Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Share Embed


Descrição do Produto

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria Ricardo Charters d’Azevedo

3

Ricardo Charters d’Azevedo

Título: MANUEL SEVERIM DE FARIA E A SUA IDA A MAÇÃS DE D. MARIA Autor: Ricardo Charters d’Azevedo Arranjo da capa: Gonçalo Fernandes, a partir de concepção do autor Colecção: Tempos & Vidas - 26 © Textiverso, Lda. Rua António Augusto da Costa, 4 Leiria Gare 2415-398 LEIRIA E-mail: [email protected] Site: www.textiverso.com Revisão e coordenação editorial: Textiverso Montagem e concepção gráfica: Textiverso Impressão: Tipografia Artipol 1.ª edição: Janeiro 2015 Edição 1163/15 Depósito Legal: 386852/15 ISBN: 978-989-8812-00-1 Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor.

4

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria Ricardo Charters d’Azevedo

LEIRIA

5

Ricardo Charters d’Azevedo

6

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Uma explicação Foi-me solicitado pelo Dr. Carlos Craveiro que proferisse uma palestra no mês de fevereiro de 2015, em Maçãs de D. Maria, sobre um tema à minha escolha. Maçãs, como se usa dizer entre pessoas que por esta terra caminham, é-me cara desde que me casei e resolvi passar férias e fins-de-semana no Casal da Vila (ou antigamente Casal do Termo), propriedade do ramo paterno da minha mulher. Consequentemente, não poderia recusar o amável convite feito. Mais complicado foi a escolha do tema, pois deveria ser interessante para a população maçaense que estivesse disposta a escutar-me, e por outro lado devia ligar-se aos trabalhos que de há dez anos a esta parte desenvolvo na área da história e da genealogia. Trabalhos esses que me levaram a publicar, ou a promover a publicação, de mais de uma boa dúzia de livros. Como escrevi um texto sobre A Estrada de Rio Maior a Leiria em 1791, publicado pela Textiverso em 2011, onde incluí resumos de relatórios de viajantes que, nos séculos XVIII e XIX, se deslocaram entre Leiria e Rio Maior, e um anexo sobre As estalagens e os transportes em tempos idos, pareceu-me adequado procurar alguém que tenha, em tempos idos, passado por Maçãs de D. Maria e o tenha relatado. Por outro lado, nos anos 80, o Prof. Doutor Veríssimo Serão, ao saber que minha mulher era de Maçãs, ofereceu-lhe amavelmente uma publicação da sua autoria, sobre as jornadas de Manuel Severim de Faria, indicando que a 3.a era de Évora a Maçãs de D. Maria. Tendo assim ficado definido o tema da minha conferência, surgiu-me a ideia de apresentar igualmente o indivíduo que recebeu em 7

Ricardo Charters d’Azevedo

sua casa e agasalhou a comitiva do Chantre Manuel Severim de Faria, o seu cunhado D. Cristóvão Manuel de Vilhena. Por outro lado, não poderia deixar de fazer uma referência a outra personalidade a quem foram doadas estas terras por D. Sancho I, D. Maria Plagii, ou D Maria Pais da Ribeira, a “Ribeirinha”. Para se fazer uma palestra é necessário prepará-la, e eu gosto sempre de ter um texto em que me possa basear. É esse texto que aqui vos apresento, garantindo-vos que o não lerei, mas que me servirá de guião. Assim, quem me escutar poderá relembrar o que ouviu. Ricardo Charters d’Azevedo

8

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Introdução Manuel Severim de Faria (Lisboa, 1583 ou 1584 – Évora, 1655) foi um sacerdote católico, historiador, arqueólogo, numismata, genealogista e escritor. A data de nascimento é controversa entre os vários biógrafos, uma vez que Frei Cristóvão de Lisboa, seu irmão, terá nascido no mesmo ano. Apenas Joaquim Palminha Silva (SILVA 2003: 7), no seu ensaio biográfico, avança com a data de nascimento em 1584. Tendo sido educado e vivido sob a monarquia filipina (1580-1640), foi notável figura da Igreja, insigne erudito, tendo deixado inúmeros textos de carácter religioso e laico. Muitos destes constituem documentos incontornáveis para o conhecimento da época, quer pela reflexão política neles contida, quer pelo testemunho direto que constituem sobre aspetos culturais, políticos e do quotidiano da vida portuguesa. Exemplos destes documentos são os relatos das “jornadas”, podendo-se, assim, considerá-lo o primeiro cronista de viagens português. É também considerado o primeiro jornalista português. Neste texto, vamos, de uma forma resumida, apresentar Manuel Severim de Faria, respigando o que outros autores escreveram sobre ele, mas iremos principalmente focar-nos na sua deslocação a Maçãs de D. Maria, que ele aproveitou não só para ver a sua irmã, que aí vivia, como para passar por locais marianos nos arredores de Maçãs, mas também pelo da Nazaré. São interessantes as considerações que ele tece sobre a forma de viver no convento de Alcobaça. Por último, não podíamos deixar de apresentar duas figuras incontornáveis de Maçãs de D. Maria: a “ Ribeirinha” e D. Cristóvão 9

Ricardo Charters d’Azevedo

Manuel, seu cunhado, que merecem um estudo mais aprofundado do que aquele que apresentamos.

Infância e juventude Manuel Severim de Faria terá nascido em 1584 (ou 1583), em dia desconhecido do mês de fevereiro, na freguesia de Santa Justa da cidade de Lisboa, sendo batizado a 22 desse mesmo mês. Era filho de Gaspar Gil Severim, Escrivão da Fazenda e Executor-Mor do Reino, e de Juliana de Faria, sua segunda mulher. Seus avós paternos eram António Gil Severim e Catarina Lopes de Sequeira, e seus avós maternos Duarte Frade de Faria e Maria Severim. Seu avô paterno, António Gil Severim, era natural de Lisboa, filho de Gil Severim, igualmente natural de Lisboa e morador na sua quinta de Subserra1, termo de Alhandra, e neto de Maria Anes Severim; bisneto de Pedro Severim, natural do bispado de S. Luís dos reinos de França, “fidalgo muito honrado e do verdadeiro tronco desta geração” (BAENA, 1872: 49). Foi concedida carta de brasão a António Gil Severim e a seus sucessores, por D. Sebastião, a 24 de maio de 1562 (Chancelaria D. Sebastião, liv. III, fl. 270): «Escudo de campo partido em pala; o primeiro de prata e uma bordadura composta de prata e vermelho, o segundo de vermelho e duas palas de prata, elmo de prata aberto guarnecido a ouro, paquife de prata e vermelho, e por timbre um leão de prata faixado com três faixas vermelhas; com todas as honras e privilégios por descender da geração dos Severins do reino de França.» 1

Hoje propriedade do Município de Alhandra (http://alhandra.net/quinta.html)

10

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Seu tetravô, Pedro de Severim, esteve entre as tropas de D. João I na tomada de Ceuta, o qual teria, posteriormente, contraído matrimónio com Constança Pires de Camões, da família do famoso poeta luso. Pedro (ou Pierre) de Severim foi senhor das vilas do Sardoal, Punhete e Amêndoa. Manuel Severim de Faria foi para a cidade de Évora ainda criança. Frequentou a universidade jesuítica de Évora onde obteve o grau de bacharel a 6 de março de 1605 (CAPITÃO, 1959: 180), o mestrado em Artes e o doutoramento em Teologia (1606). Foi igualmente educado por um tio, Baltasar de Faria Severim, Cónego e Chantre da Sé de Évora. Tal cargo viria a assumir um carácter quase hereditário na sua família, uma vez que o próprio Manuel Severim de Faria sucederia a seu tio, sucedendo-lhe, posteriormente, um sobrinho, Manuel Faria de Severim, em 1642, e a este Francisco Severim de Menezes, seu sobrinho (VASCONCELOS, 1922). Manuel Severim de Faria viveu, assim, grande parte da sua vida sob o reinado dos Filipes, que terá resignadamente aceitado. Segundo Jorge (2003: 33) esse facto «é importante tanto para a compreensão das suas ideias e pontos de vista políticos, como para a análise da sua obra e das preocupações e interesses que o motivaram». Inicialmente cultivou a Poesia, pois que, com 15 anos, já escreve versos. Depois, tentou outros campos como a História, a Geografia, a Sociologia, as Antiguidades. De permeio fazia viagens. Durante a sua vida prossegue os estudos e investigação em Teologia, História, Política, Geografia e Genealogia. Evidencia um especial interesse pela Arqueologia, Numismática, Bibliofilia. Encarnando bem o espírito de antiquário, reúne antiguidades gregas, romanas ou visigóticas, sejam vasos, estátuas, colunas, moedas ou medalhas (FARIA, 2003: 137), que lhe ofereciam, mas muitas delas compradas. Segundo Vilhena Barbosa (1811 – 1890), a sua coleção de arqueologia nacional permitiu que o segundo museu português de que temos notícia fosse 11

Ricardo Charters d’Azevedo

fundado na cidade de Évora nos começos do séc. XVII (SILVA 2003: 15). O interesse de colecionador pela Numismática está assim resumido na frase: «por quanto nas imagens das moedas, e suas inscrições se conserva a memória dos tempos, mais que em nenhum outro monumento» (FARIA, 2003: 135). Severim de Faria teve uma das mais famosas e bem apetrechadas bibliotecas do seu tempo. Tal biblioteca conteria não apenas as principais obras publicadas na altura, como inúmeros manuscritos de diversas épocas, incluindo papiros egípcios, entre outras preciosidades. Reunia também livros e documentos manuscritos, entre os quais o manuscrito original da Crónica de D. Afonso Henriques, de André de Resende (MACHADO, 1752: 369), obras do Infante D. Pedro, filho de D. João I, obras em japonês, do dominicano espanhol Frei Luís de Granada, papiros do Egipto e livros chineses com preciosas encadernações de seda com brochos, certamente dos primeiros textos chineses a chegar à Europa. A livraria assim constituída, que franqueava a outros eruditos, como D. João Cosme da Cunha, D. Frei Manuel do Cenáculo, D. João Avelar, D. António Ferreira de Sousa e Frei Manuel de Oliveira Ferreira, torna-se famosa não pela quantidade, mas pela qualidade, pois teria quase 400 volumes (VASCONCELOS, 1914: 6). Era também referenciado como disponibilizando frequentemente a viajantes, curiosos e amigos tal espólio para consulta e estudo (SOUSA et alii, 2007). Após a sua morte, a biblioteca foi incorporada na biblioteca do Conde do Vimieiro (RIBEIRO, 1914: 73) a quem o ligavam laços de família, biblioteca que foi uma das mais importantes do séc. XVII e seria parcialmente consumida com o incêndio subsequente ao Terramoto de 1755. O gosto de Severim de Faria pelas antiqualhas, o seu conhecimento vasto e erudição, celebrados tanto por autores seus contemporâneos, como Gregório de Almeida, Luís dos Anjos, João Franco Barreto, Frei António Brandão, Frei Francisco Brandão, 12

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Frei Bernardo de Brito, Jorge Cardoso, D. Rodrigo da Cunha, Manuel de Galhegos, António de Macedo, António de Sousa de Macedo, Francisco Manuel de Melo, Manuel de Faria e Sousa, entre outros, como por autores posteriores, conforme abundantemente testemunha MACHADO (1752), eleva-o a ser considerado um dos principais eruditos daquela época. Em 1604 faz ainda, com seu tio Baltazar Severim de Faria, uma viagem a Guadalupe (Espanha) em peregrinação religiosa, o que lhe dá tema para escrever a Memória de Chelas e uma carta a Pedro de Mendanha Figueiroa, trineto de Pedro de Sé de Évora como se apresentava antes dos trabalhos do seculo XVIII (gravura na História de Portugal, de Pinheiro Chagas)

Mendanha (1430 – 1491), alcaide-mor de Barcelos, bem como o relato dessa jornada. Seu tio Baltasar renuncia em Manuel Severim de Faria o cargo de cónego da Sé de Évora em 1608, e em 1609 renuncia também, repentinamente, ao lugar de chantre da Sé de Évora, possivelmente

Filipe I (gravura incluída em Portugal Pittoresco)

13

Ricardo Charters d’Azevedo

porque não quis colocar-se ao serviço de D. Filipe I, que quereria vê-lo como seu embaixador em Roma. Baltasar de Faria tornou-se frade na Cartuxa de Évora, tomando o nome de D. Basílio, da qual tinha sido um dos fundadores e onde viria mais tarde a ser prior, para além de ocupar outros cargos, como visitador da sua Ordem. Baltasar de Faria chegou a fundar vários novos conventos. Manuel Severim de Faria, então com 25 anos, sucedendo a seu tio no Cabido da Sé de Évora, adquiriu o direito a receber somas elevadas, fruto de disposições eclesiásticas que lhe asseguraram diversas rendas e outros benefícios, o que lhe permite adquirir livros e antiguidades. A 16 de dezembro de 1609, esteve em Leiria, quando do retorno da sua “jornada” a Miranda do Douro, que relataremos abaixo. Em 1625 faz uma viagem a Maçãs de D. Maria, cujo relato iremos seguir (SERRÃO, 1974). Foi nesse ano que Manuel Severim de Faria coordenou a Noticia de Portugal e suas Conquistas, donde depois extraiu a obra Noticias de Portugal que, em 2.ª impressão, foi “acrescentada” pelo P.e D. José de Barbosa (http://purl.pt/698).

O historiador e erudito Severim de Faria era um curioso e estudioso, interessando-se pela história nos seus múltiplos aspetos, sendo hoje considerado um autor de referência para a genealogia da família real, bem como no âmbito da numismática e da arqueologia. Fruto dos seus contactos locais e nacionais, constituiu um acervo de considerável dimensão de peças romanas, nomeadamente moedas. Também tinha inúmeros exemplares de moedas dos reinos godos e mouros e dos reis de Portugal, sobre as quais escreveu vários estudos, que se tornaram imprescindíveis e inúmeras vezes citados, nacional e internacional14

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

mente. Ainda na sua vertente de historiador, efetuou vários estudos genealógicos sobre os reis de Portugal e várias famílias nobres. Por exemplo, oferece ao Duque D. Teodósio II a Arvore Genealógica da Casa de Bragança. Escreveu ainda as primeiras biografias de Camões, João de Barros, Diogo do Couto e outros personagens relevantes do seu tempo, que encontramos incluídos na sua publicação Discursos Varios Politicos. O seu labor intelectual não lhe permitiu manter-se afastado da po- Notícias de Portugal, Lisboa Ocidental: Off. de António Isidoro da Fonseca, lítica, sujeito a sucessivas discórdias 1740 e conflitos, mas deu-se conta que, reinando em Portugal a dinastia filipina, tal implicava tensões, quer no plano interno, quer por via das intervenções em conflitos europeus com reflexos nas colónias portuguesas. Espírito aberto e interrogador, consultou arquivos, cartórios e documentos, e manteve contacto com eruditos, missionários e viajantes, estando informado e atualizado sem sair de Évora. A correspondência, por exemplo, que trocou com o seu irmão Frei Cristóvão de Lisboa, franciscano e missionário no Maranhão, cuja obra manuscrita Historia dos Animaes e Arvores do Maranhão, escrita entre 1624 e 1627, constitui a primeira descrição da fauna e flora brasilianas, regista esse contacto indireto com o mundo. As cartas do irmão trazem-lhe as novidades de uma natureza desconhecida, mas também sobre outros povos, usos e costumes e como os Portugueses a eles se adaptavam. 15

Ricardo Charters d’Azevedo

Acompanhando Faria (2003: 222), podemos dizer que Severim de Faria, em Sobre a Peregrinação, reconhece algumas vantagens em viajar que descreve de forma concisa: «só por razão de alcançar as ciências, e artes necessárias ao comum, e particular, se deve sair da pátria», acrescentando como é inútil ir para longe quando ao pé da porta se acha o que se procura, em concreto as universidades: «e que sendo o lugar, em que as letras se professem, perto, se escusava buscar o apartado, e longe», e mais explicitamente ainda: «pelo que havendo na Província de cada um escolas, onde com conhecido louvor se leiam, e ensinem as ciências, não é necessário ir buscá-las com peregrinação a outras partes». Abre uma exceção para a arte da guerra, explicitando «por tanto os que houverem de servir a República na Milícia, e quiserem alcançar nela a reputação, devem de a ir exercitar, e aprender nos exércitos, seguindo-os fora da pátria, quando nela os não houver, ou embarcando-se muitas vezes nas Galés do mar Mediterrâneo, e nas Armadas do Oceano, e Índia Oriental, que são as escolas em que hoje floresce esta prática» (FARIA, 2003: 220-221). Vai, contudo, contrapondo a necessidade indiscutível de conhecer bem o que se pretende administrar porque «mal se pode governar aquilo que não se Gravura de Luís de Camões inserida conhece» (FARIA, 2003: 222). em Discursos Varios Politicos Foram três as viagens que Severim de Faria concretizou e de que nos deixou relatos: em 1604, com seu tio Baltazar de Faria Severim, vai em peregrinação ao 16

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Santuário de Guadalupe (Espanha); em 1609, a Miranda do Douro; e, em 1625, a Maçãs de D. Maria. Delas resultaram relatos muito vivos e informativos para o conhecimento da realidade portuguesa, verdadeiros diários de viagem. Não só textos sobre viagens nos deixou Manuel Severim Faria. São abundantes os seus escritos de que Machado (1741) dá notícia, cujo repertório foi recentemente atualizado (FARIA, 1999). Entre os impressos, devem destacar-se os Discursos Varios Politicos, Luís de Camões (gravura impressos em Évora em 1624, ou as em Portugal Pittoresco) Noticias de Portugal, impressas em Lisboa em 1655. Sobre os Discursos, sete peças no total, incluindo importantes textos biográficos sobre João de Barros, Luís de Camões e Diogo do Couto, tem cabimento destacar (CABRAL), pelo interesse político, «Do muito que importará para a conservação, e aumento da Monarquia de Hespanha, assistir sua Magestade com sua Corte em Lisboa» (Discurso Primeiro), ao longo do qual desenvolve argumentação original, por vezes ingénua, ainda que plausível, para justificar a mudança da capital de Madrid para Lisboa alegando «que esGravura de João de Barros tando elRey no sertão, se impossibilita a inserida em Discursos Varios acodir às cousas do mar como a necessiPoliticos 17

Ricardo Charters d’Azevedo

dade o requere», invocando múltiplos argumentos e comparações. O discurso sobre a língua portuguesa, no qual se enumeram as suas múltiplas virtudes, ou o discurso sobre o exercício da caça, repleto de apontamentos sobre o papel deste na educação, ou, ainda, o discurso sobre a origem das vestes sacerdotais, muito informativo, constituem textos de estilo direto, envolvente e, nesse sentido, modernos, apesar de recheados de erudição. Importa sublinhar a escolha das figuras de primeira plana que biografou, inquestionavelmente associadas à história de Portugal autónoma e independente no contexto ibérico (FARIA, 203: 204 – 205). As Noticias de Portugal são um misto de erudição e de análise e propostas para a resolução de candentes problemas nacionais. Publicado em 1655, no ano da sua morte, o livro Noticias de Portugal surgiu 21 anos depois da publicação dos Discursos Varios Politicos (http://purl.pt/966). Recorrendo ao conhecimento da história e revelando erudição, mas como já acontecera com os Discursos Varios Politicos, a leitura das Notícias prende desde o princípio. Compostas por oito discursos e alguns elogios, as Noticias abrangem temas tão diversos quanto a situação dos meios indispensáveis para sobrevivência de Portugal, a organização da milícia, a história e origem das famílias nobres, a numismática, as universidades de Espanha, a propagação do Evangelho, a causa dos naufrágios da carreira da Índia, ou sobre a peregrinação, isto é, as viagens, e ainda revisita a lenda fundacional de Ulisses, para legitimar a independência lusa face ao país vizinho. Contudo, os textos de ambas as publicações eram similarmente direcionados à «instrução política das artes, em que hão-de ser doutrinados os mancebos nobres da República, conforme os preceitos do filósofo», explicando ainda da razão de ser da distância temporal das duas publicações referidas e da sua génese:

18

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

«tendo eu naquele tempo uma obra grande, que intitulava: Noticia de Portugal, e suas conquistas: já quase em estado para se poder imprimir (…) com tudo como as cousas daqueles anos para cá tiveram tão grande mudança, recresceram tais inconvenientes, que sustive na execução de tal intento. Porém, entendendo eu, que não seriam de menor serviço público alguns discursos dos muitos, que nesta obra se continham sobe diversas matérias, assim políticas, como de vária lição, me pareceu comunicá-los a todos, e pelo que participam de seu primeiro original, dar-lhe o título de Notícias de Portugal.» (Faria, 2003: 5) Como Maria Luísa Cabral escreve, os textos laicos de Severim de Faria logram conseguir um equilíbrio total entre a erudição, o carácter educacional e filosófico e a simples crónica, o que os torna atraentes e, de alguma maneira, intemporais. Do ponto de vista do percurso histórico, Severim de Faria é um último representante de um certo espírito renascentista enquanto já denota características que marcarão os anos de setecentos: a curiosidade comprovada pelos factos, a partilha do conhecimento com os outros, a capacidade de ouvir e contrapor. Um percurso que se fez sob a égide dos Filipes, domínio com o qual aparenta concordar, a fazer fé na proposta que adiantou para a reorganização do Império, juízo que, de imediato, Frontispício de Discursos Varios Politicos se pode questionar tendo presente a 19

Ricardo Charters d’Azevedo

forma insofismável como apoiou a subida ao poder de D. João IV, em 1640 (CABRAL). Assim, a sua intervenção política deu-se naturalmente por via da escrita. Como homem do seu tempo, manifestou-se contrário ao perdão geral dado aos cristãos novos, de 1601, concedido a troco da entrega de elevada quantia de dinheiro à Coroa pelos judeus de Lisboa, em dois pequenos livros: Razões Para Não Se Admitirem Sinagogas em Portugal e Relação dos Castigos Que Tiveram os Reis de Portugal Que Favoreceram os Judeus (SOUSA et alii, 2007). Encontrámos ainda na Biblioteca Nacional de Portugal um interessante manuscrito com 84 fólios, de 1601, que esteve na posse da Ordem dos Frades Menores, Xabreganas, vindo do Convento de Santa Clara (Évora), com o título Relaçãm varia de diversas questões tratadas e escriptas por Manuel Severim de Faria conigo e chantre da Sé da Evora Doutor em Theologia e Artes. Com algumas receitas varias para o tratamento de enfermedades e endisposiçõens a depois das comidas escriptas em italiano e dasas pello cozinheiro da coppa da Prinsseza D. Joanna mãy que foy de el Rey D. Sebastiãm que Deus aija em gloria eterna (http://purl.pt/14707). Outro documento manuscrito, Famílias Nobres de Portugal, da autoria de Manuel Severim de Faria, que foi adquirido à Casa de Cadaval em setembro de 1977 pela Torre do Tombo, tem as genealogias de várias famílias em vários volumes. Severins e Farias: notícias de sua descendência e das famílias com que se aparentam, é outro manuscrito atribuível a Manuel Severim de Faria, que foi da Casa de Cadaval e hoje se encontra na Torre do Tombo, e contém numerosos desenhos heráldicos e de cabeções desenhados à pena e atribuíveis a Gaspar Severim de Faria. Os títulos genealógicos são relativos a Camões, Oliveiras, Pinas, Marinhos, Vasconcelos, Farias, Sanches, Fonsecas, Noronhas e Barradas e tem no total representações de 12 brasões e 6 cabeções (http://digitarq.dgarq.gov.pt/viewer?id=4603905). 20

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

O jornalista Da sua posição como Chantre, e certamente pela consideração de terceiros pelo seu saber, Manuel Severim de Faria construiu uma vasta rede de contactos sociais, fosse entre as famílias relevantes da sua cidade, fosse entre os missionários de várias congregações e mesmo da Corte, onde seu meio-irmão Francisco Severim de Faria havia sucedido a seu pai como Escrivão-mor do Reino (VASCONCELOS, 1922: 8). Certo é que essa rede de contactos lhe possibilitava aceder a todo o tipo de informações, receber novas de todas as partes do mundo, para além de se corresponder, igualmente, com pessoas deslocadas e viajantes pelos quatro quantos do mundo conhecido, o que de muito lhe terá valido para os seus escritos, incluindo para a elaboração das Relações, e para a obtenção da sua valiosa biblioteca. Por exemplo, nas suas Noticias Importantes dos Anos de 1606, 1607, 1608 Em Que Se Compreendem Varias Coisas Pertencentes à História de Portugal, Severim de Faria vai dando conta, por vezes pormenorizadamente, dos principais acontecimentos ocorridos em Portugal e na Europa (JORGE, 2003: 44). É o início do seu labor “noticioso” que se veio a consubstanciar em 31 relações escritas entre 1610 e 1640 – História Portuguesa e de Outras Províncias do Ocidente, Desde o Ano de 1610 Até o de 1640 da Feliz Aclamação d’El-Rei D. João o IV Escrita em Trinta e Uma Relações –, relatos manuscritos anuais dos principais eventos. Dessas relações manuscritas extraiu-se o conteúdo das duas únicas objeto de publicação sob o título Relação vniversal do que se svccedeo em Portugal, & mais Prouincias do Occidente, & Oriente, desdo mes de Março de 625 atê todo Setembro de 626 (http://purl.pt/25667). A Relação Universal apareceu em 1626, em Lisboa, e foi reimpressa em 1627, em Braga. Manuel Severim editou, contudo, 21

Ricardo Charters d’Azevedo

um segundo número das suas Relações, compreendendo notícias do período de Março de 1626 a Agosto de 1627, que foi impresso em Évora, em 1628. As Relações de Manuel Severim de Faria tinham a forma de um pequeno opúsculo (formato de quarto, sensivelmente 20 cm x 14 cm), eram impressas em papel de linho e continham notícias de várias partes do mundo, sendo o primeiro número (32 páginas) mais volumoso que o segundo (18 páginas) (SOUSA, 2008:3).

As jornadas2 Como afirma Serrão (1974), no final do Renascimento, quem se deslocava em Portugal não escrevia as impressões colhidas, tendo Severim de Faria sido o primeiro a fazê-lo, pelo que é considerado o primeiro cronista de viagens que houve em Portugal. O chantre eborense tinha a consciência da unidade da Nação como corpo geográfico, religioso, económico-social e cultural (SERRÃO, 1973: 16). Dar assim a conhecer aos seus leitores e ouvintes a sua experiência de viajante, era um meio de espalhar a boa doutrina e de fazer, como ele próprio o confessa, «hua obra agradável a todo este Reino». A viagem como meio de recrear o espírito não é coisa que os portugueses fizessem em finais do século XVI. Viajavam apenas os que, por razões de caráter social ou profissional, eram obrigados a deslocar-se e os que, por obrigações religiosas, acorriam aos conventos e santuários para cumprir votos ou exercer o seu múnus espiritual (SERRÃO, 1974: 15). De resto, as deslocações no país eram difíceis e, por algumas zonas do país, difíceis e perigosas, mesmo em finais do século XVIII (CHARTERS-D’AZEVEDO, 2011: 41 a 44 e 2

Códice 7642, Biblioteca Nacional de Portugal.

22

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

148 a 151). As suas notas de viajante deveriam vir a aproveitar a outros, bem como lhe permitiram ter consciência da unidade do Reino, mesmo em pleno domínio dos Filipes, como avança Serrão (1974). Os três itinerários que Severim de Faria percorreu tiveram objetivos diferentes, mas partiram sempre de Évora e a Évora voltaram: • o primeiro, em 1604, ao santuário espanhol de Nossa Senhora de Guadalupe, onde acompanhou o seu tio Baltasar de Faria Severim para entregar uma peça de prata, por Évora ter sida poupada a uma epidemia de peste que grassava no País nos anos de 1598/1599 (SERRÃO, 1974: 23); • o segundo, de outubro a dezembro de 1609, foi a Miranda do Douro para, em nome da diocese de Évora, testemunhar ao novo arcebispo de Évora, D. Diogo de Sousa, Prelado de Miranda, «os parabéns e a devida obediência», tendo atravessado a Estremadura, o Ribatejo, a Beira Alta e Trás-os-Montes, com regresso por Coimbra, Leiria, Nazaré, Alcobaça e Lisboa; e • o terceiro, em agosto e setembro de 1625, de Évora a Maçãs de D. Maria, para, como veremos, visitar os santuários marianos da Nazaré, e os de Ansião e de Alvaiázere, voltando por terras de Santarém a Lisboa. O relato, se bem que notando-se que foi ditado, deve-se à escrita de Manuel de Faria Severim, sobrinho do Chantre, nessa altura com 17 anos, e que lhe deveria suceder no Chantrado e benefício da Sé de Évora, notando-se no texto uma maior ligeireza e pobreza de pormenores quando comparadas com as duas descrições das jornadas realizadas anteriormente (SERRÃO, 1974: 34).

23

Ricardo Charters d’Azevedo

Gravura mostrando a deslocação em Portugal no séc. XVIII para a qual a organização de caravanas era comum por questões de defesa (em CHARTERS-D’AZEVEDO, 2011)

A jornada a Maçãs de Dona Maria Durante a sua segunda jornada, em 1609, passou perto de Maçãs de D. Maria, pois foi a Ceras e Alvaiázere. A 13 de novembro de 1609, menciona que de Tomar, donde ele vinha, chegava a Ceras «há duas legoas de mui ruim caminho, e pedregoso. Ceras há lugar de quarenta vezinhos que abitaõ a partadamente. He abundante de azeite, vinho, paõ e fruitas, muitas das quais cequaõ, e fazem exellentes passas. A igreja he da meza mestral; iunto a esta Villa estaõ huas grandes minas donde antiguamente tirauaõ muita prata e ainda há disso sinais. Aqui fizemos noite.» 24

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

No dia seguinte, sábado, ele relata: «De Ceras a Aluayazere há duas legoas. Aluayazere he hua Villa pequena das mesmas qualidades de Ceras. He do Cõde de Tentugal e o mesmo o Rabasal. De Aluyazere a Ansiaõ há duas legoas de trabalhosíssimo caminho por ser tudo rochedo, e pedra viua que nem a pé, ne a cauallo se pode andar senaõ cõ grande dificuldade. Chamase esta serra de Ansiam por estar iunto a este lugar. He esta Villa de oitenta e três vizinhos. A Igreja he de Santa cruz de Coimbra3. Aqui sesteamos e fizemos noite.» Temos, no relato da 2.ª jornada, a descrição de como ele viajava e qual o acompanhamento que levava. Assim, ele era acompanhado por pajens de libré de «coria aleonado escuro guarnecido conforme ao costume com passamanes aleonados claros e os escudeiros da mesma maneira de pardo com feltros azuis e chapéus da mesma cor

Ansião quando da viagem de Cosme de Médicis por Espanha e Portugal (1668 – 1669), desenhado por Pier Maria Baldi 3 A Igreja de N. S.ª de Ansião, que fora padroado da Universidade pertencia então ao Mosteiro de Santa Cruz (SERRÃO, 1974: 97)

25

Ricardo Charters d’Azevedo

do pano com tranças de prata coxins negros com botas inglesas e luvas de regaço. Os lacaios estavam vestidos de saragoça com capotes escuros e a mesma guarnição de aleonado claro. O Chantre ia numa liteira de cadeiras levando à dextra uma mula de rua com coxim de veludo negro guarnecido de ouro». Na sua terceira viagem, chegou cedo a Maçãs de D. Maria, a 9 de agosto de 1625, depois de ter pernoitado numa venda nos Cabaços. Severim de Faria tinha partido a 5 de agosto de 1625 de Évora e, passando por Arraiolos, Pavia, Montargil, Tancos, Tomar, Ceras, chegou a Maçãs «onde fomos alegremente recebidos e regalados com contínuos banquetes e diversas iguarias assim de carnes como de Interior da Ermida de N. S.ª da Paz em Constantina frutas e pescados» con4 forme o texto escrito pelo sobrinho do Chantre (RODRIGUES, 2006: 217, n. 6). «He esta Vila de 27 vesinhos5 e posta em hum pequeno 4 5

Códice 7642, BNP, Fundo Geral, fls. 258 a 263. Censo da população de Maçãs de D. Maria no ano de 1600: «Fui ao termo da uila de Maçãs

26

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

monte donde fica muito descuberta aos ventos, que nela naõ faltaõ. Tem muitas e boas fontes, he bastantemente abundante de fruitas, assi do sedo como do tarde, os edifícios são pobres, a comenda della posue hoje D. Cristovão Manoel6, em cuja casa estivemos 3.ª feira que foraõ 12 de Agosto partimos para Nossa Senhora da Paz, que he hua Igreja7 fabricada de dous anos para qua no termo da Villa de Ansiaõ no lugar de Constatina, que sera de 50 vesinhos pouco mais ou menos. Era esta Igreja antigamente hua pequena ermida, e porque estava falta de Imagem pediraõ aos d’Ansião lhe desse esta Senhora, que eles tinhaõ na Samchristia, por ser perceito do Bispo, que não tevessem na Igreja imagem vestida. Comsedeoselhe aos de Constantina, o pediaõ. Porem pela muita devoção que os moradores da Vila tinhaõ a esta Senhora foi necessário trazerem a ImaErmida de N.ª Sr.ª da Paz, em Constantina gem de noite por evitar algûa de D. Maria, que he do Marquez da Vila Real, e achei auer no corpo da vilha 39 uisinhos. Titolo do seu termo: Fonte Galega e Charneca e Casal, Casal, 4 uisinhos. A Ribeira de Alja 15. As Relvas 4. Val de Taboas e Casal Novo 6 Aldea das Ferrarias 7 Aldea da Nynyebra 12 A Vêda do Mato e Melgaço 9 Amarelos e Varzea 8. Esta vyla de Maçãs de Dona Maria tem (de termo) pera a parte de Alvaiazere quatro tiros de besta e para a parte de Fygeiro tem mea Lejoa, e para a uila do Chão de Conce tem hu quarto de legoa. Parte cõ a vila de Palhaes e cõ termo de Penela e Alvaiazere e cõ Figueiro e Pousa Flores — Jorge Fernandez o esprevy. Soma ao todo 124 uisinhos.» 6 D. Cristóvão Manuel de Vilhena, comendador de S. Paulo de Maçãs de D. Maria, cunhado do Chantre, pois era casado em 2.as núpcias com Joana de Faria. 7 Trata-se da ermida da Senhora da Paz, com compromisso de 1623 e confirmação em 1630 por Filipe IV. Resa a lenda que, no local da capela, existia antes uma pequena ermida para

27

Ricardo Charters d’Azevedo

repugnância, que os de Ansião podiaõ fazer se se viraõ despoiados deste tesouro, dispois de hum anno, que hauia a Senhora estava nesta hirmida aconteceo, que hum minino do mesmo lugar sonhou que no milho que o pai tinha semeado, nu secco areal lhe dava Nossa Senhora da Paz hua fonte aonde com fé viva se foi pella menham a cauar com as maõs no lugar em que sonhava e fez verdadeiro, o que todos a quem elle contava o sonho tinha por impossível por ser o lugar em que a fonte saio hum sequíssimo areal e pella mesma razão incapaz de poder ter agoa dentro de si, quis mostrar a Senhora com muitos Milagres que era obra sua por a fama da fonte santa que todos lhe deraõ este nome, acudiraõ muitos géneros de cegos e aleiiados e todos com se lavarem com ágoa foraõ saõs, começaraõ todos a fazer esmola em tanta copia que em menos de hum anno depois do milagre se fez hua Igreja muito grande na qual mandaraõ por as mortalhas muitos que estavaõ para morrer, e outros ia amortalhados, e por intercessaõ desta Senhora forão livres da morte, em sinal de agradecimento da merce recebida, e saõ as que saõ ao presente na Igreja 140, fora outras muitas vendidas, e outras que estão em casa dos moradores. Succedeo este milagre a onze de Agosto de 1623. Chegamos a Constantina as 8 horas da menham, enquanto se aparelhou a missa fomos visitar a fonte que he hum buraco aberto no areal, e diante tem feito outra pedra, para a qual vem a agoa

onde, em 1622, foi transferida a imagem de Nossa Senhora da Paz (antes pertencente à igreja matriz de Ansião). Ora, a colocação da imagem em Constantina terá originado uma séria de acontecimentos milagrosos no local, o que motivou a construção da capela Nossa Senhora da Paz e colocou a povoação no roteiro dos peregrinos. Pela Portaria n.º 226/2013. D.R. n.º 72, Série II de 2013-04-12 foi classificada como monumento de interesse público.

28

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

da fonte milagrosa. Tornaminos a Igreja a sestear aonde ouvimos supicas de vários passageiros feitas a mesma Senhora, depois de passada a calma que naõ foi este Capela de N.ª Sr.ª dos Covões e Capela da Gruta, dia pequena nos em Alvaiázere. pusemos a caminho, que por ser todo de pedra, e cumprido, chegamos de noite a casa aonde se passou o dia seguinte sê hauer cousa de novo ao outro que foi quinta feira e trese8 do mesmo mês partimos em Romaria a Nossa Senhora dos Covoes hua legoa distante da Comenda, passase o caminho por Alvaiasere villa do marquez de Ferreira9 de 100 ou mais vesinhos, todos moradores numa rua que a Vila tem somente. As sete horas chegamos a ermida da Senhora, que fica situada numa ladeira entre hum arvoredo ao pé de huns altos rochedos a vista da mesma Villa de Alvaiasere, he a ermida bem proporcionada, e a capela mor de azuleijos com retabolo dourado, em meyo do qual fiqua hum nicho em que a Imagem esta metida, que he feita de osso do cumprimento de hum gémeo. Apareceo esta Senhora numa lapa, que detrás da Ermida esta, e só por tradição se sabe o como foi, e pelo que dizem os mais antigos 8

Rodrigues (2006: 219) aponta na nota n.º 12 que deverá ser 14 de agosto. Deveria ser D. Francisco de Melo, 3.º marquês de Ferreira, e 4.º conde de Tentúgal, cujo filho, do seu segundo casamento, D. Nuno Álvares Pereira de Melo, foi o 1.º duque de Cadaval.

9

29

Ricardo Charters d’Azevedo

de Alvaiasere em cujo termo ela esta, que também he segundo ouviraõ, e foi o caso que hua mossa natural e moradora na mesma Villa sonhou, que se achava um tesouro numa cova das muitas que há ao pé da quele monte (que pella mesma razaõ lhe chamaõ das couves). Pella menham obrigada do desejo do achado se foi onde sonhava, e achou aquela imagem, e levoua para casa com o titulo de boneca, e a meteo numa caxa onde a Senhor se mudou por duas ou três vezes para a cova onde fora achada, soubesse isto na Villa foi a Cova muita gente onde Capela da Gruta de N.ª Sr.ª outra vez acharaõ a Senhora, e fada Memória zendo-lhe esta Ermida a tem ali com muita veneração. Dizem os mais antigos do lugar, que se achou no ano de 1480. E segundo ouviraõ também a seus majores. Tem a Ermida mais dous altares com os nomes de Santa Luzia e S. Vicente Imagem que também mostra muita antiguidade. Faz esta Senhora muitos milagres, e dos que ali se contaõ são os de huns cativos de Berberia, que encomendando-se a Senhora ella os trouxe a sua Igreja, e eles em recompensa deixaraõ dependurados das traves da Ermida os grilhoens. Na cova em que a Senhora apareceo puzeraõ hua de prata como titulo de Nossa Senhora da Memória, tem a Ermida sete alampadas, humas da mesma Ermida, e outras de 30

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

devotos. Nella estivemos todo aquele dia até tarde, que partimos e chegamos a casa a noite. A 22 de Agosto, 23 que foraõ sesta e sábado foraõ tam grandes as calmas que naõ há ninguém que se lembre de outra semelhante, porque Lisboa se sabe, que naõ hauia quem se ualesse. De Coimbra, que deraõ a muitas pessoas muitos acidentes, na terra de Ansiaõ se afogaraõ com calma quatro pessoas, que por ella vinhaõ caminhando, e entre estas houve hua mulher, que não se atrevendo passar a diante tirou o manteo, que pos numa mouta, para a sombra delle uer se podia repararse das ardentes chamas. Porem era taõ grande o sol, que espirou sem remedio, queimavaõse muitas uvas, aruores, excertos, plantas, e naõ houve cousa que escapasse succedeo isto a 22 d’Agosto de 1625. Domingo 30 d’Agosto partimos de Maçans e viemos descansar a Ceras tendo andado três legoas, aonde detivemos cousa de três horas, e logo tornamos outra vez a caminhar, de modo que nos amanheceo iunto da famosa Villa de Tomar, aonde paramos…»

A Jornada a Leiria, Nazaré e Alcobaça Transcrevemos o texto das 2.as jornadas de Severim de Faria, mais uma vez baseado nas transcrições publicadas por Serrão (1974) e pelas publicadas em vários fascículos da revista Nação Portuguesa, entre 1933 e 1934. Não tivemos a preocupação de fazer, como RODRIGUES (2006: 220, nota 34), uma boa revisão paleográfica, pelo que aconselhamos a consulta direta da obra dele:

31

Ricardo Charters d’Azevedo

«29ª Jornada, 16 de dezembro de 1609 De Pombal a Leiria ha sinquo legoas. He esta cidade de Leiria edificada sobre as ruinas da antiga Callipo, que teue iunto á ella seu sitio, hé em hü fermosissimo chaõ regado de duas Ribeiras, que a atravessaõ mais celebres pelo nome de Lis, e Lena, taõ decantados nos versos pastoris de seus naturais que per abundancia de agoas. Porê daõ grande sogeito na fresqura de suas ribeiras, e mansidaõ das ondas, para se representar nelles hüa perpetua primauera. Fazem estes Rios abbundante este terreno de todas as fruitas no que alcançaõ com sua corrente, porque o mais do territorio hé coberto de syluestres pinheiros e castanheiros, porê como a terra he solta, e areenta dase muito melhor o pinho; Dizem que plantou estes Pinhaes o grande Rey D. Dinis uendo comodidade na terra para isso, o que foi grande prouidencia divina, porque sem esta madeira era impossiuel continuarse a nauegaçaõ da índia e mais conquistas do Reyno, que cõ as embarcacoêes destas madeiras se fazem, e as mais delias saõ de hü Pinhal delRey que por esta razaõ mandaõ guardar per officiaes para isto deputados alê do qual há outro muito grande do comü da cidade o qual está em lugar mais accomodado para se embarcar com a madeira, e he muito melhor para as embarcações, pelo que fora de consideraçaõ dar EIRey em iuro a cidade o que este Pinhal lhe rende, e encorporalo em sua fazenda, a trocalo pelo seu. Esta madeira he hum dos principaes tratos da terra porque daqui fazem caixaria e outras muitas peças que se leuaõ a vender as feiras de todo o Reyno. E por se pasar deste particular a cidade tem por armas hü Pinhal. Porê o que faz esta cidade mais nobre que tudo, hé a fertilidade de Engenhos que cada dia de si lança, principal32

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

mente na Poesia, como entre outros foi Pedro Afonso de Vasconcellos, excellente Poeta latino, e vulgar, cujas obras se naõ chegaraõ a imprimir, Gaspar dos Reis, e Francisco Roiz Lobo que cõ as suas Éclogas, Primauera, e Condestable tem dado mostra de mui vareo e abbüdante ingenho. Sobeste Rio Lis tem o marques de villa Real hüs Ricos passos, o qual hé Alcaide mor do Castello, e tem aqui seu principal assento. A Igreja foi feita Cathedral em tempo d’ElRei D. Joaõ 3, Pello papa Paulo 3, E se ordenou a renda do que nella tinhaõ os Padres de S. Cruz e de seis freguesias depois que no que nella hauia cuios benefícios se conuerteraõ em coneziàs, e se perfez á o Bispado de Coimbra esta desanexaçaõ com lhe daré do de Lisboa Ourem e Porto de Moz. Rende a Mesa Pontifical oito mil cruzados, e as prebendas cem mil réis. A fabrica da Igreja he dorica e mui fermosa de mármore bento, e os paços pontificaes saõ iunto a ella també de mui boa obra. foi o primeiro Bispo Fr. Bras de Barros frade Hieronimo de grande exemplo o qual reformou Santa Cruz e fez hüas constituições per que o Bispado se governa. Aqui foi o Sõr Chantre agazalhado em casa do Pay de Antonio Gomes seu Esmoler e o festejou cõ extraordinários mimos. 30ª Jornada, 17 de dezembro de 1609 Ao outro dia por ser de Guarda foi o Sõr Chantre dizer missa a Igreja do Augusto e nos partimos logo a Nossa Sra de Nazaré, no qual caminho gastamos o dia por ser áspero. Chegamos a noite e nos agazalhamos nas casas que estaõ para os hospedes defronte da Igreja nobremente edificadas. Esta noite teue o Sõr Chantre hü grande accidente de feure, e frio, e encomendandose a Sra amanheceo ao outro dia saõ 33

Ricardo Charters d’Azevedo

pella manhã o que teue por particular merce da Sra. Aqui mandou dizer o Sõr Chantre missa e nos offerecemos aquella diuina Imagê que tantos séculos há se conserua na quelle lugar sempre milagrosa. E porque do lugar e da Sra tem modernamente tratado o Pe fr. Bernardo de Brito na 2a parte da Monarchia lusitana naõ ha para repetir aqui sua historia. Depois de saidos da Igreja fomos ver o sinal das ferraduras que deixou o Cavalo em que ia D. Fuas Roupinho quando parou na ponta daquella altissima rocha, a qual hé taõ perigosa achegada que hé necessário usar dos pés e das maõs para poder chegar a tocalas. Aqui nos contaraõ que o anno atras pela festa desta Senhora havendo grande concurso de gente como he costume chegou hüa molher a ver estas ferraduras e caindolhe o chapeo da cabeça cõ o vento foi dando voltas para a ponta da rocha, e ella seguindo o até que vendose entaõ grande altura subitamente se lhe foi a vista e cahio daquella immensa altura na Praia em baixo onde estava infinita gente que vendoa vir pelo ar chamaraõ em seu socorro cõ grande instancia a Senhora da Nazaré, e foi ella taõ misericordiosa, que dando a molher na praia, fiquou taõ segura, e intacta, como antes que caisse cõ o qual caso fiquaraõ todos admirados e muito mais confirmados na devoção da imagem santíssima. 31ª Jornada, 18 de dezembro de 1609 De Nossa Senhora a Alcobaça ha duas legoas. Aqui nos apeamos para ver o Mosteiro que he hü dos sinquo reaes que ha no Reyno, e o principal de todos eles. Foi edificado por EIRey D. Affonso Henriques e se gastou 30 annos na obra, a qual posto que feita em tempo taõ barbaro, vista na policia de agora se pode ter por admiravel. He a igreja e Casa toda 34

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

de obra gótica, de naves estreitas posto que muito compridas. O choro hé capacíssimo, e de mui boa envultura, esta na nave do meio defronte da Capella mor como antiguamente se costumava. A Capella hé de obra dorica, e assi parese moderna, andasse por detras porque as naves a vaõ cercando. He todo o edificio marmoreo. Tem grandes e fermosos claustros, com rios pelo meio em lugar de fonte. O Refeitorio he de tres naves e capacíssimo. E finalmente todas as cousas desta Casa saõ grandes e estranhas, até a Cozinha me parece naõ tem semelhante porque alê da capacidade da casa, lhe passa pelo meio hü caudaloso Ribeiro com que fiqua limpissima, e se aiudaõ da força da corrente para o movimento dos instrumentos em que poem a assar, para o que tem excellentes ingenhos. Este Convento era o mais rico de toda Hespanha porque lhe deu EIRey D. Afonso toda a terra que agora chamaõ coutos de Alcobaça, que provandose muito assi por sua bondade, como por o privilegio que lhe déraõ de acoitarê os homiziados, veio a tanto crescimento que alem de infinitos lugares era senhor de 13 Villas em cujas igrejas apresentava curas e beneficiados, e dava todos os officios e finalmente colhia infinita renda. O que indo em tanto crescimento fez mal aos Religiosos porque cõ a riqueza perderaõ a observância e deraõ occasiaõ de entrar a cobica nos seculares para com titulo de comendatarios lhe levarê 10.000$ cõ toda a iurdiçaõ destes lugares. No que se pode considerar quanto valha a virtude, e quaõ fraco seja o vicio pois entrando os Religiosos desta Casa nella taõ pobres que se sustentavaõ cõ trabalhos de suas maõs exemplo e santidade de vida, alcancavaõ das maõs dos seculares tam grandes riquezas as quaes lhe tornavaõ a tirar 35

Ricardo Charters d’Azevedo

os mesmos e outros do mundo havendo por seus vicios por indignos delles. Porê esta he a tença do inimigo que vendo o pouco que pode contra os servos de Deos affligindoos cõ misérias, e pobreza, ordena muitas vezes esta abbastança ou sobjeiçaõ porque sabe quanto peor he de governar a prosperidade que no estado adverso. E disto vemos grandes exemplos naõ somente neste convento, porê em toda a Religião de S. Bento e S. Bernardo por naõ apontar outros que pelas muitas riquezas arruinaraõ, pelo que cõ muita razaõ deve de trazer sempre diante dos olhos todas as Religiões a santa pobreza pois este foi o fundamento sobre que Christo Senhor nosso fundou a vida evangelica, e em que quis ser perpetuo exemplo, encomendando aos que querê ser seus discipulos, que naõ possuindo nada na terra busque só a elle que cõ sua providencia de tudo os fará abundantes, porque de todas as Religiões só aquelle seráfico spirito de S. Francisco se confiou singularmente desta palavra e lha comprio Deos tambem que multiplicando a sua familia só em maior numero que todas as outras iuntas asustenta com perpetua merce sua providencia, e ainda destes os que maior pobreza professaõ vive muito mais abbastados. Pelo que deve fazer grande exame os prelados no Spirito que tem de encherê as casas de rendas, porque muitas vezes naõ he dinheiro como os effeitos mostraõ. Mas tornando donde nos desviou o zelo da conservaçaõ das Religiões, na Igreja deste Convento estaõ muitos Corpos de Reis e Príncipes deste Reyno em cuias sepulturas de mármore branco, esculpidas cõ grande perfeição varias laçarios e ramos10. Sobre a portaria á ilharga 10 À margem: “ Entre as cousas notáveis desta Casa se pode encontrar por hua das principaes a Livraria naõ tanto pela multidão dos livros, como pela rareza, e antiguidade deles”.

36

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

da Igreja fez o Cardial D. Henrique comendatario della hüs reaes apposentos em que se agazalhava, e agora fiquaõ para hospedes. A Villa he de 300 visinhos e hé da jurdiçaõ do Convento, tem Castello. He mui abbundante assi ella como todo o territorio por causa das muitas ribeiras que por aqui correm de que se regaõ os pomares que daõ os excelentes peros que desta Villa tomaõ o nome. Tem tambê iunto asi algüs matos pardos donde andaõ muitos coelhos e perdizes de que a terra he mui provida. Daqui a Euora de Alcobaça há 1 legoa he esta Villa antiga, e os Geographos Gregos e latinos fazem delia mençaõ com o nome de Eburobeicira, hoje tem poucos moradores, hé do Abbaide Comendatario, a igreja rende 200$000 para a mesa Abbacial e he vigairaria. Aqui fizemos noite.» De notar neste relato a fortíssima crítica à maneira de viver dos frades de Alcobaça, e o relato de mais um milagre da Nossa Senhora da Nazaré. E, sobre Leiria, notar que escreveu Igreja do Augusto, talvez referindo-se á Igreja de Santo Agostinho, bem como menciona Pedro Afonso de Vasconcelos 11, Gaspar dos Reis 12 e Francisco Rodrigues Lobo13, como poetas de Leiria. Refere, naturalmente, o Pinhal de Leiria, bem como um muito mais cerca desta cidade, o Pinhal do Rei, que ainda é hoje assim referido. Ficamos igualmente a saber que o Esmoler de Évora, António Gomes14, era da cidade de 11 Poeta nascido em Leiria, nos meados do século XVI, seguiu estudos de Direito canónico em Coimbra. Parece (SERRÃO, 1974: 129) que na biblioteca de Severim de Faria existia uma cópia do manuscrito de “Poesias Várias”. De harmonia rubricarum Iuris Canonicis prima & secunda Pars foi publicada em Coimbra em 1588 e em Madrid em 1590. 12 Nasceu na segunda metade do século XVI e vivia em 1609. Foi bacharel em Cânones e capelão da Universidade de Coimbra, dedicando-se à poesia (MACHADO, 1741, T 1: 368 e 369). 13 Ver o bem elaborado estudo de Selma Pousão-Smith, Rodrigues Lobo, os Vila Real e a estratégia de “Dissimulatio” sobre este poeta leiriense. 14 Escreveu Vida de Santa Isabel. Évora, 1625 (MACHADO, 1741: T1, 288).

37

Ricardo Charters d’Azevedo

Leiria, tendo Severim de Faria sido “agasalhado” em casa de seu pai.

Últimas obras Manuel Severim de Faria terá ainda contribuído para a primeira publicação da obra de Fernão Mendes Pinto, Peregrinação, em virtude de contactos que tinha com eruditos e tradutores castelhanos (SILVA, 2003: 35). Sentindo-se cansado pelos anos De Gaspar dos Reis, De harmonia e afetado por várias maleitas, renunrubricarum Iuris Canonicis prima ciou em favor do seu sobrinho Ma& secunda Pars nuel Faria de Severim, primeiramente como Cónego, em 1633, e posteriormente como chantre, em 1642 (MACHADO, 1966: 369), no dia seguinte a ter terminado o Índex do Cartório do Cabido da Sé de Évora (JORGE, 2003: 70). Em 1638, Severim de Faria escreveu as Razões Contra a União Que se Pretenda Juntar o Reino de Portugal ao de Castela, onde, refletindo sobre uma problemática que cruzava a sociedade de então, o autor defende, na linha das suas observações e escritos anteriores, a inviabilidade dessa hipotética união, em virtude das diferentes características, costumes, cultura e história dos dois reinos (JORGE, 2003: 56). Após a Restauração, os escritos de Manuel Severim de Faria refletem já não tanto aquelas características que lhe eram comuns, como sejam a profunda e apaixonada reflexão e intervenção nas grandes questões do seu tempo, mas mais um carácter espiritual, como o comprovam a finalização, em 1642, da Relação da Vida 38

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Solitária da Serra da Ossa, em 1643, a obra Exercícios de Perfeição e Doutrina Espiritual Para Extinguir e Adquirir Virtudes, impressa em Lisboa, e, em 1651, o Prontuario Espiritual. Terá terminado a sua profícua obra, já na antevisão do seu próprio fim, com um escrito de carácter autobiográfico: Lembranças Próprias, ou Memórias da Sua Vida, e Tempo Desde 1609 Até 1655. Manuel Severim de Faria faleceu em 1655, a 25 de setembro, segundo Silva (2003: 37), ou a 16 de dezembro, segundo Faria (2002: 300), aos 71 anos de idade, em virtude de uma forte crise de icterícia, ficando sepultado, por seu desejo expresso, junto a seu tio Baltasar Faria de Severim, na Cartuxa de Évora. Com a extinção das ordens religiosas, decretada em 1834, e com a demolição do antigo Convento de São Domingos de Évora, para a construção no local de uma nova praça, os cidadãos locais pretenderam preservar a memória de um outro religioso eborense famoso, André de Resende, organizando-se para a transladação dos seus restos mortais para a Sé de Évora (SOUSA et alii, 2007: 176). Na sequência, foi recordado Manuel Severim de Faria, e, por forma a sua memória não correr igual risco, uma vez que a Cartuxa de Évora se encontrava abandonada, a 30 de julho de 1839 os seus restos mortais, juntamente com os de Baltasar Faria de Severim, foram transladados para a Sé Catedral de Évora, onde atualmente se encontra o seu túmulo, cuja tampa, mandada realizar pelo próprio, tem a seguinte inscrição (SOUSA et alii, 2007: 176): «Manuel Severim de Faria Chantre e Cónego da Sé de Évora elegeo para si esta sepultura assim por sua devoção, como por estar nella o corpo do P. D. Basílio de Faria seu tio, que falleceo sendo Prior deste Convento a 5 de Abril de 1625.»

39

Ricardo Charters d’Azevedo

Dois aspetos caracterizaram-no: grande e instintiva curiosidade histórica, que o levava a investigar sobre todos os assuntos, e uma fé muito profunda, que o levava a praticar a caridade para com os pobres e se lhe transmitia nos julgamentos que fazia dos homens e das coisas. Foi um homem comedido e ponderado, que teve um papel preponderante na sociedade do seu tempo. Moderado na vida, foi-o também no estilo que adotou. No século XVII, em plena euforia dos enfeites e arrebiques do Barroco, Severim cultivou a simplicidade da linguagem. Para isso contribuiu a sua vida de investigador, de estudioso, permanentemente imerso em documentos históricos, arquivos, papéis, que não lhe deixavam tempo para floreados de escrita, que de resto não praticava.

40

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

ANEXO I Pequena memória sobre a descendência de D. Cristóvão Manuel, comendador de S. Paulo de Maçãs, que se casou em 2.as núpcias com uma irmã de Manuel Severim de Faria 1 – D. Cristóvão Manoel de Vilhena, comendador de S. Paulo de Maçãs da Ordem de Cristo, filho de D. Francisco Manoel de Vilhena e de Beatriz da Silva Menezes, casou-se em primeiras núpcias com D. Melícia Pessanha, filha de Jorge Pessanha, capitão em Ceuta e de sua mulher Maria de Goes. Deste casamento tiveram: 2 – Maria de Faria, freira em S. Domingos de Elvas e de sua segunda mulher, D. Joana de Faria, filha de Gaspar Gil Severim, Escrivão da Fazenda e Executor-Mor do Reino e de D. Joana de Faria, irmã de Manuel Severim de Faria, tiveram: 2 – D. Rodrigo Manoel de Vilhena, comendador de S. Paulo de Maçãs da Ordem de Cristo, que casou com D. Antónia Henriques, s. g. 2 – D. Brites de Menezes, que tomou o apelido de sua avó paterna, nasceu na vila de Maçãs de D. Maria. Na primavera dos anos desprezou as delicias, com que o mundo lisonjeiro a convidava fugindo ocultamente para o Convento de Santa Clara de Évora, em cuja religiosa clausura professou o Seráfico instituto com inexplicável júbilo de seu coração adotando o nome de Sor Brites do Espirito Santo. Em tão sagrada escola aprendeu os documentos da mais alta perfeição sendo continua nos exercícios da Oração mental e Vocal, e não menos 41

Ricardo Charters d’Azevedo

nas rigorosas persistências com que sujeitava o corpo às leis do espirito. Foi igualmente caritativa para os próximos, como constante nas adversidades. Sendo Abadessa fez prudentemente observar os preceitos da regra, valendo-se para empresa tão árdua mais da clemencia de mãe que da severidade de Prelada. Comentada de maior cópia de virtudes que do largo número de 90 anos que contava, foi receber o premio delas a 13 de agosto de 1696. Manoel Severim de Faria, Chantre da Catedral de Évora, possuía na sua biblioteca um manuscrito de sua sobrinha Sor Brites do Espirito Santo que era um memorial de algumas religiosas «eminentes em virtude, que florescerão no Convento de Santa Clara de Évora», onde ela foi Abadessa. 2 – D. Sancho Manoel de Vilhena (1610 – 1677), senhor do Morgadio de Acaparinha, que foi primeiro conde de Vila Flor por carta passada em 23 de junho de 1661, do conselho do Estado e Guerra, Governador das Armas da província do Alentejo Comendador das Comendas de S. Nicolau de Cabeceira de Bastos, Santo Adrião de Penafiel, Santa Maria de Marmeleiros na Ordem de Cristo, Governador da relação do Porto, da Torre de Belém, e nomeado Vice-rei do Brasil. Sendo homem de grandes ações, «seus pais o destinaram á Religião de Malta, mas deixando esta ilha e o hábito foi servir em Flandres e Alemanha». «Depois de tomar conta da herança de seus pais passou a servir no Brasil. Sendo aclamado D. João IV veio servi-lo na guerra contra Castela e sendo mestre de campo e depois Governador das Armas de Penamacor donde muitas vezes partiu em socorro do Alentejo, principalmente em 1658. Encontrava-se como governador da Praça de Elvas quando foi sitiada pelo exército de Castela. Voltou a Governador das Armas da Província da Beira, indo depois governar o Alentejo. A 8 de julho de 1663 42

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

conseguiu a gloriosa batalha do Ameixial derrotando totalmente o exército de Castela de D. João da Áustria. Reconquistou a cidade de Évora, onde entrou triunfante e vitorioso, deixando um glorioso nome.» Em 1666 nas festas do Rei D. Afonso VI, foi ele «um dos senhores que foram guias na festa das Canas que se fez no Terreiro do Paço». Casou 2 vezes, a primeira com D. Ana de Noronha, filha de Gaspar Faria de Severim, irmão de Manuel Severim de Faria, do que houve a seguinte sucessão: 3 – D. Cristóvão Manoel (1640 – 1704), 2.º conde de Vila Flor e senhor de Zibreira, teve de Joana Mascarenhas, que era casada: 4 – D. Sancho Manoel de Vilhena (c. 1680 – 1749) casou-se com D. Lourença Francisca de Melo tendo tido numerosa descendência. Um dos seus filhos vem a casar com uma das duas filhas do marquês de Pombal, c. g. 4 – D. Fernando Manoel de Vilhena, s. g. 4 – D. António Manoel de Vilhena, s. g. 4 – D. Ana Manoel de Vilhena, freira carmelita descalça no convento de Santo Alberto. 4 – D. Antónia Manoel de Vilhena, religiosa em Santa Ana de Lisboa. 3 – Henrique Severim Manoel de Vilhena, que se casou com D. Isabel de Andrade Henriques, teve: 4 – D. Cristóvão Severim Manoel de Vilhena, que se casou com D. Isabel Botelho da Silva e posteriormente com D. Ana Sarmento de Noronha, tendo tido numerosa descendência. 3 – Gaspar Manoel, Chantre d’Évora, 3 – D. Francisco Manoel que foi frade carmelita mas «anulou a profição e serviu de Com.e G.al de Cavalaria» tendo morrido de um tiro ao meio dia de 3 de Setembro de 1702. 43

Ricardo Charters d’Azevedo

3 – D. João Manoel, cavaleiro da Ordem de São João de Jerusalém. 3 – D. Antonio Manoel de Vilhena, grão-mestre da Ordem de Malta. 3 – Pedro Manoel, monge cirtense. 3 – D. Maria Ana Manoel de Noronha que se casou com Luís de Sousa Menezes, 4.º copeiro-mor do Reino, com: 4 – Martim de Sousa Menezes, 3.º conde de Vila Flor que se casou com Maria Antónia da Silva e posteriormente com Luísa Maria de Mendoça, com geração com ambas. 4 – Sancho de Sousa de Menezes, que morreu muito novo. 4 – Jorge de Sousa de Menezes, s. g. 4 – Francisco de Sousa Menezes, que foi balio da Ordem de S. João de Jerusalém. 4 – Ana Maria de Noronha, ou Ana Antónia de Noronha, que se casa com António Luís Vaz Pinto Coelho Pereira da Silva e tiveram um filho. Casou segunda vez com sua sobrinha D. Joana de Vilhena, filha de sua irmã D. Maria Manoel, casada com D. António Alves da Cunha, 17.º senhor de Tábua, tendo a seguinte descendência: 3 – D. Manoel Vilhena Manuel, alcaide-mor de Alegrete, e 3 – D. Rodrigo de Vilhena Manoel, que viveu em França «com valor sem se dar a conhecer». 2 – D. Maria Manoel de Vilhena casada com D. Antonio Alvares da Cunha com a seguinte sucessão: 3 – D. Joana Manoel, que se casou com D. Sancho Manoel de Vilhena, 1.º conde de Vila Flor. 3 – D. Isabel Margarida que entrou no Mosteiro de Santa Cruz em Lisboa, morrendo num combate em Goa. 3 – D. João Lourenço da Cunha, que foi almirante do Estreito de Ormuz. 44

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

3 – D. Manuel da Cunha, que faleceu com 9 anos. 3 – D. Cristóvão da Cunha, que faleceu com 5 anos. 3 – D. Rodrigo da Cunha, que faleceu com 4 anos. 3 – D. Pedro Álvares da Cunha, 18.º senhor de Tábua, que se casou com D. Inês Maria de Melo e posteriormente com D. Maria Teresa de Vilhena ou de Menezes viúva de Sancho de Melo e Azambuja, com geração de ambas. 3 – D. Luiz da Cunha, que depois de desempenhar muitos e elevados cargos nomeadamente como diplomata foi arcediago da Sé de Évora. 3 – D. Clara da Cunha faleceu no ano em que nasceu. 3 – D. Catarina Menezes foi religiosa no Mosteiro de Santos.

45

Ricardo Charters d’Azevedo

ANEXO II Notícia elaborada por Avelino Ferreira Pedro15, sobre “A Ribeirinha”

EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA Quando folheávamos a coleção de um jornal de Lisboa, referente aos meses de abril a junho de 1922, deparamos com este anúncio: «A Ribeirinha, drama histórico em representação no Eden-Teatro». A Ribeirinha, não podia ser outra senão D. Maria Pais da Ribeira, aquela que em tempo de D. Sancho I livremente poisava adentro dos Paços de Coimbra e mais à vontade após a morte de D. Dulce, mulher deste monarca. Temporada tão apetecível teve o seu termo em 1217, o rei a caminho de Santa Cruz para ser sepultado e ela jornadeando para as suas terras de Vila do Conde, onde contava desanojar-se, se um incidente bem desagradável não a atirasse a outras paragens, para o vizinho reino de Leão. D. Gomes Lourenço Viegas, descendente de D. Egas Moniz, de há muitos anos vinha sentindo uma louca paixão pela antiga amante de D. Sancho e, morto este, concebeu logo a ideia de a possuir, não se importando com o processo a adotar. Faz reunir a sua gente para pôr mãos à obra e em breve tem organizado o grupo 15 PEDRO, Avelino Ferreira – Maçãs de D. Maria – “A Ribeirinha” – Noticia sobre esta Vila Estremenha. Lisboa: Imprensa da Almada, 1928. p. 5-24

46

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

que o devia ajudar em semelhante empresa. Iria até ao fim, fosse como fosse, não contando todavia com a aquiescência daquela por quem ia jogar a vida, que nem sequer nele pensava, embebida ainda nos deslumbramentos da luzidia corte, de que acabava de ser teatro e então mais que nunca tanto a preocupavam, não obstante ser o que de tudo mais quereria esquecer. O fidalgo D. Lourenço se bem o premeditou melhor o fez e conseguiu o que desejava. O autor do drama é o sr. João Correia de Oliveira, que nos informou não estar ainda impresso este trabalho, o que terá lugar depois de uma esmerada revisão a que o sujeitou. Que teve um belo êxito, contando fazê-lo representar pela segunda vez e depois levá-lo até ao Brasil. Também o dicionário histórico Portugal, quando se refere a D. Maria Pais da Ribeira, faz esta alusão: «O falecido poeta João de Lemos escreveu um conto que foi publicado no jornal o Prisma, de que extraiu um drama em 4 atos que se representou em 1843 em Coimbra, no Teatro Académico de S. Paulo, sendo desempenhado pelos estudantes sócios da Nova Academia Dramática.» Como se tratasse da famosa fidalga que tanto deu que falar nas cortes de D. Sancho e D. Afonso II de Portugal, D. Afonso IX e D. Fernando de Leão, também quisemos escrevinhar qualquer coisa a respeito dela, só por ser a donatária da antiquíssima povoação de Maçãs que também se chamou Pereiro. Por ser a nossa terra natal, algumas notas acrescentaremos no fim desta história por as julgarmos interessantes e não virem fora de propósito, pois também respeitam à dama em questão, na qualidade de antiga senhoria do vasto senhorio de Almofala que abrange Maçãs e mais outras povoações. E dito isto, vamos começar:

47

Ricardo Charters d’Azevedo

Um pouco de história D. Sancho I, que herdara de seu pai um nome glorioso, um vasto campo para novas conquistas, onde pudesse por repetidas vezes mostrar ao seu povo as suas qualidades de guerreiro audaz, que já em criança patenteara e levou a efeito, infelizmente no decorrer do seu reinado não foi só isto e o seu inimitável método de administração que assazmente o preocuparam, de modo a desviá-lo das suas aventuras amorosas que tantos escândalos produziram na corte e em todo o seu reino. É facto que sob a ação do gume da sua espada, os mouros tiveram a cada passo de deslizar por étapes, quási sempre inesperadamente, porque o soberano português por via de regra atacava de improviso e pela calada da noite, D. Sancho I ao som de músicas de variadas es(em Portugal Pittoresco) pécies. Sobremaneira supersticiosos, levantavam o vôo desprovidos e amedrontados como se tudo aquilo fossem aves agoirentas que os quisessem despertar do profundo sono em que jaziam, ao tempo das investidas e assim dia a dia iam mudando de lugar empurrados pelos impertinentes invasores para paragens que não eram as suas. Foi assim que talhou um novo Portugal que até aqui tão limitado era e tão extenso ficou. Sustentou rijas lutas a par dos seus companheiros de armas, estrangeiros e nacionais, avassalando quási todo o Algarve, tomando pouco airosamente a importante praça de Silves, barbaramente saqueada, atentando-se contra donzelas indefesas sem que algum dos combatentes corasse de vergonha ou manifestando um pequeno assomo 48

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

de revolta. Nenhum! E que os cruzados não tinham lá ido para outra coisa, apenas na mira do saque. O rei tudo presenciou e consentiu, mas a insolência foi de tal ordem, que ele se viu obrigado a pôr termo violentamente a uma série de crueldades que ameaçavam não terem fim. Contra estas selvajarias parecia que os céus já bradavam, pois quási tudo quanto se tinha conquistado se perdia nas próprias mãos do ousado

Conde D. Henrique (em Portugal Pittoresco)

D. Sancho I ditando ao chanceler Julião a carta para Inocêncio III (em História de Portugal, de Pinheiro Chagas)

conquistador. Eram os moralistas da velha Roma e da antiga Grécia a clamarem por justiça para as vilipendiadas, que em rasgos de dor se desfaziam como vítimas abandonadas ao desespero, amaldiçoando em constantes gemidos as garras das feras que agora as devoravam em seus apetites asquerosos e desumanos. Aventura insensata foi também aquela da declaração de guerra a D. Afonso IX de Leão, quando tanto tinha em que se entreter adentro das fronteiras que seu pai em ocasiões muito mais perigosas de-

49

Ricardo Charters d’Azevedo

lineara, cuja intensificação e a passos firmes já houvera começado. Mas, não ficou por aqui o temperamento fogoso do neto do Conde D. Henrique. Numa época em que todos os reis cristãos reconheciam o poder temporal do Papa, arma tremenda guerra à Igreja, faz submeter alguns bispos, legisla para o clero, de que tudo resultou a incompatibilidade com a Cúria Romana, não estando longe de uma excomunhão certa, que naqueles tempos representava a maior desgraça para um país de cristandade. Dir-se-ia que a famosa vitória do Arganhal aos 14 anos de idade, lhe deu alento demais para desfazer tronos e abater a suprema autoridade de Inocêncio III. Alguns prelados tiveram de emigrar clandestinamente, temendo atos severos do soberano, que por questões de menos importância, já tinha praticado na pessoa do irmão dum deles. O Papa, aqui empregou meios suasórios e os bispos voltaram às suas dioceses. À Santa Sé exigia-lhe o pagamento de uma dívida em atraso e também um pouco de vergonha em amores ilícitos, advertências que ele desprezava, imitando alguma coisa a Herodes que achava lícito desposar a mulher de seu irmão, sacrificando a cabeça de João Baptista, em obediência a Herodíade. Eis o motivo da contenda que se vinha arrastando desde D. Afonso Henriques, por algum tempo esquecida, mas que depois tomou proporções aterradoras.

Uma rainha Casou D. Sancho I, com vinte e um anos, com D. Dulce de Berenguer, infanta de Aragão, filha de D. Ramon de Berenguer IV, conde de Barcelona e de Petronilla, rainha de Aragão, senhora singularmente formosa, exornada das mais santas virtudes, sendo esposa dedicada e mãe extremosíssima, em resumo, uma exemplar rainha. 50

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

D. Sancho I (em Historia de Portugal, de Pinheiro Chagas)

D. Dulce (em História de Portugal, de Pinheiro Chagas)

Alguns cronistas do tempo deram-se ao trabalho de lhe chamarem viúva, ao entrar em Portugal, mas a versão não colheu por ser totalmente indiscreta e talvez inventada de propósito para cimentar enredos no Paço logo no início da sua ação como sucessora de D. Mafalda de Saboia. Bondosa em extremo aliava também, como já dissemos, predicados de beleza com requintes de distinção que lhe era própria, pois descendia duma nobre família de Aragão. Ora tudo isto fez sugerir, e o rei deu ouvidos, que a sua fidelidade 51

Ricardo Charters d’Azevedo

no lar conjugal não era de molde a trazer sossegado o espírito do seu augusto esposo. A cidade de Coimbra foi sempre o enlevo dos trovadores, dos apaixonados e eremitas do amor; não era para admirar, pois, que aqui ou ali surgisse um incógnito que muito a ocultas se deleitasse a contemplar a esbelta figura de D. Dulce de Berenguer e portanto quem se atrevesse a ajuizar temerariamente de tão excelsa senhora. A rainha, graças a Deus, saiu incólume deste pleito e D. Sancho já planeava o castigo dos que tão levianamente se permitiram abocanhar a sua real consorte. Pois não tinha ele mandado tirar os olhos ao parente dum bispo que por algumas vezes se tornara insolente em presença das suas admoestações? Os negócios do Estado nunca lhe mereceram interesse especial, sendo toda a sua atenção para encaminhar seus filhos no campo da honra e do dever, educando-os profundamente na prática da boa e sã doutrina. Ninguém a pôde desviar deste princípio, que ela considerava ser o mais perfeito e para aqui convergiam todos os seus cuidados. Era tudo isto, e depois os seus afazeres domésticos em que consistia toda a sua vida particular, porque da oficial apenas compartilhava nos seus espinhos, não faltando à cortesia que lhe era peculiar, mas quantas vezes por demais enfastiada. Formosa como era, evitava as confusões nos saraus para não dar pasto aos que eram pródigos em desajeitadas contumélias, que no parecer de D. Dulce seriam bem escusadas. Por vezes os poetas mal-afortunados, adormecidos na fragrância das serenas águas do Mondego, se entretinham fazendo composições e entoar cânticos, mais de propósito para afastar de si queixas contra as avessas Donas que também tinham os seus preferidos e de tal modo não correspondiam aos seus galanteios. A Coimbra antiga é a de hoje e será a de futuro, menos numa coisa que valha a verdade pelo seu muito uso, está em riscos de ir 52

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

parar ao ferro velho. Não é preciso declará-la porque à sagacidade coimbrã nada escapa e por experiência sabe bem o que aquilo foi e passou a ser. Os alvissareiros morder-se-iam de raiva pela atitude de D. Dulce de Berenguer, que lhes tornaria como resposta, antes morrer isenta de mancha, qual outra Suzana, que servir de espetáculo a dissolutos cortesãos. Mas a soberana também era discutível, como qualquer outra mulher, na corte em que era rei o austero D. Sancho e num Paço Real que todo ele respirava requintada fidalguia da mais fina nobreza que ornava os primeiros tempos da florescente monarquia? A paganizada moral daquela época podia-se comparar à dos nossos tempos e assim já não será muito difícil explicar a razão duma tal controvérsia. Pelas honras e bons empregos tudo se sacrificava e principalmente quando vinham do favor real, quási divino, que hoje se chama vitalício. O negro selvático também rende culto à ociosidade e para que dela colha o fruto, lança mão de todos os seus expedientes para que em alguns dias da sua vida, poucos que sejam, se possa virar e revirar à sombra duma frondosa árvore tão selvagem como o mostrengo que a ela se abriga. Era assim o viver no tempo em que a cortesania ambicionava o repouso sem estorvos, ainda que isso muito pesasse à plebe que a tinha de reconhecer com direitos senhoriais. O ofício de pensar, dirigir e administrar era exclusivo do rei e por isso quando a sua voz se levantava é que era vê-los de armadura bem composta e firmeza no montante, lá iam assaltar um castelo, sitiar uma praça ou varrer a moirama que arrogantemente pisava terras que com justa razão só aos fiéis pertenciam. O metier da fidalguia era este, diploma suficientissimo para palrar com as Donas, conseguir senhorias com outras benesses, acesso livre nas antecâmaras e assim com prestígio bastante para donear, tomando parte nos folguedos do rei promovidos algumas vezes para distrair a corte e outras em próprio proveito. 53

Ricardo Charters d’Azevedo

Reparos D. Sancho I depois da morte de D. Dulce (e há quem diga antes) teve amantes de quem houve filhos. Admitia-se sem grande espanto que os reis, príncipes, nobres e fidalgos as tivessem, chegando a reconhecer publicamente os bastardos, fazendo-os seus herdeiros legítimos. Dos seus testamentos constam: Maria Arias ou D. Maria Aires de Fornelos e Maria Plagii, que era D. Maria Pais da Ribeira, decerto maduramente escolhidas entre as damas da sua corte e pertenciam à mais alta linhagem da península. Era rei, tinha o direito de ser favorecido e favorecer. Da Fornelos se enfastiou depressa o real amante, tendo por conveniente que passasse o seu casamento com o fidalgo D. Gil Vasques de Soverosa, sem embargos de qualquer espécie. Paixões e palavras leva-as o vento, mormente no tempo deste grande senhor. De nobre estirpe era D. Gil, pois descendia do conde D. Gomes de Sobrado, opulenta família que fora destes reinos, mas que por razões desconhecidas, sabe-se ter empobrecido. Não foi infeliz o marido da Arias visto que el-rei tendo-lhe já feito importantes doações, voltou este a ser rico-homem de Portugal e com assento nos estofos da corte. Houveram filhos e ficando viúvo auxiliou muito os seus maiores, que ao tempo ainda viviam. Estes acontecimentos sucediam-se e sucedem-se sem enfado de maior e o que é mais estranho, as mais das vezes passam despercebidos entre o seu avultado número, que muita gente reprova, mas a maioria ainda acha pouco. Isto de moral anda com a época e com o clima e como todas as vocações, também tem o seu estudo próprio, conforme melhor opinião. Os bastardos por parte desta dona foram D. Martim Sanches e D. Urraca Sanches. Tinha muito prestígio mesmo depois do casamento, de que bastante se envaidecia e mais ainda por ter filhos de Gança, pelo que assazmente a cortejavam, os nobres e o povo, o 54

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

que não agradava ao seu antigo amante que longe do Paço a quereria ver, pois já estava de posse da Ribeirinha. A Fornelos era filha de D. Aires Nunes Fornelos e de D. Mor Pires, neta de D. Soeiro Mendes da Maia, protetor do mosteiro de Santo Tirso de Riba de Ave. De ornamentos de formosura desta senhora nada há que o ateste, supondo-se que alguns teria, porque o cognominado Pai da Pátria, decerto não iria tomar para sua amante uma mulher vulgar em matéria de beleza. Quási todos os bastardos de D. Sancho, logo depois da sua morte migraram para Espanha e outras terras, alistando-se nos seus exércitos e por vezes faziam parte de hostes contra Portugal, combatendo os seus meios-irmãos por motivo de contendas antigas que bastante prejuízo causaram ao país. Apesar de tudo D. Martim Sanches poupou a vida a D. Afonso II, mas por outro lado, um dia fez voar a espada das mãos de D. Gil Vasques de Soverosa, seu padrasto, que fazia parte do grupo inimigo, capitaneado pelo monarca, deixando-o no entanto ir em paz. D. Maria Pais da Ribeira, sucessora da precedente, descendia de uma família da Póvoa de Lanhoso, couto de Pousadela, parecendo que seu pai nascera na Lourinhã onde possuía propriedades e no concelho de Arcos. Os Almeidas desta localidade não seriam seus ascendentes e talvez descendentes. Seu avô D. Moninho Ozores (ou D. Monio Osorez de Cabrera) era casado com D. Maria Nunes, da família fundadora do mosteiro de Grijó. Seu pai, D. Paio Moniz de Ribeira, era casado com D. Urraca Nunes. Deles nasceu a Plagii e D. Martim Pais Ribeiro. Da sua beleza, dizem que sem rival no seu tempo, todos os historiadores fazem menção e é de crer que assim fosse, atenta a condição de quem a escolheu para sua amante, pondo à margem a Fornelos e quási que a sua própria esposa. A afeição de D. Sancho I por esta dama, fez-lhe compor este verso, que lhe entregou, para que o can55

Ricardo Charters d’Azevedo

tasse numa longa ausência em que era preciso inspecionar certos trabalhos em execução na Guarda: Ay coitada como vivo En gran cuidado por meu amigo Que si longada! Muito me tarda O meu amigo na Guarda! Ay eu coitada Como vivo em gram desejo Por meu amigo que tarda e não vejo! Muito me tarda O meu amigo na Guarda No seu testamento também faz constar que se após a sua morte ela casasse, perderia o direito a todas as doações feitas, revertendo tudo em favor de seus filhos à data do casamento. D. Maria Pais da Ribeira neste particular não cumpriu a real vontade porque efetivamente casou, pelo que de algumas herdades a desapossaram, já o seu parente Pais Soares, inflamadíssimo, cantava: No mundo non me sei parelha Mentre me roy como me vay Cá já moiro por vos e ay Mia Senhor branca e vermelha Queredes que vos retraya Quando vos eu vi en saya Mao dia me levantei Que vos enton non vi fea E, mia Senhor, des aquel di ay Me foi a mi muyn mal E vos, filha de Dõ Paay 56

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Monis e bem vos semelha Daver eu por vos guar vaya Pois eu mia senhor, d’alfaya Nunca vos ouve nem ei Vali d’ua correa Conforme as informações dos bispos, a Santa Sé julgou que o soberano tinha perdido o juízo, não atendendo às suas observações a respeito da feiticeira que amiudadas vezes consultava, zombando das ameaças de excomunhão que em repetidas bulas vinham mencionadas. Por isso já era tido como louco ou então um relapso para o qual não podia haver misericórdia possível, vistas as graves faltas que, sem emenda, cada vez mais nelas se mergulhava em afincada teimosia. A Ribeirinha, assim lhe chamavam por ser de corpo franzino, tinha atrativos especiais capazes de trazer estonteados todos os poetas da corte e só desta maneira se compreende o ciúme que por ela sentia o seu real amante.

O “Pai da Pátria” D. Sancho nasceu em Coimbra em 11 de Novembro de 1154 e faleceu em 27 de Março de 1211. Casou aos 21 anos de idade com D. Dulce, como já ficou dito. Em 1178 entra na Espanha árabe e o seu arrojo leva-o até Sevilha, estabelecendo quartel-general em Triana. Repelindo os mouros, regressa a Portugal, triunfante, carregado de riquezas arrebatadas aos inimigos. De tamanha audácia, o emir mussulmano ameaça desforra, invadindo o reino, chegando a cercar Santarém. Nesta altura uma formidável esquadra aporta a Lisboa, aguardando a notícia e a chegada do emir, vindo de tomar a dita cidade; 57

Ricardo Charters d’Azevedo

mas D. Sancho defende-a vigorosamente, até que seu pai já muito alquebrado marcha em seu socorro e o exército invasor sofre total derrota, ficando o rei mouro muito maltratado, de cujos ferimentos e pelo desgosto da humilhação vem a morrer em Algeciras. Em 1185 morre D. Afonso Henriques, sendo D. Sancho aclamado rei em 6 de Dezembro, contando 31 anos de idade. Nos primeiros quatro anos do seu reinado a atenção do monarca é absorvida na preparação de resistência a possíveis cercos por parte do rei de Leão e do novo emir Iacub. A Portugal chegam muitos estrangeiros que se dirigiam à Terra Santa16 e o soberano português a eles também se juntaria se não concebesse a ideia de preferir antes ir combater mais perto acossando os mouros das terras que entravam no seu plano de conquistas e quási já contava como suas. Aproveita o ensejo convidando os cruzados a acompanhá-lo até ao Algarve, ao que prontamente acederam, na ânsia da pilhagem que excedeu tudo em selvajarias. Em 1189 era reduzido a cinzas o castelo de Alvor, tendo a mesma sorte a importantíssima praça de Silves (Cheíb), que era a principal povoação. A partilha sôfrega dos despojos entre estrangeiros e nacionais foi tão injusta que o rei se viu forçado a fazer expulsar do reino, violentamente, todos aqueles que se excederam em matéria de atrocidades. De volta desta emprêsa ainda o soberano conquista mais algumas terras, principalmente no Alentejo. O emir mussulmano com um forte exército cerca Silves, que não pôde tomar, entra na Extremadura chegando até próximo de Coimbra; mas D. Sancho é inesperadamente socorrido pelos ingleses, que de antemão tinham visto o perigo que corria, e Iacub não contando com este revés, retira desordenadamente e ainda com a 16

Tratava-se da 3.ª cruzada.

58

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

fatalidade de ver as suas tropas dizimadas pela doença e pela fome. Mais uma vez D. Sancho teve de se desfazer dos seus estranhos auxiliares, empregando a força, fazendo prender todos os autores de roubos, ordenando que só lhes fosse dada liberdade quando os restituíssem, sendo logo expulsos, pois já se julgavam como senhores na casa alheia. O emir não perdeu o ânimo e em 1191, pela segunda vez, invade o Algarve passando ao Alentejo, ficando apenas Iacub el Mansur (em História de Portugal, Évora em poder dos portuguede Pinheiro Chagas) ses e como outrora fica servindo de fronteira o rio Tejo. D. Sancho conserva-se sempre ao lado dos reis cristãos, entendendo que só da sua unidade de vistas se conseguiria a libertação da Europa, que os mussulmanos teimosamente queriam avassalar. E neste interregno que se entrega a valer à povoação das suas terras, atraindo colonos dos países vizinhos a quem concede largas licenças; manda construir castelos, auxilia os lavradores e funda muitas vilas. Começa aqui a luta com a Espanha e com o clero que só vem a terminar em tempo de seu filho D. Afonso II.

59

Ricardo Charters d’Azevedo

Resistência passiva Em 1198 o Papa Inocêncio III quer lançar sobre o soberano e o seu reino a interdição, o que era considerada a maior desventura duma nacionalidade; mas o soberano, reconsiderando, entrega o efeito da contenda ao chanceler Julião, seu braço direito, que, todavia, atilado como era, também se vê embaraçado perante a rara energia do Pontífice, tido como um dos maiores vultos do seu tempo. Convenceu-se então que não chegaria para amedrontar o clero, não obstante a sua fama de intrépido guerreiro e modelar administrador. O caso da Cúria Romana era bem outro que não ia a ponta de espadas nem se deixava cegar com o reluzente das armaduras. Tudo isso viu D. Sancho I que, como já dissemos, tinha apelado para a diplomacia do chanceler, dando-lhe plenos poderes para resolver o extraordinário acontecimento, mas foi vencido. Satisfez-se a dívida em atraso pelo censo anual que D. Afonso Henriques, pretextando embaraços de ordem financeira, deixara de pagar e seu filho tinha-lhe seguido o exemplo. A soberania portuguesa sofreu um duro cheque em face do poder temporal da Santa Sé, e por isso o rei aproveitando o primeiro ensejo, rompe novamente com Roma e em parte saiu vencedor, relegando possíveis excomunhões, mas não tarda em ajoelhar aos pés dos bispos, retratando-se, compensando prodigamente com dádivas e doações as casas religiosas. Contemos o caso. A rainha D. Dulce faleceu em 1 de Setembro de 1198, com 46 anos de idade e jaz em Santa Cruz de Coimbra. Liberto de escrúpulos, em 1208 investe furiosamente com quási todos os bispos, pondo-se alguns em fuga, e quando outros procuravam fazer o mesmo, intervém Inocêncio III, voltando os fugitivos aos seus lugares. O prelado do Porto, ainda que aparentemente sossegado, por ocasião da visita do príncipe a esta cidade, após o seu matrimónio, não pôde 60

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

disfarçar o ressentimento e a pretexto de que a sua realização em 1209 não tinha sido conforme os ditames da igreja, recusou-se a recebê-lo na sua residência. D. Sancho, fortemente irritado com semelhante ato, manda cercar o seu palácio, onde não foi encontrado o bispo, que já ia a caminho de Roma, e ainda bem porque era muito difícil concluir quais seriam as condições de paz impostas pelo soberano, que nesta altura não se contentaria com simples desculpas, cujo poder real tinha atrás de si as vitórias de Cerneja, Ourique e Valdevez.

Despedida Mais algum tempo, pouco, e o segundo rei de Portugal, tomba na sepultura em Santa Cruz de Coimbra, onde jaz, depois de 58 anos de idade e de 26 de reinado. Foi áspera a sua vida como príncipe e como rei, e se defeitos teve, a verdade é que mereceu ter muitos cognomes e entre eles, o lavrador, o povoador, o pai da Pátria, etc. Se tudo isto é pouco há a aumentar o seu valor guerreiro, de conquistador ousado e a atestá-lo aí estão os seus feitos que enchem toda a história desta nacionalidade oito vezes secular, tudo bem digno dos seus fundadores, D. Afonso Henriques e do seu herdeiro que com decidido esforço bastante concorreu para a consolidar, que a eles principalmente pertence, e depois como seus sucessores, aos honrados Gamas, Castros e Albuquerques. Em consequência das muitas doações feitas aos bastardos, surgem algumas desavenças com os legítimos, que só vieram a terminar muitos anos depois e com a intervenção do Pontífice Romano; não teve isto lugar com D. Afonso II, que foi o principal autor delas, porque morrendo novo, pois apenas reinou 12 anos, não houve tempo de remediar o mal feito. 61

Ricardo Charters d’Azevedo

Original proeza D. Maria Pais da Ribeira apressa-se a sair do Paço, visto ali já não ter guarida certa; organiza a sua algara e ei-la em andada para Vila do Conde e como adail seu irmão D. Martim Pais Ribeiro. Perto de Avelãs, no termo da Anadia, atravessa-se na sua passagem D. Gomes Lourenço Viegas chefiando um grupo de amigos bem armados e equipados que cai sobre a escolta da Ribeirinha; trava-se combate feroz, duma parte D. Martim Pais com a sua gente e da outra o abarroado D. Gomes também com aqueles que prometeram acompanhá-lo na empresa que delineara e era a posse daquela mulher que amava desde muitos anos, e resolvera, custasse o que fosse, possui-la, por dias, por horas, por momentos, não importava, ainda que depois justiçado barbaramente às mãos de el-rei ou às do seu encarniçado inimigo. O combate para arrancar a Martim Pais Ribeiro sua irmã tornara-se por vezes indeciso e de parte a parte a luta parecia extinguir-se para depois tomar maiores proporções, prevendo-se que a vitória está prestes a inclinar-se para o lado de D. Martim. Hostes terríveis eram estas; mas o descendente do aio de D. Afonso Henriques já havia recebido muitos ferimentos. O destemido cavaleiro não perdera o ânimo nem era próprio da sua antiga nobreza que em ocasiões mais críticas tinha dado provas de coragem e valentia. Tomando alento, vibra golpes profundos nos seus inimigos, o cerco aperta, os combatentes espumam já de raiva e por fim o fidalgo abasmando tudo vem a abrir brecha nos seus adversários. O gigante faz assaltos repetidos, esgrima para a esquerda e para a direita, toma várias posições, evoluciona como bom cavaleiro, de relance, forma o audacioso plano de primeiramente derrubar o chefe contrário, abatendo-o às cutiladas e ei-lo senhor da situação, depois de romper as fileiras dos seus temíveis inimigos. D. Martim Pais cai exausto de forças bem como alguns dos seus 62

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

companheiros, impotentes para poderem arcar com a bravura do neto de D. Egas Moniz; de montante bem rijo, no dorso, na garupa ou na agulha do álamo, atira-se raivoso, espumante, sobre aqueles que ainda o querem vencer, amarfanhando contra si aquela por quem já derramava sangue, mas tinha ido ali para ficar vencido ou vencedor. Atónita, D. Maria Pais da Ribeira, estava como mergulhada num sono tétrico, não sabendo o que tudo aquilo queria dizer, se era o fim da sua vida ou então qualquer coisa visionária que dificilmente fundo a deixava respirar. Pesadelo? Mas, procurando serenar, não tem dificuldade em se aperceber do acontecido. Pretendendo resistir é então que o fidalgo de repelão a faz sentar sobre a montada, abandona as rédeas e a bom galope transpõe, sem dar por isso, montes, vales e matas, até chegar a terras de Leão.

O fim de uma jornada Como fera faminta, apoderando-se da presa, se tresmalha em desabrida carreira e a vai devorar fora do alcance das outras que a perseguem sem resultado, assim parecia o louco amante assoberbado com aquela que já considerava sua e em breve não pertenceria a mais ninguém. Livre de perigo, apeia-se com a Ribeirinha, segura-a com energia e aqui quer-lhe patentear o quanto a amava, proporcionando-lhe também um pouco de descanso da enorme fadiga pela acidentada viagem que a raptada jamais esqueceria. O que se passou não o podemos nós descortinar, ela nunca fez eco de tal passagem e D. Gomes Lourenço Viegas não o chegou a dizer, que nos conste, talvez porque não lhe chegou o tempo e muito menos a quem confiar semelhantes impressões. Extenuadíssimos, ele como lobo fustigado pelos da montaria, se deixa tomar sem forças, de olhos bem esgazeados sobre a ovelha 63

Ricardo Charters d’Azevedo

arrebatada, fica-se contemplando-a, mas sem alento para lhe suavizar da metamorfose porque tinha passado, a qual seria muito dificultoso conseguir desvanecer no ânimo de D. Maria Pais da Ribeira, que desde este momento juraria vingança contra o estouvado que tão brutalmente a arrastara para aquelas terras. E que mal lhe tinha feito? Só o fidalgo lhe podia responder, que por seu turno também se entrega a divagações; as consequências desta tragédia, sacudindo-as logo de si, para se ocupar da feliz aventura, trazendo até ali a mulher que quási o enlouquecera e acabaria por corresponder ao seu terno amor, e isto não era coisa para desprezar, comentava alegremente. E como entendido em cortesia, mudou de semblante, deu princípio às suas formas de tratar, afagando a Ribeirinha, que não se mostrou rebelde visto que o plano já estava traçado. D. Lourenço havia de prestar duras contas pela proeza cometida, enxovalhando desalmadamente o nobre título de Paio Moniz. Era questão de dias, porque seu irmão jamais lhe perdoaria o inesperado encontro, deixando-o às portas da morte e a muitos dos seus companheiros, afora aqueles que ficaram estendidos sobre o solo de Avelãs. Neste discorrer a Ribeirinha fica meia adormecida, quási moribunda, desconjuntada, pois foi coagida a cavalgar incomodamente, sem regra, galopando em percurso que parecia interminável; tinha sido assim aquela aventura preparada pelo algoz, que agora como cordeiro se lhe unia, como quem estava arrependido, não por a ter como sua, mas pelo mal que lhe causara. O cavalo especando aqui e ali sem direção certa, procurando veredas sem roteiro, foi a maior agonia a que a podiam ter sujeitado, que D. Martim Ribeiro faria pagar caro a quem tão levianamente se lançara em semelhante atrevimento. Tão certo!... Refeitos mais ou menos de forças, por motivo daquela estranha cavalgada em tão especiais circunstâncias, os dois amantes põem-se novamente a caminho para sítios mais longínquos, pois não eram 64

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

aqueles locais bastante azados onde pudessem fixar residência. O fidalgo sabe convencer a Ribeirinha, que naquele momento só lhe restava obedecer, mas não queria que fosse por força e sim por sua livre vontade. Ela por sua vez também sabe muito belamente fingir, que sim, que estava inteiramente ao seu dispor. Promete-lhe ser sua, porque na verdade era digno cavaleiro, destroçando completamente a hoste de seu irmão, que muito lamentava, mas tinha dado provas de sobejo que era gentil-homem de fama. D. Gomes Lourenço, ao ouvir este elogio, não cabe em si e, ingenuamente, supõe que o seu amor por D. Maria Pais da Ribeira entrou numa nova fase de suma felicidade para ele. Ela também abre um parêntese, recordando que D. Martim Pais, àquelas horas, devia estar preparando a cilada em que cairia o seu inimigo, que agora ali a tinha bem guardada e, secretamente, medita no castigo terrível que lhe tem reservado. Partiram. Só o fogoso ginete ficou, que depois da correria tinha caído para não mais se levantar. Os extensos olhos do monstro estatelado, ainda brilhantes, pareciam dar esperanças ao cavaleiro, que afinal teve de o deixar, porque estava morto, bem morto. Tinha-o feito vencedor duma batalha sem tréguas, sem igual na sua vida, e por isso, do animal não se pôde despedir sem comoção e saudade. Retira-se fitando-o sempre, até o perder de vista e, em pensamento tenebroso, ligeiro como relâmpago, disse: «Mau agouro este duma aventura que começa a impressionar mal um dos caudilhos da guerrilha de há pouco travada de propósito em favor desta mulher que até aqui tem constituído todo o afeto dum louco, talvez mal aconselhado.» Mas para longe estas desconfianças, que decerto não passam de maus sonhos, inventados apenas para arranjar medrosos na descendência de D. Egas, que Deus tem. Não há-de acontecer assim, pensava, e retomando a sua habitual serenidade que lhe era própria, começou de refletir qual teria sido a sorte dos seus, enfrentando com o grupo de 65

Ricardo Charters d’Azevedo

Martim Ribeiro, que ainda tinham ficado em Avelãs continuando o combate e, principalmente, barrando as veredas que lhe deram passagem e à Ribeirinha, pela forma que já sabemos. Em todo o caso confiava bastante no valor da sua gente, que saberia defender-se naquela contenda, que se devia perpetuar por séculos em fora e, bem mais do que se podia imaginar, no estonteado cérebro de D. Gomes Lourenço Viegas, que já naquela altura estava julgado pela Plagii, naturalmente à pena maior. As armaduras, em estilhaços, dispersas sobre o campo, embaciadas de sangue e suor, ainda reluziam sob a ação do sol daquela tarde de primavera, denunciando claramente que a luta tinha sido feroz; os bandos chocaram-se amiudadas vezes e de muitos modos. De tão vigoroso encontro com o fidalgo, a hoste dirigida por D. Martim Pais sofreu uma rude aniquilação, que os seus componentes não encontram maneira condigna para vingar tamanho desastre infligido pelo intemerato D. Viegas, que furiosamente, abrindo caminho, passa por cima de tudo e de todos, ficando pasmados em presença de semelhante ousadia, que não vê perigos, a maior indignidade que até ali conheceram, não obstante todos, do menos ao mais graduado, se terem batido valentemente com o temível adversário, que os deixa aterrados sob o peso da mais triste humilhação. Os que jaziam quási à beira da morte, esses só teriam tempo de se lamentarem envoltos na mais desprezível desgraça de uma contenda que atrás de si só deixava vestígios de uma formidável desventura. Mais nada!

Curta ventura Ali nas terras de Leão, D. Gomes Lourenço Viegas com D. Maria Pais da Ribeira, estariam tranquilos, onde não chegaria a influência 66

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

do irmão desta nem o valimento de D. Afonso II, que na corte do soberano leonês, pouca aceitação tinha. Era de crer, pois, que os dois amantes se começariam a afeiçoar, não estando longe dum entendimento em condições vantajosas. Não via ela que o amor do fidalgo era constante, desinteressado e puro, pouco vulgar na D. Afonso II (em História de Portugal, época daquele senhor de Pinheiro Chagas) de Soverosa? Era bem uma paixão singular e por isso arredada estaria qualquer suspeita duma traição que não lhe era própria, pois tratava-se, nada mais, nada menos, dum descendente da mais fina fidalguia peninsular, daquele brioso cavaleiro D. Egas Moniz, cujo nome sempre ecoará na história da Pátria, que ele com tanto amor servira. Banais eram estas dúvidas sobre uma figura tão digna, incapaz, de trair tão glorioso nome. Isto pensava o vitorioso de Avelãs, que seria naquele instante a meditação da Ribeirinha; não era, e ele só deste transe se lembraria, quando depois o seu terrível inimigo D. Martim, espumante, lhe fez enterrar o ferro naquele coração que sinceramente amava a mulher que já parecia sentir o gozo da agonia do amante, que por força teve de aceitar. Deixemos por algum tempo em paragens da Espanha, estas duas figuras pensando diversamente, ele aliviado do peso de D. Sancho, sepultado em Santa Cruz, de Batissela e outros pretendentes à filha 67

Ricardo Charters d’Azevedo

de D. Paio Moniz, que agora era bem sua, agasalhados num país cujo soberano não se baixaria a satisfazer exigências dum monarca que ainda talvez fosse vassalo do grande reino de Castela. É verdade que a sua proeza vinha a dar brado nos países ocidentais, tanto é certo que a raptada tinha filhos de Gança, podendo ainda ser reinantes, acrescendo a valia do seu enorme parentesco, muito espalhado pela península, capaz de fazer decidir em favor desta, uma demanda que o aterraria, deixando-o sem concerto. Era para temer também a prosápia do seu irmão, que jamais esqueceria a derrota sofrida, onde tinham ficado parte dos seus e os restantes abandonando o terreno a pouco a pouco, que começava a causar-lhes pavor. Afinal pensamentos momentâneos estes, na mente do fidalgo, visto que se ali não estivesse seguro iria para mais longe, Provença, Navarra ou Aragão. Tinha-a filhado em verdadeiros lances de angústia e por isso não estava resolvido a que se lhe escapasse e de mais render-se-ia sem grande custo aos seus afagos, afastada e sem esperanças de voltar ao gozo das suas famosas herdades e também, das homenagens dos cortesãos que já com ela não contavam e tudo esqueceria D. Maria Pais da Ribeira. Ela é que maquinava por outro processo, a forma de se desenvencilhar do algoz, fingindo conformar-se com a sua vontade, pois era esta a melhor maneira de lhe merecer plena confiança. Seria este o primeiro passo para a desforra, mas convinha não se precipitar, correspondendo cegamente aos desejos do pertinaz salteador que torpemente a filhou.

A vingança Seguimos agora D. Martim Pais nas suas diligências para haver vingança sobre aquele que o tinha chagado miseravelmente no terreno de Avelãs, mas mais o torturava a sua soberba de nobre 68

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

cavaleiro que é possível muitas noites ter passado em claro pelo massacre dos seus amigos que nele confiaram cegamente, escoltando em direção a Vila do Conde, sua irmã, que não houve forças humanas que a pudessem defender, deixando-a filhar pelo seu adversário. Vergonha, maldição! Sobre o campo jaziam cadáveres dos contendores que, não obstante o súbito desaparecimento de D. Lourenço, continuaram a luta a modo de guerrilha, dispersando-se lentamente os lutadores em boa ordem. Tinha de ser este o desfecho desta cena, atenta a condição dos protagonistas tanto mais que a causa da razão da briga, como um sopro deixou de existir. Dos chefes um já se supunha a bom recato e satisfeito por ter visto o fim almejado, e o outro planeava o modo como obter o castigo daquele, pela infâmia praticada. O sucesso seria infalível atendendo às suas qualidades de fidalgo bem aparentado e daqueles que com ele foram vítimas da refrega que o atormentava. Sua irmã não podia ser esquecida no Paço onde trilhou abundantemente, que D. Afonso II, mau grado seu, tinha de reconhecer. D. Gomes foi autor dum grave escândalo na corte e isto teria irritado muito o soberano até o ponto de ser o primeiro a lamentar o ocorrido, concordando que justiça devia ser feita. Com todas estas razões contava D. Martim, que não se podia resignar à triste condição de fidalgo desqualificado. O sangue havia jorrado e uma parte da cavalaria, estendida no campo do combate, começava a empestar o sítio com os arredores. Estertores de derradeira agonia ainda se observam em cavaleiros de ânimo mais forte e em montadas que levaram até o fim as suas posses, mas em meio das torturas da morte que já se avizinhava. E que o destroço da luta tinha atingido proporções extraordinárias e os contendores não viam uma circunstância plausível que lhes atenuasse em parte, o efeito que se produziria em Coimbra, ao conhece69

Ricardo Charters d’Azevedo

rem-se os pormenores do formidável desastre em que tilintaram desesperadamente os montantes dos dois grupos. Por isso a tristeza que ia nos que ficaram por parte da gente que guardava a Ribeirinha, era imensa, pois na história não se encontravam casos semelhantes. Assim pensavam os amigos de D. Martim, que só recobrou alento com a ideia de sem mais detenças se ir lançar aos pés de D. Afonso a clamar vingança contra o que filhara sua irmã. Que importava a ascendência deste, perante tamanha infâmia lançada sobre o seu brasonado, dos seus amigos e até do rei, que tinha sido desrespeitado pelo fidalgo na pessoa duma dama da sua corte, amante de seu pai, de quem teve filhos legitimados como seus irmãos? Não podia ter dúvida que a decisão moral do pleito recairia em seu favor e daqueles a quem atingira. Em tréguas, nem nisso pensar, onde estava comprometida a honra de sua família e de todos aqueles que o acompanharam. Não e nunca! Levantou a cabeça, sacudiu-a e firmemente toma a resolução de se encaminhar para o Paço a querelar D. Gomes, pedindo desforra. Mete esporas, solta as rédeas e ei-lo em furiosa correria, não tardando em bater às portas do Paço, apresentando-se a D. Afonso, que para isso lhe concede urgente audiência. O fidalgo identificado com o meio, apressa-se a pô-lo ao facto do acontecido e bem aprumado clama: justiça real Senhor! De cabelos hirtos e húmidos, fronte desdenhosa a espumar ódio, olhar faiscante, troveja arrogantemente: vingança, vingança! Tomando posições diversas e semblantes vários, mudando de cor, aguarda a resposta do soberano. Que iria decidir?

El-rei preocupado A falar a verdade a figura de D. Maria Pais da Ribeira era-lhe antipática e já sabemos que razões tinha para fazermos êste juizo; 70

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

outras havia, mas dessas não era lícito torná-las públicas porque trariam escândalo à côrte e ao povo. Mais tarde apareceriam, mas a êsse tempo não causariam tanta estranheza nos seus vassalos, visto que antecipadamente iam sendo prevenidos. Sabe-se que D. Afonso teve lutas com os seus irmãos e ainda com os bastardos de seu pai, por querer esbulhá-los dos seus haveres que legitimamente lhes tinham sido adjudicados, conforme consta do testamento de D. Sancho I e das muitas doações feitas aos seus herdeiros e nobres; apesar de tudo ser firmado com as assinaturas de seu filho e da rainha D. Urraca, êste quiz-se negar ao compromisso aceite e daí uma série de guerras onde foram envolvidos os soberanos visinhos e até o Pontífice Romano. Eis tôda a razão porque a Plagii não era persona grata do monarca, perante quem o irmão desta agora estava em ânsias por saber qual o desideratum do pleito com o mal arraçado D. Viegas, que numa briga desastrosa o puzera à beira da sepultura. O soberano fez um rápido balanço das fôrças dos desavindos, terminando por condenar D. Gomes Lourenço Viegas, que já o tinha sido pela mulher com quem agora parecia viver horas felizes em terras de Leão, onde os deixamos. Toma papel e em poucas palavras reclama do seu colega leonês a sua extradição por temerariamente em seu reino, praticar um ato de reprovação, raptando à fôrça uma nobre dama, refugiando-se com ela para além das fronteiras.

D. Martim implacável Nesta altura já se julgava bem seguro o fidalgo e completamente esquecido dos mil e um pensamentos que antes o tinham atormentado; agora só pensava em se refazer das fôrças perdidas, curando as chagas ainda bem visíveis, pois fundas foram as cutiladas que sôbre êle descarregaram os homens de D. Martim. Só isto o preocupava e 71

Ricardo Charters d’Azevedo

mais a forma de ser agradável a D. Maria Pais, de maneira a grangear dela uma palavra amorosa, o que às vezes já lhe parecia ser um facto, mas de outras certa dúvida; quem a observasse a sério veria sem grande esforço que qualquer coisa no seu íntimo se tramava em desfavor do louco D. Viegas, a quem tudo passava despercebido, porque mal não julga aquele que só vê rosas, sem contar com os espinhos. Todavia não esperava que por aquelas paragens fôsse incomodado, visto que residia acoberto dum soberano que não era o seu, o qual não morria de amores pelo de Portugal. Não acontecia assim. O irmão da sequestrada, logo que recebeu a carta do seu Senhor para o rei de Leão, não perde tempo, monta, larga o bridão e parte, procurando de seguida avistar-se com D. Fernando, fazendo-lhe a entrega da missiva. Atentamente, acompanha todos os movimentos do destinatário e, em observação rápida, não tarda em reconhecer que a vitória está do seu lado; pouco leal é verdade, mas bem merecedor era o que tão vilmente injuriou sua irmã, ele e os da sua gente, numa ocasião, a mais crítica, e que era preciso reabilitar a honra de tantos sacrificados. Finalmente, a resposta foi favorável e, na certeza de que estava ganha a partida, o irmão da Ribeirinha rouqueja ferozmente: «Hás-de morrer às minhas mãos, torpe inimigo da nobreza de Paio Moniz e da de todos os cavaleiros que se empenharam na defesa daquela que tem descendência real e amanhã pode disputar tronos»; apertando bem o montante vocifera ainda: «sobre ti malvado sedutor, irá até onde as minhas forças o permitirem»!

Triste nova D. Fernando recebeu a carta um tanto ou quanto friamente e, por dever de ofício, faz notificar ao intruso fidalgo, que se apresen72

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

tasse a D. Afonso II com a fidalga que tinha em sua companhia, não lhe fixando prazo, como que dando-lhe tempo de o fazer ou não, indo para outros reinos e se assim o quisesse não teriam valor as lamúrias de D. Martim, desistindo de outra vez rastejar aos pés do monarca e este com muito menos vontade ficaria de empenhar novas diligências no sentido de desafrontar D. Maria Pais da Ribeira; uma situação assim não lhe desagradaria por comodismo, como também para se desembaraçar duma Dona que bastante funesta tinha sido à corte, ao povo e mais especialmente ao património real. D. Lourenço ao ter conhecimento da querela, quási que fica sem sentidos, não pelas consequências, mas porque estava desprevenido para receber semelhante intimação. Devia ser sonho, ou então destas visões que por vezes atormentam os espíritos, dados a paixões violentas, de resto vulgares em todos os tempos. Despertando, começa a encarar a sério a denúncia e, estremecendo como fera avessa aos males presentes, toma esta resolução: não faria a vontade do rei. Haviam outras terras onde se internar e lá não chegariam as ameaças do soberano e muito menos as queixas de D. Martim, que o ficara conhecendo de sobejo, não longe de Anadia. Com ele, no mesmo lugar, não se importava novamente encontrar-se; mas ir até junto de D. Afonso II, acompanhado da Piagii, isso nunca! O irmão da Ribeirinha, se alguma coisa pretendia dele, que lho declarasse lealmente e aonde, e saberia mais uma vez o que valia o neto de D. Egas Moniz. Tudo faria menos entregar-se e àquela por quem tanto tinha sofrido em longa jornada que parecia interminável. Mais longe, a sua amante melhor se lhe afeiçoaria, acabando por o desculpar, arrastando-a para terras de Espanha em desaustinada carreira. Partiria sem demora. Talvez que, voltando a Portugal, ela lhe fizesse muitas promessas que decerto cumpriria, mas não ficava tranquilo em semelhante situação, porquanto os seus inimigos jamais lhe perdoariam aquele encontro terrível no terreno de Avelãs. 73

Ricardo Charters d’Azevedo

Um ardil A Ribeirinha não dormia. Sabe calcular maravilhosamente o que vai no íntimo do fidalgo, não perdendo tempo em fazer saber quais os seus propósitos, propondo-lhe o regresso a Portugal e lançarem-se de joelhos aos pés de D. Afonso, solicitando-lhe perdão das suas faltas. Depois o casamento não se faria esperar, passando a viver amigavelmente, ligados em forma legal, conformando-se com o destino que até ali os trouxera. Não é pródiga em mais prometimentos, não fosse o estouvado D. Gomes desconfiar da fartura que agora docemente ia sendo arrastado à guilhotina certa, conforme o condenado, que recebendo alento do confessor, como cordeiro se entrega ao cutelo do carrasco que o há-de executar. O gigante, vencedor dum grupo bastante numeroso, fica vencido pela antiga amante de D. Sancho, a Feiticeira, conforme era alcunhada adentro da Cúria Romana, segundo informações ali recebidas por intermédio dos prelados, que não podiam usar de outro termo, isto é, declararem publicamente que havia barregãs a soldo do monarca nos paços de Coimbra. Em tão ardilosas esperanças acredita D. Viegas de que ligeiramente chega a pôr em dúvida para depois a cegueira o levar à convicção, de que ajuíza temerariamente daquela que agora parecia estar disposta a conceder-lhe inteiramente a sua amizade, o que já julga ser a maior dita da sua vida. Contentíssimo com a nova feição que tomou a sua aventura, assentam ambos nos preparativos para o regresso às terras que em circunstâncias muito especiais tinham abandonado; ele depois de uma luta cerrada, amarfanhando-a de repelão, impelindo-a para Espanha; ela tomada de assalto pelo valoroso fidalgo, colada a si e, cavalgando sem governo a galope rasgado, internam-se em Leão, onde à força a faz sua amante como prêsa muito querida, pois bastante suor e sangue lhe tinha custado, tendo-a agora ali bem vigiada. 74

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Tudo pronto, encetam a viagem por Castelo Rodrigo, que era onde pairava por aqueles tempos D. Afonso II. Dois amantes, que de sentimentos opostos se encaminhavam, um para o abismo e o outro já gozava do estertor da sua vítima que muito longe estava de pensar no ardil preparado por aquela que agora o conduzia, qual ovelha, à boca ferina de seu irmão, que impacientemente o aguardava como executor da sentença, que seria por demais severa, atenta a condição do criminoso e do crime que praticara. Da triste cena de Avelãs já ninguém se lembraria, comentava agora de si para si D. Gomes Lourenço, totalmente adormecido em longo sonho de vãos sorrisos. A Ribeirinha tudo faria calar só pelo prazer de novamente entrar no usufruto das suas famosas herdades e liberta duma estação que tanto brado tinha dado nas cortes de Espanha e Portugal. Nada havia a recear, pelo que sem perda de tempo era forçoso partir, e assim mais depressa punha termo a uma vida considerada escandalosa, cheia de peripécias e de surpresas. As condições de paz, propostas pela própria vítima, eram muito aceitáveis, não podendo haver a menor contestação para que se deixasse de realizar.

Supremo lance Os emigrados de há pouco estão prestes a pisar terreno da sua pátria, quási chegados à vista do soberano. O que iria suceder? Pouco mais ou menos a filha de D. Urraca Nunes calculara a sorte do seu famigerado amante, o que bem sabia disfarçar, até ao ponto de a D. Gomes não ser fácil descobrir o que no íntimo dela ia a respeito do fim que lhe estava preparado, sendo entregue à fúria de seu irmão que por aquele tempo já não podia conter a sede de vingança, mirrando-lhe o espírito. Pois não era sabido de norte a sul o desastre 75

Ricardo Charters d’Azevedo

da contenda, deixando-o aterrado e aos seus companheiros que não puderam pôr um dique à bravura do intrépido cavaleiro D. Gomes Lourenço, arrancando-lhes das mãos D. Maria Pais Ribeira, zombando desdenhosamente da sua qualidade de nobres fidalgos? Tudo isto exigia reparação condigna, não sendo de mais que o teimoso aventureiro pagasse com a própria vida, a tristíssima aventura que muito a ocultas premeditou, salpicando de sangue e de lama a nobre linhagem dos Moninhos Ozores. Ei-los a pouca distância do soberano, D. Lourenço desmontando e correndo em auxílio de D. Maria que se preparava para descer da vistosa hacaneia que a conduzira até ali. O rei já prevenido da sua chegada posta-se em observação atenta, ficando admiradíssimo pelo que vê, as duas personagens quási de mãos dadas dirigindo-se-lhe. O que aconteceria? Formula conjeturas. Esperava que D. Maria Pais Ribeira, muito isolada, viesse até ele dizendo da sua justiça, sem mais preâmbulos. Por outro lado D. Viegas, em atitude medrosa e desconfiada não tivesse muita pressa de se abeirar do monarca, furtando-se aos seus olhares penetrantes, fugindo-lhe até as forças para com eles se encontrar. Mas via-os vir em sua direção com certo ar de satisfeitos. Ele que já tinha planeado o castigo do fidalgo, convencido fica que tem de mudar de parecer, dando novo rumo à estouvada cena de Avelãs, revogando em contrário. Antes de partirem e, pelo caminho, decerto houveram entre si entendimentos amistosos e ali vinham não com sentimentos opostos e sim arrependidos em súplica, rogando da sua clemência real. De resto ele com ela podiam ter desandado para terras mais distantes, fora da ação da chancelaria do reino, longe das garras do soberbo D. Martim Ribeiro, poupando também o rei a ter de lavrar uma sentença, talvez contra sua vontade, para afinal proteger uma Dona que era melhor fazer-se esquecida na corte e até nos nobiliários em que havia de figurar. Não quis assim o fidalgo por ingenuamente acreditar no 76

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

embuste da Ribeirinha ao fazer-lhe propostas de casamento que totalmente o deixaram inebriado. Um ponto de dúvida embaraçava ainda os cálculos do monarca: como conciliar os grupos, de parte a parte bem aparentados, que tinham deixado nome em Avelãs até derramamento de sangue, havendo vítimas que do fundo das sepulturas estremeciam clamando reparação? A ossada da cavalaria que tinha sido morta às estocadas, lá andava dispersa pelos fraguedos, arrastada pela canzoada faminta que ali tinha sido atraída, porque as carnes despedaçadas, essas já tinham sido devoradas pelas aves rapaceiras que não tardaram em descobrir o superabundante banquete. Podia haver conciliação possível? Nunca! Mistério era tudo isto, pensava o monarca; um pouco de tempo mais e tudo se esclareceria. Os camaristas de el-rei fazem sinal aos recém-vindos para se aproximarem, os quais gravemente se dirigem ao soberano, a Plagii pesando uma por uma as palavras a pronunciar ante a real presença, de forma que não fossem infrutíferas a uma comoção rápida e de êxito seguro a derrubar para sempre D. Gomes; este meditando nas respostas e preguntas que decerto o rei lhe faria, dignas da majestade de D. Afonso II, por forma que, nas suas desculpas, não fosse cavar ainda a sua própria ruína, pois era autor de um ato de que só ele havia de dar contas. Teria de modificar à última hora as suas derradeiras apreensões? Para tudo estava preparado, menos para ser condenado a morrer violentamente e eis porque não perdeu tempo a pensar em semelhante perigo.

A sentença Primeiro ela. Soluçando, cobrindo o rosto, já banhado em pranto, cai de joelhos, fronte quási rocegando pela alcatifa sem fitar o 77

Ricardo Charters d’Azevedo

soberano, abre em choro irreprimível, com a voz embargada, rouqueja fundo e pronuncia estas palavras: «Justiça Senhor! Vingança, maldição sobre tamanha infâmia; levada de rastos uma dama da corte para fora das vossas terras, filhada brutalmente e ali feita prisioneira como mulher de qualquer condição! Ela aqui está cheia de confusão, ante a suprema majestade destes reinos a rogar desagravo para levantar uma nobreza tão vilmente abatida sem uma causa, sem uma razão! Justiça meu Senhor!» O fidalgo assistiu embasbacado ao desenrolar da cena, em todo o caso não manifestando o menor protesto. O rei alteando-se encara-o com semblante natural e intima-o a que se defenda da acusação que ouviu, respondendo D. Gomes, que sim, que tudo aquilo era verdade, mas D. Maria Pais da Ribeira fizera-lhe promessas de casamento logo que de novo pisassem terras portuguesas. Para acabar com a clausura imposta por força de ferro e sangue, concluiu D. Afonso II, já enfastiado de tanta loucura e não menos de embustes feminis. Diz-se que foi o próprio D. Martim Pais Ribeiro o executor de D. Gomes Lourenço Viegas que na frase expressiva dum escritor de nome, ao cair sobre ele a execução da tremenda sentença, nem pestanejou. Já o poeta, alagado em suores frios, cabelos hirtos e desgrenhados, rosto de moribundo, gemendo de dor no pobríssimo catre, sentindo as últimas agonias, também exclama: Deus! oh! Deus!... Quando a morte à luz me roube Ganhe um momento o que perderam anos Saiba morrer o que viver não soube D. Maria Pais da Ribeira (a Ribeirinha), senhora de Maçãs, contrairia casamento com o fidalgo galego D. João Fernandes de Lima, o 78

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Bom, de Batissela17 (já viúvo de Berengária Afonso de Baião), descendente de D. Fernando Aires de Batissela, ou de Lima, e de D. Tereja Bermudez de Trava que descendia do conde de Portugal D. Henrique de Borgonha e de sua mulher D. Teresa, filha de el-rei D. Afonso VI, de Castela. Faleceu quase com 90 anos e mandou que a sepultassem no Convento de Santa Maria do Bouro, concelho de Amares. Eis como um historiador do século XIII resumidamente descreve o singular drama, iniciado no termo de Anadia e que teve o seu epílogo em Castelo Rodrigo, ardilosamente preparado, levando à morte sinistra D. Viegas, tresneto dessa grande figura que em Toledo depositou a sua vida e a dos seus nas reais mãos de D. Afonso VII de Leão, que se dispensou de aceitar tão preciosa dignidade: «D. Gomes Lourenço nom foy cazado, mas filhou por força em Avelans a D. Maria Paes Ribeyra q. se vinha de Coimbra, hu soterrara el Rey D. Sancho I de Portugal, q. atrazia consigo, e de quem auia seus filhos; e ela vindo assi muy triste com seu dó para sá terra, e para muy grande algo q. ella auia; e como muyto honrada, que ella era, uindo com ella seu irmão D. Martim Paes Ribeyro, saio a ella a o caminho o sobredito Gomes Lourenço e filhoua por força; e foi chagado D. Martim Paes Ribeyro seu irmão, e levoua para terra de Leão, ca nõ ouzava a ficar na terra, ca ella era muy bem parentada, e pelos feytos, que auia; e o dito Martim Paes seu irmão querelou logo a el-Rey D. Afonso de Portugal, filho del-Rey D. Sancho; e el-Rey D. Afonso deo-lhe sãs cartas para el-Rey 17

«Em 1033 já existia na Galiza o castelo de Batissela de que era então senhor D. Diogo Nuñez de Batissela, que por sua neta D. Isabel Nuñez foi bisavô de D. Fernando Arias, que viveu em tempos de D. Fernando II de Leão (1157-1188).» (FREIRE, Anselmo Braamcamp Brasões da Sala de Sintra. Coimbra, Unv. de Coimbra, 2.ª ed. 1930, L. III - Limas)

79

Ricardo Charters d’Azevedo

Dom Fernando de Leom, que quizesse estranhar tam mao feyto come este. E quando D. Martim Paes chegou a el-Rey D. Fernando de Leom, fezlhe querela, e deolhe as cartas del-Rey D. Afonso de Portugal, e el-Rey mandouo logo emprazar, a q. uiesse a elle, e que trouxesse comsigo D. Maria Paes Ribeyra; e elle como foi emprazado, veose logo a el-Rey a Castel Rodrigo por conselho de D. Maria Paes Ribeyra, q. lhe dizia, que ia bem de ira el-Rey, e poeria avença entre elles, e seu irmão; ca elle nom quizera ir se lho ela nom aconselhara: e quando foy a el-Rey a Castel Rodrigo levou comsigo a dita D. Maria Paes Ribeyra; e tanto, que chegarom a el-Rey, deyxouse cair em terra, e fezlhe querela, de como Gomes Lourenço a rouzara e de como a trouxera por forças de Portugal para terra de Leom, e de como a trazia na terra del-Rey de Leão forçada, e por força: e pediolhe a el-Rey por merçe, que lhe alcase del força, e que lhe fizesse del justiça, pela forca que em ella fizera: e el-Rey dixe a Gomes Lourenço, que respondesse a o que dixera Dona Maria Paes Ribeira; e el dixe que verdade era o que ella dizia, que a rouzara; mas que ella lhe dixe que uiesse ante el-Rey, e que faria a D. Martim Paes Ribeyro seu irmão q. lhe perdoasse, e de mais que cazaria com el; e ella dixe, que esto, que lho nom dixera, se nom para o trazer ante el-Rey, para a ver corregido o mal, que lhe fizera, ca por outra, maneyra nom poderia del vingada ser; e el-Rey mandono matar por elle.» (Nobiliário de D. Pedro conde de Bracelos, Hijo del-Rey D. Dioniz de Portugal ordenado e ilustrado con notas y indices por Iuam Bautista Lavana coronitas mayor del reyno de Portugal. Impresso em Roma por Estevam Paolinio em MDCXL com licencia de los superiores.)

80

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

ANEXO III Pequena memória sobre a descendência de D. Sancho I e das de suas amantes18 D. Sancho I (Coimbra 11.11.1154 – Coimbra 26.3.1211) rei de Portugal filho de El-Rei D. Afonso Henriques e de D. Mafalda de Saboia falecidos, respetivamente em 6 de dezembro de 1185 e 4 de novembro de 1157. Neto do conde D. Henrique e de D. Tereza filha de El-Rei D. Afonso VI de Castela. Casado com D. Dulce, filha de D. Ramon de Berenguer XII conde de Barcelona, principe de Aragão falecido em 6 de agosto de 1162 e de D. Patronilla, rainha de Aragão falecida a 17 de outubro de 1174, tiveram a seguinte sucessão: •D. Teresa, infanta de Portugal (1176 – 1250), casada com Afonso IX, rei de Leão e Castela. •D. Sancha, infanta de Portugal (c. 1180 – 1229). •D. Raimundo, infante de Portugal (c. 1180 – 1189). • D. Afonso II, rei de Portugal (1185 – 1223) casado com Urraca, infanta de Castela. • D. Pedro, infante de Portugal, conde de Urgel, rey de Mallorca (1187 – 1258) casado com Arumbaix, condessa de Urgel. • D. Fernando, infante de Portugal (1188 – 1233) com Jeanne, condessa da Flandres e do Hainaut. 18

Ver: http://geneall.net

81

Ricardo Charters d’Azevedo

• • •

D. Henrique, infante de Portugal (1189 - ). D. Branca, infanta de Portugal (1192 – 1240). D. Berengária, infanta de Portugal (1194 - 1221), casada com Valdemar II, rei da Dinamarca. • D. Constança, infanta de Portugal (1182 – 1202). • D. Mafalda, infanta de Portugal (c. 1198 – 1257) casada com Enrique I, rei de Castela. D. Maria Ayres de Fornelos, filha de Ayres Nunes Fornelos e de Mayor Pires. Depois de ser amante do D. Sancho, casou com D. Gil Vasques de Soverosa, possivelmente descendente do conde D. Gomes de Sobrado (descendente este, por via bastarda, de D. Urraca, rainha de Castela), os de Soverosa são uma das linhagens da alta nobreza medieval portuguesa que mais se destacaram na história política dos séculos XII e XII, vindo a desaparecer em finais deste último. Teve de D. Sancho a seguinte geração: •

Martim Sanches, conde de Trastâmara, que ganhou uma batalha junto do Porto em que morreu Rodrigo Sanches filho de D. Maria Paes da Ribeira e de D. Sancho I e portanto meio-irmão deste Martim que, também por rixas com D. Afonso II meio-irmão, se passou para o reino de Leão onde gozou de grandes privilégios sendo feito senhor de 4 condados; • D. Urraca Sanches, casada com D. Lourenço Soares de Valadares neto de D. Egas Moniz. D. Maria Pais da Ribeira (RIBEIRO, 2011: 79), fidalga de grande formosura (era de “branca de pele, de fulvos cabelos, bonita, sedutora”, qualidades que encantaram o soberano e cativaram os nobres de sua Corte), filha de D. Paio Moniz de Ribeira, alferes do 82

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Rei D. Sancho I e de D. Urraca Nunes de Bragança, que depois de ser amante de D. Sancho I e de D. Gomes Lourenço Viegas, por força, casou com D. João Fernandes de Lima, o “Batissela”, tendo a seguinte sucessão19 de D. Sancho I: •



• • •



D. Rodrigues Sanches que morreu em 1246 junto do Porto sendo sepultado no mosteiro de Grijó dos cónegos regrantes. D. Gil Sanches foi clérigo e trovador mor-rendo em 1236; teve por barregã D. Maria Garcia de Sousa, de quem não teve filhos. D. Nuno Sanches morreu de tenra idade. D. Maior Sanches, religiosa, também mor-reu nova. D. Constança Sanches foi religiosa das Donas do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra morrendo em 8 de agosto de 1269 com fama de santidade, dizendo-se que lhe apareceu S. Francisco e Santo Antonio. D. Manuel I mandando transladar o seu corpo para junto de seu pai D. Sancho, o encontraram intacto. D. Teresa Sanches foi segunda mulher de D. Afonso Teles de Menezes, o “Velho”, rico-homem, 1.º senhor de Albuquerque, Valladolid, Madrid, etc. Morreu no ano de 1230.

De D. João Fernandes do Lima, o “Batissela”, ou o Bom, que já tinha sido casado: • •

Gonçalo Anes de Lima morreu novo. D. Tereza (ou Grácia) Anes de Lima foi casada com D.

19 Sobre a descendência de a Ribeirinha, ver: RIBEIRO, António Francisco Da Franca – Memorial das Famílias do Cadaval – Ribeiro. Cadaval, Textiverso, 2011, p. 49 e seguintes.

83

Ricardo Charters d’Azevedo

Mem Garcia de Sousa, senhor da casa de Sousa, c. g. Mem Garcia de Sousa em quem, por morte de seu irmão D. Gonçalo Garcia, recaiu a grande casa Sousa, foi rico em tempos de El-Rei D. Afonso III que lhe deu a herdade de Rebordãos e se acha confirmada nas escrituras daquele rei e El-Rei D. Diniz em cujo tempo possuía a terra de Panoias e com este título confirma uma doação no ano de 1250 a Estevão Anes. • D. Maria Anes de Lima foi casada com D. Afonso Teles de Menezes, 4.º senhor de Menezes. Segundo Ribeiro (2011: 82) antes de casar terá sido amante de D. Fernando III, rei de Castela, c. g. Gil Vasques de Soverosa foi um político e militar nobre medieval português. Foi rico-homem na corte dos reis Sancho I, Afonso II e Afonso III de Portugal. Exerceu o cargo de tenente em Basto no ano de 1207 e entre 1234 e 1235, tendo sido também tenente de Sousa e Barroso entre 1207 e 1240, e em Panóias e Montalegre. Teve numerosas propriedades na região de Guimarães e foi senhor do Castelo de Sobroso na Galiza. Morreu cerca de 1240 e está enterrado no Mosteiro de Pombeiro. Gil Vasques de Soverosa casou por três vezes. A primeira vez antes de Abril de 1175, com Maria Aires de Fornelos (falecida a 1212), filha de Aires Nunes de Fornelos e de Mor Pais de Bravães e neta de Soeiro Mendes da Maia. Antes deste casamento, Maria teve dois filhos com o rei Sancho I, Martim e Urraca Sanches. Deste matrimónio nasceram: (i) Martim Gil de Soverosa o Bom (morto c. 1259), casou com Inês Fernandez de Castro, filha de Fernão Guterrez de Castro e de Mélia Iñiguez de Mendoza. Deste matrimónio nasceu Teresa Martins de Soverosa, esposa de 84

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Rodrigo Anes de Meneses “o Raposo”, pais de João Afonso de Meneses, primeiro conde de Barcelos e IV senhor de Albuquerque e (ii) Teresa Gil de Soverosa , que teve filhos com Afonso IX, rei de Leão e Castela. Depois da morte de Maria Aires de Fornelos, que se deu antes de 1212, Gil Vasques de Soverosa casou com Sancha Gonçalves de Orbaneja, de quem teve: (iii) Vasco Gil de Soverosa, casado com Fruilhe Fernandes, de Riba de Vizela, foi um trovador, participou na conquista da Andaluzia e recebeu terras no “repartimento” de Sevilha, (iv) Manrique Gil de Soverosa, (v) Guiomar Gil de Soverosa (falecida antes de 1247). O terceiro casamento foi com Maria Gonçalves Girão, viúva de Guilhén Peres de Gusmão, filha de Gonçalo Rodrigues Girão e de Sancha Rodrigues. Maria e seu primeiro esposo, Guilhén, foram os pais de Mor Guilhén de Gusmão, amante do rei Afonso X, com quem teve D. Beatriz, mais tarde, esposa de Afonso III, rei de Portugal. Gil Vasques e Maria Gonçalves Girão foram os pais de: (vi) João Gil de Soverosa (morto depois de 1247), casado com Constança de Riba de Vizela, filha de Gil Martins de Riba de Vizela, sem sucessão. (vii) Fernão Gil de Soverosa (morto antes de 1247) foi filho deste casamento ou do primeiro com Gil Vasques. (viii) Gonçalo Gil de Soverosa (falecido depois de 1247), sem sucessão. 85

Ricardo Charters d’Azevedo

(ix) Sancha Gil de Soverosa (falecida antes de Setembro de 1262). Casou em 1.as núpcias, antes de Novembro de 1257, com Afonso Lopes de Haro, senhor de Los Cameros, de quem foi a segunda esposa, filho do conde Lope Díaz II de Haro, senhor de Biscaia. (x) Dórdia Gil de Soverosa, que foi freira no Convento de Arouca.

86

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Bibliografia – AMORIM, Inês – Manuel Severim de Faria: uma releitura dos remédios para a falta de gente: 1655. Porto: Fac. Letras, 1988. – AMZALAK, Moses Bensabat – A economia política em Portugal: os estudos económicos de Manuel Severim de Faria [S.l. : s.n.], 1922. – BAENA, Visconde de Sanches de – Archivo Heráldico-genealógico. Lisboa: Tip. Universal, 1872. – CABRAL, Maria Luisa, em http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php? printconceito=1045) – CAPITÃO, Maria Amelia Motta – Do ensino das Artes na Universidade de Évora; Évora: em “A cidade de Évora”, separata, 1959. – CHARTERS-D’AZEVEDO, Ricardo – A Estrada de Rio Maior a Leiria em 1791. Leiria: Textiverso, 2011. – CUNHA, Alfredo – Elementos para a história da imprensa periódica portuguesa (1641 – 1821). Lisboa, 1941. – CUNHA, Alfredo – As Relações de Manuel Severim e as Gazetas da Restauração. Lisboa, 1932. – FARIA, Manuel Severim de – Discursos Vários Políticos. Introdução, atualização e notas de Maria Leonor Soares Albergaria Vieira. Lisboa: Imprensa NacionalCasa da Moeda, 1999. – FARIA, Manuel Severim de – Notícias de Portugal. Introdução, atualização e notas de Francisco António Lourenço Vaz. Lisboa: Edições Colibri, 2003. – JORGE, Maria Fernanda Rodrigues – O Senhor Chantre de Évora : Manuel Severim de Faria, o homem e o seu tempo nas notícias de Portugal. Lisboa: Tese Universidade Aberta, 2003. – LISBOA, Fr Christouão de – A Manuel Severim de Faria, chantre da Santa See de Euora, meu irmão... .Lisboa: por Antonio Aluarez, 1638. – MACHADO, Diogo Barbosa – Bibliotheca Lusitana Histórica, Critica, e Cronológica. Lisboa: Na Officina de Ignacio Rodrigues, 1741-1759. 4 v. (v. 3, 1752, p. 368-374). – RIBEIRO, António Francisco Da Franca – Memorial das Famílias do Cadaval – Ribeiro. Cadaval, Textiverso, 2011. – RIBEIRO, José Silvestre – Historia dos estabilicimentos scientificos litterarios e artisticos de Portugal nos successivos reinados da monarchia. Lisboa: Academia Real das Sciências. 1914, vol. 19. – RODRIGUES, Mário Rui Simões – Viagens pela história de Alvaiázere. Alvaiázere: Município de Alvaiázere, 2006.

87

Ricardo Charters d’Azevedo

– SOUSA, Jorge Pedro de, SILVA, Nair, DELICATO, Mónica e SILVA, Gabriel – A Génese do Jornalismo Lusófono e as Relações de Manuel Severim de Faria. Porto: Universidade Fernando Pessoa, 2007. – SOUSA, Jorge Pedro de – Uma história do Jornalismo em Portugal até ao 25 de Abril de 1974. Em Jornalismo: História, Teoria e Metodologia da Pesquisa – Perspectivas Luso-Brasileiras. Porto: Universidade Fernando Pessoa, 2008. – SERRÃO, Joaquim Veríssimo – Viagens em Portuga de Manuel Severim de Faria – 1604, 1609, 1625. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 1974. – SILVA, Joaquim Palminha – Manuel Severim de Faria, o mais douto português do seu tempo: ensaio biográfico. Évora: A Defesa, 2003. – SIMÕES, António Jesus, DIAS, Joana Patrícia, DIAS, Manuel Augusto – Património Religioso do concelho de Ansião. Ansião, Câmara Municipal de Ansião, 2008. – SOUSA, Luís Filipe Marques de – Frei Cristóvão de Lisboa e a sua correspondência com Manuel Severim de Faria, seu irmão. Em Atas: Congresso de História no IV Centenário do Seminário de Évora, 1994. Évora: Instituto Superior de Teologia, 1994. 2 v. (v. 2, p. 127-141). – TENGARRINHA, José Manuel – História da Imprensa periódica portuguesa. Lisboa: Caminho, 1989. – VASCONCELOS, José Augusto do Amaral Frazão de – Ligeiros apontamentos sobre a família de Manuel Severim de Faria. Coimbra: Imp. da Universidade, 1922. – VASCONCELOS, José Leite de – Severim de Faria – Notas biográfico-literárias. Coimbra: Academia das Ciências de Lisboa, 1914, Vol. VIII.

88

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

Nome: Ricardo M. M. Charters-d’Azevedo Local e data de nascimento: Lisboa, 29 de Julho de 1942 Nacionalidade: Portuguesa E-mail: [email protected] Graus Académicos, Instituições, áreas de estudo: Licenciado em Engenharia electrotécnica, ramo de telecomunicações, pelo Instituto Superior Técnico (IST) da Universidade Técnica de Lisboa (UTL), com direito ao título de “Engenheiro” (1970); Pós-graduação em Física de Plasmas no IST da UTL (1972) Cargos anteriores, Instituições: 2004 - 2012 – Assessor principal no Ministério da Educação competindo-lhe a representação de Portugal em diversas organizações internacionais na área da educação; 1988 – 2004 – Alto funcionário da Comissão Europeia; 2004 – Conselheiro na área de Recursos Humanos e Financeiros na Direcção Geral de Imprensa e Comunicação da Comissão Europeia; 1997 – 2004 – Representante da Comissão Europeia em Portugal; 1988 – 1997 – Chefe de divisão no domínio da Educação, Formação e Novas Tecnologias e das suas ligações com a investigação, na Comissão Europeia; 1989 – 1996 – Membro do conselho de Administração do Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional (CEDEFOP) em Berlin e em Tessalónica; 1983 – 1988 – Director Geral do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Educação; 1985 – 1988 – Membro da Comissão de Reforma do Sistema Educativo; 1983 – 1985 – Coordenador nacional do projecto economia e educação da OCDE; 1986 – 1988 – Membro da Comissão executiva do projecto MINERVA referente à introdução das novas tecnologias na educação; 1978 – 1983 – Responsável pela criação, instalação e desenvolvimento do Ensino Superior Politécnico em Portugal, tendo sido o primeiro director do Gabinete

89

Ricardo Charters d’Azevedo

de Apoio à Instalação do Ensino Superior Politécnico de Ministério da Educação; 1977 – 1983 – Adjunto do Director Geral do Ensino Superior, sendo o director de serviços com a responsabilidade da gestão de dois empréstimos para Educação do Banco Mundial em 1977 e 1979 com o fim de apoiar este ensino; 1973 – 1977 – Professor coordenador na Academia Militar (equiparado a “coronel” e director do seu Laboratório de Electrónica e Telecomunicações que fundou (1975); 1970 – 1977 – Docente no IST da UTL no domínio das telecomunicações e investigador na área da Física dos Plasmas com bolsa do Instituto de Alta Cultura; 1968 – 1970 – Professo provisório na Escola Afonso Domingos, em Lisboa. Principal área científica de investigação: (hoje) História, Genealogia e Património. Outras áreas científicas de interesse: Electrónica e Telecomunicações, Desenvolvimento do Ensino Superior e Estudos Europeus. Prémios: Comenda da Ordem do Infante D. Henrique (2004) e dezenas de louvores publicados nos respectivos órgãos oficiais. Tem muitas intervenções e publicações nas áreas da Telecomunicações, Educação/Ensino Superior e sobre Políticas Europeias. Publicações na área de História e Genealogia Livros – Villa Portela, a família Charters d’Azevedo em Leiria e as suas relações familiares (sec XIX), com Profs Doutores Francisco Queiroz e Ana Margarida Portela. Lisboa, Gradiva. 2007 – Doutor D. Frei Patrício da Silva, O. S. A – Um Cardeal leiriense Patriarca de Lisboa(1756 – 1840). Leiria, Textiverso, 2009 – As destruições provocadas pelas Invasões Francesas em Leiria. Leiria, Folheto, 2009 – Quem escreveu O Couseiro?. Leiria, Textiverso, 2010 – A morte do Barão de Porto de Mós. Leiria, Folheto, 2010 – A Estrada de Rio Maior a Leiria em 1791. Leiria, Textiverso, 2011 – Os Soares Barbosa – Ansianenses ilustres. Leiria, Textiverso, 2012 – William Charters – um oficial inglês em Leiria no século XIX. Leiria: Textiverso, 2013.

90

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

EDIÇÕES APOIADAS PELO AUTOR

Couseiro ou Memórias do Bispado de Leiria, transcrição da 2.ª edição, de 1898. Leiria: Textiverso, 2011

Memórias das Caldas da Rainha (1484-1884), fac-símile da edição de 1932. Leiria: Textiverso, 2012

História da Misericórdia de Alcobaça - Esboço histórico desta Misericórdia desde a sua fundação até 1910, fac-símile da edição de 1918. Leiria: Textiverso, 2013

91

Ricardo Charters d’Azevedo

EDIÇÕES APOIADAS PELO AUTOR

Cadernos de Estudos Leirienses. Vol. 1, Maio 2014; Vol. 2, Agosto 2014; Vol. 3, Dezembro 2014. Leiria: Textiverso, 2014

Arquivos de Família: Memórias Habitadas – Guia para salvaguarda e estudo de um património em risco. Lisboa: Instituto de Estudos Medievais (IEM), 2014

Inácio Aires d’Azevedo: Músico com Leiria no coração. Leiria: Folheto, 2014

92

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

LIVROS DO AUTOR

Villa Portela, a família Charters d’Azevedo em Leiria e as suas relações familiares (século XIX), com os Profs. Doutores Francisco Queiroz e Ana Margarida Portela. Lisboa: Gradiva, 2007

Doutor D. Frei Patrício da Silva, O. S. A. - Um Cardeal Leiriense Patriarca de Lisboa (1756 – 1840). Leiria: Textiverso, 2009

As destruições provocadas pelas Invasões Francesas em Leiria. Leiria: CEPAE/Folheto, 2009

Quem escreveu O Couseiro?. Leiria: Textiverso, 2010

93

Ricardo Charters d’Azevedo

LIVROS DO AUTOR

A morte do Barão de Porto de Mós. Leiria: CEPAE/Folheto, 2010

A Estrada de Rio Maior a Leiria em 1791. Leiria: Textiverso, 2011

Os Soares Barbosa – Ansianenses Ilustres. Leiria: Textiverso, 2012

William Charters – um oficial inglês em Leiria no século XIX. Leiria: Textiverso, 2013

94

Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria

COLECÇÃO TEMPOS & VIDAS 1- Invasões Francesas – Leiria, 5 de Julho de 1808: O Massacre da Portela – 200 anos. Carlos Fernandes (org.) 2- Mestre Cordeiro – uma vida filarmónica. Carlos Fernandes e Vítor Cordeiro Gonçalves 3- Filarmónica das Cortes (Vol. I) – Da fundação às vésperas do Centenário. Carlos Fernandes 4- Os Pescadores da Praia da Vieira – O naufrágio do Salsinha. Hermínio de Freitas Nunes 5- Viveiros. Cecílio Gomes da Silva 6- Era assim no Funchal. Cecílio Gomes da Silva 7- 10 anos NOTÍCIAS DE COLMEIAS: 1999-2009. Joaquim Santos (org.) 8- Doutor D. Frei Patrício da Silva, O.S.A. – Um Cardeal leiriense, Patriarca de Lisboa (1756-1840). Ricardo Charters d’Azevedo 9- PEREIRA ROLDÃO – Velha Família da Marinha Grande. Gabriel Roldão 10- Rostos com história. Carlos Fernandes 11- Quem escreveu O Couseiro? Ricardo Charters d’Azevedo 12- Sua Excelência a Moda. Alda Sales Machado Gonçalves 13- Invasões Francesas – Leiria, 5 de Março de 1811: O incêndio da cidade – 200 anos. Carlos Fernandes (org.) 14- D. António Antunes, Bispo de Coimbra, filho ilustre da freguesia da Barreira – Leiria (1875-1948). Pedro Moniz

15- A Estrada de Rio Maior a Leiria em 1791. Ricardo Charters d’Azevedo 16- Couseiro ou Memórias do Bispado de Leiria. (Anónimo) 17- Memórias do Correio de Leiria. Alda Sales Machado Gonçalves 18- Memórias das Caldas da Rainha (1484-1884). Augusto da Silva Carvalho 19- As minhas memórias (Leiria, 19091939). Raul Faustino de Sousa 20- Os Soares Barbosas – Ansianenses Ilustres. Ricardo Charters d’Azevedo 21- Ao encontro da Marinha Grande – Circuitos da memória. Gabriel Roldão 22- 50 Anos de Ocupação do Litoral Oeste. O caso da freguesia de Pataias, Alcobaça. Paulo Grilo Santos 23- História da Misericórdia de Alcobaça. Francisco Batista Zagalo 24- William Charters - um oficial inglês em Leiria no século XIX. Ricardo Charters d’Azevedo 25- O Jornalismo Leiriense e a Grande Guerra (1914-1918) – O caso do sacerdote jornalista José Ferreira de Lacerda. Joaquim Santos 26- Manuel Severim de Faria e a sua ida a Maçãs de D. Maria. Ricardo Charters d’Azevedo OUTRAS COLECÇÕES Ver em: www.textiverso.com ENCOMENDAS: [email protected] 95

Ricardo Charters d’Azevedo

96

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.