era do melhor interesse da comunidade, especialmente quando o ‘interesse público’ coincidia com o seu próprio” (Reiss, 1981, p. 63). Essa “elite do poder local” contornou com sucesso a oposição da Municipal League, branca e de classe média, e, em 1923, Los Angeles foi a primeira área metropolitana importante dos Estados Unidos a ter seu estádio municipal. Depois de Reiss, em 1984, George Lipsitz analisou como a construção de estádios na década de 1960 foi utilizada em três cidades norte-americanas como instrumento para promover o gasto público e privado do desenvolvimento urbano. Em todas as três cidades – St. Louis, Houston e Los Angeles –, os promotores da construção dos estádios se

47 apresentaram como defensores do bem-estar de todos os residentes, mas atenuando o grau pelo qual interesses locais específicos se beneficiariam de seus planos ou seriam onerados pelos mesmos. Uma das principais contribuições do trabalho de Lipsitz é sua análise do papel que o esporte pode desempenhar na legitimidade ideológica do poder econômico e político. Outra contribuição diz respeito a transformação em mercadoria do espaço urbano e o papel que a construção de um estádio pode desempenhar na alteração dos ambientes urbanos. Ainda que não utilize o termo explicitamente, Lipsitz expõe como as coalizões de crescimento, incluindo atores públicos e privados, utilizaram a construção do estádio para aproveitar o ambiente construído de uma maneira que influenciou o capital financeiro, o capital do setor de serviços e as populações afluentes. Nos três casos, os principais beneficiários da construção dos estádios foram os donos de times de esporte profissional, que, em vez de serem meramente apoiadores da agenda do crescimento local, foram atores principais em construí-la. Ingham, Howell e Schilperoort (1987) ampliaram essa linha de discussão em vinhetas com respeito à transferência para outros locais de times de esporte profissional. Os autores concentram mais atenção do que Reiss ou Lipsitz na mobilidade do capital privado e na concorrência dentro e entre cidades pelo investimento do capital. Também vão mais longe do que Lipsitz na investigação da ideologia subjacente à política de crescimento; tema central na perspectiva da máquina de crescimento. De forma mais importante para os objetivos deste capítulo é o fato de que, embora não utilizem o termo “máquina de crescimento” de forma explícita, os autores exploram a literatura de estudos urbanos, que é reconhecida depois como parte da tradição da máquina de crescimento. Considerados em conjunto, esses três artigos fornecem insights a respeito dos padrões do desenvolvimento urbano e do papel que os atores econômicos e políticos desempenham neles; na década de 1980, tema crescente na pesquisa dos estudos urbanos. Em cada cidade, o método de financiar a construção do estádio e os locais específicos escolhidos para a localização do estádio se originaram do legado local específico da história urbana (um ponto tomado de maneira explícita por Lipsitz). O discurso público acerca do desenvolvimento do estádio foi expresso em questões abordando a natureza de cada metrópole, e o novo estádio foi apresentado como parte de uma solução de desenvolvimento urbano para diversos problemas enfrentados por cada cidade. Em outras palavras, ainda que os “problemas” tenham variado nessas cidades, a “solução” para eles

48 foi muito parecida: crescimento. Como discutido abaixo, parecida também foi a ideologia que escorou essas soluções.

Conversa de crescimento: Todo crescimento é bom!

Na maioria das cidades onde os estudos de caso foram realizados, quer no contexto da desindustrialização ou da explosão populacional, a questão mais premente da política local é o crescimento... O crescimento não é a única questão local, nem é inerente e necessariamente a única chave... Em vez disso, seu status privilegiado deve ser entendido como uma realização para aqueles grupos cuja mobilização na política está fundamentada nos interesses baseados no lugar (Logan, Whaley e Crowder, 1999, p. 89; grifo no original).

Essa citação ilustra a afirmação de que a ênfase no crescimento no discurso público acerca do desenvolvimento urbano ofusca em geral outras preocupações urbanas potencialmente relevantes (ver Elkin, 1987). Ainda que o status hegemônico4 do crescimento seja criado e mantido de diversas maneiras, enfocarei somente dois aspectos amplos: primeiro, os benefícios materiais do crescimento, que supostamente se estendem a todos os residentes urbanos; e, segundo, os benefícios afetivos, que supostamente resultam da solidariedade criada por uma “comunidade” vibrante e crescente. Em seu artigo de 1976, Molotch não sustentou que as máquinas de crescimento realmente efetivam o crescimento, mas sim que elas tentam fazer isso, pois é a existência da ideologia do crescimento, e não o crescimento em si, que é importante. Em parte, a hegemonia do modelo do crescimento depende da asserção de que os benefícios materiais do desenvolvimento urbano não se acumulam inteiramente na classe rentista, mas se estendem a todos os moradores da cidade. Um dos principais suportes ideológicos é a afirmação de que o crescimento “gera empregos” (Molotch, 1976, p. 320). De acordo com essa afirmação, o investimento privado no solo urbano e o desenvolvimento socioespacial produzem um aumento da arrecadação fiscal e dos empregos, que, por sua vez, produz um maior gasto per capita, resultando em menor dependência do cidadão dos recursos financeiros governamentais. A premissa que o crescimento beneficia toda a sociedade é utilizada na tentativa de aliciar o apoio de grupos subordinados (Smith e Keller, 1983).

49 Ainda que duas décadas de estudos da ciência social critiquem a eficácia desse modelo, os supostos efeitos de “gotejamento” e “secundários” se tornaram características admitidas como certas no discurso dominante acerca do desenvolvimento urbano. É a esse fato que os teóricos da máquina de crescimento se referem quando falam a respeito da ideologia do crescimento como sendo uma “realização” das coalizões do crescimento. Quando o consenso é construído em torno da ideia que o crescimento é bom para todos da cidade, mesmo se apenas a longo prazo, o potencial de conflito entre rentistas e residentes é minorado. Não só os rentistas têm interesse em promover a ideia de que “qualquer crescimento é um bom crescimento”, mas os políticos locais também ajudam a criar e reagir à ideologia pró-crescimento. Uma dos aspectos mais preocupantes do contexto urbano norte-americano é a percepção de que os problemas sociais devem ser enfrentados em níveis locais, e que “mais desenvolvimento” é a solução (Molotch, 1993). A expectativa é que os políticos em nível local “façam algo” acerca do impacto dos problemas sociais de larga escala que se manifestam nas áreas locais. Junto com essa expectativa existe o fato de que os políticos locais são responsabilizados pelos problemas que são relacionados de modo genuíno com o local, como a infraestrutura em declínio. Para muitos políticos, a solução é “fazer alguma coisa” manipulando o uso e a regulação do solo urbano; um dos poucos domínios autônomos da governança de nível local. O resultado é o domínio da “política do crescimento” e o uso de subsídios públicos para empreendimentos tais como centros de convenções, shopping centers, lojas-âncora e centros culturais. Em diversos casos, esses projetos são apregoados como bem-sucedidos, não por causa de qualquer avaliação objetiva acerca de seus benefícios para os moradores locais, mas por causa do poder simbólico dos próprios edifícios. O que eles indicam é “alguma coisa” que pode ser feita, e sua mera presença matiza as percepções locais e forja carreiras políticas (Molotch, 1993; Zukin, 1991). Mais recentemente, Molotch (1999) mostra que, nos Estados Unidos e, de certa forma, na Europa, a ideologia do crescimento se estende a todos os domínios da vida urbana. Progressivamente, todas as políticas devem se justificar em termos da agenda do crescimento. Os teóricos dos estudos do esporte ampliaram essa discussão de maneira importante e convincente, evidenciando certa conexão com a tese da máquina de crescimento. Por meio de diversos estudos de caso, a sociologia do esporte revelou que o discurso do

50 crescimento é dominante na política urbana, e que o esporte se liga a esse discurso de uma forma do tipo “senso comum”, que é tão problemática quanto poderosa. Com respeito aos supostos benefícios tangíveis do desenvolvimento urbano, os teóricos dos estudos do esporte forneceram evidência empírica de como a construção de estádios e instalações esportivas é promovida como “motores” de empregos e “ímãs” do desenvolvimento econômico. Nos estudos do esporte, a construção do estádio foi contextualizada de diversas maneiras. Por exemplo, além daqueles estudos já discutidos, Sage (1993), Schimmel, Ingham e Howell (1993), Schimmel (1995, 2000), e Brown e Paul (1999) investigam (em parte) como a construção do estádio está conectada com a concorrência entre cidades por times de esporte profissional. Whitson e Macintosh (1993, 1996), Rowe e McGuirk (1999), Heitzman (1999) e Lenskyi (1996) enfocam a construção de instalações esportivas e a organização de “megaeventos” esportivos. Nas cidades analisadas nesses estudos de caso, de Baltimore a Bangalore, de Calgary a Cleveland, de Cincinnati a Sidney, a construção de instalações esportivas é apregoada como sendo parte de um plano maior de crescimento urbano, que proporcionaria benefícios reais para a “cidade como um todo”. No entanto, os acadêmicos da economia do esporte refutaram a afirmação de que as instalações e/ou eventos esportivos geram benefícios econômicos que gotejam, infiltram-se, desdobram-se ou se multiplicam através dos diversos segmentos da cidade. De maneira relacionada, a sociologia do esporte fornece evidências de que as consequências socioespaciais desse tipo de crescimento apresentam efeitos regressivos sobre as populações locais. Não obstante, o vínculo pró-esporte/pró-crescimento permanece forte, e a sociologia do esporte contribuiu muito para a compreensão de por que isso acontece.

O discurso da comunidade

Além da afirmação de que o crescimento possui benefícios tangíveis para todos, a máquina de crescimento trabalha para fomentar um sentimento de solidariedade com base no território. Em outras palavras, procura articular interesses antagônicos e criar um sentido local de comunidade; “um vínculo territorial” que, em vez de ser inevitável, é “socialmente organizado e sustentado” (Molotch, 1976, p. 315). Para Molotch, a propagação da ideologia de “comunidade” é uma característica importante da política da máquina de crescimento; essa ideia acumulou atenção considerável dos acadêmicos dos estudos urbanos e dos

51 estudos do esporte. Por exemplo, em seu livro The Urban Experience (1989), David Harvey, teórico dos estudos urbanos observa que, sob condições do capitalismo tardio, a “ideologia da localidade, do lugar e da comunidade tornou-se central para a retórica política da governança urbana” (p. 14). De fato, como seu colega Boyle sugere (1999, p. 55), é difícil ler qualquer análise recente relacionada às cidades ocidentais contemporâneas sem encontrar frases como “jingoísmo cívico”, “ufanismo local”, “projetos carros-chefe”, “espetáculo urbano”, “eventos distintivos” e “promoção do lugar”. Um grupo cada vez maior de teóricos urbanos, Boyle nos informa, está identificando esses projetos como tentativas das elites urbanas de impor novas formas de identidade e orgulho cívico. Embora sem questionar a exatidão ou pertinência dessas afirmações, gostaria de sugerir que os acadêmicos dos estudos urbanos são recém-chegados relativos à compreensão da importância do esporte no desenvolvimento da política da máquina de crescimento. Embora os acadêmicos de estudos urbanos mencionem em geral o esporte em suas discussões do (re) desenvolvimento urbano (incluindo Molotch em seu artigo de 1976), suas análises são surpreendentemente superficiais. Mais perturbador, talvez, é o fato de que os acadêmicos de estudos urbanos parecem desinformados a respeito das publicações dos acadêmicos de estudos do esporte, que passaram os últimos vinte anos conceitualizando o relacionamento entre esporte e comunidade. Por exemplo, ao discutir a conexão entre esporte e crescimento, Rosentraub (1996) escreve acerca do “esporte como argamassa da coalizão” e “esporte como ícone cultural”, sem citar um único trabalho da erudição acadêmica da sociologia do esporte (ainda que, um tanto inexplicavelmente, James Michener, romancista e ensaísta norte-americano seja citado longamente). Por outro lado, isso não é para sugerir que os acadêmicos dos estudos do esporte sempre utilizam a teoria dos estudos urbanos de maneiras que reflitam sua riqueza e profundidade. Parece haver uma tendência infortunada dos sociólogos do esporte (e ilustro isso em meu próprio trabalho abaixo) de “escolherem a dedo” ideias e conceitos contraditórios dos estudos urbanos, sem abordarem inteiramente as tradições teóricas das quais derivam. No entanto, acredito que uma das contribuições mais importantes que a sociologia do esporte fez para entender o (re) desenvolvimento urbano foi na conceitualização de como o esporte, enquanto forma cultural dominante, é mobilizado pelas coalizões prócrescimento em suas tentativas de construir e manter a hegemonia da ideologia do prócrescimento, alcançada, em parte, por meio do discurso de “comunidade”, “orgulho cívico”,

52 “cidade da liga principal”, “cidade de classe mundial”, etc. Realmente, a questão se reduz, sustento, à hegemonia (como construto ideológico) – e a sociologia do esporte contribuiu com um trabalho importante para a compreensão da hegemonia da maneira concebida originalmente por Antonio Gramsci, como uma busca de consenso e não de coerção (ver nota final 4). Como exemplo das contribuições dos acadêmicos de estudos do esporte nesse aspecto, considere o ensaio de Ingham, Howell e Schilperoort, de 1987, sobre esporte profissional e comunidade, que reformula os conceitos de ritual e símbolo de Cohen (1985) e de communitas de Turner (1974), a partir da perspectiva de hegemonia. Eles propõem que o esporte, como “ritual cívico serializado” pode ser considerado uma das formas pelas quais as relações culturais e as asserções ideológicas são parte da reprodução social da economia política. O ensaio ambicioso desses autores recorre às ideias marxistas acerca da formação de comunidades na estruturação de classe social, às teorias sociológicas clássicas de comunidade e à perspectiva emergente da máquina de crescimento em estudos urbanos. Para eles, o esporte profissional pode contribuir para nossa imaginação de comunidade como um todo, mas o discurso de comunidade é construído de maneira a naturalizar o interesse privado do capital a aparecer no bem público. Esses argumentos fornecem a base para um artigo subsequente de Schimmel, Ingham e Howell (1993), que enfoca mais explicitamente a política de crescimento e a concorrência entre cidades pelo investimento de capital. De forma específica, vinculamos a reorganização interna da economia das ligas esportivas e o fim ou transferência para outro lugar de times de esporte profissional em relação a forças mais amplas que delineiam as decisões de investimento/desinvestimento de capital. Ao reler esse artigo, minha própria avaliação é que nossa análise sofre de um tanto de ecletismo teórico, sendo emoldurado pelas perspectivas tanto do estruturalismo marxista (especificamente o trabalho de Castell, de 1979, sobre “a questão urbana”), como da práxis urbana (especificamente o trabalho dos teóricos do crescimento urbano). No entanto, tentamos estabelecer conexões entre a literatura da sociologia do esporte e dos estudos urbanos, abrindo espaço para a possibilidade teórica de que o esporte é capaz de desempenhar um papel influente na economia política do lugar. Não estamos sozinhos nesse esforço. Recentemente, diversos estudos de caso aparecerem na literatura da sociologia do esporte que analisam como o esporte é utilizado

53 pelos interesses locais de crescimento por meio de apelos ao “orgulho cívico” e à construção social do “status de liga principal”. Por exemplo, em seu trabalho concernente ao Newcastle Knights, Rowe e McGuirk (1999) analisam a importância que o esporte desempenha como marcador do “progresso cívico” e como lugar do afeto comunitário. Sage (1993) revela como os grupos pró-crescimento em Denver aproveitaram fundos públicos na busca de lucro privado, legitimando a construção do estádio como benefício para a comunidade como um todo. Da mesma forma, Brown e Paul (1999) ilustram como, em Cincinnati, um grupo (“Citizens for a Major League Future”) que fez campanha pela aprovação de um aumento de imposto para a construção de um novo estádio foi financiado pelas próprias pessoas que tinham mais a ganhar com aquela construção, incluindo o dono do time local de esporte profissional. De acordo com pesquisas pós-eleitorais, o “orgulho cívico” foi elemento importante na obtenção de apoio para o referendo. Os eleitores aprovaram o referendo porque ficaram convencidos que o estádio era importante para o futuro econômica da região; como os autores afirmam: “A fidelidade à comunidade foi um fator maior que a fidelidade ao time” (Brown e Paul, 1999, p. 233). A conexão entre comunidade, política de crescimento urbano e projetos relacionados com esporte também é examinada por Lenskyi (1996), em sua análise de como os líderes esportivos, as corporações e a mídia procuraram criar o consentimento público para fazer um lance em favor dos Jogos Olímpicos de Sidney e Toronto. Em resumo, de maneiras tanto planejada como talvez involuntária, a sociologia do esporte está contribuindo significativamente para nossa compreensão a respeito do discurso da comunidade num contexto urbano.

Direções futuras para os estudos urbanos e do esporte

Entre os debates mais recentes dos estudos urbanos, inclui-se o grau pelo qual a tese da máquina de crescimento se aplica aos contextos urbanos fora dos Estados Unidos. A crítica de que as perspectivas do crescimento urbano são etnocêntricas é muitas vezes acompanhada por recomendações de análise intercultural, capazes de identificar com mais clareza as condições sob as quais as coalizões são formadas, sustentadas, e ou evoluem ou degeneram. Esse trabalho está começando a emergir na “teoria do regime”; a iteração mais recente da perspectiva da máquina de crescimento e (comprovadamente) a mais dominante nos estudos urbanos atuais para análise do poder local. Por exemplo, o estudo de caso de

54 Henry e Paramio-Salcines (1999)de Sheffield investiga se certos aspectos da teoria do regime se aplicam no contexto europeu. O trabalho deles revela semelhanças notáveis entre Sheffield e Indianápolis (ver Schimmel, 1995), em termos do contexto econômico compartilhado pelas duas cidades (por exemplo, desindustrialização, perda de empregos, problema de “imagem” com a cidade) e da resposta dos líderes de crescimento a isso – utilizando o esporte como elemento-chave nas estratégias pró-crescimento. No entanto, os acadêmicos ainda tem de realizar uma análise explicitamente comparativa de duas cidades; de fato, a partir desse texto, poucos estudos comparam duas cidades de países diferentes com foco detalhado no esporte e na mudança urbana. No entanto, está emergindo na sociologia do esporte um corpo literário que aborda o esporte e as estratégias de crescimento urbano em relação a um pano de fundo internacional maior. A maior parte desses trabalhos enfoca como os diversos atores locais recorrem ao tema onipresente do “globalismo” para promover “suas” cidades na concorrência internacional pelo investimento de capital. Por exemplo, Whitson e Macintosh (1993, 1996) analisam os eventos esportivos e as estratégias internacionais de marketing urbano no contexto do turismo global e da acumulação flexível de capital. Heitzman (1999) investiga as conexões entre planejamento urbano, a projeção da ideologia nacionalista, e os National Games, em Bangalore, onde, ele sugere, o modelo norte-americano de crescimento urbano está nos estágios experimentais. Esses estudos contribuem para uma compreensão da conexão entre local e global e do grau pelo qual os modelos norte-americanos de crescimento urbano podem ser adotados em outros países. No entanto, ainda há muito trabalho a fazer. Como Molotch (1999) recentemente afirmou a ideia de que “o empreendedorismo urbano de estilo norte-americano que varre o mundo é consequência de condições novas e inevitáveis precisa de avaliação crítica, e não de aquiescência deferente” (p. 259). Evidentemente, o foco sobre a globalização é somente uma direção na qual os estudos urbanos e do esporte estão caminhando, embora uma das mais difundidas na atualidade. Recomendo que, para que essa trajetória de estudos (e outras) seja completamente acertada, devemos nos envolver na construção de pontes recíprocas com colegas de outras disciplinas. Com o objetivo de “construir conexões/construir futuros”, tracei algumas maneiras como os acadêmicos dos estudos urbanos e dos estudos do esporte tanto conversaram entre si, como falaram sem realmente se comunicar nos últimos vinte

55 anos. Como (sub)disciplina, temos os desafio de encontrar maneiras de assegurar que nossos colegas dos estudos urbanos fiquem mais cientes de nossas contribuições para a economia política do lugar e do papel específico que os esportes desempenham dentro disso.

56 Notas

1. Para uma exceção importante, ver Playing the Field: Why Sports Teams Move and Cities Fight to Keep Them, de Charles Euchner (1993).

2. A perspectiva da máquina de crescimento não é, evidentemente, o único modelo teórico que lança luzes sobre os padrões e os fundamentos lógicos do (re)desenvolvimento urbano, nem estou sugerindo que é necessariamente o “melhor”. No entanto, foi muito influente e continua bastante durável como forma de conceitualizar a mudança urbana. Além disso, como sugiro neste artigo, a sociologia do esporte fez contribuições importantes para o desenvolvimento dessa perspectiva.

3. Em resumo, a perspectiva neoclássica sustenta que a intervenção governamental nas forças do livre mercado é desnecessária, desperdiçadora e, possivelmente, até prejudicial para o bem-estar geral da sociedade. Ver Smith (1988) e Swanstrom (1993) para uma comparação da sociologia urbana de orientação de esquerda e do neoclassicismo. 4. Em todo esse capítulo, utilizei o termo “hegemonia” para me referir ao processo pelo qual os grupos subordinados são levados ao consentimento de acordo com o(s) sistema(s) que os subordina(m). Em vez da dominação manifestada pela força ou coerção, é alcançada por meio da construção do consenso em torno de sistemas de crença, que parecem “naturais” ou “inevitáveis” (ver Gramsci, 1971).

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Capítulo 3

Jogo absorvente: Esporte ao nível de liga principal e as condições sociais urbanas nos Estados Unidos. Considere brevemente como a reputação urbana é projetada no mundo. A imagem de uma cidade concorre com as imagens de outras cidades por reconhecimento, prestígio e status. Nos termos mais simples, tendemos a considerar uma cidade um “bom lugar” ou um “mau lugar”, posicionando-a em algum lugar na hierarquia de status urbano global. Mesmo o nome de uma cidade pode evocar um sentimento, uma memória ou uma imagem, que pode variar de terrível a ótima. Quando ligadas com megaeventos esportivos, essas reputações são especialmente duradouras. Por exemplo, podemos pensar a respeito de Sidney como limpa e amigável, Atlanta como cheia de congestionamentos, e Montreal como financeiramente onerada, e imagens associadas aos ataques terroristas de 2001 nos Estados Unidos podem ser lembradas quando alguém menciona Salt Lake City. Às vezes, em especial no caso de tragédia ou desastre, a conexão com o lugar pode ser tão forte que o nome da cidade torna-se uma representação para o evento ocorrido ali, estigmatizando a cidade pelos anos seguintes. Curiosamente, a não ser que nomeando um tratado ou um acordo em homenagem à cidade em que foi assinado, raramente a representação desse lugar/ocorrência é feita no caso de eventos “bons”. No entanto, basta dizer “Chernobyl” para se referir ao desastre nuclear e a uma era inteira de falha regulatória nuclear. E, eventos e imagens dos Jogos Olímpicos de 1972, saturaram nossa consciência de maneira tão profunda que uma recente representação de Hollywood requer uma única palavra no título: “Munique”. O conceito de “jogo absorvente” (“deep play”) foi criado originalmente no século XVIII pelo radical filosófico Jeremy Bentham (1789), que costumava se referir a uma forma de jogo de azar em que as apostas eram tão altas que era irracional se envolver nele. Para Bentham, o jogo absorvente devia ser declarado fora da lei, porque, em parte, o que podia ser ganho não chegava perto de compensar o preço do que podia ser perdido. Clifford Geertz (1973) metamorfoseou o conceito, sugerindo que o jogo absorvente pode ser “irracional” de acordo com o ponto de vista utilitário de Bentham, mas que há mais do que considerações simplesmente econômicas em jogo. Parafraseando Geertz: não é o dinheiro

64 em si – embora quanto mais dele envolvido, mais absorvente o jogo –, mas o que o dinheiro provoca: a migração das hierarquias de status no corpo do evento. Portanto, a correlação graduada de “jogo de status” com jogo absorvente tem, para Geertz, mais a ver com fazer sentido do que fazer dinheiro. Neste capítulo, utilizo o jogo absorvente como tema para discutir o desenvolvimento do esporte ao nível de liga principal e as condições sociais dos Estados Unidos. Enquadrado por perspectivas teóricas da economia política urbana, o capítulo enfoca o desenvolvimento das infraestruturas necessárias para receber grandes eventos esportivos, em contraposição a tendências econômicas e transformações geopolíticas mais amplas, pelas quais as cidades contemporâneas se tornaram “os campos de batalha em que poderes globais e significados e identidades tenazmente locais se encontram” (Graham 2004b: 8). Abordo tanto os gastos econômicos em ascensão destinados à infraestrutura do esporte ao nível de liga principal, como a militarização crescente do espaço urbano, onde a “segurança” tornou-se a justificativa para medidas que contribuem para diminuir a qualidade de vida da população urbana. O esporte e o desenvolvimento da infraestrutura relacionada ao esporte estão ligados intensamente às representações materiais, culturais e discursivas do espaço urbano. As paisagens culturais “temáticas”, o marketing agressivo e a promoção da imagem de uma cidade foram os marcos distintivos do design urbano nos Estados Unidos desde o fim da década de 1980. No entanto, na era pós-11 de setembro, o planejamento físico das cidades, o controle do espaço urbano e a gestão dos moradores urbanos e visitantes estão sendo remodelados por meio de uma agenda de “segurança interna” de longo alcance. No cruzamento de todas essas tendências está o esporte: a reconstituição de grandes áreas de espaço urbano para construção de estádios e superfícies; a conexão da criação da imagem da cidade com a localização do time de esporte profissional e a organização de jogos do campeonato; e, a padronização cada vez maior da doutrina e tática militar numa tentativa de controlar as populações urbanas e “proteger” os eventos esportivos. Meu objetivo não é convencer o leitor que a construção de megaprojetos esportivos e/ou a organização do esporte ao nível de liga principal são jogos absorventes, como Bentham ou Geertz fariam; reconhecidamente, há limites para essa aplicação. Em vez disso, utilizo o jogo absorvente para instigar o pensamento acerca do lugar e da prática do esporte ao nível de liga principal na sociedade contemporânea norteamericana.

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Transformação urbana, investimento em esporte e irracionalidade econômica

As transformações na paisagem urbana norte-americana após a Segunda Guerra Mundial são conhecidas. A redução do investimento de capital privado tradicional nas áreas centrais das cidades, em conjunto com a migração da população de classe média branca para fora das áreas centrais resultaram no enfraquecimento das bases fiscais e comerciais. Um período de reestruturação econômica capitalista e de ajuste social iniciado nos anos 1980, e que continua até hoje, resultou numa mudança dos setores de produção em massa. Essa mudança, somada com o fracasso das ideologias disponíveis (tanto o estatismo do bem-estar social, como o neoliberalismo) de criar soluções políticas eficazes, geraram diversas crises e conflitos, incluindo, entre outros, desemprego crescente, polarização cada vez maior entre grupos socialmente excluídos e a classe média, e condições ambientais deletérias (Jewson e MacGreggor 1997). O declínio da cidade central correspondeu à redução simultânea do financiamento federal para seu redesenvolvimento. As cidades norte-americanas são muito dependentes dos tributos gerados localmente para a prestação de serviços sociais (tais como, proteção policial e contra incêndios, educação, manutenção de infraestrutura, construção de bibliotecas, etc.). Isso difere de muitos contextos europeus (ver Jessop, Peck e Tickell 1999; Smith 1988), onde existe uma estrutura financeira urbana mais unitária e centralizada. Alguns críticos sociais concluíram que essa dependência local significa que os Estados Unidos não têm política urbana nacional. No entanto, na realidade, têm. Como Harvey Molotch, teórico de estudos urbanos, observa: “A política urbana norte-americana é criar estruturas e ideologias que intensificam a competição entre as cidades, no que elas propiciarão aos investidores urbanos” (Molotch 1993: 25). Esse sistema de financiamento obriga as localidades a manter a base de receita atraindo o capital móvel e apoiando o investimento que aumenta o valor de mercado dos bens imóveis; um ponto destacado de maneira bastante explícita pelo governo federal. Depois de eliminar as políticas elaboradas para ajudar cidades em apuros, o National Urban Policy Report of 1982 (US Department of Housing and Urban Development 1982: 14), do primeiro governo Reagan, declarou que são os governos estaduais e locais que têm a responsabilidade principal pela saúde urbana; portanto, “procurar isso é de seu melhor interesse, para se concentrar no aumento de sua atratividade para possíveis investidores,

66 moradores e visitantes” (ver também Judd 2002; Leitner 1990). Essa “doutrina de autogoverno autônomo (home rule)” norte-americana significa que as cidades devem lidar com “seus próprios” problemas (Molotch 1993: 24) e criar uma dependência social em relação ao investimento privado. Portanto, os políticos de nível local são responsabilizados por diversos problemas sociais, mesmo se esses problemas são induzidos por transformações estruturais amplas (regional, nacional e global) associadas ao capitalismo tardio. Os políticos locais que parecem não “conseguir fazer alguma coisa” acerca das condições de declínio urbano se arriscam a perder a reeleição. Uma geração de “prefeitosmessias” (Teaford 1990) iniciou suas carreiras na década de 1980, e eles se lançaram numa luta competitiva para reverter o declínio urbano e construir uma narrativa de renascimento urbano (Judd 2003: 7). Agora, o resultado pode ser visto na hegemonia da “política de crescimento”, no uso de subsídios públicos para atrair investimento privado (incluindo o esporte) e na manipulação e regulamentação do solo urbano, um dos poucos domínios autônomos de governança em nível local (Molotch 1993; Schimmel 2002; Zukin 1991). Desde os anos 1980, as cidades se envolveram numa competição tão feroz umas contra as outras que Haider (1992) refere-se a isso como “guerra de lugar”. Um ciclo de investimento mais curto, formas de produção mais flexíveis e mudança na produção e na circulação de mercadorias ajudaram a mobilidade do capital. Os governos municipais, distanciando-se de funções gerenciais e aproximando-se de papeis empresariais (ver Harvey 1989; Hill 1983), proporcionam um amplo conjunto de subsídios, incluindo reduções fiscais, empréstimos com juros baixos, concessões diretas, títulos em antecipação de receita e alocação de solo, numa tentativa de estimular o desenvolvimento. Além disso, as cidades se envolvem em diversas estratégias projetadas para se representaram positivamente nas novas geografias do capitalismo tardio ou do pós-fordismo (Short 1999). O sistema de governo mais descentralizado norte-americano, em comparação com a maior parte da Europa, permite mais ufanismo urbano em nível local. Não há limites para a quantia que as cidades norte-americanas podem gastar na propaganda do lugar, em contaste com a GrãBretanha, por exemplo, onde os servidores públicos locais atuam com restrições severas. Parte dessa promoção do lugar anuncia o “bom ambiente para negócios” da cidade, numa iniciativa de obter ou reter investimentos fixos. No entanto, a renovação da imagem é especialmente intensificada por meio da competição pelo capital circulante, que pode ser

67 pensado como “consumo livre”, não amarrado a uma localidade específica, como, por exemplo, aposentados, turistas e convenções (Short 1999: 39, 42).

É aqui que voltamos nossa atenção ao esporte. O esporte foi vinculado ao discurso dominante do crescimento e regeneração urbano de formas que são tão poderosas quanto problemáticas. Esses vínculos são tanto materiais quanto simbólicos, envolvendo capital fixo e circulante. A dimensão material inclui a reconstituição do espaço urbano e o uso de fundos públicos para o propósito de desenvolvimento de infraestrutura relacionada ao esporte e megaprojetos como estádios. A construção do estádio é necessária tanto para manter os times de esporte profissional da liga principal (em meio às ameaças dos donos de mudança de cidade), como para conseguir novos times ou incitar os existentes a se transferirem para a cidade. Também é necessária para receber os turistas interessados em megaeventos esportivos, incluindo o Super Bowl, jogo final do campeonato da National Football League (NFL). O retorno público sobre o investimento no desenvolvimento do esporte ao nível de liga principal é apregoado por abarcar diversos benefícios materiais, incluindo geração de empregos e renda, que solucionam os problemas urbanos e, assim, beneficiam todos os moradores. Além disso, afirma-se que os benefícios simbólicos de abrigar times de esporte profissional ou megaeventos esportivos incluem a melhoria do status da cidade e uma maior “qualidade de vida” para a “comunidade como um todo”. Quase duas décadas de estudos da ciência social refutam as afirmações dos defensores do crescimento em nível local a respeito dos supostos benefícios para a “cidade como um todo” relativo ao desenvolvimento de megaprojetos esportivos. Não obstante, o investimento público na construção de instalações esportivas ao nível de liga principal continua a passo acelerado. Uma pesquisa nacional recente relatada por Judd et al. (2003) revelou que dois terços das cidades centrais que responderam à pesquisa construíram ou estavam construindo estádios esportivos. No dólar de 2003, o custo agregado das instalações esportivas em que os times norte-americanos de futebol americano, beisebol, basquete e hóquei de ligas principais disputam seus jogos era de 23,8 bilhões de dólares. A participação do setor púbico nessa quantia era de 15,2 bilhões de dólares, aproximadamente, o que representava 64% do total (Crompton 2004). Os mecanismos de financiamento para construção de instalações esportivas ao nível de liga principal mudaram ao longo do tempo. Crompton (2004: 41) identifica quatro

68 épocas, a mais recente das quais começou em 1995, e “caracterizou-se por uma proliferação fora do normal dessas instalações, pela escalada acentuada de seus custos e pelo aumento substancial da proporção de financiamento do dono do time para a construção das instalações”. No entanto, como Crompton assinala, ainda que a proporção do gasto público seja menor, devido aos enormes custos das novas instalações, a quantia total em dólares daquela porcentagem menor permanece relativamente inalterada. Além disso, ele concluir que os entes do setor público muitas vezes recebem menos receita dos estádios agora do que em épocas anteriores. Falando do papel que a construção do estádio desempenha nas iniciativas das cidades de capturar as receitas relativas ao turismo, Perry (2003: 27) afirma que as cidades muitas vezes se dispõem a “sacrificar a lógica material pela identidade simbólica” resultante de abrigar um esporte ao nível de liga principal. A posição de Perry é compartilhada por diversos de seus colegas de estudos em turismo, reforçada pelos economistas do esporte e repercutida pelos acadêmicos de estudos do esporte e estudos urbanos. Nos Estados Unidos, os níveis correntes de investimento de finanças públicas em megaprojetos esportivos são, basicamente, irracionais economicamente.

Hierarquias urbanas e jogos de status

Em meados da década de 1990, os centros comerciais das cidades norte-americanas foram transformados em “paisagens embaladas” (Boyer 1993), projetados para se apresentarem como lugares estimulantes, limpos e seguros para trabalhar e se divertir. Novas torres corporativas e apartamentos de luxo, ao lado de bares, restaurantes, mercados festivos e shopping centers voltados para desenvolver centros urbanos em locais que atenderiam tanto a executivos de negócios como moradores de classe média e que atrairiam visitantes. Alimentada pela cultura do consumo, a cidade pós-industrial foi simbolicamente projetada no “espaço urbano espetacularizado” (Harvey, 1989), competindo por receitas de turismo e investimentos de capital fixo de setores corporativos, governamentais e varejistas. A mistura corporação/entretenimento foi copiada por cidades de todos os Estados Unidos, resultando num “modelo de revitalização econômica” bastante padronizado, incluindo componentes quase obrigatórios, que Friedan e Sagalyn (1990: 34) referiram-se como “vitrine de trofeus” de todos os prefeitos.

69 Nos anos recentes, a mercadorização e o marketing da cultura (artes, cinema, moda, música e história ou “patrimônio”) passaram para o primeiro plano da indústria de regeneração urbana (Zukin 1995). Em geral, isso envolve o (re) desenvolvimento e a (re) utilização de armazéns, patrimônio ou zona portuária por meio do uso de conceitos ou tecnologias novos ou altamente imaginativos (ver Salmon 2001; Short 1999), criando uma tradição simulada no afã de atrair investimento de capital. No entanto, como Salmon (2001) assinala, embora os projetos desenvolvidos de acordo com essa estratégia enfatizem a distinção local e as virtudes do “localismo” (ver também Gross 1996), também promovem algumas localidades em detrimento de outras. O resultado é paradoxal, já que “as cidades de todo o país estão buscando estratégias praticamente idênticas, que têm como premissa a ideia de que cada localidade é culturalmente única” (Salmon 2001: 111). Em última análise, essas estratégias são destrutivas, pois aumentam a concorrência entre áreas locais para investimento de capital e colocam as bases fiscais locais sob pressão adicional. Assim, emerge uma estrutura hierárquica de status urbano, e como Judd (2002: 296) adverte: “Da mesma forma que algumas cidades não conseguiram se tornar locais bem-sucedidos de produção na era industrial, nos próximos anos, como algumas não conseguirão ter êxito como locais de consumo... o abjeto fracasso total é possível”. No entanto, nos Estados Unidos, a concorrência entre centros urbanos impõe que as cidades devem competir e devem oferecer subsídios, ou se arriscam a perda de status e degeneração que o desinvestimento de capital assegura. Os imperativos da política urbana norte-americana deixam os “empreendedores públicos” das cidades “fracassadas” sentindo-se como se tivessem pouca alternativa além de investir de maneira mais intensa na competição. Nesse contexto de “surgimento da homogeneidade urbana” (Friedman, Andrews e Silk 2004), os governos locais e os moradores urbanos dos Estados Unidos gastaram, desde 1990, mais de 10 bilhões de dólares para subsidiar instalações esportivas ao nível de liga principal (ver também Kaplan 2003). Como âncoras dos planos de redesenvolvimento mais amplo, os grandes estádios esportivos são elementos cênicos especiais (substituindo as alamedas de pedestres festivas da década de 1980) que as cidades utilizam no afã de se diferenciarem umas das outras (Austrian e Rosentraub 2002; Bale 1994; Hannigan 1998; Turner e Rosentraub 2002). No final dos anos 1990, nos Estados Unidos, existiam cerca de 113 times de esporte profissional de ligas principais (Perry 2003), cada um requerendo um estádio ou local; em certos casos, os times de esportes distintos compartilham uma

70 instalação “sede” numa cidade. Com tantos estádios pontilhando a paisagem urbana em todos os Estados Unidos, faz sentido perguntar como os estádios “diferenciam” uma cidade da outra. Primeiro, há mais cidades que desejam abrigar um time de esporte profissional da liga principal do que times disponíveis. Assim, abrigar um time da liga principal significa que uma cidade pode se apresentar como uma “cidade ao nível de liga principal”, em relação a outras cidades com status inferior. Segundo, por causa dessas condições de escassez artificial nos esportes ao nível de liga principal, os donos dos times podem se transferir para locais mais desejáveis. Dessa maneira, as cidades se envolvem numa “corrida armamentista” real para a construção de estádios maiores e mais modernos (e lucrativos para os donos), mantendo (ou atraindo) times num jogo de riscos cada vez altos, em que menos cidades são capazes de competir. Terceiro, no topo da hierarquia estão as superestruturas situadas em localizações urbanas “favoráveis”, que atendem os requisitos para lances bem-sucedidos relativos a receber megaeventos esportivos. Nos Estados Unidos, o evento esportivo de mais prestígio ao nível de liga principal é o jogo final da National Football League (NFL), denominado “Super Bowl”, que se alterna nas cidades norte-americanas. O Super Bowl é distinto das séries finais das ligas principais de basquete, beisebol e hóquei, cujos jogos são disputados nas cidades dos times classificados. Em vez disso, os locais do Super Bowl são “outorgados” para as cidades após um processo de licitação competitiva. Atualmente, os estádios de futebol americano são desenvolvidos com base, não só nas demandas dos donos dos times com respeito ao lucro e ao controle, mas também com base nos requisitos da NFL para receber o Super Bowl. Esses requisitos se estendem além dos limites do estádio em si, alcançando os lugares urbanos que a NFL considera merecedores do Super Bowl. Por exemplo, de acordo das especificações da licitação de 2000 tornadas públicas pela cidade de San Diego a NFL requer que: •

O estádio deve acomodar, no mínimo, 70 mil espectadores;



A cidade deve ter, no mínimo, 24,5 mil quartos em hoteis de “qualidade”,

em um raio de 32 quilômetros; •

A cidade deve prover serviços grátis de utilidade pública e renunciar ao

controle do estacionamento do estádio em favor da NFL;

71 •

A cidade deve prover pessoal em níveis 300% acima do normal para eventos

de lotação esgotada no estádio; •

A cidade deve ser capaz de prover 55 mil metros quadrados de espaço para o

“NFL Experience”; isto é, um parque temático interativo temporário (Alesia 2004).

Ocupar uma posição no topo da hierarquia do status urbano entre as cidades de esportes ao nível da liga principal requer desenvolvimento de infraestrutura significativo, financiamento pesado e apoio ideológico substantivo, especialmente se o público for convocado a arcar com as despesas, o que é quase sempre o caso. Além dos “estudos de impacto econômico” e dos supostos benefícios materiais que são prometidos, os planos de desenvolvimento esportivo ao nível de liga principal quase sempre apelam ao sentimento de solidariedade com base no território e ao sentido de comunidade. Receber esportes ao nível de liga principal proporciona foco para “todos nós nos reunirmos ao redor”, gera sentimento de orgulho e “nos” simboliza como cidade ao nível de “liga principal” ou de “classe mundial”. De acordo com esse mantra, os estádios esportivos e os times de esporte profissional da liga principal são “ativos comunitários”, que melhoram nossa qualidade de vida. Por exemplo, num estudo encomendado pelo time do Indianapolis Colts, pertencente à NFL, intitulado The Value of the Indianapolis Colts to Indiana Residents and Their Willingness to pay for a New Stadium (O valor do Indianapolis Colts para os moradores de Indiana e sua disposição de pagar por um novo estádio), os estudiosos concluíram:

O entusiasmo gerado pelos esportes e a atenção que atraem foram os fatores que transformara os times em ativos comunitários valiosos [itálico meu], associados de maneira inexorável com as cidades e seus torcedores... Por mais de 2000 anos, esse entusiasmo e essa identidade tornaram os esportes parte importante da vida social em praticamente todas as sociedades... Além disso, [os times de esportes profissionais das ligas principais de Indiana]... ajudam a definir a imagem de Indiana e a atrair os visitantes e a atividades econômica para o estado (Rosentraub e Swindell 2004: sem páginas).

Essa perspectiva histórica imperfeita e hiperbólica é comum nos relatórios encomendados pelos times de esporte profissional das ligas principais. A cidade de

72 Indianápolis, precisa-se dizer, está agora construindo um estádio de e um centro de convenções de 900 milhões de dólares, substituindo os construídos na década de 1980, para ancorar o desenvolvimento do centro comercial da cidade e manter o Colts longe de Baltimore (ver Hydnut 1995; Rosentraub 2003; Schimmel 2001). Quando consideramos a noção de que times de esporte profissional e eventos das ligas principais são “ativos comunitários”, devemos lembrar-nos da hipermobilidade do capital e da condição de fixidez das comunidades exploradas pelo capital. Em outras palavras: o capital é móvel, mas as cidades não são. Em contraste brutal com a implementação de novas ideias usando uma combinação de habilidades técnicas e imaginação criativa consumada pelas elites municipais e pelos impulsionadores da cidade com respeito aos megaestádios esportivos, estão as imagens dos moradores de Nova Orleans agrupados no Superdome durante a evacuação provocada pelo furacão Katrina. O Superdome foi construído com o dinheiro dos contribuintes com base na afirmação de que “seria um benefício para a comunidade como um todo; não desalojando ninguém e proporcionando efeitos secundários, como mais dinheiro de turistas [e] mais dinheiro de impostos gerados pelo turismo” (Smith e Keller 1983: 135). Em 2005, os ingressos para acompanhar um evento no Superdome custavam, em média, 90 dólares; os carnês para assistir a temporada do time de futebol americano alcançavam 1,3 mil dólares; e o aluguel do camarote de luxo chegava a 109 mil dólares (www.neworleanssaints.com). A maioria dos 25 mil moradores da comunidade que entraram nele como um suposto “Abrigo de Último Caso” durante o furacão foram, provavelmente, visitantes de primeira vez. A cobertura da mídia do furacão Katrina nos revelou a vida urbana de Nova Orleans fora da “bolha turística” (Judd 1999), e lembrou-nos de que as elites dos setores de negócios e cultura estão “de modo ostensivo, mais além do alcance das pessoas comuns, dos ‘nativos’ presos firmemente ao chão” (Bauman, 2001: 56; ver também Smith e Ingham 2003). Por um lado, espaço seguro; por outro, espetáculo (Perry 2003), a nova paisagem urbana tem de ser entalhada dentre os restos do passado industrial, e os turistas devem ser isolados das realidades duras da existência em relação aos moradores urbanos de “mobilidade congelada” (Ingham & McDonald 2003). “As ilhas de afluência” (Judd 1999) ocultam o declínio geral da cidade pós-industrial, reduzindo-a a um “simulacro” (Boyer 1993) e a uma representação distorcida da coisa real. Os espaços revitalizados, com atrações culturais recém-desenvolvidas, protegidos com muros, fora de lugares (e pessoas)

73 supostamente perigosos, são criados para solucionar os problemas de imagem urbana e controle social. Esses espaços são defendidos por medidas que solidificam as relações com o capital, tornando-os “seguros” para o investimento de capital. As ferrovias, as rodovias e as pontes são utilizadas para estabelecer zonas rígidas de demarcação entre as áreas “boas” e “ruins” da cidade. Os edifícios e as outras estruturas de barricada podem atender ao mesmo propósito. Outrora, os shopping centers com átrios, os centros de convenção e os estádios com domos foram construídos para proporcionar compartimentos de proteção perfeitos contra os aspectos sórdidos da vida urbana local. No entanto, o espaço também pode ser recuperado por meio de policiamento intensivo e vigilância. Na década de 1990, quando o desenvolvimento de infraestruturas de conveniência e as zonas para turistas ficaram muito maior, as táticas de policiamento se estenderam para alcances ainda mais distantes das cidades norte-americanas (Davis 1992; Judd 2003).

Esporte e militarização da sociedade urbana nos Estados Unidos

Enquanto a violência global alcança os lugares locais, barreiras físicas, sociais e psicológicas estão sendo construídas e postas em prática. No rastro do 11 de setembro, e de outros ataques terroristas catastróficos dos últimos anos, o projeto dos edifícios, a gestão do trânsito, o planejamento físico das cidades, a política de imigração ou o projeto de políticas sociais para cidades e zonas com diversidade étnica está sendo trazido para dentro do amplo guarda-chuva da “segurança nacional” (Graham 2004b: 11). No presente momento histórico, novos relacionamentos estão surgindo – e os estabelecidos estão se intensificando – entre a cultura do esporte e a agenda geopolítica norte-americana, e entre eventos esportivos e a militarização da sociedade civil urbana. O vínculo entre os eventos esportivos ao nível da liga principal e a construção ideológica do apoio à “guerra ao terror” do governo Bush foram recentemente levantados por diversos acadêmicos dos estudos do esporte. Por exemplo, ampliando o que Giroux (2003: ix) identificou como a “militarização contínua da cultura visual”, King (2005) analisa como as ligas principais de esportes profissionais incorporaram a política do governo Bush, tanto por meio de estratégias de marketing, como mediante espetáculos e exibições nos eventos

74 esportivos. King vai além e mostra como, simultaneamente, a “esportificação” da vida política se intensificou por intermédio da associação do governo Bush com os esportes norte-americanos ao nível de liga principal. McDonald (2005) investiga a contextualização mediada do esporte ao nível de liga principal nos dias imediatamente seguintes ao 11 de setembro. Atkinson e Young (2005) apresentam uma análise ampla da violência política e os Jogos Olímpicos, incluindo um estudo de caso detalhado dos Jogos Olímpicos de Inverno de Salt Lake City, em 2002, e a relação entre o terrorismo, a ideologia política e o esporte como apresentada pelos meios de comunicação de massa. Menos investigada, porém, são as relações atuais entre os eventos esportivos das ligas principais e os lugares urbanos transformados e em transformação onde os mesmos acontecem. Isso inclui como a doutrina militar norte-americana e as preocupações referentes à “segurança interna” estão moldando a paisagem urbana, incluindo a infraestrutura de esportes ao nível de liga principal e as vidas e as experiências das pessoas que vivem, trabalham e visitam as áreas urbanas. Confrontando a retórica de que a atração de esportes ao nível de liga principal beneficiará a “cidade como um todo”, está a realidade de que os espaços urbanos onde eles são realizados está sendo transformada de “ambientes civis para militarizados, em apoio aos atores hegemônicos transnacionais” (Warren 2004: 216), e que as estruturas e os eventos dos esportes ao nível de liga nacional estão sendo utilizados para intensificar e acelerar a transformação. É importante destacar, acompanhando Graham e seus colegas (2004a), que muitas “mudanças” no meio urbano norte-americano são uma continuação das tendências já a caminho antes do 11 de setembro, algumas das quais foram realçadas neste capítulo, mas reforçadas e agravadas pelas preocupações sobre o terrorismo. O prognóstico com respeito ao impacto da guerra ao terrorismo na vida urbana das cidades norte-americanas e, em particular, nas áreas pobres dos centros das cidades não é otimista. Peter Marcuse (2004) detalha diversas dessas predições e, apesar de não incluir uma discussão com respeito à infraestrutura esportiva/esportes ao nível de liga principal, as implicações não são difíceis de conjecturar. Entre suas predições, inclui-se a crescente descentralização das atividades econômicas principais para lugares fora do centro, o que, paradoxalmente, será acompanhado por incorporadores imobiliários pressionando os governos locais para ajudá-los na manutenção dos níveis anteriores de centralização. Além disso, ele afirma, mais funções da vida cotidiana acontecerão dentro de espaços fechados e

75 protegidos por meio de uma crescente “cidadelização” da construção relativa a negócios importantes e residentes afluentes. As estratégias de “barricada” se intensificarão, restringindo ainda mais o movimento e o uso do espaço público, e separando regiões das cidades umas das outras. Fundos públicos crescentes serão desviados de programas de bemestar social para segurança e mecanismos de vigilância e controle. Os resultados da ao terror, resume Marcuse (2004: 264), serão uma “redução contínua da qualidade de vida das cidades norte-americanas... em particular, para os membros dos grupos de pele escura”. Aguardamos investigações completas e sistemáticas das ligações entre esportes ao nível de liga principal/desenvolvimento de infraestrutura esportiva e essas tendências crescentes, mas mesmo excursões breves podem ser reveladoras. As construções de estádios, como sempre, simbolizando o status urbano da cidade e o “sucesso” de regeneração do capitalismo tardio, são agora, além disso, posicionados como “alvos de terroristas”. Os espaços urbanos onde ocorrem os eventos esportivos das ligas principais são cada vez mais vistos como terrenos em que a tática militar e os armamentos são necessários para proteger os investimentos de capital, controlar o público, e impedir e reagir aos ataques terroristas. Portanto, muitos cidadãos aceitam a crescente militarização das instalações e dos eventos esportivos como parte natural da vida urbana contemporânea. Atualmente, a doutrina militar norte-americana serve como guia para “proteger” um conjunto cada vez maior de eventos esportivos, doméstica e globalmente (Warren 2004: 225). Como Warren (2004) explica, as estratégias amplamente aceitas e atualmente crescentes para a realização de missões militares urbanas foram detalhadas inicialmente em 1979, no manual de campo do Exército norte-americano intitulado Military Operations on Urbanized Terrain (MOUT – Operações militares em terrenos urbanos). Até a década de 1990, a suposição era que a doutrina MOUT seria aplicada principalmente fora dos Estados Unidos e de outros países industrializados. No entanto, diversos eventos na década de 1990, incluindo a violência racial em Los Angeles (1992), e as explosões de bombas no World Trade Center (1993), no Murrah Federal Office Building, em Oklahoma City (1995), e nos Jogos Olímpicos de Atlanta (1996), resultaram em que a “defesa interna” se tornou tema recorrente nas publicações militares norte-americanas (Warren 2004: 218). Em 2000, a doutrina MOUT continha estratégias bem estabelecidas e amplamente acordadas para a execução de operações domésticas e no exterior. Com base nas informações compiladas por

76 Glenn, Steeb e Matsumura (2001), Warren resume as estratégias da doutrina MOUT, algumas das quais são as seguintes [itálico no original]: •

Melhoria da inteligência, da vigilância e do reconhecimento inclui o

desenvolvimento de tecnologias para impedir que edifícios, passagens subterrâneas e outros elementos do ambiente construído encubram a localização dos inimigos...; •

Estratégias de negação de acesso são projetadas para impedir a entrada em

áreas urbanas ou limitar a penetração tanto de combatentes como de não combatentes...; •

Operações nodais têm o objetivo de selecionar nós espaciais chave dentro da

cidade, em vez de toda a área metropolitana ser controlada diretamente...; •

Controle do não combatente é almejado para influenciar “atitudes e

comportamentos” civis para beneficiar as forças armadas...; •

Domínio seletivo envolve a capacidade de controlar áreas sem ocupá-las

fisicamente (Warren 2004: 218).

Em 2002, os Jogos Olímpicos de Inverno de Salt Lake City, a primeira Olimpíada a ser projetada como “evento nacional de segurança especial”, foi a vitrine inicial da guerra ao terror do governo Bush, e também uma oportunidade de exibição do domínio militar norte-americano para uma audiência global (ver Atkinson & Young 2005). A Casa Branca expediu diversos press releases assegurando aos cidadãos norte-americanos que eles e os Jogos Olímpicos seriam protegidos por meio de investimentos superiores a 300 milhões de dólares em medidas de “segurança”, que incluíam: 4,5 mil funcionários militares; os recursos de diversas agências governamentais federais, estaduais e locais; uma zona de exclusão aérea sobre todos os locais dos jogos e num raio de 70 quilômetros da cidade; equipamentos portáteis de raios X; scanners biométricos; bloqueios de trânsito; câmeras de vigilância; soldados armados nos terminais do aeroporto; aviões de combate; e helicópteros Blackhawk. Além disso, o porta-voz da presidência informou que os Jogos de Salt Lake City também seriam os primeiros Jogos Olímpicos de Inverno a “submeter todos os visitantes, em todos os locais, a detectores de metal (quase mil)”. O planejamento da segurança dos Jogos de 2002 começou bem antes do 11 de setembro, mas foi muito aprimorada depois, mesmo quando o governo Bush declarou: “Mostraremos ao mundo que

77 somos capazes de salvaguardar o ideal olímpico sem sacrificar os ideais americanos: transparência, mobilidade e oportunidade econômica no processo (Office of the Press Secretary, 10 de janeiro de 2002). Atualmente, a “guerra ao terror” do governo Bush se estende a diversos eventos esportivos norte-americanos. Em julho de 2004, o Department of Homeland Security (Departamento de Segurança Interna) realizou um “Security Forum for Sports Executives” (“Fórum de Segurança para Executivos do Esporte”), incluindo um seminário de um dia, em que os executivos e o pessoal de segurança foram instruídos a respeitos dos recursos e das responsabilidades da Homeland Security. Em sua declaração à imprensa com respeito ao seminário, Tom Ridge, então secretário de Segurança Interna, comentou que “Trabalhando junto com esses representantes, estamos compartilhando informações importantes, que ajudarão os donos e os operadores de instalações esportivas a melhor prevenir, detectar e reagir a ameaças terroristas, assegurando uma experiência segura agradável para todos” (Office of the Press Secretary, 23 de julho de 2004). Entre as “melhores práticas” que foram estimuladas pelo governo federal, incluíam-se a instalação de câmeras de vigilância e outros equipamentos de detecção e monitoramento, aumento das rondas pelos perímetros e a criação de áreas restritas de acesso. De longe, a incursão mais intensiva da doutrina MOUT e das medidas de “segurança” afins no esporte norte-americano acontece na National Football League e, em especial, no Super Bowl. Em 2006, a NFL ordenou revistas corporais de todos os torcedores que entravam nos estádios onde os times disputavam a temporada de futebol americano. Como a propriedade e a manutenção da maioria dos estádios da NFL são do poder público, o custo da segurança extra é frequentemente repassado aos contribuintes. Atualmente, em Jacksonville, na Flórida, a Stadium Authority está movendo uma ação contra a NFL numa tentativa de recuperar o gasto da segurança extra desde o 11 de setembro, incluindo o custo de revistas, que a administração do estádio afirma que custa 7,5 mil dólares por jogo. Além disso, também em Jacksonville, um detentor de carnê de ingressos para a temporada está processando a NFL, alegando que a revista corporal viola seus direitos constitucionais (NewsEdge Corporation, 6 de janeiro de 2006). Porém, essas ações podem ser consideradas formas relativamente brandas de resistência em relação a uma liga que controla o Super Bowl. São especialmente brandas ao se considerar as medidas de segurança adotadas em 2005, quando Jacksonville recebeu o

78 Super Bowl XXXIX. O governo local e a polícia potencializaram as demandas extras de segurança relativas à organização da partida, “expandindo suas capacidades” de vigilância no centro de Jacksonville. O plano ilustra a tendência de convergência entre vigilância estatal e comercial descrita por Lyon (2004; 2001). A um custo inicial de 1,7 milhão de dólares, a cidade contratou a empresa de segurança privada GTSI e seus parceiros da InteGuard Alliance, que tinham trabalhado antes disso para o Pentágono, para instalar cerca de 100 câmeras de vídeo criptografadas VPN em todo o estádio e na cidade. Inicialmente implantado para o jogo, o sistema foi projetado para “se expandir”, permanecer “durante décadas” e ir “além do Super Bowl, atendendo outras necessidades” (McEachern, 24 de janeiro de 2005). O Super Bowl XL, disputado entre o Pittsburgh Steelers e o Seattle Seahawks, foi realizado no estádio Ford Field, em fevereiro de 2006, em Detroit, no estado de Michigan. Foi o primeiro Super Bowl a ser disputado perto da fronteira internacional, a 800 metros do Canadá. Também se tornou uma das maiores operações de segurança da história norteamericana, de acordo com os relatos da mídia. As autoridades norte-americanas pediram para as autoridades canadenses restringirem o vôo de aviões privados no espaço aéreo canadense perto do estádio. Uma zona de exclusão área de 30 milhas náuticas, impedindo o vôo de aeronaves abaixo de 5,5 mil metros de altitude durante todo o jogo, esteve em vigor ao redor do estádio. O FBI e a polícia de Detroit foram auxiliados por 50 órgãos federais, estaduais e locais de manutenção da ordem pública, depois de 18 meses de treinamento (seção “Sport” do The Guardian, 3 de fevereiro de 2006, p. 12). Uma preocupação obsessiva com a “segurança” impregnou a usual badalação da mídia pré-Super Bowl e a preparação do jogo, relatando-se, por exemplo, que “as equipes da SWAT – auxiliadas por um mapa digital que cobria cada centímetro do Ford Field – estariam a postos rapidamente” (NewsEdge Corporation, 13 de janeiro de 2006). Escrevendo em 1983, Richard Hill descreveu Detroit como uma cidade que não conseguia mais concorrer pelo desenvolvimento dentro das regras institucionais, estando ausente do planejamento e da coordenação nacional e regional. Há mais de duas décadas, Hill (1983: 116) perguntou: “O que deve ser feito para salvar Detroit?” Atualmente, a imagem de Detroit é um símbolo duradouro do declínio urbano pós-fordista. Em 2006, menos de um mês antes do Super Bowl XL ser disputado no Ford Field, de Detroit, a Ford Motor Company divulgou planos de eliminar de 25 a 30 mil empregos, que constituíam

79 20% de sua força de trabalho, e fechar 14 fábricas na América do Norte nos seis anos seguintes. No entanto, as autoridades municipais insistiram que o Super Bowl daria a cidade uma chance de “polir sua imagem” e “exibir suas melhorias para os visitantes” (Haugh, 3 de janeiro de 2006; Sarcaceno, 29 de janeiro de 2006). Pode haver melhor exemplo do que o Super Bowl XL em Detroit para observar as conexões complexas entre o esporte ao nível de liga principal, as tendências urbanas contemporâneas e as condições da sociedade norte-americana? Alguma cidade tem tanto assim para correr o risco? Ou Detroit tinha pouco a perder?

Conclusão

Neste capítulo, utilizei o conceito de jogo absorvente para instigar o pensamento acerca do esporte ao nível de liga principal nos Estados Unidos. Destaquei a conexão entre o desenvolvimento das infraestruturas necessárias para receber grandes eventos esportivos e as tendências econômicas e condições sociais mais amplas da sociedade norte-americana. A mudança urbana norte-americana, e o papel desempenhado nela pelo esporte ao nível de liga principal, são tanto consequência como componente de um ambiente complexo de economia política orientada pela competição entre cidades por investimento de capital e melhoria de status. Nesse caso, numa sociedade fixada em “ser a número 1”, os vencedores emergem e os perdedores são abandonados para tomar o “banho de sangue de status” (para tomar emprestado o uso de Geertz da expressão de Erving Goffman). Pedi para que reflitamos a respeito da “irracionalidade econômica” de investir quantias imensas de dinheiro público em megaprojetos urbanos, que corroem ainda mais a capacidade do estado (e da cidade) de prestar serviços sociais urbanos. Nesse contexto maior de renovação urbana neoliberal, liderada pelas finanças e patrocinada pelo estado, os estádios muitas vezes existem em íntima proximidade com os cidadãos que não conseguem arcar com o preço da entrada e sobre os quais o ônus da maior tributação é desproporcionalmente imposto. Além disso, o rompimento de barreiras ao livre comércio e ao livre fluxo de capitais é agora acompanhado pela fortificação crescente das barreiras entre os espaços urbanos e a disrupção do fluxo de pessoas por toda a cidade. O poder cultural do status diferenciado é reforçado e “defendido” pela vigilância patrocinada pelo estado, pelas táticas de controle e por uma escalada da militarização da sociedade civil

80 urbana. Em nenhum outro lugar essas tendências são mais evidentes do que no caso do esporte ao nível de liga principal e nos megaeventos esportivos. Com base nas discussões de Geertz a respeito do jogo absorvente, a recepção de eventos esportivos da liga principal nos Estados Unidos proporciona um “comentário metassocial” sobre a questão de classificar os cidadãos e as cidades em níveis hierárquicos fixos e organizar uma experiência coletiva em torno daquele arranjo. Na cidade norte-americana pós-industrial “revitalizada”, o esporte profissional ocupa posição elevada nas estratégias baseadas em consumo que diferenciam as “comunidades de prestígio” (Ingham e McDonald, 2003) de todo o resto. Embora em referência a um contexto bastante diferente, Geertz nos revela que o prestígio – a necessidade de afirmar, definir, celebrar, justificar e “simplesmente tomar sol nele” – pode ser a força motora de uma sociedade. De fato, será que essa também talvez seja a história que os “americanos” contam de si acerca de si?

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