Manuel T. de Pinho descreve assim: \"Imagens do Livro do Desassossego de Marcos Girão\"

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Prof. Manuel Tavares de Pinho

“Imagens do Livro do Desassossego de Marcos Girão” Desde 2013 tenho tido o privilégio de manter um contacto quase diário com o Mestre Marcos Girão, uma relação de profundo conhecimento mútuo, dádiva, partilha e comunhão sobre os mais variados aspectos da vida e da arte (poesia, pintura, etc.) em que muito aprendi e enriqueci o meu património poético e artístico, relação descomplexada em que a fusão de ideias foi um denominador comum ao longo destes anos, pese embora o exílio voluntário de ambos: eu na China desde 1991 e Mestre Girão no Brasil desde Setembro de 2012. Personalidade moral e intelectualmente íntegra, com obra já firmada em Portugal, criador com profundo conhecimento teórico e prático no âmbito da pintura contemporânea e suas correntes, Marcos Girão encontrou em Terras de Vera Cruz o «leitmotiv», a inspiração para relançar a sua carreira como artista, lançando-se num projecto de uma enorme ambição, diria mesmo quase megalómano ao transpor para a tela a incrível, perturbadora e universal obra «Livro do Desassossego» de Fernando Pessoa (Bernardo Soares), reinterpretando o texto pessoano através da cor e da criatividade incontida, do sono e do sonho à imagem de Bernardo Soares. Marcos Girão faz da arte a

sua vida e da vida fá-la sonho nas suas telas, nos seus traços, formas, nas cores e materiais que usa na sua pintura no projecto «Imagens do Livro do Desassossego», recriando os passos de Pessoa, seus fantasmas, suas tensões, ironias e modernidade, constituindo a obra no seu conjunto uma leitura pictórica modernista e ao mesmo tempo vanguardista, única na medida em que foi ou é o único pintor que ousou tratar pictoricamente esta obra pessoana, embora haja ali e acolá no tempo (Almada Negreiros e outros mestres portugueses e não só…) que fizeram uma tentativa tímida de retractar apenas os contornos físicos do poeta Recuando a 2013, ano em que tive o prazer de trocar as primeiras impressões com Mestre M. Girão sobre o projecto «Imagens do Livro do Desassossego», nunca tive dúvidas, pese embora a grandeza a dimensão e o desafio que se lhe colocava para levar o projecto a bom porto, repito, nunca tive dúvidas de que seria capaz de recriar os universos visíveis ou ocultos de B. Soares através do pincel, procurando manter a fidelidade ao texto, à palavra pessoana, tornando-se, na minha opinião, num caso único da pintura contemporânea portuguesa. Se é bem verdade que o texto pessoano vale por si mesmo, a leitura pictórica, cósmica que Marcos Girão faz dela com recurso à tela, à cor ao traço, à técnica transfigura em boa medida o texto original, enriquecendo-o, dandolhe outras leituras plurais possíveis num fluir torrencial de sentidos, metáforas, imagens e relações entre o mundo onírico e o mundo real do poeta autor e do pintor criador A portugalidade, o portuguesismo, no bom sentido dos termos, a alma lusa, e mesmo esse império pessoano com raízes em Padre António Vieira estão bem patentes nas telas de Marcos Girão, no seu processo criativo quase vulcânico, um pouco á semelhança do autor do L.D., completando o texto original com o recurso à imagem feita de inúmeras imagens, rostos com traços ora a lembrar Picasso e as correntes inovadoras do início do século XX, a par das correntes mais recentes das décadas de sessenta e setenta. Só pela ousadia de Marcos Girão perante um texto de enorme complexidade, Marcos Girão não só actualiza o texto como também nos dá novas pistas de leitura à luz da época em que vivemos, também ela de grande complexidade e profundas transformações, sempre

questionáveis, em que o Homem, o escritor, o poeta e o pintor se cruzam numa simbiose universalista que se constrói, desconstrói e reconstrói perante o olhar de cada observador, o ângulo, a perspectiva de visão de cada um. Em resumo, Marcos Girão apresenta-nos um Império de sentidos e pensares plurais num outro império – O Império da Imagem-, numa linguagem plástica harmoniosa semântica e semioticamente rica em sinais, símbolos e signos, onde o todo do universo pessoano de Bernardo Soares se concentra, dialoga e se desdobra numa multiplicidade de sensações imagéticas, num corpo onde o sujeito e o objecto poético e pictórico da criação artística confluem e se fundem nas mesmas águas do oceano da imaginação. Se por um lado o pintor transborda numa harmonia perturbadora, o texto pessoano rompe com todas as margens e cânones através da imagem interpretativa de Marcos Girão. A poesia é essencialmente magia música harmonia e cor da palavra, por outro lado a arte de Mestre Girão é tudo isso e muito mais: o sono e o sonho da borboleta da lendária estória de Zhuangzi. O projecto «Imagens do Livro do Desassossego» marcará seguramente a história portuguesa da pintura contemporânea e dará certamente um novo fôlego à leitura e reinterpretação do «Livro do Desassossego». Por isto, o que em si mesmo já não é pouco, e pela coragem de Marcos Girão a literatura e pintura portuguesas estão de parabéns por este enorme contributo. Como diz o provérbio chinês «Vale mais uma imagem do que mil palavras!»

Prof. Manuel Tavares de Pinho 31-7-2015 Texto escrito para o catálogo da Exposição de Pintura «IMAGENS DO LIVRO DO DESASSOSSEGO» de MARCOS GIRÃO

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